Categoria: Opinião

  • O Eixo do Mal

    O Eixo do Mal

    Estava na rua e vi um amigo. Parei para o cumprimentar.

    Ao fim de um minuto, e depois de umas banalidades sobre se a vida corre bem ou mal, e uma ou outra sobre o tempo, passando pelo badminton, perguntou-me por que não fazia eu um texto sobre O Eixo do Mal, o programa da SIC Notícias que se arrasta há anos. 

    Disse-lhe que não estava interessado, que não via o programa há muito e que só a ideia de o voltar a ver me deixava mal-disposto. É claro que, às vezes, ainda ouço ou vejo ao longe, num café ou numa sala de espera, os comentadores a dispararem balas secas para algum lado, e até sinto a velha cumplicidade amiga entre eles, o que até podia ter piada. Mas depois, só de ouvir uns minutos, vem logo ao de cima a energia má onda da Clara Ferreira Alves, em que parece que as veias do pescoço vão rebentar para cima da mesa; as banalidades assertivas do Pedro Marques Lopes, com a sua voz tremendamente irritante; as lições de moral em ponto de ebulição do Daniel Oliveira, com o seu ar de sabichão marxista; e as mexidelas neuróticas na cadeira, com alguma verve à mistura, do jovem cinquentão Luís Pedro Nunes. Não mudaram muito desde a última vez que vi um programa completo para aí em 2010. Continuam exaltados a fingir que são cool

    Na verdade, as fisionomias não mudaram muito.

    Acrescentei ainda que o apresentador não era o mesmo, sobre o qual nada tinha a dizer por desconhecimento da personagem. Mas tinha bom ar, e lembro-me vagamente dele numas entrevistas aparentemente bem conduzidas no Canal Q e já agora, Aurélio é um nome com alguma piada fonética. Este programa não era certamente como os bons vinhos que ficam melhores com a idade. Fiz notar.

    Ilustração de Alex Farac

    Ele voltou a insistir para que escrevesse um texto, ainda que curto, só para dizer mais ou menos aquilo que acabara de ouvir como resposta. Nem era preciso desenvolver muito, era só para ficar a nota, palavra aliás muito usada no programa, fez-me saber.

    Este amigo nunca me levava a sério. Enquanto lhe ia dizendo estas coisas, ele só se ria, mas estranhamente via o programa como um acto masoquista, dizia ele com um flácido sorriso nos lábios. Era o hábito.

    Gostava da música do genérico e tinha um especial prazer em tentar adivinhar as roupas que iria ostentar a Clara Ferreira Alves em cada novo episódio, já que tinha alguma irreverência para a idade e até surpreendia nas cores e nas lãs. Disse-me até que já tinha adivinhado umas quantas vezes, num jogo absurdo de adivinhas fashion que mantinha com a namorada.

    Também jogava noutros canais e acertava com alguma frequência no prognóstico que fazia aos penteados da Raquel Varela, noutro programa similar na RTP3.

    A historiadora do trabalho, garantiu-me o meu amigo, mudava de penteado a cada semana e já lá iam mais de dez anos de programa. Portanto mais de 200 penteados pelo menos, deduzi. Garantiu-me que sim. Mas o que andava eu a perder… Não há cabeça que aguente tanto secador.

    Ilustração de Alex Farac

    Primeiro, eu não sou critico de televisão, disse-lhe aumentando o tom da minha voz só de pensar nos actores do programa com nome de Bush, ainda não aprendi a moderar-me. As coisas continuam a enervar-me como se ainda fosse um adolescente, embora, tenha já escrito alguns artigos sobre situações televisivas, já que ser critico da televisão é uma redundância, uma obrigação porque toda a gente devia ser critica de televisão por natureza. A televisão nasceu para ser criticada mesmo antes de a ligar. Quem inventou a caixa negra foi um génio, pertencia certamente ao Eixo do Mal. Inventou o melhor sonífero de sempre para que se sonhe acordado. Depois quem desenvolveu os programas de comentário devia ter muita raiva ao mundo.

    É verdade que exerce algum fascínio catódico sobre mim claro, a caixa idiota está feita para isso e vejo mais rapidamente os programas cor-de-rosa da Maya que os noticiários e programas de debate. É que nos eixos-do-bem somos obrigados a ouvir, por muito que não queiramos.

    O Rui Santos de blazer a falar de futebol consegue ser menos previsível que os do Expresso da Meia-Noite, de camisa e mangas arregaçadas na descontra, mas também calma, não vejo o jornalista desportivo a pregar moral futebolística todas as semanas, era o que mais faltava.

    Pareço aquela personagem do Caro Diário do Nanni Moretti que não conhecia as ilhas que deviam visitar, mas sabia tudo acerca delas, inclusivamente onde ficavam as melhores pastelarias, acrescentou o meu amigo em tom de gozo. Nunca via os programas, mas sabia tudo, género síndrome Big Brother em que no fundo toda a gente passa por lá, mas ninguém assume. A coscuvilhice funciona. É universal e a Endemol estudou em Tavistock.

    Lembrei-me dessa personagem do filme italiano e ri-me. Aliás, esse filme antigo ataca bem a televisão. Mas em 1994 ainda não havia Internet e redes sociais eram discotecas controladas por profissionais de relações publicas. O mundo mudou.

    O Eixo do Mal não.

    Ilustração de Alex Farac

    Escrever sobre um programa é estar a dar importância ao programa, embora ache que ninguém leia as minhas crónicas-ou-lá-o-que-isso-é, não o posso saber, não estou nas redes, não existo, o que para mim é igual ao litro.

    Escrevo porque gosto de escrever e assim posso mudar de estilo quando quiser. Até posso mentir que ninguém me chateia. Posso dizer mal, bem, mais ou menos mal, mais ou menos bem, posso até exagerar que ninguém me censura, muito menos o director do PÁGINA UM, que é um herói contemporâneo. Um Clint Eastwood do Macintosh sem os excessos musculados do americano. Um justiceiro que é preciso levar a sério mesmo que não tenha as paisagens do Texas atrás em planos heróicos e comprometedores como só o cinema sabe fazer. Precisamente uma coisa que me irrita nesses programas é nunca pegarem em nada que saia daqui do jornal online, como se os jornalistas do P1 andassem a brincar aos jornalismo. E por saber disso por dentro ainda me afasto mais. As Lusas e Reuters produzem, os Ricardos realizam, e os Oliveiras actuam. E amanhã será igual.

    Mas por outro lado, a verdade é que percebo bem qual o papel atribuído àquela gente no Matrix. Esquecemo-nos muitas vezes, mas todos eles recebem um cheque no fim do mês, ainda que vá ficando cada vez mais magro. O próprio “papel” começa a escassear. Há muitas alterações não só climáticas no horizonte e os comentadores têm de comer, o que torna a compreensão mais compreensível para ser redundante sem ninguém me chatear com o redundamento. Para regras, basta ver o Eixo do Mal semanalmente. Quem nos dera que não as seguissem.

    Já ninguém é punk? Charles Bukowski era.

    Se não houvesse uma Clara haveria outra obscura qualquer, vinda das universidades a fazer o que é preciso. 

    Os agentes de casting não param para comer uma sandes mista. O relógio chega a ter mais de 24h. O incrível aqui é o programa durar há tanto tempo. Ser um dinossauro em 16 por 9, catapultado ainda do 4 por 3, há-de ter algum segredo. E não deve ter grandes audiências como aliás muito poucos programas fora dos big brothers, têm. Já para não falar das dividas acumuladas pelos grupos mediáticos que sobrevivem sabe Deus como.

    Deus… E o PÁGINA UM.

    Todo um mistério… Para quem não leia o PÁGINA UM.

    A minha dúvida é se eles sabem do seu papel, se têm consciência do que representam, alguém tem de o fazer, é certo.

    Chego à conclusão que se trata de teatro, o problema é que já está toda a gente cansada da dramaturgia e não é fácil mudarem paulatinamente de peça. Os actores vão mudando de vez em quando, parece a série Neighbours. E o Shakespeare aqui não manda nada. Se há coisa que estes programas não têm é elegância. Às vezes é uma gritaria desenfreada, ouve-se na rua.

    Lembra mais Marquês de Sade representado pela Comuna.

    A Realidade também não é assim tão profícua, pelo menos da forma como a estratégia está montada. Já adivinhamos no futuro próximo as alterações climáticas ainda mais alteradas a ser debatidas com a culpa do Trump e da ganância capitalista, as fake news, as eleições dos EUA, as observações em falsete do Pedro, as indignações do Daniel, as irritações nervosas com olhares fugidios para o tecto da Clara, e o ar blasé como se nada tivesse a ver com aquilo do Luís.

    Uma seca expectável descomunal.

    Ilustração de Alex Farac

    E os cães ladram, mas qualquer dia as caravanas passam-se.

    Se é para jogar a sério ao Matrix mais vale ver uns putos conspirativos da terra plana no YouTube, é bem mais divertido, ao menos tem semelhanças com um filme de acção americano, com ritmo, suspense e finais inesperados. Se é para seguir a telenovela informativa do costume, aconselho os velhos e passarem pela plataforma e deixarem-se ir pelo algoritmo, que hão-de aprender alguma coisa, nem que seja que os répteis andam aí, tomam café connosco, os extraterrestres têm a cabeça na Lua e que os pássaros assim como a morte não existem, já que para mim quem não “existe” são estes 4.

    Não, definitivamente não vou escrever, disse eu ao meu amigo que se despediu a rir, sem mais uma vez me levar a sério.

    Ruy Otero é artista media


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  • Marinha portuguesa: o Polígrafo engana

    Marinha portuguesa: o Polígrafo engana


    O Polígrafo afirmou que a Marinha portuguesa é a mais antiga do Mundo. Informei-o que não é verdade. O Polígrafo não reconheceu o erro, e o texto continua ativo. Este caso prova que os factos e o rigor metodológico são alheios ao Polígrafo e à sua editora-executiva, Salomé Leal, em concreto. O Polígrafo não tem credibilidade como fonte de informação.

    Vejamos toda a sequência de factos, pois é ainda mais eloquente do que o resumo.

    Em 9 de Setembro de 2022, Salomé Leal fez um “fact-check” (dizer “verificou uma afirmação” é popularucho…) sobre a afirmação, que circula na Internet, de que a nossa Marinha é a mais antiga do Mundo: “Marinha mais antiga do mundo tem 705 anos e é portuguesa”, destaca-se nas redes sociais – Poligrafo (sapo.pt).

    brown wooden ship on sea shore during daytime

    Foi a Armada (designação mais rigorosa do que “Marinha”) que, em 2017, pela primeira vez, o proclamou, sem ter nem apresentar qualquer fundamento sólido: Cerimónia de encerramento das Comemorações dos 700 anos da Marinha (youtube.com). A Armada tem continuado a fazer esta afirmação, e continua sem ter nem apresentar qualquer fundamento sólido: 707 anos de Marinha Portuguesa.

    Esta matéria atravessou-se na investigação que venho fazendo desde 2007 sobre as origens do órgão administrativo de capitão de porto e das autoridades marítimas em geral. Deste alargamento da minha investigação resultou um artigo, submetido em Setembro de 2023, à crítica de especialistas e ao processo de revisão por pares. Nesse artigo mostro que há várias marinhas de guerra na Europa mais antigas do que a portuguesa; e noto que em 1317 foi feito um contrato com um almirante genovês, Manuel Peçanha, e que esse contrato não criou um serviço público, só se estendia aos seus herdeiros, cuja linhagem acabou um século e meio mais tarde. Assim, desmenti e desminto as afirmações da Armada, e o “fact-check” do Polígrafo, da autoria de Salomé Leal.

    Em 03-Jul-2024, contactei o Polígrafo e Salomé Leal, notando que a Marinha não tinha sequer 700 anos, nem era a mais antiga do Mundo. Por isso, o “fact-check” estava errado, e devia ser removido, porque estava a enganar os leitores.

    Salomé Leal respondeu-me em 8 de Julho de 2024. Destaco quatro aspetos dessa resposta:

    • “[…] O seu argumento menciona marinhas como as de Génova e Castela, que já não existem como entidades em serviço contínuo, o que é fundamental para a narrativa que está a contestar. […]

    A condição “em serviço contínuo” não consta da afirmação verificada, nem da verificação. Foi adicionada na resposta para validar o “fact-check”. Não o valida, mas isso é irrelevante neste contexto: adicionar condições depois do texto publicado revela falta de seriedade intelectual (pelo menos). Acrescento que, por exemplo, a marinha de Castela foi a base estruturante da marinha de Espanha, pelo que mesmo a condição adicionada não desfazia o erro substantivo e formal de Salomé Leal.

    • “[…] A nossa posição baseia-se em fontes amplamente reconhecidas, como o US Naval Institute e o Civil Services Examination (CSE) do Union Public Service Commission (UPSC), entre outras. Estas fontes, consideradas oficiais e respeitáveis, apoiam a tese de que a Marinha Portuguesa é a mais antiga em serviço contínuo. […]”

    As fontes que podem infirmar ou confirmar eventos históricos são os historiadores, através dos seus trabalhos publicados e sujeitos a revisão pelos pares. As organizações que Salomé Leal refere (no “fact-check” refere mais duas) não produziram investigação própria (e não deixam de ser responsáveis por isso; só não são referências na matéria); cingem-se a ecoar o que a Armada portuguesa afirmou e difundiu em 2017. Um evento histórico não se verifica por alguém, ou alguma organização, apoiar teses. Mais: uma investigação intelectualmente honesta busca divergências; e se há várias versões sobre um evento histórico, ele não se pode considerar um facto provado.

    • “[…] Repare que a sua abordagem é tão válida como qualquer outra. […]” Salomé Leal não percebe que um trabalho académico, sujeito a revisão por pares, não é uma abordagem equivalente a encontrar quem ecoa uma posição, não procurar quem a contrarie, e daí concluir que ela é verdadeira. A única coisa que Salomé Leal fez foi encontrar eco a uma posição; não apurou os factos nem se a afirmação era verdadeira. Isso dá mais trabalho, a que a senhora obviamente se quis poupar; mas sem a humildade que deve nortear quem busca os factos com rigor e seriedade.
    • “[…] assume que não há estudos amplamente aceites que possam desacreditar a narrativa de que a Marinha Portuguesa é, efetivamente, a mais antiga em serviço contínuo. […]” Esta afirmação é falsa: eu afirmei exatamente o contrário no meu estudo. A falta de rigor e de seriedade intelectual de Salomé Leal é chocante; mas mentir, voluntariamente ou por leitura enviesada, é repugnante.

    O Polígrafo anuncia que consulta “fontes de natureza documental que possam solidificar o processo de checagem”, conforme se pode let em O nosso método – Poligrafo. Admitamos que o texto quer dizer o que parece, embora esteja longe de ser claro e rigoroso. Este método é inadequado para avaliar eventos históricos. Para tratar deste tipo de eventos, não basta uma consulta; é necessário estudar e comparar, porque só é adequado o fundamento em fontes documentais acreditadas por especialistas (em geral, historiadores) através de estudos em publicações especializadas e com revisão por pares. E para fazer uma afirmação definitiva, como “a mais antiga”, não pode haver posições divergentes, ou dúvidas fundamentadas. Portanto, o método do Polígrafo é inadequado para o “fact-check” em causa; e por isso, errou a conclusão. Expliquei isto mesmo a Salomé Leal.

    Pior do que um método inadequado é que Salomé Leal e o Polígrafo não foram capazes de reconhecer o erro, e atuar em conformidade, como resulta de o texto em causa (ainda) estar ativo no mural do Polígrafo.

    E, como se fosse pouco, Salomé Leal recorreu a desculpas infantis para evitar reconhecer o seu erro, e que nada mais fizeram do que exibir com arrogância a sua ignorância sobre apuramento de factos. Este ponto é especialmente grave, pois informa-nos que se licenciou em Comunicação. Se erra os factos, não reconhece o erro, e ainda se desculpa infantilmente, não está a informar.

    Uma vez que Salomé Leal é a autora de vários “fact-checks”, e é editora-executiva do Polígrafo, está demonstrada a total falta de credibilidade do Polígrafo: não sei o que visa ou faz; mas sei que não informa e até engana, e nem reconhece os erros.

    Jorge Silva Paulo é doutorado em Políticas Públicas


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  • PÁGINA UM: novo ciclo com redobrada vontade

    PÁGINA UM: novo ciclo com redobrada vontade


    Iniciamos hoje um novo ciclo do PÁGINA UM, que espero, com a ajuda dos leitores, que seja muito breve. Não é um recuo, não é por desmotivação; é por necessidade, diria, estratégica para, face a um projecto que se pretendeu sempre auto-sustentável financeiramente (apenas com o apoio dos leitores), reacertar o rumo em prol do jornalismo independente.    

    Ao invés de mantermos, num esforço titânico, uma periodicidade diária com poucas notícias, artigos de opinião, entrevistas e outros conteúdos, passaremos a ‘renovar’ integralmente o jornal numa periodicidade quinzenal. A primeira edição com a nova periodicidade será já o próximo dia 8 de Agosto.

    A opção seria contratar mais jornalistas, mas isso implicaria compromissos financeiros que arriscavamos não cumprir, inviabilizando os princípios do PÁGINA UM, obrigando-nos ao endividamento. Não temos dívidas; não queremos ter dívidas, por ser essa a porta para a perda de independência.

    flat ray photography of book, pencil, camera, and with lens

    Na prática, o PÁGINA UM pouco reduzirá a sua ‘produção’; apenas funcionaremos como um tradicional jornal quinzenal, talvez com mais impacte no dia da sua saída, mas que pode perfeitamente prolongar-se ao longo dos dias seguintes. Aliás, como já sucede com algumas notícias. Por exemplo, a notícia de anteontem sobre a TVI continua, ainda agora, com uma muito assinalável leitura.

    Vamos querer, em pouco tempo, passar para uma periodicidade semanal e, se as condições o permitirem, retomar a edição diária com mais conteúdos, até para potenciar ao máximo a nossa nova redacção. Os leitores e apoiantes são um factor importante, tal como têm sido ao longo do nosso percurso.

    Assim, a partir do dia 8 de Agosto, a cada duas semanas, e sempre às quintas-feiras, colocaremos em linha uma investigação em manchete, mais sete notícias sobre assuntos relevantes, a reportagem histórica do jornalista Rui Araújo, o editorial, as rubricas do Serafim e do Brás Cubas, mais seis artigos de opinião, incluindo o podcast ‘Alterações Mediáticas’, da Elisabete Tavares, bem como os textos (mais ou menos regulares) de José Melo Alexandrino (e estou particularmente ‘ansioso’ em vos poder mostrar o seu próximo, que muito útil se afigura para reflectirmos sobre os limites que alguns querem impor à imprensa), Vítor Ilharco, Luís Gomes, Ruy Otero e Tiago Franco, sem prejuízo de outras colaborações.

    Teremos ainda, quinzenalmente, quatro entrevistas, incluindo a Hora Política (com uma figura pública) e duas conversas com escritores no âmbito da Biblioteca do PÁGINA UM. Posso já anunciar, até por já estarem gravadas, as entrevistas ao escritor Rui Cardoso Martins e à tradutora (e ex-editora) Ana Maria Pereirinha.

    Na secção da Cultura, também renovada quinzenalmente, contaremos com as colaborações de Clara Pinto Correia, de Lourenço Cazarré, de Sílvia Quinteiro e de Bruno Rama, além do meu próprio ‘baú de dispersos’. E teremos também as recensões, com as críticas habituais de Ana Luísa Pereira, Maria Carneiro, Paulo Moreiras, Mariana Santos Martins e Natália Constâncio, entre outros colaboradores mais fortuitos.

    E, claro, serão mantidas, esperando com a regularidade que merece, os podcasts ‘Os economistas do diabo’, os debates entre mim e o Luís Gomes, e ‘O estrago da nação’, as discussões, com a minha moderação possível, entre o Tiago Franco e o Luís Gomes.

    Em simultâneo, vamos reactivar as conversas e contactos com os nossos leitores e apoiantes, que infelizmente, na azáfama destes quase mil dias de existências (desde 21 de Dezembro de 2021), fomos perdendo.

    Não pensem, por tudo isso, que estamos a fraquejar. Pelo contrário, muito pelo contrário. Estamos bem vivos, e queremos assim continuar. E mostrar que podem apostar em nós. Estamos prontos para incomodar, para continuar a incomodar: como deve(ria) todo o Jornalismo que (se) presta.


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  • Gouveia e Melo, os lacaios e o Jornalismo castrado numa bandeja

    Gouveia e Melo, os lacaios e o Jornalismo castrado numa bandeja


    Desde 2008, nos registos da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) – que inclui a actual época, da maior promiscuidade entre jornalismo e negócios, de deontologia amoral e de atropelos de ética –, apenas se contabiliza uma repreensão escrita contra um jornalista, neste caso uma jornalista de uma rádio alentejana, por reiterado plágio de trabalhos de colegas da concorrência.

    Provavelmente, pela canina vontade dos membros da CCPJ – a começar pelo Secretariada e a acabar na Secção de Disciplina – haverá um segundo nome, e logo primário, apesar de décadas de carreira no jornalismo, incluindo periódicos então no topo: EU.

    clear wine glass

    Claro está que muita água passará por debaixo da ponte – e o caso, agora em fase de acusação, que demorou ao relator um ano, deve seguir para o tribunal administrativo se as mesmas pessoas que agora me acusarem me quiserem aplicar uma sanção, uma vez que a CCPJ se rege por normas do Direito Administrativo, mesmo se os seus membros considerem que ali podem fazer o mesmo que (e bem ou mal, nesse caso não me interessa) fazem nas suas respectivas casinhas, apartamentos, moradias ou vivendas.

    Confesso – não qualquer culpa ou falha – que não lhes facilitei a vida. Desde o meu regresso ao jornalismo em 2021, depois de um longo interregno, que, através do PÁGINA UM, tenho causado arrelias aos senhores e senhoras jornalistas que sempre estiveram ali na CCPJ a fazer pela vidinha e a fazer de conta que há regulação, mas que fecham olhos aos fortes, e arregaçam a dentadura aos que eles consideram fracos. Obter informação sobre o quotidiano e a acção da CCPJ tem sido uma travessia que tem levado o PÁGINA UM a intentar queixas na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) e ao tribunal administrativo. Uma vergonha quando uma das entidades mais obscuras da Administração Pública é uma entidade exclusivamente liderada por jornalistas.

    Também fiz questão – ‘crime de lesa-majestade’ – de colocar em causa os méritos, que eram legalmente necessários para o cargo, da actual presidente da CCPJ, que pode ser senhora simpática e esforçada, mas que chegou ao cargo como estagiária de advocacia, sem currículo académico nem técnico, e um colossal ‘chumbo’ no acesso à magistratura. A senhora tem movido mundos e fundos para me castigar – e no caso dos fundos, dizem-me duas fontes credíveis, que ela quer (ou quis) que os trabalhos de um advogado que contratou fossem pagos pela própria CCPJ… E não são montantes baixos, que os honorários de ‘advogados à seria’, que não é o caso da Doutora Licínia Girão, se fazem pagar bem.

    Miguel Alexandre Ganhão, editor do Correio da Manhã e da CMTV, foi o relator da acusação. Notem: um dos responsáveis editoriais de órgãos de comunicação social que foram denunciados por práticas de promiscuidade (aqui e aqui) foi quem instruiu o meu processo de acusação, e vai agora ‘julgar-me’.

    De igual modo, estou agora nestes preparos de uma repreensão por escrito, porque recusei uma saída airosa: o Papa veio cá de visita à terrinha no Verão passado, para abençoar o povo, e a CCPJ ‘ofereceu-me’ um brinde para o meu processo disciplinar então em fase de instrução: amnistia. Houve 15 jornalistas que aceitaram esse brinde. Eu não, porque não se anda no jornalismo para receber bênção do Papa nem de ninguém. E nem agradeci: pelo contrário, mandei publicamente que metessem a amnistia ‘onde o sol não brilha’. Parece que, diz agora a acusação, que nem sequer poderia fazer isso, porque era uma oferta secreta, tudo é secreto. Estou-me a recordar de uma instituição secular onde o secretismo dos processos era sagrado: a Inquisição!

    Mas, afinal, vamos ao motivo – ou crime – para a minha iminente ‘condenação’ – que seria pelos ‘meus pares’ se aquele grupo que ‘infecta’ a CCPJ fosse por mim reconhecido – a uma repreensão escrita com averbamento, ficando assim às portas de uma eventual suspensão da carteira profissional (imagino os Moet & Chandon ou Barca Velha que se abririam, se se avançasse depois para esse patamar).

    Tudo começou – que raio de ideia a minha, ? –, porque decidi pedir documentos administrativos à Ordem dos Médicos sobre uma campanha de solidariedade em tempos de pandemia que envolveu 1,4 milhões de euros e que me ‘cheirava a esturro’.

    Depois, não me sendo concedidos, apresentei queixa à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

    Como mesmo assim não me deram acesso aos documentos, recorri ao Tribunal Administrativo de Lisboa.

    Enfim, fui arranjando ‘lenha para me queimar’: fiz três coisas que um verdadeiro jornalista deve fazer, embora a esmagadora maioria dos jornalistas já nem faça a primeira: pedir formalmente documentos administrativos em moldes que anuncia que haverá passos seguintes se não houver resposta satisfatória.

    Tudo tem valido para ‘apagar’ o impacte e denegrir uma investigação jornalística que se baseou em documento apenas obtidos depois de intervenção do Tribunal Administrativo. ‘Queimar’ o mensageiro tem sido uma acção concertada.

    Após o acesso aos documentos que a Ordem dos Médicos – então liderada pelo actual deputado do PSD Miguel Guimarães – e a Ordem dos Farmacêuticos – então liderada pela actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins – foram obrigados a me facultar, analisei e interpretei essa informação, e fiz aquilo que poucos jornalistas fazem: revelei, sempre com base em documentos que permitiam escrever o que escrevi, entre muitas outras coisas, uma combinação entre o então líder da task force da vacinação contra a covid-19 e o bastonário da Ordem dos Médicos para se administrarem doses a médicos não-prioritários, contrariando as normas da DGS, sem autorizações superiores, e envolvendo o pagamento de cerca de 27 mil euros ao Hospital das Forças Armadas. Recorde-se que Gouveia e Melo tinha então funções atribuídas no Estado-Maior das Forças Armadas. E esta ‘ajudinha’ à Ordem dos Médicos foi convenientemente compensada com elogios e prémios.

    Para a escrita dos artigos, ouvi quem considerava dever ouvir, mas como comentários, e não como contraditórios (documentos oficiais não têm ‘contraditório’), mesmo tendo em conta que a esta notícia, tal como outras neste dossier de investigação, se baseava em documentos administrativos. O Ministério da Saúde – que era o responsável máximo do processo de vacinação, até porque à data dos eventos em causa a task force nem sequer tinha competência para aquele tipo de autorizações – decidiu nem sequer responder a dois pedidos de comentários.

    No decurso desta notícia, a Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) decidiu em Janeiro de 2023 abrir um processo de esclarecimento. Mais de um ano depois, em vésperas de prescrição (a IGAS aprecia estes procedimentos quando quer) concluiu não haver qualquer anormalidade, mesmo não tendo investigado quem foi mesmo vacinado, enganou-se convenientemente na data de uma norma para aparentar legalidade no processo de vacinação e fechou mesmo os olhos a uma ‘confissão’, em e-mail de Miguel Guimarães, de que um político foi vacinado à boleia. Mesmo assim, a IGAS enviou todo o processo relativo ao pagamento ao Hospital das Forças Armadas, numa prestação de serviços que nem sequer foi registada no Portal Base, a plataforma da contratação pública.

    Gouveia e Melo, actual Chefe do Estado-Maior da Armada, foi coordenador da task force. Para a estratégia de ‘limpar’ a sua intervenção num caso revelado pelo PÁGINA UM tem tido outro aliado: a (até agora) inacção do Ministério Público em esclarecer as ilegalidades e irregularidades de uma campanha de suposta solidariedade, com dinheiros de farmacêuticas, liderada por Miguel Guimarães e Ana Paula Martins.

    Como resposta, Gouveia e Melo, então já Chefe de Estado-Maior da Armada, decidiu atacar em várias frentes contra mim: queixa judicial (que seguirá agora para julgamento, porque decidi não pedir abertura de instrução), queixa à ERC e queixa à CCPJ.

    O Ministério Público acompanhou a queixa judicial sem sequer, aparentemente, mexer uma palha sobre os factos relatados por mim: desde Maio do ano passado, perguntei por várias vezes ao Gabinete de Imprensa da Procuradoria-Geral da República se houve qualquer diligência sobre essa matéria. Nunca houve resposta. No mês passado, fiz formalmente uma denúncia de toda o processo. Não soube ainda nada.

    No caso da ERC, como seria de esperar, houve um ‘puxão de orelhas’, numa deliberação inqualificável em Março do ano passado, ‘cozinhada’ em tempo recorde, que mereceu a minha devida resposta.

    Faltava completar o ramalhete, e compor mais um ‘favorzinho’ ao Almirante – e limpar um caso de ilegalidades e irregularidades que também mancham a ministra da Saúde e um deputado do PSD –, surgem ‘jornalistas’ que venderam a essência do Jornalismo por menos de ’30 moedas’, e querem-me meter no pelourinho.

    Sem pudor nem pejo, a CCPJ quer castrar – mesmo sem aspas – o melhor que o Jornalismo sempre deve possuir para se honrar: a independência para jamais proteger, nem por preguiça ou negligência, interesses instalados; o arrojo de enfrentar os poderes; a coragem de lutar pela liberdade de informação até ao limite (e neste caso até nos tribunais); a persistência na busca da verdade e da justiça. O Jornalismo não é um tribunal nem tem os meios de investigação de uma polícia, mas tem o dever de, com os meios possíveis, revelar casos que devem merecer a crítica e investigação. Tem o dever social de não calar, de ousar pela escrita, pelo som e pela imagem, de causar impacte. Mudança, e não estagnação. É sempre isso que me tem norteado: não deixar, através da escrita, revelar o que está mal e evitar que, nem que seja por adormecimento, nos retirem direitos democráticos aos pedaços.

    a man's hand with a handcuffs and a glass of water

    Na verdade, não me vejo como herói nem tão-pouco como um eventual herói injustiçado e difamado – até porque uma eventual ‘condenação’ da CCPJ valer-lhes-á mais como vendetta, servindo para lançar um labéu contra o PÁGINA UM, que tem mostrado também os podres da imprensa portuguesa, como foram os casos das revelações feitas em primeira mão sobre as dívidas (incluindo ao Estado) da Trust in News e da Global Media, ou as promiscuidades e gestão amoral em outros grupos, como o Expresso, o Público, a Medialivre e a TVI, apenas para citar alguns.

    Vejo-me sim apenas como um jornalista num cenário anacrónico, onde na cúpula da regulação, na CCPJ, estão apenas uns lacaios. Ia escrever uns ‘reles lacaios ao serviço do Almirante Gouveia e Melo’, mas será melhor retirar a parte “ao serviço’ do dito, não vá ele aplica mais um processo com os meios da Armada, até porque, ‘mentes maldosas’ podem associar lacaio a contrapartidas, que estes sempre aguardam – diz-se…


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  • O PÁGINA UM no seu labirinto: vamos mudar a frequência

    O PÁGINA UM no seu labirinto: vamos mudar a frequência


    Desde Dezembro de 2021, numa ciclópica actividade jornalística, tenho liderado este projecto inovador que é o PÁGINA UM. De uma forma independente, audaz e inconveniente, noticiamos aquilo que a imprensa mainstream não quer ou até esconde. Fomos até inconvenientes, e destapámos os podres de grupos de media, como a Global Notícias e a Trust in News, ou as promiscuidades intoleráveis de outros, com mistura de conteúdos comerciais e jornalísticos.

    Ousámos abordar temas que ‘queimavam’ em 2021, como a pandemia, denunciando negociatas, compadrios entre ‘peritos’ e farmacêuticas, o conluio da imprensa, o obscurantismo e manipulação da Administração Pública e do Governo em relação à informação.

    Enfrentámos, num país que faz de conta viver numa democracia, os poderes instalados que impedem o acesso à informação. E já apresentámos mais de duas dezenas de intimações no Tribunal Administrativo. Ganhámos mais de metade, há outros em decisão; alguns casos perdemos. Enfrentámos e ganhámos até ao Conselho Superior da Magistratura, malgrado não terem ainda cumprido um acórdão que lhes foi desfavorável (uma vergonha num Estado que se diz democrático). Enfrentámos mesmo as entidades que nos tutelam por atitudes de obscurantismo-mor. Procurámos testar a democraticidade e a abertura á informação, e mesmo quando perdermos (como sucedeu com o Banco de Portugal, Infarmed [num caso, já que ganhámos em outros], o Ministério da Saúde ou a Presidência do Conselho de Ministros, serviu para demonstra que estamos longe de uma democracia amadurecida.

    green and white maze illustration

    Publicámos mais de 2.500 notícias, entrevistas, artigos de opinião, entrevistas, recensões de livros, podcasts – tudo isto uma redacção perfeitamente minúscula (hoje constituída por dois jornalistas) e um bom punhado de colaboradores ‘pro bono’, que nos ajudam com artigos de opinião ou na função de administração do site.

    E tudo isto fizemos com os nossos magníficos leitores e sobretudo apoiantes. Tem sido uma profunda bênção – um milagre num país como Portugal – que algumas centenas de pessoas, grande parte das quais nem sequer conhecia (e continuo sem conhecer muitos) nos concedam apoios financeiros. Conseguimos dois anos completos (caminhamos para o terceiro), completamente independentes de parcerias comerciais e publicidade, e mantendo o jornal de acesso livre. Abrimos há algumas semanas a possibilidade de apoios pontuais, e dentro de determinados limites, de empresas.

    Tenho a perfeita noção do serviço público que o PÁGINA UM tem feito – e mais aquele que virá a fazer.

    Mas há situações em que se tem de assumir uma mudança de estratégia, sob risco de colapso, incluindo físico. O PÁGINA UM, para a sua dimensão actual, tem as suas contas equilibradas – sem esse aspecto não há independência possível. Mas vive – eu vivo – num perfeito labirinto. O volume de potenciais investigações não pára de aumentar, e tem sido crescente o sacrifício pessoal e, por vezes, a frustração de ver notícias ‘fugirem’, de oportunidades que se esfumam. Por exemplo, aguardo ainda tempo e disponibilidade para analisar e escrever um levantamento exaustivo (feito a partir da base de dados da Agência Europeia do Medicamento, que demorou dias) sobre as reacções adversas das vacinas contra a covid-19.

    white computer keyboard

    Há investigações que se perderam, à medida que outras nascem, mas que perdem a oportunidade em breve, se não houver tempo para uma investigação suplementar, para a qual não há tempo. Ainda hoje, deparei-me com estranhos contratos da Universidade Nova de Lisboa e do Conselho Português para os Refugiados. Necessitariam de investigação: não teremos pelo menos até quarta-feira.

    Acresce a tudo isto que estou a fazer um doutoramento – que está atrasadíssimo.

    Tinha a esperança, ao longo destes dois anos e meio (já são quase 1.000 dias), de o PÁGINA UM crescer em número de jornalistas, tornando assim a redacção com uma dimensão suficiente para não me obrigar a dedicar tanto tempo a desvendar assuntos, a escrever investigações jornalísticas, a paginar e editar artigos, a fazer entrevistas, a falar com colaboradores e fontes, a programar a agenda, a fazer a própria gestão administrativa do jornal.

    Em dois ano e meio, não conseguimos a dimensão desejada – e a culpa não é dos nossos apoiantes, que já fazem muito; tem a ver com a dimensão do país, com a pertinência e valorização do que fazemos. É a realidade – e, por muito que nos custe, a realidade é soberana. Uma coisa é certa: nunca me passou pela cabeça contratar jornalistas a quem não pudesse depois pagar. Além disso, nem sequer tenho/ temos tido tempo para desenvolver contactos com projectos similares ao PÁGINA UM para diversificação de financiamentos verdadeiramente independentes (sem ser através de fundações e organizações com agendas pré-determinadas).

    O PÁGINA UM está assim num labirinto: o actual modelo tem as contas equilibradas, mas é fisicamente impossível mantê-lo ou alterá-lo (contratando mais pessoas) para me permitir mais ‘folga’.

    Por estes motivos, a partir de Agosto – e por tempo indefinido, mas que espero seja curto –, o PÁGINA UM vai passar a ter apenas uma edição quinzenal. Ou seja, deixamos de ter notícias e artigos diariamente, e passaremos a actualizar integralmente o conteúdo do site apenas duas vezes por mês, sendo que a primeira será previsivelmente no dia 9 de Agosto.

    brown metal pipe with padlock

    Significa assim que, quinzenalmente, teremos uma nova edição com uma manchete e mais oito notícias, um editorial, as (já) habituais rubricas de Serafim e Brás Cubas, seis artigos de opinião e diversos conteúdos de Cultura, incluindo as recensões, contos e duas entrevistas com escritores.

    Espero que possam compreender a opção por esta ‘modalidade’, sendo certo que compreenderemos se os nossos actuais apoiantes possam, de alguma forma, sentir-se defraudados, e com isso nos deixem de apoiar. Fizemos/ fiz tudo aquilo que era humanamente possível.

    Apenas uma garantia: esta modalidade quinzenal não alterará a qualidade e a independência do PÁGINA UM. Nunca aceitaria dar esse ‘bónus’ a quem deseja que este jornal desaparecesse. Retomaremos a frequência habitual quando e se as circunstâncias se modificarem.


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  • Justiça ou vingança

    Justiça ou vingança


    Segui a cerimónia de Benjamin Netanyahu no Congresso dos Estados Unidos e não me surpreendi com o resultado: Congressistas aplaudindo, euforicamente, em pé, Congressistas pateando e garantindo, posteriormente, que tinha sido “o pior discurso de sempre de um líder estrangeiro no Congresso”, Famílias das vítimas do Hamas agradecendo a sua acção, Famílias dos ainda reféns criticando as suas palavras.

    Netanyahu sabia que este seria o resultado.

    Tentou justificar toda a contestação dizendo que esta tinha como base o ódio.

    Afirmou, taxativamente, que “o antissemitismo é o ódio mais antigo do mundo”.

    Talvez tenha exagerado, mas não deixa de ter alguma razão.

    Para um cidadão normal, ou que se pretende assim qualificar, como é o meu caso, a questão resume-se a tentar saber qual o caminho que deveria ser seguido pelo responsável de um País vítima de mais um ataque ignóbil dos seus ancestrais inimigos.

    Recordemos o acto que levou Israel a uma guerra sem tréguas contra o Hamas.

    Todos vimos, todos nos arrepiámos, todos nos revoltámos com as imagens de um grupo de bárbaros assassinos a disparar, indiscriminadamente, contra um grupo de homens, mulheres, jovens, crianças, todos desarmados porque se divertiam num Festival de Música.

    Para os assassinos eles cometiam o terrível crime de não seguirem as suas práticas religiosas, ou políticas, ou por serem oriundas de países que consideram inimigos.

    Deixaram, para trás, 260 mortos, mas não contentes com isso arrastaram centenas de sobreviventes que fizeram reféns em masmorras, onde muitos ainda se encontram desde Outubro de 2023.

    A questão que se punha aos políticos de Israel passou a ser a seguinte: Como responder a mais este crime?

    A pergunta não tem resposta fácil para ninguém. Muito menos para uma pessoa com as minhas capacidades.

    blue and white flag on pole

    Sei que os familiares das vítimas exigem, no mínimo, que os agressores tenham um fim pelo menos tão violento como o que deram os seus entes queridos.

    Em suma, exigem vingança. No meu conceito, legitimamente.

    Outros querem, dos responsáveis de um País que se quer democrático e respeitador dos Direitos Humanos, que tentem castigar os agressores, mas sem descer ao nível destes.

    Em suma, pedem Justiça. No meu conceito, com razão.

    Perante isto o que poderia Benjamin Netanyahu fazer?

    Como prender os assassinos que invadiram o seu país, massacraram quase três centenas de pessoas inocentes e raptaram outras centenas, se aqueles regressaram para as suas terras onde têm o apoio de milhares de habitantes dispostos, muitos deles, a defendê-los com armas na mão?

    Os familiares das vítimas exigiam que houvesse uma retaliação sem paralelo, não só contra os que tinham cometido “este” crime mas contra todos os que seguem, há anos, a mesma linha, não só porque ou já tinham cometido outros idênticos ou estavam a ser treinados para cometer novos atentados.

    A justificação que usam, é simples: se não querem seguir as regras internacionais, não ligando à Justiça, então só restará a Vingança.

    Alguns, mais comedidos, chamavam a atenção para o facto destes terroristas (porque é esse o nome que lhes corresponde) não respeitarem, sequer, o seu Povo e o usarem como escudo.

    a wall with a mural on it

    O que levaria a que as forças de Israel acabassem por matar, nos seus ataques, muitos inocentes.

    Ou seja, a cometer os mesmos crimes pelos quais pretendiam castigar os seus adversários e, por consequência, poderem passar a ser rotulados, também eles, de terroristas.

    Não havia uma terceira hipótese.

    A Justiça, como a conhecemos, dificilmente seria conseguida neste caso. Até porque, ainda que se prendessem todos os que entraram em Israel naquele dia fatídico, os grandes responsáveis ficariam livres e a treinar novos atacantes.

    Por sua vez, a Vingança criaria, como acabou por criar, novos adversários, novos inimigos, perante a imagem de ataques indiscriminados com milhares de civis de todas as idades, assassinados pelas forças de Israel que vão deixando, atrás de si, cidades arrasadas e criando um caos absoluto.

    Sabemos de alguns heróis (Gandhi, Mandela, etc.) que souberam responder a todas as violências com atitudes que ficaram como marcas na História Mundial.

    Netanyahu optou por outra via.

    Deixo-lhe as sábias palavras do nosso grande Mestre Agostinho da Silva:

    Não te poderás considerar um verdadeiro intelectual se não puseres a tua vida ao serviço da justiça; e sobretudo se te não guardares cuidadosamente do erro em que se cai no vulgo: o de a confundir com vingança.

    A justiça há-de ser, para nós, amparo criador, consolação e aproveitamento de forças que andam transviadas; há-de ter por princípio e por fim o desejo de uma Humanidade melhor; há-de ser forte e criadora; no seu grau mais alto não a distinguiremos do Amor.”

    Não queria estar no lugar do líder de Israel.

    Custa-me que ele mantenha a intenção de prosseguir nesta linha de vingança.

    Com alguma dificuldade entendo que ele considere a vingança como única alternativa, principalmente enquanto recordar as imagens de Outubro de 2023.

    Todavia, e sabendo que tal não teria, para ele, a mais pequena importância, nunca lhe apertaria a mão.

    Vítor Ilharco é assessor


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.


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  • O equívoco minimal-repetitivo do gorila que está sempre fora do seu devido lugar

    O equívoco minimal-repetitivo do gorila que está sempre fora do seu devido lugar

    A hereditariedade é governada por tantas leis ou condições desconhecidas
    que até parece agir de maneira caprichosa.

    Charles Darwin


    Fique estranhamente culto nesta Verão

    ESTE SABER VAI OCUPAR UM LUGAR COMPLETAMENTE VAZIO

    A partir do último livro de Charles Darwin, THE ASCENT OF MEN & THE SEXUAL SELECTION

    No contexto de uma nova tradução, revista e comentada, de todas as obras de Darwin, que entrará em publicação a partir de Dezembro de 2024 na editora Exclamação


    Esta é uma história muito antiga, de traços marcadamente universalistas, onde a narrativa costuma ter mais do que três personagens: primeiro, a deusa, ou rainha, ou fada madrinha, protectoras de um principezinho que vai subir a escada da perfeição até ao cimo, mas não conseguirá fazê-lo sozinho; depois, o primeiro autor que é capaz de inventar estes cenários com escadas de perfeição que é necessário subir até ao cimo para que os nossos antepassados se transformem em nós; e, finalmente, o público culto que lê e debate estes livros, concorda ou não concorda com eles, e se diverte com frequência a resumir as suas ideias em cartoons hilariantes.

    Esses mesmos cartoons, no entanto, perdem completamente a graça quando são associados ao livro errado, e assim fazendo nos baralham as pistas. Este é, por excelência, o caso do cartoon em que Darwin é um gorila, que aparece com uma frequência espantosa na capa de variadíssimas edições modernas de A ORIGENS DAS ESPÉCIES, nas mais diversas línguas europeias – quando, se pensarmos nisso durante cinco minutos, aquele desenho nunca faria sentido na capa daquelelivro, masapenas no livro que se lhe segue. Eu própria tenho uma ORIGEM DAS ESPÉCIES francesa dos anos 80, publicada em dois volumes, e a capa do primeiro volume é logo o famoso gorila com cara de Darwin. Como se algum detalhe desta cronologia fizesse sentido.

    É indecente insistirem em baralhar os jovens que continuam a querer deixar a sua pequenina marca nas Ciências da Vida desta da maneira.


    Embora todos os cartoons onde Darwin (ou alguns dos seus apoiantes) apareçam hoje associados à ORIGEM DAS ESPÉCIES, a verdade é que essa associação nos induz seriamente em erro. É inegável que o livro causou um frisson enorme em toda a Europa e logo a seguir na América. Embora não diga nada a este respeito, foi por várias vezes utilizado como sendo, no humano, a explicação da formação, nascimento, dureza, e sobrevivência das mulheres. Houve missionários, sobretudo em África, que usaram a selecção natural para explicarem que, formando grandes grupos de amigas tal como as hienas formam alcateias com grandes números de fêmeas, as mulheres treinassem secretamente nesses grupos as artes da sobrevivência, da obtenção e da divisão justa de alimentos, da medicina caseira elevada ao seu mais alto nível, bem como da leitura e discussão dos Clássicos[1] e das suas armas[2]

    Mas não foi neste livro que Darwin falou da questão de o homem descender do macaco.

    No entanto, houve anteriormente “Livros do Macaco” de outros autores antes, que causaram o escândalo que seria de esperar por muito incorretos que ainda estivessem. Também se debateram acaloradamente inúmeras “Teorias do Macaco” enquanto iam saindo várias edições da obra de Darwin. De todos estes, o debate mais notável travou-se entre o melhor anatomista do seu tempo, Richard Owen, e o melhor porta-voz da ciência natural em Inglaterra[3], Thomas Henry Huxley, que veio a abraçar e defender a teoria evolutiva de Darwin com tal fervor que ficou conhecido por Darwin’s Bulldog. O público acompanhou estas trocas de argumentos – bons argumentos, de parte a parte, vindos de homem de ciência segura – com um entusiasmo colectivo que pode ser difícil de entender nos dias de hoje, mas se compreende bem na altura. E se os macacos tivessem fé?

    Owen defendia existir uma nítida discrepância entre os componentes cerebrais do macaco e sua distribuição e os do homem, provando que o homem se erguia acima de toda a Criação, sozinho numa classe superior à parte. Huxley defendia que esses componentes estavam presentes em todos os Grandes Primatas, exactamente no lugar onde estavam no homem, e o mesmo acontecia até em macacos menos desenvolvidos. Isto provava que o homem não se distinguia da restante Criação – com todos os problemas éticos, morais, espirituais e intelectuais que o conceito levantava à Europa do seu tempo. Huxley e os seus aliados acabaram por ganhar o debate, mas deixaram o campo de batalha cheio de cadáveres.

    Um campo de batalha cheio de cadáveres nunca é bom para o progresso de uma ideia.

    Sempre muito timorato, Charles Dickens, o escritor mais amado de todos os ingleses dos seus tempos, fez involuntariamente um grande favor a Darwin quando deitou água na fervura e acalmou os espíritos afirmando que a origem das espécies através da selecção natural era uma daquelas ideias brilhantes, que só os que não temem o trabalho e são audazes são capazes de conjurar, que de tempos a tempos vêm à superfície, norteiam o pensamento dos povos, têm o seu período de lugar ao sol – e depois somem-se no nevoeiro sem deixar vestígios, deixando tudo como era antes.

    Observando toda esta agitação, Darwin sabia, sem qualquer dúvida, que escreveria o seu próprio “Livro do Macaco” mais tarde. Mas a ORIGEM DAS ESPÉCIES não é nenhum “Livro do Macaco”.

    No entanto, se o autor quisesse poderia facilmente ter sido.

    Aquele olhar irresistivelmente assustador de Darwin na caricatura do gorila mostra-o tão poderosamente seguro de si que, se não pagou explicitamente a algum artista menor para associar os seus traços humanos com as características do impressionante Grande Primata que afinal existia mesmo[4], então é, pelo menos, exactamente o que parece[5]. É sem dúvida um olhar de triunfo. Pela primeira vez na sua vida, está a considerar a possibilidade de tomar os comandos do lugar da selecção natural, para fazer tudo andar muitíssimo mais depressa. Darwin começou a refletir devagarinho, quando voltou da viagem do Beagle já tinha a Selecção Natural esboçada na sua cabeça, mas, consciente da violência com que a Inglaterra Vitoriana ia receber todos estes novos desvios à norma, em vez de se precipitar para a publicação dos seus resultados ficou a ver o que é que acontecia aos seus pares que também propunham modelos de Selecção Natural, que novos espécimes eram descobertos nos mundos longínquos[6] e o que que é que os seus descobridores diziam sobre eles, e ainda, pois que isso conta sempre na altura de pedir financiamento às Academias e à aristocracia, o que é a quota-parte de maledicência  que vive e respira livremente em cada um de nós ia contanto, com cada vez mais audácia, sobre o dia-a-dia destas infames caças ao dinheiro.

    E, seja por caça ao dinheiro seja por assegurar o respeito de suficientes colegas, Darwin não ia entrar a matar e escrever, logo à partida, um livro que diz taxativamente “o homem descende do macaco”.  Em 1859, o seu professor mais estimado, Adam Sedgwick, a quem Darwin mandou uma das primeiras edições de A ORIGEM DAS ESPÉCIES com uma dedicatória cheia de estima, escreveu-lhe de volta uma longa carta, onde abundam passagens como esta:

    A coroa de glória da ciência orgânica é conseguir, através da causa final, ligar o material ao moral. Você ignorou esta ligação; e, se percebi bem a sua intenção, fez o melhor que pôde para quebrá-la. Se fosse possível quebrá-la (o que, graças a Deus, não é possível), a humanidade poderia brutalizar-se, e afundar-se num grau de degradação mais baixo do que qualquer um em que já tenha caído desde o início da sua história registada.”

             Perante esta e muitas outras reacções chocadas e iradas vindas de homens profundamente respeitados por toda a comunidade científica, depois de ter começado a publicar A ORIGEM DAS ESPÉCIES, de ter assustado de morte meio mundo de arcebispos e outros fiéis devotos, Darwin absteve-se sempre de estabelecer qualquer parentesco entre o homem e o macaco nas edições sucessivas do seu livro. Por junto, deixou que todas as ondas de choque e de enorme escândalo andassem à solta à solta e ficassem à vontade para irem formando os novos padrões que permitiram o entendimento generalizado de como funciona a selecção natural no processo da formação das novas espécies, e, com ele, a compreensão cada vez melhor da utilidade dos novos caracteres que os seres vivos foram adquirindo – ou perdendo – ao longo do tempo. Mas nunca falou de como nada disto acontecia especificamente no homem. Não o fez nem na famosa 6ª edição, em que deixou todo o seu quadro evolutivo por ordem, e considerou, por fim, a sua obra acabada.

    É de calcular que Darwin já tivesse as suas ideias a esse respeito perfeitamente claras. Enquanto cientista, baseando-se no seu próprio raciocínio e na correspondência com dezenas de correspondentes de vários tipos localizados em todas as partes do mundo, estava certamente pronto para falar de como seria a evolução do homem a partir de um certo tipo de antepassado com vários descendentes. Mas era notório que a sociedade vitoriana que o rodeava não estava, de todo, pronta para ouvir dizer que “o homem descende do macaco”. Observando a tempestade à sua volta desde a primeira hora – desde a publicação de livros muito anteriores ao seu – no que dizia respeito à origem do homem, Darwin limitou-se a dizer que mais tarde, depois de mais estudos, “talvez venha a fazer-se alguma luz sobre o assunto”.

    E essa luz data apenas de 1871, quando, passados mais de dez anos de discussões que muitas vezes foram outros colegas que tiveram por ele, Darwin publicou finalmente “A ASCENDÊNCIA DO HOMEM E A SELECÇÃO SEXUAL”, a que o público laico, científico, e religioso prestou uma atenção muito menos raivosa de um lado e do outro das bancadas, mesmo confrontado com a implicação já muito mais aberta de que o homem era um Primata como outro qualquer, apenas sem cauda e com muito menos pelo, aqui provavelmente também por obra da selecção sexual – do arquétipo primitivo, as fêmeas da nossa espécie terão preferido, sistematicamente, os machos com menos pelo e sem cauda; e fenómenos destes podem acontecer porque “podemos admitir que o gosto é flutuante, mas  não é, de todo, arbitrário.

    E aqui sim, a caricatura do gorila passa a fazer sentido.

    Por isso, e de uma vez por todas, tirem-na da capa da ORIGEM DAS ESPÉCIES, quando ainda ninguém podia ter feito esta caricatura porque em 1859 ainda ninguém sabia se os gorilas existiam mesmo. Passem-na para a capa da ASCENDÊNCIA DO HOMEM, que é o seu verdadeiro lugar. Há já muito tempo que este equívoco deixou de ter graça.

    Ainda por cima, é um desrespeito à sabedoria do autor, que conseguiu aguentar-se calado durante várias décadas, à espera de que os seus conterrâneos e colegas se acalmassem, e que os leitores se habituassem de tal forma à noção de selecção natural que incluir o homem no processo já não torturasse os espíritos. Pelo que lhe dizia respeito, claro que ele já sabia de tudo isto há muito tempo. Digamos que desde a sua juventude distante. Num dos seus cadernos de apontamentos preenchidos febrilmente em Londres logo a seguir à chegada da viagem do Beagle, Darwin quase que grita de alegria ao anotar a descoberta da mudança de paradigma que finalmente dá um sentido realista ao mundo vivo:

    Platão diz no FÉDON que as nossas ideias imaginárias têm origem na preexistência da alma e não provêm da experiência. Ler macacos em vez de preexistência da alma.

    Muito bem visto, Sr. Darwin.

    E que sábia estratégia, essa de ficar à espera.

    Entretanto Charles Dickens morreu, e nunca chegou e medir a dimensão do seu erro.

    Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora


    Exemplos de títulos ou citações baseados em Darwin

    “A ascendência do dinheiro tem sido fundamental para a ascendência do homem”?

    É preciso ter lata.

    “A força mais poderosa na ascendência do homem é o prazer que lhe dá o seu próprio talento. Gosta de fazer bem aquilo que faz, e, tendo feito uma coisa bem, gosta de fazê-la ainda melhor.”

    Imaginem, por exemplo, todas as escolas do País…

    Extra-história

    A falta de senso causada pela

    possibilidade de extinção devido ao aquecimento global e

    à caça furtiva para roubar o marfim

    HISTÓRIA VERDADEIRA DOS TRÊS ELEFANTES AFRICANOS

    Estavam três magníficos machos de elefantes africanos reunidos num bebedouro resguardado pela folhagem, trocando impressões em tom soturno sobre o futuro da sua espécie, que cada vez parecia menos promissor. O mais velho de todos recordava-lhes os tempos de Darwin, e das suas considerações sobre a reprodução dos elefantes registadas em A ASCENDÊNCIA DO HOMEM E A SELECÇÃO SEXUAL, em que o velhote considerava que a seleção sexual teria que incorporar truques ainda não conhecidos para limitar o número de animais enormes, tais como os rinocerontes e eles próprios, senão ao fim de mais algumas gerações deixariam de caber no seu habitat natural – e demonstrava tudo isto com tabelas cheias de números incompreensíveis e tudo. Agora o belíssimo rinoceronte branco estava reduzido a um macho, o que era o mesmo que dizer que estava extinto, já, que não poderia reproduzir-se antes de ele próprio morrer de velho. Os outros rinocerontes eram considerados espécies protegidas, tal era a loucura da caça furtiva para lhes levar o corno, que mais de metade das pessoas do mundo acreditava ter propriedades afrodisíacas formidáveis. E eles… da morte de Darwin em 1882 a este ano de 2024… onde o geólogo inglês pensara que as suas populações teriam que ser naturalmente limitadas ali estavam eles próprios ameaçados de extinção, incapazes de perceber a parvoíce das pessoas – que, essas sim, eram cada vez mais – com cada vez menos recursos e menos água…

             … e estavam nesta tristeza quando apareceu entre eles a Entidade Protectora dos Elefantes.

             – Elefantes, elefantes! – disse a Entidade – Não deixem que a tristeza destrua a vossa longevidade! Estou aqui para dar a cada um de vocês aquilo que mais quiser. Tu, elefante mais velho, o que é que mais queres?

             – Ah! – disse o elefante – Quero uma tromba muito grande, muito grande, muito grande, que possa atravessar toda a África Subsaariana.

             – Que bonito – respondeu a Entidade – Mas queres essa tromba para quê?

             – Ah! – disse o elefante – Eu quero essa tromba para ir buscar água onde houver água, e aspergir com água todas as partes de África onde falta água, e assim tentar recomeçar a estabelecer o equilíbrio em que vivíamos dantes.

             A Entidade, comovida, deu-lhe um pequeno toque na tromba, que imediatamente ficou enorme, larguíssima, capaz de regar todas as secas africanas. Depois virou-se para o segundo elefante e perguntou-lhe, da mesma forma, o que é que ele mais queria.

             – Ah! – disse o segundo elefante, sem a mínima hesitação – Eu quero umas orelhas tão grandes, tão grandes, tão grandes, que possam fazer sombra sobre savanas inteiras e ponham os ventos a correr sobre o equador por forma a moverem as nuvens e provocarem as chuvas na altura certa.

             E a Entidade, sempre muito comovida, tocou-lhe nas orelhas, que ficaram logo de tal forma enormes que quase permitiam ao animal levantar voo com elas. Finalmente, chegou a altura de perguntar ao terceiro elefante o que é que ele mais queria.

             Ah! – respondeu logo o terceiro elefante, também ele sem a mínima hesitação – Eu quero umas pestanas tão compridas, tão escuras, tão enroladinhas, tão bonitas, que todos os outros animais parem só para me verem passar.

             – Mas… – perguntou a Entidade depois de uns segundos de surpresa, enquanto os primeiros elefantes escutavam com toda a atenção – Tu queres essas pestanas para quê, terceiro elefante?

             Ah! – respondeu o terceiro elefante, fechando os olhos num sorriso apetitoso ao mesmo tempo que cruzava as patas da frente – Mariquices.


    [1] No caso de grupos de mulheres brancas, onde pelo menos uma ou duas fossem capazes de ler para as outras – e as outras fossem capazes de entender o enredo daquelas estranhas histórias. Os outros Grupos de Mulheres serviam para quaisquer selvagens, e eram uma boa demonstração da tendência universal das Mulheres para o secretismo.

    [2] Se estão interessadas em armas, é porque não estão interessadas em nada de bom. É evidente que estão cercadas por animais ferozes, mas nunca é essa a primeira ideia que ocorre aos missionários.

    [3] E também o homem que cunhou a palavra AGNOSTICISMO – o não é propriamente uma brincadeira de crianças para o período em causa.

    [4] A existência do gorila foi discutida até muito tarde. Embora o animal figurasse em muitas lendas, só mesmo a partir de 1864, quando o missionário americano Thomas Savage trouxe alguns crânios do Gabão, é que os cientistas obtiveram provas materiais da sua existência. Um dos primeiros grandes anatomistas a conseguir reconstituir um gorila por inteiro a partir de material recebido pelo Museu Britânico em 1861 foi exactamente o anatomista Richard Owen, que publicou a sua monografia sobre o gorila em 1865.  As descrições da famosa postura bípede do macho maior, quando enche o peito de ar e lhe bate com os punhos produzindo um som semelhante ao se um tambor, ao mesmo tempo que solta um urro possante destinado a afastar os intrusos, demoraram o seu tempo a ser levadas a sério, e impressionaram profundamente todos os leitores.

    [5] Toda esta passagem é pura especulação, mas não deixa por isso de ser provável.

    [6] Darwin fez a viagem enorme do Beagle através do mundo; depois disso, no entanto, nunca mais fez uma única viagem.


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  • Inapa: uma intrigante insolvência que cheira a esturro

    Inapa: uma intrigante insolvência que cheira a esturro


    Segundo o Governo, acudir a uma dívida de curto prazo da Inapa, que necessitava de uma injecção de 12 milhões de euros, “não reunia condições sólidas, nem demonstrava a viabilidade económica e financeira que garantisse o ressarcimento do Estado”. E daí parte-se para uma insolvência. Atenção: não é para um plano especial de revitalização (PER), que permitiria até uma protecção de credores e uma renegociação da dívida. Não: é a pura e simples liquidação com vista ao encerramento por incapacidade de cumprir pagamentos.

    Não deixa de ser surpreendente que a Inapa – que nas últimas duas décadas viveu tempos complexos, daí que no início do ano 2000 chegou a cotar perto dos 5 euros e agora era transaccionada a 3 cêntimos –, uma empresa dominada pelo Estado, ainda que sem maioria no capital, caía agora com estrondo… num domingo à noite. Estamos a falar de uma empresa portuguesa de 55 anos, uma das mais internacionalizadas, com negócios em 10 países, e que andou às compras, adquirindo empresas na França e na Alemanha, nos últimos sete anos.

    pile of papers

    Cair uma empresa destas num domingo à noite – mesmo que não seja uma empresa ‘mediática’ – é apenas um dos sinais, talvez simbólico (ou não), de que algo não encaixa bem nesta história. Uma decisão de insolvência assumida pelo Governo, que lava as mãos como Pilatos, assim sem mais nem menos, cheira a esturro, e do grande. Que haja dificuldades de liquidez, assume-se que sim, mas, ‘vamos lá ver’ várias coisas.

    A Inapa adquiriu em 2018 (operação concretizada no ano seguinte) a compra da Papyrus Deutschland GmbH & KG ao grupo sueco OptiGroup, que tinha como condição a entrega de 35 milhões de euros de imediato e mais 15 milhões de euros em obrigações convertíveis (em acções). A empresa – então com 33,33% dos direitos de voto detidos pelo Estado, sendo que o Millenium BCP tinha 29,77%, o Novo Banco 6,11% e a Nova Expressão 4,69% – apresentou sempre, desde 2015 a 2018, resultados operacionais (EBIT) positivos: 17,0 milhões de euros em 2015; 21,3 milhões de euros em 2016; 13,7 milhões de euros em 2017; e 10,6 milhões de euros em 2018.

    O “problema” sempre foi a dívida: os encargos financeiros da INAPA causavam invariavelmente um rombo nas contas, ‘comendo’ por ano entre 13,2 milhões e 15,3 milhões de euros. Em 2019, o passivo da Inapa rondava então os 176 milhões de euros. Em Maio de 1999, o então presidente da Inapa, Diogo Rezende, no decurso da aquisição da empresa alemã (que passou a representar mais de 60% dos recursos humanos), declarou que a dívida descera em 2018 em termos brutos cerca de 26 milhões euros, e que nos últimos 10 anos a dívida decaíra 200 milhões de euros.

    Vista agora à distância de cerca de cinco anos, a compra da Papyrus Deutschland terá sido o harakirir da Inapa, embora do ponto de vista de alguns indicadores económicos e financeiros a empresa até estivesse a apresentar uma evolução francamente positiva. É certo que o presidente da Inapa – que abandonou a empresa no ano passado – previa que a facturação subiria, com a aquisição da empesa alemã, dos 860 milhões de euros em 2018 para valores entre 1.300 e 1.400 milhões de euros, tornando-se “o player número 1 nos dois maiores mercados europeus”.

    Mas isso nunca sucedeu. A Inapa, mesmo com o fluxo da empresa alemã, nunca chegou ao limite mínimo proposto, e entre 2020 e 2023 somente por dois anos (2020 e 2022) suplantou a fasquia de 1.000 milhões de euros em receitas. Em 2023, por exemplo, ficou-se nos 968,7 milhões. Ou seja, se tivesse facturado o mínimo previsto em quatro anos (5.200 milhões de euros), os resultados operacionais teriam sido francamente melhores. Aliás, no ano de 2022, quando as vendas atingiram os 1,2 mil milhões de euros, a Inapa até apresentou lucros interessantes (17,8 milhões de euros), depois de pagar 19,1 milhões de euros de IRC ao Estado, o mesmo que agora acha demasiado injectar 12 milhões de euros.

    Em todo o caso, não deixa de ser extremamente intrigante que o Governo social-democrata tenha puxado agora o ‘tapete’ à Inapa quando a dívida líquida, embora extremamente elevada, estava em finais de 2023 em níveis substancialmente mais baixos do que em 2020, logo após a aquisição da Papyrus Deutschland. Nesse ano, a Inapa encerrou as conta com uma dívida líquida de 315 milhões de euros, que resultou num encargo financeiro de 15,5 milhões de euros. Apenas três anos depois, em 2023, a dívida líquida tinha descido para cerca de 207 milhões de euros (reduziu, assim, 108 milhões de euros), embora resultando, por via do aumento das taxas de juro, em encargos financeiros de 20 milhões de euros.

    Joaquim Miranda Sarmento, ao centro: ministro das Finanças decidiu que a melhor solução para uma empresa que com uma dívida líquida de 207 milhões de euros, mas que conseguira reduzi-la em 108 milhões em três anos, era ‘liquidá-la’ de imediato.

    Obviamente, seria sempre incerto, ainda mais não detendo todos os elementos financeiros (e nem tempo para os analisar em detalhe), prever o futuro da Inapa, mas parece absurdo, para já, que com uma surpreendente facilidade o Governo queira deitar fora a ‘água suja’ (descartando uma falta de liquidez de 12 milhões de euros), sujeitando-se a deitar o ‘menino fora’, isto é, uma empresa do sector do papel bem posicionada no mercado internacional, independentemente dos erros de gestão cometidos.

    Uma solução pela via da simples e rápida insolvência – para “proteger o dinheiro dos contribuintes”, Pedro Reis, ministro da Economia, dixit – aparenta ser, na verdade, a pior solução para os contribuintes, trabalhadores e para o próprio Estado, além de ir contra a posição da certificação legal das contas de 2023 feitas pela PricewaterhouseCoopers (a não ser que esta auditora tenha andado a ‘apanhar bonés’), que não traçou qualquer quadro de incumprimento financeiro para este ano.

    Uma insolvência, pura e dura, pode colocar em causa, de forma drástica, todos os valores de goodwill e dos activos intangíveis da Inapa, no valor de 229 milhões e 103 milhões de euros, respectivamente, o que não sucederia se a empresa de mantivesse ou, no limite, fosse vendida.

    Por outro lado, com a insolvência, além do emprego perdido, haverá trabalhadores da Inapa a verem esfumar-se os complementos de pensões. No passivo estão contabilizados quase 17 milhões de euros em “benefícios concebidos a empregados”. Isto passar a ser assumido pelos contribuintes não parece ser uma impossibilidade.

    Além disso, há quem não vá ficar, mesmo fora do país, muito contente com esta decisão intempestiva do Governo português. Por exemplo, o Estado francês deu uma garantia de mais de 4,7 milhões de euros por um empréstimo obtido pela Inapa no âmbito da covid-19.

    O grupo sueco, anterior dono da Papyrus Deutschland, também não ficará satisfeita porque apostava em ser reembolsada das obrigações de 15 milhões de euros até Junho de 2026, com juros trimestrais à taxa fixa de 5%, e que assim ficará a ‘ver navios’ sem sequer poder converter a dívida em acções porque a Inapa será ‘desfeita’. Cheira-me que isto vai parar a tribunal e quem pagará, se o Estado perder, serão os contribuintes.

    Além disso, mais de 13 milhões de euros em obrigações com maturidade em Setembro de 2025 resultarão em prejuízos para muitos investidores, agravando a confiança dos mercados, ainda mais por suceder numa empresa que dava como garantias ter o Estado como accionista principal.

    No meio disto tudo, e para terminar estas incredulidades, uma última nota – ou duas interligadas. A Inapa, como penny stock, praticamente não transaccionava na Euronext. No período de 2018 a 2021 mudaram de mãos, por ano, um número de acções entre apenas 23 mil e 56 mil. Em 2022 subiu para quase 150 mil acções transaccionadas, e em 2023 subiram para 314.346 acções, quase superando o longínquo ano de 2009, quando as cotações chegaram aos 0,68 euros (cerca de 20 vezes mais do que agora).

    grayscale photo of dried leaves

    Esta ‘actividade’ foi acompanhada, por um lado, pela depreciação das cotações, mas também pelo ‘desaparecimento’ da exposição do Millenium BCP. Em 2019, o banco detinha 17,77% das acções da Inapa e o seu fundo de pensões mais 9,45%, totalizando assim 27,22%. Neste momento, o Millenium BCP não tem qualquer posição qualificada, ou seja, se ainda for accionista detém já menos de 5%. Parece que adivinhou…

    P.S. Se se confirmar a abordagem do grupo nipónico Japan Pulp & Paper Co. para a aquisição da Inapa, esta estratégia do Governo apenas se mostra possível num quadro intencional de desvalorização de activos. Mais uma vez quem ficará a perder é o contribuinte. Sempre. Em todo, o caso, será interessante ver como os Ministérios das Finanças e da Economia tratarão, em breve, os casos da Trust in News e da Global Notícias, que aliás têm dívidas fiscais e à Segurança Social, ‘coisa’ que não sucede com a Inapa.


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  • Trio de ataque no campo da Justiça

    Trio de ataque no campo da Justiça


    Na sua última entrevista concedida ao jornal Observador – para corrigir um artigo de opinião anteriormente publicado no Expresso – o ex-Presidente Cavaco Silva, quando perguntado sobre a reforma da justiça, respondeu da seguinte forma aos seus entrevistadores: “A justiça não é a minha área. Essa é uma área em que eu não estou em condições de dar a minha opinião.”

    Ainda que seja de estranhar a estreiteza da resposta (diante do facto de o entrevistado ter forçosamente convivido, nas altas funções políticas que desempenhou ao longo de muitos anos, com as mais diversas questões da Justiça), a mesma tem no entanto o condão de servir às mil maravilhas como ponto de partida para o confronto com as intervenções das personalidades que venho hoje chamar a terreiro, todas elas também ex-titulares de altos cargos políticos.

    Para obviar o corrente pecado (trazido pelo menos do começo do século XIX) do “roubo do tempo”, por parte dos meios de comunicação social, deixaremos a outros a espuma, passando ao lado, para dar um exemplo, da (primeira e última) entrevista concedida há dias pela Procuradora-Geral da República em funções à televisão pública, para nos fixarmos em aspectos deveras curiosos da presente discussão nacional sobre a (dita) reforma da Justiça.

    1. PRIMEIRA CURIOSIDADE

    Não sendo esta a primeira vez que escrevo nos últimos meses sobre as “reformas da Justiça”, lembrança que deixarei propositadamente para o final, nem sobre o método mais “asado” (no suave dizer de há uns séculos) para conduzir reformas num país tão especial como o nosso – tendo sugerido então o remédio recomendado em 2018 por Vasco Pulido Valente (de fazer muitas pequenas reformas bem feitas) – , não poderia, tão-pouco, deixar de reafirmar: (i) que o funcionamento da Justiça é há muito tempo um dos maiores e mais prementes problemas do nosso país[1]; (ii) que o “Manifesto dos 50” cumpriu um papel relevante[2] (ainda que as suas funções primárias tenham sido mais de reacção e de denúncia de certas práticas do que as de diagnóstico ou de definição de uma estratégia ou de um programa de reforma); (iii) que, em matéria de práticas, é antes de mais às pessoas (que lideram, que corporizam e que supervisionam as instituições em causa) que a responsabilidade pelos abusos deve ser imputada; (iv) que problemas complexos como os da Justiça não podem ter respostas simples, reactivas ou isoladas, nem respostas que desconsiderem o que já foi[3] (ou está a ser)[4] estudado ou proposto, nem respostas incapazes de olhar ao horizonte dos problemas e das vias praticáveis de solução.

    Sendo estes, como não podiam deixar de ser, os pressupostos de partida, a primeira grande curiosidade da presente discussão é a de que nenhuma das pessoas que esteve na génese, nem as que na esfera política mais tem dinamizado o “Manifesto dos 50”, é jurista, nenhuma delas realizou ou publicou qualquer estudo sobre a matéria[5] e nenhuma delas deu provas de dispor de uma visão estruturada sobre o problema[6].

    Causa Pública – debate sobre a reforma da Justiça (17 de Julho de 2024)

    Como essas pessoas são conhecidas e, além disso, tudo têm feito para que as suas opiniões[7] sejam levadas aos mais diversos palácios, instituições e órgãos – incluindo aí, valha-nos Deus, o Conselho de Estado![8] –, são estes os seus nomes: Rui Rio, Eduardo Ferro Rodrigues, Augusto Santos Silva.

    Eis o nosso trio.

    Algumas palavras então sobre o perfil e o estilo de jogo de cada um desses nomes (cuja média de idades os situa na faixa senatorial dos 69 anos), agora portanto ao serviço do “Manifesto pela Reforma da Justiça e pela Defesa do Estado de Direito Democrático”.

    a) Rui Rio, personalidade cujo “retrato político” Vasco Pulido Valente executou repetidas vezes (sem necessidade de lhe acrescentar ou retirar seja o que for), destacou-se[9] por quase ter conseguido destruir o PSD como grande partido nacional e, de caminho, abalroar o estatuto da Oposição (designadamente com os acordos que estabeleceu com António Costa em matérias como a dos debates quinzenais).

    Antigo secretário-geral do PSD, autarca reconhecido, desde logo pela forma como conquistou o município do Porto, uma vez chegado à liderança do PSD, na matéria que agora tratamos, Rui Rio notabilizou-se particularmente: (i) por ter sensibilizado[10], logo em Julho de 2018, o Presidente da República no sentido de que os partidos se deveriam juntar «em torno do projeto de reforma da Justiça, no qual os sociais-democratas têm estado a trabalhar»[11]; (ii) por ter, ao que parece[12], realmente apresentado aos partidos, um documento confidencial de 51 páginas, intitulado “Compromisso com a Justiça – Um Compromisso por Portugal!”, texto (para nós desconhecido)[13] a que, segundo a generalidade da imprensa da época, nenhum partido ou órgão do Estado quis dar atenção ou seguimento; (iii) por ter apresentado, segundo o site do PSD[14], em 30 de Agosto de 2019, as “medidas do Partido para a área da Justiça” (documento que, desta vez, não é possível localizar no referido site); (iv) por nos remeter por tudo isso apenas para as páginas do Programa Eleitoral para as Eleições Legislativas de 2019[15] [16].

    Rui Rio – pessoa que há muito tem ideias fixas e bem assinaladas neste domínio[17] –, pelo que têm revelado diversos dos primeiros subscritores do Manifesto, é desde a origem[18] o maior dinamizador e arauto do documento em causa, fazendo agora da matéria repetido objecto de discurso semanal.

    Rui Rio

    b) Eduardo Ferro Rodrigues, ex-secretário-geral do Partido Socialista, Ministro em diversas pastas em três Governos, representante de Portugal na OCDE, foi também o Presidente da Assembleia da República com o pior desempenho de todos, entre 1976 e 2022. É verdade que a sorte lhe foi adversa, no exercício deste último cargo: por um lado, calhou-lhe a simultânea presidência de Bruno de Carvalho no seu clube[19]; calhou-lhe também o aparecimento de novos partidos no Parlamento; mas sobretudo calhou-lhe igualmente a pandemia da COVID 19, problema para a liderança parlamentar do qual não estava manifestamente preparado (como o Tribunal Constitucional veio a atestar em 2022).

    Não se lhe conhecendo pensamento, experiência ou trabalho relevantes na área da Justiça, é realmente com alguma surpresa que, depois de décadas de exercício dos mais diversos cargos públicos, nele tenha despertado um tão forte empenho argumentativo contra as práticas abusivas do Ministério Público e pela defesa do Estado de Direito democrático, quando foi ao seu desempenho como Presidente da Assembleia da República que se ficou a dever uma boa quota-parte dos mais graves, numerosos e massivos atropelos aos direitos fundamentais das pessoas e ao Estado de Direito democrático, em todas as suas dimensões[20], cometidos em Portugal nos últimos cinquena anos. Muitos desses atropelos e muitas dessas ofensas constituem mesmo crimes (como o da privação ilícita da liberdade), alguns ainda em investigação e maior parte deles de todo por investigar.

    Para quem está empenhado na defesa do Estado de Direito democrático, lógico seria que tivesse mandado apurar, logo na sede parlamentar, os abusos cometidos pelas instituições e pelos órgãos do Estado durante os últimos dois anos do exercício do cargo, para que agora lhe pudesse sobrar alguma autoridade – ou que revelasse agora um não menor desvelo cívico relativamente à identificação e responsabilização por atropelos muitíssimo mais graves.

    Eduardo Ferro Rodrigues, à esquerda

    c) Augusto Santos Silva é, diversamente das duas personalidades anteriores, um académico que também foi Ministro, com créditos reconhecidos, em cinco diferentes pastas de vários Governos Constitucionais, tendo no final desempenhado por quase dois anos o cargo de Presidente da Assembleia da República.

    Todavia, como tive oportunidade de referir, «por razões muito distintas das do seu antecessor, o menos que se pode dizer (num Estado constitucional, onde vigora a regra de que os governantes respondem e têm de prestar contas perante o Povo) é que, em menos de dois anos, se foi acumulando um considerável número de erros» da parte do então novo titular do cargo de Presidente da Assembleia da República[21], tendo, alguns meses mais tarde, resumido o seu desempenho deste modo: foi um Presidente que preferiu tomar partido, um Presidente que preferiu a polarização, um Presidente que abusou dos seus poderes, um Presidente que decidiu questões parlamentares relevantes sem olhar às exigências do Estado de Direito[22].

    No que respeita aos problemas da Justiça, talvez o mais relevante a trazer à luz seja o facto de Augusto Santos Silva ocupar precisamente o cargo de Ministro dos Assuntos Parlamentares quando, a 8 de Setembro de 2006, foi rubricado no Parlamento, pelos Presidentes dos Grupos Parlamentares do PS e do PSD (Alberto Martins e Luís Marques Guedes, respectivamente), o “Acordo político-parlamentar para a reforma da Justiça celebrado entre o PS e o PSD”[23].

    Ora, olhando ao núcleo das actuais disputas, qual era a primeira medida prevista nesse acordo quanto à revisão do Código de Processo Penal?

    A de restringir o segredo de justiça, «passando, em regra, a valer o princípio da publicidade, só se justificando a aplicação do regime de segredo quando a publicidade prejudique a investigação ou os direitos dos sujeitos processuais»[24].

    Ou seja, a primeira medida prevista no Pacto da Justiça de 2006 (e como tal também acolhida pela Ministra da Justiça do Governo de Passos Coelho e por muita doutrina especializada[25]) é afinal a mais execrada publicamente por Rui Rio e uma das mais criticadas no “Manifesto dos 50”. É questão para perguntar: em qual dos dois lados da ponte (e do tempo) pretende ficar Augusto Santos Silva?

    E qual era a última proposta do Pacto de Justiça de 2006?

    Era a do reconhecimento da autonomia administrativa e financeira do Conselho Superior da Magistratura, acrescentando que deviam ser «criadas as adequadas condições que assegurem a presença, em regime de permanência, de membros não magistrados no Conselho»[26].

    Augusto Santos Silva

    Por que razão não constam do “Manifesto dos 50” estas (e muitas outras) propostas? Uma interpelação a dirigir igualmente a Augusto Santos Silva.

    Diga-se, por último, que um dos «erros» imputados a Augusto Santos Silva como Presidente da Assembleia da República respeitou às sucessivas declarações por ele prestadas após o dia 7 de Novembro de 2023, acerca de alegadas interferências da Justiça no normal funcionamento do sistema político[27], entendendo estarem aí em causa as limitações funcionais inerentes ao cargo, bem como o respeito pelo princípio da independência dos tribunais, na medida em que a finalidade deste princípio é a de defender os tribunais de ingerências, pressões ou instruções que possam vir dos demais poderes do Estado[28].

    2. SEGUNDA CURIOSIDADE

    Um outro aspecto que não tem sido devidamente considerado na esfera pública respeita ao facto de Rui Rio estar ‘envolvido’ numa investigação criminal[29] que se prende com a utilização das verbas afectas ao funcionamento dos grupos parlamentares e dos respectivos gabinetes, investigação essa que (pelo tempo que leva e pela matéria sobre que versa) acaba por envolver de alguma forma também os anteriores Presidentes do Parlamento.

    Não vem decerto a propósito transformar um texto de opinião em parecer jurídico, mas tão-pouco sendo esta a primeira vez que escrevo sobre o assunto, posso reunir aqui alguns tópicos de ajuda ao leitor, de modo a facilitar-lhe a revelação do potencial alcance da nova curiosidade:

    • Segundo declarações prestadas pelo Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, que se ocupou do tema da natureza jurídica dos grupos parlamentares na sua tese de doutoramento, a regulação legal desta matéria carece de clarificações, por haver nela uma “zona cinzenta” [30];
    • O facto de uma prática ser comum não a torna aceitável, como prontamente replicou Susana Peralta à pseudo-alegação de Rui Rio[31], enfatizando que, apesar de os nossos representantes terem podido tornar as regras mais claras, «ao invés, maximizaram a conveniente zona cinzenta»[32];
    • Todavia, o regime do financiamento dos partidos e dos grupos parlamentares em Portugal não tem apenas obscuridades e zonas cinzentas, está ainda envolto em inconstitucionalidades, em práticas abusivas e em mantos de encobrimento.
    • Inconstitucionalidades, a começar pela inconstitucionalidade formal da Lei de organização e funcionamento dos serviços da Assembleia da República (com as suas sucessivas alterações), uma vez que a matéria respeitante aos partidos políticos é da reserva de lei orgânica[33], razão pela qual não deve, nem pode, haver regimes de financiamento dispersos ou avulsos, como aquele sobre o qual versa o processo criminal em causa;
    • Práticas abusivas da parte de alguns (embora não de todos) os partidos políticos, que se aproveitam precisamente das zonas cinzentas da Lei de organização e funcionamento dos serviços da Assembleia da República, para satisfazerem despesas correntes de financiamento dos partidos, quando estas nem sequer deveriam ser financiadas (à luz da jurisprudência constitucional alemã e à luz da natureza jurídica primária desse tipo de organizações);
    • Mantos de encobrimento, resultantes de sucessivas e cavilosas alterações a esse regime jurídico, alegadamente para o clarificar, mas na realidade para garantir a persistência de práticas ilegítimas e iníquas dos partidos, por ofensivas das exigências inerentes ao princípio democrático[34].
    books in glass bookcase

    Por tudo isso[35], não foram surpresa nenhuma as notícias de Julho de 2023, de que havia investigações criminais a decorrer ou de que estavam a ser feitas buscas à casa de um ex-dirigente partidário ou às sedes do partido político que o mesmo liderara; se nessas diligências foram respeitados os princípios e as regras constitucionais e legais é uma questão totalmente diferente – para isso, existem as normas processuais.

    No final, qual é então a grande curiosidade?

    É a de que, ao contrário do que parece, Rui Rio, antes de mais, mas também Eduardo Ferro Rodrigues e Augusto Santos Silva, depois, enquanto principais arautos do “Manifesto dos 50”, não estão apenas a lutar pela defesa do Estado de Direito democrático: estão também a defender um interesse particular, no âmbito de uma matéria politicamente delicada, onde todos eles, podem estar no final, de uma maneira ou de outra, pelo menos politicamente ‘envolvidos’[36].

    Mais não é preciso acrescentar.

    3. DA CAPO

    Para regressar ao ponto inicial, como prometido, recordo então aqui a dezena de propostas concretas de “reformas da Justiça” – no caso, as mais prementes, sem considerar as de revisão constitucional – apresentadas no início do ano (e que divulguei à opinião pública em Maio de 2024)[37]

    REFORMAS DA JUSTIÇA

    Segundo o método de pequenas correcções

    Gerais

    1 – Atribuição de total autonomia administrativa e financeira ao Conselho Superior de Magistratura, com inerente transferência de responsabilidades e poderes até agora confiados ao Ministério da Justiça.

    2 – Imediata aprovação dos decretos-leis de desenvolvimento da autonomia administrativa e financeira dos Tribunais da Relação.

    3 – Revisão da Lei do Tribunal Constitucional, com pelo menos as seguintes duas alterações fundamentais:

    Previsão de que o Tribunal Constitucional possa, no seu Regulamento Interno, prever a existência de audiências públicas, bem como a admissão e configuração do regime do amicus curiae, nos processos de elevada transcendência constitucional, assim considerada por proposta do Presidente, confirmada por maioria absoluta dos Juízes do Tribunal Constitucional;

    – Previsão do efeito meramente devolutivo nos recursos de constitucionalidade previstos no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei do Tribunal Constitucional[38].

    4 – Aprovação de uma directriz legislativa contra a prolixidade das peças processuais, de todos os actores processuais, magistrados incluídos.

    5 – Proibição legal da greve dos juízes[39] e limitação da greve dos magistrados do Ministério Público.

    6 – Recrutamento de engenheiros de processos para os principais tribunais.

    Justiça Penal

    1 – Limitação dos mega-processos aos casos estritamente necessários, exigindo para o efeito resolução fundamentada do Procurador-Geral da República.

    2 – Fortalecimento e responsabilização da função e do papel da hierarquia do Ministério Público, com exigência designadamente da apresentação de um relatório anual à Assembleia da República por parte da Procuradoria-Geral da República.

    Justiça Administrativa

    1 – Instituição de um mecanismo transitório[40] alternativo[41], de natureza voluntária, para a parte que não seja a entidade pública no processo, com vista ao desembaraço da acumulação e da excessiva duração dos processos na primeira instância dos tribunais administrativos.

    2 – Rápido provimento dos juízes em falta nos tribunais administrativos.

    José Melo Alexandrino é professor universitário

    Parque das Nações – Campus da Justiça

    [1] Sabendo-se à partida como a Justiça é uma deusa difícil de servir (como, em vão, tive oportunidade de dizer na saudação inicial de uma conferência proferida em Luanda, no ano de 2010 (em texto disponível aqui); para corroboração, ao nível das percepções dos portugueses, desse ponto-cego do nosso sistema (Teresa Violante), veja-se o recente estudo de Pedro Magalhães/Nuno Garoupa, Estado da Nação 2024: inquérito sobre a justiça, Lisboa, 2024 (disponível aqui), com ¾ dos inquiridos a responder que o sistema de justiça funciona mal ou muito mal (ibidem, p. 10).

    [2] José Melo Alexandrino, «Justiça: reforma ou reformas?», in Observador, de 11 de Maio de 2024, disponível aqui, para assinantes).

    [3] Nomeadamente os estudos desenvolvidos no âmbito académico ou no de observatórios criados para o efeito, os estudos ou livros preparados no âmbito parlamentar ou governativo, o teor de Pactos de Justiça (como o de 2006) ou de propostas similares apresentadas ao longo dos anos, bem como as investigações, gerais (como as de Nuno Garoupa) ou parcelares aprofundadas (como sucede, quanto ao problema da fiscalização concreta e dos recursos para o Tribunal Constitucional, com o sólido contributo de Jorge Reis Novais) já levadas a cabo.

    [4] Lembro particularmente a discussão formalmente desencadeada em 17 de Julho de 2024 pela associação Causa Pública (num processo que se pretende concluir no final do ano, com a apresentação de uma proposta concreta, informada e discutida).

    [5] Apesar de, em medida diferente, todas elas terem publicado alguma coisa, em diversas outras áreas.

    [6] Muito diversamente, para dois bons exemplos de pessoas que têm esse tipo de visão, veja-se a entrevista concedida por Cunha Rodrigues ao Jornal Público e à Rádio Renascença, em 18 de Julho de 2024 (disponível aqui), ou o texto de opinião de Alberto Costa («Uma trajectória na esfera penal», in Diário de Notícias, de 18 de Julho de 2024, disponível aqui), neste segundo caso, na linha precisamente da excelente intervenção feita pelo Conselheiro Noronha do Nascimento no dia anterior (no debate organizado pela associação Causa Pública).

    [7] Mal não fará a releitura do fragmento (de 1919) de Fernando Pessoa “Em matéria de assuntos sobre que se possam ter opiniões” (disponível aqui); em idêntico sentido, mas em concreto, Cândida Almeida, «Os especialistas em tudo», in Jornal de Notícias, de 14 de Julho de 2024 (disponível aqui).

    [8] Eduardo Ferro Rodrigues, «Sobressalto e sobressaltos», in Diário de Notícias, de 6 de Julho de 2024 (disponível aqui).

    [9] Depois do desaparecimento físico desse nosso saudoso historiador e colunista.

    [10] Depois das críticas feitas ao legado de Passos Coelho nesse sector (veja-se a esse respeito, por exemplo, a notícia do jornal Observador, de 7 de Julho de 2018, disponível aqui).

    [11] Notícia da Agência Lusa, divulgada pelo jornal Observador, em 31 de Julho de 2018 (disponível aqui).

    [12] Segundo notícia do Expresso de 13 de Outubro de 2018 (retomada por outros jornais).

    [13] Apesar dos esforços desenvolvidos nestes dias para o desencantar.

    [14] Cfr. <https://www.psd.pt/pt/noticias/rui-rio-apresentou-medidas-para-justica> (16 Julho 2024).

    [15] Documento disponível aqui, pp. 18-23.

    [16] À luz deste resumo, é perfeitamente natural que 73% dos portugueses concluam que nenhum partido político «tenha melhores respostas [do] que os outros para os problemas da Justiça» (cfr. Pedro Magalhães/Nuno Garoupa, Estado da Nação…, cit., p. 43), tendo por isso inteira razão Nuno Garoupa nas considerações que a esse respeito produziu, por ocasião do lançamento desse estudo.

    [17] E por isso mesmo, com razão, liminarmente rejeitadas por António Costa.

    [18] Na medida em que na lista dos 50 subscritores iniciais do documento, há alguns amigos e pessoas pelas quais tenho grande estima académica e cívica, é inteiramente devida esta anotação sobre a génese do “Manifesto dos 50”: passando ao lado do conteúdo, por conhecer o pensamento, as obras e o estilo dessas pessoas, estou absolutamente seguro de que não foi da pena de nenhuma delas que partiu um texto tão mal estruturado e tão medíocre do ponto de vista estilístico – bastando para o efeito atentar no abuso da adjectivação (com interesse, veja-se o artigo de 14 de Julho de 2024 do Professor Nuno Guimarães, disponível aqui).

    [19] O que viria a “obrigá-lo” a uma (rara) intervenção pública no Parlamento (notícia disponível aqui).

    [20] A que se deve acrescentar a, sempre ignorada, ofensa grosseira e continuada, nesse período, ao princípio do Estado unitário.

    [21] José Melo Alexandrino, Manchas sobre o Speaker, texto inserido a 26 de Março de 2024, p. 1, 1 (texto disponível aqui).

    [22] José Melo Alexandrino, «A liberdade de expressão no Parlamento», in PÁGINA UM,emtexto inserido a 19 de Maio de 2024 (disponível aqui).

    [23] Texto disponível aqui.

    [24] Acordo político-parlamentar…, cit., p. 5.

    [25] Doutrina na qual sempre me revi, tendo imediatamente defendido que a constitucionalização do segredo de justiça (no artigo 21.º, n.º 3), feita pela revisão constitucional de 1997, é «um caso onde uma previsão constitucional favorece a segurança jurídica e a ordem social, mas, em contrapartida, determina limitações na extensão dos direitos fundamentais, requerendo não só uma interpretação restritiva, quanto impondo uma hermenêutica insusceptível de colidir com um adequado sistema de direitos fundamentais, sob pena de resultar inconstitucional» (cfr. José Alberto de Melo Alexandrino, Estatuto constitucional da actividade de televisão, Coimbra, 1998, p. 128, nota 257).

    [26] Acordo político-parlamentar…, cit., p. 14.

    [27] José Melo Alexandrino, Manchas sobre o Speaker, cit., p. 6.

    [28] José Melo Alexandrino, Lições de Direito Constitucional, vol. II, 4.ª ed., Lisboa, 2024, p. 74.

    [29] Notícia do Público on-line, de 12 de Julho de 2023: «PJ fez buscas a casa de Rui Rio e às sedes do PSD em Lisboa e Porto» (disponível aqui, para assinantes).

    [30] Registo da RTP Notícias, de 14 de Julho de 2023 (disponível aqui).

    [31] Susana Peralta, «Rui Rio riu», in Público, de 14 de Julho de 2023, p. 9 (disponível aqui, para assinantes).

    [32] Ibidem.

    [33] Neste sentido, cfr. J. J. Gomes Canotilho/Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, vol. II, 4.ª ed., Coimbra, 2010, p. 313 [em anotação ao artigo 164.º, alínea h), disposição para que remete o artigo 166.º, n.º 2, da Constituição].

    [34] Sobre a matéria, José Melo Alexandrino, Lições de Direito Constitucional, vol. II, cit., pp. 101-111.

    [35] Para uma avaliação informada do conjunto do problema, Paulo Trigo Pereira, «O dinheiro dos grupos parlamentares deve ser dos partidos?» in Observador, de 23 de Julho de 2023 (disponível aqui, para assinantes).

    [36] Escusado será dizer que é, por conseguinte, perfeitamente natural que o dedo esteja igualmente apontado ao próximo Procurador-Geral da República.

    [37] José Melo Alexandrino, «Justiça: reforma ou reformas», cit.

    [38] Esta medida permite, de uma assentada, realizar os seguintes quatro fins: 1) acelerar os tempos da Justiça; 2) racionalizar o acesso dos particulares e empresas ao Tribunal Constitucional; 3) pôr um travão sério a que haja “uma Justiça para pobres e uma Justiça para ricos”; 4) pôr termo a uma das mais perversas e discriminatórias manobras dilatórias existentes no nosso sistema.

    [39] Sobre o problema, por todos, José de Melo Alexandrino, «A greve dos juízes – segundo a Constituição e a dogmática constitucional», in Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano, no centenário do seu nascimento, vol. I, Lisboa, 2006, pp. 775-777.

    [40] Propondo-se para o efeito um prazo de 5 anos, a contar da entrada em vigor da respectiva lei.

    [41] Como pode ser a opção pelo recurso aos tribunais comuns e às normas do Código do Processo Civil, com as necessárias adaptações, parametrizadas por lei.


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  • América: um sketch teatral

    América: um sketch teatral

    Donald Trump está na sua Trump Tower. Toca o telefone vermelho feito de carbono.

    Uma das raparigas que desfila pelo luxuoso espaço aveludado, encaminha-se até ao telefone, a mando de Trump.

    A rapariga vê o número e diz ao ex. Presidente que é Jo Bi quem está a ligar. O homem do cabelo laranja veste o roupão e dirige-se para a mesinha onde está o telefone. Atende.

    – Olá, Jo. Se é para gozares comigo, mais vale ligares para o Martin.

    Atira logo à queima-roupa.

    – Não, aliás estou cansado demais para isso.

    Responde Jo Biden.

    E continua, depois de uma pausa em que pigarreia para aclarar a voz.

    Ilustração de Alex Farac.

    – Queria mesmo era falar do debate. Uma boa parte do mundo viu mas fomos os menos vistos dos últimos anos.

    – Que se foda!

    Responde Trump.

    – Digo-te já que não gostei nada daquilo que disseste do meu filho.

    – Jo… Eu não queria…

    Biden interrompe.

    – É que ele é muito pior do que insinuaste.

    E desata a rir.

    – Ah bom! Quase me assustaste.

    Trump sente uma espécie de alívio.

    – O anormal do Hunter só não está preso por causa de mim. Sempre foi estúpido o parvo do rapaz.

    – É como a Melania. As pessoas acham que ela é esperta só porque não fala muito.

    – Mas ainda é gira.

    – Que se foda! A beleza para mim é coisa do departamento da filosofia.

    – Sim, eu sei. Não gostei foi daquilo que disseste a propósito do golf, sabes que tenho um grande orgulho do meu jogo. Aí mentiste mesmo… Ou é impressão minha?

    – Não, não. É mesmo verdade que estou menos gordo e ainda bato bem. Talvez tu carregues melhor e sejas mais perspicaz na análise dos buracos, mas eu sou bom no green. O meu pai ensinou-me a jogar e eu sempre fiz tudo para ser melhor que ele.

    – Também disseste que eu próprio não percebia o que dizia às vezes. Tinhas razão. Eles deram-me uma merda esquisita para não sei quê, e estive um bocado à toa. Quase que dizia que era contra o aborto.

    – Mas tu és contra o aborto Jo.

    Riem ambos.

    – Jo… Sabes… Acho que vou ganhar, man.

    Disse Trump sem grande entusiasmo.

    – Espero bem que sim. Eu disse-lhes que, ou metem o holograma, ou não faço mais o espectáculo. Estas merdas já me cansam e eu agora queria desfrutar um bocado da vida. Sempre fui um desgraçado, tu sabes. E ainda tens cabedal para aquilo. Tu és um bom palhaço Donald, nunca te esqueças.

    – Obrigado, Jo. E já agora, sabes que temos aí um plano muito interessante na manga…

    – Boa!

    – Já alguma vez levaste com uma bala?

    – O que é isso?

    – Um balázio Jo!

    – Oh claro. Só de raspão.

    – Dói?

    – Depende. Porquê?

    – Tive um sonho muito estranho. Nada de importante.

    Diz Trump cabisbaixo.

    – Ouve, está a resultar isto das pessoas acharem que me estou a agarrar ao lugar.

    Trump mostra algum desconforto por Jo não ter dado muita importância ao tema do sonho. Biden continua.

    – Sempre foste é um desastre nos negócios, um looser… Tive de o dizer. Foi mais forte que eu. Ninguém me escreveu a frase. Saiu-me.

    Ilustração de Alex Farac.

    – Não tens de estar a lembrar-me sempre disso. O Obama também tem essa mania. E o Michael ainda é pior.

    – Tens razão. Já me esquecia. Não digo mais “verdades”, pelo menos sem audiência por perto.

    – Certo. Andas muito esquecido, Presidente!.. E já agora… Verdades?.. É para gozar, não?

    Desatam a rir.

    – Claro. Ainda damos cabo da pós-verdade.

    – Qual pós verdade? Andamos mesmo muitos esquecidos, não é Jolito?

    Jo está deveras bem disposto. A amizade é o melhor do mundo. Jo continua:

    – E ainda não viste nada. No outro dia lá na Casa Branca confundi uma girafa com uma jarra. O pior é que fui dar festinhas à jarra como se fosse a Molly.

    – Oh! Quando estive lá, aconteceu-me muito pior. Nem te vou contar as coboiadas man. Tu até estás bem. Acho que a táctica está a resultar. Deixa a maralha pensar que estás demente enquanto o próprio mundo se medica. Não tomes é aquelas merdas verdes. Esses comprimidos são perigosos. São cristais. Se tiveres problemas, já sabes que a lixívia resulta.

    – Essa história da lixívia foi muita bem metida.

    – Sim eu sei.

    Responde Trump.

    – Sim, eu sei também… Quanto aos comprimidos, claro. Não estou maluco.

    Responde Biden.

    – Já agora Jo, não gostei muito de teres dito aquilo referente à prostituta.

    Ataca Trump sem atacar.

    – O que é que eu disse? Queres ver que cometi uma gafe das minhas outra vez!..

    – De certa maneira sim. Disseste que eu devia estar com a minha família, enquanto estava com a prostituta.

    – Desculpa. Foi sem intenção.

    Lastima Biden.

    – Devias era ter dito a verdade. Que eu estava com dez.

    Desatam a rir novamente.

    – Mas se eu ganhar, aquela ameaça que fiz ao Zelensky é para manter. Ainda ninguém me deu ordens do contrário. O anão não leva mais papel.

    – Claro, claro.

    Responde Biden sem qualquer emoção.

    – É que o ucraniano já anda a abusar. E depois vai para a Vogue fazer aquelas figuras. Não achas, Jo?

    – Sim, sim. Está a levar-se muito a sério. Ando a pensar um dia chamar-lhe Putin, como se fosse uma das minhas gafes

    Ilustração de Ruy Otero.

    – Essa é muita boa.

    – E à Kamala vou chamar-lhe… Adivinha!

    – Tina Turner?

    – Não. Trump.

    – Pára Jo. Ainda tenho um enfarte, só de rir.

    – Sabes que lá em Hollywood já estão a preparar um filme com o Zel?

    Pergunta Jo

    – Sim. Mas não vai ser bem ele, pois não?

    – Sim, vai. O contrato era esse. Ele gosta mesmo de representar. Não está velho como nós. Mas não é grande actor, digo-te já. O Putin safa-se melhor, mas é frio como tudo. Eu falei com o KGBs (alcunha de Putin no meio diplomático), e parece muito em baixo. O tempo lá em Moscovo também não ajuda, e os aviões têm andado parados. Há umas greves e não sei quê… Comunistas; sabes como é que é. Boa gente, mas…

    – Ai sim?

    – O último filme do Clint Eastwood já foi com A.I. não foi Jo?

    – Dizem que sim. Até acho que o Clint já morreu. Ele e os westerns.

    – Pena. Mas não é morrer, morrer.

    Lamenta Trump.

    – Não. Mas não te liguei para falar de codrilhices digitais. Queria mesmo saber se vais amanhã ver os Chicago Bulls?

    – Posso ir sim. Tenho tido bastante tempo desde que sou um avatar de mim mesmo.

    Riem, e Biden quase que se engasga.

    – Essa… Está…. bo… a!

    – Está não está? Saiu-me.

    Diz Trump nitidamente contente com a frase

    – Agora me lembro, foi também por isso que te liguei.

    Ilustração de Alex Farac.

    Continua Jo, que, entretanto, superara a tosse do engasgo. E continuou.

    – Queria ter uma vida normal. Começo a ficar seriamente cansado desta palhaçada. Levo a outra cara, se é que me entendes…

    – Entendo muito bem.

    – …E até posso pedir cachorros que ninguém me reconhece. Donald, a tecnologia foi o melhor que nos aconteceu. Esta vida no século XX dava mesmo trabalho e não se ganhava muito. As pessoas nem imaginam. Tu aí nem querias sab…

    Trump interrompe.

    – Jo, desculpa, mas vou ter de atender mesmo. É o Musk. Ele está em Marte e se não atender em 10 segundos, a merda da chamada ainda não aguenta mais tempo de espera e cai.

    – Sim atende. Eu também já falei há uns dias com ele. Está a apanhar uma grande seca lá em Marte.

    Confirma Jo.

    – Então deixa-me atender. Tchau, meu velho!

    – Velho, eu?

    (CAI O PANO. O PÚBLICO BATE PALMAS ENQUANTO TRUMP E BIDEN AGRADECEM, MAS TRUMP QUANDO SE AGACHA PARA O AGRADECIMENTO TEM UMA DOR NAS COSTAS QUE O PARALISA. O PÚBLICO RI E BIDEN AJUDA. O PÚBLICO RI AINDA MAIS).

    FIM

    Ruy Otero é artista media


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