Armado de uma habilidosa trela invisível, o Génio Catamo puxou a bola para dentro até encontrar uma pista de descolagem entre os centrais. Nasceu nele, que eu vi e poderei testemunhar em tribunal, uma juba resplandecente de leão do Delta do Zambeze. Quando a perna esquerda do Aladino de Alvalade subiu ao céu, para urdir o retumbante remate de desenlace, eu abri a boca para um grito do catano, inconveniente e obsceno numa bancada de imprensa.
– Está lá dentro! Está lá dentro!
Uma tesoura da prestigiada marca luso-canadiana Stephen Eustáquio ainda cortou a relva num esforço inglório. De igual modo, o desesperado guarda da baliza adversária mergulhou como um perdido naquele rio selvagem. Debalde de água fria para ambos. Fatal como o destino, um filhote de leão em forma de bola voadora cruzou a grande área feito um raio e resolveu o clássico. Tendo eu gritado antes do tempo, já nem festejei o golo. Pensei antes em resgatar de imediato a reputação e a aparência de imparcialidade entre camaradas jornalistas.
– Pedro, desculpa-me. Não devia fazer estas figuras credenciado pelo PÁGINA UM, mas foi um reflexo condicionado pelo meu início de carreira.
E então recordei os gloriosos tempos na Rádio Alto Minho, a carregar pesadas bobines com quilómetros de cabo e mesas de mistura com dois metros por três de cursores de áudio. Ao lado de profissionais de gabarito, como Mário Gonçalves, Paulo Sérgio e o lendário Paulo Torres, mais reconhecido na Expo de Sevilha do que o José Rodrigues dos Santos, eu descrevia “o pormenor” das jogadas do Vianense e as noites gloriosas da Juventude de Viana no hóquei em patins. Quando me lembrava de dizer que um penalty a nosso favor tinha sido mal assinalado, o meu pai recebia no dia seguinte o pontual protesto de cidadãos indignados pela minha traição à cidade. Paciente, suportava estoicamente, sem comentários, os ouvintes que através dele tomavam a palavra. E depois insistia comigo para perseguir a verdade e o sonho de ser jornalista. Andei assim dos 14 anos até à maioridade. Descobri agora que, afinal, passei ao lado de uma valiosa carreira, a relatar os golos sempre em primeira mão, catorze segundos antes da concorrência.
– Pedro, conheces outro relatador que cante golo antes de um remate de fora da área?
O Senhor Director do PÁGINA UM respondeu que não, mas acrescentou que ando a cantar muito de galo, uma frase que lhe oiço desde que começámos a ir à bola juntos, na época passada. Eu acho que ele bem poderia personalizar tal censura com recurso estilístico a um animal verdadeiramente perigoso, como um leão ferido ou um cavalo puro sangue da Suécia. Considerando a queda dele para as aves amestradas, engulo com amizade a injustiça. E até concordo que devemos ter cuidado, em especial com as viagens dos árbitros ao Catar e outros vícios tão antigos como as velhas profissões. Ao fim de tantos anos de roubos de capoeira, estamos a expiar o tempo de presidentes, treinadores e atletas de aviário. A nossa festa é tão natural como a própria sede e a fome insaciável do Gyökeres.
– Viste a raça do animal? Ainda gosto mais dele por ser bravo do que pelos golos atrás de golos que marca.
Aos 92 minutos, com o resultado em aberto depois de um jogo de ostensivas oportunidades desbaratas, o namorado loiro da bela Inês foi despudoradamente derrubado pelo canivete canadiano de marca. Para o efeito, tal adversário, embora fresco e recém-entrado em campo como uma alface frisada, agarrou-se à mais bela e perigosa camisola do campeonato com as duas mãos que tinha mais ao pé, por manifesta falta de pernas para lhe aplicar uma tesourada. E o gigante sueco, em lugar de rebolar de dores e agredir a relva como ditam os tristes hábitos de violência doméstica da liga portuguesa, levantou-se como uma mola, de dentes afiados, a convidar o leão do Zambeze para a estocada final no adversário.
– Eu passo-te a bola e vais ser tu a marcar, porque os meus pais podem estar a ver o jogo pela parabólica e cortam-me a mesada se me apanham a mentir duas vezes no mesmo jogo.
Farnel do Sporting: sandes de leitão de Negrais, bem aviada…
O génio moçambicano, outro rapaz educado e bem-mandado, sobretudo nos minutos de compensação pelo tempo gasto pelos adversários em rábulas e fitas manhosas, em menos de um minuto recebeu o passe, atrelou a bola, abriu a juba, fez golo e resolveu o clássico. Depois disso, festejou com os adeptos eufóricos nas bancadas, reconhecido pela assistência mas ainda intrigado quanto a tão insuperável generosidade. Só nos balneários, o mágico Pote, que tem muita graça, traduziu por gestos, com os dois pés que tem sempre à mão e os 32 dentes brancos de tantas piadas, as misteriosas razões do sueco.
– Jag har aldrig gjort ett mål i mitt liv!
Peço desculpa aos leitores interessados por me abster de traduzir. Se a entidade que censura a comunicação, para pontualmente justificar a própria existência, me apanha a reproduzir uma mentira despudorada, troca-me a carteira profissional por um cartão vermelho. Essa correspondência poderia agradar ao Pedro Almeida Vieira, que (ainda) é do Benfica e adora metê-los em tribunal, mas eu prefiro deixar em paz e ao pó a caixa do correio. Por favor, peçam ajuda ao dr. Google, ao mágico Pote ou a outro tradutor qualificado.
– Jag har aldrig gjort ett mål i mitt liv!
O cidadão Viktor Einar Gyökeres, nascido a 4 de Junho de 1998, em Estocolmo, Suécia, um metro vírgula oitenta e sete vezes noventa quilos de força bruta orientada, com residência e piscina em Lisboa, é suspeito de cometimento na forma continuada do crime de fraude sobre os valorosos e honrados defesas centrais adversários. Há indícios recolhidos e bem embrulhados nas bandeiras pelos funcionários fiscais de linha, de que o arguido proferiu aquela frase do início do jogo até sofrer uma falta inocente na grande área. Apanhado em flagrante ameaça e consumada violação da linha de baliza, alega ter-se inspirado numa entrevista recente do histórico presidente adversário.
– Eu nunca comprei um árbitro. Isso não é verdade!
Assim seja eu arrolado como testemunha, abonatória, e estou disposto a declarar que o arguido só disse a verdade. Pelo menos, nos exactos termos em que eu declaro, juramentado, não guardar qualquer memória de algum dia haver festejado um golo do Sporting. No último jogo, é verdade, gritei golo, mas foi antes do mesmo ser materializado. Ora, meritíssimo juiz, não pode tal descrição objectiva, factual e incontroversa da realidade, por mais adiantada, ser confundida com outra coisa que não o despretensioso relato de um profissional da imprensa desportiva, com 37 anos de experiência.
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No futebol, que não é o modelo para se levar pela vida, exponho-me como um ferrenho, no sentido de fé inquebrantável, dos presságios. Prefiro os bons, embora as mais das vezes se tornem maus, apesar de, com elevadíssima probabilidade, os supostos sinais antecipatórios sejam sempre tão relevantes como a francesa Linha Maginot foi para conter o Blitzkrieg da Alemanha Nazi.
Porém, dizei-me, cépticos, incréus e demais descrentes: como ignorar, ao fim de 24 anos de sócio, que a águia Vitória (acho que, na verdade, era a Gloriosa) finalmente se cruza comigo? Isto é, a menos de um metro: eu a subir o elevador para a Varanda da Luz; ela, com o tratador, a sair do relvado… É certo que ela me pareceu um pouco alheia à minha presença, enquanto subíamos, e eu entabulava uma curta conversa com o seu tratador, sobre o desempenho (eventualmente) distinto das duas águias, mas, enfim, nem sempre os momentos históricos são apercebíveis por águias nem tão solenes como os do Anjo Gabriel e a Virgem Maria.
(visto está, porque me cruzei com a Gloriosa [acho eu], que me atrasei, pelo que, somando o tempo do elevador, a ‘apanha’ do farnel e a subia a penantes da escadaria, cada vez mais íngreme, cheguei à Varanda da Luz já com cerca de cinco minutos de jogo)
Além disso, talvez também por não me ter cruzado com tanta gente, que quase tudo estava dentro estádio, pareceu-me que hoje não havia tanta camisa negra, abrenúncio, que só o vermelho do Manto Sagrado, mesmo se por vezes sangrado, deveria merecer franquia de acesso.
Enfim, avancemos. Convencido estou que, depois deste encontro, muito curto, surgirá uma vitória gloriosa, ou uma gloriosa vitória, várias, muitas, todas, até ao final da época, pelos séculos dos séculos; talvez sempre superiores, em bolas entradas, aos seis que o Sporting já mandou na Madeira, e, claro, dos cinco em Faro. Certo será que na hora em que lerem esta crónica, sabido já estará se foi o Sporting ou o Porto que não conseguiu a quarta vitória consecutiva, ou ambos, porquanto haverá ‘derby’ na próxima semana – que já será passado para quem agora me está a ler)
Desconfio que mais provável seja, neste jogo e em muitos, que os cruzamentos da linha de golo sejam em menor número, sendo satisfatório que seja pelo menos e na da baliza adversária.
(como habitual, lá em baixo, um jogo morno, sem intensidade)
Mas, claro, quem precisa de intensidade quando temos a sublime arte de esperar por um milagre? A esperança é a última que morre, como se costuma dizer, mas cá entre nós, ela tem um jeito especial de se arrastar como o Schmidt lá em baixo, mão nos bolsos, numa noite de sábado.
A fé no futebol é uma forma de optimismo que só rivaliza com as promessas de campanha dos políticos de que, no Verão, os planos de emergência em saúde vão fazer os obstetras suspirarem para que lhes cheguem mais grávidas, que as há poucas no Verão…
(goloooooo… já estamos, finalmente, encaminhados: depois de dois remates fracos à baliza, lá temos o turco Kökçü lá acerta no fundo das redes, sob a forma de ‘franginho’ servido à la Brígido, o guarda do Estrela da Amadora)
Continuemos a filosofar. Não sendo ateu, o futebol começa a ocupar agora, pelo menos para mim, e para mal dos meus pecados, a função da missa dominical da minha adolescência: ia por obrigação paterna (agora tem sido profissional), embora me esgueirasse depois, antes da comunhão, para o cemitério ver campas (agora vejo vídeos com momentos de glória).
Convenhamos que, com o Schmidt, esta nossa Catedral está, daqui a nada, a parecer mais um necrotério do que local de celebração: raramente temos gritos, aplausos e a veneração. Bom, pelo menos não há muitos assobios hoje, porque o João Mário aparentemente já não jogará mais por aqui. Quer dizer, há pouco houve, por causa de um amarelo por protestos do Kökçü.
(e termina a primeira parte sem chama, tirando o ‘frango’)
Em todo o caso, sempre se mostrará mais sensato, mesmo numa época a começar mal, ter fé em ser campeão do que acreditar na política fiscal eficaz do Governo ou de que o plano de emergência para a saúde resolva o que quer que seja, excepto engrossar os bolsos de alguns com dinheiros públicos.
Mas sigamos que, também ali em baixo, pouco se anda a fazer para resolver os ‘problemas’ dos benfiquistas, a saber: não conseguem assistir a um ‘jogo de gala’, de se tirar o chapéu, há muito tempo.
(recomeça o jogo; renova-se a esperança similar à possibilidade de Cristo descer à Terra)
Interessante que, confrontando-o com a religião e a própria política, o futebol acaba por ser, com toda a sua bagagem de tradições e rituais, o último bastião da superstição moderna. Entre o ‘penteado da sorte’, o ‘ritual do chuto para o lado direito’ e o ‘cruzamento com a águia no elevador’, a crença nos presságios é a única maneira de manter a esperança viva, apesar dos dados frios da realidade.
Na verdade, a águia (Vitória ou Gloriosa, pouco importa) é o símbolo de sonhos frustrados, uma metáfora voadora da Esperança, porque se tudo estivesse a correr bem não iria acreditar que será uma rapina a alinhar o universo para uma vitória benfiquista.
(e acho que também, pela amostra, não será o Renato Sanches, que entra, e que mais parece o Elijah Price, do filme O Protegido, realizado pelo M. Night Shyamalan)
Enfim, já me estou aqui a arrastar em filosofias baratas, de encher chouriços, cada vez mais irritado, e desanimado, porque o meu ‘encontro’ com a água, mesmo se por breves momentos, merecia noite mais gloriosa. Espero, e já rezo, vejam lá, para que, pelo menos, não ‘voe’ a vitória (pouco gloriosa) que se surgiu de um ‘frango’.
Com a aproximação do fim deste pobre jogo, garantido fica que a tendência para se forçar um significado aos encontros fortuitos, com águias ou com o que quer que seja (talvez com excepção de Deus), é tanto uma maneira de enfrentar o absurdo da existência como do absurdo de um segundo campeonato pelas mãos do Roger Schmidt.
(e terminou isto, sem qualquer jogada digna desse nome durante toda a segunda parte, de parte a parte, Benfica e Estrela da Amadora; há pelejas de casados contra solteiros mais animadas)
Conclui-se assim, acabando ‘isto’ num ‘Estrela da Amadora 1.0’ (ainda pior do que na época transacta), que um jogo morno nos pode ensinar algo: contentemo-nos com o que temos, sobretudo se o Rui Costa ainda precisa de mais para abrir os cordões à bolsa e ‘despechar’ o alemão…
P.S. Esta crónica, acredite-se ou não, foi escrita antes do jogo contra o Moreirense, e o consequente ‘despedimento’ de Roger Schmidt. Entretanto, também houve um jogo, convenientemente ‘analisado’ pelo Carlos Enes, e com a minha ‘supervisão’, enquanto me deliciava com um ‘farnel’ na Varanda do Varandas que deveria envergonhar o Benfica. Mas esse ‘ajuste de contas’ fica para a próxima crónica…
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Celebram-se em 2024 os cem anos do nascimento, em Veneza, do famoso psiquiatra (ou, como prefere dizer a generalidade dos actuais cultores da área, “anti-psiquiatra”), filósofo e revolucionário italiano Franco Basaglia, a quem, segundo Norberto Bobbio, se ficou a dever a maior reforma realizada no século XX em Itália: a do encerramento dos hospitais psiquiátricos (na altura, com cerca de cem mil pessoas internadas), através da aprovação da Lei n.º 180, de 13 de Maio de 1978 (a Lei Basaglia), depois das experiências por ele levadas colectivamente a cabo em Gorizia e em Trieste, nos anos sessenta e setenta do século passado, com muitos jovens, estudantes e médicos, vindos das mais diversas partes do Mundo.
Inscrição no muro do ex-manicómio de Trieste.
Depois de uma “marcante” viagem por três cidades do Brasil, em 1978/1979, Basaglia viria a deixar o seu testamento intelectual nas Conferenze brasiliane (reunidas em obra organizada e publicada pela sua mulher, Franca Basaglia Ongaro, e por Maria Grazia Giannichedda).
Se o primeiro contacto que tive com o nome de Basaglia foi no ano seguinte ao da sua morte (ocorrida em Agosto de 1980, aos 56 anos), quando na Itália por todo o lado se ouviam ainda as discussões acerca do problema do encerramento dos hospitais psiquiátricos, a evocação da sua memória tem aqui dois propósitos: o de dar a conhecer um extraordinário trabalho jornalístico, da autoria das jornalistas italianas Ludovica Jona e Elisa Storace, que começou a ser divulgado ao público, pelo jornal Corriere della Sera, no passado dia 8 de Março[1], bem como o de dar também a conhecer (sobretudo àqueles que alimentem sonhos de transformação social) o método (simultaneamente revolucionário, humano e eficaz) de Franco Basaglia.
Um dos hospitais visitados por Franco Basaglia no Brasil. Foto: DR
Num dos momentos mais decisivos da sua revolução, quando Basaglia tinha já aplicado as suas ideias ao monumental manicómio de Trieste, conseguiu-se, a dada altura, que o saxofonista Ornette Coleman viesse à cidade, para aí dar um concerto ao ar livre, tendo a escutá-lo também algumas centenas de utentes do ex-manicómio (entretanto já totalmente transformado); a certa altura, uma mulher no público começou a tocar um realejo, sem que ninguém soubesse o que fazer; ao ouvir a música, Ornette Coleman decidiu então acompanhá-la, até a senhora terminar.
Este momento, tal como dezenas e dezenas de outros, são-nos contados no 4.º episódio (“Tutta colpa di Basaglia” [Tudo por culpa de Basaglia]) de uma série de podcasts esmeradamente realizados por aquelas duas jornalistas, em homenagem a esse grande vulto da psiquiatria, a que no entanto a realidade psiquiátrica italiana dos dias de hoje não faz justiça e que a academia ostensivamente ignora (8.º episódio).
Para quem domine a língua italiana, o melhor é mesmo começar já a ouvir o primeiro episódio da série Tutta colpa di Basaglia, no que só ficará a ganhar em conhecimento, realismo e verdadeira emoção.
Relativamente ao método, sem pretender teorizar nem dogmatizar um tema que tem sido abundantemente tratado, na minha perspectiva e a partir da visão de conjunto do trabalho jornalístico referido, o método de Basaglia talvez se possa resumir através dos seguintes traços:
Abertura interdisciplinar[2], estudo aprofundado e reflexão constante[3];
Aprendizagens a partir da experiência concreta e do estado real das coisas[4];
Inconformismo radical[5], à luz do primado do ser humano e da sua liberdade – das suas potencialidades;
Determinação humanista e trabalho colectivamente articulado;
Clarividência, ousadia, imaginação e resistência à adversidade.
Franco Basaglia (1924-1980)
Sintetizado o método e na impossibilidade de respigar aqui para o leitor português, como se pensara inicialmente, uma ou outra das passagens narradas em cada um dos podcasts (por não ter sido obtida em tempo útil a autorização solicitada para o efeito), deixaremos pelo menos o link e o título em português de cada um dos episódios da bela homenagem assim feita pelo histórico diário italiano a Franco Basaglia.
[1] Constam da respectiva nota de apresentação as seguintes indicações: “Ludovica Jona ed Elisa Storace hanno realizzato una bio-inchiesta, tra scienza, medicina, politica e sociologia, trovando risposte spesso sconvolgenti. Accanto alla ricostruzione del percorso che portò alla chiusura degli ospedali psichiatrici e all’apertura verso il territorio, attraverso le voci di molti testimoni diretti e materiali di repertorio inediti, si sviluppa un’inchiesta su come viene affrontato, oggi, in Italia, il disagio mentale. Una questione di grande attualità, specie tra i più giovani. Una serie, in 7 episodi, di Ludovica Jona ed Elisa Storace. In uscita ogni venerdì. Adattamento e produzione di Carlo Annese. Editing audio di Manuel Iannuzzo e Giulia Pacchiarini. Montaggio di Federico Caruso. L’illustrazione di copertina è di Marta Signori” [sublinhados originais].
(Ludovica Jona e Elisa Storace realizaram uma bio-investigação, envolvendo a ciência, medicina, política e sociologia, encontrando respostas muitas vezes perturbadoras. A par da reconstrução do caminho que levou ao encerramento dos hospitais psiquiátricos e à abertura ao território, através das vozes de muitas testemunhas directas e de materiais de arquivo inéditos, desenvolve-se uma investigação sobre a forma como a perturbação mental é hoje enfrentada em Itália. Um assunto muito actual, sobretudo entre os mais jovens. Uma série, em 7 episódios, de Ludovica Jona e Elisa Storace. Lançada todas as sextas-feiras. Adaptação e produção de Carlo Annese. Edição áudio de Manuel Iannuzzo e Giulia Pacchiarini. Edição de Federico Caruso. A ilustração da capa é da autoria de Marta Signori” [sublinhados originais]).
[2] Sem prejuízo de ter abandonado, logo em 1961, a docência universitária – por razões óbvias.
[3] Agora reunidos nos dois volumes dos seus Escritos: Franco Basaglia, Scritti, vol. 1 – 1953-1968: Dalla psichiatria fenomenologica all’esperienza di Gorizia, Torino, Einaudi, 1981; Scritti, vol. 2 – 1968-1980. Dall’apertura del manicomio alla nuova legge sull’Assistenza psichiatrica, Torino, Einaudi, 1997.
[4] Especialmente sobre esta dimensão, veja-se a antologia, e respectiva nota introdutória, organizada por Franca Basaglia Ongaro, L’ utopia della realtà, Torino, Einaudi, 2005.
[5] Presente logo na sua Conferência “La distruzione dell’ospedale psichiatrico come luogo di istituzionalizzazione” de 1964 (disponível aqui).
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
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Desde tenra idade, somos incessantemente doutrinados com mantras sobre a democracia: “o regime menos mau”, “o Governo do povo, pelo povo, para o povo”, “a vontade soberana do povo”.
Mas será que a realidade corresponde a tais idealizações? Hoje, os Governos das repúblicas democráticas autoproclamam-se nossos benevolentes protectores em quase todos os aspectos das nossas vidas: “redistribuem a riqueza”, “amparam os desvalidos”, “oferecem-nos habitação”, “asseguram-nos a reforma”, “educam-nos”, “protegem-nos na velhice”, “defendem-nos dos vírus, mesmo dos invisíveis”, “salvam-nos das alterações climáticas”— uma cornucópia de promessas gloriosas!
Na realidade, a democracia é o disfarce perfeito para a mais insidiosa das criações humanas: o Estado. Sob a pretensa promessa de representação, os “nossos” representantes autorizam o confisco do fruto do nosso labor; restringem liberdades fundamentais e legitimam a criação de dinheiro do nada pelos bancos — uma prática, eufemisticamente conhecida por reservas fraccionadas —, que noutras circunstâncias seria simplesmente rotulada de roubo.
Esses mesmos representantes resgatam empresas falidas sob o pretexto de proteger os empregos das suas clientelas políticas, enquanto erguem barreiras artificiais que impedem a população de perseguir a sua própria felicidade, garantindo oligopólios aos plutocratas que os financiam. Além disso, “oferecem-nos” a educação estatal, não com o intuito de esclarecer, mas sim para doutrinar as futuras gerações numa aceitação passiva de uma vida de servidão — como ilustrado pelo infame livro “Joaninha e os impostos“. A saúde pública? Nada mais que uma ferramenta de controlo assente no medo, garantindo, ao mesmo tempo, lucros obscenos às farmacêuticas, num conluio incestuoso entre indústria, classe política e reguladores.
Em conclusão, a “tirania” da maioria é inescapável, pois, no final, são os representantes eleitos que tudo decidem, legitimados ironicamente por uma minoria que ainda se dá ao trabalho de votar para nomear as pessoas à frente desta instituição parasitária, conhecida por Estado.
O que é o Estado? É a entidade que detém o monopólio para confiscar os recursos e os rendimentos dos residentes debaixo da sua jurisdição, uma prática eufemisticamente conhecida como tributação. Também detém o exclusivo do uso da força, desarmando, sempre que possível, a população para minimizar a possibilidade de qualquer revolta – hoje, com a excepção dos Suíços, todos os europeus estão desarmados.
O Estado detém o monopólio absoluto sobre a criação e imposição de leis, sendo simultaneamente o legislador e o juiz dos conflitos, mesmo quando é uma das partes envolvidas. Essa instituição, na sua magnânima benevolência, reivindica o direito de escravizar a população, forçando-a a servir nas suas guerras sob o nobre estandarte da “liberdade, pátria e democracia”. Como qualquer parasita eficiente, o Estado busca incessantemente expandir o seu território, pois quanto maior o número de hospedeiros, maior a sua sustentação.
Em que ponto da história surgiu tal instituição? Precisamente, com o aparecimento das monarquias absolutas na Europa, pois durante a Idade Média, período “estranhamente” vilipendiado pelos historiadores, tal instituição simplesmente não existia. Após a queda do Império Romano do Ocidente, surgiu uma ordem natural que deveria merecer a nossa atenção, muito diferente da propaganda que recebemos na escola pública.
Em primeiro lugar, os tribunais, tanto dos senhores feudais quanto do próprio rei, eram instituições de carácter privado. Os tribunais reais funcionavam essencialmente como instâncias de recurso ou para a arbitragem de conflitos, dispensando, muitas vezes, a necessidade de recorrer à justiça baseada em costumes estabelecidos.
Em segundo lugar, durante a dinastia Merovíngia, precursora do Sacro Império Romano-Germânico, o conceito de legislação e o papel do monarca na criação de leis eram substancialmente diferentes do que conhecemos hoje. A promulgação de novas leis era rara, com a jurisprudência fundamentada predominantemente na lei natural e nos costumes vigentes. A Igreja também exercia uma enorme influência sobre o direito e a justiça, com o direito canónico a coexistir com as leis seculares e frequentemente moldando a prática jurídica da época.
Por fim, é importante ressaltar que o rei estava subordinado à lei e não acima dela, existindo essencialmente para garantir o seu cumprimento. Além disso, poderia ser deposto tanto pelas instituições seculares como religiosas, havendo o direito à resistência caso o monarca se tornasse um tirano.
Um exemplo emblemático é o de Eduardo II, rei de Inglaterra, que, em Janeiro de 1327, foi formalmente deposto por uma convocatória do Parlamento, o qual o declarou incapaz de governar devido à sua má administração e à estreita associação com a poderosa e amplamente detestada família Despenser.
De igual modo, a deposição do Imperador Henrique IV do Sacro Império Romano-Germânico pelo Papa Gregório VII em 1076, durante a Querela das Investiduras, constitui um exemplo clássico do exercício do poder papal sobre um monarca. Após Henrique desafiar a autoridade do Papa e insistir no direito de nomear bispos, Gregório VII excomungou-o, libertando os seus súbditos da obrigação de lealdade. Esta excomunhão, que se traduziu efectivamente numa deposição, forçou Henrique IV a buscar o perdão, culminando na célebre Humilhação de Canossa em 1077.
Imediatamente, evoca-se o famigerado anátema da Idade das Trevas; sim, é verdade, havia os servos da gleba, mas o que é um cidadão de um Estado democrático senão um escravo moderno? Logo ao nascer, recebe um número fiscal, marcado como se marca o gado, destinado a ser saqueado toda a vida, correndo como um rato numa roda sem fim.
Também temos a crítica hobbesiana, que nos assegura que, sem o Estado, os homens se devorariam mutuamente; se isso fosse verdade, a sociedade europeia teria desaparecido durante a Idade Média, onde não existia Estado. Mas, ao contrário, não só sobreviveu como floresceu, erguendo maravilhas arquitectónicas como as catedrais medievais, fundando as melhores universidades do mundo e dando origem a banqueiros como os Médicis, que acumularam tanto capital que puderam financiar a mais sublime arte já produzida pela humanidade. Era sobre essa ordem natural, fragmentada, descentralizada e sem Estado, que deveríamos ter evoluído. A Europa destacou-se no mundo precisamente por essa ordem sem a pesada mão do Leviatã estatal.
O surgimento do Estado, particularmente das monarquias absolutas, foi o resultado da convergência de duas correntes de pensamento: o direito divino e o direito da irresponsabilidade. O direito divino conferia ao monarca a posição de representante de Deus na Terra, tornando o seu poder incontestável por qualquer autoridade terrena. O direito da irresponsabilidade, por sua vez, fundamentava as monarquias absolutas, ao estabelecer que o monarca se situava acima da lei, sendo, portanto, insusceptível de ser responsabilizado pelas suas acções.
O surgimento do Estado, mais do que uma simples evolução ideológica, resultou da manipulação deliberada da população, particularmente dos mais vulneráveis. Como frequentemente ocorre, bastou fomentar a inveja e a intriga. A Guerra dos Camponeses na Alemanha (1524-1525), um dos maiores e mais significativos levantamentos de camponeses da Europa, exemplifica esse processo. Os camponeses clamavam pela abolição das obrigações feudais e por maior autonomia — o eterno desejo por benefícios sem custos (o grátis!), como segurança e justiça gratuita, fornecidas outrora pelos senhores feudais.
Os príncipes resolveram a questão de forma brutal, reprimindo os camponeses com o auxílio do influente líder religioso Martinho Lutero, que proferiu as célebres palavras: “Que se esmague, estrangule e apunhale, secretamente ou abertamente, quem puder, e lembrai-vos de que não há nada mais venenoso, nocivo e demoníaco que um rebelde.” Este evento abriu caminho para o poder absoluto do monarca e do Estado, suprimindo tanto o poder da Igreja Católica quando os tribunais privados dos senhores feudais. Afinal, os exércitos reais, criadores do próprio problema, resolveram-no através do esmagamento da revolta e eliminando o sarilho enfrentado pelos senhores feudais — um clássico exemplo da tríade: problema, reacção e solução. Ainda hoje resulta!
Vamos então traçar um paralelo entre a monarquia absoluta e as modernas repúblicas ou monarquias constitucionais, nascidas após o morticínio conhecido como Revolução Francesa. Na primeira, o governo é propriedade privada do rei e da sua linhagem. Assim, o monarca tem todo o interesse em preservar o seu “capital”, evitando, por exemplo, legar uma colossal dívida ao seu herdeiro ou sobrecarregar os súbditos com tributos excessivos, já que é preciso garantir a saúde dos seus “hospedeiros”. No segundo caso, porém, os governantes são meros gestores temporários do poder, cujo objectivo primordial é saquear e extorquir a população no menor tempo possível, sem qualquer preocupação com as consequências a longo prazo.
Enquanto na monarquia absoluta o governo está rigidamente fechado e inacessível, com uma clara distinção entre os que governam e os governados, na democracia, em teoria, qualquer um pode ascender a essa instituição parasitária, vivendo do saque ao colectivo e atraindo os piores da sociedade. Na monarquia, governar é privilégio de poucos, enquanto na democracia qualquer um pode aspirar a ser poder, mesmo que isso signifique ser governado por bandidos eleitos. Em resumo, o povo aceita ser explorado na democracia porque acredita na ilusão de poder vir a ser o próximo grande saqueador, daí a reduzida resistência ao poder, mesmo que o assalto seja em torno de 60% e 70% do seu rendimento. Tal não acontecia com a monarquia absoluta, que enfrentava uma enorme resistência.
Numa monarquia absoluta, o rei evita redistribuir riqueza, pois punir a população mais produtiva prejudicaria a sua própria arrecadação. O objectivo central do monarca é extrair riqueza para si, sem sufocar os que geram prosperidade. Já na democracia, onde o governante do momento necessita de ser reeleito, surge a necessidade de confiscar os bens dos mais ricos, uma minoria, e redistribui-los aos mais pobres em troca de votos. É o que se observa quando os políticos “oferecem” casas ou passes de transporte “gratuitos” como forma de garantir o seu voto.
Por fim, numa monarquia absoluta a expansão territorial foi muitas vezes realizada pelo casamento, ou seja, de forma pacífica. Veja-se o caso dos Habsburgos que consolidaram vastos territórios europeus através de alianças matrimoniais. Maximiliano I de Habsburgo, ao casar-se com Maria da Borgonha em 1477, assegurou para a sua dinastia o controle da Holanda e parte da actual Bélgica. O seu filho, Filipe, o Belo, casou-se em 1496 com Joana de Castela, herdeira dos tronos de Castela e Aragão. Este casamento uniu a Espanha e as suas vastas colónias ao domínio dos Habsburgos, ampliando significativamente o poder e a influência da família na Europa.
Nas assim chamadas democracias, as guerras que devastaram a Europa no século XX, frequentemente iniciadas por líderes democraticamente eleitos, como o regime nazi que “heroicamente” invadiu a Polónia em 1939, exemplificam a transição para um novo tipo de conflito, agora alimentado por nobres ideais.
A Primeira Guerra Mundial assinalou o fim do capítulo das monarquias, com a queda dos Habsburgos (Império Austro-Húngaro), dos Hohenzollern (Império Alemão) e dos Romanov (Império Russo). Este conceito de conflito, aliás, já tinha despontado com a Revolução Francesa, que, em nome da conscrição obrigatória e da gloriosa tríade de liberdade, fraternidade e igualdade, transformou os exércitos em imponentes massas de cidadãos-soldados, contrastando com as monarquias absolutas, onde as guerras, aparentemente, eram menos ideológicas e mais “cavalheirescas”. Não tardou que esse nobre conceito fosse exportado para o Novo Mundo, resultando na guerra civil norte-americana, onde uma democracia em ascensão demonstrou o seu valor ao engendrar uma guerra total, com a justificação moralista da “libertação dos escravos”.
O que nos legou então a democracia? Se a monarquia absoluta jamais ousou entregar a emissão de moeda a um comissário político, hoje, temos um banqueiro central não eleito à frente dessa ignominiosa entidade chamada Banco Central. Embora tal instituição tenha existido sob o domínio das coroas absolutas, ao menos o dinheiro era lastreado em ouro, uma mercadoria que a humanidade, com sabedoria milenar, escolheu como moeda.
Actualmente, num espectáculo de desfaçatez coordenada, todos os Estados destroem sistematicamente o poder aquisitivo das moedas, enquanto os Bancos Centrais, numa orquestra afinadíssima, vendem-nos a fábula do índice de preços, ignorando deliberadamente o aumento exponencial da quantidade de moeda em circulação que há décadas incha como um balão prestes a explodir.
Como bons discípulos do medo, temem que o mundo um dia desperte e decida abandonar a moeda reserva do mundo, o venerável Dólar norte-americano. Para evitar esse terrível destino, o império recorre à sua fiel impressora de notas, financiando guerras em série – enquanto nós, súbditos involuntários, pagamos o tributo oculto chamado inflação. É o preço imposto àqueles que ousam sonhar com a fuga dessa prisão monetária, como nos exemplares casos do Iraque, da Líbia ou da Ucrânia. Como se não bastasse, somos agraciados com impostos exorbitantes, cuidadosamente desenhados para nos manter atrelados ao Euro ou ao Dólar, de modo que não cometamos a heresia de seguir o exemplo da Venezuela ou do Zimbabué – onde a fuga para as ruas é a última tentativa desesperada de as pessoas se livrarem dos papelinhos mágicos emitidos pelo Banco Central da tão aclamada democracia.
Durante as monarquias absolutas, jamais os impostos ultrapassaram a marca dos 10% do PIB, e isso apenas em circunstâncias excepcionais, como no reinado de Luís XIV na França (1643-1715) ou na Espanha dos Habsburgos, especialmente sob Filipe II (1556-1598), que acabou por arruinar o tesouro real com seu endividamento crescente, fruto das inúmeras guerras em que se lançou. O que temos hoje? Uma economia onde o Estado, na sua benevolência sem limites, nos confisca 50% de tudo o que produzimos – mesmo assim não chega, recorrendo a dívida pública e inflação –, enquanto uma considerável fatia da população espera ansiosamente que o mesmo Estado saqueie impiedosamente a minoria que arca com a conta, tudo em nome da sagrada “solidariedade”, da “habitação gratuita”, da “educação gratuita” e daquela encantadora utopia chamada “solidariedade intergeracional” – refiro-me ao esquema em pirâmide conhecido por Segurança Social.
Na gloriosa democracia, temos também um endividamento sem precedentes, muito além dos sonhos das antigas monarquias absolutas. Afinal, os bancos comerciais e o Banco Central têm a mágica habilidade de criar dívida a partir de meros papelinhos e registos electrónicos – um verdadeiro milagre moderno, onde nada existe além de números nos computadores. O dinheiro da democracia, materializado do nada, financia todas as agendas: energias flagrantemente ineficientes como a eólica e a solar; substâncias experimentais que nos são inoculadas com a suavidade da coerção, da chantagem e do medo; ajudas generosas, em nome da “democracia e liberdade”, a alguns dos países mais corruptos do planeta; sem falar do nobre combate às “alterações climáticas”.
Enquanto na Idade Média a lei era a própria tradição e os costumes, e na Monarquia Absoluta quase não se dignavam a fazer novas leis, na democracia moderna as leis são produzidas ao metro, como se fossem mercadoria em linha de montagem.
Os “nossos” representantes, esses exemplares defensores do povo, redigem leis sob medida para o plutocrata que lhes paga melhor, enchendo os cofres de escritórios de advogados que, de útil à sociedade, não produzem nem uma migalha. Como se não bastasse, somos agraciados com a presença da União Europeia, um cartel de Estados que se dedica a fabricar leis destinadas a tornar as nossas vidas miseráveis, enquanto garante monopólios e lucros pornográficos aos plutocratas que os controlam e instituem ferramentas de controlo do gado a mando destes.
Na verdade, a democracia “protege-nos” de tudo, excepto a nossa própria propriedade privada. Hoje, sob a égide do Estado democrático, a nossa propriedade nunca esteve tão vulnerável. O Estado pode confiscar-nos as contas bancárias, o imobiliário, os valores mobiliários, o carro e até o recheio da casa, em nome do combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo! Recordemo-nos que são os Estados que invadem países em nome da “democracia” e massacram milhões de pessoas nessa cruzada – isto não é terrorismo, atenção! Por fim, ainda temos de receber hordas de selvagens do terceiro mundo, em resultado desses nobres conflitos. Apetece gritar: viva a democracia!
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
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Quando ouvi Antony Blinken, secretário de Estado de Biden, afirmar que os Estados Unidos (EUA) tinham traçado um plano de paz com o qual Israel concordara e, que agora, esperavam o mesmo do Hamas, fiquei ligeiramente desconfiado. Só para não dizer que sorri.
É, no mínimo, estranho que seja uma das partes do conflito a elaborar uma proposta para o fim desse mesmo conflito. E mais estranho seria se esse documento fosse sequer algo justo para ambos os lados.
E antes que a discussão se alargue, digo sim: os EUA são uma das partes integrantes deste conflito no Médio Oriente. Aliás, de quase todos aqueles de que me lembro na região. Ou com as botas no terreno – como aconteceu no Kuwait, Síria e Iraque – ou, no caso israelita, patrocinando com armas, dinheiro, soldados e porta-aviões por perto, as chacinas feitas durante décadas ao povo da Palestina.
Benjamin Netanyahu. Foto: DR
Netanyahu discursa regularmente no Senado norte-americano, onde recebe palmas de conforto e donativos para derramar sangue palestiniano. Nesse sentido, é difícil ver os EUA noutro papel que não o de apoiante ao que se vai passando em Gaza.
Anteontem, dia 20 de Agosto, julgo que no novo canal informativo NOW, passou uma reportagem sobre os seis corpos de reféns resgatados pelo exército israelita. Estavam mortos, entenda-se, e por isso tiveram direito a nome, idade, fotografia e entrevista com as famílias que falaram sobre eles e sobre o abandono a que foram votados pelo governo de Netanyahu – recordemo-nos que o governo israelita nunca quis qualquer acordo para a troca de reféns pelas centenas de palestinianos que vão apodrecendo nas suas prisões.
Parece-me um óptimo princípio o de que a vida humana tenha relevo e importância, que seja respeitada tanto enquanto o coração bate como a partir do momento em que os olhos se fecham. Ao contrário da Helena Ferro Gouveia, que é uma das vozes mais activas em Portugal na defesa das forças ocupantes em Gaza, eu acho que o respeito pela vida é devido a um refém israelita, a um combatente do Hamas, a um soldado das Forças de Defesa de Israel (IDF), a um general russo ou a um ucraniano do batalhão Azov. Morrer em guerras que somente servem aos interesses de países imperialistas ou defendem a economia de alguns lobbys, é sempre um desperdício, venha de que lado vier.
Finda a reportagem dos reféns, surgiu outra sobre os dois últimos bombardeamentos a escolas em Gaza. No primeiro, morreram 18 pessoas e, no segundo, mais 10. Há imagens de pedaços de carne sem qualquer identificação a serem arrastados dos escombros, e também de uma senhora, aos gritos e em pânico, dizendo que estavam ali quietos, julgando estarem seguros e, de repente, morreram todos. A mesmíssima reportagem que todos vemos em Gaza e na Cisjordânia desde o dia em que nascemos. Não há nomes, muito menos famílias ou histórias de vida. Há apenas mais 28 para somar aos outros 44 mil mortos, números assim redondos para parecerem mera e fria estatística. Crianças, mulheres, combatentes, homens que estavam por ali, civis que passavam, famílias que julgavam estar em zona segura. Não interessa, ninguém quer saber quem eles são. São 44 mil mortos em 319 dias, uma média de 138 por dia, dizimados por bombas.
“Destruição metódica de um grupo étnico ou religioso pela exterminação dos seus indivíduos” é a forma como o dicionário descreve genocídio. Se alguém encontrar alguma diferença para o que está a acontecer em Gaza, pode fazer o favor de informar.
Lembram-se quando o mundo parou, durante dois anos e meio, porque em cada país morriam 20 ou 30 pessoas, diariamente, com complicações respiratórias? Pois… em Gaza isso não acontece, respiram todos bem, pelo menos até lhes cair uma bomba no telhado.
Aquilo que eu imagino quando ouço falar num plano de paz para a região é, obviamente, a criação de dois Estados e o fim do regime de prisões controladas por Israel, que consistem, essencialmente, nos actuais dois territórios da Palestina. Com lógico foco para Gaza, onde há 20 anos se assiste ao absoluto atropelo a qualquer coisa que se pareça com direitos humanos. Já disse e repito isto: Gaza é uma faixa de 60 quilómetros com dois milhões de pessoas que vivem entre muros, vigiados e proibidos de circular pela potência ocupante. A primeira exigência que qualquer plano de paz, digno desse nome, deve ter é a imediata destruição daqueles muros.
Faixa de Gaza. Foto: D.R.
Mas o que dizia afinal o plano de Blinken com o qual Netanyahu, afinal, até fez o favor de concordar? Entre outras coisas, que as IDF ficariam em Gaza depois do cessar-fogo, que o território seria dividido em Norte e Sul, com as IDF a controlar as passagens e que todo o corredor de passagem para o Egipto teria o controlo dos olhos e armas do exército israelita. Em resumo, o plano de paz sugerido pelos EUA e por Israel para Gaza não é derrubar muros ou pacificar a região: é apenas, e só, aumentar o nível de segurança na prisão onde os palestinianos estão encerrados há décadas.
Agora, como perceberão, vão tentar vender-vos a ideia de que o Hamas, os ‘terroristas deste filme’, lembrem-se, não vai aceitar o plano, apenas porque a paz não lhe interessa. E no fim de tudo, quando as mortes ultrapassarem as 50 mil e os quadros do Hamas não pararem de crescer, é certo e sabido que a culpa será, hoje e sempre, de quem não quer passar a vida na prisão.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
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O tédio era uma palavra ainda tida em conta e vinha no dicionário. Ligava-se a televisão em horário nobre, e a notícia principal era… o calor.
Lembro-me, há pelo menos vinte anos, de todos os telejornais abrirem em prime time, num dia normal de Agosto, com os repórteres perguntando às pessoas comuns que estavam nas praias do país, nomeadamente Carcavelos e praia da Rocha (ainda hoje essas praias servem para as mesmas reportagens), sobre o que achavam do tempo que fazia.
O pôr-do-sol ao pôr-do-sol
Invariavelmente, as pessoas olhavam para o céu, e a resposta era sempre a mesma – que estava calor, que o sol brilhava em pleno e a água, embora estivesse um bocadinho fria, no caso de Carcavelos, ornamentava-se sempre de uma temperatura bastante convidativa para o mergulho. E assim foi durante anos a fio. Todos os anos lá iam os pobres dos repórteres às mesmas praias fazer as mesmas perguntas nos mesmos dias de sol. Tanto que já não conseguíamos passar sem isso. Numa ou noutra época, podia haver uma ou outra variante balnear, como o famoso arrastão de Carcavelos, que até se veio a revelar mentiroso ou exagerado. Mas nada de novo debaixo do sol.
A repórter invariavelmente falava na temperatura, normalmente acima dos trinta graus e incentivava estupidamente os telespectadores a irem até lá, esquecendo-se que a maioria da população estava a trabalhar ou não morava na zona da linha do Estoril ou em Portimão. Depois passava para o pivot, que já podia ser o Rodrigo Guedes de Carvalho ou a Clara de Sousa, e se não houvesse algum incêndio espectacular digno do envio de piquetes, a notícia seguinte podia mesmo tratar-se de uma tartaruga-de-couro salva nas Caraíbas por um grupo de excursionistas japoneses, acompanhada por um piscar de olhos do José Rodrigues dos Santos, caso fosse a pública RTP ou de uma lamechice pegada com melodrama Moulinex à mistura do Rodrigo G. C., o famoso poeta da SIC.
A TVI nos anos noventa andava a rezar noutras paróquias pela falta de audiências até ao milagre do BB e pouco acrescentava ao estilo dominante.
Lagosta azul insuflável
Os leitores estarão a pensar que hoje também se fazem estas reportagens, e é certo, mas até certa altura elas eram totalitárias, conseguiam preencher um telejornal inteiro, não existiam alternativas e actualmente estas notícias e reportagens aparecem no meio de outras, diluídas em formatos informativos cada vez com menos audiência. Até aos anos 2000 (não é óbvio situar), o fenómeno da televisão era determinante, e parecia ser mais credível para os consumidores. Se havia Silly Seasons é porque o mundo estava em silly season e a democracia era tão certinha que se chegava ao pico do Verão e o mundo puro e duro ia de férias.
Dava-se também importância às férias de famosos, por exemplo do Paulo Portas ou do Figo, e os portugueses pareciam gostar de vê-los a beber “refrescos de whiskey” no Algarve. Mais uma vez, é certo que hoje também existem essas reportagens, mas com credibilidade zero. O planeta-Verão já não é acompanhado por uma banda sonora de música ligeira. O mundo comprou outra novela e por isso a presença assídua de fantasmas nestas crónicas.
Nessa época, ainda antes da nova moeda, Santana Lopes era capaz de transformar uma cidade normal como a Figueira, num Rio de Janeiro, tal era o incentivo à dívida e ao Carnaval permanente.
Até o Eric Cantona nos Verões santanistas, não saía da Figueira, arrastando-se espectacularmente na areia do futebol de praia e nas pistas do Casino, antes de se dedicar ao cinema de autor.
Toda esta festarola era sempre acompanhada pelos diferentes canais que viam nessa cidade o exemplo colorido a seguir. O Santana Lopes e a Cinha Jardim tinham um rumo para o Verão dos portugueses. O futuro era para cima, diziam os mais optimistas, o próprio Santana Lopes até falava em altos astrais para a política, até bater com a cara de frente na Serra da Boa Viagem, claro…
O sol a fazer scroll
Nesse período de fim de século, avizinhava-se sempre o grande acontecimento do Pontal em que os protagonistas do PSD apareciam todos bronzeados em mangas de camisa branca, ou às riscas, a abrir as primeiras hostilidades da época contra o PS, pairando sempre a sombra do Cavaco, que podia aparecer com um carro novo a fazer rodagem, fosse qual fosse o contexto ou a função do algarvio. O Cavaco sempre meteu medo ao PSD.
Neste Agosto também como sempre houve Pontal, e o elenco do costume andou por lá certamente, mas… Ninguém viu. O Pontal não funciona em 4K.
Já nesses anos dourados, o campeonato de futebol começava e os primeiros jogos aconteciam sem grande significado. Convém lembrar que havia poucos canais e o mundo ocidental ainda navegava em algum romantismo ainda que abstrato, em que as coisas tinham nome de coisas.
Mas também existiam Big Show Sics e a canção do Iran Costa, “É o Bicho”, animava as discotecas com coreografias estúpidas e infantilizadas, embora os psicólogos de serviço já adivinhassem ali algum erotismo inapropriado. Mas sempre dentro do mesmo género soft banana split.
Também havia crises, claro, e pequenas nebulosas, tipo um súbito aparecimento de uma alga na Ria de Aveiro que punha em causa a apanha de amêijoa branca. Podíamos estar em 96 ou 97 e o mundo parecia uma fábula de Walt Disney, em Agosto, ainda com Brancas de Neve e Sete Anões contadas às crianças, houvesse ou não guerras, houvesse ou não hospitais febris, houvesse ou não Clintons com bombardeiros prontinhos a agredir países, ou houvesse mesmo uma pobreza encapotada típica de Portugal. As tartarugas e a venda de bronzeadores estavam primeiro, e as férias eram um direito adquirido, sobretudo em família. As crianças eram entrevistadas para dar boa disposição ao telejornal e 35 graus eram uma bênção da natureza, tornando-se urgente desfrutar a consolidação da euforia perpétua proposta. Hoje, os mesmos dizem tratar-se do Inferno.
SUN-SET
Acabavam sempre as reportagens acentuando o cuidado a ter com a hora de mais calor, incentivando os mais velhotes a ficar em casa uma horita ou outra e a beberem muita água, que pelos vistos havia por todo o lado. O mundo de Verão era um carrossel que era preciso manter oleado. Hoje, as horitas são dias a fio, e a água, dos velhotes e não só, é da Nestlé e custa os olhos da cara. O sol parece fazer sempre mal e os raios dourados já não lhes pertencem. O céu é da NASA e do Elon Musk.
Portugal continuava a endividar-se, mas o futuro parecia trazer sempre luz e a dívida permanente era apenas assunto para conversa dos chefes de família enquanto bebiam umas cervejas e comiam uns tremoços nas esplanadas de praia, como se isso fosse uma brincadeira para meninos que desse apenas umas boas piadas de Verão com a finalidade de chatear os comunistas.
A guerra da Jugoslávia só voltaria no Outono, parecia que fechava para férias também, e os grandes acontecimentos paravam porque era Verão, que curiosamente era sempre azul, como a série espanhola do Chanquete.
Anos depois, o mais parecido, mas do lado inverso, foi a pandemia Covid, em que o mundo também fez férias todo ao mesmo tempo, parando guerras, massacres e catástrofes naturais, mas ao invés de as pessoas irem para a praia, foram para casa ver o sol aos quadradinhos. O céu, que fora outrora azul, ficou mais que cinzento e pleno de drones autoritários que até falavam. No fundo, a pandemia foi a Silly Season do Inverno. Ainda hoje não acredito que tenhamos vivido naquela dimensão.
Só de pensar nas regras… do Fauci.
Introduzir tex…
No Verão de 2020 cheguei a ver na televisão, por exemplo, como numa praia do sul de Espanha, um funcionário balnear de megafone na mão assinalava quem devia ou não ir ao banho, tipo “agora a senhora de azul pode ir para a toalha, o senhor de calções pretos pode tirar a máscara e ir dar um mergulho, mas vá em segurança e tire o pano só na água. O menino aí da direita, afaste-se do outro menino, por favor, e deixe de jogar à bola”. Vi também um jihadista suicida a dizer que tinha mais medo duma constipação do que de um soldado da ONU. E que depois, caso fosse contaminado, queixava-se ele, não parava de espirrar para cima da avó, uma velha também jihadista. “Deixa mas é lá isto passar que depois volto a dar uns tiros de bazuca, posso ser jihadista, mas não sou parvo”.
O vírus não foi só digital e assustou mesmo, se não foi de uma maneira, foi de outra. As máscaras do Carnaval da Figueira da Foz foram substituídas por outras bem mais fúnebres.
E, paulatinamente, desde a crise de Setembro de 2001, acompanhada pelo aparecimento da nova euro-moeda, que tem sido um a-ver-se-te-avias digital.
Primeiro, o aparecimento de canais tanto televisivos como na net, não deu descanso às férias, depois o aparecimento das redes sociais, generalizando-se o Facebook por exemplo lá para 2007 ou 2008, que também acompanharam a crise do subprime, começaram a fazer das suas e as comidas exóticas e mesmo o típico bife com ovo a cavalo passaram para o planeta digital para serem comidos com os olhos. Já para não falar dos pôres-do-sol que se viam ao espelho nas lentes empoeiradas dos mortais, tornando-se banais e menos laranja.
De lá para cá, os Verões vão ficando mais “gélidos” (quentes, segundo a versão oficial), e o mundo ainda está mais fragmentado do que o computador de Hunter Biden.
Como estamos em 2024, façamos um apanhado de um dia normal de Verão, englobando todos os media, em que qualquer semelhança com aquela realidade de outrora é pura ficção, como dizem os brasileiros.
Trump é quase assassinado por um puto com três nomes, como é da praxe. Guerra iminente entre o Irão e Israel. Puigemont foge de Espanha para Waterloo, sem que os moços de esquadra deem por ela. Um adolescente mata três crianças no Reino Unido gerando uma onda de violência da extrema-direita. A polícia propõe aos emigrantes que troquem as facas por uma assinatura à borla da Netflix, devolvendo os objetos cortantes na polícia local em troca da subscrição. Mais uma pandemia assumida pela OMS, desta vez a varíola dos macacos.
Portugal, Portugal…
Mais uma data de mortos na Ucrânia. Apagão informático que põe em causa o funcionamento de aeroportos e as partidas de aviões. Musk fala no fim do mundo e ele mesmo entrevista Donald Trump. Não sei quantos mortos nas praias portuguesas. Praias interditadas com salmonela; o fantasma do dentista da TVI a continuar a assustar e a pairar nos dentes dos portugueses sem, contudo, ouvirmos uma palavra da Cristina Ferreira ou da Fátima Lopes, que bem o promoveram durante anos a fio. Discussões intermináveis de comentadores sobre orçamentos preocupantes. As eternas dívidas dos clubes, as dívidas do FCP, a falta de água e a seca no Alentejo de sempre, os recordes de temperatura em Bilbao, ainda que os autóctones achem normal. A demência de Biden, a vida cada vez mais cara. Os jogos olímpicos mais woke de sempre. As lástimas de Pichardo e o Benfica. O Fogo da Madeira que é o mais “quente” de sempre.
Enfim, podia continuar até ao infinito.
Mas o que vale é que é Verão. Ainda assim, se tiver sorte e para refrescar, uma vez que o calor me chateia, talvez caia um bocado de granizo lá pelo fim da tarde já que o tempo não anda para brincadeiras.
Ruy Otero é artista media
Ilustrações de Manuel Silva
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Ano novo – época nova – e problemas renovados, alguns agravados, talvez da idade, que me fez chegar ao estádio a pensar que o jogo começava às 20, quando era meia hora depois. Pior, à conta deste meu desacerto, julgando haver debandada geral, enviei uma foto das bancadas quase vazias a um lagarto que se estava deleitando pelo cristalino facto de o Sporting ter já despachado seis ‘secos’ ao Nacional da Madeira.
Homem sem fé, assim me vejo. A ‘coisa’ – leia-se, bancadas – lá se compôs, não é ‘casa cheia’, enfim, mas não envergonha, apesar de subsistir um problema ‘velho’: houve novo tropeção na primeira jornada. E mais assobios ao Roger Schmidt, depois das palmas aos jogadores anunciados pelos altifalantes. Quer dizer, não estive com grande atenção, pelo que não posso confirmar que o nome do João Mário recebeu aplausos.
(coloquemos aqui o início do jogo, embora se na época passada houve dúvidas sobre a veracidade da escrita em directo, agora ainda mais, não sendo a crónica publicada imediatamente a seguir ao apito final)
Não é novidade para o Benfica começar um campeonato com uma derrota; são logo três pontos que à vida seguem, e geralmente nas competições cá do burgo um desaire é logo um terço dos desaires aceitáveis para se ser campeão. Excepto, claro, se se for o Giovanni Trapattoni, que nos devolveu as faixas onze anos depois no campeonato de 2004/2005, mesmo tendo ‘chupado’ oito empates e sete derrotas. Sim, foi nesse campeonato, o do cabeceamento do Luisão que, ou foi um ‘frango’ do Ricardo, ou foi falta de jeito do Ricardo – coisas de antanho, antes do VAR.
Objectivamente, a 20 anos de distância, e comigo a poucos metros de distância (estava atrás da baliza), posso garantir que foi um belíssimo cruzamento do Petit, na sequência de um livre, logo ele que, por norma, marcava cantos sem conseguir levantar a bola, estranho nele que corria que nem pitbull. Enfim, bons tempos, que aquele campeonato soube a mel, depois de tão longo jejum com Vale e Azevedo à mistura.
(e lá em baixo, andamos a pastar agora; tirando um remate do Casa Pia, para boa defesa do Trubin, nada de relevante, ou seja, uma pasmaceira)
Acho que vou começar a fazer contas à vida, que, no meu caso, significa analisar as probabilidades de sermos campões. A jogarmos assim, zero. Tenho de começar a ter uma mentalidade britânica, que mesmo nos clubes da quinta divisão no fundo da tabela gritam amor até ao fim dos tempos. Se calhar não é uma honra, mas sim uma maldição ser benfiquista: contentamo-nos apenas com muito, e o pouco parece nada.
(e nada saiu desta primeira parte)
Enquanto anda ali uma confusão no topo sul, acho que na claque dos No Name Boys, estou aqui a pesquisar se uma derrota na primeira jornada é mesmo determinante. Ainda recorro ao ChatGPT, mas este ‘tipo’ não me parece de confiança na determinação do número de campeonatos em que o Benfica foi campeão mesmo perdendo na primeira jornada. Dá-me valores com ‘pinta’ de serem inventados.
Uma coisa sei, sem ser necessário inteligência artificial: o jogo do Bessa, no ano passado, não augurou ‘coisa’ boa, pese embora tenha sido ao intervalo dessa partida, que assistia ali na Graça, que me lembrei, não sei se para bem ou mal dos meus pecados, de criar este Da Varanda da Luz. Enfim, o mal está feito, e arrepia-me a ideia de uma segunda época a ‘pão e água’, mesmo se acompanhado pelo já famoso farnel do Benfica que, pelo menos nesta jornada, surgiu com uma novidade: pãozinho tipo ‘bolo do caco’, besuntado de uma pasta de carne, em vez da sensaborona e ‘insuflável’ baguete.
(e lá vamos para a segunda parte, que é sempre de esperança neste estádio, o que é mau prenúncio, porque significa que precisamos de melhorar, pois esta primeira metade não foi ‘grande espingarda’)
Além de tudo isto, a caminho do estádio, talvez impressão somente minha, pairavam ares de ambiente fúnebre ou funesto, tantos eram os adeptos do Benfica trajando o equipamento alternativo, mais de pendor negro, em vez do glorioso encarnado. Enfim, pelo menos, os jogadores ali em baixo seguem com a tradicional camisola vermelha e calções brancos – e deveriam ser proibidas outras cores para não se manchar o simbolismo deste ‘sacrossanto manto’. Já nos bastou aquela época em que se meteram em ‘mariquices’ [posso agora usar essa expressão?!] com uma camisola cor-de-rosa: acho que foi no campeonato de 2007/2008, em que ficámos em quarto, atrás mesmo do Vitória de Guimarães, com quatro derrotas e 13 empates.
Confesso também que, não sendo a confiança muita – e comungando o estado de espírito de qualquer benfiquista, entre o medo de mais um desaire e o pânico de continuarmos com o Roger Schmidt –, há o factor Casa Pia, de má memória para esta, mesmo assim, invicta crónica. Sim! Parecendo impossível, e mesmo com a transacta desgraça, como só escrevi Da Varanda da Luz para os jogos da Liga, nunca assisti ainda a qualquer derrota, e somente a dois empates, um dos quais com este mesmo Casa Pia.
(começo a exasperar-me com a pobreza franciscana lá por baixo; e eu que me estava a preparar para glorificar o Pavlidis, com um trocadilho com as minhas iniciais, e o grego nada… haja fé com as substituições agora feitas, com uma vaia ao João Mário)
Entretanto, como tive tempo, porque nada de relevo se passa, encontrei um campeonato épico onde começamos em desgraça e terminámos em apoteose. Época de 1976/1977, já eu nascido, e talvez já benfiquista, com o inglês John Mortimore aos comandos. Primeira jornada: derrota contra o Sporting, três ‘secos’ sem resposta. Segunda jornada: empate em casa, com o Braga, a dois golos…
(golooooooooooooooooooooo… finalmente! O miúdo Tiago Gouveia com um grande cruzamento e o grego PAVlidis a facturar… caramba, haja esperança!)
Bem, se ganharmos, então estaremos melhor do que na tal época do Mortimore, que à terceira jornada, no antigo Estádio da Luz, permitiu novo empate, dessa vez com o modesto Estoril, a uma bola. A primeira vitória só à quarta jornada, e bem magrinha foi (1-0), contra a Académica. No final, fomos campeões com nove pontos à frente do Sporting e deixámos o Porto a 10.
A memória é boa para nos reconfortar, nas desgraças do presente, com as glórias do passado…
(golooooooooooooooo… já está; aliviemo-nos. Depois de um susto, desconfiando eu que Nossa Senhora ajudou a deslocar a cabeça de um casapiano, de sorte a falhar a baliza, o nosso Tiago Gouveia [como é mesmo o nome daquele que foi para o PSG?!] garante, ai Jesus, assim espero, a nossa primeira vitória)
Parece-me isto salvo. Já me deveria a experiência precaver que isto de escrever crónicas apaixonadas em directo não é fácil para um escriba, porquanto, convenhamos, esta minha paixão exige retribuição no amor, ou seja, golos, para a chama se manter acesa.
Despachado isto está. O Marcos Leonardo, que entrou com o Tiago Gouveia, quase fazia o gostinho ao pé, mas fiquemos satisfeitos, porquanto, na verdade, com este resultado mostramos até mais força do que na época passada, considerando que então empatámos aqui com este Casa Pia e perdemos em Famalicão, por sinal também por 2-0…
(e é goloooooooooooooo… bolas, acordaram na segunda metade da derradeira parte; se isto fosse como no basquetebol, com quatro partes, isto ainda ia parar num quimérico 15 a zero)
Acabemos a crónica aqui. O árbitro acaba de apitar para o fim do jogo. Finalizemos o texto; hoje nem sequer tive de meter já o texto e as fotos, e assim regresso mais cedo ao lar, doce lar, apesar de lá viver uma portista…
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Recentemente, a Autoridade da Concorrência condenou diversos grupos laboratoriais e uma associação empresarial ao pagamento de 57,5 milhões de euros por formarem um cartel que fixou preços e repartiu o mercado de análises clínicas e testes COVID-19 entre 2016 e 2022.
Segundo a fundamentação da sanção, o referido cartel aumentou o poder negocial dos laboratórios, obstaculizando qualquer tentativa de revisão de preços. O processo teve origem num pedido de clemência, resultando na dispensa de coima para a empresa denunciante.
A Hormofuncional/Alves & Duarte (grupo Affidea) foram condenadas a pagar uma coima de 26,1 milhões de euros, a coima aplicada à Joaquim Chaves foi de 11,5 milhões de euros, a Germano de Sousa terá de pagar 9,3 milhões de euros, a Labeto 1,4 milhões de euros, a Redelab (e Jorge Leitão Santos) 300 mil euros e a ANL 10 mil euros. A a Synlab e a Unilabs decidiram pagar voluntariamente as coimas, respectivamente de 5 milhões e 3,9 milhões de euros.
De imediato, houve um verdadeiro rasgar de vestes, com conhecidos políticos, comentadores e jornalistas a gritarem: “O mercado tem de ser controlado, o mercado deixado à solta é um perigo.”
A mais exuberante, como sempre, foi a líder do Bloco de Esquerda, famosa por uma narrativa duvidosa sobre a possível expulsão da avó de uma casa com renda de favor, que nos presenteou com esta jóia de retórica e demagogia: “…cinco laboratórios privados foram multados pela Autoridade da Concorrência por terem formado um cartel, ou seja, enquanto no SNS todos os profissionais trabalhavam dias e horas a fio para salvar o país – na verdade os hospitais nunca estiveram tão vazios -, há cinco laboratórios privados que se sentam a uma mesa, não para discutir como salvar vidas (sic), mas para discutir como extorquir o Estado num momento de aflição e de preocupação.”
Conclui de forma dramatúrgica a sua apreciação ao comportamento das cinco empresas multadas: “Se não nos pagarem o que nós queremos, nós não fazemos testes. Se não nos pagarem o que nós queremos, não fazemos as análises. Pensemos no que seria um SNS subjugado a este tipo de extorsão!”
É imperativo esclarecer a senhora Mortágua do seguinte: num mercado verdadeiramente livre, desprovido de barreiras à entrada e à saída, onde não há regulação ou extorsão institucionalizada – mais conhecida por impostos –, a possibilidade de formação de um cartel é praticamente nula.
Em tais condições, a resposta natural a lucros elevados é a entrada de novos concorrentes no mercado. A formação de um cartel pode até ser tentada, mas é inevitável o surgimento de novos competidores que rompam com o cartel, ou mesmo de membros do cartel que, ante a ameaça de novos entrantes, passem a ignorar o acordo. A dinâmica de um mercado livre torna a manutenção de cartéis insustentável e autodestrutiva, já que o incentivo ao lucro rapidamente desmantela qualquer tentativa de controlo colectivo de preços.
A intervenção estatal é a verdadeira facilitadora da formação de tais cartéis, podendo-se materializar de várias formas. Em primeiro lugar, temos o licenciamento, que limita de imediato o número de empresas no sector. O processo de obtenção de uma licença, regra geral, é frequentemente complexo e oneroso, desincentivando a entrada de novos competidores, o que reduz a concorrência e fortalece o poder de negociação entre as poucas empresas licenciadas.
Também temos a regulação excessiva, exemplificada no sector financeiro, que eleva brutalmente os custos de entrada e operação nesta actividade. A conformidade com uma legislação intricada exclui pequenas empresas, que não possuem recursos suficientes para arcar com tais despesas. A forma mais eficaz de realizar esta exclusão é através da criação e proliferação de reguladores, que recebem autorização dos parlamentos para legislar sectorialmente – aqui não há representantes eleitos, apenas burocratas a decidir as regras.
Este cenário de regulamentação desmesurada não só onera desproporcionalmente as pequenas empresas, tornando inviável a sua participação no mercado, como também favorece as grandes empresas que possuem os recursos necessários para navegar por este labirinto regulatório. Assim, cria-se um ambiente onde a competição é sufocada e a inovação é estagnada, tudo em nome de uma pretensa protecção do consumidor que, na prática, serve as grandes empresas já estabelecidas no mercado e permite a atribuição de salários milionários aos reguladores – hoje, os tachos proliferam por estas bandas.
Há ainda o confisco direccionado a produtos específicos, como é caso, por exemplo, dos combustíveis fósseis, onde cerca de 60% do preço de um litro vai para o chefe da máfia, vulgarmente conhecido como Estado. Se um mercado vale 100 unidades monetárias, representando o que o consumidor pode pagar, no entanto, os operadores do sector recebem apenas 40 unidades monetárias, ainda antes de começar a pagar salários, infra-estrutura e matérias-primas, entre outros custos, o que significa a sobrevivência apenas das empresas gigantes, há muito estabelecidas e com vastos recursos financeiros.
Outra forma perversa de intervenção estatal consiste na subsidiação selectiva de certas empresas ou indústrias, criando uma desigualdade concorrencial flagrante. Essa prática permite que as empresas favorecidas pelo Estado dominem o mercado e formem cartéis. Um exemplo notório são as empresas de comunicação social – hoje, apenas canais de propaganda estatal – que apresentam resultados financeiros desastrosos há anos, absolutamente falidas, mas que continuam a operar graças às subvenções estatais, evitando assim a sua saudável eliminação do mercado.
Existem outras formas de intervenção estatal que incentivam a criação de cartéis, como é o caso das concessões a monopólios privados. Tome-se como exemplo o sector dos casinos, onde a concessão consiste na atribuição de um monopólio numa determinada região por um período específico, em troca de um gigantesco pagamento; uma prática acessível apenas a empresas milionárias e “amigas do grande chefe”.
Podia continuar a enumerar infindáveis truques e golpes de conluio entre o chefe da máfia e os seus predilectos jagunços, mas importa agora concentrarmo-nos nas multas milionárias ao negócios das análises clínicas que provocou o rasgar de vestes de muitos nos últimos dias. Neste caso em concreto, o cartel foi criado por um licenciamento complexo e oneroso.
Considere-se o n.º 3 do artigo 11.º da Portaria n.º 392/2019, onde são listados os elementos instrutórios necessários para a obtenção de uma licença no negócio de análises clínicas, em particular o procedimento ordinário. Destacam-se a documentação técnica – projectos de arquitectura e especialidades! – e a lista de especificações técnicas dos equipamentos a utilizar – como se o empresário fosse incapaz de seleccionar o equipamento adequado sem a ajuda e a validação dos burocratas.
Além disso, exige-se a identificação e qualificação do pessoal técnico – ou seja, a empresa já deverá ter muitos técnicos no seu quadro, obviamente a receber salário, desconhecendo se irá obter a licença e quando! –, a contratualização de seguros de responsabilidade civil – claramente para encarecer ainda mais o processo – e, cereja no topo do bolo, a entrega de “outros documentos”, julgados necessários pelas autoridades competentes – veja-se a arbitrariedade da situação!
Este conjunto de requisitos não apenas onera desproporcionalmente as empresas que desejam entrar, especialmente as pequenas e médias, mas também cria um ambiente onde a incerteza e a arbitrariedade reinam. A exigência de “outros documentos” à discrição das autoridades competentes é um exemplo claro de como a regulação pode ser usada para exercer controlo excessivo e imprevisível sobre os empreendedores.
A emissão da licença obriga a uma inspecção às instalações pelas autoridades competentes “para verificar se todas as condições técnicas e de segurança estão cumpridas”! Além disso, as autoridades podem alegar ad aeternum que os elementos apresentados pela empresa que solicita a licença não estão completos, fazendo com que o processo possa arrastar-se por anos a fio – se for indesejável pela pandilha, a coisa irá arrastar-se até à desistência.
Por fim, as licenças não são definitivas e exigem a respectiva renovação ao fim de alguns anos, para que assistamos a novo enxovalho do “malvado privado”.
Seguramente surgirá nas cabeças lavadas por propaganda estatal a seguinte pergunta: “para proteger a integridade física das pessoas, a saúde e a vida das pessoas, não deverá o Estado assegurar que os privados cumpram determinadas regras, para bem de todos nós?”
Devo recordar que anteriormente a 1990, a actividade de laboratórios de análises clínicas em Portugal não tinha uma regulamentação específica, esta começou com o Decreto-Lei n.º 217/1989, de 1 de Julho, que visava introduzir o “licenciamento e supervisão por parte das autoridades de saúde e estabelecimento de normas para instalações, equipamentos e qualificação do pessoal técnico.”
Ou seja, na década de 80 do século passado, quem se recorde, ninguém teve qualquer dificuldade em solicitar uma análise ao sangue num laboratório privado. Como sempre, desde então e ao longo de décadas, as empresas de análises clínicas estabelecidas “compraram” a salvífica regulação aos parasitas que elegemos “democraticamente”, vendido ao gado como um combate ao “mercado selvagem” e “a protecção da sua saúde”.
Na verdade, a regulação é apenas um meio para a criação de cartéis, impedindo os pequenos empreendedores de entrarem em qualquer negócio – esses, em Portugal, limitam-se a abrir restaurantes, quiosques, lojas de roupa e, em tempos, alojamentos locais! Este modelo regulatório é um artifício cínico e bem orquestrado, destinado a garantir que apenas os amigos do poder possam operar sem a ameaça de concorrência significativa.
Na verdade, o que tivemos entre 2020-2023 foi uma pandemia que não existiu, criada a partir de um “vírus invisível”, para justificar um criminoso terrorismo de Estado, que tinha dois propósitos: colocar o gado a testar-se para saber se estava doente, através de um teste que nada testava; coagi-lo a inocular-se com uma substância experimental para não morrer ou ser infectado.
Foi, assim, criada uma procura inteiramente artificial, em que o padrinho da máfia entregou as ruas a cinco sicários durante três anos, assegurando-lhes lucros fabulosos, através de preços combinados entre si. No final, os lucros foram tão fabulosos que este exigiu uma parte do “excesso” para si: eis as multas milionárias que agora conhecemos!
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
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Enquanto políticos, analistas e jornalistas, em estilo desportivo, contam as horas até uma possível grande escalada – uma grande guerra – no Médio Oriente, e enquanto Israel, apesar das indicações de que poderá em breve encontrar-se na maior crise (de segurança) de toda a sua história, continua a cometer assassínios em massa e demolições na Faixa de Gaza, temos de questionar se há algum actor na comunidade internacional, em geral, que esteja a tentar travar o possível curso fatal de eventos. Ou questionar se serão as decisões tomadas pelos líderes apenas um reflexo da natureza humana central e de um estado de espírito completamente despudorado e irreversivelmente desumanizado.
Depois de o líder político do Hamas, Ismail Haniya, ter sido morto na semana passada em Teerão, onde assistia à tomada de posse do novo presidente do Irão, Masoud Pezeshkian, as autoridades iranianas, lideradas pelo Líder Supremo Ayatollah Ali Khamenei, anunciaram uma vingança feroz. Um ataque a um convidado do Irão em território iraniano foi um passo que foi longe demais para o gosto das autoridades iranianas – um passo israelita que foi longe demais. Dado que o exército israelita também matou o número um operacional do movimento xiita libanês Hezbollah, Fuad Shukr, em Beirute, poucas horas antes da liquidação da Haniya, prevaleceu imediatamente a narrativa de que uma grande guerra regional com efeitos globais seria praticamente inevitável.
Todos os passos subsequentes – por todas as partes envolvidas – foram passos para a guerra. Algumas tentativas diplomáticas – lideradas pela dissonância cognitiva e moral dos Estados Unidos, que aumentaram consideravelmente a sua presença militar na região, e pela União Europeia, completamente impotente, que aparentemente desconhece a grande ameaça de guerra à sua porta – revelaram-se patéticas. A sensação de que outra grande guerra já é aceite como um facto irreversível soa como uma profecia autorrealizável da boca dos principais actores regionais e globais. Uma história pré-contada.
O porta-voz do Ministério dos Negócios Estrangeiros iraniano, Nasser Kanani, fez recentemente uma declaração que deverá ficar nos anais da dissonância cognitiva e moral. “O Irão não quer uma escalada na região, mas Israel precisa ser punido pelo assassinato de Ismail Haniya na capital iraniana e evitar mais instabilidade na região.” Sim, é compreensível que o Irão queira vingança. Mas por que razão – da mesma forma, sabendo absoluta e antecipadamente as consequências da sua acção para a sua própria população civil, a liderança do Hamas fez ao atacar o Sul de Israel em 7 de outubro do ano passado – o Irão, com ataques retaliatórios contra Israel, directamente ou através dos seus representantes regionais, faria alguma coisa que certamente afectaria mais a população civil iraniana?
Tem o regime iraniano conhecimento de que o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, tem tentado arrastar o Irão para uma grande guerra há muitos anos – e a um ritmo acentuadamente crescente nos últimos meses – e está pronto a fazê-lo (o mesmo se aplica à propagação dos confrontos com o Hezbollah, à brutalização do apartheid na Cisjordânia ocupada, o bombardeamento do Iémen, os crimes de guerra em série em Gaza, os ataques a alvos iranianos na Síria e o conflito interno israelita em curso) para ameaçar existencialmente até o seu próprio Estado judeu?
Os tambores de guerra já ressoam no Irão. A propaganda está em plena forma. Mas o país não é como é por acaso. E os militares também não. Por que – uma vez, para variar – não se fazer o que um homem (líder, país…) é forçado a fazer pela sua natureza?
O destino de centenas de milhares, o destino de milhões é decidido pelos mais baixos impulsos humanos. As convenções internacionais, o direito internacional humanitário e as principais instituições internacionais, lideradas pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas, são apenas ecos de ilusões ouvidas há muito tempo. O que nunca foi mais nem menos do que uma ilusão. Talvez… um fantasma.
Outro motivo para preocupações fortes de que uma grande guerra é inevitável foi a visita “não anunciada” do ex-ministro da Defesa russo e agora o número um do Conselho de Segurança Nacional, Sergei Shoigu, a Teerão: Shoigu e o seu superior são quase os últimos a querer a paz. O último que estaria pronto para pisar no travão. Muito pelo contrário.
Uma situação muito semelhante – igual – é o apoio inabalável dos Estados Unidos a Israel e a Netanyahu, que há duas semanas no Congresso previu muito claramente o desenvolvimento de acontecimentos que controla remotamente com o seu maquiavelismo e assassínios em massa. Até agora, apenas em Gaza, onde o número de mortos da punição coletiva de Israel aos palestinos está inexoravelmente a aproximar-se de 40.000. Este número não inclui pelo menos 10.000 pessoas desaparecidas e presas entre as ruínas dos terrenos em chamas do enclave palestiniano.
Boštjan Videmšek é jornalista
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Se há alguma evidência a retirar da prestação dos portugueses nos Jogos Olímpicos de Paris é a confirmação do total desprezo dos nossos governantes, desde sempre, para com o desporto.
A frase “mente sã em corpo são” nunca foi tida em conta pelos nossos políticos.
O desporto escolar é uma mentira e o apoio aos jovens é inexistente.
Claro que não será a única causa, mas com toda a certeza que essa falha indesculpável é uma das razões que leva a que haja cada vez mais jovens obesos, mal preparados fisicamente, mais sujeitos a doenças.
A outro nível impede o aproveitamento de talentos para algumas modalidades pela falta de apoio, de estruturas, de equipamento e de técnicos.
O resultado vê-se quando no confronto com outros países.
E não se diga que a diferença nos triunfos alcançados, que nos Jogos Olímpicos são provados pelo número de medalhas conquistadas, tem a ver, unicamente, com a dimensão e riqueza dos países.
Obviamente que poder seleccionar atletas entre milhões de praticantes permite vantagens diferentes em relação a quem os escolhe entre centenas.
De igual modo os países ricos têm outras possibilidades de investimento também nesta área.
Mas nada pode justificar os resultados sempre inglórios de Portugal, em relação a países de dimensão e riqueza semelhante.
Um exemplo:
A Hungria obteve, nos Jogos de 2020 (que tiveram lugar em 2021 por causa da Covid), 19 medalhas: 6 de ouro, 7 de prata e 6 de bronze.
Portugal conseguiu 4: 1 de ouro, 1 de prata e 2 de bronze.
Ficámos em 56º lugar atrás de países como o Uganda e ao lado da Etiópia.
Este ano vamos pelo mesmo caminho tendo, até ao momento em que escrevo a Crónica, 1 medalha de bronze contra as 4 da Hungria, sendo 1 de ouro, 2 de prata e 1 de bronze.
Os Governantes que se apresentam nesses palcos, com o objectivo de retirarem alguns dividendos de eventuais medalhas, deveriam ter vergonha já que nenhuma, repito nenhuma, se deve ao Poder político.
Se analisarmos os percursos dos nossos campeões (que os temos) concluiremos que nada, mas nada, devem àqueles.
As nossas primeiras medalhas foram atribuídas a praticantes de vela e de tiro que treinavam, a expensas suas, desportos só praticados por meia dúzia de atletas com poder económico que lhes permitia esse “passatempo”.
Mais tarde surgiram os atletas que levaram longe o nome de Portugal unicamente porque não precisavam de grandes estruturas e equipamentos para as modalidades escolhidas.
Refiro-me, por exemplo, aos praticantes de corta-mato e corridas de estrada como as maratonas.
Nada de original porque o mesmo sucedia, por esse mundo fora, nos países de terceiro mundo como era o caso dos nossos grandes adversários de então, o Quénia e a Etiópia.
Felizmente, alguns Clubes Desportivos de maior dimensão substituíram o Estado no apoio a alguns atletas e permitiram que no remo, no atletismo, na natação, no judo, houvesse medalhados.
Carlos Lopes nunca conseguiria os seus sucessos sem o apoio do Sporting e do seu treinador, o grande Moniz Pereira.
Clube a quem também se deve, em muito, o sucesso de Nelson Évora e Patrícia Mamona, no atletismo, e Jorge Fonseca no judo,
O mesmo com Fernando Pimenta, no remo, Telma Monteiro, no judo, Pedro Pichardo, no atletismo e Vanessa Fernandes, no triatlo, que beneficiaram do apoio do Benfica.
As grandes atletas Rosa Mota e Fernanda Ribeiro, atingiram o estatuto de campeãs graças ao Futebol Clube do Porto.
O caso mais flagrante será o do ciclista Joaquim Agostinho que se tornou conhecido por, saído da sua aldeia, montado numa “pasteleira” (bicicleta normal), ter participado numa prova, que venceu, contra os melhores portugueses de então, todos apetrechados com bicicletas de competição.
Mais tarde fez furor nas Voltas a França unicamente pela sua força e determinação já que, por falta de treinadores, tinha um modo “original” de pedalar, desengonçado e perigoso, o que levou a que tivesse várias quedas, uma delas fatal, ao ponto de lhe chamarem “Quim Cambalhota”.
O grande Eddie Merckx, que o admirava e de quem foi amigo, confessava: “Se Joaquim Agostinho soubesse andar de bicicleta seria imbatível”.
E os exemplos podiam multiplicar-se com Campeões noutras competições importantes, como Campeonatos do Mundo, com vários outros atletas que fizeram içar a bandeira portuguesa e ouvir o Hino Nacional sem que a Pátria os tivesse apoiado por desleixo dos seus governantes.
Para estes, o desporto serve para se autopromoverem nos momentos das vitórias, onde estão sempre presentes em grande plano, e na cobrança de impostos aos clubes que fazem muito do trabalho que competiria ao Estado.
Os atletas portugueses, presentes nestas competições, merecerão sempre a minha admiração e o meu agradecimento.
Porque todos competem, pelas razões que mencionei, com enorme desvantagem em relação aos adversários.
O que não invalida que, no fim da Festa, fique uma enorme tristeza e um doloroso desapontamento.
A verdade é que não merecemos o esforço dos que vestem, orgulhosamente, a camisola de Portugal.
Entre muitas outras razões por que somos péssimos nos momentos de votar para eleger quem nos governa.
Vítor Ilharco é assessor
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