Categoria: Opinião

  • Do jornalismo ao Estraca, terminando em José Mário Branco

    Do jornalismo ao Estraca, terminando em José Mário Branco


    Um jornalista que se preze tem duas obrigações: informar e não ser ridículo. Geralmente, o ridículo encontra-se intimamente associado à ignorância. E à maldade. João Amaral Santos, jornalista da Visão, talvez não seja completamente ignorante, mas não informa e é ridículo. E é mau. Mau jornalista. E má pessoa, uma pessoa para quem os meios mais escroques justificam os seus “beatíficos” fins.

    Num texto publicado hoje no site da Visão – catalogado na secção Sociedade, mas que se assume claramente como artigo de opinião, embora dissimulado –, o escriba Santos, que recebeu a carteira profissional 7544, mas jamais deve ter lido o Código Deontológico, avisa ao que vem no título: “Movimentos negacionistas e antivacinas usam Hip Hop para espalhar teorias da conspiração em Portugal”. O pretexto: a música “Jornalixo”, do rapper Estraca, nome artístico de Carlos Guedes, 24 anos.

    João Amaral Santos não tem qualquer relevância no meio jornalístico, e o seu percurso na imprensa nada tem de assinalável. Porém, exactamente por esse motivo merece este destaque: a maldade surge a partir da mediocridade. Ele constitui, à falta de qualquer cume qualitativo abonatório, o expoente de uma forma de estar no jornalismo de hoje: o jornalismo dogmático e securitariamente ideológico, com posturas missionárias, inquisitoriais e populistas, usando execrável manipulação e falsificação, cimentadas pela inanidade, fruto da ignorância e impreparação técnica e científica das escolas de Jornalismo e Comunicação.

    Ele, João Amaral Santos de nominata, corporiza o jornalista mediano da nossa imprensa. Mediano,, no sentido estatístico do termo; medíocre no sentido qualitativo, devido ao actual estado da classe.
    São jornalistas como João Amaral Santos – e a ausência de uma comissão deontológica séria e interventiva – que fazem proliferar a má imprensa, o “jornalixo” retratado por Estraca, que medram um “jornalismo de merda”. Ameaçam-nos eles, no mínimo, de ficar na História como um lastimável e lamentável episódio da vida em democracia. Mas temo que, na pior das hipóteses, venham a contribuir para minar e destruir as democracias ocidentais, tornando a liberdade individual e o livre arbítrio em direitos maléficos, a serem coarctados em prol de um imaginário bem comum, que beneficiará somente elites políticas e financeiras.

    Estamos no prelúdio de um paraíso de democratas com sonhos ditatoriais: a aceitação pacífica de uma felicidade sanitária colectiva aliada à infelicidade individual; a imposição ordeira da versão século XXI da biopolítica e do biopoder teorizadas por Foucault. E os jornalistas serão os teólogos e missionários deste novo mundo.

    Não desejo, contudo, fugir muito ao tema que suscitou a escrita desta opinião. Nem vou sequer perder demasiado tempo a dissertar, e muito menos em direcção a “periodistas” do quilate de João Amaral Santos, por que motivo um jornalista decente jamais pode catalogar como negacionistas os críticos e contestatários da gestão da pandemia.

    Nem mesmo quem nega a existência do vírus merece uma denominação de conotação tão depreciativa e específica para um período negro da História da Humanidade. E muito menos se pode catalogar como negacionista quem apela para a transparência da informação das autoridades políticas; quem aponta alternativas; quem denuncia incongruências; quem crítica o uso de certificados supostamente sanitários como instrumentos de segregação; quem abomina que vacinas (com tão pouco tempo de “vida”) sejam utilizadas sem ponderação; e/ou quem defenda que estas sejam aplicadas em função de dois princípios básicos: o da precaução e o do risco-incerteza-benefício.

    Na verdade, a questão essencial no artigo de opinião de João Amaral Santos é a sua inata e intrínseca maldade. Maldade nas suas diversas acepções. Somente por maldade, pela mais sublime má-fé, pode João Amaral Santos escrever o seguinte: “Com letras que incluem os chavões e as teorias da conspiração de sempre, artistas como Estraca ou Penhx recorrem a uma amálgama de palavras e frases cantadas, onde se incluem acusações a políticos, jornalistas ou médicos e enfermeiros, entre outros, e se fala de corrupção, pedofilia ou satanismo – uma retórica próxima da utilizada pelos norte-americanos QAnon.”

    Eis a alusão à extrema-direita agora como cereja em cima do bolo da retórica jornalista contra quem contesta e crítica. O poder nem precisa de opinar nem criticar quem os critica. Há sabujos e jagunços dispostos ao servicinho: os jornalistas. Salazar não fez, não faria melhor. Sempre! Sempre a merda da extrema-direita! Isto já não apenas chateia; faz perder as estribeiras.

    Enfim, só um jornalista calaceiro, imberbe e maldoso – ou seja, só se sendo um João Amaral Santos – pode ignorar o estilo e forma das canções de intervenção, desde os tempos dos tempos. Desde, recuemos à História Pátria, os tempos do pós-25 de Abril. Como pode alguém então, sem cair no ridículo, e manter amanhã a carteira profissional de jornalista, considerar que são “amálgamas de palavras e frases cantadas” isto aqui em baixo que Estraca canta?

    Estraca, nome artístico de Carlos Guedes (n. 1997)

    E hoje é puros contra impuros
    São cultos contra incultos
    Estudos, estudos e mais estudos para te fazerem mais burro
    Grupos, grupos e mais grupos, medo forma novos surdos
    Questionar o questionável é conversa de malucos
    Então eu sou louco, assumidamente louco
    Se loucura é questionar aquilo que injetam no meu corpo
    Sim, então eu sou louco
    Conclusivamente louco
    Só existem duas escolhas: homem livre ou homem morto
    Eu escolhi ser livre e lutar pela liberdade
    Dignidade pela vida ou vida pela dignidade
    Escolhas dignas de injustiça, tempos de desigualdade
    Ataque a direitos base e crimes contra a humanidade
    Regras e novas medidas anti-constitucionais
    Querem passes sanitários mas com direitos iguais
    Sinais que fazem lembrar tempos ditatoriais
    Até miúdos viram escudos para proteger os pais.

    Contudo, no meio da diatribe que é o texto (chamemos assim por convenção) de João Amaral Santos, causa-me ainda maior fúria – e eu não sou o Estraca – a colagem do rapper a teorias conspirativas de extrema-direita.

    Associar Estraca à extrema-direita é como tentar misturar a decência com o João Amaral Santos: temos, de um lado o azeite, do outro a água.

    Questiono-me, aliás, como pode uma anémona sequer pensar que Estraca pode estar ao serviço de interesses de extrema-direita quando, no seu magistral “Terra Nostra”, escrito no início do ano passado, ele se expõe assim:

    Chega de aventuras dum Ventura partidário
    E de um comentário CM pa’ fascista parlamentário
    Marcelinho nosso querido, muito pouco autoritário
    A passear pelo país com os impostos do meu salário.

    Enfim, estará sim ele, João Amaral Santos, ao serviço de um propósito, que não a decência, e esse propósito não é digno do Jornalismo. Ele e muitos jornalistas, e infelizmente são mesmo muitos – e um bastaria para ser demais – justificam plenamente a música de intervenção de Estraca. As suas reacções justificam cada palavra do rapper. E mereciam mais ainda de mim, para além destas que acabei de escrever. Tivesse eu melhor arte.

    E já que estamos numa de abordar canções de intervenção, deixo-vos uma das minhas passagens preferidas de “FMI”, do José Mário Branco, escrita “de um só jorro, numa noite de Fevereiro de 79”, como ele cantou, e que estranhamente, ou talvez não, se encaixa, perfeita, na realidade dos nossos distópicos dias:

    José Mário Branco (1942-2019)

    Vá mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa
    Filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos!
    Deixem-me em paz porra, deixem-me em paz e sossego
    Não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho
    Não há paciência
    Não há paciência
    Deixem-me em paz caralho
    Saiam daqui
    Deixem-me sozinho, só um minuto
    Vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e polícias e generais para o raio que vos parta!
    Deixem-me sozinho
    Filhos da puta
    Deixem só um bocadinho
    Deixem-me só para sempre
    Tratem da vossa vida que eu trato da minha
    Pronto, já chega
    Sossego porra
    Silêncio porra
    Deixem-me só, deixem-me só, deixem-me só
    Deixem-me morrer descansado.


  • Da música de intervenção

    Da música de intervenção


    Silenciar pelo ostracismo, através da censura popular, e não pela opressão policial, é o sonho húmido do autoritarismo.

    Eric Clapton lançou há três meses uma música de protesto sobre a gestão da pandemia: “This Has Gotta Stop” foi, porém, ostracizada, e rapidamente se quis desenterrar supostos males e defeitos do músico britânico. A generalidade dos músicos – receosos de perder os benefícios do marketing num mundo que se tornou agora politicamente correcto e sem questionar o poder – não me surpreendeu.

    Por exemplo, em Portugal a dependência de músicos e outros artistas dos subsídios e contratos com o Estado e autarquias é medonha.

    Estraca, nome artístico de Carlos Guedes (n. 1997)

    Não admira assim que, perante a “mensagem oficial” e o ambiente de um “unanimismo artificial”, e imposto pela imprensa mainstream, uma parte se auto-silencie, enquanto a outra se auto-eleva ao estatuto de “fariseus dos costumes”, ou “de samaritanos da hipocrisia”, dando bordoada pública (porque em público vale a dobrar) em quem ergue a cabeça para dizer nem que seja um “mas…”.

    Todos estes “nogueiras de pacotilha” conseguiram, durante a pandemia, manter os seus “financiamentos” para fazer “coltura da TV, da rádio e da cassete-pirata”, e ainda receberem medalhas de bom comportamento cívico.

    Os muitos poucos que dizem “mas…”, e os raros que agora clamam por mais do que “mas…”, têm pedras por caminho.

    Mas a estratégia de “silenciar” os músicos rebeldes ou incómodos mostra que, afinal, o poder tem muito receio das suas consequências. A mensagem de uma canção entra sem filtros, matraqueia, faz pensar.
    Isto a pretexto de “Jornalixo”, do rapper Estraca, que, com uma mensagem sibilina mas muito directa, dá “murros” ao jornalismo, ao poder, e a nós todos.

    Em quatro dias conta já com 130 mil visualizações e está em 4o. lugar nas tendências musicais do YouTube em Portugal.

    Claro que a imprensa mainstream vai ignorá-lo, e é isso mesmo que fará a sua mensagem passar, e começar a fazer mais pessoas pensarem por elas.


  • Carta aberta à presidente da Comissão da Carteira Profissional do Jornalista

    Carta aberta à presidente da Comissão da Carteira Profissional do Jornalista


    Exma. Senhora Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista,

    Dra. Leonete Botelho:

    Como V. Exa. saberá, tanto ou certamente mais que eu, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (adiante designada CCPJ), tem as suas competências claramente definidas pelo Estatuto do Jornalista, mas em todo o caso, e mais ainda no caso em apreço, devo aqui expôr:

    a) Atribuir, renovar, suspender ou cassar os títulos de acreditação profissional dos jornalistas, equiparados a jornalistas, correspondentes e colaboradores da área informativa dos órgãos de comunicação social;

    b) Apreciar, julgar e sancionar a violação, pelos jornalistas, equiparados a jornalistas, correspondentes e colaboradores da área informativa dos órgãos de comunicação social, dos deveres profissionais enunciados no n.º 2 do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista;

    c) Aprovar, após consulta pública aos jornalistas, o regulamento aplicável ao procedimento disciplinar e promover a sua publicação, nos termos da lei;

    d) Assegurar a constituição e o funcionamento das comissões de arbitragem previstas no artigo 7.º-C do Estatuto do Jornalista e aprovar o respectivo regulamento;

    e) Instruir os processos de contra-ordenação por infracção aos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 7.º-A, 7.º-B, 15.º e 17.º do Estatuto do Jornalista e aplicar as respectivas coimas e sanções acessórias;

    f) Aprovar o regulamento e organizar o processo eleitoral dos membros da CCPJ designados pelos jornalistas profissionais;

    g) Exercer os demais poderes que lhe sejam conferidos por lei.

    Leonete Botelho, jornalista do Público e presidente da CCPJ

    Ademais, estipula o mesmo Estatuto dos Jornalistas, quais os requisitos e documentação necessária para a atribuição do título profissional de jornalista, bem como do título de estagiário.

    Ora, sendo eu, Pedro Almeida Vieira, detentor da carteira profissional de jornalista 1786, estou, neste momento, a desenvolver um projecto jornalístico (PÁGINA UM), para o qual registei a marca no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, e procedi ao registo na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que, salvo melhor opinião, é a única entidade autorizada para estas matérias de autorização de funcionamento, podendo essa acção ser realizada a todo o tempo.

    Ao PÁGINA UM foi concedido pela ERC um registo provisório de publicação periódica de âmbito nacional e com conteúdo de informação geral, com o número 127661. O registo foi feito em 11 de Novembro p.p., pelo que, desde essa data, o PÁGINA UM é um órgão de comunicação social, o qual tem apenas nesta fase, como única obrigação, e perante a ERC, ter de começar a divulgar informação (1º exemplar), no site indicado, no prazo de 90 dias e requerer então a conversão em definitivo da inscrição.

    Deste modo, apesar de ser evidente e claro que à CCPJ estão somente atribuídas as competências para conceder, dentro de regras bem definidas, os diversos títulos de acreditação profissional, bem como, e ainda bem, apreciar, julgar e sancionar a violação de deveres profissionais dos jornalistas, fui entretanto informado que uma colaboradora do PÁGINA UM, a qual trabalhará comigo como jornalista estagiária, foi “alertada” por um funcionário da CCPJ de que “para a emissão de um título profissional é fundamental o órgão de informação estar a funcionar”, acrescentando que “sendo um órgão de informação novo é importante saber o seu conteúdo”.

    Refira-se que essa resposta da CCPJ, via e-mail, foi dada após a entrega de todos os documentos estipulados por lei, entre os quais uma declaração comprovativa da admissão como estagiária no PÁGINA UM, por mim assinada, com indicação do nome do jornalista responsável pela orientação do estágio e número da respectiva carteira profissional. Além disso, também assinei, sob meu compromisso de honra, um documento garantindo que a estagiária exerceria a sua actividade a título permanente e remunerada.
    Pasmei, portanto, perante esta resposta da CCPJ, via e-mail, e mais fiquei após confirmar, por telefone, ser essa a V. prática corrente desta entidade presidida por V. Exa..

    Não pode ser. Nem deve. É ilegal. É eticamente imoral. Ainda mais numa comissão que integra jornalistas, e que tem sobretudo a deontologia e a defesa da profissão de jornalista como bandeiras.
    Por um lado, todos sabemos – e ainda mais os elementos que formam a CCPJ – que um órgão de comunicação social funciona desde o momento da sua concepção, e que são necessárias, antes mesmo da sua existência junto dos leitores, tarefas diversas que devem ser executadas apenas por jornalistas acreditados. Seria, aliás, ilegal se o PÁGINA UM estivesse a utilizar pessoas que, escrevendo textos jornalísticos, não estivessem munidos de título profissional da CCPJ.

    Por outro lado, não cabe à CCPJ fazer análises de conteúdos para a emissão de títulos profissionais, ademais sabendo que o dito órgão de comunicação social (PÁGINA UM) está devidamente registado como tal onde deve estar (ERC). Pode sim a CCPJ, e deve sim, exercer a sua autoridade somente à posteriori, e sobre os jornalistas que pratiquem eventualmente infracções deontológicas.

    Aliás, eu, como director do PÁGINA UM, e como jornalista, estou desde já sob a V. alçada disciplinar, se assim desejarem. O meu jornal PÁGINA UM não estará sob alçada da CCPJ, nem os seus conteúdos, asseguro desde já a V. Exa.. Pelo menos enquanto a CCPJ for uma entidade de um país democrático em pleno.

    Recordo que V. Exa. preside à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, e não à Direcção dos Serviços da Censura.

    Aliás, nas presentes circunstâncias, só a ideia de verificar que uma entidade como a CCPJ se julga capaz de analisar conteúdos de um jornal, de desejar fazer essa tarefa, e ainda de ficar a saber que tal é “importante” para atribuir ou não títulos profissionais a jornalistas de um “órgão de informação novo”, causa-me arrepios. Faz-me recuar no tempo, e relembrar um período de má memória.

    Ademais, causa-me ainda mais estranheza, sim, a inacção da CCPJ, e particularmente de V. Exa., em outras matérias graves de cariz deontológico – essas sim que se enquadram nas competências deontológicas e mesmo disciplinares dos jornalistas –, e que se têm vindo a assistir ao longo dos últimos meses na imprensa nacional.

    Mas se a CCPJ se quiser entreter com minudências ao nível de títulos profissionais – ou de conteúdos num “órgão de comunicação novo” por opções saudosistas – sempre pode então indagar porque motivo, por exemplo, o director do órgão de comunicação social que paga o salário de V. Exa. não tem o nome profissional registado como o nome que assina. Tal como sucede, por exemplo, com o director do Polígrafo, por ironia um órgão de comunicação social que se assume como “verificador da verdade”.
    Ou então ainda pode inspeccionar se, por exemplo, o jornalista com carteira profissional número 18 exerce ou não alguma actividade incompatível com o Estatuto do Jornalista, verificando, por exemplo, se ser chairman de uma empresa de media implica ou não a planificação, orientação e execução de estratégias comerciais.

    Ou, no limite, poderá a própria CCPJ – que se arvora do poder de verificar conteúdos de um órgão de comunicação social (presumo que novo ou velho), extravasando as suas competências e até os limites deontológicos – entreter-se a discutir se deve ter como presidente alguém que exerce naturalmente a sua função de jornalista (ainda mais fazendo cobertura de assuntos de política) num órgão de comunicação, onde os jornalistas estão sob sua alçada disciplinar.

    Na verdade, e no limite, a presidente da CCPJ exerce poderes disciplinares sobre ela própria no exercício da sua profissão, que mantém num periódico que, pelo que deduzo, não é alvo de análise do “seu conteúdo”. E até sobre os seus colegas de redacção. No limite dos limites, a presidente da CCPJ, ou seja, V. Exa., exerce a disciplina sobre os seus superiores na redacção, sobre o próprio director da publicação onde continua a trabalhar.

    Parece-me isto muito mais pertinente do que condicionar a atribuição de um título de estagiário ao lançamento concreto, para o público, do PÁGINA UM, que é dirigido, repita-se, por um jornalista profissional.

    Independentemente desta carta – que considero, aliás, uma carta aberta, e de reflexão –, espero que seja tomada uma decisão célere, dentro da lei e das atribuições da CCPJ, no que respeita ao pedido do título de jornalista estagiária à colaboradora do PÁGINA UM.

    Com os mais respeitosos cumprimentos, também como camarada de profissão,

    Pedro Almeida Vieira


  • O circo Ómicron: das variantes ao absurdo

    O circo Ómicron: das variantes ao absurdo


    De repente, uma nova linhagem (variante) do SARS-CoV-2 foi detectada, em 11 de Novembro, e o Mundo entrou em redobrada histeria. Com “nome científico” de B.1.1.529, rapidamente esta linhagem, originária da África do Sul e Botswana, lançou nova vaga de pânico, até nos mercados internacionais, justificando encerramento de fronteiras e maiores restrições.

    Num ápice, a variante foi baptizada Ómicron pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – estatuto apenas reservado para linhagens consideradas perigosas e ou de preocupação –, pese embora não existam ainda estudos nem conclusões sobre se estamos perante um maior risco de transmissibilidade e de letalidade.

    Na verdade, em declarações à BBC, a médica sul-africana Angelique Coetzee, a primeira pessoa a identificar as mutações da variante Ómicron, já referiu que os doentes apresentavam sintomas ligeiros.

    Indiferente a este cenário, a África foi logo marcada como um berço de novas variantes – perigosas, claro –, apontando-se como causa a baixa taxa de vacinação naquele continente.

    Curiosamente, na Europa, os Governos e a imprensa de muitos países têm estado a apontar as armas para os não-vacinados, classificando-os de “reservatórios potenciais” de mutações do SARS-CoV-2. Estão mesmo a ser implementadas maiores restrições aos não-vacinados (incluindo os recuperados), numa clara política de discriminação.

    Mas, pretendo agora, de forma muito breve, desmistificar uma falsa ideia sobre as mutações do SARS-CoV-2. De facto, a comunicação social induz que as mutações são um fenómeno raro e relacionadas com factores como o processo de vacinação ou estados de desenvolvimento, e que as linhagens ou variantes são em número reduzido, pelo que quando aparece uma, então as coisas ficam mal.

    Vamos a factos. A OMS apenas seleciona algumas variantes, nomeando-as por letras gregas. Muito poucas. Ou, diria mesmo, quase nenhumas. Por isso, somente conhecemos, umas mais do que outras, e além da agora famosa Ómicron, a Alpha (detectada no Reino Unido, em Fevereiro de 2020), a Beta (na África do Sul, em Março de 2020), a Delta (na Índia, em Maio de 2020), a Eta (de origem geográfica indefinida, em Março de 2020), a Gamma (no Brasil, em Janeiro de 2020), a Iota (em Nova Iorque, em Janeiro de 2020), a Lambda (no Peru, Chile, Estados Unidos e Alemanha, em Julho de 2020), a Mu (na Colômbia, em Outubro de 2020), a Theta (nas Filipinas, em Janeiro de 2021) e a Zeta (no Brasil, em Abril de 2020). Portanto, são apenas 11.

    Mas são assim tão poucas as mutações e as linhagens? Claro que não. Segundo o sistema internacional de nomenclatura das linhagens do SARS-CoV-2, centralizado no site cov-lineages.org, foram já identificadas 1.794 linhagens distintas em todo o Mundo. Repita-se: 1.794 linhagens.

    A Ómicron (B.1.1.529) é apenas a mais recente, mas com estranhas honras de pular para as parangonas da imprensa e da própria OMS. Com efeito, a variante Alpha demorou cerca de 10 meses desde a sua identificação até ser baptizada com a letra grega (sinal de preocupação), a Beta nove meses, a Delta 11 meses, a Gamma 12 meses e a Mu 10 meses. As variantes Eta, Iota, Theta e Zeta deixaram de constar na lista da OMS como de preocupação ou de interesse.

    person holding rod

    E o que sucedeu com a variante Ómicron? Ora, decidiu-se logo dar-lhe um trampolim: em menos de duas semanas foi identificada e transformou-se num “ai Jesus”. Ainda nem sequer se conhece uma pessoa que tenha morrido com essa nova variante. É obra! Ao fim de se detectarem 1.794 variantes, há uma que, antes sequer de matar alguém, salta para a ribalta mundial, criando uma onda de pânico antes de constituir um perigo real.

    Na verdade, a história das variantes – e as suas origens e causas, que são múltiplas e desconhecidas em toda a sua dimensão – mostram sobretudo como a opinião pública tem vindo a ser manipulada pelos Governos, auxiliados diligentemente pela Imprensa e por alguns “peritos” com agendas próprias, e acompanhados todos por uma indústria farmacêutica diligente, na sombra.

    A mais recente moda de apontar ao continente africano a causa de novas variantes devido às baixas taxas de vacinação carece de justificação. Indicar que os países menos desenvolvidos possam ser “berços” de mutação, também carece de qualquer rigor científico. Efectivamente, sobre essa matéria, a Europa tem siso o berço de centenas de variantes. E, curiosamente, até mesmo em Portugal: de acordo com o registo internacional atrás referido, já foram identificadas 20 linhagens do SARS-CoV-2 com origem no nosso país, a saber: AJ.1; AM.1; AY.124; AY.22; AY.5.1; AY.5.2; B.1.91; B.1.135; B.1.1.88; B.1.1.394; B.1.1.401; B.1.1.410; B.1.1.421; B.1.177.32; B.1.177.72; B.1.177.85; B.23; B.44; C.16; e Y.1.

    Portugal é um país de apenas 10 milhões de habitantes num planeta com mais de 7 mil milhões.
    Mas isso não interessa nada, não é? O Circo Ómicron está montado. And the show must go on. Até quando?


  • Da corrompida luta contra a corrupção: o caso do Prémio Tágides

    Da corrompida luta contra a corrupção: o caso do Prémio Tágides


    A corrupção é um dos maiores flagelos das sociedades. É um lugar-comum. Tal como é algo banal discutir-se a necessidade de promover normas e códigos de ética e de conduta para lutar contra a corrupção. De apoiar quem luta contra a corrupção. Para extirpá-la. Por exemplo, na Assembleia da República não há tema mais recorrente.

    Uma breve consulta dos Diários da República no período democrático descarrega 1.254 debates parlamentares em que se falou de corrupção. Desde 1974. Só este ano foram 81. E lá veio mais uma Estratégia Nacional Anti-Corrupção para o período 2020-2024, convenientemente aprovada.

    O explícito desejo de acabar com a corrupção é, diria, universal. Não conheço nenhuma Liga, Sociedade ou Clube em prol do uso deste expediente. Porém, todos sabemos que a corrupção existe, subsiste e persiste. Sob todas as formas, e sobretudo sob formas sub-reptícias, e por isso mesmo engrandece-se como uma mina invisível à superfície, mesmo quando se propala que se combate a corrupção.

    Na verdade, o termo corrupção é bastante vasto, e subentende sempre uma suposta alteração de pureza original (física, ética, mental, de valores, etc.). Embora esteja associada à entrega de uma mala de dinheiro – método clássico, mas já ultrapassado –, a corrupção está longe de se cingir à troca de uma imediata compensação monetária pela aprovação de um acto ilícito. A corrupção está também no lobby, nas alterações legislativas feitas a preceito, na introdução de excepções, nas interpretações jurídicas enviesadas em legislação propositadamente ambígua. E, hélas, até pode estar em supostos paladinos da luta contra a corrupção.

    euro banknote collection on wooden surface

    Porque, na verdade, no âmago do acto final da corrupção – a troca de bens materiais ou imateriais que prejudica indevidamente outrem ou a sociedade – está um corrompimento inicial dos valores éticos e morais.

    A corrupção é – insista-se no termo “na verdade” –, antes de mais, uma “modificação, adulteração das características originais de algo”, conforme se pode observar no Dicionário Houaiss (que se mostra sempre muito útil nestas verificações).

    Tudo isto a pretexto de um caso particular, que acidentalmente me envolve, mas que me obrigou a reflectir sobre até por onde podem chegar os meandros da corrupção, não aquela da “mala de dinheiro” mas sim da corrupção moral e de valores – que é a antecâmara para as outras formas mais graves.

    Em Outubro passado, mais precisamente, no dia 14, recebi uma mensagem que assim se iniciava: “Muitos Parabéns! Após ter sido nomeado por alguém que conhece o seu trabalho, foi selecionado para a final [d]o Prémio Tágides 2021: pessoas que nos inspiram no combate à corrupção promovida pela Associação All4Integrity e que conta com o Alto Patrocínio de Sua Excelência o Presidente da República.”

    Mais adiante, a remetente da mensagem, a vice-presidente da All4Integrity – que, pesquisei depois, é uma associação recentemente criada, e dinamizada por André Corrêa d’Almeida, um economista português da Columbia University – informava-me que houvera um período de candidaturas (feitas por terceiros) e que “após várias iterações 81 pessoas foram apuradas para a final que se realizará na semana de 9 ou 16 de dezembro de 2021, em Lisboa”. Pedia-me que lhe transmitisse a minha aceitação de nomeação para a final, além de outros dados pessoais, e que fizesse reserva da informação “até que o(a)s finalistas sejam anunciado(a)s publicamente na última semana de outubro”.

    Eu assim fiz, mas pelo menos uma das tais 81 pessoas apuradas para a final não guardou reserva. Assim, também para minha surpresa – porque não o imaginaria no lote e até me incomodaria pessoalmente me encontrar com ele numa lista de pessoas que lutam contra a corrupção – vi escarrapachado na imprensa que André Ventura era um dos designados para o Prémio Tágides. Tal como eu.

    Não será necessário discorrer sobre o desonesto aproveitamento político de André Ventura (até porque a sua candidatura poderá ter sido apresentada por pessoas próximas), nem será preciso dissertar sobre a imprudência e falta de tacto da All4Integrity em, “após várias iterações”, incluir André Ventura nos 81 finalistas, mais ainda sabendo, pelos jornais, que houvera 359 candidaturas (vd. edição de 7 de Outubro do Diário de Notícias”. Enfim, mas o “mal” a haver, estava feito. A “correcção”, a fazer-se, seria ao nível do júri, entidade soberana na escolha final dos vencedores em cada uma das cinco categorias (Projecto de Investigação, Projecto da Sociedade Civil, Iniciativa Política, Iniciativa Empresarial e Iniciativa Jovem).

    Note-se que, entre os 35 membros do júri (distribuídos pelas cinco categorias) anunciados pela All4Integrity, constavam pessoas de vários quadrantes, ideologias e sensibilidades, como Maria José Morgado, Ana Gomes, José Ribeiro e Castro, Henrique Neto, Camilo Lourenço, Poiares Maduro, Henrique Neto e Sandra Felgueiras. Por certo, julgo eu, os membros do júri tomariam as decisões correctas para atribuir os galardões às pessoas devidas.

    Porém, a All4Intgrity permitiu-se “inovar”: num prémio contra a corrupção, decidiu que seria melhor proceder a uma profunda “modificação, adulteração das características originais de algo”, sendo que o “algo” foi tão-só o regulamento do próprio prémio.

    E assim, para eliminar o incómodo da “nomeação” de André Ventura, onde se lia no regulamento inicial (que esteve em vigor durante o período de candidaturas) que “após a validação das candidaturas/nomeações, a equipa do Prémio, presidida pelo Professor Doutor André Corrêa d’Almeida, (…) procederá à divulgação pública de uma lista com o Top 25, 50 ou 100 das candidaturas/nomeações pré-selecionadas (dependendo do número de candidaturas que vierem a ser submetidas)”, o novo regulamento (uma corruptela do original, já feita muito depois do encerramento das candidaturas) deixou de fazer constar a divulgação desse “Top” de finalistas, passando a decisão de divulgar uma lista mais restrita de “três a cinco finalistas, por categoria do Prémio” para os membros do júri.

    Dessa forma ardilosa, conseguiu a All4Integrity – apenas perdendo a integridade – solucionar o problema “André Ventura”, embora expondo-se perante os outros 80 finalistas, que poderiam afinal já não ser finalistas, contrariando o que a associação lhes garantira.

    Mas, perdido por um, perdido por mil. Assim, a All4Integrity decidiu introduzir ainda mais “corrupções”. No regulamento inicial indicava-se que os 35 membros do júri “não podem ser nomeados para a categoria do Prémio de que são júris”, mas agora já consta o seguinte: “se algum elemento do júri for nomeado ser-lhe-á dado a oportunidade de escolher entre a nomeação e a função de jurado.”

    Embora ainda não seja conhecida a lista dos tais novos finalistas (ou finalistas dos finalistas afinal não anunciados), será muito curioso contabilizar quanto deles pertenciam ao júri inicial. Em todo o caso, refira-se que já “desapareceu” uma dezena de membros do júri anunciado pela All4Integrity em Agosto passado, que foram substituídas por outras.

    Por fim, terceira “inovação” da All4Integrity na mudança de regulamentos a meio do jogo: na categoria da Iniciativa Jovem, inicialmente os candidatos eram aceites se tivessem entre 18 e 30 anos. Subiu agora para os 35 anos, sendo também curioso observar quantos dos finalistas a anunciar para esta categoria terão mais de 30 anos…

    Enfim, tudo isto sei, e tudo isto escrevo porque, entretanto, recebi a informação de que, afinal, não constarei da lista dos tais (novos) finalistas. Confesso que me sinto aliviado. E por dois ponderosos motivos.

    Primeiro motivo: assim nem sequer tenho de estar a lutar internamente para saber se aceitaria uma nomeação final para um prémio contra a corrupção que, na verdade, se “corrompeu” na sua essência, alterando várias regras do jogo inicial. Isto faz-me lembrar um concurso público em que os pressupostos são alterados pela entidade adjudicante depois do encerramento do prazo da entrega das propostas.

    Não está aqui em causa sequer algo patrimonial, nem relacionado com o Estado, mas a gravidade é similar, porquanto se está perante um prémio contra a corrupção, ainda mais com o Alto Patrocínio da Presidência da República.

    A corrupção existe, porque, na verdade, existem sempre beneficiados. Poder-se-ia sempre dar o caso de eu, na hipótese de ser “um finalista afinal mesmo finalista”, esquecer estas “embrulhadas” da All4Integrity. E isso era uma corrupção. Livrei-me disso, assim. A corrupção, tendo uma raiz moral e ética, também se revela em omissões e no silêncio.

    Segundo motivo: estou também aliviado – e talvez até orgulhoso – porque, em devido tempo e antes de uma decisão final da All4Integrity, ter criticado as alterações do regulamento e do “modus operandi” do Prémio Tágides. Com efeito, há cerca de duas semanas, estranhando a não-divulgação dos finalistas e de alterações no júri, contactei a All4Integrity e reconfirmei a alteração do regulamento.

    Referi então, em mensagem dirigida à vice-presidente da All4Integrity, que “alterar um regulamento a meio é tema muito delicado, é uma medida susceptível de maior polémica, ainda mais tendo em conta a temática do prémio. Digo isto desde já, independentemente de vir a estar ou não no lote final. Qualquer que seja a situação não me sinto muito confortável.”

    E acrescentei ainda: “Sinto que alterar o regulamento, para acertar um processo de construção ‘on the job’ – e para tentar também corrigir uma situação incómoda (para mim e, por certo, para muita gente mais) que resultou numa ‘fuga de informação’ sobre um dos ‘finalistas iniciais’ (que terá sido mais um aproveitamento político) – não será porventura uma decisão pacífica para o exterior. Nunca vi um regulamento alterar-se a meio. Arriscam a apanhar com um ‘processo de vitimização’ do visado (porque, por mais agradável que nos pareça a vossa solução, só a alteração do regulamento evita que ele não seja publicamente divulgado como finalista), além de não ser muito agradável ver que uma boa parte daqueles que estariam para ser finalistas afinal não o serão. A alteração que permite um júri passar, por sua opção, a nomeado também me parece inopinada. E até eu estar, nesta fase, a opinar sobre estas matérias, atendendo que sou (agora) candidato a finalista”.

    Escrevi isto em 11 de Novembro. Ontem, poucas horas depois da All4Integrity me ter informado da minha não-inclusão na lista de finalistas, respondi a pedir-lhes que, no futuro, me excluíssem de qualquer candidatura, nomeação ou ligação ao Prémio Tágides.

    Com entidades destas a defender a luta contra a corrupção, por certo continuaremos a ter corrupção. Pelo menos, moral. Para mim, que tento lutar contra a corrupção, o Prémio Tágides morreu logo na sua primeira edição. Por corrupção moral, por onde tudo começa. E não entender isto é não entender nada. Será bom que essa corrupção não se transforme em putrefacção. Por isso, esta minha denúncia.