Julgo que foi Ricardo Araújo Pereira quem, em tom humorístico, deu a melhor receita até ao momento para analisar a tensão entre a Rússia e a Ucrânia.
Disse, e cito de cor: “gosto de ouvir o que têm a dizer aqueles que afirmaram que o Iraque tinha armas de destruição maciça. Depois, em princípio, é fazer o contrário”.
Faz algum sentido. Há mais de uma semana que Joe Biden grita aos quatros cantos que, hoje é que é! A CNN dá-nos, diariamente, várias opções de ataque ao território ucraniano, com base em informações das inteligências francesa, inglesa ou americana. E nada acontece. Até Nuno Rogeiro, que normalmente mantém um tom sério nestas coisas, ocupou boa parte do seu programa “Leste-Oeste” a falar de bloopers e episódios caricatos.
Mas centremos a discussão em dois pontos essenciais. O que quer realmente Putin e, já agora, a NATO?
A primeira coisa que a NATO não quer, nem oferecida, é a Ucrânia. Entre presidentes pró-russos, revoluções, deposições, independentistas, acusações de corrupção, eleições falseadas, grupos nazis e, agora, um comediante à frente do país, o xadrez ucraniano é de uma complexidade tal que dificilmente o Ocidente se poderia segurar a qualquer tipo de estabilidade para justificar fosse o que fosse.
Por outro lado, a NATO não vai correr o risco de aceitar um novo membro que tem disputas territoriais com a Rússia.
Já Putin, apesar de não ser grande democrata, vê o mesmo que todos nós, a expansão da NATO para leste. Um tratado de defesa militar que, desde a queda da URSS, deixou de ter a raiz da sua existência, mas, como se percebe, nunca parou de ir ocupando os territórios circundantes da Rússia.
Seria um exercício interessante o de pensarmos como reagiriam os Estados Unidos se, durante umas décadas, os russos fossem instalando bases no México, em Cuba, na Jamaica ou no Canadá? Melhor, como veria a comunicação social do Mundo Ocidental essa movimentação? Nós acabamos sempre por formar opinião sobre a História pela forma como esta nos é narrada.
Sobre essa dualidade de critérios há ainda um pormenor relevante. A NATO, que agora defende que os territórios ucranianos com maioria étnica russa devem permanecer na Ucrânia, foi a mesma NATO que em 1999 bombardeou a Sérvia, para que esta abrisse mão de 20% do seu território onde estava uma maioria albanesa (Kosovo).
Portanto, percebemos sempre em cada capítulo do confronto de potências que, a chamada comunidade internacional, não defende o que está certo ou o que é melhor para as populações. Defendem, cada uma das potências, o seu próprio interesse. E a comunidade internacional segue o rasto do dinheiro.
No caso da NATO, uma espécie de cão de fila do governo americano na Europa, qualquer hipótese de conflito na Ucrânia é óptimo. Desde logo porque podem vender armas aos ucranianos, mas não precisam de gastar dinheiro no envio de tropas. Depois, porque, qualquer limitação ao fornecimento de energia na Europa, que passe pela Ucrânia, pode ser substituído por fornecimento americano. E é por isso que Biden grita todos os dias. Está no Bolhão da Real Politik, a puxar pelo negócio.
O que fez afinal Putin? Obviamente, não invadiu a Ucrânia, como se percebia pela quantidade de tropas na fronteira (excepto para os analistas da CNN que já tinham o caminho traçado até Kiev), e deixou os separatistas no leste ucraniano fazerem o trabalho de sapa.
Depois, reconheceu à maioria russa no território o direito à independência. A partir daqui, mesmo que mais ninguém no mundo reconheça estes territórios, qualquer ataque ucraniano passará a ser um ataque à Rússia. Em resumo, uma repetição da guerra dos 5 dias na Geórgia com as zonas fronteiriças da Ossétia e Abecásia. Estava nos livros.
Putin quer recuperar o controlo de partes da União Soviética onde foram deixadas populações russas, depois de afastados os nazis no caminho para Berlim. Pelo meio da jorna ainda recupera algumas prendas oferecidas, como a Crimeia. E pode, como se vê, pode.
Os textos entretanto escritos ficaram obsoletos em 24 horas, e começam, a partir de hoje, novos diretos de especulação. A lógica, na minha opinião, será a de que Putin procura zonas tampão, territórios na fronteira, áreas com maiorias étnicas russas. Mas não estou a ver isto chegar para grandes directos de Kiev e horas de Azeredo Lopes. É preciso usar esta declaração de independência de forma algo mais espectacular e preparar novos gráficos com setas vermelhas.
Assim, esta manhã, já se contavam os possíveis mortos causados pela nova invasão russa e o caminho escolhido até Kiev. Amanhã, Pedro Mourinho dir-nos-á que ainda não aconteceu nada, mas estará para breve, sente-se no ar. Biden pedirá sanções, enquanto oferece descontos nos morteiros. Em princípio temos audiências garantidas para mais um mês. Depois começa o Big Brother Quase Famosos 2.
Impérios. São impérios na sua formação contínua e afirmação de poder. E nós, neste cantinho sem direito a audiência na mesa dos seis metros, ficamos a ver a posição da União Europeia de subserviência a quem lhe der energia e a ouvir o que aí vem nas vozes de Marques Mendes ou Helena Ferro Gouveia. São sortes.
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
A CNN Portugal, através do jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino (TP 886), adiante tratado por HMC, fez mais uma das suas, depois de em Dezembro me ter feito esta. E o pior é que, mais uma vez, foi seguido fielmente por outros media, como o Correio da Manhã, Público e Sábado, pelo menos.
A “bomba” de HCM até parece possuir todos os ingredientes para um escândalo em redor da ivermectina, para um Ivermectinagate, igual ou pior ao Remdesivirgate, da Gilead, que ontem sugeri.
Na suposta “bomba de HCM, temos um médico – António Pedro Machado – que, segundo o título da CNN Portugal, “defende antiparasitário de piolhos contra a covid-19 [e que] recebeu 224 mil euros da farmacêutica que o produz”.
Contudo, não tem. Tem sim motivos suficientes, e demasiados, para nos benzermos sobre o estado da imprensa em Portugal, e, hélas, sobre a formação dos jovens jornalistas e sobretudo sobre a ética e a deontologia dos jornalistas seniores da chamada legacy media ou imprensa mainstream.
Ivermectina, na sua versão original, da Merck Sharpe & Dohme.
Vamos lá ver então como o suposto Ivermectinagate é, na verdade, sim, uma montanha a parir um camundongo – aqui mais apropriado do que um rato, por estarmos a falar de fármacos, dado este roedor ser comummente usado em ensaios clínicos.
O título de HCM, na sua peça da CNN Portugal, daria logo para uma pergunta: mas qual farmacêutica?
Mas, calma! HCM explica no corpo do seu texto: é a A. Menarini, uma farmacêutica italiana.
HCM explica que “segundo a Plataforma de Comunicações – Transparência e Publicidade do Infarmed, na edição de 2021”, um evento organizado pela empresa detida por António Pedro Machado (Update em Medicina, Lda.) “recebeu 119.802 euros da farmacêutica A. Menarini Portugal”, uma sucursal do grupo italiano, acrescentando que “em 2020, este valor chegara aos 32.035,10 euros.”
E diz ainda HCM que “o maior patrocinador em 2021” da Update em Medicina Lda. foi a A. Menarini Portugal.
Henrique Magalhães Claudino (HMC), jornalista-estagiário da CNN Portugal.
Primeira “argolada”, ou mesmo mentira de HCM: a A. Menarini não foi, na verdade, a principal empresa patrocinadora em 2021 da Update em Medicina Lda.: foi sim a portuguesa BIAL, que entregou 170.799 euros naquele ano.
Um pormenor? Não.
Na verdade, HCM omitiu que a Update em Medicina Lda. foi até pródiga em receber apoios de farmacêuticas para os seus cursos médicos. De forma directa, e sobretudo em 2021, a empresa de António Pedro Machado recebeu financiamentos de mais 20 empresas do sector farmacêutico, para além da A. Menarini Portugal.
HCM omitiu, de igual modo, que estes apoios das farmacêuticas visavam também o pagamento de formadores dos médicos inscritos nos cursos organizados pela Update em Medicina Lda., muitos dos quais com a inscrição paga pelas mais diversas empresas deste sector.
De acordo com o relatório e contas de 2020 (último ano fiscal), a Update em Medicina Lda. teve receitas de 499.087 euros e gastos com pessoal e serviços externos de 298.375 euros, acabando com um lucro líquido de 71.479 euros, após pagar 38.380 euros de impostos ao Estado.
E por que razão não terá HCM gastado uma letra sobre tudo isto? Talvez porque sabia que lhe estragaria a tese: a de que António Pedro Machado – efectivamente um declarado defensor do uso de ivermectina contra a covid-19 – recebera dinheiro para fazer lobby a favor de uma empresa interessada em vender aquele produto.
Montantes recebidos (em euros) pela Update em Medicina Lda. das farmacêuticas em 2020 e 2021. Fonte: Infarmed.
Se HCM escrevesse que, por exemplo, na lista de patrocinadores da Update em Medicina Lda. encontra-se a Pfizer – que lhe concedeu apoios de 18.450 euros, em 2020, e de 12.300 euros, no ano passado –, a coisa soava estranha.
De facto, sendo António Pedro Machado um suposto lobbista – na tese de HCM –, não faria então muito sentido que fosse um dos subscritores de uma carta aberta a pedir à Direcção-Geral da Saúde a suspensão das vacinas contra a covid-19 em crianças saudáveis, uma vez que estas são comercializadas pelas Pfizer.
Teria a Pfizer “contratado” António Pedro Machado para fazer lobby ao contrário? Ou António Pedro Machado mostrou, ao co-assinar a carta aberta, a sua independência, criticando uma decisão política, a qual, havendo um recuo (suspensão da vacinação em crianças), prejudicaria uma empresa que o patrocinava?
Nunca saberemos a interpretação de HCM.
Mas mais curiosa, ou sintomática de patetice, ou sinal de má-fé ou de má formação (profissional e cívica), é ainda a tese de HCM de que António Pedro Machado estaria, com a sua defesa da invermectina, a ser “pago” pela A. Menarini, de modo a beneficiar a “Menarini Group, empresa que, na Índia, produz um medicamento à base de Ivermectina (o Ivecop), utilizado para combater infecções parasitárias do trato intestinal, da pele e dos olhos”.
Além de HCM ignorar, enfim, o que faz a ivermectina – um fármaco que só por lamentável asnice pode ser olhado como um mero “antiparasitário de piolhos”; pelas suas potencialidades, já fez dois investigadores receberem o Prémio Nobel da Medicina em 2015 –, tudo isto encaixa numa tese estapafúrdia.
Edição do Correio da Manhã de 10 de Fevereiro deste ano, um dia após a publicação da peça da CNN Portugal.
E a tese é esta: uma empresa italiana “compra” um médico português, através da sua sucursal portuguesa, para que este faça lobby em Portugal e assim beneficie uma sucursal indiana que produz aquele fármaco, que nem sequer exporta para Portugal.
Caramba!
Bom, mas dirão que poder-se-ia dar o caso de haver interesse da A. Menarini em expandir negócio em Portugal, intento agora denunciado por este novo “Woodward & Bernstein português”, de seu nome HCM.
Seria má ideia, garanto.
Primeiro, porque a ivermectina em Portugal, se fosse negócio a expandir-se por conta da covid-19, tal já se tinha verificado, e nem sequer pela mão da A. Menarini.
Em Portugal existe já uma autorização de introdução no mercado (AIM) obtida pela sucursal portuguesa da Laboratoires Galderma, uma joint-venture da Nestlé e da L’Oreal – que, aliás, nunca financiou a empresa de António Pedro Machado. É certo que essa AIM se aplica a uma pomada de ivermectina, para tratamento da rosáceas, mas se o negócio fosse assim tão florescente, por certo seria fácil usar o princípio activo para passar a produzir comprimidos.
Na verdade, e isso já terá sido vislumbrado pelos leitores mais atentos ao longo deste meu texto (pelas fotografias que o acompanham), a tese de HCM é obtusa – e lamentável a forma acrítica, mais uma vez, como os outros jornais (re)pegaram no tema (o Correio da Manhã, inclusive, fez manchete) – sobretudo porque, enfim, a ivermectina nunca poderia fazer enriquecer a A. Menari nem outra qualquer farmacêutica na Índia, em Portugal ou resto do Mundo.
Nem com mil Machados, mesmo se António Pedros, espalhados por todos os continentes e ilhas.
Nem que agora se descobrisse que a ivermectina, afinal, tinha mesmo um efeito anti-viral contra a covid-19.
Marcas de genéricos da ivermectina.
Por um simples motivo: a ivermerctina não tem patente, sobretudo por via da disponibilidade, a partir de 1987, da Merck Sharpe & Dohme (MSD) em doar ivermectina para controlo de duas devastadoras e incapacitantes doenças tropicais: a oncocercose (ou cegueira dos rios) e a filariose linfática.
Essas doações encaixam-se no Programa de Doação de Mectizan, nome pelo qual é mais conhecido este fármaco, sendo co-administrado com albendazol, também doado, mas pela GlaxoSmithKline (GSK). Este programa de beneficência é, aliás, a coqueluche (não do sentido de sinónimo de tosse convulsa) da indústria farmacêutica.
Apesar disso, a MSD continua a comercializar a ivermectina para uso humano, sob a marca Stromectol – que pode ser usada para a sarna, incluindo a de jornalistas pouco atreitos a códigos deontológicos.
Mas há mais multinacionais interessadas neste agora genérico. Para uso humano, encontramos a helvética Sandoz e as norte-americanas Abbott e Mylan. No continente africano também se identifica a sul-africana Aspen, que comercializa ivermectina sob a marca Ivermax. Portanto, já não é só a italiana A. Menarini!
Porém, e na Índia? Como é?
Ivecop, marca da ivermectina produzida pela A. Menarini India.
Lamento, ou regozijo-me (?), imenso em informar HCM – e mesmo a Direcção Editorial do Público que fez um acrescento deplorável, de pedantismo ridículo e ignaro, ao direito de resposta de António Pedro Machado – que, além da Ivecop produzida pela A. Meranini Índia, temos por lá a vender ivermectina em comprimidos – preparem-se! – as seguintes farmacêuticas indianas: Abia Pharmaceuticals (sob a marca Ermect), Abod Pharmaceuticals (Abodmec), Agron Remedies (Iverag), Ajanta Pharma (Ivrea), Akumentis Healthcare (Ivervirl), Alicanto Drugs (Ivopi), Ankran Biotech (Iveran), Arlak Group (Aver), Bennet Pharmaceuticals (Isco), Biochemix Healthcare (Paranix e Tinbest), Biorex Healthcare (Ividoc), Blubell Pharma (Dinzo), Brinton Pharmaceuticals (Scabover), Canbro Healthcare (Ivercan), Canixa Life Sciences (Itin), Care Formulation Labs (Ivertac), Connote Healthcare (Scabivert), Cubit Healthcare (Iverise), Dellwich Healthcare (Vernt), Dermawin Pharmaceuticals (Ivel), Dewcare Concept (Vermin), Domagk Smith (Ivermect), Dr D Pharma (Ivercet), E Derma Pharma India (Iviturn), East West Pharma (Ivercid), Efedra Pharmaceuticals (Fedramect), Ethinext Pharma (Ivscab), Evans Healthcare (Evitin), FDC (Ivsit), Finecure Pharmaceuticals (Iverfine), Gary Pharmaceuticals (Imec H ), Genpharma International (Ivamer), Globetus Therapeutics (Globetin), Healing Pharma India (Iverheal), Helios Pharmaceuticals (I), Heramb Healthcare (Iverfast), Household Remedies (Hvtek), Ikon Remedies (Iverzide), Innovative Pharmaceuticals (Ivernex), Intra Life (Iverlife), Iris Biosciences (Iverhub), JB Chemicals and Pharmaceuticals (Ivernock), Johnlee Pharmaceuticals (Iverjohn), Kaizen Research Labs India (Zen Mectin), Kivi Labs (Jetta), Knoll Healthcare (Imrotab), Lakssha Pharmaceuticals (Ivelak), Macleods Pharmaceuticals (Iverhope e Ivernew), Macro Labs (Ivercop), Mankind Pharma (Iverkind, Vermact e Vermikind), Medichi Biocare (Iverchi), Mediispecs (Ivermed), Medishri Healthcare (Iverscan), Mefro Pharma (Verpin), Megma Helathcare (Votrin), Meridian Medicare (Mectin), Merion Care (Ly Mectin), Micro Labs (Vermectin), Nidus Pharmaceuticals (Nectol), Noel Pharma India (Iverwar), NuLife Pharmaceuticals (Iverscab), Oaknet Healthcare (Combactin), Olcare Laboratories (Avertol), Organic Laboratories (Ivory), Palson Derma (Orascab), Panzer Pharmaceuticals (Iverpan), Psychotropics India (Iverpil), Psyco Remedies (Iversol), Pulse Pharmaceuticals (Imectin), Remedial Healthcare (Iverdon), Roussel Labs (Iverwon), Rowan Bioceuticals (Scaberase IF), Rowlinges Life Sciences (Scabsafe), Santo Medi Sciences (Ivy), Satven and Mer Pharma (Iverin), Schwitz Biotech (Evert), Sigma Softgel and Formulation (Zeoriser), Sun Pharmaceutical (Ivermectol), Symbiosis Pharmaceutical (Iver, Ivernorm e Ivozol), Synergy Pharmaceuticals (Ecomectin), Systopic Laboratories (V Sys), Taj Pharma (Iverotaj), The World Wide Pharma (Wormectin), Tripada Biotech (Ivert), Will Impex Pharmachem (Impect), Wish Life Pharmaceuticals (Iverwish), Worth Medicines (Ectover), Zee Laboratories (Iroshell e Evertin), Zenlabs Ethica (Ivcol), Zuventus Healthcare (Scavista) e Zydus Healthcare (Iveloc e Ivertreat).
Contaram todas? Não?! Eu digo então: são 92 empresas farmacêuticas, só na Índia, a produzir genéricos de ivermectina.
A A. Meranini é apenas uma; só é mais uma; somente mais uma, o que a faz uma, mais as outras 91.
Será que o médico António Pedro Machado se “vendeu” para beneficiar a A. Meranini Índia e mais 91 farmacêuticas indianas para venderem um medicamento genérico?
Teremos um Ivermectinagate? Ou apenas uma Ignorânciagate na nossa imprensa?
Ah, e já agora, há mesmo uma loção para piolhos, sob a marca Sklice, contendo ivermectina. É produzida pela Arbor Pharmaceuticals, farmacêutica norte-americana. Para que HCM tome boa nota dessa informação. Pode precisar dela!
Disclaimer: Nunca tomei ivermectina. Não tenho opinião formulada sobre os seus efeitos contra a covid-19, além do conhecimento da leitura de diversos estudos científicos que a colocam ainda com incertezas sobre a sua eficácia.
Considero-a, porém, um fármaco milagroso (pela sua acção contra outras doenças) que não merecia a campanha “difamatória” feita pela imprensa mainstream.
Não sou favorável à ligação de farmacêuticas com médicos que exerçam funções públicas (em hospitais do SNS, por exemplo). Julgo mesmo que a formação contínua dos médicos deveria ser uma actividade regulada e completamente financiada pelo Estado, independentemente de poder ser produzida por empresas não-farmacêuticas.
Conheço e, salvo erro, falei quatro vezes com o médico António Pedro Machado no último ano, a última das quais em Janeiro, ou seja, antes do artigo de HCM.
Para a elaboração deste texto não contactei este médico, e recorri à compra da Certidão de Contas Anuais, no portal do Estado, para aceder às contas de 2020, último ano fiscal, da Update em Medicina, Lda.. Para tal, foram gastos cinco euros.
Para conferir os dados usados por HCM, recorri à consulta da Plataforma da Transparência e Publicidade, onde pode ser confirmado o seu erro relativo ao maior patrocinador da Update em Medicina Lda..
Pensei e trabalhei para a pesquisa e execução deste texto.
Diz-se que a expressão “Negócio da China” surgiu a partir das viagens do famoso explorador italiano Marco Polo ao Oriente, durante o século XIII. Com as descobertas portuguesas, em particular no século XVI, após a descoberta da Rota do Cabo, o Oriente tornou-se mesmo um grande “Negócio da China”, atendendo às oportunidades de negócio altamente lucrativas, tão bem descritas no livro “Peregrinação” de Fernão Mendes Pinto.
Para as principais farmacêuticas, em particular as que se dedicaram ao desenvolvimento de vacinas covid-19, os dois últimos anos foram um grande “Negócio da China”. Tudo começou com chineses a cair redondos no chão, acompanhados de gente vestida com indumentária Chernobyl – que se tornou muito popular na imprensa desde então –; depois, foram filas de camiões militares carregados de caixões no norte de Itália. O terror estava instalado. Entretanto, a Organização Mundial de Saúde (OMS) informava-nos da existência de uma “pandemia”: circulava um vírus chinês!
Num ambiente crescentemente plangente e distópico, encerraram-nos em casa e impeliu-se a falência compulsiva de milhões de pequenos negócios. Ao mesmo tempo, surgia um teste para detectar o vírus chinês: o famoso PCR – o teste que, no final de 2020, até teve a sua fiabilidade posta em causa por sentença do Tribunal da Relação de Lisboa. Outras histórias.
Nesta pandemia tivemos uma absoluta novidade: antigamente, no caso de vírus respiratórios, bastava os sintomas e o bom senso para sabermos se estávamos doentes. Desde Março de 2020, tudo mudou. Para conhecermos o nosso estado de saúde, os Governos ordenavam que nos testássemos a toda a hora e entrássemos em quarentena apenas porque podíamos estar infectados mas assintomáticos, porque mesmo assim poderíamos infectar. O “poderia” sempre.
Ao mesmo tempo, através de uma imprensa obnóxia, anunciavam-se milhões de casos positivos, instilando o terror em toda a população. Para os que acusavam positivo: prisão domiciliária sem um mandado judicial; a ordem de um conspícuo funcionário administrativo tornava-se suficiente.
A degradação da nossa liberdade individual não terminou por aqui: obrigaram-nos a usar uma máscara em praticamente todos os lugares – sem uma cabal evidência científica que suportasse o seu uso universal –, que se designou pomposamente por equipamento de protecção individual (EPI).
Mascarados, passámos a desconfiar uns dos outros; na nossa mente, quando olhávamos o próximo, dávamo-nos conta da existência de uma “pavorosa pandemia”. Mesmo nas ruas, livres e arejadas. O fim do Mundo aproximava-se!
Apenas uma vacina podia salvar a Humanidade, garantiam-nos, apesar de há décadas não existir qualquer vacina suficientemente eficaz para doenças causadas por vírus respiratórios.
Porém, no Novo Normal, numa questão de meses, enquanto tratamentos alternativos eram ocultados, apareceram diversas vacinas contra a covid-19, usando em diversos casos tecnologia inédita para seres humanos, e muitas dezenas de projectos, alguns de multinacionais farmacêuticas, ficaram pelo caminho. Designaram esta corrida contra o tempo por Warp Speed.
Em Abril de 2020, na Alemanha, a BioNTech, uma participada da Pfizer, realizou o primeiro ensaio clínico de uma vacina Covid-19, com tecnologia experimental mRNA. Apenas oito meses depois, no dia 2 de Dezembro, o Reino Unido, o primeiro país, autorizou a vacinação Covid-19 à sua população. Seguir-se-iam vários países, com destaque para os Estados Unidos, que emitiu a autorização de uso de emergência no dia 11 de Dezembro.
Em resumo, em apenas oito meses, as farmacêuticas recebiam uma autorização de uso de emergência que as escudava de qualquer acção judicial e do pagamento de indemnizações, atendendo que não existiam quaisquer tratamentos alternativos certificados pelas autoridades – por essa razão, a ivermectina, por exemplo, foi um dos fármacos vilipendiados pela maioria da imprensa e autoridades de saúde. Ao contrário, outros, como o remdesivir, comercializado pela Gilead, foram “acarinhados” e comprados por muitos países, como Portugal, apenas dias antes de a OMS recomendar que não fossem usados em doentes-covid.
A rapidez da aprovação das vacinas em contexto de emergência, mesmo para grupos etários onde claramente a covid-19 não constituía um perigo em pessoas saudáveis (e.g. crianças e adolescentes) manteve-se para todas as vacinas. Os Estados Unidos estão tão obcecados que se aprestam para vacinar até bebés.
Mas vejamos como correu a “vida”, a partir de 2020, para as principais farmacêuticas, em particular para as envolvidas no desenvolvimento de vacinas covid-19, quer entre as comercializadas (e mais conhecidas) quer mesmo entre aquelas que ainda agora “nasceram” ou ainda se encontram em fase de ensaios clínicos.
Podemos destacar, desde já, a Novavax, cuja vacina usa uma réplica da proteína S, sintetizada artificialmente do vírus, e que foi apenas aprovada na União Europeia em Dezembro do ano passado. Esta empresa norte-americana viu a cotação das suas acções em bolsa subir 2.450%! De 3,98 USD por acção para 111,51 USD por acção, num espaço de apenas um ano. Um investimento de 100 USD no final de 2019 valeria 2.550 USD no final de 2020.
A Vaxart também subiu 1.386%, fruto do desenvolvimento de uma vacina oral para a Covid-19, ainda em fase de ensaios clínicos.
Em particular nestas duas farmacêuticas, estas valorizações, ainda antes da sua comercialização, mostram o carácter especulativo em torno das vacinas, e que se estendeu às farmacêuticas mais conhecidas.
Com efeito, a Moderna e BioNTech também participaram da festa: em 2020, a cotação das suas acções subiu 386% e 119%, respectivamente; tudo impulsionado por dinheiros públicos, na sua maioria provenientes da impressora de Bancos Centrais.
Tudo isto foi muito estranho, atendendo que o desenvolvimento de uma vacina é um processo que demora entre cinco e 10 anos, segundo a insuspeita universidade John Hopkins, que taxativamente escreve o seguinte: “Um cronograma típico do desenvolvimento de uma vacina leva cinco a 10 anos, e às vezes mais para avaliar se a vacina é segura e eficaz em ensaios clínicos, concluir os processos de aprovação regulatórios e fabricar a quantidade suficiente de doses da vacina para ampla distribuição.”
Isto era a Ciência antes de 2019: para certificar uma vacina como segura e eficaz, uma série de testes de longo prazo eram obrigatoriamente realizados. Este processo envolvia ensaios clínicos que abrangiam várias fases e estudos observacionais, envolvendo um grande número de indivíduos ao longo de períodos de tempo medidos em anos. Apenas 2% das vacinas propostas para aprovação superavam todos os testes. Hoje, nada disso acontece: as vacinas são consideradas seguras e eficazes ao final de oito meses.
Anteriormente a 2020, mesmo após a aprovação formal, as vacinas continuavam debaixo de um escrutínio rigoroso, podendo inclusive serem retiradas do mercado, no caso do aparecimento de efeitos adversos, como foi o caso de diversas vacinas, como as contra os rotavírus e a doença de Lyme, entre outras.
Com um processo de duvidosa credibilidade, entre o final de 2020 e Fevereiro de 2022, mais de 60% da população foi vacinada com injecções com aprovações em circunstâncias especiais, nunca antes assim concedidas. Com o negócio de vento em popa, 2021 foi novamente fantástico: Por exemplo, as cotações da BioNTech, Dynavax e Moderna subiram 243%, 243% e 164% respectivamente.
Atentemos agora à evolução da capitalização bolsista destas empresas. Podemos observar que em 2020 e 2021 apenas 15 farmacêuticas registaram uma subida da sua capitalização bolsista superior a 300 mil milhões de Euros, 50% mais que o PIB português e cerca de seis vezes a capitalização bolsista de todas as empresas cotadas em bolsas nacionais.
Destaque para a Pfizer, Moderna e Johnson & Johnson, que viram o seu valor em bolsa subir 99, 85 e 55 mil milhões de euros respectivamente.
Em resumo: isto foi um opíparo banquete, servido pelos contribuintes da maioria dos estados ocidentais às farmacêuticas.
Podíamos ainda aqui referir o fiasco da imunidade de grupo, que inicialmente, mas nunca alcançado, porque nenhuma vacina conseguiu eliminar a capacidade de a pessoa que a toma em transmitir a doença ou de ser infectada por outra pessoa, mesmo se vacinada.
Podíamos ainda salientar os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19, em dimensão nunca antes vista em outras, como se pode confirmar facilmente no OpenVAERS, e que deveria levar à aplicação dos princípios da prevenção e da análise de benefício-risco-incerteza.
Ou poderíamos ainda destacar que a mortalidade atribuída à covid-19 durante o Verão de 2021, já com grande parte da população vulnerável vacinada, foi superior à contabilizada no Verão de 2020, ainda sem as vacinas.
Ou poderíamos também acrescentar o efeito da Ómicron, uma variante mais transmissível, mesmo ou sobretudo entre os vacinados, mas com menor letalidade, pelo que a descida da mortalidade neste Inverno terá sido mais devido à singularidade da nova variante (menor agressividade por afectar sobretudo as vias respiratórias superiores) do que às vacinas.
Mas depois de se ouvir aquilo que o “insuspeito” Bill Gates disse anteontem numa conferência na Munich Security Conference, está tudo dito.
Atente-se às suas palavras, textuais: “Infelizmente, o próprio vírus, particularmente a variante chamada Ómicron, é um tipo de vacina. Ou seja, cria imunidade de células B e células T. E fez um trabalho melhor em chegar à população mundial do que as vacinas. Se pesquisar nos países africanos, algo como 80% das pessoas foram expostas à vacina ou a várias variantes. Isso significa que risco de doença grave, que está principalmente relacionada com a idade, obesidade ou diabetes, agora é drasticamente reduzido por causa da exposição à infecção. É triste, não fizemos um bom trabalho na terapêutica. Só daqui a dois anos teremos uma boa terapêutica. As vacinas levaram-nos dois anos para chegar ao excesso de oferta. Hoje há mais vacinas do que procura por vacinas. E isso não era verdade. Na próxima vez, em vez de dois anos, deveríamos tentar fazê-las em seis meses. Certamente, algumas das plataformas padronizadas, incluindo mRNA, nos permitiriam fazer isso. Levámos muito mais tempo desta vez do que deveríamos“.
Nada acontece por acaso no mercado bolsista.
E, por isso, não por acaso – e Bill Gates não será a única pessoa com bons conhecimentos antecipados –, desde o início de 2022 o mercado de capitais das farmacêuticas associadas à pandemia está a dar fortes sinais de que este processo de vacinação foi um absoluto desastre. Na verdade, que toda a estratégia política de gestão da pandemia foi um desastre absoluto.
As quedas nas cotações das acções em bolsa da quase generalidade das farmacêuticas associadas às vacinas são disso prova. Podemos observar as quedas vertiginosas que se registam já no presente ano – até ao final da sessão de 17 de Fevereiro – da Moderna, Novavax e BioNTech: 43%, 42% e 39% respectivamente.
Note-se que, por exemplo, uma empresa que suba 100% e depois tenha uma queda de 50%, volta à casa da partida, portanto atente-se à dimensão das quedas, em prazo tão curto.
O descalabro tem sido de tal ordem, que o CEO da Moderna, Stéphane Bancel, vendeu há dias 10 mil acções na sua posse, por um valor equivalente a 1,6 milhões de euros. Trata-se do clássico rato a abandonar barco em pleno naufrágio; mas, neste caso, o flibusteiro transporta o tesouro consigo. O que mais se poderia chamar a este saque?
Veremos os próximos tempos, os próximos episódios.
Se ninguém da Justiça intervir, haverá, por certo, muitos mais que entraram bem no negócio, e que agora não querem sair mal na fotografia.
Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
Não me lembro de ouvir falar em eleições de vice-presidentes para a Assembleia da República. Será provavelmente um lapso meu, mas, daquilo que me recordo, eles apareciam simplesmente nas sessões plenárias, passavam a palavra de A para B, de vez em quando ausentavam-se para uma ou outra necessidade fisiológica, e era isso. Sem grandes dramas ou confusões.
Hoje já sei mais qualquer coisa sobre o tema porque, graças ao Chega, há três semanas que vejo debates sobre o Diogo Pacheco Amorim.
Existem dois méritos inegáveis da extrema-direita portuguesa. O primeiro é o de conseguirem trazer, para a agenda política, temas que não interessam ao menino Jesus. O segundo é o de se contradizerem a cada passo das polémicas que criam e, mesmo assim, aproveitarem a onda gerada para se vitimizarem.
Vamos por partes. O Chega apresenta-se como um partido anti-sistema. Não é que a maioria acredite, basta ver o percurso de André Ventura, mas foi essa a mensagem passada. Se bem me recordo da última visita à minha mãe, ali no concelho do Seixal, numa das rotundas perto do afluente do Tejo pontificava um cartaz enorme com a estampa “dia 30 vamos abanar o sistema!”.
Qual foi então a primeira coisa que o Chega fez depois de dia 30, assim que conseguiu formar um grupo parlamentar? Tentar entrar para o sistema…
O cargo de vice-presidente, com direito a gabinete próprio, carro e motorista, é exactamente a personificação do sistema que o Chega afirma querer combater. Pessoalmente nunca tive qualquer dúvida, mas, para a próxima, sugeria mais calma ao pastor André. É que nem tiveram tempo de tirar os cartazes para que as pessoas se esquecessem das parangonas eleitorais, e já a extrema-direita voltava a dar o dito por não dito.
Ficámos durante semanas a discutir um não assunto. Não há sequer tema para debate. O Chega pode indicar um vice-presidente para a eleição, tal como fizeram. Os restantes deputados votam. É isso. Por isso se chama eleição e não nomeação. Tudo dentro da lei, tudo dentro da Constituição.
Ventura aproveita a recusa do Parlamento para trazer a sua verdadeira força: a vitimização. Não só o Chega marca a agenda durante semanas como André Ventura grita em frente às câmaras pela tradição parlamentar que é recusada ao Chega. Alguém lhe explicou, julgo ter sido Isabel Moreira, que tradição não é lei. E que garantia de resultado numa eleição, como pretende o Chega, não é democracia, é regime de Estado Novo do exemplar Marcelo Caetano.
Uma nota para pessoas inteligentes, como Adolfo Mesquita Nunes ou Lobo Xavier, que tentaram comparar Diogo Pacheco Amorim, um “homem culto e afável” com outros “bombistas no parlamento”, e o Chega com “o PCP que defende de facto ditaduras”.
Destaque para Pedro Frazão, novo deputado do Chega, já condenado em tribunal por difamação contra Francisco Louçã, que disse sobre o passado bombista no MDLP, e cito, “o Dr. Pacheco Amorim só tinha 24 ou 25 anos nessa altura!”. O que me parece fazer sentido. Uma coisa é andar metido em atentados e mortes, como por exemplo do padre Max, quando se tem 25 anos. Outra, bem diferente, é fazê-lo aos 70. Uma pessoa, entretanto, perde aquele sangue na guelra e a morte parece que já não sabe ao mesmo.
Aliás, Pedro Frazão caiu-me no goto, devo dizer. Trata-se de um discípulo de Ventura bastante mais calmo. Desde logo tem a condenação por difamação que, a reboque do líder, é uma espécie de requisito para entrar no grupo parlamentar do Chega. Depois, com um sorriso e de forma tranquila, interrompe cada adversário de debate na mesmíssima forma patenteada por Ventura, marcando um estilo de pocilga no confronto de ideias.
Imaginem, por segundos, uma sessão plenária dirigida por um partido que não se revê na Constituição, que defende ideias anti-democráticas, que quer um Estado mínimo e um controlo privado de dinheiro público e que vê com bons olhos o autoritarismo. Bem sei que em Portugal já nos habituámos a bater repetidamente no fundo, mas, até nós, temos limites.
Ventura diz que o Parlamento não respeita os 7% que votaram no Chega o que, como se percebe, não é verdade. Tanto que respeita que um grupo de extrema-direita tem hoje 12 lugares no órgão máximo da Nação, pode indicar um vice-presidente e terá, provavelmente, presidências de comissões parlamentares. O facto de esse mesmo Parlamento chumbar o nome de Diogo Pacheco de Amorim significa apenas que os 93% que não votaram no Chega têm, felizmente, uma representatividade maior.
E isso, por muito que custe a André Ventura e afilhados, chama-se democracia.
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Durante mais de duas semanas, acompanhei com detalhe, mesmo se à distância, através de vídeos, da análise das redes sociais, das notícias de todo o tipo de imprensa, as manifestações do Freedom Convoy.
Acompanhei-as com a visão de jornalista, mas também analisando o próprio trabalho dos jornalistas, na forma como tratavam ambas as partes em confronto: os protestantes e as autoridades.
Nem sequer vou falar muito da cobertura da imprensa mainstream portuguesa, porque dela não rezará a História – e se rezar, não será por boas razões -, mas da cobertura internacional, incluindo a canadiana.
Os protestos, como se sabe, decorreram durante quase 20 dias num confronto sobretudo de palavras. Perante a invasão dos camionistas das ruas de Ottawa, e de outras partes do Canadá, o Governo de Justin Trudeau respondeu sempre com acusações de se estar perante uma minoria extremista e violenta.
E a imprensa relatava, e até aqui, tudo bem. A posição de uma autoridade é, em si mesma, uma notícia.
Porém, com honrosas excepções, jamais observei os media tentarem confrontar a validade de muitas das acusações governamentais contra os manifestantes, desde a alegada violência até à presença massiva de extremistas, passando pelas ligações a Trump ou ao QAnon, e a interesses nunca bem explicados ao estrangeiro.
Acolhendo como completamente verídicas as acusações do Governo, que sempre recusou dialogar com os porta-vozes dos manifestantes – o que não me parece algo muito democrático num país com os pergaminhos do Canadá -, os jornalistas permitiriam sim a radicalização da postura de Justin Trudeau.
Primeiro, pressionando a plataforma GoFundMe para suspender a angariação de fundos (mais de 1o milhões de dólares canadianos), e depois dando ideia de todos os doadores (mais de 120 mil) estivessem a proceder à lavagem de dinheiro ou a financiar actos terroristas. E, por fim, criando o cenário político e social para a implementação de uma lei de emergência, que basicamente passa por dar direitos especiais aos governantes, retirando direitos aos governados. Basicamente, suspende-se a democracia, que é o que tem estado a suceder desde Março de 2020.
Não tenho dúvidas algumas da elevada probabilidade de existirem, no meio dos protestantes, e até de algumas das suas figuras proeminentes, algumas pessoas com ideologia pouco recomendável. Porém, vai uma grande distância entre identificar, num movimento de cidadãos pacíficos, umas quantas pessoas dessa índole – mas não as vi em actos desordeiros, nem vislumbrei imagens de violência dos manifestantes, gravadas pelas autoridades, que seriam as mais interessadas em apresentar provas desses actos – e considerar, desde logo, que estamos perante manifestantes que devem ser difamados, vilipendiados e escorraçados.
Comecei sim, a ver, mais de duas semanas após o início dos protestos, uma violência de Estado – sim, bem sei que a pandemia alimentou os “instintos” de muitos em se castigar fisicamente quem de si discorda -, com operações policiais musculadas e com detenções apenas porque as pessoas, ali estão, a manifestar-se. E a incomodar.
Ver-se-á, nos próximos dias, nova descarada tentativa de “criminalizar” junto da opinião pública as pessoas que vão sendo detidas, colando-as a determinadas “linhas ideológicas”, para, assim, desmobilizar os milhares e milhares de protestantes que ali estão, apenas (e já é muito) a lutarem pela sua liberdade, pela racionalidade, pela justiça, pelos seus direitos.
Essa desmobilização será um terrível perigo, porque, a ocorrer, será um ensinamento para “governos democráticos” sobre um método eficaz de calarem manifestações futuras, quaisquer que sejam a causa e a razão. Basta que digam, e que seja essa mensagem propalada pela imprensa “amiga”, que os manifestantes são isto, e aquilo, e mais aqueloutro.
Não quero, pessoalmente, como democrata, ver o meu direito de manifestação ou de opinião coarctado apenas porque, num determinado assunto ou movimento, está alguém que ideológica e/ou pessoalmente não merece a minha simpatia, e que em tudo resto, e em questões essenciais, se encontra nos antípodas das minhas posições.
Por exemplo, para concretizar: durante a pandemia, não comunguei muitas opiniões, que considero infantis ou desprovidas de compostura e de Ciência, como aquelas que negavam até a existência do vírus e da doença, e o grau de gravidade em determinados grupos mais vulneráveis, mas isso jamais me impediu de contra-atacar a Narrativa Oficial baseada em manipulação de dados, na subversão dos princípios da Ciência, em alimentação de pânico e na promoção da discriminação.
Sofri, e ainda sofro, dessa “ousadia”, e o próprio PÁGINA UM sofre e sofrerá desse lamentável estigma, que mostra mais a natureza de quem acusa do que a minha. Bem, na verdade, também mostra a minha…
Outro exemplo: eu não quero ter de limitar a minha participação democrática se, em certo dia, num movimento contra a corrupção em que participe, estiverem presentes certos cidadãos, dos quais ideologicamente quero distância, e pessoalmente afastamento.
Não estarei fisicamente a seu lado, mas não quero deixar de estar presente. E não quero, nem mereço, como até agora sucede, ser acusado de seguir uma certa ideologia apenas porque não concordo com certa tese oficial.
Não devo fazer isso como cidadão, e muito menos como jornalista.
Ainda menos como jornalista, repito.
Não aceito, como cidadão e jornalista, e nunca aceitarei, que um Governo, seja o canadiano, seja o português, seja de outro qualquer país, me utilize, utilize jornalistas, para colar ferretes em manifestantes. Não embarco neste tipo de embarcações, ainda mais tendo a oportunidade de viver numa democracia e desejando continuar a viver numa democracia.
A manipulação dos jornalistas, muitos deles por opção ideológica ou por ignorância ou por comodismo, é a mais grave ameaça à democracia nos países ocidentais.
Quando um Governo acusa manifestantes de actos de extremismo e de vandalismo, tem necessariamente de apresentar provas imediatas. As palavras não bastam, até porque têm, devem ter, meios para mostrar essas provas.
Se os jornalistas desistirem de ser os fiscalizadores da acção governativa, de fiscalização dos cidadãos que, circunstancialmente, estiverem com cargos políticos, acordarão, certo dia, numa ditadura. Numa ditadura que eles ajudaram a criar. Mostrarão então que foram sempre pequenos tiranetes. Não deixemos, por isso, que muitos deles, agora já tiranetes, andem vestidos com pelo de cordeiro, sendo lobos.
“Quero o meu bife”. Nos anais da pandemia, ficará certamente célebre este recente “grito de revolta” do virologista Pedro Simas, à porta do mítico Snob, clamando, e reclamando, pelo seu direito a entrar no restaurante para, enfim, deglutir uma refeição.
O caricato deste episódio de Simas é que o impediram de entrar para comer o “seu” bife não por um imperativo da Ciência – por ele eventualmente constituir, mesmo que por hipótese académica, um perigo para outrem –, mas por uma questão administrativa. O virologista tinha tomado a terceira dose da vacina, mas ficou paradoxalmente em pé de igualdade durante duas semanas – enquanto o papel, sempre um papel, não fosse actualizado – como aqueles que tinham optado por não tomar qualquer dose. O “seu” bife acabou assim comido por alguém que tinha uma dose a menos, ou seja, por quem tivesse tomado duas doses.
Faltou, portanto, a Pedro Simas um papel, que a máquina administrativa determinou servir como instrumento fundamental para controlo da pandemia; e a Política di-lo agora que sempre por mor da Ciência, exarada por “peritos” e por “especialistas”.
Mesmo quando esses “peritos” e “especialistas” andaram, como Pedro Simas, a fazer publicidade enganosa a lente de contactos;
Mesmo quando esses “peritos” e “especialistas” são como Filipe Froes, avençados da indústria farmacêutica;
Mesmo quando esses “peritos” e “especialistas” são como Raquel Duarte, “enterrada” no Partido Socialista até ao tutano;
Mesmo quando esses “peritos” e “especialistas” são como Carlos Antunes, um engenheiro geográfico que andava a modelar correntes marítimas e se viu investido em modelador-mor de nunca acertadas previsões epidemiológicas;
Mesmo quando esses “peritos” e “especialistas” são como os membros da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19, que escondem os seus pareceres e, afinal, se vai ver e baseiam as suas recomendações numa mão-cheia de nada que levariam seus alunos universitários a chumbarem com orelhas de burro;
Mesmo quando esses “peritos” e “especialistas” são como todos aqueles que peroraram alarvidades e recusaram debater e bateram palmas ou assobiaram para o ar perante as perseguições ferozes de inquisidores-mores como o senhor urologista Miguel Guimarães, ou o opróbrio da imprensa mainstream a todos aqueles
que, como eu, defenderam o reforço do SNS para as outras doenças, “abandonadas” pelos decisores políticos;
que, como eu, ponderaram, desde muito cedo, ser a covid-19 uma doença sazonal, e que deveria ser abordada como tal;
que, como eu, criticaram o alarmismo que afugentou pessoas dos hospitais, por vezes os únicos sítios onde podiam ser salvas;
que, como eu, alertaram para a manipulação de dados pela DGS; que denunciaram o obscurantismo das autoridades no acesso a informação credível;
que, como eu, tiveram de aguentar todos os dissabores e ofensas apenas por desejar transparência, informação e debate, mesmo se, eventualmente, para sair “derrotados” num confronto de ideias, limpo e com base em informação.
Tudo o que se fez durante a pandemia foi executado por políticos, mas sempre com a bênção de supostos “peritos” e “especialistas”. Sempre em nome da sacrossanta Ciência, fizeram os segundos o trabalho sujo dos primeiros, de eliminar vozes dissonantes, sempre com a colaborante imprensa mainstream e seus sacerdotes-jornalistas.
Ora, a Ciência não é sacrossanta, nem o conhecimento científico é estático. Muito menos dogmática. Se artificialmente presa, deixa de ser Ciência. Em tempos de antanho, quando o poder – administrativo e/ou religioso – a quis estacar, vivemos tempos de trevas, de que são exemplo a Idade Média ou os períodos de controlo da Inquisição, sobretudo nos países católicos.
O Iluminismo veio emancipar de novo a Ciência, concedeu-lhe a liberdade para ser palco de estimulantes debates, “proibindo-a” apenas de ser dogmática. A Ciência não derrota uma tese pelo dogmatismo, mas sim pelo confronto de ideias, pelo escrúpulo, pela confirmação, pela abertura do espaço para qualquer um poder ousar estar certo em minoria, ou pela humildade de um “gigante” em aceitar a hipótese de se estar completamente errado mesmo se até em maioria.
Porém, e essa foi a mais triste e trágica consequência da pandemia, a Ciência tornou-se dogmática, inflexível, arrogante, impositiva, punitiva. Ou melhor, muitos cientistas tornaram-na. E por um simples motivo: venderam a “alma” aos políticos; e imbuídos desse “canto da sereia” do poder político não quiseram depois admitir aquilo que a Ciência deve mostrar: dinamismo, e prontidão em se corrigir.
O caso dos certificados digitais – os tais que impediram Simas de comer o “seu” bife – constitui, porventura, o paradigma do uso e abuso da Ciência pelos políticos, com a reprovável cumplicidade e conluio dos tais “peritos” e “especialistas”.
Recordemos sua história dos certificados digitais, e como agora a Ciência – com os seus “peritos” e “especialistas” – estão a contribuir para um retrocesso civilizacional, para um período de discriminação, para um assalto às democracias mesmo em países onde há muito está consolidada.
O certificado digital foi uma “invenção” da União Europeia, em meados do ano passado, para que o controlo das fronteiras, e sobretudo das viagens aéreas, se fizesse de uma forma mais fluída. A ideia aparentava sensata à luz da Ciência da época, mas também, de forma paradoxal, censurável à luz da Ciência da época.
Por um lado, pensava-se então – e sobretudo a Ciência feita pelas farmacêuticas e das entidades reguladoras dos diversos países – que as vacinas contra a covid-19 não só constituíam uma protecção muito relevante contra as formas graves da doença (falava-se em valores muito próximos de 100%) como também reduziam enormemente (acima dos 90%) a possibilidade de se ser infectado. E, nessa linha de raciocínio, fazia todo o sentido, do ponto de vista político, a adopção de uma medida para melhorar a fluidez burocrática entre fronteiras.
Ou seja, nesse pressuposto, o certificado digital parecia ser um melhor instrumento de controlo da pandemia do que, por exemplo, os testes PCR, uma vez que, podendo estes ser realizados até 48 horas antes, nada garantia que uma pessoa com resultado negativo no momento do teste não estivesse susceptível de infectar no momento do embarque.
Havia, contudo, um problema na implementação dos certificados digitais (dos vacinados), e que continua a existir: a Ciência não conseguiu até agora dar resposta às incertezas de longo prazo de uma vacina tão recente. Não há resposta científica para o longo prazo, ponto final. E não havendo, e sabendo-se, pela Ciência, que as vacinas contra a covid-19 têm diferentes níveis de benefício-risco-incerteza em função da idade, do sexo e da região, não seria eticamente prudente impor vacinas e certificados. Atenção que a prudência ética salva vida.
Por isso, colocar a exigência de vacinação contra a covid-19 ao nível, por exemplo, da vacina contra a febre amarela, exigível em viagens para certos países africanos e sul-americanos, não tem qualquer sentido científico: o risco desta segunda doença é maior e mais generalizada; e essa vacina já tem quase 85 anos, mais do que suficiente para mostrar um bom perfil de segurança.
Aliás, assumir que a vacina contra a covid-19 é segura porque existem outras vacinas seguras, ou apelar para acreditarmos na Ciência porque os cientistas integram um grupo de pessoas que já fizeram maravilhas pela Humanidade, é algo anticientífico.
Por mais baixa que seja a agora a probabilidade de se errar em Ciência, é exactamente para manter residuais esses riscos que se devem manter padrões elevados de segurança e precaução. Por isso, mais precaução sobretudo em comunidades onde o risco da doença nem sequer é relevante.
Na verdade, até vista na perspectiva da Ciência em relação à pandemia, foi exactamente por bons motivos científicos – por não serem seguros ou comprovadamente eficazes – que se abandonou ensaios clínicos de terapêuticas para a covid-19 como o uso de cloroquina e hidrocloroquina, mas também de muitos outros fármacos, como pamrevlumab, losmapimod, naproxeno, ruxolitinibe, acalabrutinib e rivaroxabana, apenas para citar alguns que se podem observar numa excelente base de dados na norte-americana National Library of Medicine.
Antes de serem abandonados, todos estes fármacos descartados por diversas razões; e o último, um fármaco da Bayer, o estudo que mostrou ser ineficaz até foi financiado pela Fundação Melinda e Bill Gates. Significa isto que, mesmo tendo passado as três fases de testes, as actuais vacinas contra a covid-19 ainda não estão com certificação absoluta de segurança a longo prazo.
Podem-me dizer que não haverá azar. E eu fico sempre a recordar-me de um acidente em 1999 na Petrogal de Matosinhos, com uma monobóia oceânica: a operação, só se faria uma vez, e a probabilidade de correr mal era de uma em um milhão. Correu mal, e morreu uma pessoa na praia de Leça da Palmeira. Por esse e outros motivos, não se mete uma petrolífera no meio de uma cidade por mais segura que possa parecer; e pelo mesmo motivo, a prudência (mesmo perante uma incerteza pouco provável), não se deveria assim vacinar crianças, adolescentes e jovens adultos saudáveis contra a covid-19.
Ora, mas voltando ao tema dos certificados digitais. Com o tempo, mesmo em tempo de pandemia, a Ciência evoluiu, obteve-se conhecimento científico sobre o vírus e sobre as vacinas. Mais e melhor. Não foram boas notícias. Afinal, mostrou que as vacinas não cumpriam uma das premissas essenciais da utilidade dos certificados digitais como “arma” de controlo da pandemia: não concediam uma significativa protecção contra a infecção, mesmo confirmando-se uma redução (um pouco menos significativa e mais curta no tempo do que também previsto) do risco de doença grave e morte, tendo em conta também as variantes.
Ora, perante o conhecimento dinâmico da Ciência, o que fizeram os “peritos” e os “especialistas”?
Calaram-se ou arranjaram jogos de cintura para manter o agrado dos políticos e dos jornalistas que bajulavam as suas sapiências. Deixaram de ser cientistas para serem meros políticos. Enfim, serviram os Governos dos países democráticos (ou outros não precisavam já disso) para abusarem até do objecto inicial dos certificados digitais, aplicando-os para práticas de discriminação e de segregação.
O objectivo tornou-se claro: além de beneficiar as farmacêuticas, forçavam e coagiam os cidadãos a tomarem as vacinas. No limite, quanto mais se se vacinasse, se se vacinasse tudo, deixava de existir até um “grupo de controlo” (os não-vacinados). Ora, sem grupo de controlo não há Ciência que possa comprovar um efeito epidemiológico.
O certificado digital – ou a obrigatoriedade de vacinação para o exercício de determinadas profissões ou acesso a certos locais – também representou uma janela de oportunidade para, de uma forma impensável numa democracia em funcionamento normal, aumentar o controlo da contestação e de movimentos sociais.
O caso do Freedom Convoy, em que o Governo canadiano de Justin Trudeau coloca agora entraves aos donativos de mais de cem mil doadores, acenando com o fantasma do risco de terrorismo e lavagem de dinheiro, mostra-nos uma perigosa involução das democracias ocidentais. A China não faz pior.
[E que se pode esperar em Portugal? Que António Costa possa, de repente, suspender os donativos ao PÁGINA UM para o estrangular e terminar assim com críticas?]
E note-se, aspecto fulcral, que o certificado digital continua sem sequer deter qualquer base científica, porquanto a sua validação sempre dependeu não de um qualquer diagnóstico (por exemplo, o valor de um teste serológico), mas sim de um prazo meramente administrativo. Primeiro foi de seis meses; agora passou para nove meses, não se conhecendo, porém, estudos científicos que lhe dêem respaldo.
[Como aqui já referi, tendo eu perdido a validade do meu certificado digital de recuperado no início de Dezembro do ano passado – que nunca usei –, o resultado de um teste serológico (anticorpos IgG) deu 427 BAU/ml, mas mesmo que assim desejasse usá-lo, não mo concederiam].
Durante cerca de um ano, o certificado digital serviu assim como elogiado “prémio” para quem se vacinava, e como feroz “castigo” para quem tomava a decisão de não aceitar vacinar-se, por razões aceitáveis ou estapafúrdias – dentro de um contexto de direitos e liberdades que eram aceites numa comunidade democrática antes da pandemia.
Os certificados digitais, à luz da verdadeira Ciência, serviram, portanto, sobretudo, para criar dois grupos de pessoas, e dificilmente esquecerei quem apoiou activamente, ou através do silêncio, a aplicação deste modelo segregacionista. Até porque a pandemia, mais o seu certificado digital, foi um veículo de abuso de autoridade – proibir liberdades e direitos por um direito de opção, consagrado em lei e na Constituição –, e mesmo de impensáveis abusos nas relações sociais.
Um empregado de bar ou de restaurante sentia-se ufano ao “exigir” a apresentação de um certificado digital a um seu cliente frequente ou fortuito, e investido desse inusitado poder até os escorraçaria de bom grado, esquecendo os seus prejuízos, ou ignorando que papel zelosamente requerido nada significa quanto ao risco de ser infectado, e menos ainda quanto ao risco de ficar gravemente doente se estiver vacinado.
[Acredito sempre que as pessoas que se vacinam acreditam que a vacina basta para as proteger, de contrário paradoxalmente não acreditam na protecção dada pelas vacinas].
Esta semana, em que caiu a necessidade de apresentar um certificado digital em Portugal para aceder a certos locais, mantém-se, porém, a segregação e os seus riscos. Os “peritos” e os “especialistas” ao serviço dos Governos – e que renegaram a Ciência, apesar de a apregoarem em cada frase – continuam a escudar decisões antidemocráticas de políticas, fazendo de conta que os certificados digitais garantem coisa alguma.
Por exemplo, defender que são essenciais para proteger idosos em lares não é Ciência. Quem visita lares e hospitais com certificado digital pode infectar, tal como aqueles sem certificado digital poderão. Defender que são essenciais como uma arma de controlo da pandemia – e daí a Comissão von der Leyen estar interessada em prolongar a sua vigência por mais um ano – constitui sobretudo um atentado à democracia, nada têm de Ciência.
Por tudo isto, a aprovação de mais um ano de certificado digital pela Comissão Europeia – que nem sequer é um órgão democrático, mas sim eleito por uma clique de políticos, muitos dos quais nem sequer vimos ao vivo no nosso país, e que nem a nossa língua falam [e isto não é ser nem nacionalista, nem patriótico e muito menos xenófobo] – constituirá não apenas a manutenção de uma discriminação de vantagens fúteis do ponto de vista da Saúde Pública, como também o reforço de uma espada cada vez mais próxima da nuca da democracia europeia.
Servirá um renovado certificado digital europeu – e a sua manutenção para uso doméstico – para agravar (ainda mais numa fase claramente endémica de uma doença sazonal com um perfil bem conhecido) uma discriminação de direitos, uma forma também de se identificarem cidadãos hipoteticamente “subversivos”, ou com capacidade de pensarem (mesmo que mal) pela sua cabeça, e não em “manada” com os demais.
Mas, para mim, o grande perigo advém de estas políticas serem suportadas por zelosos “peritos” e “especialistas” que, invocando a Ciência, a cospem, e que com os seus vómitos ajudarão a destruir a democracia em prol dos seus interesses comezinhos e mesquinhos.
Se estes e outros não quiserem ser cúmplices de um crime, não gritem apenas “Quero o meu bife”, quando um acto administrativo parvo não os deixar entrar num restaurante. Gritem antes comigo: “Quero a minha democracia!”, e depois podemos todos ir comer um bife. Ou uma salada.
No passado dia 15 de Janeiro, o pedopsiquiatra Pedro Strecht, nomeado pela Igreja Católica para presidir à Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais contra Crianças na Igreja Católica (perdoem-me a redundância, mas serve para melhor salientar que o potencial criminoso escolhe a dedo uma comissão para avaliar os seus eventuais crimes, autodenominando-a de independente), anunciou que “validou, em menos de uma semana, 102 testemunhos”, que, segundo o dito, contêm “momentos de profunda dor e sofrimento”.
E adiantou ainda que a dita Comissão – de que fazem parte Laborinho Lúcio (juiz conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça e antigo ministro da Justiça), Ana Nunes de Almeida (investigadora do Instituto de Ciências Sociais), Daniel Sampaio (psiquiatra e professor catedrático jubilado da Faculdade de Medicina de Lisboa), Filipa Tavares (assistente social e terapeuta familiar) e Catarina Vasconcelos (cineasta) – tinha já “situações agendadas para contacto pessoal”.
Não colocando em causa a idoneidade destas personalidades, convém, contudo, relembrar que, desde Abril de 2019, Pedro Strecht é “membro convidado do Patriarcado de Lisboa na equipa de prevenção de abusos sexuais na Igreja”. O termo “comissão independente” surge-me aqui de utilização demasiado lata. Ou com lata.
Esta semana foi também anunciada, pela Igreja Católica (claro!), a nomeação do ex-procurador-geral da República José Souto Moura para presidir à Coordenação Nacional das Comissões Diocesanas de Proteção de Menores. Segundo um comunicado da Conferência Episcopal Portuguesa, a dita Comissão “tem o objetivo de assessorar o trabalho de cada comissão diocesana, propor procedimentos e orientações comuns, ajudar em tudo o que possa proteger as vítimas e esclarecer sobre quadros normativos canónicos e civis relacionados com os processos de abuso sobre menores, tanto no que respeita ao acompanhamento da vítima como na atenção ao agressor”.
Recorde-se também que José Souto de Moura – além de não ser recordado propriamente como um procurador-geral inflexível no seu mandato de seis anos (2000-2006) – foi, tal como Pedro Strecht, convidado pelo Patriarcado de Lisboa há três anos para integrar a equipa de prevenção de abusos sexuais na Igreja. E nessa altura, quando se jubilou, Souto de Moura anunciou que iria manter as suas ligações com “a revista Brotéria, dos jesuítas, com a Associação de Juristas Católicos [uma idiossincrasia portuguesa num Estado e numa Justiça que se quer laica, acrescento eu] e com a Comunidade Vida e Paz”.
Enfim, já Cristo dizia, mas a Igreja Católica parece não aprender: “Dai, pois, a César o que é de César, e a Deus o que é de Deus”. Ora, sendo Portugal um Estado de Direito – ou, pelo menos, alegando-se que é –, havendo separação de poderes (e desde o século XVIII a Igreja Católica deixou de ser um Estado dentro de outro Estado), não se compreende (ou melhor, compreende-se, mas não se deveria admitir) que tantas e tão doutas pessoas, algumas da Magistratura e outras da área social, disponham da sua imagem, do seu talento e do seu trabalho para contribuírem, nem que seja indirecta e involuntariamente, para uma autêntica operação de lavagem de crimes no interior da Igreja Católica em Portugal.
Note-se: em menos de uma semana, a dita Comissão Independente, com parcos meios investigativos, validou 102 testemunhos, alguns certamente documentados, mas sempre abafados ao longo dos tempos e tempos, tanto mais que as alegadas vítimas têm já idades compreendidas entre os 30 e os 80 anos. Não há inocentes. Quem cria agora estas comissões não está inocente.
Que a Igreja – como entidade humana – tente fazer sempre bem o seu trabalho para se perpetuar, sabendo ultrapassar momentos difíceis, isso sabe-se, porque assim sempre fez: quem conhece alguma História da Igreja sabe bem disso. Agora, que um Estado de Direito laico deixe agora isso suceder, de forma impune, não se pode aceitar. Não se deve aceitar.
Não se deve assim aceitar ver uma Procuradoria-Geral da República a assistir impávida e serena à criação de comissões supostamente independentes e de coordenações também supostamente independentes dentro da própria Igreja Católica – e onde se assume já que se vai trabalhar em tudo aquilo que “respeita ao acompanhamento da vítima como na atenção ao agressor” –, sem gritar “alto!, e pára o baile!; isto não é assunto de Deus; é de César!”
Que a Igreja Católica se entretenha e nos tente entreter com as diligências que bem entender com vista a eventuais castigos divinos ou eclesiásticos, está no seu direito como entidade privada.
Porém, sobre aquilo que faz ou sobretudo não faz a Procuradoria-Geral da República, já é algo que nos diz respeito. E pessoalmente, julgo que já deveria estar no terreno para ouvir as 102 pessoas identificadas pela tal Comissão de Pedro Strecht, e outras mais. Deveria estar já a vasculhar toda a documentação da Igreja Católica onde possa constar informação com relevância penal para identificação de crimes, e dos respectivos criminosos e seus cúmplices (que também são criminosos). E ontem já era tarde.
Desde Dezembro passado, só vou a restaurantes que, sujeitando-se a multas, não me pedem certificado digital. São poucos. Podia optar por um certificado falso – até fiz um com o nome e data de nascimento de Marcelo Rebelo de Sousa, talvez passasse – ou pedir um “emprestado”, mas não entro em esquemas de falsificação.
Tive direito a um certificado digital, durante cerca de seis meses do ano passado, que nunca usei, depois de sobreviver a uma infecção por covid-19, a uma infecção bacteriana hospitalar e a uma grosseira negligência de um médico que permitiu que o fio-guia de um cateter andasse enrodilhado entre ventrículos do coração durante cinco dias, e cuja identidade a senhora Rosa Augusta Valente de Matos Zorrinho, circunstancial presidente do Conselho de Administração Central do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central (certamente pela sua competência, e não pelos esponsais com o eurodeputado socialista de quem ganhou o último apelido), não me quer revelar. Não sofro de “long covid”, estragando as estimativas do Doutor Filipe Froes de que 10% dos infectados padecem de tal maleita.
Nunca usei nem usarei, porque a minha recusa é por imperativos de Cidadania e de Ciência.
Vamos primeiro à Cidadania, até porque manteria a recusa mesmo que tivesse optado por me ter vacinado. E fá-lo-ia se não fosse pelas razões que mais adiante indico sobre a Ciência.
Já lá vou.
Nenhum cidadão decente, em pleno século XXI democrático, deveria poder aceitar sequer um certificado, digital ou analógico, com o objectivo de separar, só por si, um dos demais.
Por vezes, há quem invoque, perante a institucionalização e aceitação quase generalizada do certificado, a perseguição perpetrada pelo nazismo aos judeus, que se iniciou também através de um documento segregacionista.
Não sigo essa linha por duas razões: primeiro, avocar o nazismo tem como consequência que um debate sobre discriminação descarrila vertiginosamente para o Reductio ad Hitlerum; segundo, Hitler não inventou nada. E agora também não se está a inventar nada, mesmo se Hitler e as atrocidades em nome da sua loucura não tivessem jamais existido, como existiram.
Na verdade, não precisamos em Portugal de viajar para a Alemanha Nazi, nem para a América com o seu one-drop rule, a infame regra de uma gota, que discriminava pessoas por descenderem de negros, mesmo que fossem tetravós.
Basta recuarmos nos nossos tempos, neste mesmo território onde estamos. Durante séculos e séculos, tivemos muito dignos “inquisidores apostólicos contra a herética pravidade e apostasia” que averiguavam, judicialmente, se alguém era “legítimo e inteiro Cristão velho, e de limpo sangue, e geração”. E até ao início do século XIX português chegou-se a afastar de cargos ou confrarias aqueles que apresentassem ascendência judaica, moura ou gentia, até ao 4º grau.
Ademais, no caso do certificado digital, estamos perante uma segregação sem sequer uma lógica ou sentido jurídico e legal: quem se vacina cumpre a lei; quem toma a decisão de não aceitar a vacina também cumpre a lei, porquanto a vacina não é obrigatória, é voluntária. Sabemos que quem incumpre as normas legais ou os códigos penais está sujeito ao pagamento de uma coima ou condenado a ser “segregado” pela sociedade, sendo-lhe retirado direitos e liberdades.
Porém, não é isso que sucede com a vacina contra a covid-19. No caso de uma vacina, ainda mais com uma tecnologia recente, estamos ao mesmo nível de uma lei que permite que se ande em qualquer dos lados dos passeios de uma avenida.
Seria ridículo permitir tal liberalidade – a escolha do passeio – e depois segregar quem tivesse a “ousadia” de escolher o lado esquerdo, não permitindo que entrasse em restaurantes ou visitasse um museu, apenas porque o Governo “achava” que era melhor para a comunidade que andasse pelo lado direito.
Despachados os princípios de Cidadania, só por si suficientes, passemos para a Ciência.
Como escritor de romances do género histórico, nas minhas deambulações pela Biblioteca Nacional amiúde me ia rindo e sorrindo durante a leitura de documentos coevos sobre usos “médicos” de antanho, suportados pela Ciência da época. Recordo, aliás, que durante a Peste Negra, no século XIV, se usaram fogueiras nas ruas e até salvas de artilharia ou música, pois julgava-se que as vibrações afastariam o ar corrupto. E até as célebres máscaras de “médicos” com bico de corvo nem sequer tinham o objectivo de “filtrar” o ar – pensava-se então que a doença se devia a miasmas e não a uma bactéria transmitida por pulgas –, tendo apenas um simbolismo místico.
Enfim, mas também deve ter sido por simbolismo místico que as autoridades multaram trabalhadores por comerem sandes dentro do carro em plena pandemia, ou uma reformada por ir ao café comer um bolo de arroz e a meia de leite, ou um jovem por comer gomas junto a uma máquina de vending.
E também deve ter sido por simbolismo místico que a Autoridade de Saúde Nacional é uma senhora, burocrata desde sempre, com conhecimentos de Medicina adquiridos por neurónios de paradeiro agora desconhecido, e somente usados na década de 70 do último século do milénio passado, que alardemente nem sabe utilizar um computador e com sérias dificuldades em aceitar aceder aos meus pedidos de documentos ao abrigo de uma lei da transparência da Administração Pública. By the way, na próxima quarta-feira, a Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) debruçar-se-á em mais quatro pareceres sobre recusas da DGS.
É esta senhora, rodeada de “especialistas” – desde um doutorado em migrações de carapaus até a um (re)conhecido pneumologista-mercenário ao serviço das farmacêuticas –, que tem ditado as regras sanitárias em tempos de pandemia, invocando a Ciência, que deveria ter, como as de Deus através de Moisés, umas tábuas onde um dos Mandamentos fosse: “Não faças mau uso do nome do Senhor, tua Ciência, porque Ele não deixará sem castigo os que fizerem mau uso do seu nome.”
Na verdade, sobre Ciência em Tempos de Pandemia, já vimos de tudo. Já vimos o esplendor da Ciência nas máscaras que, primeiro, davam uma falsa sensação de segurança, até às declarações de um presidente da República que jurava vir a ser o “último moicano” a deixá-las, apesar de já o termos visto na semana passada a cantar o Grândola Vila Morena de (desavergonhada) face destapada na companhia de Emmanuel Macron.
Já vimos a maravilhosa Ciência nas garantias de que os lockdowns eram fundamentais, e por isso mesmo tivemos o “milagre” português como uma evidência na Primavera de 2020, para depois termos o desastre em Janeiro de 2021, “apenas” porque nem todos seguiram o conselho de Rui Portugal, subdirector-geral da Saúde, de oferecerem compotas no Natal em “vistas rápidas no quintal de uns e de outros, ou no patamar do prédio”.
Já vimos também a fantástica Ciência na garantia da eficácia das vacinas, primeiro, para toda e qualquer idade em quase 100%, para depois ir descendo, descendo, descendo, até que daqui a nada, para dar protecção, se tem (exageremos!) que dar tantas picas como as doses de insulina necessárias num diabético.
Já vimos a extraordinária Ciência nas juras de uma vacina que era também muito eficiente na redução da capacidade de se ser infectado e de infectar, e daí que íamos ter de vacinar tudo e um par de botas, para criar imunidade de grupo, mas que em pouco já não era possível, e depois ainda assistimos ao maior aumento de casos com uma variante que, afinal, se disseminou mais facilmente entre os vacinados. Tudo a Ciência, maleável, justificou.
Vamos ser claros. Não sou absolutamente nada contra vacinas – ou mais correctamente, no caso específico das destinadas contra a covid-19, o fármaco injectável –, que, em determinadas circunstâncias e para determinados grupos, pode e será uma ferramenta preventiva de doença grave e morte.
Nem sou absolutamente nada contra – muito pelo contrário – à investigação e busca de terapêuticas contra a covid-19 ou contra qualquer outra doença. Seria um absurdo, sobretudo para quem conhece História.
Já sou, e muito, e sobretudo por conhecer História, e a História da Ciência, contra o obscurantismo, a falta de transparência, a burocrática mesquinhez, e a sobranceria.
Em finais de Dezembro do ano passado, e princípio de Janeiro deste ano, através do PÁGINA UM, tomei a iniciativa de patrocinar um conjunto de testes serológicos para verificar os níveis de seropositividade à covid-19 em sete pessoas, das quais cinco com infecção anterior (com níveis diferentes de gravidade), e apenas duas vacinadas (uma das quais com infecção prévia).
Darei detalhes em breve sobre as outras situações – embora não revelando identidades –, mas no meu caso, como podem confirmar, seis meses após ter sido declarado “negativo” (curado), o valor para as imunoglobinas G IgG) no meu sangue era de 427,00 BAU/ml, muito acima do valor a partir do qual se considera positivo (33,8 BAU/ml).
Bem sei que “a evidência científica actual ainda não nos permite afirmar que um título elevado de anticorpos IgG anti SARS-CoV-2 é garante de imunidade efetiva ou duradoura”, conforme avisa o boletim do laboratório Germano de Sousa, mas a Ciência, se estivesse a ser usada nestes tempos, dir-me-ia que este meu valor deveria valer mais do que um qualquer papelucho, um qualquer certificado de vacinação.
Um médico decente, baseando-se na Ciência, nunca diria que eu deveria vacinar-me com estes níveis. Excepto, talvez, um que também sugerisse que o Michael Phelps, pelo sim, pelo não, deveria usar uma bóia quando se lançasse a uma piscina. Ou aqueloutro que recomendasse protector solar factor 50 a um senegalês para, enfim, precaver algum carcinoma.
Para a Ciência, os diagnósticos pessoais são essenciais para uma decisão, e na atribuição e caducidade dos certificados digitais nunca nada houve de científico. Nada.
Exigir a vacinação – e com isso obter-se um salvo-conduto através de um certificado digital – com base num prazo administrativo é anti-científico (excepto para as Ciências Políticas que estudam os estados ditatoriais), porque nem sequer assente em qualquer estudo científico conhecido. E mesmo que assim fosse, nunca deveria ser uma opção generalizável.
Não é, por exemplo, por ser saber que a hipercolesterolemia está associada a ataques cardíacos a partir de uma determinada idade que se vai colocar toda a gente em dieta ou a tomar comprimidos contra o colesterol a partir de uma determinada idade; se calhar a sugestão (não imposição) por uma dieta ou por uma determinada terapêutica depende de um diagnóstico prévio. Digo eu, que não sou médico, mas uso neurónios.
Por insistentes quatro vezes, contactei a Direcção-Geral da Saúde para que me esclarecesse sobre a existência de estudos serológicos, questionando as razões científicas para exigirem que me vacinasse se quisesse entrar num restaurante. Não responderam sequer.
Foi um engano, um equívoco meu: na Direcção-Geral da Saúde não se faz nem se usa Ciência; “cozinham-se” argumentos, temperados por “especialistas”, que justificam uma deriva autoritária.
Aos 52 anos, não posso ir a um restaurante por causa de um papel. E ainda me acusam de negacionista. Isto não é Ciência. Isto não é Democracia.
O Comboio da Liberdade, ou Freedom Convoy – um protesto iniciado em Ottawa, no Canadá, contra o certificado digital covid –, trouxe um certo embaraço a quem tenta diminuir qualquer manifestação com a narrativa do negacionismo. E isso leva-me para um assunto que, há meses, me é caro.
Desde que apareceu o passaporte digital que me manifestei contra por considerar que se tratava de uma medida de segregação.
A lógica é relativamente simples para mim. Se um Estado aconselha uma vacina, está a dizer aos seus constituintes que decidam, sozinhos, se a devem tomar ou não. Não pode, pois, esse mesmo Estado, em seguida criar dois tipos de cidadãos, com direitos diferentes no que à sua mobilidade diz respeito.
Apesar de ser vacinado, respeito quem não o queira ser, e defendo esse seu direito. O mesmo é dizer que não entendo a utilidade do certificado digital, especialmente quando até há pouco, este era pedido em simultâneo com um teste PCR (por exemplo para entrar em Portugal). Mas mesmo que o certificado tivesse alguma utilidade, a minha posição seria a mesma. Em momento algum posso aceitar um regime que cria cidadãos de primeira e outros, de segunda.
Faz-me lembrar outros tempos, que felizmente não vivi, e que só conheci pelos livros de História.
Há uma certa atração por associar estas manifestações a “negacionistas”, “anti-vacinas”, e por aí fora. Desde logo, qualquer pessoa que se questione o porquê da enxurrada de testes, lucros dos laboratórios e a não abertura da patente das vacinas, é logo negacionista. Pensar deixou de ser permitido a partir de 2020.
A comunicação social parece pouco interessada em tentar perceber porque é que um país com 80% da população vacinada (Canadá) se insurge contra a exigência de um passaporte que só afecta uma minoria. A solidariedade dos trabalhadores e das pessoas em geral não fazem boas cachas, não ajudam nas audiências e não servem para “alertas CM/CNN”.
Ao fim de dois anos na rua, camionistas, e outros que nunca estiveram em teletrabalho, acharam que não fazia sentido que lhes pedissem um certificado para a sua movimentação nas horas de lazer. E estão, obviamente, cobertos de razão. É mais ou menos o mesmo ridículo que cada um de nós passa à porta de um cinema em Lisboa, ao sábado, depois de uma semana no comboio da linha de Sintra com distanciamento de 10 centímetros.
Liberta-se a produção e a geração de capital, restringe-se o lazer e o tempo em família. É a transformação lenta de cada um de nós num objecto produtivo, sem qualquer respeito por aquilo que deve ser o equilíbrio, os afectos e as relações humanas.
O comboio de Ottawa inspirou mais protestos em Paris e, segundo notícias de hoje, dia em que escrevo, também na Holanda se ouvem vozes. Em direto da capital francesa, um repórter da CNN explicava-nos o teor das manifestações enquanto procurava uma etiqueta política. “Vejo ali grupos de extrema-esquerda e também de extrema-direita”. Bem visto, assim agrada à audiência toda. A CNN Portugal está a tornar-se dona de um estilo de jornalismo que faz o Correio da Manhã parecer o New York Times.
Como é que se explica que, também em Franca, uma população com cerca de 77% de vacinados, se parta para as ruas contra uma medida de segregação? Nas redações pergunta-se quantos negacionistas e amigos da Le Pen caminham por Paris, eu limito-me a pensar que, em princípio, a maioria de vacinados percebe que nada de interessante aguarda uma sociedade que valida a segregação. Vem nos livros.
Em Portugal não vemos manifestacões, segundo a narrativa corrente, porque “há poucos negacionistas”. Mas não, não é por isso. Em Portugal a maioria vacinada não se manifesta contra uma medida que cria cidadãos de segunda, pela mesma razão que não se queixa da falta de memória do Salgado, da fuga do Rendeiro ou dos desvios do Sócrates. Temos opinião para tudo mas pouquíssimo sentido cívico na luta pelos direitos e liberdades.
Os canadianos fizeram um favor ao Mundo e foram os primeiros a bater o pé a uma imposição governamental sem sentido que, sob a capa da defesa da saúde pública, não faz outra coisa que não seja acirrar ódios e dividir a população. Os franceses seguiram as suas pisadas e, imagino, outras carruagens estarão a caminho.
A História julgará. Bem, julgo eu.
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Despediu-se de mim com o emoji de um beijo. Senti um arrepio. Aquele beijo de ocasião no final de uma troca de comentários online marcou-me. Aquele simples emoji. A “conversa” começou quando enviei as melhoras a uma jornalista que relatava como estava a passar de forma tranquila pela covid.
Na primeira vez que teve covid, disse, foi muito pior. Teve muitos sintomas. Agora estava a ser diferente. E atribuía o “milagre” ao facto de ter tomado a vacina. Desejei-lhe as melhoras rápidas, e comentei que também eu e a minha filha tínhamos tido covid em Junho, e quase não tivemos sintomas. Nenhuma de nós tomou a vacina. Apenas isto.
O que se seguiu foi o habitual discurso a que estamos hoje habituados – nós, os recuperados da covid, ou os que não tomaram a vacina. Os clichés da “nova ciência” – ou “nova religião” – estavam todos lá. De que só se safam os não vacinados que têm sorte. Que isto é uma roleta russa. Etc., etc., etc..
Ignora-se a Ciência. O bom senso. Ignora-se que há quem rejeite a tese de vacinação em massa da população. Ignora-se a condição de saúde e idade da pessoa. Ignora-se o sistema imunitário. Ignora-se que a atual variante dominante causa muito menos sintomas e é muitíssimo menos letal. [Então no caso das crianças e jovens, nem esta nem as variantes anteriores foram um problema, a não ser em casos raros.]
Sem mais argumentos da ‘nova ciência’, acabei a ser acusada pela jornalista de ser anti-vacinas (o que é falso, porque sou defensora de vacinas). E, antes do dito beijo, ainda li que, se aquela jornalista decidisse, a vacinação contra a covid seria obrigatória. Ou seja, aquela jornalista defende a imposição a toda a população de uma vacina que começa por falhar em proteger contra a infeção e a transmissão, que não concede a tão propalada imunidade de grupo. Defende a violação da privacidade de cada cidadão, do seu corpo, da sua vontade. E o mesmo para os seus filhos.
Porque sim. E com isto, depois disto, envia-me um beijo. Um beijo. Soube-me como o beijo de Judas. Terminei a conversa comentando como o fim da tolerância é algo assustador nos dias de hoje.
Outros jornalistas partilham desta mesma opinião radical. Não é o primeiro jornalista com que me cruzo que defende a obrigatoriedade das vacinas contra a covid. Muitos repetem as frases que se ouvem nos media.
As mesmas palavras. Os mesmos termos. As mesmas justificações. Mencionam um “consenso”, que é falso, porque nunca existiu. O que tem existido é censura e perseguição. Não é assim que se atingem consensos. O resultado é que temos assistido a manchetes que promoveram o ódio e a desinformação, e que seriam impensáveis em outros tempos. Assistimos a diretos na TV a defender-se a segregação de cidadãos e até a censura.
A ascensão desta nova vaga de extremismo é preocupante, e dela não se fala nos media, obviamente. E devia falar-se. Das pessoas que hoje acham normal que seres humanos fiquem barrados e impossibilitados de entrar em locais. Que sejam discriminados e humilhados. Que haja direitos diferentes.
São essas pessoas que daqui a uns anos – ou já hoje – não teriam problemas em defender a criação de bairros especiais, de guetos, para pessoas sem vacina. E a defender a proibição de contactos entre crianças com e sem vacina contra a covid. Mesmo que a vacina não trave a infeção e a transmissão.
As atrocidades a que assistimos em outras épocas e regiões só existiram porque cmontaram com o apoio de “bons cidadãos cumpridores” de ideologias que defendiam a segregação e a discriminação e perseguição. A segregação atualmente praticada em Portugal é errada. É anti-ciência. Jamais deveria ter existido. Quem tem vacina transmite o vírus como todos os outros. Ponto final. Mas, mesmo que não acontecesse, jamais deveria haver segregação. Em circunstância nenhuma. Que a segregação seja banalizada na comunicação social é chocante. É um ataque à profissão. Uma mancha.
Desde Março de 2020 que testemunhamos, no sector da comunicação social nacional, a uma onda de obediência e submissão às autoridades, totalmente aterradora. Desde o início que os dados divulgados não batiam certo. Quem questionasse, era negacionista. Nos media, não havia questões nem dúvidas. Obedeciam. Como hoje. Ainda hoje, muitos temas continuam a ser um tabu. Quem falar hoje sobre efeitos adversos é anti-vacinas. Ou pode até ser acusado de ser terraplanista, de ser um teórico da conspiração, de ser da extrema-direita, e sabe-se lá mais o quê. Vale tudo para difamar.
Sabemos que o factor medo pesou. São públicas as técnicas de medo que foram utilizadas em diversos países. Mas os jornalistas devem ser imunes a estas técnicas. Ser isento e objetivo exige isso. Ser jornalista a sério exige isso.
Sabemos que os jornalistas são seres humanos como todos os outros. Falham. Têm emoções. Mas não explica como jornalistas deixaram de pensar. E eliminaram a tolerância de um dia para o outro. Como passaram a banalizar a segregação e a discriminação. A banalizar a censura. A perseguição. Os discursos de ódio. A banalizar o mal. Porque é disso que se trata quando se criam castas de cidadãos pela cor da sua pele. Pelo seu género. Pela sua condição de saúde.
É por isso ainda mais relevante hoje combater o extremismo e a segregação. É das coisas básicas que se deve ensinar aos filhos: a respeitarem-se a si próprios e aos outros. Ensinar sobre a tolerância e sobre o respeito na diferença deve fazer parte do bê-á-bá da educação em casa. Hoje em dia, essa é uma tarefa ainda mais importante.
A tentativa de polarização entre seres humanos é obra de quem persegue ideologias perigosas e sabemos bem onde podem levar. Por detrás de campanhas de ódio, como é habitual neste tipo de vagas, estão políticos sedentos de poder, lobbistas a trabalhar para certos interesses e oportunistas vários. Mas, sem apoio de parte da população, estes “líderes” extremistas não têm base. Por isso, apostam na “educação” em massa da parte mais amedrontada da população. Pior informada. Mais vulnerável à manipulação. Os mesmos que, daqui a uns anos, denunciariam amigos, colegas e vizinhos, sem hesitar.
Nesta altura, o bom senso parece estar a chegar a diversos países. O vírus seguiu o seu caminho normal. Adaptou-se ao hospedeiro. O chamado ‘certificado digital’ começa a cair, bem como a obrigatoriedade de tomar estas vacinas.
Mas nos media portugueses, a polarização e o clima de ódio e de veneração da ‘nova ciência’ permanece. E mesmo que tudo regresse ao ‘antigo normal’, há muitas coisas que terão que mudar. Incluindo na comunicação social. O que se passou nos últimos dois anos é, numa palavra, inaceitável. Também na medicina, na governação, na justiça…
Hoje já se podem questionar os dados sem ser negacionista. Já se pode debater. Mas ainda se é acusado de se ser anti-vacinas, etc., etc. Os dogmas ainda existem. O clima de religião em torno desta “nova ciência” também.
Ainda muito está por apurar. E são muitos cidadãos – com e sem vacina contra a covid – que estão a exigir o apuramento da verdade dos factos. E vão continuar. Até ao fim. Porque a transparência da informação é um direito. De todos. De vacinados. De recuperados. De não-vacinados. De cidadãos. De pessoas. Também a tolerância deveria ser um direito. Essa sim, deveria ser obrigatória.
Da minha parte, faço questão de jamais esquecer aquele beijo. Como lembrança do porquê que é importante ensinar sobre ser tolerante. Sobre respeitar o próximo. Sobre a diversidade. Sobre pensar por si próprio. Ler. Sobre ensinar como amar na diferença. E sobre a magia que ocorre em nós, humanos, quando damos um abraço genuíno, com amor incondicional, a outro ser humano. Nosso semelhante. Sem desculpas.
Lembrem-se: somos todos iguais. Temos todos os mesmos direitos e liberdades. Mesmo que políticos, lobbistas e oportunistas vos tentem convencer que não. Ou mesmo que jornalistas vos tentem vender a ideia de que há humanos que são diferentes, inferiores ou superiores. Porque o que faz de nós iguais é sermos humanos. Sem nenhuma outra condição.