Categoria: Opinião

  • A ‘nossa’ solidariedade selectiva parece racismo

    A ‘nossa’ solidariedade selectiva parece racismo


    A rapidez com que mudamos o rumo do debate é usain-bolteana. Nós, portugueses, entenda-se.

    O tema pode mudar, mas os lados não. Dois. Hoje e sempre. Só há hipótese de haver um debate público se houver dois, dois lados, um a defender o preto, o outro o branco. E se quiseres, camarada, falar em cinzento, esquece; tens que escolher um lado nesta discussão binária. Somos todos informáticos num mundo de 0 e 1, e ninguém nos contou.

    A discussão desviou-se um pouco do palco de guerra – onde o desfecho parece mais ou menos inevitável – e seguiu para o como, o quando e o porquê da ajuda humanitária.

    E eu tenho lido um rol argumentativo que me transtorna, especialmente quando escrito por pessoas que considero inteligentes.

    Everyone is Welcome signage

    Há hoje, e novamente, uma espécie de proibição no ar sobre o debate em torno da origem dos emigrantes. Uma vez mais, devemos ser solidários com o actual conflito, e esquecer os restantes. Caso contrário, apoiamos a invasão, como se perceberá.

    Com o devido respeito, este é o tipo de argumentação que, além de pobre, deve ser direcionada para sítios onde o sol brilha pouco. Refiro-me à Sibéria e seu nevoeiro, obviamente.

    Acho muito bem que a União Europeia integre a Ucrânia – embora a versão “expresso” sejam uns tortuosos cinco anos –, e aprecio ver como toda a Europa se junta em donativos, em acolhimento e em todo o tipo de ajuda humanitária. Tento também ajudar, é o mínimo que podemos fazer, seguros no conforto de casa – chama-se a isso solidariedade entre povos.

    Não me venham é, depois, dizer que vendo toda esta iniciativa em torno de uma guerra, que dura há 15 dias, não posso questionar as políticas europeias de acolhimento das últimas décadas.

    Posso. E devo.

    Quem vem com o paleio do whataboutismo, quando se fala de outros refugiados, tenta reduzir o debate com um insuportável “então, como não ajudámos os outros, agora não podemos ajudar estes?”.

    Sim, podemos. Podemos. E devemos. Mas temos que discutir por que razão ajudamos estes e não queremos saber dos outros. É uma discussão legítima, e que deve ser aberta.

    E não estamos a debater refugiados do passado. Estamos a falar sobre refugiados de hoje. Por exemplo, crianças palestinianas que nascem, crescem e morrem em campos de refugiados na Jordânia. Ou migrantes que chegam às costas de Itália ou da Grécia, e que são imediatamente recambiados para África. Ou outros que tentam trepar as grades nos territórios ocupados por Espanha em Marrocos. Ou os afegãos que vendem rins para meter comida na mesa. Ou os sírios que chegam às portas da Escandinávia, e são enviados para o Ruanda.

    Dizem-me que refugiados de guerra não são migrantes… Bom, é verdade. Mas não são essencialmente pessoas que fogem da fome, da miséria, das guerras de clãs, da escassez, no fundo, da morte? Que diferença há entre um ucraniano que foge de Kiev e um maliano que depende da vontade de um senhor da guerra para ter acesso a água potável? Não tentam ambos conservar a vida?

    Palestinianos em guerra contra o invasor desde que se lembram, ou afegãos invadidos por tudo o que é gente desde a década de 80, não estão em situações semelhantes há décadas?

    Sim, estão. Qualquer pessoa percebe o óbvio e os porquês. A Europa abre as portas a uns e fecha-as a outros. É uma opção, uma escolha. E uma clara distinção entre povos.

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    A solidariedade existe, mas não se destina a todos de forma igual. E o que me enerva verdadeiramente na discussão em Portugal é a tentativa de arranjar justificações, protocolos, regras, burocracias, estatutos, que justifiquem uma coisa muito simples chamada racismo.

    Não é necessário, torna-nos um pouco mais ridículos e parece que tentamos chamar estúpido a quem nos ouve. Há apenas que assumir o óbvio que passa, entre outras coisas, por manter a maior parte das portas da Europa aberta aos seus povos, e meter um travão aos migrantes e refugiados que venham de países árabes ou africanos.

    Na Suécia essa posição foi assumida, no canal do Estado por Ulft Ktistersson, o Rui Rio cá do sítio. Num país com uma enorme tradição de receber refugiados – julgo que desde a década de 70 –, há uma clara diferenciação da direita, neste momento, entre receber ucranianos ou árabes e africanos. É mais ou menos isto que quem reduz o debate em Portugal ao whataboutismo faz. Racismo encapotado.

    Façam então como o Ulf: abracem a solidariedade selectiva. Louros e brancos, tudo bem. Pretos e árabes, de momento já preenchemos a quota.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Do Wali (assim bem escrito), ou onde está a imprensa?

    Do Wali (assim bem escrito), ou onde está a imprensa?


    A forma como a esmagadora maioria dos jornalistas “embarcou” para a cobertura da invasão da Ucrânia não surpreende: já se tinha mostrado na cobertura da pandemia.

    Espírito militante, missionário do maniqueísmo, sacerdotes do bem contra o mal, os jornalistas expõem pornograficamente a sua ignorância, nem se importando de “atirar” primeiro “informação” antes de a confirmar, tomam um lado, independente do contexto.

    Infantilizam os seus leitores, ouvintes e telespectadores insistindo sempre na tónica de quem é o mau, como se fosse necessário (re)lembrar a alguém que tenha um QI acima do 1 que quem dá o primeiro passo para uma guerra, invadindo um outro, será sempre o invasor – e que, portanto, um jornalista tem a função de relatar os acontecimentos, em primeiro lugar, sem fazer parte da máquina de propaganda de uma das partes, como tem sido visto nos últimos tempos.

    Aliás, contribuindo para que, do lado do invasor, intensifique as restrições à (já escassa) imprensa independente na Rússia, incluindo mesmo o Gazeta Novaya, de Dmitry Muratov, o recente Prémio Nobel da Paz.

    Porém, aquilo que mais me tem chocado é a cinematização de uma guerra, não por ser estramos perante um filme mau (no sentido de cruento), mas por ser mau filme, geralmente por via de um argumento que “exige” que a guerra seja relatada com a constância de emoções ao rubro de um jogo de PlayStation, ou do sangrento desembarque da Normandia ficcionado em O Resgate do Soldado Ryan, do Steven Spielberg, ou de um rotineiro mas contínuo trabalho das 9 às 5 a apertar parafusos.

    A guerra não é isto, e muito menos uma guerra moderna, mais táctica que destrutiva.

    Por isso, caímos no ridículo de momentos silly season, como os do fabrico de cocktails molotov (quantos já foram atirados contra tropas russas?), e agora temos, espalhados pela imprensa nacional e internacional, a história do sniper canadiano Wali, herói contra o Daesh, que foi para a Ucrânia matar russos.

    Os jornalistas viram O Sniper Americano do Clint Eastwood, e pronto já julgam que Putin está no papo, não é?

    A invasão da Ucrânia pela Rússia é grave. Prescinde de patetices.

  • A democracia e o Chega: um conflito (aparentemente) indelével

    A democracia e o Chega: um conflito (aparentemente) indelével


    A democracia é, entre outras coisas, a possibilidade. A de mudar os governos e as suas ideologias, dialogar pela mudança, fazer oposição ao dominante do momento e aceitar este enquanto vigora.

    A diferença de opiniões e, portanto, o pluralismo, é essencial para o escrutínio e para uma eficácia que se traduza na aplicação de uma determinada lei, preceito ou regra, e que estas, quando aplicadas, realmente produzam efeitos positivos nos representados e/ou eleitores.

    Na ordem dos últimos tempos, está a ascensão de um partido cuja ideologia e programa é constantemente apelidada de antidemocrática, exclusiva – aqui assumindo o significado de ser o oposto à percepção do que é ser inclusivo –, racista, populista, xenófoba e extremista.

    Uma vez que vivemos na era dos exageros, de uma intolerância atroz e perseguição a quem não caia no politicamente correto e, portanto, no discurso dominante, é de bom tom (para não dizer, útil) que se procure no conteúdo programático do Chega, sinais claros e inequívocos que possam consubstanciar todo este aparato e indignação.

    André Ventura, presidente do Chega

    O programa do Chega divide-se em 13 pontos que se distribuem em diversas áreas, desde a definição de um modelo familiar, ao papel do Estado e mudanças do atual sistema social, económico e até militar.
    Importa fazer um apanhado desses pontos na tentativa de verificar a correspondência entre as catalogações, acima mencionadas, e o conteúdo programático.

    Não se terá em conta as ideias eficazes, não porque não terão mérito, mas porque a boa ideia política não precisa de prémio – ela é o que todas as outras devem ser.

    O foco deste artigo é, assim, fazer uma observação às medidas deste partido através da lente dos soundbites julgadores, e se fazem sentido as críticas de que é alvo.

    Ponto Um

    Focando logo no primeiro ponto do programa do Chega, aparece desde logo uma enorme ênfase à família, para depois mencionar a criação de um Ministério dedicado ao tema, e aplica ainda o termo conservador no que toca à ideia de que a família natural é entre um homem e uma mulher.

    Quanto à ideia da inclusividade, pouco haverá a dizer, uma vez que parece evidente o que esta ideia deixa de fora, ou seja, todo o modelo familiar que o transgrida, desde a família monoparental à homossexual.

    Importa ainda falar do conceito de família e como está relacionada, nos meandros conservadores, com o modelo pós-guerra americano, cujas forças disseminadoras tanto têm de marketing político (como o kitchen debate, em que à família lhe era dita quais os papeis a desempenhar e, portanto, o lugar de cada um na sociedade), como de construção social.

    Não é, portanto, um modelo imutável nem verdadeiro. É um hábito, e apenas isso; e, em nome desse hábito, criou-se a heteronomia e a dominância desse modelo. Essa é a grande confusão das tradições e a resistência aos zeitgeists.

    Ainda há que realçar que uma relação íntima é, por definição, uma aproximação entre pessoas, e que só a essas pessoas diz respeito, pelo que afirmar que a intimidade entre heterossexuais tem um valor mais intrínseco, ou superior, não faz qualquer sentido objetivo. Em nada é eficaz, a não ser na “desdemocratização” da escolha.

    Ponto Dois

    Neste ponto, o Chega submete a desresponsabilização individual ao socialismo falando numa espécie de hiper-solidariedade que levou à corrupção, falhanço moral e toda uma série de impropérios que esconde o liberalismo que este partido parece defender (por exclusão de partes). E, embora não caia diretamente na análise deste artigo, também carece de explicação objetiva para esta ligação entre desresponsabilização e alguma qualquer ideologia política.

    Ponto Três

    Este ponto apela ao orgulho nacional com expressões como o território ancestral, o direito inalienável de se defender a dignidade, a história secular e a busca pela verdade.

    Aqui o que se deduz é um puro-nada. Se o orgulho em ser português é exaltado a despeito de outras comunidades ou minorias – e em busca de uma verdade que não é explicada –, entramos num completo vazio que, em nome de um simbolismo romântico, nada faz mais do que perseguir e classificar o outro, criando um clima de divisão, que aí sim, é antidemocrático, exclusivo e convida a xenofobia e o preconceito.

    Importa ainda dizer que o espírito aventureiro português, que nos trouxe os Descobrimentos e a Diáspora, foi possível devido a outras enormes características do português: a adaptabilidade e a flexibilidade de inserção em outras culturas, o que parece indicar uma abertura à inclusividade, multiculturalismo e jogo de cintura. São características que chocam com o rigor (mortis) do conservadorismo e tradição.

    Ponto Quatro

    Este ponto é o liberalismo em sede populista, como uma espécie de publicidade apelativa ao que é obvio, ao mesmo tempo que enumera iniciativas sem dizer como as vai fazer. É, em suma, pouco sumo.

    É de notar a colagem entre o Governo e a família, isto depois de designar o carácter afunilado e normativo do que isso deve ser. Já o argumento da prioridade quer às crianças quer aos idosos não tem qualquer imputação negativa, embora careça da forma como se a implementa, algo que parece ser transversal a este programa. É também transversal, neste caso, à ideologia, o cumprimento de prazos e contratos. Essa exaltação aparenta ser exclusiva ao programa do Chega, mas é, na realidade, elementar.

    A alínea mais demagógica, mas de especial apreciação liberal, é sobre a redução de impostos. Apenas menciona que os vai reduzir, sem explicar quais, quantos e onde irá buscar receita para pagar as contas reminiscentes do Estado.

    Ponto Cinco

    Este ponto discorre sobre um dos calcanhares de Aquiles dos sucessivos governos portugueses: a justiça que é, no mínimo, morosa e, muitas vezes, impopular.

    Ainda assim, apesar de fáceis concórdias, quer no que toca às molduras penais quer no poder dissuasor que penas altas possam ter, convém informar que o princípio de inocência deve ser soberano – e que um suspeito não é nem um acusado nem um arguido e muito menos um culpado. Junta-se ainda a ideia do princípio reabilitador que a prisão e a justiça possuem. Será um debate a ter as possíveis exceções que possam ocorrer.

    Ponto Seis

    Se Aquiles tivesse outro calcanhar frágil, a Saúde (ou falta dela) estaria nomeada para ocupar esse lugar. A par da Justiça, a percepção que existe sobre a Saúde em Portugal é que não funciona e o privado é melhor. Pelo menos até vir a conta no fim.

    Por essa percepção é também fácil concordar com a melhoria do sistema de saúde, critérios de transparência, observância rigorosa e tudo que soa bem a quem quer uma melhoria substancial do sistema. A questão aqui não é o mau funcionamento da saúde, é de que ela funciona mal, porque o governo é de esquerda. E aí, entra-se outra vez na propaganda, no apelo emotivo.

    Ponto Sete

    Neste ponto, o Chega enumera várias alíneas, depois de colar o insucesso de qualidade de ensino ao multiculturalismo e ideologia de género, classificando estes de fundamentalismo progressista. Diz ainda que o ensino controlado pela esquerda é inimigo do conhecimento, respeito e boa educação.

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    Quanto à contradição entre o respeito e a ideologia do género ou multiculturalismo, ficará para uma reflexão maior. Importa aqui mencionar que o atentado à liberdade é a redução da escolha e a uniformização normativa do que devemos ou não ser.

    Em primeiro lugar, não existe relação nenhuma entre a falta de qualidade do ensino em Portugal e um qualquer fundamentalismo de esquerda. É, alias, de salientar que o abandono escolar tem vindo a descer, e que os quadros profissionais são de alta qualidade, e são solicitados um pouco por toda a parte.

    Quanto às alíneas, é inegável o trabalho árduo de um formador e a discrepância entre os esforços, que muitas vezes implicam deslocações longas para escolas distantes das suas áreas de residência – quanto a isso, pouco haverá a dizer e muito a melhorar.

    Na alínea seguinte, desde logo seria preciso divulgar os números da suposta violência nas escolas para que esta ideia dos fenómenos crescentes tivesse algum valor. A indisciplina combate-se com diálogo e estudo sobre as causas. A transição, essa sim, deve subentender o mérito e demonstração de conhecimentos adquiridos. Também não existe ligação entre o exame nacional e a sua deslegitimação por Governos de esquerda.

    Ponto Oito

    Ao contrário do que o Chega pretende veicular, Portugal não tem um problema com o fluxo migratório de estrangeiros a entrar. Terá mais depressa com os emigrantes a sair. Existe, de facto, exploração de mão-de-obra barata, que ainda recentemente esteve na ribalta da imprensa. Daí à generalização vai toda uma demagogia que este partido tanto usa. Não há custos identitários, nem nefastas ambições globalistas. Há apenas uma ênfase ao jeito de uma narrativa que pega em possíveis casos pontuais para construir um generalismo.

    Outro aspeto deste oitavo ponto é a ineficácia da imigração regulada assente nas qualificações. Veja-se o paradigma britânico que tem nesta altura um enorme défice de mão-de-obra, e para reter o seu próprio talento tem de aumentar brutalmente os ordenados praticados nos cargos mais qualificados.

    Ponto Nove

    O Chega afirma que irá praticar uma cultura de respeito pelas forças de autoridade. Diz também que existe uma contracultura de mentes esquerdistas que viciam e instigam a sentimentos que causam desordem, violência e guetização social.

    Portugal é um dos países mais seguros do Mundo. É um país onde a maioria dos crimes são passionais, com especial incidência na violência doméstica. Não existe, portanto, nenhuma estatística que apoie este ponto do conteúdo programático. É, mais uma vez, vazio e propagandístico.

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    Ponto Dez

    O combate ao desequilíbrio entre o mundo rural e urbano deve ser travado, e quanto a isso nada haverá a dizer. Os incentivos à aquisição de produtos nacionais é também uma iniciativa louvável, tal como o desenvolvimento das energias alternativas onde Portugal já é pioneiro, e com Governos de esquerda. Fica aqui a ideia de que as iniciativas só são “boas” se forem da direita, o que é no mínimo, falso.

    Ainda um breve comentário às atividades tradicionais relevantes. Em primeiro lugar, não são relevantes por serem tradicionais. A tradição não pode ser a razão para se manter seja o que for. As atividades sofrem, e sofrerão sempre, os efeitos da passagem do tempo e das vontades.

    Existe atualmente um espectro na sociedade que afirma ser contra a tauromaquia. E isso é a democracia em funcionamento, a possibilidade de haver grupos que opinam de acordo com os seus princípios. Não existem a proibição destas atividades e, portanto, não há imposição proibicionista nenhuma. Existem vozes que se fazem ouvir e se algum dia houve uma maioria a favor de mudança, ela irá aparecer. Só pode aparecer se puder ter voz. Isto é valido para atividades tradicionais, progressivas e tudo o mais.

    Ponto Onze

    Este ponto é um incentivo ao voto jovem e ao pensionista, prometendo melhorias ao sistema contributivo, fim dos cortes às pensões e a liberdade de escolha entre o sistema público e o privado. Menciona, mais uma vez, o peso do Estado na Economia, e faz um apelo ao liberalismo através do “dinamismo económico.” Só não diz como o vai fazer nem quanto muda a vida dos visados. Alude também aos PPRs, que já existem. Há aqui um claro populismo de voz alta, sem nada que o sustente.

    Ponto Doze

    A galvanização e apelo à credibilidade das Forças Armadas é o mote deste ponto. Não se encontra verdadeiramente nenhuma crítica ao regime em vigor, nem menciona a atual perceção e prestígio que as Forças Armadas já possuem, nomeadamente no ramo dos Grupos de Operações Especiais (GOE), ramo que é reconhecido internacionalmente desde há muito.

    Conclui-se mais uma vez a veia populista deste conteúdo programático na tentativa de ir buscar eleitores que se identifiquem com este tipo de galvanização.

    Ponto Treze

    Neste último ponto, o Chega demonstra, de uma forma aberta, o seu conservadorismo amarrado (mais uma e outra vez) a uma narrativa de ataque à esquerda, através de um léxico vazio. A herança intelectual secular da cultura portuguesa, afinidade ao património português, não tem significado objetivo que justifique um retorno a uma educação tradicional.

    Alias seria de incluir, em nome da verdade dos acontecimentos históricos, o papel de Portugal na criação de uma rede de escravos e até as desastrosas políticas do colonialismo.

    Porém, o verdadeiro engodo deste ponto é o “uniculturalismo” que o Chega quer implementar, e que efetivamente terá, como consequência, a ignorância, a informação inquinada e a obsolescência conceptual, num mundo que, entretanto, avança na direção oposta.

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    Conclusão

    Facilmente se conclui o que este conteúdo programático demonstra e tenta ocultar.

    Por um lado, o programa do Chega pretende um retorno a valores sem substância, que se apoia num romantismo patriótico que quer ir muito além do orgulho de ser português. Pretende, através desse romantismo, ignorar os efeitos nefastos da rigidez de identidade, como foram os papeis atribuídos aos membros de uma qualquer unidade familiar no passado.

    Oculta também a possibilidade da autoafirmação de indivíduos ou grupos que não se identifiquem nessa rigidez, como sejam os segregados – como os homossexuais, no passado, e os não-binários, no presente –, cujas identificações pós-modernistas, e fragmentadas, não constituem nenhuma ameaça, apenas a possibilidade de serem quem desejam ser, sem interferência de um Estado conservador, que lhes informe sobre quem devem ser.

    O Chega utiliza ainda os chamados temas fraturantes, como sejam o “majorar” de minorias étnicas ou estrangeiras, com o objetivo de fim de criar um pânico moral que se baseia em nada mais do que o medo da diferença ou perda de costumes.

    Alude às forças militares como se estas não tivessem já o reconhecimento que lhes é devido. E guarda para último o resquício das narrativas do Estado Novo, como sejam a galvanização do Portugal de outrora, o respeito pela autoridade dos pais, formadores e autoridades, num país onde maioritariamente ele já existe.

    Não sendo um conteúdo abertamente fascista, o programa do Chega é populista, na medida em que as forças por detrás de vários dos pontos apelam à irracionalidade e aceitação de valores e princípios unilaterais.

    Na vertente económica é claramente liberal, e apoia a iniciativa privada, mas de uma forma utópica, já que não apresenta nenhuma forma de implementação de medidas. Apela assim o voto ao eleitor desinteressado e insatisfeito, aquele que não se revê no diálogo político e não procura informar-se no quê ou em quem está a votar.

    Em última nota, não deixa de se notar alguma ironia na assunção ética que o partido faz de si mesmo.

    Licenciado em Jornalismo (London Metropolitan University)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Da podre regulação da imprensa e dos vergonhosos ‘truques’ dos membros da Entidade Reguladora para a Comunicação Social

    Da podre regulação da imprensa e dos vergonhosos ‘truques’ dos membros da Entidade Reguladora para a Comunicação Social


    Em 5 de Janeiro passado, enviei à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) uma queixa formal contra o jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino, contra mais seis jornalistas da CNN e contra os respectivos directores deste canal televisivo, por violação da Lei da Imprensa. Além disso, pedia que fosse determinada a obrigação de publicação de um direito de resposta pela CNN Portugal, que me fora negado. A queixa pode ser consultada AQUI e o direito de resposta negado AQUI.

    Em causa, como já revelei, estava um “artigo” completamente difamatório e ao arrepio de todas as regras éticas e deontológicas da autoria do primeiro visado, o dito jornalista-estagiário, publicado no site da CNN Portugal em 23 de Dezembro do ano passado, e que difundia uma notícia do PÁGINA UM (também divulgada na sua página do Facebook) com dados anonimizados relativos a internamentos de crianças com covid-19.

    Notícia do PÁGINA UM alvo do ataque da imprensa mainstream.

    Nem eu nem o PÁGINA UM éramos identificados directamente na peça da CNN Portugal intitulada “Covid-19: dados confidenciais de crianças internadas em UCI partilhados em página negacionista”, mas era por demais evidente que o jornalista-estagiário, os outros jornalistas que foram difundindo esta difamação ao longo daquele dia e os directores da CNN Portugal, sabiam a quem se estavam a referir.

    E também o que estavam a fazer. Até porque, em abono da verdade, o “artigo” era bem apoiado por médicos bem instruídos pela Ordem dos Médicos, tendo tido até a participação posterior, bem activa, do seu bastonário, incomodado pelas investigações do PÁGINA UM.

    Com efeito, para a preparação do seu “artigo”, o jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino não apenas me enviara um pedido de comentário para o meu e-mail do PÁGINA UM – sabendo assim, de antemão, que era um órgão de comunicação social e que eu era jornalista – como no seu “artigo” dava pistas inequívocas sobre a minha identidade. O e-mail do jornalista-estagiário da CNN Portugal pode ser lido AQUI. A minha resposta AQUI.

    Tendo em conta que outros órgãos de comunicação social fizeram eco do “artigo” da CNN Portugal – sem sequer confirmar a sua veracidade –, e também recusaram publicar o meu direito de resposta, apresentei queixa à ERC contra o Público, a Lusa e o Expresso (em conjunto) e o Observador. A queixa contra o Público pode ser lida AQUI. As queixas relativas aos outros órgãos de comunicação social são muito similares, até porque todas se basearam e citaram a notícia inicial da CNN Portugal.

    Porém, todas aquelas queixas deram entrada cronologicamente após a queixa que apresentei à ERC contra a CNN Portugal.

    Notícia original da CNN Portugal com referências falsas e difamatórias ao PÁGINA UM, mesmo após contacto do seu autor. Público, Lusa, Expresso e Observador usam a informação da CNN Portugal sem confirmar a veracidade.

    Não poderia nem deveria, portanto, a análise da ERC ao comportamento da CNN Portugal ser realizada posteriormente à das outras queixas, tanto mais que a confirmar-se, como se mostra evidente, graves violações éticas, deontológicas e mesmo legais por parte do jornalista-estagiário, restantes jornalistas e directores da CNN Portugal, de imediato estaria em causa o comportamento dos restantes órgãos de comunicação social.

    Na verdade, condenar a CNN Portugal – que será fácil, se se quiser aplicar os princípios basilares da Justiça, pelas profusas provas documentais e evidências – seria condenar automaticamente o Público, a Lusa, o Expresso e o Observador por terem difundido uma notícia falsa e difamatória (feita pela CNN Portugal), a qual eles nem sequer se deram ao trabalho de confirmar a veracidade. Procedimento este – o não confirmar a veracidade da informação que se veicula – que é já usual na imprensa mainstream.

    Ora, mas a ERC – uma entidade que aparenta regular mais os amiguismos e companheirismos no pequenino e mesquinho mundo da imprensa de um país sem coluna vertebral e independência – não poderia jamais permitir-se a revelar que o “rei anda nu”, e há muito.

    O que fez, então?

    Um reles truque!

    “Engavetou” a primícia queixa contra a CNN Portugal – ou seja, adiou a sua análise sine die –, e põe-se a tratar primeiro da denegação do direito de resposta do Público.

    Comentários na notícia do Público que a ERC diz que “não pode razoavelmente interpretar-se” como associada ao jornalista Pedro Almeida Vieira e ao PÁGINA UM.

    E fez a “coisa” por um prisma tão redutor, tipo antolhos de equídeos, que chegou asnamente à conclusão que “não pode razoavelmente interpretar-se o teor da notícia divulgada pelo Público, bem como a hiperligação nela embebida que remete para a notícia da CNN Portugal, no sentido de ser associada inequívoca e patentemente ao Recorrente [eu] ou ao jornal que dirige [PÁGINA UM], não sendo a expressão ‘página de negacionistas anti-vacinas no Facebook’ subsumível ao conceito de referência indireta suscetível de afetar a reputação e boa-fama de Pedro Almeida Vieira.”

    Portanto, decidiu a ERC pelo arquivamento da queixa, e o Público ficou desobrigado, por agora, de publicar o direito de resposta. A Deliberação da ERC pode ser lida AQUI.

    A referência à pala dos cavalos tem mesmo, neste caso em concreto, um sentido simultaneamente metafórico e literal: de facto, os membros da ERC que assinam uma “coisa” chamada Deliberação só olharam de frente para a notícia online do Público.

    Não desviaram sequer o olhar do seu objectivo pré-concebido – ilibar – para ler os comentários de leitores que facilmente concluíram que a notícia do Público se referia a mim e ao PÁGINA UM. Alguns comentários podem ser lidos AQUI.

    Os doutos membros da ERC nem se dignaram em indagar qual poderia ser então a tal “página”, referidas nos “artigos” da CNN e Público (e outros), que divulgara os dados anonimizados (cumprindo, aliás, a legislação de protecção de dados), se esta não fosse afinal, como era, proveniente do PÁGINA UM, um órgão de comunicação social por ela regulada.

    Aliás, compreende-se bem que a ERC não tivesse escolhido, para o “truque” resultar, a queixa contra o Observador: aí, houve dezenas de leitores que me identificaram e identificaram o PÁGINA UM explicitamente.

    Por uma razão simples: os dados anonimizados das crianças internadas (dados reais, jamais desmentidos) tinham sido unica e exclusivamente divulgados pelo PÁGINA UM. Em jornalismo, o PÁGINA UM fizera aquilo que se chama uma cacha. Era um artigo jornalístico, escrito por um jornalista acreditado. Não havia, como nunca houve, uma publicação de uma “página negacionista”, feita de forma clandestina com conteúdos falsos.

    Aquilo que houve (com o “artigo” da CNN Portugal e seus sucedâneos) foi uma tentativa de “assassinato” de carácter a um jornalista (eu) e a um projecto jornalístico recente independente e incómodo, e que, aliás, já desvelara alguns dos podres da imprensa mainstream, da gestão da pandemia e das ligações promíscuas entre alguns médicos (e a Ordem dos Médicos) e as farmacêuticas. Aliás, basta ler esta secção da Imprensa no PÁGINA UM para compreender os engulhos que este projecto tem causado em certo jornalismo em tão pouco tempo de existência.

    Para a ERC tudo isto não interessa. Precisava de ilibar desde já o Público. E para quê começar pelo Público?

    Porque o “truque” da ERC é simples e eficaz, se não fosse, desde já, denunciado: ilibando o Público, torna-se óbvio que a ERC quer ilibar sobretudo a CNN Portugal com o argumento que tendo, sobre esta matéria, sido o Público já ilibado, então nem sequer merece análise o contacto que o jornalista-estagiário da CNN me fez nem as referências (mais que) implícitas a mim e ao PÁGINA UM no dito “artigo”.

    Portanto, com uma mão se lava assim a outra; mesmo que, no caso em apreço, seja mais a falta de vergonha de toda esta gente que apenas conspurca tudo à volta.

    Tendo sido eu notificado desta coisa chamada Deliberação da ERC sobre a queixa do Público no passado dia 3 de Março – apesar da decisão ter sido tomada em 9 de Fevereiro, ignorando eu as razões desta demora –, apresentei impugnação, ao abrigo do Código do Procedimento Administrativo (CPA) no passado dia 6 de Março. A impugnação pode ser lida AQUI, até por ser relevante sobre as minhas críticas à falta de regulação do jornalismo na cobertura da pandemia.

    Já no dia 3 também solicitara de imediato pedidos de audiência prévia, também prevista no CPA, para conhecer antecipadamente os projectos de Deliberação dos outros processos (incluindo o da CNN Portugal), de modo a poder adicionar outros elementos ou contestar antes de uma decisão. Esse pedido pode ser lido AQUI.

    Ora, mas que fizeram os senhores da ERC, entretanto?

    Correram lestos a publicar no respectivo site da ERC a sua Deliberação que, sem vergonha, ilibava o Público.

    Poderiam fazer isso?

    ERC divulgou Deliberação na terça-feira passada mesmo sabendo que já fora apresentada impugnação.

    Poder, podem, tanto assim que fizeram. Deveriam? Não. Só o fizeram porque faltam a ética e a moralidade ali pela sua sede na Avenida 24 de Julho. A ERC tinha conhecimento que o processo não estava concluído perante a minha impugnação; devia, pelo menos, mostrar recato, mas quis mostrar servilidade à imprensa mainstream.

    Apercebendo-me desta patifaria – não encontro melhor eufemismo –, enderecei anteontem, dia 8, ao presidente da ERC, o juiz Sebastião Póvoas (e depois surpreendemo-nos de a Justiça andar pelas ruas da amargura), o seguinte e-mail: “Tomei conhecimento que a ERC disponibilizou no seu site a Deliberação ERC/2022/52, decorrente de um processo que, como V. Exa. bem sabe, não está concluído por ter merecido da minha parte a competente impugnação. Nesse sentido, agradecia que V. Exa. desse indicação para a retirada da dita Deliberação do V. site até que seja analisada a dita reclamação, sem o que me verei obrigado (para minha defesa) a divulgar no site do PÁGINA UM não apenas a queixa inicial como a V. Deliberação por mim impugnada e a minha impugnação propriamente dita.”

    Que fez o Meritíssimo?

    Não retirou a Deliberação – cair-lhe-iam os paramentos se tal fizesse – e optou apenas por acrescentar a seguinte nota no site: “Esta deliberação foi objeto de reclamação, tendo sido pedida a sua invalidade (anulação), requerimento que vai ser apreciado pelo Conselho Regulador.”

    Acrescento feito no site da ERC após o pedido de retirada da Deliberação impugnada pelo PÁGINA UM, enquanto a reclamação não fosse decidida

    Entretanto, ainda não reagiu a ERC aos pedidos de audiência prévia sobre os outros processos, e sobretudo nem sequer se deu ao trabalho de justificar as razões da primícia queixa contra os jornalistas da CNN Portugal ter ficado a “marinar”.

    Quanto a mim, e ao PÁGINA UM, apenas estamos, com este texto, e a divulgação dos documentos, a cumprir a promessa feita ao presidente da ERC.

    E fazemos outra aos nossos leitores: enquanto Portugal ainda tiver uns laivos de democracia e de vergonha na cara, continuaremos a denunciar as pestilências desta fermosa estrebaria, como disse o Cavaleiro de Oliveira no século XVIII, e também diria no presente. Fermosa e cada vez mais malcheirosa, acrescento eu.

    Podem contar com o PÁGINA UM para defender um jornalismo isento e independente, mesmo perante certos Senhores que, parecendo regular a comunicação social com faca e queijo na mão, não hesitarão em continuar a dar o queijo à imprensa mainstream, enquanto se ajeitam para espetar, à primeira oportunidade, as costas (ou talvez mesmo o peito) de quem denuncia a podridão no jornalismo nacional.

  • VOZ P1, para dar voz aos leitores

    VOZ P1, para dar voz aos leitores


    O PÁGINA UM pretende, com o VOZ P1, ser mais do que um jornal de investigação. De igual modo, deseja ser uma plataforma cívica de participação, bem como de denúncia.

    Não um local de participação inócua, nem de denúncia fútil, mas antes um jornal que promove o activismo dos cidadãos como forma de contribuir para uma sociedade mais justa e equitativa e para uma democracia amadurecida, transparente e ao serviço dos cidadãos.

    Nessa linha, o VOZ P1 pretende constituir um espaço de apresentação, de reflexão e de denúncia de qualquer pessoa ou entidade, dentro de um espírito democrático.

    Nessa medida, o PÁGINA UM aceitará, dentro de critérios de equilíbrio, e seguindo escrupulosamente o seu Estatuto Editorial, e atendendo ao Código de Princípios e à Declaração de Transparência, todos os textos e artigos de opinião de quaisquer pessoas ou entidades.

    Esses textos devem ser exclusivamente enviados através deste FORMULÁRIO.

    Se houver denúncias (não anónimas) sobre determinados processos, o PÁGINA UM poderá, com a concordância da autora do texto (pessoa ou entidade), contactar a entidade pública e/ou privada em causa para eventual obtenção de uma reacção, cuja resposta, se houver, será integralmente acrescentada no fim do texto original.

    Em todo o caso, o PÁGINA UM reserva o direito de não publicar os textos na secção VOZ P1 nas seguintes circunstâncias:

    a) Se a qualidade do texto, do ponto de vista gramatical e/ou ortográfico, for manifestamente deficiente, convidando-se o autor a reformular. Em situações excepcionais, poderá ser feita uma edição, que será publicada após a concordância do autor;

    b) Se o conteúdo utilizar termos difamatórios ou linguagem desrespeitosa, obscena ou grosseira;

    c) Se o conteúdo defender princípios inconstitucionais ou lesivos dos direitos humanos;

    d) Se, de forma clara, contiver pressupostos ou assuntos já abordados recentemente pelo mesmo autor ou por outros autores;

    e) Se não for incluído, no caso de denúncias, provas documentais suficientemente fortes (documentos, fotos, vídeos, etc.) que, numa análise credível, aparentem ser inquestionáveis relativamente à sua veracidade.

    O PÁGINA UM pode exigir, para a publicação do texto no VOZ P1, que lhe seja enviado um comprovativo de identidade, pelo que se solicita que, aquando do primeiro envio, seja indicado obrigatoriamente um endereço electrónico, sem o qual o texto nem sequer será analisado.

    A rapidez na publicação dos textos será em função do cumprimento daquilo que se refere nas alíneas acima expostas.

    O FORMULÁRIO a preencher será similar ao usado para denúncias anónimas (neste caso, obviamente, sem identificação), de modo a garantir que apenas o director do PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira, tenha acesso.

    Em circunstâncias especiais, o texto enviado pode ser publicado na secção OPINIÃO, sendo tal aceite implicitamente pelo seu autor.

    Quaisquer dúvidas, por favor, coloque-as através do formulário.

    Contamos com a sua participação para a melhoria constante da democracia.

  • O último capítulo?

    O último capítulo?


    Apesar dos bombardeamentos que continuam no sul da Ucrânia (não percebo bem se as 12 horas de cessar-fogo eram parte de uma metáfora), hoje é o primeiro dos 13 dias com alguma esperança. Julgo eu.
    Zelensky admite deixar cair a adesão à NATO, que nunca esteve verdadeiramente na mesa, pelo menos para a própria NATO, e discutir um acordo para as regiões anexadas pela Rússia.

    Fico com a sensação que o tempo não favorece ninguém. Putin nunca mais chega a Kiev e Zelensky não sabe quanto tempo mais resiste a capital. Imagino que tentem os dois uma saída que lhes permita sair do conflito mantendo o poder nos respectivos países.

    gray plane turbine

    Os vizinhos europeus parecem um pouco à nora e sem grande coordenação na reacção à situação. Os polacos tiveram aquela ideia peregrina de dar os MIGs à Ucrânia, mas os Estados Unidos meteram um travão na coisa. Os holandeses dizem que, sendo uma verdade inconveniente, não podem simplesmente deixar de receber gás e petróleo russos, porque não há alternativa. Finlândia fala em aderir à NATO, Suécia fica quieta e não quer contribuir para mais atritos, a Moldávia não tem condições para receber refugiados, e já vê os rapazes de Tiraspol, na Transnístria, a pedirem a Putin que os reconheça também.

    A crise dos refugiados é a única parte deste conflito não sujeito a opinião, enquadramento ou discussão. Pessoas que ficam sem tecto e passam a depender da caridade alheia. Ponto final. É este o drama real.
    Salvini foi humilhado por um presidente de câmara, na fronteira polaca, quando tentou visitar refugiados, e isso é bom. Mostra que alguns detentores de cargos públicos têm memória e espinha. Ventura tomou notas e pensou que continuar calado ainda era, mesmo assim, a melhor opção.

    Antony Blinken, secretário de Estado norte-americano anda a fazer um rolé pelos países da NATO que fazem fronteira com a Rússia, e, a cada dia, faz uma conferência de imprensa onde anuncia mais batalhões e armas para as bases europeias.

    É o senhor que anda com o barril de gasolina no meio do incêndio.

    Sindicatos portugueses apareceram e deram voz a preocupações de exploração de trabalhadores ucranianos, embrulhadas em papel de solidariedade. Fiquei contente.

    A hipótese de acordo deixou o pessoal das certezas absolutas, especialistas em cenas e com informações no terreno, perdidos em manobras de contorcionismo. Mais importante do que contar o número de mortos é ter a certeza de que o Alfa português não se enganou no Jornal das 8.

    Quem dizia que Putin ia anexar a Ucrânia em cinco dias, agora é um estudioso da resistência. Quem dizia que Putin estava a fazer bluff, é agora um especialista da CIA que afirma “se a inteligência americana avisava, é porque ia acontecer”.

    Quem defendia que a NATO tinha que integrar a Ucrânia, ficou assim um pouco sem chão quando o Zelensky disse que “daqui a 15 anos logo vemos”.

    blue and brown hand painting

    Quem defendia que uma coisa são separatistas albaneses e outra são separatistas russos, vê agora com bons olhos uma “relativa autonomia” para o Donbass.

    Entretanto, consoante o que sair das conversações amanhã, teremos mais 2.727.4648 posts, debates e intervenções iniciados com um “tal como eu disse/avisei”. Nunca percebi como é que num país com tantas certezas absolutas nunca deixámos de ser pobres. Ah… espera, é por causa do PCP.

    Aproximam-se duas discussões interessantes que não podemos ter.

    A primeira relativa aos refugiados e à forma como os tratamos, consoante a sua origem. É realmente uma “discussão de caca” que, segundo especialistas me explicam, não deve ser feita neste momento. Por um lado, estão dois milhões de ucranianos em fuga, e há um problema para resolver agora.

    Percebo, não é tempo de discutir, mas de agir.

    black wooden table near window panel

    Ao mesmo tempo, no mesmo dia, mas um pouco mais longe, vive um povo há 74 anos nessa situação.

    Como estarão eles a olhar para tudo isto?

    Mais: o que pensarão, ao ver a Europa solidária contra o invasor russo, e a aceitar como mediador do conflito o Governo que os acorrenta em Gaza e na Cisjordânia?

    Bom, mas relativizemos, imagino que para quem já esperou 70 anos, mais semana menos semana, também “não será por aí que o gato vai às filhoses”. Eles aguentam mais 10 ou 15 dias, o Putin volta para casa, e a Europa logo se dedica em força à causa palestiniana.

    A outra discussão é o chamado totobola de segunda-feira. Eu, que sempre pensei que a Rússia fosse fazer aqui uma Geórgia 2.0, anexar os territórios do Donbass e dar uns sinais à NATO, fico agora confuso com uma saída antes de tomarem Kiev.

    Espero obviamente que isso aconteça, e que o conflito termine o quanto antes. Mas, nesse caso, o que leva Putin daqui? O que já tinha ao fim de dois ou três dias no terreno? E pior do que isso, o que virá a seguir? Narva na Estónia? Klaipeda via Kalinegrado na Lituânia? A Moldávia? Será isto o embrião da Guerra Fria, parte II, ou há um Rambo qualquer que meta uma bala na cabeça deste gajo?

    Dúvidas que me assaltam numa Europa que raramente se consegue organizar e falar a uma só voz.

    Mas há que dizer, em abono da verdade, que ainda não vi o vídeo da TVI onde o Paulo Portas explica o conflito. Mais três ginjas, e consigo.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • As máscaras no labirinto legislativo da pandemia

    As máscaras no labirinto legislativo da pandemia


    Têm surgido dúvidas sobre se a legislação que impõe o uso de máscaras ainda se mantém em vigor, uma vez que a Lei nº 88/2021, relativa ao regime transitório de obrigatoriedade do uso de máscara em espaços públicos, caducou em 1 de Março último, como previsto naquele diploma.

    Convém referir que, desde o início da pandemia, o uso da máscara foi determinado, em função de determinadas circunstâncias e locais, pelo artigo 13.º-B do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de Março de 2020, que, cuja versão atual, é a seguinte:

    woman in black scoop neck shirt wearing white face mask

    Artigo 13.º-B
    Uso de máscaras e viseiras
    1 – É obrigatório o uso de máscaras ou viseiras para o acesso ou permanência nos seguintes locais:
    a) Espaços, equipamentos e estabelecimentos comerciais e de prestação de serviços, independentemente da respetiva área;
    b) Edifícios públicos ou de uso público onde se prestem serviços ou ocorram atos que envolvam público;
    c) Estabelecimentos de educação, de ensino e das creches, salvo nos espaços de recreio ao ar livre;
    d) Salas de espetáculos, de exibição de filmes cinematográficos, salas de congressos, recintos de eventos de natureza corporativa, recintos improvisados para eventos, designadamente culturais, ou similares;
    e) Recintos para eventos de qualquer natureza e celebrações desportivas, designadamente em estádios;
    f) Estabelecimentos e serviços de saúde;

    g) Estruturas residenciais ou de acolhimento ou serviços de apoio domiciliário para populações vulneráveis, pessoas idosas ou pessoas com deficiência, bem como unidades de cuidados continuados integrados da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integrados e outras estruturas e respostas residenciais dedicadas a crianças e jovens;
    h) Locais em que tal seja determinado em normas da Direção-Geral da Saúde.
    2 – (Revogado.)
    3 – A obrigatoriedade referida no n.º 1 é dispensada quando, em função da natureza das atividades, o seu uso seja impraticável, devendo tal dispensa limitar-se ao estritamente necessário, ou quando tal seja determinado pela DGS.
    4 – É obrigatório o uso de máscaras ou viseiras na utilização de transportes coletivos de passageiros, incluindo o transporte aéreo, bem como no transporte de passageiros em táxi ou TVDE.
    5 – Sem prejuízo da aplicabilidade do disposto na alínea a) do n.º 1 quanto aos edifícios em que se localizem as portas de entrada ou os cais de embarque, acesso ou saída, para efeitos do disposto no número anterior a utilização de transportes coletivos de passageiros inicia-se nos termos do n.º 2 do artigo 2.º da Lei n.º 28/2006, de 4 de julho, na sua redação atual, sendo este preceito aplicável ao transporte aéreo, com as necessárias adaptações.

    6 – A obrigação de uso de máscara ou viseira nos termos do presente artigo apenas é aplicável às pessoas com idade superior a 10 anos, exceto nos estabelecimentos de educação e ensino, em que a obrigação do uso de máscara por alunos apenas se aplica a partir do 2.º ciclo do ensino básico, independentemente da idade.
    7 – A obrigatoriedade referida nos nº 1, 2 e 4 é dispensada mediante a apresentação de:
    a) Atestado Médico de Incapacidade Multiusos ou declaração médica, no caso de se tratar de pessoas com deficiência cognitiva, do desenvolvimento e perturbações psíquicas;
    b) Declaração médica que ateste que a condição clínica da pessoa não se coaduna com o uso de máscaras ou viseiras.
    8 – Incumbe às pessoas ou entidades, públicas ou privadas, que sejam responsáveis pelos respetivos espaços ou estabelecimentos, serviços e edifícios públicos ou meios de transporte, a promoção do cumprimento do disposto no presente artigo.
    9 – (Revogado).
    10 – Sem prejuízo do número seguinte, em caso de incumprimento, as pessoas ou entidades referidas no n.º 8 devem informar os utilizadores não portadores de máscara que não podem aceder, permanecer ou utilizar os espaços, estabelecimentos ou transportes coletivos de passageiros e informar as autoridades e forças de segurança desse facto caso os utilizadores insistam em não cumprir aquela obrigatoriedade.
    11 – Nos locais de trabalho, o empregador pode implementar as medidas técnicas e organizacionais que garantam a proteção dos trabalhadores, designadamente a utilização de equipamento de proteção individual adequado, como máscaras ou viseiras, sem prejuízo do disposto no Decreto-Lei n.º 84/97, de 16 de abril, na sua redação atual.

    green and white striped textile

    Esta versão resulta da última alteração a este artigo efectuada pelo artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 104/2021, em vigor a partir de 28 de Novembro do ano passado, e que produziu efeitos a partir de 1 de Dezembro.

    Posteriormente, em 15 de Dezembro último, foi publicada a Lei n.º 88/2021, relativa ao regime transitório da obrigatoriedade do uso de máscara em espaços público. Esta lei surgiu na sequência de um diploma antecessor (Lei n.º 62-A/2020, de 27 de Outubro), relativa à imposição transitória da obrigatoriedade do uso de máscara em espaços públicos, cuja vigência inicial foi sendo progressivamente prorrogada, até ter cessado no Outono de 2021.

    Esta lei de 15 de Dezembro do ano passado surgiu no contexto da dissolução da Assembleia da República, e foi uma reprodução quase ipsis verbis da lei de 2020, mas com uma diferença fundamental: enquanto a lei antecessora levou a cabo uma “imposição transitória” da obrigação de uso de máscara em espaços públicos, a lei sucessora criou um “regime transitório”, estabelecendo as condições de determinação dessa obrigatoriedade por parte do Governo.

    Assim, por via da primeira lei foi determinada a obrigatoriedade de uso de máscara, a partir do dia 28 de Outubro de 2020, por pessoas com idade a partir dos 10 anos para o acesso, circulação ou permanência nos espaços e vias públicas sempre que o distanciamento físico recomendado pelas autoridades de saúde se mostrasse impraticável e nas demais condições previstas (cfr. artigo 3.º da Lei 62-A/2020). Ou seja, os portugueses foram sujeitos ao uso de máscara em espaços e vias públicas, vulgo na rua, ao ar livre.

    assorted clothes hanging on clothes line

    Já por via da segunda lei, concedeu-se uma permissão ao Governo, por via de Resolução de Conselho de Ministros, para declarar uma situação de alerta, contingência ou calamidade.

    Nessas circunstâncias, o Governo poderia determinar a obrigatoriedade de uso de máscara por pessoas com idade a partir dos 10 anos para o acesso, circulação ou permanência nos espaços e vias públicas sempre que o distanciamento físico recomendado pelas autoridades de saúde se mostrasse impraticável, e nas demais condições previstas, designadamente se a medida se afigurasse necessária, adequada e proporcional à prevenção, contenção ou mitigação de infeção epidemiológica por COVID-19 (cfr. n.º 1 do artigo 3.º da Lei 88/2021).

    Essa necessidade seria aferida a partir dos dados relativos à evolução da pandemia, com base no aumento do número de infeções e no índice de transmissibilidade da doença (cfr. n.º 3 do artigo 3.º da Lei 88/2021).

    Esta possibilidade, na verdade, não veio a ser concretizada, e esta lei caducou em 1 de Março de 2022.
    Ora, significa então que uma nova imposição de máscara, para além dos espaços e situações previstas no artigo 13.º-B acima citado, nomeadamente na rua, não poderá ser efectuada por meio de Resolução de Conselho de Ministros, um tipo de acto normativo que tem sido usado amiúde pelo Governo durante a pandemia, como fez recentemente a 17 de Fevereiro com a RCM n.º 25-A/2022.

    Contudo, naturalmente que a caducidade desta lei em nada prejudica as normas em vigor por via do referido artigo 13.º-B do Decreto-Lei n.º 10-A/2020.

    Nota-se que esta análise é puramente relativa à aplicação das leis, não se tecendo considerações sobre as ilegalidades e inconstitucionalidades, formais e materiais, dos diplomas e normas em apreço.

    Em suma, o tema das máscaras continua a reger-se atualmente pelo supracitado artigo 13.º-B do Decreto-Lei nº 10-A/2020, com vigência sine die, ou seja, pode durar indefinidamente no tempo, pois contrariamente a algumas outras normas, desde logo às relativas a máscara na rua, não tem previsto um prazo de caducidade.

    Ana Lopes Galvão é advogada


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Fácil para uma criança, improvável para Ana Gomes

    Fácil para uma criança, improvável para Ana Gomes


    O meu filho faz-me perguntas há 11 anos. Todos os dias. Sobre tudo e mais alguma coisa. Até sobre argumentos de filmes e a forma como foram escritos. Pausa a transmissão do dito, e diz: “achas que ele aqui devia ter fugido à polícia pela ponte? Se fosses tu como é que fazias? E não digas não sei; se quiseres inventa”.

    Normalmente, respondo: “bom, se isso não fosse um filme com um argumento já escrito e imutável, e, se por acaso, reflectisse algum momento da minha vida, nesse caso eu tentaria fugir à polícia usando uma zona onde me pudesse misturar na multidão, nunca uma ponte porque estaria exposto”.

    Pensando eu que isto arrumava o tema, ele acrescenta, “ok, mas se eles tivessem um sniper, estarias a meter a população em perigo”. E seguindo por aí até todas as combinações possíveis de hipotéticas questões.

    boy touching page of book

    É assim desde o dia em que ele começou a articular palavras suficientes para formar uma interrogativa.
    A Ucrânia é tema cá em casa, e a posição da Suécia, também. Os miúdos falam na escola, os professores explicam o conflito. O tik-tok está cheio de propaganda. Falsa, menos falsa, verdadeira. Há de tudo. Vão-se formando opiniões em cabeças mais jovens com a inocência que uma vida na bolha oferece.

    Diz-me em tom de desafio que a Suécia devia entrar para a NATO e que a Rússia nunca teria coragem de nos atacar. Segundo ele, a NATO só não deixa um país entrar se já estiver em guerra, portanto, se fizermos o acordo muito depressa, o Putin nem a vê passar. É uma espécie de diplomacia expresso. Para ele não há forma de evitar a terceira guerra mundial, e temos que lutar. Os amigos acham o mesmo.

    Na redondeza de classe média-alta, quase sem emigrantes, e onde nós somos uma minoria, o meu filho e os amigos vivem numa redoma de privilégio, e olham para Kiev como um episódio da Guerra dos Tronos.

    Curiosamente, ou porque ainda não têm maturidade para tal, esquecem-se das 10 famílias de sírios, colocadas aqui no bairro, a 200 metros da nossa casa, cujas crianças foram distribuídas pelas turmas deles, e que, no primeiro dia de aulas, apenas tinham a roupa do corpo. Famílias que procuraram refúgio na Suécia, e que não faziam a menor ideia onde ficava Eklanda, Mölndal ou Gotemburgo, mas que foram forçadas a recomeçar do zero. A sair sem olhar para trás.

    Perguntei-lhe se conseguia sequer imaginar um cenário desses. Fechar a porta, meter três malas no carro, e fugir para Portugal, deixando para trás uma casa destruída, e o bairro, onde esteve toda a vida, arrasado. Quão excitante seria isso?

    blue and yellow striped country flag

    Melhor: se nem em Portugal tivéssemos abrigo, e, tal como ucranianos, sírios, afegãos ou palestinianos, ficássemos dependentes da caridade alheia, dos campos de refugiados, de asilo num outro país que nada nos dissesse? Quão excitante seria entrar nesse mundo de horror não transmitido no Netflix?

    Peguei no caderno, onde fazia os exercícios de Matemática, e esqueci a minha irritação momentânea com a simplificação de equações. Desenhei a Europa, a Ucrânia, as regiões separatistas. Expliquei o que era a URSS, a Cortina de Ferro, a NATO. Contei a história de outros ditadores que, como Putin, reclamavam o seu lugar na História. Falei de combatentes russos que não sabiam o que ali faziam, do batalhão Azov, dos oito anos de Donetsk, do Kosovo.

    Falei dos inocentes que sofrem na pele as loucuras de quem decide e no fim, lembrei-me de uma imagem que vira há pouco tempo, num jornal qualquer, onde quatro miúdos ucranianos, com 18 anos, se apresentaram para o “combate” com capacetes de bicicleta e joalheiras de skate.

    Perguntei-lhe se, embora aquela imagem desse uma história super cool para umas horas de internet, achava que aqueles jovens teriam alguma hipótese de sobreviver numa frente de guerra contra soldados profissionais e bem equipados. Ele disse que não, não tinham.

    Chegámos, pois, ao conceito de carne para canhão.

    Pergunta-me, então, quase indignado, como é que mandam pessoas sem treino para a guerra.

    Eu digo-lhe que cada civil que se junta ao exército na Ucrânia tem um treino de três dias antes de ir para o terreno. Vejo a expressão a mudar e alguma preocupação no semblante. “Só três dias?? O que é que se aprende em três dias??”

    Fica algum silêncio. Nunca há silêncio quando o meu filho está por perto. Nunca.

    Faz mais um exercício de Matemática e pergunta: “então…se a guerra chegar aqui, se a NATO entrar, e se os civis forem chamados, tu és obrigado a ir também?”. “Acho que sim”, respondi.

    group of men firing canyon on green field surrounded with people watching

    “E também terás só três dias de treino?”, acrescentou. “Não sei, pode ser que tenha uma semana. Em Portugal a coisa faz-se sempre mais devagar”, disse eu, tentando desanuviar o clima.

    Imagino que os segundos seguintes tenham sido passados a construir uma imagem futura menos agradável.

    De repente, com os olhos em lágrimas, dirige-se a mim visivelmente chateado. Quase como se a culpa da invasão da Ucrânia fosse minha. Disse, reclamando: “então nem vais aguentar três dias na frente da batalha!! Tu nem a pistola da minha VR consegues carregar depressa!!”

    Abracei-o, e disse que não se preocupasse. Se os russos conseguirem pagar o combustível para levarem os tanques até à Margem Sul, a malta rouba-lhes as lagartas na Fonte da Telha, e dali já não passam. A sensação de perda de algo ou alguém querido, fê-lo pensar de forma mais racional sobre os perigos da guerra, da escalada do conflito ou de encurralar um doido, com armamento nuclear, deixando-o sem outra saída que não seja disparar.

    Um simples raciocínio que uma criança de 12 anos consegue compreender, mas, aparentemente, uma lógica impossível de perceber por uma ex-candidata presidencial que, ontem, apelou ao início da III Guerra Mundial.

    De repente lembrei-me que 541.556 pessoas, há cerca de um ano, achavam que Ana Gomes tinha perfil para ser a voz mais alta de Portugal.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O sistema financeiro e a confiança em tempos perigosos

    O sistema financeiro e a confiança em tempos perigosos


    A invasão de um estado soberano por parte da Rússia continua. No momento em que escrevo, a maior vítima deste conflito é definitivamente a população civil da Ucrânia: colapso de infra-estruturas, casas destruídas, poupanças evaporadas e risco de vida. Uma enorme crise de refugiados, com a população em fuga para países na fronteira ocidental da Ucrânia, carregando consigo apenas a roupa do corpo e alguns bens.

    Não há palavras para uma ignomínia desta dimensão. A Rússia junta-se a outro estado excepcional, daqueles que se julgam legitimados pelo Divino a desrespeitar as fronteiras de outro país, tal como aconteceu no Iraque, no Afeganistão, na Líbia, apenas para citar alguns exemplos obliterados por guerras sem sentido.

    Esta guerra está a aprofundar precedentes perigosos, em particular o desrespeito pela propriedade privada e o direito de qualquer cidadão a defender-se de uma acusação.

    green plant in clear glass vase

    Na Bíblia, apesar de Deus conhecer o assassínio de Abel pelo seu irmão Caim, não quis deixar de interpelar Caim e conhecer as suas razões; ou seja, devemos sempre ouvir alguém expressar a sua versão da história. Parece que agora este valor das sociedades ocidentais desvanece-se todos os dias.

    Há umas semanas, várias pessoas no Canadá viram as suas contas bancárias congeladas e mesmo confiscadas, apenas porque tinham apoiado financeiramente uma manifestação – um direito inscrito na Constituição da maioria dos países ocidentais. Tudo isto, sem qualquer ordem judicial ou defesa.

    Com a guerra, este ataque às liberdades e direitos apenas se acentua: pede-se agora o confisco dos bens de todos os russos residentes no Ocidente; assim, sem mais, sem uma acusação, sem defesa. Apenas por serem russos.

    Os danos não se ficam por aqui: o Tesouro norte-americano decidiu congelar todos os activos do Banco Central da Rússia e de um fundo de investimento soberano – cujo gestor é amigo de Putin –, custodiados nos Estados Unidos.

    É óbvio que os investidores têm memória e tomam nota: se aconteceu com este também pode acontecer comigo. Mas estas medidas são sempre um precedente perigoso, dado que a confiança é um activo que custa a conquistar; demora tempo, implica seriedade e estabilidade da legislação, podendo, no entanto, ruir numa questão de dias, como agora. É bom que os dirigentes ocidentais reflictam sobre isto.

    person wearing suit reading business newspaper

    Para além do confisco de activos, segundo a agência de notícias Reuters, sete instituições financeiras russas deixaram de ter acesso ao SWIFT, um sistema de mensagens entre bancos que permite realizar compensações e acertar saldos entre bancos. Trata-se da rede em que assenta a maioria das transferências bancárias no Mundo.

    Para um exportador russo de gás receber dinheiro de um importador alemão, ambos têm de recorrer a bancos que comunicam entre si através da rede SWIFT. Desta forma, os movimentos de capitais para e desde a Rússia estão severamente limitados, em particular com países ocidentais.

    Para além das medidas já mencionadas, a guerra do ocidente assenta essencialmente em sanções económicas, que consistem na exclusão da Rússia do comércio internacional. Mas não só a Rússia: a Ucrânia, devido à invasão, deixou também de poder realizar negócios com o exterior.

    A impossibilidade de comprar petróleo e gás à Rússia e cereais à Ucrânia, um dos maiores produtores mundiais, está a provocar uma escalada descontrolada dos preços da maioria das matérias-primas. Este é um agravamento da inflação que já vinha detrás, em virtude da impressão massiva de moeda pela maioria dos bancos centrais do ocidente. Para nossa surpresa, parece que vão usar esta crise para continuar a imprimir.

    Variação (%) de preços de matérias-primas entre 31 de Dezembro de 2021 e 2 de Março de 2022. Fonte: Yahoo Finance.

    Para termos uma ideia do descalabro, podemos observar que o petróleo regista uma subida de 50% em 2022, de 66 €/barril no final de 2021 para 99€/barril no final da sessão do dia 2 de Março.

    O trigo e o milho sobem 40% e 27%, respectivamente. Tudo isto em apenas dois meses! É fácil imaginar o impacto destas subidas de preços na frágil economia europeia, muito dependente da importação de “energia” da Rússia.

    Este movimento é agravado pela desvalorização do Euro: no presente ano regista uma queda superior a 2% em relação ao USD, adicionando-se à desvalorização de cerca de 8% em 2021.

    O Rublo também se afunda frente ao USD, perdendo mais de 35% no presente ano!

    Trata-se de um cataclismo para os aforradores russos, que vêem as suas poupanças arruinadas pela desvalorização da sua moeda. Face ao exterior, são agora profundamente pobres!

    Evolução (%) das principais dividas face ao dólar americano (USD) em 2022, até 2 de Março. Fonte: Yahoo Finance.

    No dia 1 de Março, para evitar o colapso da moeda russa, o presidente Putin proibiu a residentes a realização de empréstimos em moeda estrangeira e/ou a realização de transferências para o exterior, evitando a saída de capitais. Na prática, os russos passaram a estar vedados de vender Rublos e de adquirir Euros ou USD, evitando a erosão das suas poupanças.

    Havia uma alternativa. Qual? As Criptomoedas.

    Não por acaso, o Bitcoin foi a Criptomoeda em maior destaque na última semana, com uma subida de 13%, apenas superada pela Luna – esta por razões que irei analisar no final do artigo.

    O fecho dos mercados de Forex aos russos também pode causar vítimas “deste lado”.

    A pergunta que agora se coloca é a seguinte: estará o mundo ocidental, e em particular a Europa, capaz de suster esta guerra económica, vendo-se obrigado a comprar matérias-primas essenciais à sua indústria a preços exorbitantes e descontrolados, tudo para evitar importá-las da Rússia?

    Variação (%) da cotação das principais criptomoedas entre 26 de Fevereiro e 3 de Março de 2022. Fonte: Yahoo Finance.

    Vamos então ver em que estados se encontram as economias ocidentais.

    No que respeita ao endividamento público, a situação é um autêntico plano inclinado em direcção a um buraco negro. Os Estados Unidos, cuja moeda é a reserva do Mundo, quase superam o endividamento público português, em torno de 130% do PIB. E a Rússia? Apenas 19%.

    E em relação à balança de transacções correntes, ou seja, ao saldo líquido das relações com o exterior?

    A situação do ocidente é igualmente débil. Os Estados Unidos apresentam uma das situações mais negativas da sua balança de transacções correntes em muitos anos. Ou seja, o exterior está constantemente a financiar os Estados Unidos, estando estes dependentes de recursos financeiros externos. Algo que não ocorre com a Rússia, que possui excedentes nos últimos anos.

    A situação russa até é provável que ainda seja melhor, em resultado da subida do preço das matérias-primas, pois vende mais caro!

    Evolução do rácio dívida pública/PIB (%) na Grécia, Itália, Portugal, Estados Unidos e Rússia no triénio 2019-2021. Fonte: Eurostat, FED; Trading Economics.

    A subida inexorável da inflação não parece preocupar a presidente do BCE, Christine Lagarde, que afirmou recentemente que as dificuldades sentidas pela economia europeia, em resultado da invasão da Ucrânia pela Rússia, é motivo para a impressora não abrandar o ritmo.

    Atentemos à sua afirmação: “A presidente do BCE, Christine Lagarde, alertou que o Conselho do BCE poderia prejudicar a recuperação da economia se se apressasse a apertar a política monetária…”.

    Qual a conclusão de tudo isto que estamos a viver?

    Primeiro, o sistema bancário apresenta-se crescentemente perigoso; em qualquer momento, um cidadão pode sofrer o confisco das suas contas; qualquer motivo serve: (i) um imposto para salvar o país de uma bancarrota; (i) um pequeno donativo para ajudar um banco em apuros, que necessita da ajuda dos seus depositantes. As Criptomoedas em endereços controlados apenas pelos investidores são os únicos activos financeiros a salvo deste tipo de contratempos;

    Segundo, a rede SWIFT, utilizada pela maioria dos bancos ocidentais, serve de arma de guerra. Em oposição, atendendo à descentralização do seu funcionamento, as Criptomoedas estão ao abrigo desta guerra. Funcionam sempre, sem olhar a quem;

    Evolução do rácio balança de transacções correntes/PIB (%) na Grécia, Estados Unidos, Portugal, Espanha, Itália e Rússia no triénio 2019-2021. Fonte: Eurostat, FED; Trading Economics.

    Terceiro, os bancos centrais vão utilizar esta guerra como argumento para continuar a imprimir, agravando, desta forma, a taxa de inflação, já de si altíssima e descontrolada, erodindo ainda mais as poupanças dos aforradores europeus e tornando o seu custo de vida insuportável. Por outro lado, a situação gravíssima de endividamento público da maioria dos países ocidentais impede a subida das taxas de juro, caso contrário, a bancarrota está ao virar da esquina;

    Quarto, a repressão financeira dos aforradores vai acentuar-se. Desta forma, os projectos de finanças descentralizadas (DeFi), como é o caso do Anchor Protocol, do blockchain Terra, que permite rentabilidades anuais em torno de 20%, são uma alternativa óbvia aos depósitos tradicionais. A subida em 500 milhões de USTs das reservas do Anchor Protocol fez com que disparassem os fundos captados, que se situam agora acima de 8 mil milhões de USTs. Esta foi a razão para a subida imparável da Luna, a Criptomoeda do blockchain Terra.

    Termino com a pergunta: afinal, as sanções aplicam-se a quem: a nós ou aos russos?

    Independentemente da resposta, para mim, fica óbvio que as Criptomoedas são a única fuga a esta loucura!

    Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Prefiro uma sociedade com idiotas a uma sem ideias

    Prefiro uma sociedade com idiotas a uma sem ideias


    Se desejarem perceber a razão do título, então terão de acompanhar-me num breve exercício de História. Não prometo que entenderão, mas fica o convite para me acompanharem.

    Vamos para o século XVIII. Século de guerras. Como todos, infelizmente. Mas este começou o rufar de tambores bem cedo.

    Entre 1700 e 1721, deu-se a chamada Grande Guerra do Norte, que envolveu a Rússia, Dinamarca-Noruega e Saxónia-Polónia, que desafiaram a supremacia da Suécia na zona do Báltico.

    Abrangeu todo o período da Guerra da Sucessão Espanhola (1701-1714), onde andaram em pleitos sangrentos, entre outros Estados, o Sacro Império Romano, Áustria, França, Baviera, Portugal e duas facções de Espanha. O nosso marquês das Minas chegou até a tomar Madrid por uma quarentena de dias em 1706, acabando escorraçado pelo povo espanhol.

    Pela Europa a paz deambulou por quase duas décadas. Ressurgiu com a sucessão do trono: o da Polónia, para o qual até um irmão do nosso D. João V esteve candidato. Resolveu-se com uma guerra que começou em 1733 e terminou cinco anos mais tarde, com refregas sanguinolentas entre austríacos, franceses, sardos, espanhóis e pretendentes ao trono daquele país.

    people gathering on street during nighttime

    Não houve duas sem três. Chegado o ano de 1740, veio a Guerra da Sucessão Austríaca, até 1748, tomando-se de agressivas razões austríacos, bávaros, holandeses, britânicos e espanhóis. Neste ínterim, Áustria e Prússia ainda tiveram tempo de se guerrear pela posse da Silésia, território hoje quase todo pertencente à Polónia, mas ainda com pedaços na Alemanha e República Checa. O primeiro período de guerras foi de 1740-1742, depois 1744-1745 e, por fim, 1752-1762.

    Apanhou assim a muito conhecida Guerra dos Sete Anos (1756-1763), que foi uma verdadeira guerra mundial nos principais continentes, e que contou com os “suspeitos do costume”: Áustria, França, Grã-Bretanha, Prússia, Rússia, Suécia, e claro também Portugal e Espanha – que onde esteve um, esteve outro, sempre opostos.

    Como maus vizinhos, a Espanha chegou a invadir-nos, mais uma vez, à conta de sermos aliados dos britânicos, coisa que se resolveu a contento na denominada Guerra Fantástica – nuestros hermanos foram mais derrotados pelas diarreias e pelo Tejo do que pelas armas lusitanas.

    Resumamos a “coisa” até ao final do século, até porque não é somente de guerras que este texto trata.

    Portanto, ainda tivemos a conhecida Revolução Americana (1775-1783), e não havendo pouca, ainda lhe sucedeu a Revolução Francesa, a partir de 1787, que não acabaria, com as suas batalhas e ajustes de contas, antes da chegada de novo século.

    Isto foi na Europa, porque nas colónias dos países europeus muita bordoada houve. No continente asiático contabilizam-se as guerras carnáticas – na região sul da Índia – envolvendo França e Grã-Bretanha quase ininterruptamente entre 1701 e 1761. Na América do Norte houve a Guerra da Rainha Ana, entre 1702 e 1713.

    Podemos ainda incluir aqui, de fugida, a Guerra dos Emboabas (1708-1709), em Minas Gerais, envolvendo bandeirantes paulistanos e colonos portugueses recentes, por conta do ouro. Mais acima, entre 1715 e 1717 tem de se contar com Guerra de Yamasee, entre colonos britânicos e indígenas.

    Na zona do Caribe, bem como na Flórida e Geórgia, entre 1738 e 1748 decorreu a denominada Guerra da Orelha de Jenkins – que teve, como seu casus belli, a orelha cortada de um capitão britânico por um outro espanhol. A Espanha também se meteu.

    Mais para norte, também franceses andaram com britânicos a banharem-se em sangue entre 1744 e 1748, na denominada Guerra do Rei Jorge. Anos depois, em 1754, meteram-se os Cherokee ao barulho. Somente cessaram hostilidades em 1763.

    No último quartel do século XVIII ocorreu ainda, fora da Europa, a primeira fase das Guerras Maratha (1775-1782), em território colonial britânico na Índia. E ainda antes do final desse centúria, na região da África do Sul, deram-se, em 1779, os primeiros tiros das Guerras da Fronteira do Cabo, entre o povo xhosa e os holandeses e mais os ingleses. Duraram quase um século.

    Apenas uso o século XVIII, por ser centúria que a Enciclopédia Britânica lista com muitas guerras e poucos anos de paz. E escolhi o século XVIII e não o XIX, porque este ainda teve mais guerras: 36. E o século XX uma mais: 37.

    Mary and Jesus statue

    Com duas décadas e mais uns pós no século XXI, a Enciclopédia Britânica conta apenas três guerras (desconta os “pequenos” conflitos, mesmo se sanguinários): Afeganistão (2001-2014), Guerra do Iraque (2003-2011) e Guerra Civil da Síria (desde 2013).

    Notem: sendo certo que, nas últimas décadas, “apenas” houve três conflitos intensos, todos tiveram vários anos de duração.

    Assim, mesmo tendo em conta as horríveis fatalidades do actual conflito, a histeria quase generalizada que campeia pela imprensa, pelos políticos e pela população, numa época de globalização e de manipulação, está a reunir todos os ingredientes para se transformar tudo isto numa terrível e carnificina guerra. Exige-se coração frio e cabeça calma.

    Saibamos uma coisa: Putin é como aquele meliante que enquanto jovem se foi “alimentando” do desleixo exterior quanto à educação das crianças, foi bebendo do desprezo de adolescente, mas que agora, enquanto ele empunha a arma no assalto, surge um coro de co-responsáveis por inércia e inerência a chamar-lhe nomes feios.

    Caramba! Agora?! O homem, sendo facínora, está armado (na verdade, com um arsenal nuclear) e é imprevisível? Qual é a parte que não se percebe?

    Putin não é um comboio que apenas quer derrubar um país, ou até o Mundo, e que tem de ser parado.

    Putin é um comboio sim, e nada amistoso, mas está já em andamento. Não pára só porque lhe acenamos que tem de parar.

    Agora é que se quer atacá-lo com cocktails molotov à la suicida, enquanto se grita mais nomes feios? Será essa a solução para evitar males maiores?

    [Porque, nesta fase, já haverá, infelizmente, muitos males, mas muitos mais a evitar]

    Ou deverá simular-se uma fuga estratégica à la D. João VI – reflictam bem sobre ela, porque foi de grande argúcia –, para depois, com mais calma e melhor estratégia, atacar o inimigo em outras condições, como se fez no século XIX com Napoleão Bonaparte?

    brown concrete statue of a man

    E agora a pergunta retórica: que tem isto a ver com o título do texto?

    Tudo, ou nada.

    A História, minhas senhoras e meus senhores.

    A importância da História.

    A importância de sentir que esta não é a primeira batalha do Mundo, ou já guerra, como se queira, e nem seguramente será a derradeira.

    E, em suma, a importância de fazer e sonhar, de imaginar e cogitar, de dizer disparates e de ideias brilhantes, de não ter medo de opinar, de não ter receio em dizer uma idiotice. Calarmo-nos, ou impedir que outros falem – ou não queiram falar – pode sempre, é certo, poupar-nos de ouvir idiotas; mas também evitar que tenhamos homens com coragem para ideias brilhantes.

    Não queiram calar pessoas.

    Não queiram impor um mundo maniqueísta.

    Não permitam a manipulação, mesmo se parecer boa.

    Não cometam injustiças apenas porque há um tempo indecente e facínora de uma determinada nacionalidade.

    Não queiramos um Mundo impoluto de idiotas apenas porque ficou, o Mundo, destituído de ideias.