“Eu não vou em modas, são tão novas, e eu já não. Eu sou da pré-roda, do pós-guerra e dos que virão”, assim canta o músico S. Pedro, na música Modas, incluída no seu álbum de 2017, intitulado O fim.
Este é um verso que recorrentemente me vem à memória, nas minhas incursões pelos meandros da “realidade” virtual, tal como aconteceu recentemente quando me apercebi que, de repente, tudo quanto é aplicação digital tem a bandeira da Ucrânia.
Esta nova forma de ativismo, facilmente operacionalizada através de um computador, smartphone ou tablet, vem desafiar a definição que lhe é atribuída pelo Priberam, segundo o qual ativismo é “a atitude moral que insiste mais nas necessidades da vida e da ação que nos princípios teóricos”, uma vez que, atualmente, o que parece realmente estar na moda é a propagação de uma retórica mainstream onde a nossa ação individual fica restrita à força da partilha e dos emojis, que servem para evidenciar a nossa aprovação (“gosto”), a nossa empatia (“coração”) ou a nossa solidariedade (“coragem”).
Mas qual será o impacto, de facto, desta nova atitude moral, que me atrevo a designar de ativismo líquido, para as necessidades da (nossa) vida? O conceito de modernidade líquida foi cunhado pelo sociólogo e filósofo Zygmunt Bauman como uma metáfora para descrever a condição de constante mobilidade e mudança que o autor identificou nos relacionamentos, identidades e economia global na sociedade contemporânea.
Em vez de se referir à modernidade e à pós-modernidade, Bauman visualizou uma transição de uma modernidade sólida para uma forma mais líquida de vida social, ou seja, “incapaz de manter qualquer forma ou curso por muito tempo” e “propensa a mudanças”, e discutiu como a modernidade líquida influência todos os aspetos da vida humana.
Também o nosso ativismo líquido se parece reger pelos mesmos princípios: os temas que partilhamos e fingimos debater nas redes sociais, sobre os quais muito nos compadecemos, por vezes até em discussões ofensivas e discursos de ódio que em nada refletem as causas que dizemos defender, duram apenas o tempo destinado a tudo que é uma moda – o tempo de caírem no esquecimento ou serem trocados por outros mais em voga.
Canta ainda S. Pedro que “só o tamanho das calças não diz de onde vens, para onde vais, se és feliz”, mas se à mulher de Cesar não bastava ser, tinha também de parecer, na modernidade líquida não nos basta parecer, é fundamental aparecer também.
E por isso dedicamos tanto do nosso tempo a aparecer nas redes sociais, em tentativas constantes de parecermos mais informados, mais atentos, mais abalados, profundamente revoltados, e aparentemente “ativos” em lutas contra o bem e o mal, o certo e o errado, a justiça e a injustiça, tendo sempre por protagonistas um vilão e um sofredor passivo que sem aquela nossa partilha no Twitter, Instagram, Facebook, ou qualquer outra rede social, está desamparado e entregue à sua sorte.
Por esse sofredor concreto, ou difuso, somos todos Charlie, somos todos me too, somos todos Rayan, e mais recentemente, somos todos Ucrânia.
Diabolizamos os vilões, e afastámo-los de nós, como se de uma outra espécie humana se tratassem, uma espécie que nos é estranha, antagónica, semelhante a um extraterrestre inadaptado aos sentimentos básicos que garantimos em caps lock guiarem a nossa existência: o respeito, a solidariedade, a empatia, o amor.
Mas serão mesmo estes os sentimentos básicos que possuímos e partilhamos? Ou será que o ativismo líquido reflete também algo mais profundo e preocupante sobre a forma como nos relacionamos com os outros e conosco?
Bauman fala também do amor líquido que descreve o tipo de relações interpessoais que se desenvolvem na pós-modernidade, baseadas num intenso individualismo desregulado. E esse mesmo individualismo parece fazer-nos depender tanto da aprovação dos outros, que nos faz querer parecer ser alguém que corresponde ao desejado, ao expectável, ao que deve ser e por isso é bom, quando esses mesmos outros nos estão a “vigiar” pelo ecrã.
Mas depois, no trato pessoal, nas ligações diretas que estabelecemos, seja com os que nos são mais próximos, seja com aqueles que se cruzam na nossa rotina, somos muitas vezes mesquinhos, antipáticos, desonestos, agressivos, indiferentes.
S. Pedro canta ainda “O aspeto é como o verniz, estala e cai e cresce o nariz”, e quando tal acontece, já temos as desculpas preparadas na ponta da língua: ou estamos deprimidos, ou o dia, o ano, a vida não nos corre de feição, ou fomos injustiçados e agora não podemos ser bondosos, ou estamos concentrados no amor próprio e esse, infelizmente, parece não deixar espaço a qualquer outro tipo de amor.
O amor passou de moda! Os grandes (e pequenos) gestos de amor agora são sinónimo de fraqueza ou de parolice aguda, e essa palavra tão forte e tão eficaz que era escrita em qualquer cartaz, de qualquer manifestação por uma qualquer luta, ficou perdido nos anos sessenta/setenta quando tudo o que precisávamos, segundo os Beatles, era de amor.
Hoje em dia tudo o que precisamos é das redes sociais, porque só elas nos permitem pareceremos boas pessoas, pessoas preocupadas, ativas na criação de uma realidade melhor, nem que seja apenas a virtual.
Conectamo-nos com os grandes temas que povoam as redes sociais, e que se tornam em oásis do que o mundo poderia ser, mas não é. E desconectamo-nos cada vez mais, de nós e dos que nos são próximos, negligenciando sempre para amanhã a mudança para a qual poderíamos contribuir efetivamente hoje, pois este tipo de conexão dá mais trabalho, perde mais vezes a rede, não se basta num clique, e exige esforço, empenho, ativismo a sério e não à séria.
Termino como comecei, com os versos de S. Pedro,porque acredito que dedicar tempo ao engenho de desenhar círculos perfeitos é uma forma de incentivar o regresso a nós mesmos e aos nossos, a qual nos permite fazermos realmente do mundo real um lugar melhor para todos! “Seja eu quem for, o que eu faço é que fica, isso sim vai dizer quem eu sou.”
Professora universitária
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Conselho Europeu, G7 e NATO reuniram-se esta semana, e todos vimos, em direto, a chegada dos líderes, o carro que trazia Biden e a indumentária de Macron. Fez-me lembrar o acompanhamento do autocarro com a selecção de Scolari naquela fatídica noite de 2004.
Segundo alguns analistas, poucas decisões importantes saíram da cimeira, e espera-se por mais, apenas em Junho. Eu discordo. Acho que dali saíram várias informações, ainda que contraditórias.
A primeira é que Zelinsky continua a desafiar a NATO para que faça mais pela Ucrânia, e que, por exemplo, feche o espaço aéreo, que na prática seria uma entrada directa na guerra. Isto dias depois de ter dito que aceitava discutir o estatuto de neutralidade. Algo parece ter mudado no terreno, para lá de Mariupol, para Zelinsky se estar novamente a afastar da perspectiva de acordo.
A NATO, em conferência de imprensa no fim dessa cimeira, disse que iria reforçar os batalhões nas fronteiras – agora da Roménia, Hungria e Eslováquia –, fazendo um total de 40.000 homens, incluindo aqueles já estacionados no Báltico e na Polónia. Acrescentaram ainda que vão enviar marinha de guerra para a costa ucraniana, para além de mais armamento pesado que continuaria a ser enviado.
Zelinsky pediu caças, tanques e anti-aéreas. Começa a ser difícil perceber onde está a linha a partir da qual podemos dizer que a NATO se envolveu activamente na guerra. Se enviam barcos de guerra para o teatro de operações, enfim, não sei bem se podemos continuar a dizer que estão apenas a assistir.
Quanto à União Europeia, declararam os seus líderes um aumento das sanções à Rússia, sem que esta posição seja unânime entre os países membros. A Alemanha, altamente dependente do fornecimento de energia vinda da Rússia, não quer sanções kamikaze, uma vez que seria o seu povo o primeiro a pagar a factura. E quando se trata da voz europeia, conta essencialmente o que os alemães deixam ou não. Os franceses habitualmente vão-se colocando em bicos dos pés naquela ilusão do eixo franco-alemão, mas quem realmente dá as ordens é Berlim.
O Kremlin vai pedindo o pagamento do gás em rublos – e admira-me que não tenham pedido em ouro – para se defender, e Boris, o party man de Downing Street, está em pulgas para enviar tropas nos contentores de armamento.
Uma coisa parece ser certa, a Europa segue o conflito a três velocidades: o Reino Unido vota por mais sangue; os países energeticamente dependentes querem mandar misseis para Kiev e rublos para Moscovo; e nós, com a restante maioria dos países europeus, queremos fazer o que a NATO mandar. Seja lá isso o que for.
Chegámos, no entanto, a um ponto do conflito onde a resistência ucraniana, o armamento enviado, a ajuda financeira e a legião de 20 mil voluntários, parecem estar a virar o sentido da guerra. É essa pelo menos a indicação da nossa comunicação social.
Ouvem-se também notícias de opositores de Putin e um possível golpe de estado. É impossível saber que percentagem de verdade existe no que nos vai chegando, mas espero, a bem da paz, que a queda de Putin esteja próxima.
Na semana passada escrevi que esta guerra era um beco sem saída para Putin, uma vez que ou ganharia uma guerrilha permanente (no caso de um governo fantoche) ou seria arrastado para fora da Ucrânia com a Europa a fechar as portas. Já há notícias da possível utilização de armamento químico e nuclear, em novas ameaças russas.
Seria interessante perceber, neste chorrilho de informações que nos vai chegando, qual é de facto a verdade absoluta sobre o cenário de guerra. Ou aproximada, vá.
Na semana passada ninguém colocava em questão o cerco feito pela Rússia. Hoje dizem que não tem tropas suficientes. Mariupol está numa situação desesperada, e todos os dias ouço falar no batalhão Azov em combate. No entanto, leio depois que são apenas cem soldados. Terão vindo de Sparta?
Uma coisa é certa, parecem ter algum repúdio por nazis portugueses. Portanto, mesmo em tempo de barbárie, ainda há um vislumbre de lucidez.
Entre o caminho de sentido único de Putin e o belicismo da NATO, só vejo a escalada do conflito quando, há uns dias, nos diziam que o acordo de 15 pontos estava perto de ser assinado.
A quem interessará a continuação desta guerra? É a pergunta do milhão de euros…
Terá ou não Putin o apoio da China se a derrota for o cenário mais provável?
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Não sei por que razão – talvez seja muito pela sonoridade do nome –, sempre que sou confrontado com algo chocante do ponto de vista do funcionamento de uma sociedade, surge-me de imediato o Burkina Faso na cabeça. Não me aparece tanto Ouagadougou, a sua capital, porque nunca consegui decorar este nome, e pronunciá-lo exige esforço suplementar.
Enfim, e surgiu-me esta manhã novamente o Burkina Faso na mente, e não por acaso: foi no exacto momento em que li um e-mail para mim enviado pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM) com um “despacho” da juíza secretária, de seu nome Ana Cristina Dias Chambel Matias.
Versava a magna questiúncula sobre se um cidadão de uma república constitucionalmente democrática – leia-se, Portugal – tem o direito de aceder a documentos administrativos na posse daquela entidade que superintende os juízes.
Neste caso, documentos relacionados com a Operação Marquês, o qual já merecera um parecer favorável da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Pensava que era um e-mail para me informar que podia ir consultar finalmente os documentos.
Não era. Era para me informar de que, apesar do parecer da CADA, o CSM não os quer ceder. Que eu vá, diz-me o CSM, “intentar respetiva acção especial no Tribunal Administrativo, cujos juízes são avaliados pelo próprio CSM…
E penitencio-me agora pela injustiça da associação.
O Burkina Faso não é o pior país do Mundo em matéria de Estado de Direito. Longe disso.
No que diz respeito ao indicador das restrições legais do Poder do Estado, o Burkina Faso está na posição 61 em 139 países. O pior é a Venezuela.
Sobre a ausência de corrupção, o Burkina Faso surge também na posição 61. O pior é a República Democrática do Congo.
Em relação à transparência e abertura do Governo aos cidadãos, o Burkina Faso ocupa a posição 80. O pior é o Egipto.
Relativamente à consagração de direitos fundamentais, o Burkina Faso está no lugar 69. O pior é o Irão.
No que concerne à ordem e segurança, o Burkina Faso está na 128º posição. O pior é o Afeganistão.
Em relação à aplicação das leis e regulação, o Burkina Faso encontra-se no lugar 74. O pior é a Venezuela.
Na aplicação da justiça civil, o Burkina Faso ocupa o lugar 100. O pior é o Camboja.
E, por fim, na aplicação de justiça criminal, o Burkina Faso situa-se na posição 58. O pior é a Venezuela.
O Burkina Faso é, por isso, um péssimo exemplo para eu utilizar. No global, no Índice do World Justice Project do Estado de Direito, está em 75º lugar. Tenho de me “corrigir”.
Mas Portugal, país para onde trabalham as pessoas que integram o CSM, também não é exemplo para ninguém.
Não por causa daquilo que diz o World Justice Project, que coloca Portugal na 26ª posição no seu índice global, e mostra-nos em situação razoável nos diversos indicadores, entre a posição 16 (restrições legais do Poder do Estado) e a 49 (ordem e segurança).
Na verdade, estes índices e indicadores dizem-nos pouco, na maior parte dos casos. São giros para fazer rankings e para comparações globais, muito apreciados por políticos (quando são bem classificados) e adorados pelos jornalistas.
Na prática quotidiana, são os pequenos detalhes que interessam, em muitos casos daqueles que não enformam qualquer indicador ou índice. E são, afinal, esses pormenores que mostram, por vezes, que em matérias essenciais Portugal e o Burkina Faso não são assim tão distintos, que o nosso CSM não será assim tão diferente da entidade homóloga daquele país subsariana.
Com efeito, quando se vê o nosso CSM – atenção, estamos a falar de uma entidade como o CSM, um dos pilares da Democracia –, em apenas duas páginas:
a) menosprezar um parecer de uma entidade presidida por um juiz conselheiro – Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos –, destacando que, enfim não os têm de cumprir porque “não são vinculativos para a entidade administrativa”;
b) declarar que se deve atribuir “confidencialidade ao processo disciplinar” sobre a entrega da Operação Marquês ao juiz Carlos Alexandre em 2014, para assim esconder os detalhes e pressupostos desse arquivamento;
c) defender que um jornalista não deve ter acesso a determinados documentos, socorrendo-se a interpretação enviesada e absurda do regime de protecção de dados;
d) e, impor que um jornalista tem de esclarecer previamente “qual a finalidade do acesso e da recolha de tais documentos” para que, depois disso, o CSM possa ponderar se concede ou não os documentos;
então, podemos concluir que Portugal pode não ser o Burkina Faso, mas está longe de ser uma Democracia madura.
Pelo menos enquanto o CSM tiver pessoas com esta mentalidade anti-democrática.
Em 14 de Outubro de 2018, o fundador e director do Polígrafo, Fernando Esteves, escreveu o seguinte, ao anunciar o seu fact-checker: “Outro detalhe importante: o Polígrafo não analisa notícias de outros jornais. O trabalho dos nossos colegas, sendo muito relevante, não é o nosso core business. Escolhemos avaliar e classificar, de acordo com uma escala, as declarações dos protagonistas das notícias, porque são eles os agentes proativos na difusão de inverdades no espaço público.“
Convenhamos, que Fernando Esteves e os seus colaboradores têm cumprido: nunca analisam o trabalho dos seus colegas, e por maioria de razão, sendo eles jornalistas, nem a qualidade do seu próprio trabalho.
Ora, como bem se sabe, eu e particularmente o PÁGINA UM não somos propriamente defensores do papel imaculado da imprensa, nem tão-pouco que seja ela um mero agente de transmissão de informação.
Em más mãos, em maus profissionais, em pessoas com problemas em perceber e praticar os princípios da ética e da deontologia, a informação facilmente se transforma em manipulação.
Isto a pretexto de um fact-checking do Polígrafo, ontem publicado, sobre a veracidade da morte de soldados ucranianos na ilha de Zmiinii (ou ilha das Serpentes) por terem recusado a rendição, no início da invasão pela Rússia.
Na introdução ao tema em verificação, a jornalista do Polígrafo Salomé Leal escreve o seguinte: “De acordo com várias publicações nas redes sociais, os 13 soldados ucranianos que defendiam a Ilha das Serpentes, no Mar Negro, terão sido mortos pelos russos, depois de terem protagonizado um ato de resistência que já é considerado histórico na guerra da Ucrânia. Confrontados por militares russos e aconselhados a renderem-se, os ucranianos terão respondido: ‘Vão-se lixar!’ Confirma-se que os 13 resistentes perderam a vida?“
Como se sabe agora, esta informação é falsa.
Contudo, toda a análise do Polígrafo omite o papel crucial da comunicação social mainstream na divulgação desta fake news, propalada inicialmente pelo governo ucraniano, de tal modo que o presidente Volodymyr Zelenskyy até chegou a anunciar condecorações póstumas aos soldados massacrados.
Na verdade, tanto a imprensa internacional como a nacional não fizeram o “trabalho de casa” essencial no jornalismo: verificação dos factos; ou, no mínimo, assumpção do erro pela manipulação a que foram sujeitos. A inverdade, termo usado por Fernando Esteves, não foi iniciada nas redes sociais. Teve a sua génese e eco, e maior, por causa das notícias na imprensa mainstream.
No caso português, eis os jornais que relataram, em primeira-mão, esta fake news: Público (numa parceria com o Washington Post), Expresso, Visão, Sábado, Observador e (a inefável) CNN Portugal, apenas para citar alguns.
Notícia do Público, em parceria com o Washington Post, de 25 de Fevereiro que se revelaria “fake news”
Passado uns dias, vários destes órgãos de comunicação social deram o dito por não dito, sem um mea culpa. O Público até teve a desfaçatez de fazer a seguinte adenda, três dias mais tarde: “Esta notícia teve uma actualização“. Ou seja, os mortos (da primeira notícia) passaram a estar vivos (na segunda notícia).
Convenhamos que uma situação dessa natureza, uma “actualização” assim, apenas é “conhecida” com Cristo: na Sexta-Feira Santa estava “morto”; no Domingo de Páscoa o seu estado sofreu uma “actualização” para “vivo”.
E que faz o Polígrafo? Nada! Omite tudo isto. Omite o papel da imprensa mainstream. Execra as redes sociais como fonte de toda a manipulação. Limpa a imagem da imprensa, do triste papel dos jornalistas que na pressa de darem informação sem verificação, apenas divulgam, de forma viral, notícias manipuladas.
Indicação da falsidade da notícia inicial com a mera referência de ser uma actualização
Relembro, por isso, ao Polígrafo aquilo que, segundo consta no seu site, é – ou deveria ser – o seu método:
“A partir do momento em que o POLÍGRAFO (…) decide ‘checar’ uma informação, há cinco passos que devem ser cumpridos:
Consultar a fonte original da informação
Consultar fontes de natureza documental que possam solidificar o processo de checagem
Ouvir os autores da afirmação, dando-lhes o direito de a explicar
Contextualizar a informação
Avaliar a informação de acordo com uma escala de avaliação“.
Na sua ânsia de diabolizar as redes sociais e de lavar a imagem da imprensa mainstream, o Polígrafo não cumpriu, em rigor, nenhum destes passos.
Manipulou.
O habitual.
Compreendo cada vez melhor por que razão Fernando Esteves nunca quis que o seu Polígrafo verificasse o trabalho dos jornalistas. Prefere branqueá-los quando fazem porcaria, culpando as redes sociais – excelentes bodes expiatórios. Uma indecência.
Existe uma ideia generalizada de que as andorinhas chegam com a Primavera. Ou melhor, de ser suposto chegarem com a Primavera. Pelo menos foi isso que aprendemos nos livros da escola. E se os livros da escola dizem que é assim, deve ser verdade, não é? Não, não é…
Desde que comecei a interessar-me pela observação de aves selvagens, achei especialmente interessante o fenómeno da migração. As aves, como é sabido, migram. Cada espécie tem o seu calendário próprio. E eu sempre gostei de ir vendo e registando as datas de chegada, de comparar e de encontrar padrões. Porque são os padrões, e não os acontecimentos isolados, que nos ajudam a compreender melhor o mundo que nos rodeia.
A chegada das andorinhas é um dos eventos mais conhecidos na migração das aves. Todavia, ao contrário do que muitas vezes é referido nos livros, em Portugal elas não chegam com a Primavera. Chegam muito antes…
Apercebi-me disto pela primeira vez quando, em meados da década de 1990, desenvolvi, com mais alguns ornitólogos portugueses, o “Atlas das Aves Invernantes do Baixo Alentejo”, durante três anos. Os trabalhos de campo decorriam em Dezembro e Janeiro. Cedo reparei que em Janeiro havia um claro aumento do número de andorinhas, em especial a partir do meio do mês. De então para cá fui recolhendo mais dados que confirmam este padrão: as andorinhas começam a chegar em força a partir do primeiro mês de cada ano.
Sempre que menciono estas ocorrências, logo aparece alguém a pontificar que “o tempo está todo trocado”, ou “as andorinhas já não vão embora” ou até “são os efeitos das alterações climáticas”, entre outras conclusões do mesmo teor. E todos os anos lá tenho de explicar que, apesar de tudo o que se costuma dizer em contrário, é normal aparecerem andorinhas em Janeiro. Sim, é normal e nem é sequer um fenómeno recente.
Não se pense, porém, que as chegadas se dão logo todas em Janeiro. Na verdade, o movimento de chegada das aves migradoras dá-se de forma gradual ao longo de vários meses. Ou seja, as primeiras andorinhas chegam de facto em Janeiro, mas ao longo dos meses seguintes vão chegando mais, juntando-se às que vieram primeiro.
No gráfico que aqui apresentamos pode-se observar a “frequência” das duas espécies mais comuns em Portugal. O aumento de começa logo em Janeiro e acentua-se muito em Fevereiro. Quando por fim chegamos ao equinócio da Primavera (linha vertical), já cá estão quase todas as andorinhas!
Gráfico de frequência da observação da andorinha-das-chaminés (Hirundo rustica) e da andorinha-dos-beirais (Delichon urbicum) em Portugal. A linha vertical assinala o equinócio. Fonte: ebird.org
Há dias, a 18 de Março lembrei-me de consultar no mapa do eBird para saber como estava a decorrer este ano a chegada de andorinhas-dos-beirais ao país e à Europa.
O resultado encontra-se expresso no mapa mais abaixo, que mostra a representação acumulada de milhares de listas inseridas por observadores na plataforma eBird.
A andorinha-dos-beirais (Delichon urbicum) é uma espécie migradora, que inverna em África; em Dezembro está ausente; assim os registos apresentados deverão corresponder sobretudo a ‘chegadas’, isto é, a aves que regressaram recentemente dos quartéis de invernada.
A espécie nidifica em toda a Europa e não apenas no sul.
Olhando para o mapa, aquilo que vemos é que, à data de 18 de Março, a espécie já chegou a praticamente toda a Península Ibérica, assim como a diversos outros locais da orla do Mediterrâneo, como o sul de França, a Itália e a Grécia. No entanto, não há ainda qualquer registo mais para norte, nas zonas de clima temperado. Ou seja, estas andorinhas já chegaram em grande número aos locais de nidificação do sul europeu, mas ainda não há sinais delas a norte.
Chegados a este ponto, é necessário fazer a pergunta incontornável: então, mas isto não poderá ser tudo resultado das alterações climáticas?
Para responder a esta questão, vale a pena citar o Catálogo sistemático e analítico das aves de Portugal, da autoria de João Alves dos Reis Júnior, cuja primeira edição é de 1931, ou seja, há quase 100 anos: “A andorinha [das chaminés] chega ao sul de Portugal, geralmente, no mês de Janeiro; mas no norte só a temos observado em Fevereiro. A data em que mais cedo temos notado a sua presença nos arredores do Porto, foi a 5 de Fevereiro de 1906”.
Mapa de distribuição da andorinha-dos-beirais (Delichon urbicum) na Europa, considerando as observações realizadas entre 1 de Janeiro 1 18 de Março de 2022. Fonte: ebird.org
Sobre a outra espécie, refere: “A andorinha dos beirais chega geralmente a Portugal um pouco mais tarde que a andorinha dos poços, mas nós já a temos observado também no norte durante o mês de Fevereiro.”
Numa época em que não se falava de alterações climáticas, e em que os observadores de aves escasseavam, este autor, natural do norte de Portugal, já sabia, e fazia questão de o salientar, que as andorinhas chegavam ao sul em Janeiro e ao norte em Fevereiro.
E diversos outros trabalhos publicados ao longo do século XX repetem esse padrão. Não se trata, pois, de uma novidade.
Claro que é possível que as alterações climáticas tenham alguma influência nas datas de chegada. Mas não é de modo algum claro que sejam o único ou sequer o principal factor a explicar o aparecimento de andorinhas em Janeiro.
Estas chegam cedo porque no sul da Europa, onde o clima é mediterrânico e a temperatura amena, a Primavera “começa mais cedo”, e elas já aí encontram condições para começarem a ocupar os seus territórios.
Em contrapartida, nas latitudes mais elevadas, as condições ainda são demasiado severas e as andorinhas que por lá nidificam “sabem” que ainda não é altura certa para migrar. Assim, no centro e no norte da Europa os locais de reprodução só são ocupados a partir de Maio, muito depois do equinócio.
Ornitólogo, escritor e engenheiro electrotécnico
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
No final do século XVIII, tiveram lugar as primeiras revoluções liberais do mundo ocidental.
A primeira deu-se com a independência dos Estados Unidos da América no dia 4 de Julho de 1776. A sua Constituição foi aprovada no dia 17 de Setembro de 1787.
A segunda iniciou-se com a tomada da bastilha no dia 14 de Julho de 1789. No dia 3 de Setembro de 1791, inspirada na Constituição norte-americana, a França aprovou a sua primeira Constituição.
Que visavam estas revoluções? Limitar o poder do monarca. Os regimes absolutistas concentravam todos os poderes na pessoa do Rei: (i) a lei, (ii) os tribunais e (iii) o poder executivo. A soberania era transmitida de Deus para o Rei – a sua legitimidade provinha do Céu.
Para evitar tal concentração de poderes numa única pessoa, infelizmente, muito sangue teve que escorrer e muitas cabeças rolaram pelo cadafalso.
As constituições norte-americana e francesa vieram modificar este estado de coisas. As pessoas passaram de súbditos a cidadãos; a estar em pé de igualdade perante a lei, incluindo o monarca; e a soberania passou a residir na Nação, através dos seus representantes eleitos.
A tributação sem representação deixou de ser possível; apenas os representantes eleitos passaram a poder aplicar impostos à população, deixando de ser uma matéria da exclusiva responsabilidade de apenas uma pessoa.
Por último, a divisão de poderes e a sua independência: o poder executivo, o poder legislativo e o poder judicial passaram a estar separados e a actuar com total independência, evitando, desta forma, a concentração de poderes, tal como acontecia durante o absolutismo.
Estas restrições ao poder real já tinham sido iniciadas pelos ingleses em séculos anteriores: a Magna Carta em 15 de Junho de 1215 e a Declaração de Direitos de 16 de Dezembro de 1689, em resultado da Revolução Gloriosa nos anos 1688 e 1689.
Existe, no entanto, um quarto poder que ninguém quer escrutinar ou reconhecer: o Dinheiro.
Há uns séculos atribui-se ao banqueiro Amschel Bauer Rothschild a seguinte citação: “Dê-me o controlo do dinheiro de uma Nação e não me importo com quem faz as suas leis”. Talvez a maior verdade dos nossos dias.
Para os senhores do dinheiro, tal como para os monarcas absolutos, existe uma lei, para a plebe, e outra totalmente diferente para eles.
Segundo nos informam, a manipulação de mercado é punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, podendo passar pela “prática que consiste em alguém que tem uma influência significativa sobre a oferta ou procura de determinado instrumento financeiro, aproveitar-se dessa possibilidade de forma a distorcer o preço de referência”.
Se olharmos para a figura seguinte, podemos observar a evolução da taxa de juro implícita da dívida pública portuguesa com maturidade a 10 anos negociada no mercado secundário. Com a intervenção do BCE (Banco Central Europeu), em meados de 2012, a taxa de juro desceu de um máximo de 17,4%, em 2012, para valores negativos em 2020!
Evolução da taxa de juro implícita das obrigações emitidas pelo Estado português com maturidade a 10 anos (mercado secundário; unidade: %; período mensal). Fonte: Reuters (com análise do autor)
É isso, estimado leitor, existem investidores que emprestam dinheiro ao estado português e lhe pagam juros, em lugar de os receber: uma manipulação sem precedentes!
Como o fizeram? Simples, tal como o burlão Alves dos Reis, que imprimia notas para se tornar no maior dissipador da cidade de Lisboa – claro está, sem produzir qualquer bem ou serviço útil à sociedade –, o BCE emite moeda do “ar” e compra dívida pública portuguesa no mercado secundário – um autêntico milagre dos pães!
Alguém com este poder aquisitivo, que tem uma fábrica ilimitada de produzir dinheiro, como se estive a jogar Monopólio, pode colocar uma uma enorme pressão compradora no mercado – a tal influência significativa sobre a procura com moldura penal – e faz subir expressivamente o preço de mercado das obrigações – o instrumento financeiro emitido pelo estado português.
Tal como podemos observar na figura seguinte, entre o mínimo de 2012 e o máximo histórico em 2020, as obrigações portuguesas, com uma maturidade a 10 anos, subiram 393% no mercado secundário! Um verdadeiro milagre de Fátima!
Evolução do preço das obrigações emitidas pelo Estado português com maturidade a 10 anos (mercado secundário; unidade: %; período mensal). Fonte: Reuters (com análise do autor)
A subida do preço de mercado das obrigações reduz a respectiva taxa de juro implícita, chegando-se a valores negativos, como actualmente, permitindo ao Estado português e aos demais Estados europeus reduzirem substancialmente os encargos com juros, ou mesmo recebendo por pedir emprestado, como é agora o caso.
Se o leitor decidir viver submergido em dívidas e não as pagar, é garantido que lhe sobem as taxas de juro e vêm atrás de si para as cobrar.
Em relação aos Estados e Bancos Centrais é tudo diferente: é em nome do Bem Comum!
Precisamente o contrário do que acontece para um simples cidadão: um simples manipulador inadimplente, que merece ir dentro.
Poderíamos pensar que a “dádiva” dos juros baixos pudesse provocar a reflexão da nossa casta dirigente. Nada disso. Como podemos observar na figura seguinte, a dívida pública em 1999, no momento de aparecimento do BCE, era de 6.600 euros por português aproximadamente; hoje, é de 26.700 Euros por português. Em 21 anos, a dívida multiplicou-se por quatro!
Evolução da dívida pública portuguesa (unidade: milhões de euros). Fonte Eurostat (com análise do autor).
Por que não se lhe ocorre a reflexão?
Existem eleições para vencer.
Como se assegura a vitória?
Pela compra de votos: empregos seguros no Estado, para uma grande parte da população, clientela política e família; subsídios e ajudas estatais, apenas concedidos a quem se dirige à fila da esmola a implorar, precisamente a quem lhe destruiu o ganha-pão em nome de uma “pandemia”; “negócios da China” atribuídos a empresas amigas do regime, sem qualquer risco e com grande parte da receita a partir de fundos europeus provenientes da máquina de imprimir notas do BCE.
As actuais democracias tornaram-se num autêntico casino. Para incitar os clientes a jogar sem parar, proporcionam-se-lhes bebidas, comida, viagens, estadas a preços simbólicos, ou mesmo “grátis”; mas, no fim, a casa fica com tudo, nem que para isso lhes desgracem por completo a vida – relógio, casa, carro, qualquer coisa serve.
Agora, o dono do casino é o banco central e a casta dirigente os seus clientes. Como são atraídos para a partida, qual é o champanhe da nossa história? O dinheiro grátis!
Proporciona muita coisa: aeroportos sem passageiros, auto-estradas sem carros, estádios sem espectadores, comboios de alta velocidade que apenas existem na nossa imaginação, compra de empresas de aviação falidas, realização de eventos faraónicos… um sem fim de glórias eleitorais.
A casa como se cobra? De três formas:
Primeira: a primeira, em particular quando a coisa aperta, através da entrega das jóias por um preço simbólico – eléctricas, aeroportos, portos, bancos, tudo serve;
Segunda: solicitando a aprovação de leis propostas pelos donos do casino, para lhes incrementar o poder, como a supervisão de todos os bancos da zona Euro ou a possibilidade de aplicar multas sem freio, através de uma legislação Kafkiana sobre o sistema financeiro;
Terceira: exigindo a tributação da plebe – aquela que não come à mesa do orçamento – sem quaisquer contemplações; tributos e taxas sem fim, suportado numa máquina fiscal intimidatória, com recursos inimagináveis e pagos pela plebe, obviamente com a legislação toda a seu favor.
Com a crise da covid-19, apareceu a oportunidade perfeita para vampirizar todas as gotas de sangue da plebe. Para tal, os bancos centrais já nos vieram explicar como irão explorar esta oportunidade, publicando para o efeito os respectivos planos.
O primeiro, elaborado pelo BIS (plano BIS), o banco central dos bancos centrais – admirável, ainda existe outro por cima dos demais! –, o segundo, elaborado pelo BCE (plano BCE) e enquadrado nas directrizes do BIS.
Por que motivo foram elaborados? Servem para preparar o lançamento de moedas digitais, dada a sua estreme “preocupação” com o decréscimo da utilização do numerário – notas e moedas – como meio de pagamento, no contexto de uma “pandemia”, tal como indica a página 13 do relatório do BCE:
…interrupções nos sistemas de pagamentos oferecidos pelo sector privado, banca on-line e levantamentos em caixas multibanco (ATMs) podem afectar significativamente os pagamentos e minar a confiança no sistema financeiro em geral.
Nestes cenários, um euro digital, juntamente com numerário, poderia constituir um possível mecanismo de contingência para os pagamentos electrónicos que poderia continuar a ser utilizado mesmo quando não existissem soluções no sistema financeiro.
Uma pandemia também pode ser considerada como incluída neste cenário, por exemplo, porque o distanciamento social pode modificar os hábitos de pagamento dos consumidores. Os consumidores podem até perceber que o dinheiro é um factor de infecção, apesar da falta de evidências de quaisquer riscos específicos de infecção associados ao uso de notas…”
O relatório do BIS, na sua página 1, no primeiro parágrafo, aparece uma declaração altissonante: “Os bancos centrais têm fornecido dinheiro confiável ao público por centenas de anos, como parte dos seus objectivos de política pública. Dinheiro confiável é um bem público”.
Esta protérvia não fica completa sem mencionar o que consta da página 7 do relatório do BCE, em que esta entidade afirma que o seu dinheiro não tem qualquer risco; na página 10, define tal conceito: sem risco de mercado e sem risco de insolvência do emissor.
O ouro foi a moeda da Humanidade durante 5.000 anos. No entanto, em 1971, o dólar norte-americano (USD) deixou de ser convertível em ouro, colocando-se um fim ao regime monetário de Bretton Woods, estabelecido no final da segunda guerra mundial. Desde então, o USD perdeu 98% do seu valor de mercado, quando medido no metal precioso, tal como se pode observar na figura seguinte.
Fica claro que o dinheiro fornecido por estas entidades não apresenta qualquer risco de mercado!
Evolução do dólar americano (USD) medido em onças de ouro entre 1971 e 2020 (unidade: onças de ouro por 1.000 USD). Fonte Reuters (com análise do autor)
Por que motivo desvaloriza a moeda fornecida pelos Bancos Centrais?
Ao imprimirem “dinheiro” do ar, por contrapartida de dívida, tanto pública como privada, os Bancos Centrais introduzem enormes quantidades de massa monetária na Economia, sem ocorrer a produção de qualquer bem ou serviço, gerando uma enorme inflação dos activos financeiros (o índice NASDAQ 100 subiu mais de 40% em 2020) e perpetuando os hábitos de Governos dissipadores.
Se o leitor ou eu fizéssemos o mesmo, o nosso destino seria seguramente a cadeia, tal como estabelece o artigo 262.º, com o título “Contrafacção de moeda”, do Código Penal português: “Quem praticar contrafacção de moeda, com intenção de a pôr em circulação como legítima, é punido com pena de prisão de três a doze anos”. Isto é para nós, para eles, justifica-se em nome do bem comum!
Como propõem o funcionamento destas moedas digitais, em particular o Euro Digital?
Em primeiro lugar, estas moedas devem estar sujeitas à política monetária dos bancos centrais, por outras palavras, deve ser possível remunerar ou cobrar juros em relação a um saldo de moeda digital, tal como se menciona na página 13 do documento do BCE “the digital euro should be remunerated at interest rate(s) that the central bank can modify over time”.
Depois, cada indivíduo terá direito a um saldo e um número de transacções limitado, tal como se menciona na página 13 do documento do BCE “limiting the quantity of digital euro that users can hold and/or transact”.
Em seguida, os proprietários de euros digitais não poderão beneficiar do anonimato, ao contrário do que acontece com o numerário (nota e moedas), de acordo com a página 6 do documento do BIS “Full anonymity is not plausible” e página 27 do documento do BCE “Anonymity may have to be ruled out”.
A transacção inicial obrigará à identificação prévia do usuário, tal como acontece na abertura de uma conta bancária, tal como indicado na página 28 do documento do BCE “This would require every digital euro userto be identified at least during onboarding: anonymity would not be possible in order to avoid the circumvention of restrictions by impersonating multiple users.”
Qualquer transacção com euros digitais obrigará ao reconhecimento e validação das partes (a que envia e a que recebe), através da leitura de dados biométricos (reconhecimento da íris, impressões digitais…) de ambos, com o propósito de verificar se os mesmos coincidem com a base de dados do BCE, tal como explicado na página 30 do documento do BCE “The device could, for instance, record information on physical attributes of the intended user (known as biometrics, e.g. fingerprint and iris recognition) and the user must provide matching elements when initiating a payment”.
Para possibilitar a realização de transacções offline, tal como acontece para o numerário há milénios, os terminais (telemóveis, PCs…) devem ser previamente certificados, tal como consta na página 30 do documento do BCE “User-friendly devices to be used in offline digital euro payments would need to be certified”; para se adquirir um telemóvel com estas características, os dados biométricos de cada um serão incorporados nas bases de dados dos novos senhores feudais, para que estes conheçam os proprietários associados a tais telefones.
Neste “Novo Normal”, um burocrata do Banco Central poderá conhecer todos os pagamentos e recebimentos de determinado indivíduo: a que horas sai de casa, por onde se desloca, onde toma refeições, as suas preferências ideológicas, através dos livros ou revistas que adquire, os seus hábitos de consumo, as pessoas com que interage… o Big Brother de George Orwell a caminho!
Qual o único obstáculo à existência deste “Novo Normal”?
Correcto, estimado leitor: o numerário (notas e moedas), a única forma de dinheiro que ainda preserva a nossa anonimidade. Mas eles sabem disso, e confessam-no nos seus documentos.
A necessidade de impor um saldo máximo a cada cidadão – ainda podemos usar tal definição, não será melhor regressarmos ao conceito de súbdito? – está relacionada com a necessidade dos euros digitais competirem com o numerário, pois a taxa de juro associada às notas e moedas que levamos no bolso é 0%.
Assim, se a quantidade de euros digitais que cada um pudesse adquirir fosse ilimitada, numa situação de taxas de juro negativas – obriga ao pagamento de juros em qualquer depósito num banco –, iria criar um forte incentivo à transformação dos depósitos bancários em euros digitais, destruindo, desta forma, o negócio bancário – realmente o banco central, o Frankenstein, irá um dia devorar os seus criadores, os bancos comerciais.
À casta dirigente já pouco lhe resta para entregar ao dono do casino; da última vez, quase tudo teve que ser entregue (eléctricas, aeroportos, bancos…). Agora, a completa ruína está próxima.
O que poderá entregar para continuar a desfrutar do brilho das luzes, das viagens pagas, dos banhos de champanhe, das suítes de hotel à borla, das miúdas e das bebidas, disfarçado de “bazuca” europeia?
Já só lhe resta eliminar o numerário e entregar toda a população. A todos, tal como de gado se tratasse, se lhes irá marcar a pele com a queimadura do ferro – uma base de dados com os dados biométricos de toda a população, o moderno selo do ferro.
Desta forma, a casta poderá continuar na primeira fila do bar, enquanto a plebe, sem escapatória, pois não haverá numerário que a salve, irá entregar todas as gotas do seu sangue, pagando juros, tributos e taxas sem contemplação aos novos senhores feudais do “Novo Normal”, tal como se indica na nota de rodapé (nota 18), da página 18 do documento do BCE:
Uma moeda digital irá ajudar a eliminar o limite inferior da política de juros – jargão de burocrata, o limite inferior é a taxa de juro 0% do numerário –, desta forma alargando as opções disponíveis numa situação de crise (o Covid-19 irá ter a segunda, terceira, quarta, quinta… octogésima vaga, as que forem necessárias), se o numerário desaparecesse “A CBDC could help to eliminate the effective lower bound on policy rates, and thereby widen the policy options available in crisis situations, if cash were to disappear”.
A queda da Monarquia Absoluta no século XVIII teve a ajuda de guilhotinas a executarem durante dois anos, de 1792 a 1794. Agora, quem irá vencer? O verdugo Big Brother, controlado pelos novos monarcas absolutos, ou a guilhotina?
Aceitam-se apostas.
Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Algures nos idos de 97, era eu um estudante de engenharia desiludido, quando me apresentei na redacção do extinto semanário Independente para uma entrevista de trabalho. Não sabia bem o que estava ali a fazer, ou sequer para onde caminhava. Gostava de escrever, e não ficava maravilhado com circuitos recheados por transístores e condensadores. Era esse o ponto de partida.
Tinha enviado um texto para análise, que escrevera num jornal regional (Jornal de Leiria), e que, se a memória não me atraiçoa, começava com “as ex-repúblicas soviéticas”. Não me lembro do tema em concreto, mas andaria à volta de qualquer coisa sobre o desmembramento da URSS, poucos anos antes.
O diretor-adjunto de então perguntou-me o que fazia um estudante de engenharia ali. Eu disse-lhe que me sentia mais útil a escrever uma linha de texto do que uma linha de código. A conversa desenrolou-se e seguimos para a análise da minha crónica.
A primeira coisa que me disse foi “sabe, não existem ex-repúblicas soviéticas”, e rapidamente entrámos num debate sobre História, impérios, factos e convicções.
Não me recordo de muito, mas lembro-me de, a meio, ter percebido que entre o meu gosto pela escrita, as ideologias e a política editorial de um jornal bem encostado à direita, haveria pouco espaço para mim.
Antes de terminar a conversa perguntou-me, o entrevistador, em quem votaria na autarquia de Lisboa. Respondi que seria na coligação encabeçada por João Soares, e, não satisfeito, cavei o último pedaço da cova das minhas ambições jornalísticas naquele periódico com a frase: “essencialmente por causa da CDU”.
Pediram-me ainda que cobrisse o comício de encerramento da campanha no Coliseu dos Recreios, para onde fui, todo animado, com um bloco de notas. Fiz a crónica do evento, enviei-a para o dito senhor e, até hoje, aguardo que me digam se gostaram. Imagino que não; é um pressentimento.
Ainda assim, essa pequena experiência mal-sucedida serviu-me para concluir o óbvio: poucas profissões são tão interessantes como a de repórter da imprensa escrita. O meu respeito para eles.
Gosto sempre de pensar que o mundo perdeu um jornalista que poderia ter chegado a razoável, e ganhou um engenheiro que, quando muito, se tornou sofrível. Mas a frase, dita com alguma pompa, que não existiam ex-repúblicas soviéticas, martela-me o subconsciente há 20 dias.
É que não passa uma hora sem que um jornalista, comentador, analista ou político, se refira às ambições imperialistas de Putin de voltar a reconstruir o que o Muro levou, anexando territórios das ex-repúblicas soviéticas. Terá o termo voltado a entrar no jargão popular ou será que, o meu entrevistador, considerava simplesmente que nada seria ex-soviético porque essa união nunca existira?
No terreno vemos uma sucessão de factos algo contraditórios. Zelensky admite discutir a neutralidade da Ucrânia e a situação dos territórios. Ao mesmo tempo faz vídeos diários a apelar à intervenção externa.
Putin parece interessado em garantir a neutralidade, mas quer também a cabeça de Zelensky por troca com um Governo fantoche. Ora, isto era exactamente onde estávamos antes do primeiro míssil e da primeira morte. Precisou Zelensky de ver compatriotas no chão para aceitar o que tinha já na mesa? E o que esperará Putin com novo Governo fantoche? Que uma população imensa de um país enorme, não mantenha uma luta de guerrilha nos anos vindouros? Nada disto parece fazer sentido.
No caminho das contradições a Rússia bombardeou, de forma cirúrgica, uma base perto de Lviv onde se aquartelava uma legião de soldados estrangeiros. Muitos morreram nesse ataque considerado, nas nossas televisões, como dissuasor para outros combatentes estrangeiros que pensem alistar-se.
A CNN, sempre em procura de um final feliz, entrevistou um soldado americano que sobreviveu a esse ataque, e que, segundo ele, depois de fugir para a floresta, olhou para o céu e gritou: Putin, is that all you got?
Depois, para as câmaras disse que, apesar de todos os milhões gastos em armas, a única coisa que o ataque russo lhe tinha feito fora um corte no pulso. E neste momento mostra orgulhoso o pulso para o “cameraman”. Hollywood não escreveria melhor, e um desastre humanitário é-nos apresentado, à hora de jantar, como uma sequela do Platoon – Os Bravos do Pelotão.
Vejo teorias divididas entre um final da guerra em Maio – por ser o limite de autonomia do exército russo – ou um acordo nos próximos dias, com a capitulação da Ucrânia antes da invasão de Kiev.
Visto daqui parece um beco sem saída. Putin perderá esta guerra em qualquer cenário, seja com as revoltas a um Governo fantoche ou o fecho da Europa à Rússia. Contudo, dificilmente não aumentará o território controlado até há 20 dias.
A pergunta que ninguém consegue responder é: até onde irá na reconstrução do império? Crimeia, Donbass, Odessa e Abecásia eram zonas de fronteira. A invasão da Ucrânia já mostra um outro nível de loucura e uma tentativa de anexar, ou pelo menos controlar, um país na sua totalidade. Duvido muito do sucesso das ambições do frio e calculista Putin, mas acredito que não fique por aqui.
O Vladimir, tal como o meu entrevistador em 1997, parece convencido que não existem ex-repúblicas soviéticas. Apenas soviéticas. Percebo agora que o meu interlocutor não estava errado, lançou foi o conceito 25 anos antes do seu tempo. Um visionário. E queria eu o emprego…
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Em Março de 2022, Vladimir Putin, o presidente da Federação Russa, afirmou que o “Ocidente é o Império das Mentiras”.
Certamente, o homem não terá razão. Mas, mesmo assim, por mera análise académica, vamos proceder a uma breve mas necessária cronologia dos factos.
A expansão da NATO
Em 1990, vários líderes ocidentais, como James Baker, Helmut Kohl, Margaret Thatcher, asseguravam aos soviéticos que a NATO nunca se iria expandir para o Leste; as palavras de James Baker, o então secretário de Estado norte-americano: “…não apenas para a União Soviética, mas também para outros países europeus, é importante ter garantias de que…nem uma polegada da actual jurisdição militar da NATO se espalhará para leste”.
Desde a queda o Muro de Berlim, apesar de todas as promessas em sentido contrário, a NATO expandiu-se para a Polónia, a República Checa e a Hungria em 1999; para a Estónia, a Letónia, a Lituânia, a Eslovénia, a Eslováquia, a Bulgária e a Roménia em 2004; para a Albânia e Croácia em 2009; para o Montenegro em 2017; para a Macedónia do Norte em 2020.
Hoje, a Rússia tem bases de mísseis apontados ao seu território a poucos quilómetros das suas fronteiras, não existindo algo semelhante, em termos de proximidade, em relação aos Estados Unidos.
Em 1997, em contradição com as promessas ocidentais, a NATO assina um acordo de cooperação de longo prazo com a Ucrânia, tendo como objectivo final a sua adesão.
Em 2002, é assinado um plano de acção entre a NATO e a Ucrânia, reafirmando o compromisso do estabelecimento de “laços mais estreitos” e delineando um plano de longo prazo para a implementação de “reformas” que tornariam aquele país adequado para a sua plena integração nesta organização.
Em 2008, a secretária de Estado norte-americana, Condoleeza Rice, e o ministro das Relações Exteriores da Ucrânia, Volodymyr Ohryzko, assinam uma Carta de Parceria Estratégica Estados Unidos-Ucrânia, onde se “enfatiza o compromisso contínuo dos Estados Unidos de relação estreita entre a NATO e a Ucrânia”.
Em Fevereiro de 2008, Viktor Yanukovych, natural de Donetsk, venceu as eleições presidenciais e tornou-se o quarto presidente da Ucrânia eleito democraticamente, obtendo a maioria da sua votação na região leste do país, etnicamente russa; até a imprensa ocidental reconhecia a justeza do acto eleitoral: “Observadores internacionais elogiaram calorosamente a eleição…”.
Em Abril de 2008, na cimeira da NATO em Bucareste, assegurava-se que a Ucrânia e a Geórgia seriam membros da NATO. Em Junho de 2008, o parlamento ucraniano aprovou uma lei que impossibilitava a adesão da Ucrânia a qualquer bloco militar. A BBC lamentava o fim da caminhada da Ucrânia em direcção à NATO.
Em Agosto de 2008, o então presidente da Geórgia, Mikheil Saakashvili, interessado na adesão à NATO do seu país, decidiu reincorporar duas regiões separatistas, a Abkhazia e a Ossétia do Sul. A Rússia, através de uma rápida intervenção militar, colocou um fim a esta aspiração, deixando claro que se opunha veementemente a uma eventual adesão da Ucrânia e Geórgia à NATO.
Golpe de Estado: A deposição de um líder democraticamente eleito
Em Março de 2012 surge a primeira versão do acordo de associação entre a União Europeia e a Ucrânia, prevendo-se a assinatura por Viktor Yanukovych no final de Novembro de 2013, na cimeira europeia na cidade de Vilnius, na Lituânia.
Em Outubro de 2012, o partido de Viktor Yanukovych venceu novamente as eleições, reforçando a sua maioria no parlamente ucraniano, onde, pela primeira vez, a extrema-direita marcava a sua presença, através do partido Svoboda, liderado por Oleh Tyahnybok, que obteve mais de 10% dos votos e elegeu 37 deputados.
A 21 de Novembro de 2013, o Governo ucraniano emitiu um decreto a suspender o acordo de associação com a União Europeia; o então primeiro-ministro, Yuriy Boyko, alertava para o prejuízo que representaria para a Economia ucraniana. A alternativa seria a União Aduaneira Euro-Ásia, onde a Economia russa tem um papel preponderante; as sondagens de então indicavam um país dividido 50/50. Dias depois do decreto, ocorreram as primeiras manifestações na Praça Maidan.
A 28 de Novembro de 2013, numa cimeira da União Europeia, Viktor Yanukovych não assinou qualquer acordo de associação, sugerindo um acordo trilateral, envolvendo a Ucrânia, a Rússia e a União Europeia. Esta proposta foi rejeitada liminarmente pela União Europeia. Anunciaram-se milhares de manifestantes na Praça Maidan; outros ocuparam a prefeitura de Kiev. Os políticos da oposição começaram a acusar Viktor Yanukovych de “traição”; alguns pediram a repetição da eleição presidencial, apesar de apenas 18 meses de distância da última.
A 29 de Novembro, os manifestantes apresentaram as suas exigências, uma delas a renúncia imediata de Viktor Yanukovych.
A 1 de Dezembro, os manifestantes iniciaram acções violentas, derrubando barreiras policiais. A polícia retirou-se da Praça Maidan; cerca de 200 pessoas ficaram feridas, incluindo uma centena de polícias.
A 2 de Dezembro, os manifestantes erigiram barreiras em redor da Praça Maidan, bloquearam o acesso a edifícios governamentais e tentaram assaltar o edifício onde se encontrava a equipa do presidente Viktor Yanukovych. Até o insuspeito Guardian dava conta do desaparecimento de cena da polícia! Ao mesmo tempo, o líder da extrema-direita, Oleh Tyahnybok, pedia aos polícias e militares que desertassem e se juntassem à oposição.
A 8 de Dezembro, os manifestantes derrubaram uma estátua de Lenine, onde pintaram uma grafite “Viktor Yanukovych: tu és o seguinte”. O Kyiv Post noticiava que os manifestantes vestiam máscaras, carregavam consigo latas de gás, bastões e cocktais molotov.
A 11 de Dezembro, a vice-secretária de Estado norte-americana, Victoria Nuland, e o seu embaixador Geoffrey Pyatt, juntaram-se aos protestantes na Praça Maidan e conversaram com os líderes da oposição. Os dois foram fotografados a cumprimentar pessoas e a distribuir comida. A importante revista norte-americana Foreign Affairs publicava um artigo com o título: “Viktor Yanukovych tem de sair.”
A 13 de Dezembro, o então senador norte-americano John McCain também se juntou aos manifestantes da Praça Maidan, realizando um discurso em que afirmou: “Estamos aqui para apoiar a vossa justa causa”. Até foi fotografado com o líder da extrema-direita Oleh Tyahnybok!
Depois de uma “trégua natalícia”, as manifestações prosseguiram a 14 de Janeiro de 2014; no dia seguinte, numa reunião do Comité das Relações Exteriores do Senado dos Estados Unidos, o vice-secretário de Estado-Adjunto, Thomas Melia, admitiu que o Departamento de Estado gastou cinco mil milhões de dólares americanos a “ajudar a Ucrânia”, incluindo 180 milhões em “programas de desenvolvimento” para “juízes, deputados e partidos políticos”.
A 16 de Janeiro, o parlamento ucraniano aprovou dez novos projectos-lei que permitiam uma repressão estrita à actividade de protesto, incluindo a remoção da imunidade dos parlamentares que promovessem a violência e a anulação da carta de condução a quem obstruísse as vias públicas.
A 19 de Janeiro ocorreram confrontos entre a polícia de choque e os manifestantes na rua Hrushevskoho; muitos dos manifestantes pertenciam a grupos de extrema-direita, como o partido Svoboda e Sector Direita, e foram vistos a usar símbolos nazis.
A 25 de Janeiro, o presidente Viktor Yanukovych estendeu a mão aos líderes da oposição, oferecendo-lhes um acordo de partilha de poder, propondo Yatseniyuk como primeiro-ministro e Vitaliy Klitschko como vice. A oposição recusou a oferta.
A 28 de Janeiro, num gesto de compromisso, o parlamento revogou nove das 10 leis, aprovando um diploma que concedia amnistia a todos os envolvidos nos protestos, desde que deixassem de ocupar edifícios governamentais. A oposição,uma vez mais, recusou a oferta.
A 7 de Fevereiro, conversas mantidas entre Victoria Nuland e Geoffrey Pyatt foram publicadas, onde se escutava a expressão: “Que se f…a União Europeia”. Numa das conversas, datada de 28 de Janeiro de 2014, discutia-se a composição do futuro Governo, após a eventual saída de Viktor Yanukovych. Numa sondagem publicada pelo Kyiv Post a maioria dos ucranianos opunha-se às manifestações na praça Maidan.
A 16 de Fevereiro, em mais uma tentativa de compromisso, o governo libertou todos os detidos durante os protestos; desta vez a oposição respondeu positivamente, suspendendo a ocupação da Prefeitura de Kiev que já durava três meses.
A 19 de Fevereiro, Viktor Yanukovych declarou uma “trégua”, numa declaração conjunta assinada pelos três principais líderes da oposição, comprometendo-os à negociação de uma paz duradoura.
A 20 de Fevereiro, snipers abriram fogo contra a multidão na Praça Maidan, resultando em pelo menos sessenta mortes. Manifestantes e polícias acabam mortos no tiroteio. A EuroNews relatou que a “trégua tinha sido quebrada” poucas horas depois de ter sido assinada.
A 21 de Fevereiro, apesar do derramamento de sangue, as negociações continuaram, resultando no “Acordo sobre a resolução da crise política na Ucrânia”, assinado por todas as partes, mais os ministros das Relações Exteriores da Alemanha e da Polónia. O acordo exigia a criação de um “Governo de Unidade Nacional” temporário, a ser substituído após novas eleições presidenciais até ao final de 2014. Também se exigia uma investigação completa aos disparos que ocorreram na Praça Maidan no dia anterior.
Viktor Yanukovych prometeu que o Governo não declararia o Estado de Emergência, não chamaria os militares e iria retirar a polícia do local dos protestos: em troca, os manifestantes deveriam entregar todos os edifícios públicos ocupados e armas ilegais.
Os líderes dos manifestantes – incluindo Dmitryo Yarosh, do Sector de Direita Neonazi – rejeitaram o acordo e ameaçaram invadir o Parlamento e a Residência Presidencial se Viktor Yanukovych não renunciasse imediatamente.
A 22 de Fevereiro, em lugar de respeitarem os termos do acordo, assim que a polícia recuou, os manifestantes invadiram os prédios do Governo e tomaram o controle de Kiev. Yanukovych fugiu para a cidade de Kharkiv, no leste da Ucrânia. Uma notícia da Time relatava os eventos assim: “Quando a polícia abandonou os seus postos em toda a capital, a oposição estabeleceu o controle sobre todos os principais cruzamentos e capturou o palácio presidencial, estabelecendo um perímetro em torno da antiga residência de Yanukovych”.
Poucas horas após a tomada da cidade de Kiev, o parlamento ucraniano votou a destituição de Viktor Yanukovych com 328 votos a favor e 0 contra, com mais de 120 deputados ausentes da votação. Obviamente, a votação foi inconstitucional, e não vinculativa – onde já vimos isto?
A 24 de Fevereiro, o parlamento demitiu um terço dos membros do Tribunal Constitucional da Ucrânia e emitiu um mandado de prisão para o presidente Viktor Yanukovych. No dia seguinte, traído pelo próprio partido, Viktor Yanukovych exilou-se na Rússia, afirmando que a sua vida se encontrava em perigo.
A 27 de Fevereiro, Arseniy Yatsenyuk tomou posse como primeiro-ministro interino da Ucrânia, cargo que ocuparia em pleno após as eleições de Maio de 2014. Vitaly Klitschko, o campeão de boxe, foi relegado para presidente da câmara de Kiev. Oleh Tyahnybok retomou seu cargo de simples deputado. A composição do Governo correspondeu exactamente à descrita na conversação de 28 de Janeiro de 2014 entre Victoria Nuland e Geoffrey Pyatt! Nesse mesmo dia, Anders Fogh Rasmussen, secretário-geral da NATO, disse à imprensa que “a porta ainda está aberta” para a adesão da Ucrânia!
No início de Março de 2014, surgem evidências de que os snipers que atiraram sobre as multidões na Praça Maidan não estavam às ordens do Governo ucraniano e que dispararam para ambos os lados, polícia e manifestantes, visando simplesmente gerar o caos.
Tal evidência foi apresentada à representante da política externa da União Europeia, Catherine Ashton, pelo ministro dos Negócios Estrangeiros da Estónia, Urmas Paet, num telefonema que mais tarde vazou para a imprensa, e foi confirmado como genuíno pelo Governo da Estónia. Nem a União Europeia nem o novo Governo da Ucrânia fizeram qualquer esforço para investigar essas evidências ou levar os assassinos à justiça.
A 21 de Março de 2014, o Governo interino da Ucrânia assinou o controverso acordo de associação com a União Europeia, através da aprovação de uma lei.
Em Outubro de 2014, o Governo que saiu das eleições, suportado por uma aliança de 5 partidos, considera a adesão à NATO uma prioridade nacional da Ucrânia!
A “invasão” da Crimeia
Em 1954, o líder soviético Nikita Kruschev, natural da Ucrânia, assinou um decreto a transferir a Crimeia da República Socialista Soviética (RSS) da Rússia para a RSS da Ucrânia. A Crimeia fazia parte da Rússia desde 1783, após a derrota do Império Otomano pelo exército de Catarina, a Grande, em 1774.
Em 1965, a cidade de Sebastopol, o maior porto da Crimeia, juntamente com outras nove cidades, recebeu o título de “Cidade Herói da União Soviética”, por ter resistido heroicamente aos ataques nazis durante a Segunda Guerra Mundial.
Em 1990, com a queda da União Soviética, a Ucrânia tornou-se independente e levou consigo o território da Crimeia.
Em Janeiro de 1991, a Crimeia realizou um referendo, perguntando à população se queriam regressar ao estatuto de República Socialista Soviética Autónoma da Crimeia, abolido em 1945. A votação foi de 94% a favor e a Crimeia declarou-se independente.
Em Fevereiro de 1991, o parlamento da Ucrânia reconheceu a independência da Crimeia, fazendo aprovar uma lei sobre a restauração da República Socialista Soviética Autónoma da Crimeia.
Em Setembro de 1991, o parlamento da Crimeia reverteu esta decisão, declarando o território como parte constituinte da Ucrânia.
Em 1992, o parlamento da Crimeia declarou novamente a independência da Ucrânia, constituindo-se como “República da Crimeia”. Elaboram a sua própria Constituição e decidiram agendar um referendo em relação à secessão da Ucrânia.
O parlamento ucraniano recusou-se a reconhecer a declaração e forçou o cancelamento do referendo. Como solução de compromisso, a Ucrânia propôs à Crimeia um estatuto especial de autonomia, desde que adicionassem uma linha à sua Constituição designando a Crimeia como parte da Ucrânia.
Em 1994, o recém-eleito presidente da Crimeia, Yuriy Meshkov, realizou um referendo, colocando três perguntas à população, com destaque para estas duas: (i) Apoia um regresso à Constituição de Maio de 1992 que não garante que a Crimeia faça parte da Ucrânia? (ii) Apoia que todos os cidadãos da Crimeia tenham direito à dupla cidadania com a Rússia? As três perguntas são aprovadas com pelo menos 77% dos votos. O presidente Meshkov restaurou então a antiga Constituição. O Governo ucraniano declarou o referendo ilegal e recusou-se a reconhecer os resultados ou a nova Constituição.
Em 1995, o Governo ucraniano extinguiu o cargo de presidente da Crimeia e reduziu os poderes do parlamento ucraniano, passando a governar o território por decreto.
Em 2001, num Censo realizado à população da Crimeia, 60% declarou-se etnicamente russa, e 77% considerou o russo como sua língua nativa.
Em 2004, na sequência da vitória eleitoral de Viktor Yanukovych, um aliado do Ocidente, políticos de diversas regiões da Ucrânia, nomeadamente da região do Donbass e da Crimeia, solicitaram um referendo para transformar a Ucrânia numa federação, mas foram completamente ignorados por Kiev.
Em 2006, no seguimento do conflito entre a Geórgia e a Rússia, a BBC enviou um repórter para a Crimeia. Este escreveu um artigo que detalha o forte sentimento pró-russo na península, o papel fundamental que a cidade portuária Sebastopol desempenhou na História da Rússia, e os avisos de muitos habitantes da Crimeia de que “os nacionalistas em Kiev” estavam a tentar “expulsar os russos”.
Entre 2009 e 2011, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento realizou uma série de pesquisas na Crimeia sobre a questão da reunificação com a Rússia. Cada pesquisa retornou 65-70% de respostas positivas, entre 16 a 25% de indecisos e apenas 9 a 14% a favor da permanência na Ucrânia.
Em 28 Janeiro de 2014, com as manifestações a decorrerem na Praça Maidan, o presidente do conselho da cidade de Sebastopol, numa carta aberta, pediu ao presidente Viktor Yanukovych que proibisse o “grupo extremista” Svoboda e convidou os munícipes da cidade a formarem “Esquadrões do Povo”, conforme descrito na lei ucraniana, visando defender a fronteira da Crimeia: “É impossível permitir que militantes especialmente treinados e armados do “Sector Direito” e outras organizações pró-fascistas e extremistas penetrem na nossa cidade e ditem seus termos. Forneceremos uma defesa confiável de Sebastopol. Extremismo, ilegalidade e banditismo não passarão na cidade dos heróis”.
A 14 de Fevereiro, o Yahoo News informou: “A região autónoma da Crimeia da Ucrânia inclina-se para Moscovo”. O artigo dava conta que o parlamento da Crimeia emendou a sua constituição, incluindo a descrição de que a Rússia era o “garante da segurança da Crimeia”, e que as autoridades eleitas tinham pedido ajuda à Rússia no caso dos manifestantes da Praça Maidan tentarem mudar-se para a Crimeia.
A 20 de Fevereiro, o deputado e Presidente do Parlamento da Crimeia, numa reunião internacional em Moscovo, afirmou que a Crimeia “pode separar-se da Ucrânia, se o país se dividir”.
A 22 de Fevereiro, no dia em que Viktor Yanukovych perdeu o poder, em consequência das manifestações na Praça Maidan, o insigne jornal norte-americano The Washington Post perguntava: “A batalha por Kiev acabou, a batalha pela Crimeia está prestes a começar?”
A 23 de Fevereiro, numa das primeiras leis do regime que resultou da “revolução Maidan”, foi revogada a lei que atribuía ao russo o estatuto de língua oficial do Estado ucraniano. Os líderes da extrema-direita, Oleh Tyanobohk e Dimitri Yarosh, propuseram a ir-se mais além: banir tanto o Partido das Regiões, que suportava Viktor Yanukovych, como o Partido Comunista Ucraniano, ambos com forte implementação popular no leste da Ucrânia e na península da Crimeia.
Com o novo regime a implementar-se em Kiev, a 26 de Fevereiro de 2014, o parlamento da Crimeia reuniu-se numa sessão especial para discutir os eventos em Kiev. O líder do parlamento discursou a uma multidão que se encontrava fora do edifício: “Partilho o vosso alarme e preocupação com o destino da Crimeia…Lutaremos pela nossa república autnoma até o fim…Hoje, Kiev não quer resolver nossos problemas, portanto devemos unir-nos e agir de forma decisiva. O povo da Crimeia tem força suficiente. O neonazismo não funcionará na Crimeia. Não vamos trair a Crimeia.”
Na madrugada de 28 de Fevereiro, homens em uniformes, mas sem qualquer insígnia, assumiram o controlo de todos os aeroportos, portos marítimos, estações de comboio e passagens de fronteira na península da Crimeia; protegeram igualmente todos os prédios do Governo em Simferopol. Esses homens são mais tarde revelados como tropas russas das bases de Sebastopol.
Kiev e os principais dirigentes da NATO chamaram a presença destas tropas de invasão, mas a Rússia defendeu a sua presença, alegando que as tropas estavam lá a convite das autoridades locais da Crimeia e de Viktor Yanukovych, a quem eles ainda reconheciam como o legítimo presidente da Ucrânia. Além disso, os russos afirmaram que o contrato assinado entre a Rússia e a Ucrânia permitia uma presença militar de até 25 mil efectivos estacionados na Crimeia; em nenhum momento esse número tinha sido excedido.
A 11 de Março de 2014, o parlamento da Crimeia declarou-se independente da Ucrânia e anunciou a realização de um referendo para 16 de Março; em lugar de colocar a pergunta, independente ou não, propôs: (i) a manutenção da Crimeia na Ucrânia; (ii) o regresso à Rússia. Dois dias mais tarde, o parlamento da Crimeia convidou formalmente observadores internacionais da OSCE para assegurar que o referendo fosse justo. A OSCE descreveu a votação como “ilegal” e recusou-se a comparecer.
A 16 de Março, o resultado do referendo deu uma votação de 97% a favor da reunificação com a Rússia. A 21 de Março, a Rússia reconheceu o resultado do referendo.
Em Abril, o Governo da Ucrânia, alegando a cobrança de uma dívida da Crimeia, fechou a barragem no Canal da Crimeia do Norte, reduzindo o fluxo de água doce para a península. O acesso à água é protegido pelo artigo 29 da Convenção de Genebra; cortar o acesso para punir uma população civil pode ser classificado como crime de guerra.
A guerra civil na Ucrânia
Após a reunificação da Crimeia com a Rússia, de imediato surgiram manifestações anti-Kiev na região do Donbass, hoje as repúblicas separatistas de Donetsk e Luhansk.
A 25 de Fevereiro de 2014, o recém-empossado ministro do Interior da Ucrânia dissolveu a tropa de choque Berkut da Crimeia que voltava para Sebastopol, depois desta reprimir protestos em Kiev. Ao retornarem a Sebastopol, essas unidades foram recebidas como heróis e foram-lhes emitidos passaportes russos; alguns, juntaram-se a unidades paramilitares para combater na região do Donbass.
A 18 de Março, manifestantes pró-russos ocuparam o edifício da câmara municipal de Mariupol.
A 6 de Abril, vários manifestantes pró-russos ocuparam os edifícios dos serviços de inteligência da Ucrânia nas cidades de Donetsk e Luhansk.
A 16 de Abril, protestantes pró-russos e contrários ao novo regime pós Maidan, atacaram uma coluna militar do exército ucraniano a caminho da cidade portuária de Mariupol (Donetsk).
A 6 de Maio, deu-se o massacre de Odessa (a ocidente da Crimeia), depois de enfrentamentos iniciados no decurso de uma partida de futebol. Grupos extremistas e favoráveis ao Governo ucraniano, resultante da “revolução Maidan”, cercaram dezenas de manifestantes contrários, que se tinham refugiado num prédio de uma Central Sindical, e provocaram um incêndio criminoso, usando cocktais molotov.
Os extremistas impediram a saída das pessoas – espancando as que tentaram fugir –, enquanto incendiavam as dependências do edifício do sindicato. O resultado foram 46 pessoas assassinadas, muitas das quais morreram sufocadas pelo fumo, outras queimadas, e ainda houve as que se atiraram da janela, tentando fugir das chamas. Os vídeos deste massacre são eloquentes.
A 9 de Maio de 2014, o recém-nomeado chefe do departamento de polícia da cidade de Mariupol, Valery Androschuk, convocou uma reunião da polícia local, acompanhado do chefe do batalhão especial “Denpr” – um grupo paramilitar de extrema-direita. Durante a reunião, o chefe de polícia deu ordem para dispersar a manifestação do “Dia da Vitória” sobre o fascismo – derrota de Hitler em 9 de Maio de 1945 -, bem como prender os “cidadãos mais activos”.
Alguns dos polícias recusaram-se a cumprir a ordem; de seguida, Valery Androschuk disparou um tiro sobre um dos polícias revoltosos. De imediato houve resposta, com Androschuk a ser ferido e o chefe do esquadrão “Dnepr” a ser morto. Os polícias revoltosos recusaram-se a obedecer a quaisquer ordens e declararam que não fariam guerra ao seu próprio povo. Androschuk barricou-se num dos escritórios do prédio e chamou a Guarda Nacional para ajudá-lo a reprimir os polícias revoltosos.
Imediatamente, foi enviada a Guarda Nacional e militantes do Sector Direita, com a ajuda de tanques, resultando no bombardeamento do edifício da polícia. Estima-se que morreram cerca de 100 pessoas neste incidente. Depois disto, os militares retiraram-se para a periferia da cidade, continuando o controlo da cidade a milícias pró-russas.
Após um impasse, a 13 de Junho, o Governo da Ucrânia tomou uma posição de força, enviando o batalhão Azov (constituído por forças extremistas) e o Dnipro-1 para recuperar o controlo da cidade, resultando num sucesso. Petro Poroshenko, o novo presidente da Ucrânia, ordenou a mudança da capital regional de Donetsk para Mariupol.
Após o prolongamento do conflito, no início de 2015, a 12 de Fevereiro foram assinados os acordos de Minsk (Bielorrússia), com a participação da Rússia, Ucrânia, França e Alemanha. Foi decretado um cessar-fogo entre as forças ucranianas e separatistas, obrigando as partes a retirarem do terreno o equipamento militar pesado. A OSCE foi chamada como observadora para o terreno.
Os acordos nunca foram respeitados; os combates transformaram-se numa guerra de trincheiras, envolvendo cerca de 75 mil soldados dos dois lados ao longo de uma linha de frente de 420 km de comprimento, cortando áreas densamente povoadas.
A guerra arruinou a Economia e as indústrias pesadas da região, gerou milhões de refugiados e transformou a zona de conflito em uma das áreas mais contaminadas por minas do mundo. Número de vítimas mortais deste conflito, segundo a OSCE: 14 mil pessoas. Alguém se indignou? Alguém solicitou a intervenção do Tribunal Internacional Penal? Os crimes estão aqui amplamente detalhados – dispensa comentários!
O menino do papá
Em Fevereiro de 2014, Hunter Biden, o filho do actual presidente dos Estados Unidos, foi dispensado do Exército em virtude de um teste de drogas – cocaína –, que acusou positivo.
Em Abril de 2015, um dos executivos da Burisma – uma empresa de gás ucraniana fundada por Mykola Zlochevksy –, de seu nome Vadym Pozharskyi, foi apresentado a Joe Biden, pelo seu filho Hunter Biden.
Nesse mesmo dia, Hunter Biden foi contratado pela Burisma para integrar o seu Conselho de Administração. Seria uma espécie de relações públicas entre a empresa e a Administração norte-americana. Salário mensal: 50 mil USD (cerca de 45 mil Euros). A partir de Maio de 2017, sofreu um ligeiro corte, dois meses depois de o seu pai abandonar o cargo de vice-presidente dos Estados Unidos.
Em Fevereiro de 2016, o procurador-geral da República da Ucrânia, Victor Shokin, iniciou uma investigação à Burisma. Nesse dia, ocorreu uma busca à casa de Mykola Zlochevksy.
Em Março de 2016, o parlamento ucraniano despediu Victor Shokin. A União Europeia aplaudiu esta decisão.
Em Janeiro de 2018, Joe Biden numa conferência afirmou: “Olhei para eles e disse: vou-me embora em seis horas. Se o procurador não for demitido, não irá receber o dinheiro”. Referia-se a um empréstimo de mil milhões de dólares americanos à Ucrânia. A cabeça de Shokin foi servida num prato.
Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
Winston Churchill foi assim?
Volodymyr Zelenskyy fez fortuna no mundo do entretenimento, através da empresa que fundou: Kvartal 95 Studio. Durante anos, esteve ligado ao oligarca Ihor Kolomoisky, uma relação que se desenvolveu em 2012, no mesmo ano em que o actual presidente ucraniano fundou as suas empresas em offshores.
Os Pandora Papers revelaram o nome de Zelensky. Uma das empresas ligadas à Maltex (uma empresa na qual detinha participações) recebeu 1,2 milhões de dólares americanos em 2013 de outra empresa offshore que estava ligada ao Grupo 1+1 de Kolomoisky. A quantia foi paga em forma de taxas de licenciamento para o show “Make a Comedian Laugh“. Impostos para a Ucrânia não é com ele.
Em Abril de 2019, Volodymyr Zelenskyy vendeu a sua empresa Kvartal 95 Studio ao seu amigo Serhiy Shefir – mais tarde tornou-se seu conselheiro na presidência.
Em Maio desse ano, o ex-comediante Volodymyr Zelenskyy foi eleito presidente da Ucrânia.
Em Agosto de 2019, mandou prender o seu opositor político Viktor Medvedcuk, do partido “Pela Vida”. Motivo: traição à Ucrânia.
A 2 de Fevereiro de 2021, Volodymyr Zelenskyy anunciou o fecho de três canais de televisão da oposição. Segundo a sua opinião, não eram mais do que propaganda russa no país.
Em Março de 2021, Volodymyr Zelenskyy despediu o presidente do Tribunal Constitucional da Ucrânia, Oleksandr Tupytskiy, e outro juiz desse mesmo tribunal, Oleksandr Kasminin, “por representarem uma ameaça à independência e segurança nacional da Ucrânia”.
Em Agosto de 2021, Volodymyr Zelenskyy considerou o gasoduto Nord Stream 2, que liga directamente a Rússia à Alemanha, “uma arma perigosa, não apenas para a Ucrânia, mas para toda a Europa (…) Encaramos este projecto exclusivamente pelo prisma da segurança e consideramos que é uma arma geopolítica perigosa do Kremlin”. Por sua vez, a subsecretária de Estado norte-americana, Victoria Nuland – aquela da Praça Maidan – disse: “Se a Rússia invadir a Ucrânia, o Nord Stream 2 não avançará”. E assim aconteceu!
A 12 de Fevereiro de 2022, Volodymyr Zelenskyy, numa conferência em Munique (Alemanha), anunciou a sua intenção de terminar com o Memorandum de Budapeste (1994), que proíbe a Ucrânia de desenvolver, proliferar e usar armas atómicas.
Portanto, estamos na presença de um novo Winston Churchill? Ressuscitou ele na Ucrânia?
O leitor decida!
Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Tento aprender com camaradas de fiscalidade – gente extraordinariamente aborrecida, que ainda assim domina conceitos importantes para que nós, comuns mortais, consigamos perceber de que forma somos apertados a cada mês.
Reparem que escrevi “apertados”, e não o vernáculo apropriado para esta situação. Estive a reler alguns textos e cheguei à conclusão que, aqui e ali, deixava escapar um calão mais ofensivo, por sorte convenientemente censurado pelo meu editor. E não há necessidade: pessoas com a idade da minha avó passam por aqui. Crianças também. E mesmo vocês que são só velhos, como eu, ficariam com a ideia que estou chateado, aqui no frio. Ou que me falta vocabulário.
Hoje é o dia em que tudo muda. Falamos a sério, sem prosa de Bocage, metáforas ou hipérboles. Portanto, fiscalidade dizia eu quando…uahhh, uaaahhh… zzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzzz.
Explicam-me que o mercado liberalizado dos combustíveis tem uma lei que, entre outras coisas, permite às gasolineiras decidirem o preço por litro, os aumentos, etc. Livre concorrência entre marcas, algo que, acrescentam na tese, em princípio favorecerá o cliente (baixa de preços e coisa e tal).
Como qualquer nabo que vai a uma bomba de gasolina, tenho aquela eterna questão na cabeça: se o barril de Brent aumenta o preço, a gasolina também aumenta passados poucos dias. Já o contrário não se verifica. Não, nabo não é vernáculo, baixem lá as forquilhas.
Na minha ingenuidade penso que a guerra é a mãe de todos os males. Ou seja, se o fornecimento de petróleo é cortado, reduzido ou a produção menor, o preço sobe. E a coisa parece umbilicalmente ligada. Dispara-se um tiro num país produtor, no dia seguinte há mexidas nas tabelas da Repsol da Segunda Circular. Parece que recebem o baldinho de gasolina pela manhã, com a entrega de pão quente.
Elucidam-me os camaradas fiscalistas/economistas que nada se faz com balde, e julgo que até me dirigem uns merecidos insultos. Portugal compra o seu crude à Nigéria, à Angola, à Líbia, etc., e tem reservas, portanto, nada se altera hoje porque ontem caiu um míssil em Kiev, ou se alterará se amanhã rebentar outro carro armadilhado em Bagdade.
“O que é que acontece então?”, pergunto eu na minha sede de conhecimento. Aqui junta-se um camarada major-general à conversa, que separa um pouco as águas. Num cenário de crise há sempre quem consiga lucros extraordinários. Por exemplo, na pandemia foram os laboratórios, e agora, com um país produtor de energia a invadir outro, está a tempestade perfeita montada para uma crise energética, mesmo nos países menos afectados.
Por outras palavras, as refinarias aproveitam para vender mais caro, e as gasolineiras também, maximizando os seus lucros. De forma legal, entenda-se. No entanto, e esta é a parte verdadeiramente fantástica, quando o barril volta a descer e as refinarias também, ainda assim as gasolineiras dificilmente baixam, pelo menos em igual percentagem.
O que resulta daqui? O caos total num país completamente estrangulado pela carga fiscal e os baixos salários. Dizem-me que o Governo, que, entretanto, se fartou de arrecadar impostos com os aumentos, dá uma compensação a cada um de nós – vouchers, certo? –, mas, no essencial, a pressão devia ser feita pelo Estado nas gasolineiras, não permitindo o aumento descarado de lucros numa altura de crise.
Fico verdadeiramente baralhado. Se é um camarada que me diz isto, bom, compreendo. Somos pela regulação do sector. Reparem no “somos” a apelar ao insulto gostoso.
Mas é um liberal que me diz: “temos que meter travão nas gasolineiras!”. Como dirão o mesmo das eléctricas quando o quilowatt por hora subir e a autonomia da bateria der para pouco mais de 300 quilómetros.
Percebo pouco de Economia, menos de fiscalidade e nada de crude, mas se há coisa que os últimos dois anos me ensinaram é que não há como uma boa crise para um liberal passar a socialista. Está a tornar-se uma verdade tão profunda que, não tarda começa a entrar nos prefácios do Minh’Alma.
Fiquei na mesma em relação à lógica dos aumentos, o mercado liberalizado, a lei que dá o poder às gasolineiras e o pudor do Estado em lá meter o pé.
Cheirou-me a capitalismo puro e duro, mas que se “coza tudo isto” [N.D. censurámos o vernáculo original], sempre foi uma hora bem passada entre ilustres pensadores.
Ahhhh…estava eu a ir tão bem [N.D. e ficaste bem; nós aqui estamos atentos a desvarios!].
Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
A comunicação social assume um espaço determinante no nosso mundo e na coordenação das acções humanas. A modernidade reflexiva é edificada na acção comunicativa, tal como é referida por Jurgen Habermas, e desenvolvida na teoria dos sistemas por Niklas Luhmann, sob o princípio fundamental da confiança.
A confiança tornou-se no código que passou a alicerçar os valores éticos e morais nas organizações sociais de regulação de toda a actividade institucional social, política e financeira.
O valor atribuído à confiança assumiu uma representação na dimensão ética, de tal modo que o presidente norte-americano Richard Nixon abandonou em 1971 o padrão-ouro, e a moeda passou a reger-se pelo código da confiança.
A ética da “boa-fé” rege os diversos sistemas sociais que se alimentam e se auto-reproduzem na base da comunicação. O mundo moderno desenvolveu-se em torno da acção comunicativa que orienta as actividades individuais, colectivas, financeiras e políticas no mundo da vida.
A comunicação social passou, assim, a regular o dia-a-dia das populações, na medida que lhes disponibiliza a informação sobre o estado do mundo, tal como o tempo, as epidemias, as questões sociais e as orientações políticas.
Neste pressuposto da confiança, a informação recebida pelos principais órgãos de comunicação social vai toldando o nosso pensamento sobre o estado de coisas e ao circuito das nossas redes de relações com o mundo.
A confiança surge numa espécie representação emocional colectiva, imediatamente deduzível na semântica de organização da psicologia social (a mente colectiva), na ética deontológica “do dever ser” que regula os códigos profissionais.
Na era da comunicação, e da informação ancorado ao surpreendente desenvolvimento tecnológico e a uma maior dependência das redes sociais, a informação sobre qualquer assunto se propaga em milésimos de segundos.
A comunicação e os jogos de linguagem aproximam-nos e criaram mundos inimagináveis dentro do mundo. A revolução tecnológica fora de tal ordem que assistimos, pela primeira vez na História, a uma pandemia online, com informação sobre os mundos da ciência e especialistas de diversas áreas a ser transmitida em directo em todo o lado.
No mês de Março de 2020, assistimos em directo a uma mudança na comunicação social, a uma profunda dramatização do risco e a um estranho alinhamento sobre o tratamento da informação a nível internacional.
A omnipresença do risco da morte passou a ser martelada durante 24 horas, em todos os meios de comunicação social. Naturalmente, uma campanha de terror e pânico tomaram conta do Mundo. O apelo constante ao medo, e o recurso à heurística afectiva na transmissão da informação, levou ao bloqueio do raciocínio lógico, o que facilitou que uma sociedade inteira abdicasse tranquilamente das suas liberdades, direitos e garantias.
Na lógica clássica, todo o argumento é considerado válido quando obedece ao princípio da identidade e da não contradição, caso contrário deve ser conduzido ao absurdo.
As falácias lógicas passaram a constituir os argumentos expostos no espaço público através da comunicação social e facilmente aceites sem questionamento pelas populações – o que me deixou atónita!
Algo estranho se passava e extrapolava a minha compreensão filosófica sobre o estado de hipnose colectiva. Numa conversa com o psiquiatra José Luís Pio Abreu, para tentar entender o que se passava na psyché humana perante o fenómeno de “anomia” generalizada que estávamos a experimentar, perguntei-lhe: “Qual é a explicação para esta apatia?” A sua resposta foi rápida e simples: o medo!
Recordo-me de conversarmos algumas horas sobre a acção do medo e o mecanismo de acção dos neurotransmissores na resposta bioquímica do organismo humano.
Interroguei de novo o especialista: “O excessivo aumento da adrenalina poderia moldar a arquitectura cognitiva da colectividade e alterar a percepção humana?” Respondeu-me que sim, num tom de voz calmo e sereno.
Nesse momento, disse-lhe que estava na hora de escrever o segundo volume do seu livro que tem, como se sabe, o título Como tornar-se doente mental. Esse segundo volume poderia chamar-se Finalmente, conseguimos tornar-nos doentes mentais. Rimos! Disse-lhe que o Mundo era um manicómio! Ele retorquiu a rir: “Sempre foi”.
Na História da Humanidade, é a primeira vez que os perdigotos paralisam a Economia mundial na sociedade que sempre esteve exposta ao risco.
Na pandemia surgiu um fenómeno novo: a comunicação social, através das empresas de peritos e cientistas, assume o papel de educadores da consciência colectiva para a verdade dos cidadãos, do bem comum, da cidadania, e passa a distinguir os cidadãos bons.
A liberdade de expressão e a diversidade do pensamento, essenciais à vida humana e à democracia, parecem sucumbir aos direitos únicos dos Daimons modernos, que têm acesso directo à verdade divina, e a traduzem para o mundo dos Homens, sem que os últimos possam contestar. Caso o façam, são silenciados e julgados nos Ministérios da Verdade.
Assistimos a diversas guerras que têm origem na comunicação e na linguagem. A Filosofia considera que os problemas do Mundo têm origem na comunicação, ou seja, na linguagem.
No momento presente, temos a Guerra da Ucrânia que passou a ocupar o estatuto de terror ocupado anteriormente pelo coronavírus.
Outras guerras ocorrem, e tantas vítimas morrem ao mesmo tempo que as vítimas da Ucrânia, mas não são importantes para o Mundo nem para a comunicação social. O fenómeno psicológico e afectivo no impacto da notícia é relevante para o receptor, porque quanto mais apelo à carga emocional, maior será o seu nível de compaixão com as vítimas (e maiores as audiências).
As mortes na Ucrânia geram mais compaixão e movimentação das massas do que as 200 crianças mortas no Iémen. Seres humanos são seres humanos sem distinção! Não defendo a guerra na Ucrânia, mas preocupa-me o fenómeno psicológico que origina a movimentação enérgica de massas a tomarem partido por o lado bom aprovado pelos meios de comunicação.
O discurso de ódio e morte ao senhor Vladimir Putin é já permitido nas redes sociais, desde que seja claramente mencionada a invasão da Ucrânia. Estará mesmo tudo louco?
A Ana Gomes, figura pública ligada ao Partido Socialista, veio ao espaço público fomentar o discurso de ódio sem que ninguém se indigne. As novas gerações perante a subversão de valores a que assistem quotidianamente, talvez passem a considerar que a sociopatia é uma carreira profissional e artística, e desmembrar o corpo do condenado publicamente é banal, tal como descreve Michel Foucault na obra Vigiar e punir.
Estará a sociedade tão doente que pretenda normalizar a barbárie, de modo a criar uma ética de conduta para os bons assassinos que matam os maus. Estará a comunicação social a fomentar uma Terceira Guerra Mundial? Sim, porque todos sabemos que o senhor Putin não admitirá que o mundo ocidental o trate por assassino e apele à sua morte incentivado pelos meios de comunicação social.
Filósofa (com pós-graduações em Biologia, Ciências Cognitivas e Economia Social)
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