Em dia de S. João se festejou em Palacio o nome de S. Mag, & houve Serenata no quarto da Rainha Nossa Senhora. Quinta feyra 16, do passado teve primeira audiência de Sua Mag. Mons. De Montagnac Consul da Naçaõ Francesa.
De portas totalmente fechadas, sem declarações à imprensa, nem respostas aos jornalistas. Foi assim o encontro “informal” entre os 17 ministros que António Costa chamou para a Base Naval do Alfeite, em Almada, durante toda a tarde deste sábado. Os governantes chegaram de barco, com partida de Lisboa, e estiveram juntos durante mais de cinco horas. Na sua conta de Twitter, o primeiro-ministro falou de uma reunião “extremamente útil e produtiva”, mas não esclareceu o que esteve em cima da mesa de trabalhos. Segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO junto de fonte do executivo, o encontro serviu para “fazer ponto de situação” antes das férias de Verão “e perspectivar os próximos meses”.
A Rainha nossa Senhora tomou a novena da gloriosa S. Anna na Igreja do Espirito Santo dos Padres da Congregaçaõ de S. Filippe Nery. O Senhor Infante D. Carlos foy hontem para a quinta, que Antonio Leyte Pacheco Malheyro Macedo, Alcayde mór da Fronteira, tem no sitio de S. Sebastiaõ da Pedreira, para convalescer de algumas leves queyxas, & alli lhe assistem a Senhora Marqueza de Santa Cruz, Aya de Suas Altezas, & D. Christtovaõ Joseph da Gama, Vedor da Casa da Rainha nossa Senhora.
Na mesma publicação, António Costa partilhou imagens da viagem de barco e surge ao lado da ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, do ministro da Educação, João Costa, e do ministro das Finanças, Fernando Medina. Numa segunda publicação, o primeiro-ministro afirma que estes quase quatro meses de mandato do XXIII Governo, o seu terceiro como primeiro-ministro, “têm sido muito activos e exigentes” e que por isso “este dia de reflexão e de análise política e prospectiva para os próximos meses foi muito enriquecedor”.
Terça feira da semana passada foy a Rainha N. Senhora com os Principes, e o Senhor Infante D. Pedro à Villa de Bellas,e jantàraõ na quinta dos Condes de Pombeiro. Na quinta feira foy a mesma Senhora, com a Princeza, e o Senhor Infante D. Pedro à Igreja dos Religiozos Carmelitanos, que celebravaõ solemnemente a festa de N. Senhora do Monte do Carmo. Na seta feira foraõ dar principio à Novena da Gloriosa Santa Anna, na Igreja dos Padres da Congregaçaõ do Oratorio, e no Sabbado se divertiraõ na Real Taoada de Alcantara; onde também concorreo o Principe nosso Senhor.
Minutos depois da publicação do primeiro-ministro seria a conta oficial do Governo a partilhar um vídeo que resumiu o “dia de trabalho em equipa, focado na preparação dos próximos meses e na resposta aos desafios que se colocam ao país”.
ElRey nosso Senhor, que Deos o guarde, com o Principe, e o Senhor Infante D. Pedro, foram na tarde de segunda feira primeiro do corrente à Ermida de Nossa Senhora do Rosario da Restauraçam, onde estava o Lausperenne; e depois de haverem feito a oraçam, fizeram a honra a Luiz Gonçalves da Camera Coitinho, Padroeiro da mesma Capella, de lançar agua benta na sepultura de seu pay Gastam Jozé da Camera Coutinho, Estribeiro mór que foy da Rainha nossa Senhora.
O encontro entre a equipa de António Costa terminou já depois das 19h30 e o primeiro a abandonar o local foi o ministro das Infra-estruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, só depois António Costa saiu.
Quem já navegou durante a noite entende perfeitamente a importância das estrelas e dos faróis. Se aquelas em nada dependem da mão humana para cintilar, estes são um exemplo extraordinário do engenho e da técnica da Humanidade. Apesar de tudo, por mais belos que sejam, nem as estrelas nem os faróis são um destino em si mesmo, revelando-se úteis ao ajudar o navegador a tomar consciência da sua localização e ao sinalizar perigos.
Quando atingimos a frescura da adolescência, aventuramo-nos sem medo por águas desconhecidas e, num golpe de inconsciência, os jovens facilmente acreditam nos sonhos e na aventura, entregando-se a causas, às quais aderem de corpo e alma.
Fazem-no pela adrenalina, pela novidade, pela provocação, mas acima de tudo, a sua atitude revela uma forte intenção de encontrar o seu lugar no Mundo. Mas há quem disso se aproveite e se alimente dessa energia juvenil.
Em oposição à imagem dos abutres – que preferem carne em avançado estado de putrefação – é o comportamento dos vampiros que mais se aproxima daqueles que, sedentos de sangue novo, capturam os mais desprevenidos.
Não é em vão que as juventudes partidárias circundam as universidades. É lá que vão pescar os potenciais camaradas, propondo-lhes um lugar de intervenção na primeira fila para mudar o Mundo. Assim, infelizmente, o que podia ser uma escola de vida torna-se, em demasiados casos, numa escola mafiosa de atropelos e interesses, acabando por formar verdadeiros parasitas da sociedade.
Já António Vieira, conhecido padre jesuíta, no famoso Sermão de Santo António aos Peixes, se tinha lembrado de nos alertar para os interesses dos parasitas e oportunistas dos pegadores, da vaidade dos peixes voadores, da soberba e arrogância dos roncadores e da traição do polvo.
O lugar dos jovens é no mundo! No mundo real do trabalho, dos projetos sociais e humanos que não servem propagandas, do amor que não escolhe apelidos… Tudo isto enquanto ganham uma autêntica experiência de vida.
Estou certo de que todos gostaríamos de ver, no poder político, gente completa e dedicada, verdadeiramente vocacionada para servir a construção de uma sociedade organizada e justa em nome de ideais e valores. Começa a ser insuportável e insustentável viver neste clima de conformismo no qual mergulhámos e do qual dificilmente conseguimos emergir.
Todos, sem exceção, devemos ser uma espécie de faróis uns dos outros. Referências e sinais de apoio para que cada um se encontre e, consequentemente, saiba o rumo que quer tomar.
Este exercício contém em si responsabilidade colectiva e pessoal. Trata-se de deixar irradiar uma luz que não nos pertence e que, por isso, deverá ser sentida como dádiva. Desse modo quem seguir a nossa luz não nos segue a nós, mas a nossa mensagem.
Perante as sucessivas recusas do Ministério da Saúde, e particularmente da Direcção-Geral da Saúde, em ceder qualquer tipo de informação fidedigna e factual em redor da gestão da pandemia e do Serviço Nacional de Saúde durante a pandemia, tomei uma decisão. Simples, legal e constitucionalmente: solicitar arquivo aberto ao Ministério da Saúde.
Requeri assim, em 2 de Junho passado, à ministra da Saúde, Marta Temido, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), toda a “correspondência oficial, pareceres, relatórios e outros documentos escritos ou em formato audiovisual, na posse do Ministério da Saúde (e respectivas Secretarias de Estado), por si elaborados ou elaborados por outras entidades públicas e privadas, ou mesmo por particulares (incluindo assessores e consultores), produzidos desde Janeiro de 2020 até à data.” E elencava um conjunto de entidades a quem esses documentos tivessem sido remetidos ou que tivessem enviado para o Ministério da Saúde.
É muita informação? Claro que é! Mas essencial para conhecer os meandros de um Governo opaco que nos faz viver numa Democracia do faz de conta.
Ora, que fez a senhora ministra?
Cinco dias depois, a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde respondeu-me, dizendo que considerava “manifestamente excessivo, abusivo e, logo, inexequível”, acrescentando que assim “não nos é possível satisfazer o solicitado”. Retorqui, explicando ser temerária essa postura num Estado de Direito recusar pedidos dessa natureza a jornalistas.
A senhora Marta Temido – que, aliás, tutela entidades que sistematicamente obstaculizam acesso à informação – mudou de estratégia. E, assim, no dia 15 de Junho informou-me que tinha feito um pedido de parecer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos – uma entidade supostamente defensora do arquivo aberto da Administração Pública, mas muito ciosa de interpretações enviesadas quando se trata de matéria delicada.
Nada contra, porém, o Ministério da Saúde pedir esse parecer.
Mas, obviamente, sucede que, sabendo eu como a CADA “trabalha” em matérias delicadas – ao que acrescenta a morosidade na emissão de pareceres e ao facto de os seus pareceres não serem vinculativos –, tomei a decisão de avançar de imediato com um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, no passado dia 24 de Junho.
Uma “chatice”, suponho, para o Ministério da Saúde, mas que, na verdade, se resolveu facilmente. A CADA, que costuma fazer “marinar” os seus pareceres longos meses, desde o pedido até à emissão do parecer, demorou apenas 24 simples dias para elaborar um parecer a preceito para o Ministério da Saúde. Acredito que deve ter sido um recorde de produtividade para aqueles lados.
E também quis ganhar tempo no Tribunal Administrativo alegando que ainda não recusara o acesso e que aguardava o parecer da CADA, como se isso fosse relevante para a decisão.
Ah, e a CADA nem se incomodou a ouvir a minha perspectiva; somente me enviou hoje o dito parecer.
E o que diz o parecer? Muita coisa, que prova como são esguios e enviesados os campos da transparência e da ética, mas deixo aqui as conclusões.
“A dimensão do acesso solicitado implicaria, para a entidade requerida [Ministério da Saúde], procedimentos ou consequências que parecem exceder o limite aceitável, à luz de um são e avisado critério ético-jurídico do que é o direito de acesso. Assim, não se afigura que a entidade requerida tenha que satisfazer o pedido nos termos em que foi inicialmente formulado”.
Em trocados: a CADA defende que, não se conhecendo detalhes da documentação de um Ministério, não se pode ter acesso. Portanto, eis a receita: esconda-se tudo, porque assim se justifica não se conhecer nada.
Ou, se não defende, fez um rico frete.
Obviamente, este parecer – que deve ir para os anais da pouca-vergonha democrática – poderá ter um peso nulo no Tribunal Administrativo de Lisboa. Confiemos na juíza que recebeu o processo, e na sua (assim espero) independência.
Aliás, este é um daqueles processos que, ganhando-se ou perdendo-se, serve muito para responder a uma questão fundamental, que é a seguinte:
Somos mesmo uma Democracia Plena ou uma Democracia Fantoche?
Tenho medo que a resposta seja a segunda opção, mas não me surpreende se for.
N.D. A partir de hoje o PÁGINA UM deixará de recorrer à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, essa inutilidade. Não apenas por este caso, mas porque nenhuma entidade, até agora, cumpriu os pareceres (não-vinculativos) que dali saíram, mesmo quando nos foram favoráveis. Por esse motivo, passámos a recorrer directamente ao Tribunal Administrativo. Continuaremos a fazê-lo enquanto tivermos o apoio financeiro dos leitores para pagamento das taxas de justiça, dos honorários de advocacia e gastos administrativos. Como sabem, as verbas recolhidas pelo FUNDO JURÍDICO, na plataforma MightyCause, destinam-se exclusivamente para este propósito. Até este momento apresentámos sete processos de intimação.
Entre fogos e ondas de calor, parece ter escapado à comunicação social portuguesa uma importante vitória de um conjunto de trabalhadores perante as suas entidades patronais.
É, aliás, um reflexo dos tempos informativos e das estratégias de comunicação: somos massacrados semanas a fio com um, e um só, tema.
Durante dois anos, só ouvimos falar em covid-19.
Há pouco mais de um mês, Portugal ainda era o país com mais mortos por milhão de habitantes da União Europeia e um dos que registava mais casos diários, mas os directos dos parques de estacionamento dos hospitais já tinham sido substituídos, desde Março, por jornalistas de capacete em Kiev.
Entretanto começaram a puxar fogos às matas – um clássico lusitano de Verão como é o emigrante que regressa ao som de Tony Carreira – e lá se acabaram as ligações a Kiev.
Chegou a seguir a “praga do aeroporto de Lisboa”, com directos para discutir o número de dias que os passageiros não mudavam de cuecas.
Depois de descobrirmos que afinal a Portela estava igual ao resto do Mundo, por causa dos despedimentos pós-covid no sector, passámos à onda de calor.
Agora vemos cada nuvem de fumo, cada Canadair na barragem, cada bombeiro a tropeçar no repórter da CMTV. E pergunto-me qual será o tema 24/7 depois dos incêndios…
Mas voltando ao início: entre labaredas e morteiros, escapou-nos uma vitória laboral. Neste caso dos pilotos da SAS – a companhia escandinava que serve a Suécia, Dinamarca e Noruega.
A história conta-se rapidamente. Durante a pandemia, com os aviões no chão, o Governo sueco (e os vizinhos também) despejaram um rio de dinheiro nas empresas, com gigantes como a Volvo, Ericsson e SAS à cabeça. A micro-empresa onde trabalho também foi ajudada – e, portanto, sou o caso prático em como esse dinheiro chegou a todo o lado.
Se a memória não me falha, foi qualquer coisa como 2 mil milhões de euros a ajuda prestada pelo Governo sueco às empresas.
A teoria era simples. Tal como em Portugal ou em qualquer outro país da União Europeia, os Estados garantiam com este financiamento que trabalhadores impossibilitados de exercer funções não ficavam sem o seu ganha-pão. No caso da aviação, com praticamente tudo parado por imposição governamental, a ajuda era mais do que óbvia, justa e necessária.
Ora, mas o que fez a SAS com o dinheiro do lay-off? Dispensou 450 pilotos e aplicou um corte salarial aos que ficaram. Onde é que já viram isto? Exacto! Na TAP.
E se prestaram atenção, foi prática corrente um pouco por toda a Europa. Por isso, agora, todos, ou quase todos, estão em dificuldades para cumprir as exigências do mercado com o regresso dos passageiros e a normal procura por bilhetes.
Perante isto, os pilotos da SAS, de forma concertada, saíram pelo seu pé. Foram mil pilotos, para ser mais exacto. Durante 15 dias deixaram a SAS à beira da falência com um prejuízo diário entre nove e 12 milhões de euros. Ao fim de 10 dias, a companhia já tinha cancelado 2.500 voos e perdido cerca de 120 milhões de euros. Um A320 novo, para usar a “moeda local”.
Depois de duas semanas de greve, a companhia finalmente cedeu. Não só no corte salarial, mas também na re-contratacão dos 450 pilotos dispensados. Agora, depois de ter percebido que uma companhia não existe sem os trabalhadores, a administração da SAS vai a correr aos mercados buscar dinheiro fresco para se financiar e recomeçar as operações. A reestruturação já não será feita à custa dos trabalhadores.
Eu lembro que os países escandinavos são quase sempre representados na comunicação social portuguesa (ou nos cartazes da Iniciativa Liberal, vá!) como bastiões liberais e exemplos da flexibilidade nos direitos laborais. Agora, depois desta retumbante vitória dos sindicatos, imagino que a Suécia seja a nova Venezuela, e Oslo a nova Havana cheia de Teslas.
Podemos, assim, daqui tirar três conclusões.
Primeira: nem todos os povos aceitam sentados o que o patronato lhes impõe.
Segunda: injustiça alguma resiste a um movimento organizado de trabalhadores.
Terceira, eventualmente mais difícil de encaixar: os mais ricos também o são porque nunca desistiram de lutar pelos seus direitos.
E a nós, o que é que nos falta?
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
“Pela Tatão!… Nem é uma mulher! É um tambor!… Pelatatão, pelatatão (tão tão)“
Se houve coisa que o Vasquinho e a sua Geração de Ouro nos ensinou foi a evadir a censura com sucesso. Por isso é sempre pertinente manter a memória viva. Até porque, como todos bem sabem, a censura está viva e de boa saúde, só mudou de nome.
Para mim, ver as películas destas figuras do Portugal de antanho evoca-me o cheiro a bafio e óleo de cedro, com requinte de tabaco lusitano suave a manchar o estanhado da parede. Com carinho o digo, pois estes eram os aromas da minha infância pelas casas dos avós.
Pai Tirano (1941), realizado por António Lopes Ribeiro.
Mas funesta coisa esta de uma certa classe de figurões – e não figuras – andar em revivalismos pintados a guache, em remakes, retakes e replays destas operetas fora de suas épocas.
Só pode querer dizer que tenho que pagar licença de porte de isqueiro em breve e, a julgar pelos últimos dias, meter na cabecinha que, em incerta tarde, um qualquer parque, um qualquer jardim, um qualquer baloiço ou um qualquer escorrega será obviamente vedado para meu bem e para a modéstia do estilo de vida dos meus filhos. Até porque dizem que o Mundo vai acabar e temos de salvar o Planeta, um balancé de cada vez, para não apanhar um escaldão.
Como diz a má-lingua, a História repete-se, tendemos todos a achar e esperar que um pai tirano surja no nevoeiro venha em formas já conhecidas. Esperamos que venham com as mesmas ideias, no mesmo cavalo, com as mesmas cores ou até do mesmo lado de onde vieram da última vez. Depois, afinal não é. Para alguns pode chegar a merecer até voto na urna.
Ultimamente, sinto o cheiro a bafio e óleo de cedro no ar, próprio de casas fechadas com gente medrosa lá dentro. Eu sinto cheiro de totalitarismo, à portuguesa, meiguinho. E ainda por cima agora as boas intenções são todas modernaças, usam estrangeirismos e pronomes. Usam máscara, usam patologias e diagnósticos, são especialistas! (E não tractores holandeses, circulem, circulem!)
Elite que se preze a ascender a seu poleiro costuma notabilizar-se por uma desconexão absurda com a realidade.
Quem se mantém, por exemplo, no casulo universitário da retórica, pensa que a vida e os seres humanos se resumem a abstração, ou que talvez quem não acompanhe o pensamento de Suas Excelências será certamente inferior, démodé ou alguma espécie de fóbico.
Então vomitam e regurgitam impropérios e tentam colonizar até a língua de todos, pois se a língua é pensamento e identidade, sim, porque não tentar uma colonização deste género?
Quem não admita falar esta novilíngua, quem questione o porquê de as instituições estarem a impor este linguajar, é um dissidente que não merece o passaporte sanitário! Nem tão pouco debate, e ai de quem tente falar sem pensar antes, que os esgrimistas do pensamento disso têm muita prática. En garde!
Esfera privada e esfera pública. Não me parece descabido que a Escola, enquanto arma poderosíssima do Estado para propaganda de dimensão quântica, saiba quando está a ultrapassar os seus limites da esfera privada familiar e do desenvolvimento individual da criança dentro dos seus valores familiares ou da comunidade. E respeitar isso é inclusivo. (Não que inclusividade seja realmente a questão para estes produtos de rankings escolares de marfim, produtores de superioridade moral muito acima dos selvagens que andam cá em baixo a comer animais enquanto eles ficam a debicar brioche ou scones.)
Sempre esperei que o ensino fosse laico. Fosse qual fosse o culto. Porque direito ao culto tem o indivíduo, pelo que, até sua maturidade cognitiva e emancipação, tem direito de influência a sua progenitura. São regras normalmente acordadas, que preservam as culturas de cada um numa sociedade e que, normalmente, pais tiranos querem revogar à força.
Mas desengane-se quem pense que o mundo do dinheiro e do poder está alegremente a pavimentar concordância para uma sociedade mais igualitária, para todes e todas e todos e quantas mais vogais, consoantes e símbolos haja.
O mundo do dinheiro e do poder, meus caros, está alegremente a fabricar guerras culturais para vos manter distraídos, para que não vejais o bolor nascer no amarelo do português suave a entranhar-se no estanho da parede. Enquanto vocês berram a quem pertence o arco-íris, eles contam notas na religião deles: o lucro.
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Pode Vossa Excelência, como procuradora-geral da República Portuguesa ficar na História como mais um cinzento magistrado a ocupar o órgão superior do Ministério Público. Ou pode ser alguém que, meio século depois de militares terem “imposto” a democracia, contribuiu para reverter o estado comatoso deste quase quinquagenário regime.
Escolher a primeira opção implica o caminho mais fácil. Basta manter-se silenciosa ou tartamuda, fazendo de conta que altos e mais superiores preocupações se sobrelevam, e que o termo gerontocídio não existe sequer no léxico lusitano e, muito menos, no enquadrado jurídico nacional.
No segundo caso, é assumir que está em curso um gerontocídio, e agir em conformidade.
O termo é, efectivamente, estranho em Portugal, mas é palavra da língua de Camões. No outro lado do Atlântico, por exemplo, a Academia Brasileira de Letras define gerontocídio como “delito de homicídio praticado contra pessoa idosa decorrente de violência doméstica ou familiar e/ou por motivo de menosprezo ou discriminação em relação à condição de idoso” e ainda como “extermínio de idosos”. E está mesmo previsto, desde 2019, o agravamento das penas por este crime, por iniciativa da Câmara dos Deputados brasileira.
Em Portugal, nada. Mas há, neste preciso momento, a decorrer, cobarde e nojentamente, um extermínio de idosos. Não se vê. Não há gritos. Não há sangue literalmente em jorros. Não é carnificina, porque muitos, pela sua avançada idade, até já estão caquéticos. Mas há.
E pior – como se tal fosse possível: há negacionistas. Estes, sim.
Comparação da mortalidade média diária nos maiores de 85 anos por quinzena para os anos de 2017 a 2022. Fonte:: SICO. Análise: PÁGINA UM.
Atente-se: Portugal está a caminhar para o nono mês consecutivo com mortes sempre acima dos 10.000 óbitos. Recorde absoluto em Maio e em Junho. A probabilidade de nada de incomum se passar em tanto tempo seguido é virtualmente de 0%. O PÁGINA UM denunciou. Provou.
O PÁGINA UM também alertou que, desde finais de Fevereiro, morreram a mais 5.700 pessoas do que o expectável, sendo uma estimativa feita por um professor de Estatística e Investigação Operacional da Faculdade de Ciência da Universidade de Lisboa. E não foi em tempo quente.
O PÁGINA UM também noticiou que, desde 10 de Julho, a mortalidade acumulada este ano nos maiores de 85 anos ultrapassou o já funesto 2021. E isto quando a diferença em 25 de Fevereiro era favorável a 2022 – ou seja, tinham morrido menos – em 4.828 vidas. Apresentamos análises rigorosas sobre tudo isto.
Que sucedeu depois destas notícias do PÁGINA UM – para além da “usurpação” da sua investigação por certa comunicação social?
Comparação da mortalidade média diária na faixa etária dos 75 aos 84 anos por quinzena para os anos de 2017 a 2022. Fonte:: SICO. Análise: PÁGINA UM.
O secretário de Estado-adjunto da Saúde, o médico Lacerda Sales – aquele que deixou cair lágrimas de crocodilo porque em certo dia de Agosto de 2020 não morreu ninguém de covid-19 – diz candidamente que “perante um excesso de mortalidade não atribuível a uma causa específica, a investigação das razões tem de ser feita em períodos longos, não em períodos pontuais, e deve ser feita entre cinco a dez anos exactamente para excluir que esse aumento possa ser um fenómeno pontual”. Leia-se: sacudamos a água do capote de qualquer responsabilidade política do actual Governo.
A ministra da Saúde, Marta Temido, seguiu o mesmo diapasão, garantindo hipocritamente que “queremos chegar a conclusões céleres”, mas que “elas não são possíveis quando são sobre fenómenos complexos e necessitam de tempo e de análise técnica”.
Por sua vez, a médica Graça Freitas – que apenas denota sagacidade para se manter num cargo, a de directora-geral da Saúde, para o qual não foi talhada – veio já tentar tapar o sol com a peneira, culpando uma putativa onda de calor (veja Vossa Excelência as de 2013 e 2018, as mais recentes e compare) como a responsável pelo excesso de mortes desde… Fevereiro?! E vai sempre, para todo o sempre, culpar o “tempo quente”.
Comparação da mortalidade média diária na faixa etária dos 65 aos 74 anos por quinzena para os anos de 2017 a 2022. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
E, para ajudar na festa deste gerontocídio, veio um inclassificável burocrata, também outro médico, Fernando Almeida de seu nome – circunstancial presidente do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (coitado do Ricardo Jorge que deve andar a dar voltas à tumba) – a defender que se deve evitar falar de excesso de mortalidade comparando apenas números. E também ele, para agradar à tutela política, afiançou ser impossível fazer uma análise séria e cientificamente consistente em dois ou três meses.
Estes, doutora Lucília Gago, são quatro suspeitos. Haverá mais, por certo.
São suspeitos por omissão. Por obstaculização de informação. Por acção. Provavelmente, por ocultação de provas. As suas tarefas não incluem espetar facas, mas morrem pessoas à mesma.
Estes e outros responsáveis políticos sabem aquilo que está a suceder. Têm, por exemplo, acesso aos dados bruto do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), que permitem diariamente, e desde 2014, observar todos os óbitos e suas causas. Há sete anos de dados para comparar com o que se passa este ano. Existem sistemas informáticos e peritos que conseguem detectar, num piscar de olhos, quais as causas para esta anormalidade.
Eles sabem que eu sei que eles sabem. Mas eles não querem que se saiba. Por isso, existe neste momento um processo no Tribunal Administrativo de Lisboa para intimar o Ministério da Saúde a divulgar esses dados em bruto ao PÁGINA UM.
Mas mesmo que não existissem esses dados em bruto – e existem esses e muitos mais, incluindo uma base de dados que deixou de ser pública porque um amigo de longa data da senhora ministra da Saúde decidiu expurgá-la para impedir as investigações do PÁGINA UM –, bastaria observar os singelos gráficos que se apresentam ao longo deste texto. Veja, Vossa Excelência, como está o gerontocídio, sobretudo nos maiores de 85 anos.
Não perca mais tempo. Não acredite nas palavras de quatro suspeitos deste gerontocídio em curso, que nos dizem que não há gerontocídio nenhum, que é necessário muito tempo para se apurar se houve ou não houve um gerontocídio.
Na verdade, doutora Lucília Gago, eles querem ser como aquele ladrão que, apanhado em flagrante, defende que se tem de avaliar a sua acção em função de uma análise a ser feita apenas no dia de São Nunca à tarde para, depois, se divulgarem as conclusões na manhã do enterro da solteira Culpa.
Que vai Vossa Excelência fazer? Fazer-nos… Fazer-lhes…
Um livro recentemente apresentado em Lisboa, intitulado O valor dos medicamentos e das vacinas no contexto da pandemia – da autoria de distintas personalidades do meio académico, da área da regulação farmacêutica e da avaliação económica dos medicamentos – contém “erros de palmatória”.
O primeiro e mais evidente tem a ver com a menção no título e dezenas de vezes no texto – a bem dizer no cabeçalho de dezenas de páginas do livro – da expressão “medicamentos e vacinas”. Uma incorreção grosseira para prestigiados farmacêuticos, em contradição com a definição de medicamento que apresentam logo na primeira página:
“O medicamento é toda a substância ou associação de substâncias apresentada como possuindo propriedades curativas ou preventivas de doenças em seres humanos ou dos seus sintomas ou que possa ser utilizada ou administrada no ser humano com vista a estabelecer um diagnóstico médico ou, exercendo uma ação farmacológica, imunológica ou metabólica, a restaurar, corrigir ou modificar funções fisiológicas.“
Lamentavelmente nenhuma definição de “vacina” é apresentada, o que seria muito útil no âmbito deste livro para o esclarecimento do público.
Sim, vacinas são medicamentos, e falar em “medicamentos e vacinas” é, no mínimo, uma redundância.
Será intencional para criar a dúvida na mente dos leitores, de que vacinas não são medicamentos? Ou que há diferenças na metodologia de avaliação do risco/benefício e avaliação económica, o tema do livro, das vacinas em relação aos restantes medicamentos?
Se este fosse o caso, esperar-se-ia que essas diferenças fossem bastante desenvolvidas no texto. Mas não. Por exemplo, nos dois capítulos dedicados à avaliação económica, praticamente só se fala em medicamento.
Quanto à avaliação do risco e às reações adversas a medicamentos (RAM), sem destacar diferenças nas metodologias para “medicamentos e vacinas”, a segurança é apresentada como distinta: “Tal como os medicamentos, as vacinas podem originar RAMs mais ou menos graves. No entanto, de um modo geral considera-se que o perfil de segurança das vacinas é superior ao dos medicamentos, pois a frequência de efeitos adversos a elas associado é muito baixa.”
José Aranda da Silva, José Cabrita e Carlos Gouveia Pinto são autores do livro O valor dos medicamentos e das vacinas no contexto da pandemia.
Espera-se então encontrar menos RAMs nas vacinas, nomeadamente nas utilizadas contra a Covid-19. Os autores, procuram fazer crer aos leitores que na análise dos relatórios de farmacovigilância a grande maioria dos efeitos adversos apresentou gravidade ligeira a moderada.
E que estas são semelhantes aos reportados a outras vacinas (inchaço, vermelhidão, dor no local de injeção, etc, etc.); que como efeitos adversos graves e potencialmente fatais a Agência Europeia dos Medicamentos (EMA) e a Food and Drug Administration (FDA) identificaram “apenas” a anafilaxia, a síndrome de Guillain-Barré, a trombose com trombocitopénia, a miocardite e a pericardite; e ainda, que as mortes com associação causal com as vacinas identificadas pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC norte-americano) não ultrapassaram algumas dezenas.
Pena que os autores não tenham considerado importante deterem-se a justificar por que razão nos sistemas de farmacovigilância, cujo papel muito destacam, havia já em 2021 para as vacinas Covid-19 mais de nove mil mortes notificadas ao CDC e 116 mortes notificadas ao INFARMED, mais de 700 mil RAMs notificadas ao CDC, e em Portugal mais de 20 mil, sendo quase sete mil graves, um número sem precedentes em toda a História (que tanto prezam) da farmacovigilância em Portugal, assim como na Europa e nos Estados Unidos.
Grave, porque enganosa, num livro que se pretende didático e esclarecedor, é a afirmação que no final do ano de 2020 “já estavam distribuídas vacinas seguras e eficazes e que foram aprovadas de acordo com uma rigorosa avaliação científica e com os procedimentos de autorização mais exigentes. Até 25 de março de 2021 foram aprovadas 12 vacinas, 4 das quais estão autorizadas pela EMA para utilização pela União Europeia: Comirnaty (BioNTech-Pfizer, Spikevax (Moderna), Vaxrevia (AstraZeneca) e Covid-19 Vaccine Janssen (Johnson &Johnson).”
Os autores, sabendo bem o que é uma Autorização de Introdução no Mercado (AIM) Condicional, em nenhum momento do livro mencionam que as ditas vacinas “autorizadas” ou “aprovadas”, afinal têm apenas uma AIM Condicional, o que significa, como explicam mais à frente: “a autorização condicional é um processo que permite desenvolver um medicamento que responda a uma necessidade médica não preenchida quando ainda não são conhecidos todos os dados científicos normalmente requeridos para a obtenção da AIM, assumindo que o benefício para a saúde pública supera o risco associado à incerteza inerente à inexistência de dados completos.”
Enquanto reconhecem que para o tratamento da doença Covid-19 os novos medicamentos disponíveis detêm apenas uma AIM Condicional, porque escondem essa informação relativamente às vacinas em utilização na população portuguesa e induzem os leitores a pensar que as vacinas estão autorizadas? Como podem afirmar que as vacinas são eficazes e seguras, se estudos estão em curso, e os seus dados científicos ainda não conhecidos?
Também omitem que à luz da regulamentação europeia as vacinas são medicamentos biológicos e que a sua natureza de autorização condicional obriga a consentimento informado. Detalhes importantes que foram aparentemente esquecidos.
“No Contexto da Pandemia” figura no título desta obra, quiçá com um intuito comercial, ou talvez para justificar a premeditada inserção de determinada narrativa pandémica. Com efeito, sem o devido suporte bibliográfico (uma importante lacuna numa obra que se pretende didática e credível) são feitas afirmações, aparentemente do foro do senso comum, como:
“Parece também já ser inquestionável o impacto positivo da vacinação no contexto da pandemia de COVID-19 que atravessamos (…)
Embora ainda seja cedo para avaliar o contributo global da vacinação na COVID-19, é evidente o seu impacto positivo na mitigação de surtos, na redução de casos graves e consequentemente na mortalidade associada (…)
A pandemia foi mais uma experiência que permitiu demonstrar a superioridade do benefício terapêutico face ao risco iatrogénico dos medicamentos e vacinas aprovados pelas agências reguladoras.”
Este livro editado no início de 2022, teve apresentações em instituições académicas entre Abril e Junho e para o público em geral também em Julho; pois nesta época de divulgação do livro, o senso comum que transparece é, afinal, uma enorme prevalência da variante Ómicron sobre anteriores variantes, mais transmissível, menos letal, com escape vacinal em milhões de portugueses que contraíram a infeção por SARS-CoV-2 apesar de este ser um dos países mais vacinados do mundo.
Acresce-se um excesso de mortalidade global em vários países e na populaçãoportuguesa, de causa(s) desconhecida(s), desde há alguns meses, pelo que falar em redução da mortalidade pelas vacinas sem estudos robustos que o confirmem, é uma questão de opinião.
Mais, segundo informações que os próprios autores veiculam no livro, a EMA calculou para o ano de 2012, a ocorrência de 197 mil mortes no espaço europeu atribuídas às reações adversas a medicamentos, além de 5% do total de internamentos hospitalares, sendo assim a quinta causa de morte em unidades de saúde.
Seria um grande esforço dedutivo colocar pelo menos a hipótese de as reações adversas a medicamentos (com o advento das vacinas Covid-19, em 2021, em Portugal, as notificações triplicaram relativamente aos anos anteriores), poderem ter alguma relação com o aumento da mortalidade da população mais vulnerável?
Questionável é ainda a descrição que os autores fazem das novas estratégias para desenvolvimento muito mais rápido de vacinas para a Covid-19, que habitualmente levariam mais de dez anos; e, segundo os autores, sem que tenha havido minimização de etapas, com uma avaliação que cumpre todos os requisitos aplicáveis a qualquer outra vacina ou medicamento, não comprometendo assim a comprovação da qualidade, segurança ou eficácia exigida na União Europeia.
Ora, se tivesse sido assim, no final do processo as vacinas teriam recebido uma AIM, o que não aconteceu até ao momento. As vacinas detêm apenas uma Autorização de Introdução no Mercado Condicional, enquanto se aguarda por mais resultados de estudos científicos requeridos pelas autoridades.
Lê-se no texto que “a FDA estimou que por cada 10 000 a 15 000 novos compostos investigados na Fase da Descoberta, cerca de 250 concluem a fase de investigação pré-clínica, dos quais apenas 5 são consideradas elegíveis para os ensaios clínicos em humanos e, finalmente destes, somente um apresentará eficácia, segurança e valor terapêutico acrescentado para justificar a sua aprovação e entrada no mercado terapêutico.”
Apesar da incapacidade de se terem produzido vacinas nas anteriores epidemias de coronavírus – SARS (2002/03) e MERS (2012) – não estranham os autores, nem fornecem aos leitores qualquer explicação, sobre a inusitada taxa de sucesso da investigação e desenvolvimento das vacinas para o SARS-CoV-2, com a chegada à fase final de ensaios clínicos, como eles próprios afirmam, de mais de uma dezena de novos compostos em apenas dois anos de pandemia.
Ainda uma curiosidade sobre algo que é afirmado neste livro: “No caso do INFARMED, esperemos que a nível nacional se encontrem soluções para reforçar uma instituição reconhecidamente à beira do colapso. Contudo, se adequadamente afetadas possui verbas próprias que permitam ajustar o seu funcionamento às exigências da União Europeia.” Assim, a seco, sem justificações para o eminente colapso do INFARMED nem de que forma desadequada estão a afetar as verbas próprias que possuem. E os leitores ficam por esclarecer.
Em conclusão, os autores invocando os seus “galões” académicos, e permeando um conjunto de informação tecnicamente correta que fará porventura parte dos programas de ensino superior na área do medicamento, enxertam neste livro, a propósito da Covid-19 e do desenvolvimento de vacinas, um conjunto de afirmações de propaganda, semeiam inverdades, omitem dados relevantes e demitem-se de questionar.
Por estas razões, um livro que não se recomenda.
Teresa Gomes Mota é médica
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Ando tentado a lançar-me na agricultura do mirtilo e das framboesas e, enquanto não arranjo três nepaleses para explorar – como o Macário Correia (alegadamente) –, vou-me entretendo a procurar um veículo para carregar caixotes, pranchas, bicicletas e todas essas coisas que um jovem agricultor precisa nas ilhas de bruma. Ou apenas para percorrer as estradas sem cair nas crateras a que por aqui se chamam, carinhosamente, de buracos.
Fui visitar o senhor J, conhecido comerciante na minha ilha. O senhor J já deve uns bons 10 anos à reforma, mas gosta de trabalhar. Diz quem o conhece que não deixa cair uma moedinha no chão e que raramente perde um bom negócio. Entre as latas que rodeiam a oficina tinha para lá duas ou três carrinhas a cair de maduras que serviam os meus propósitos. Velha e barata, eram as qualidades desejadas.
O senhor J sorriu e disse-me que tinha ali uma em excelente estado, apenas com 30 anos. Ia passar-lhe uma água seguida de sabão e estava pronta para vender por 10.000. Seria 8.500 para mim, porque tinha andado com o meu sogro na escola. Eu pensei afincadamente durante uns bons centésimos de segundo, tempo de sobra para perceber que estava a ser enrolado. Disse-lhe: “Senhor J, 8.500 por uma carroça com 30 anos e 300.000km?” Ao que ele respondeu: “Isso não interessa! Eu também tenho 75 anos e ainda mexo bem!”
Com a informação de que o senhor J ainda conseguia saltar sempre que preciso, vim-me embora e julgo ter usado um ou outro impropério para descrever, ao meu sogro, o que achava do amigo de escola.
Invariavelmente, acabo as minhas pesquisas e conversas com um “como é que é possível?”. Aqui e ali assumo alguma irritação, nada de muito grave; só aquele “f******, mas está tudo doido?” da praxe.
Depois do senhor J, corri outros comerciantes, falei com particulares, meti anúncios. De todos recebi respostas que, de facto, o respectivo ferro-velho era melhor do que os vizinhos – e, por menos de 10.000 euros, só um skate.
Fiz o comparativo devido para o mercado onde vivo (Suécia), e concluo que a mesmíssima velharia que procuro custa cerca de um terço do preço cobrado em Portugal. A Suécia, onde as pessoas ganham em média três vezes mais, pagam três vezes menos por um carro velho.
Portanto, a culpa não é do senhor J ou de qualquer outro vendedor. A culpa dos preços faraónicos é da carga fiscal absolutamente surreal.
De facto, sempre que dou uma perninha no recrutamento do meu empregador e entrevisto portugueses a caminho de uma vida no Ártico, vem algures no processo a pergunta sobre o custo de vida.
A minha resposta, já gasta, e repetida 500 vezes, é de que tudo, à excepção do supermercado e do vinho, é mais barato ou tem um custo idêntico ao português. A conversa dos carros surge sempre como exemplo da carga fiscal, tal é a diferença, absolutamente pornográfica, de preços.
Não é propriamente uma grande revelação se vos disser que nos primeiros três meses de 2022, no top 5 de carros mais vendidos em Portugal estão 3 Peugeot, um Renault (Clio) e um Citroen (C3).
A carga fiscal é tão grande que para a bolsa de um português, um Renault Clio com um motor de um corta-relva é um luxo que, quase novo, custa mais de 20.000 euros. Na Suécia, o mesmo carro, com zero quilómetros, custa menos 3.000 euros.
Nas ilhas portuguesas, onde resido, a este cenário dantesco juntam-se os custos do transporte. O resultado final é tão disparatado que acabamos a discutir preços de carros com 20 ou 30 anos e quatro voltas dadas ao Mundo como se tivessem saído das fábricas ontem.
O drama maior nem é a carga fiscal disparatada, mas o facto de esta não reverter em função dos contribuintes. Pagamos em Portugal por impostos noruegueses, mas recebemos serviços do Zimbabué.
Se uma Toyota de 1985 custasse 10.000 euros por causa da carga fiscal, mas depois os putos, aqui da freguesia, tivessem uma creche gratuita, tudo bem. Agora quando a carga fiscal se destina a tapar buracos do BES, do Rendeiro e das PPPs, eu já tenho alguma dificuldade em aceitar tais disparidades.
De modo que fico um pouco limitado nesta minha aventura agrícola, e não estou bem a ver como posso ser um gestor de unicórnios decente. Nem os meus pais me ofereceram hectares, como fizeram em tempo útil os do Macário, nem o Estado me dá uma folga com os impostos sobre o ferro-velho. E julgo, é só uma suspeita, que nada do PRR me cairá no bolso.
Não é, enfim, Macário quem quer. Há que aguentar e ir desviando dos buracos.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
São dias complicados, estes que vivemos, para os mercados liberais, empreendedores de unicórnios e self-made men em geral.
Vieram recentemente a lume as confissões de um lobista da UBER, explicando o tráfico de influências com os Governos locais, de forma a contornar as leis do trabalho e, até, na instigação e aproveitamento da violência gerada (nomeadamente com os taxistas) para denegrir a concorrência.
A investigação passou por vários países, e chegou a Portugal, onde a estratégia assumida passava por dizer aos condutores que se deixassem agredir para, depois, se manchar o nome da ANTRAL e dos seus dirigentes.
Ficou também demonstrado que a UBER pagava elevadas quantias às cúpulas governamentais de forma a poderem aproveitar os buracos na lei e escaparem ao Código do Trabalho nos mais diversos países.
Dizem os entendidos que, novamente, outra start up de sucesso é, afinal, apenas mais um esquema de exploração de trabalhadores, corrupção na camada dirigente e lucros em barda para os accionistas, “cagando” sempre que possível nas leis dos locais do trabalho.
A frase repetida por Cotrim de Figueiredo vai ruindo com os castelos de cartas associados aos brilhantes exemplos do empreendedorismo. O liberalismo funciona e é necessário, mas não se percebe onde. Quer dizer, para quem não seja accionista. Digo eu, que tinha verdadeiras e fundadas esperanças na UBER, e esperava que a concorrência (dentro da lei) melhorasse o serviço de táxis, que era e é, por vezes, miserável.
Ainda recolhíamos os cacos desta martelada gananciosa no liberalismo mais puro (seja lá isso o que for) e, no minuto seguinte, sabíamos que o juiz Carlos Alexandre recebia a resposta ao e-mail que enviara em 2011 para um banco suíço. Fui ler novamente: ONZE anos!
Que tipo de servidores e protocolos de comunicação usarão os suíços? No meu tempo de estudante de telecomunicações, lá no início do século, já nada mexia com menos de 56kbit. Não sei se, entretanto, a Suíça voltou a enviar mensagens por sinais de fumo e há 11 anos que andam com o clima nublado… Pode ser isso. De facto, pode ter sido um problema técnico.
O juiz Carlos Alexandre, rapaz conhecido por fazer perguntas chatas, queria saber se havia por ali dinheirinho do Rendeiro e dos outros amigos do BPP. Isto a propósito daquela investigação que começou quando a MEO ainda se chamava TMN e o Sporting ainda não tinha querido ganhar quatro títulos de campeão numa segunda-feira de manhã.
Os suíços, conhecidos pela sua neutralidade e esconderijo natural de dinheiro roubado, demoraram 11 anos a responder a um pedido de um tribunal de União Europeia. Neste caso, o tribunal do nosso Carlos. Ao que parece estiverem a contar as notas, à mão, e lá se aperceberam que tinham 12 milhões dele, bem guardadinhos, numa daquelas gavetas que se abrem com duas chaves, como nos filmes do Clooney. Portanto, sim, havia dinheiro e estava lá. A resposta demorou mais do que o coveiro do Rendeiro a chegar.
A atitude suíça é lamentável (a palavra apropriada seria algo obscena, mas evitemos isso aqui no jornal). E, depois de décadas a servir de paraíso a ladrões, uma pessoa até se pergunta para que serve este pequeno país entrincheirado no coração da União Europeia, mas fora de todas as suas regras. Ou melhor, até nos passa pela cabeça aquele pensamento de “porque não invadiu Putin antes Zurique e deixou Kiev em paz?”. Alegadamente, claro.
O dinheiro entretanto descoberto pertence(ia) ao falecido Rendeiro, que o guardou para poder envelhecer na Quinta do Lago (sem incêndios, obviamente), enquanto alguém ia pagando as dívidas do BPP.
A ideia nunca foi devolver os 7% prometidos nas aplicações do BPP (ainda me lembro desse cartaz), mas sim o de garantir a fuga e o sossego na velhice.
As dívidas do BPP, esta é a parte gira, ascendem a cerca de 600 milhões. A parte do Estado andará nos 50 milhões e o resto é devido aos Zés deste país que foram trabalhar para longe das sardinhas, e imaginavam, nos seus tórridos pensamentos matinais, que um dia teriam uma reforma.
Portanto, o dinheiro destapado 11 anos depois serve, quando muito, para a cova de um dente das dívidas. Acho que é altura de os gestores do BPP pedirem um crédito de 600 milhões (menos os 12 milhões que ficarão, veremos, para o Estado)… Dizem-me que as taxas de juro estão óptimas.
Enfim, confesso: estas notícias deixam-me irritado. Por vezes, deixo-me dominar pelo sangue que corre em todos nós, latinos da margem certa do Tejo.
Na minha cabeça amontoaram-se textos cheios de vocábulos de Bocage, absolutamente proibidos num jornal de respeito como o PÁGINA UM. Depois olhei para a minha montanha e reparei que o sol tinha aparecido. Notem que esperei 30 dias para ver o sol, neste pedaço de Mundo onde as nuvens reinam. Respirei e relativizei a coisa.
O Rendeiro está morto, a História não foge. Os mercados fizeram asneira, mas, certamente, amanhã farão outra vez.
O sol apareceu e, estou confiante, a Revolução pode esperar um bocadinho.
O liberalismo não vai mudar assim tanto em 24 horas, não é?
N.D. Este texto foi escrito ontem. O autor informou, entretanto, que hoje o céu está novamente encoberto. E o liberalismo está na mesma…
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Disse Dumas, no Conde de Monte Cristo: “A partir de agora, não viveremos mais, viveremos apenas mais depressa.”
E cá estamos, depressa. Começamos a pensar sobre uma coisa, e logo vem outra. E outra. E mais outra.
Não chega a dar para pensar, simplesmente não há tempo.
Melhor que nos digam exactamente o que pensar, e que seja de fácil digestão, porque entretanto está um calor dos diabos (dizem que é o El Niño, ou isso era nos anos 90; agora chama-se alterações climáticas, porque o Al Gore no seu jacto privado disse num documentário que estávamos à beira do fim do Mundo), ainda tenho de ir comprar pão (e o pão está tão caro!), às tantas ainda me esqueço de pôr a máscara (mais vale nem tirar!), e a culpa não é minha, que faço o melhor que posso e creio que tenho bons valores e sentimentos (e a culpa é do Putin, que é um louco e veio arruinar a nossa paz!)…
Jorge Dias foi um antropólogo português com um trabalho extraordinário. Nascido e criado no Porto, cedo contactou com o interior de Portugal e nos seus estudos, na Alemanha, familiarizou-se com a etnologia regional (volkskunde), pensamento essencial ao longo do seu trabalho e vida.
Como quase todos os da sua geração, por serem poucos e notáveis, o Estado Novo foi quem mais lhe encomendou diversos estudos que procuravam informar a propaganda do regime. (Ou por outras palavras, estudos que validassem ideias e ideais pré-concebidos, um exercício intelectual interessante, mas pobre, muito em voga nos dias de hoje e apelidado de “especialista”, contrário a uma honesta busca de conhecimento.)
As vantagens destes patrocínios é que, com o jogo de cintura correcto, conseguia-se aproveitar a oportunidade para levantamentos de dados essenciais à compreensão dos diferentes temas, e ainda era possível defraudar o intento propagandista do regime, posto que às mentes “poucochinhas” dos nossos líderes não sobrava densidade suficiente para entenderem entrelinhas.
Com a sua obra “Estudos do Carácter Nacional Português” – tal como Fernando Távora com o Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa –, Jorge Dias conseguiu levantar extensivamente uma monografia sobre a cultura portuguesa – que o Estado pretendia que atestasse a “raça” e a “nação” –, ao mesmo tempo que apresentavam a conclusão final de que somos todos diferentes, com múltiplas facetas, modos de viver, de construir, enfim, de ser.
Dizia Dias que, embora pesasse que a “Nação” também nascesse em virtude da vontade política de um príncipe – com certa dose de megalomania –, o facto é que Portugal só se mantinha coeso graças ao Atlântico.
Esta atracção enorme pelo mar amontoava no litoral as populações, abandonando o interior, mas também evitando a absorção do pequeno rectângulo por Castela.
É por isso facto que eu, nascida e criada no Porto, me espantei ao chegar a Trás-os-Montes e ver tanta gente proclamar, com veemência, que mais valia serem espanhóis!
Facto é que ainda não tinha visto a outra interpretação do que Dias tinha dito. Não conseguia ver, porque ainda tinha uma lente de nacionalismo ou patriotismo que me impedia de ver dessa forma. (Nós podemos ver de tantas maneiras).
Achava eu que era real essa coisa da “Nação” ou da “Pátria”, enquanto o senhor transmontano, defronte de mim, apenas sabia o que tinha vivido.
Entre o ter ido a salto para a França, por viver na miséria cá, entre o ter de ir a Espanha, para poder pagar o gasóleo ou fazer compras (pois, na altura, nem tão pouco havia autoestrada que o trouxesse ao Porto ou até Vila Real em tempo útil), entre ver o amendoal ser deitado abaixo por conta de contas comunitárias, entre ter de rapar os fundos da reforma que França lhe pagava para poder pagar a um médico privado em Portugal (caso contrário bem ficaria sem a consulta); entre tudo isto, o que era isso de “Portugal”?
Ensinou-me muito, este senhor transmontano. Por isso lhe agradeço.
Agradeço porque partilhou comigo a vida dele, e as experiências dele, e me ensinou, como o Lennon nunca realmente conseguiu, a perguntar o que era isso das fronteiras, e o que era isso dos países. O que era isso da “comunidade”…
Sensatez desta não brota do chão e não se compra; é fruto da vida sem pressa e do pensamento com calma. Por isso Pessoa nos dizia que o seu mestre era na verdade o guardador de rebanhos, Caeiro.
Então digam-me o que é isso da fronteira na Rússia e na Ucrânia? E o invasor e o invadido? Vamos continuar a fingir que não se esteve a debater diferentes lentes de propaganda nacionalista e que havia alguma espécie de envolvimento legítimo emocional ou moral da parte dos nossos líderes? Havia algo que não os famigerados interesses?
Havia algo que não uma inicial aparente incompetência dos líderes europeus, e agora uma clara maldade em não defender os direitos e bem-estar dos seus constituintes?
A France24 mostrou, há cerca de uma semana, imagens de ucranianos em Lysychansk a receberem as tropas russas com acenos de alívio e alegria.
Será que quem defende a russofobia em Portugal é o mesmo tipo de pessoas que viram costas aos transmontanos portugueses? Até porque o futuro está no mar (e segundo Dias, o passado também), e serão mais velhos, flores secas, florestas abandonadas e pouco importa.
Mas não se espantem que, caso perguntem, “como é que era, se Espanha invadisse?”, recebam a resposta “eles que venham: oxalá!”
Enquanto isso, os nossos velhos morrem. Morrem sozinhos. Morrem ao abandono, esquecidos, com sede.
Enquanto isso, o nosso país arde, famílias perdem tudo, o ar perde-se em colunas de fumo.
E o que dizem os nossos líderes? Não é culpa deles. É das alterações climáticas. É do vírus, este, aquele, qualquer um deles. É da Rússia e do louco do Putin. E dos comunistas. E das taxas de juro. E dos socialistas. E da oposição. E do Chega. E dos fumadores. E dos negacionistas. E minha. E tua!
E deles? Ai, isso é que não é!
Mariana Santos Martins é arquitecta
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.