Categoria: Opinião

  • Sobre esta coisa chamada opinião

    Sobre esta coisa chamada opinião


    Antes de emigrar para a Suécia costumava ter acesos debates com um amigo “passista”. Tínhamos visões absolutamente distintas do mundo e percursos de vida completamente antagónicos. Certo dia, durante um almoço perto do mar, com aquele sol bem luso e um peixe grelhado com mestria, ele abre os braços e diz-me: “Tiago, percebes agora porque não emigro? Como é que se vive sem isto?”.

    Eu ouvi, respirei e disse: “os teus pais, depois de te pagarem os estudos em universidades estrangeiras, ofereceram-te uma casa e, ao dia de hoje, usas o teu salário para as contas do Pingo-Doce e da EDP. Percebes agora porque não emigras?”

    black megaphone pendant

    Os nossos caminhos deixaram de se cruzar e imagino que, entretanto, se tenha tornado liberal. Tinha tudo para ser um forte apoiante dos mercados. Mas, por mais que as opiniões dele me irritassem, eu adorava debater com o sujeito. Não só era inteligente na defesa dos seus argumentos, como o fazia de forma convicta, educada e racional. Nas estuchas que eu tinha que levar nos convívios com aquela malta, o choque de opiniões com aquele indivíduo era a única coisa que me cativava.

    E isso nunca mudou.

    Sempre preferi estar no meio de correntes diversas de opinião em vez de me situar, apenas, entre aqueles que pensam como eu. É a única forma que conheço de evoluir, aprender e até de formar a raiz do pensamento. Se falarmos apenas com pessoas que votam como nós, apoiam o nosso clube e adoram a mesma zona balnear, dificilmente saíamos da bolha a que as redes sociais e a manipulação de informação dos dias de hoje nos condenam.

    Portanto, partindo desta base de pensamento, do respeito pelas diversas opiniões e do facto de expor a minha opinião publicamente há algum tempo, estou habituado a receber críticas constantes ao que escrevo. Faz parte e até agradeço.

    Aliás, incentivo.

    people in conference

    Alguns dos reparos que me fazem ajudam-me a melhorar a escrita e até a ver as coisas de outra forma. Por outro lado, se há crítica é porque há leitores – e esse é sempre o primeiro objectivo de quem quer escrever.

    Aqui há uns anos, 2019 julgo, escrevi um texto sobre a TAP e as reclamações constantes dos portugueses aos seus serviços (não me lembro se nessa altura ainda pertencia aos privados a quem o Passos a ofereceu).

    Pelo meio fiz uma piada sobre glúten, que, como se percebe, não era o foco do texto. A coisa acabou por ter mais de mil partilhas, e eu passei os meses seguintes a ser insultado por algumas mães ofendidas, cujas intolerâncias próprias ou dos filhos, tinham sido mortalmente ofendidas com essa piada. Não é que eu tivesse matado alguém, mas, a avaliar por algumas reacções, poder-se-ia pensar que sim.

    Foi mais ou menos por esta altura que deixei de ler comentários ao que escrevo. Sejam elogiosos ou não, prefiro passar sem ver, porque tenho sempre a tendência para entrar em debate. Especialmente quando leio coisas mais disparatadas ou insultuosas. Um dos fenómenos que nunca perceberei é dos anónimos, sentados em frente a um teclado, e que dedicam boa parte do seu dia a insultarem outros anónimos, por divergência de opinião.

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    Pode ser um golo em fora-de-jogo, o resultado de uma eleição, a obrigatoriedade de uma máscara ou uma brasileira a abanar as nádegas no Rock in Rio. Tudo, mas absolutamente tudo, serve para insultar o desconhecido do lado, se este não corroborar a nossa opinião. Ora, eu acho esse movimento ligeiramente deprimente e, com a vossa licença, prefiro não entrar nele.

    Quando fui convidado para escrever colunas de opinião no PÁGINA UM, a minha pena estava mais do que identificada: emigrante, benfiquista, eleitor de esquerda, área de Ciências, contra os sucessivos confinamentos e pouco amante da histeria em volta da covid-19, sem nunca negar que o vírus existe, e nada fã de teorias da conspiração.

    Em princípio, não serei parte de nenhuma minoria escondida… vam’lá a ver: benfiquista e eleitor de esquerda, dizem os números, é onde se situa a maioria da nossa população. E pelo andar da carroça, não tarda, e também seremos mais na condição de emigrantes do que os residentes neste cantinho de bom sol e fresca sardinha.

    Portanto, quando escrevo opinião neste jornal – e isto poderá ser surpreendente –, escrevo a minha. Não a do partido A ou B, do clube Z ou Y. Pego nos temas da actualidade, e dou, sobre eles, a minha opinião. Critico o que tenho que criticar, elogio o que tenho que elogiar. Como qualquer um de nós.

    Depois das legislativas, repeti que Jerónimo de Sousa estava a afundar o PCP (e fui criticado por comunistas), que Rio não tinha qualquer ideia original e fazia a melhor oposição que Costa podia pedir. Disse que Cotrim de Figueiredo vendia um ideal que não se podia aplicar em Portugal e, mesmo assim, era constantemente apanhado em contradições na tentativa de explicar o liberalismo pensado para a nossa realidade. Valeu-me críticas da malta dos sapatos de vela. Disse que o Ventura não tinha conteúdo para mais do que dois ou três debates de seis minutos, como se provou nos 36 das últimas eleições onde chegou a ser penoso vê-lo.

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    Critiquei Jorge Jesus desde o malfadado dia em que abandonou o Flamengo. Critiquei as escutas do YouTube que não foram usadas como prova no Apito Dourado. Critiquei Bruno de Carvalho por todo o ódio em que empestou o Sporting.

    Durante o confinamento, critiquei muito o Governo português, e escrevi, noutro jornal, sobre a experiência sueca onde a vida seguiu com menos limitações e restrições à liberdade individual. Alguns votantes de esquerda chamaram-me “negacionista” e votantes de direita, nomeadamente liberais ou apoiantes do Chega, sentiram-se mais representados nesse tema.

    No entanto, quando o assunto passou a ser eleitoral, os mesmos que elogiavam, passaram a insultar-me. Portanto, é normal que todos cruzemos opiniões algures na vida e que, aqui e ali, concordemos em temas.

    Aquilo que quero dizer com isto é que a minha opinião não é partidária ou ideológica. É minha. Segue apenas aquilo que a minha cabeça dita em cada momento.

    Ontem, abri uma pequena excepção, e fui ler alguns comentários ao meu texto sobre o festival do Chega. Era uma paródia, pouco mais do que isso.

    Vi que alguns leitores decidiam deixar de apoiar o jornal porque o seu partido era satirizado nestas páginas. Houve até quem pedisse mais isenção. Ora… é aqui que eu queria ser bem claro nas linhas escritas: a opinião não é isenta, a opinião nunca pode ser isenta, porque se o for, então não é opinião. É outra coisa qualquer, mas não opinião. 

    As notícias do PÁGINA UM é que são, e devem ser, isentas.

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    O facto deste jornal ser apoiado pelos leitores e não ter qualquer patrocínio de entidades privadas ou públicas, significa que nunca será pressionado para não dar a notícia A ou alterar um pouco o conteúdo da notícia B. É isso que marca a isenção do PÁGINA UM, e é isso que o torna diferente e único no panorama nacional.

    Quem espera colunas de opinião que reflictam única e exclusivamente o seu pensamento, não está verdadeiramente interessado em “opinião”, mas sim numa extensão da sua bolha informativa.

    Em todos os jornais, eu tenho colunistas que gosto muito e outros que não suporto. O mesmo nas televisões. O que faço, quando fala ou escreve algum daqueles que me dá voltas ao estômago, não é partir a televisão ou fechar o jornal. Simplesmente mudo de canal, ou folheio as páginas.

    Já se encontrar algum órgão de comunicação social que reflicta apenas aquilo que penso, bom, nesse dia deixo mesmo de o seguir. Para espelho já basta o que tenho em casa.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Chega: só há uma “festa” como esta!

    Chega: só há uma “festa” como esta!


    O meu timing de entrada nos temas que circundam o Chega é quase sempre péssimo. Tenho a sensação que corro para a paragem e só vejo o escape do autocarro. Mas não é fácil, não é fácil, embora eu tenha tentado perceber este fenómeno da extrema-direita desde o início da aventura do nosso André.

    Um dia estava ele na CMTV a discutir centímetros dum penalti com aquele advogado que, alegadamente, recebia umas massas do Rui Pinto; e, no dia seguinte, aparecia ele em frente à Assembleia da República aos gritos contra o sistema.

    [Disseram-me que com a muleta do “alegadamente”, antes do verbo, podemos disparar toda e qualquer bojarda sem aquele risco incómodo de ir parar a um tribunal português. Ninguém tem 10 anos de vida para desperdiçar num processo na justiça lusa. De modo que, alegadamente, disparemos…]

    André Ventura, líder do Chega.

    Quando fui ver que ruído era aquele, e porque razão o gajo dos penaltis andava na rua a vociferar contra os poderes instalados, cheguei atrasado umas semanas. Já havia um partido político formado e com um segundo nome. O “Basta!” durou pouco e eu já só vivenciei mais a sério a experiência “Chegana”. Ainda dei ali o benefício da dúvida, porque, convenhamos, quem é que não corrige os temperos a meio do guisado? “Basta” era mais queque; “Chega” parecia mais do povo. Estavam afinados e prontos para partir.

    Nome bem acutilante, e grito de guerra “vergonha” a postos, faltavam as ideias. Ouço por um amigo: “ouve lá, este Ventura é que diz as verdades!”. Fui ver as verdades a meio de uma campanha legislativa e, novamente, cheguei tarde.

    Havia um programa político que previa o fim do Serviço Nacional de Saúde (SNS) e da escola pública, mas, segundo consta, deu reclamações em barda. Foi alterado, e quando lá apareci já só vi a versão 2.0, mais difusa e macia, de forma a agradar às hostes. Pensei: “ora aqui está uma originalidade política, programas à la carte!”. Gostei e percebi de imediato que iam longe.

    A legislatura foi mais fraca em termos de trabalho feito. Metade do tempo fora das votações e todo o poder de fogo colocado em vídeos do YouTube de dois minutos com bocas ao primeiro-ministro. O homem das verdades conseguia ainda assim trilhar o seu caminho. Continuei à espera das ideias, nem que viessem numa terceira versão do programa, mas, essencialmente, a coisa resumiu-se a cascar nos beneficiários do Rendimento Social de Inserção (RSI) e nos ciganos, em geral, sem qualquer ordem em particular.

    Lá por fora, o Chega colou-se aos outros partidos de extrema-direita – da Le Pen ao Salvini –, o que levou alguns ingratos a apelidarem-nos de racistas. Quando fui escrever sobre o tema, já o assunto estava, novamente, fora de prazo. Ventura, Parrachita e alguns incógnitos apoiantes desfilavam pela Avenida da Liberdade, em Lisboa, empunhando tarjas com o slogan: “Portugal não é racista”. Fiquei informado sobre a nova posição e até me senti aliviado. Era o Portugal que eu queria também.

    André Ventura durante encontro do grupo político do Parlamento Europeu (direita e extrema-direita) Identidade e Democracia em 23 de Junho em Antuérpia (Bélgica).

    Tentei então dizer qualquer coisa sobre o tema, mas, de repente, um deputado do Chega afirmou, na Assembleia da República, que só não tinha sido eleito vice-presidente por causa da sua cor de pele, ou seja, por discriminação racial. Fiquei fora de jogo – e sem hipótese de ir ao VAR, tema que o André tanto gostava de debater, antes de se meter nestas andanças.

    Enfim, eu quero comentar a actualidade do Chega, mas torna-se incompatível com um horário de trabalho normal. Entre o tempo que começo a escrever e a pausa para o café, já o Ventura mudou de opinião três vezes. Aliás, nem estou a ser original, ele de facto mudou a intenção de voto três vezes no mesmo dia numa votação parlamentar. Não sei se o editor do PÁGINA UM aceita podcasts, mas, com palavra escrita, não há pai para a velocidade do Ventura.

    Há uns meses ouvi uma intervenção de alguém do Chega que falava nos boys dos aparelhos partidários. Alegadamente do Carlos César que, alegadamente, tem metade da árvore genealógica encaixada em cargos públicos.

    Muito bem, de repente senti um ponto de encontro e finalmente ia dar uma palmadinha nas costas por escrito. Porém, a meio do meu texto já se tinha descoberto que o pai de um deputado qualquer do Chega era agora assessor do Chega na Assembleia da República.

    Não quero imaginar o drama de combinar um jantar com um gajo destes. Sugerem a tasca do Avillez, 20 minutos antes do repasto dizem que é mesmo na tasca, mas do Zé e em Alfama. Trinta minutos depois da hora ligam a perguntar se sabemos onde fica a roulotte da Sónia, ali por baixo da Segunda Circular, mesmo na saída do Campo Grande. É gente que não se decide. Ou que estuda pouco e navega às sortes. Também pode ser isso.

    Antes do Verão, quando recebemos todos ordem de soltura da covid-19, o Ventura anunciou que o Chega faria a maior festa de Portugal, um festival algures em Julho, com comes e bebes, boa música e muita diversão. Pensei que seria uma forma de, por exemplo, arrasarem com o Avante.

    Imagino que seja fácil: se um partido moribundo, que nos juram estar a dar os últimos passos (há décadas), consegue juntar uns milhares há quatro décadas durante três dias, certamente que o Chega consegue juntar muito mais.

    A expectativa era alta até ter saído o cartaz do festival. E uso aqui a palavra “cartaz”, porque “programa” seria um exagero. Em termos de artistas, não sei se podem ser encaixados nessa categoria profissional: confirmados, estarão lá o Rui Bandeira e o Jaimão.

    Lembro-me que o primeiro cantava o “que venha um alien divino e nos leve para lá, aqui já não dá!”; e o segundo, julgo ser um camarada que aposta numas rimas à Quim Barreiros, mas com menos classe na métrica. Não sei se chegam para o “maior festival de Verão português”, mas darão uns bons três minutos de Youtube. Com o enquadramento certo e apresentação do Tilly, até poderá ser equiparado ao Rock in Rio na ChegaTV.

    Devo, contudo, manifestar-vos a minha surpresa com a forma de preenchimento de linhas no cartaz. Nunca tinha visto a referência a música ambiente num evento deste tipo. É quase como anunciar uma lista do Spotify ou avisar que o recinto terá urinóis. Parece aqueles relatórios de electrónica, que eu fazia, depois das madrugadas no Bairro Alto, em Times New Roman 16, só para conseguir ter mais do que uma folha atrás do título do trabalho. 

    Rui Bandeira, cabeça de cartaz da Chega Fest Batalha.

    Noto também a astúcia na pesquisa de trabalhadores. O Chega pede por voluntários, e depois diz-lhes que terão que passar por uma selecção. É o equivalente à experiência de trabalho voluntário na WebSummit, mas na companhia de pessoas que não terminaram a escolaridade obrigatória.

    Em suma, o Chega gosta da voracidade dos mercados, do indivíduo que se sobrepõe ao todo e, sempre que possível, do desvio de dinheiro público para lucros de uma minoria privada, mas, no seu quintal, opta pela camaradagem do trabalho gratuito em prol do bem comum. Ahh…o sol ainda nascerá para todos eles. 

    Quando comecei a escrever isto colocava, sem ironia, todas as esperanças musicais deste festival na banda de tributo aos Queen. Não há forma de correr mal quando se tocam os clássicos. “I want it all, I want it all, and I want it noooooow!”

    Um pouco antes de enviar o texto, vou olhar para o cartaz de novo para ver se não me esqueci de nada, e vejo que a banda anunciou ter sido colocada no programa da festa por engano e, como tal, não marcará presença. Estes gajos não têm descanso. Devem andar a calmantes com o carrossel que a vida lhes proporciona.

    Provam ainda assim que tenho duplamente razão: a banda deve de facto ser boa, e não há maneira de uma verdade chegana durar o tempo de cozedura de um texto.

    Que venha a FEST. Vai ser porreira, pá!

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Dois processos num mês: a ocultação de dados pelo Ministério da Saúde “joga-se” agora nos tribunais. E pode haver terceiro…

    Dois processos num mês: a ocultação de dados pelo Ministério da Saúde “joga-se” agora nos tribunais. E pode haver terceiro…


    Em Portugal, apesar de vivermos em democracia há quase 50 anos – e de o Absolutismo há muito ser um período enterrado nos anais da História –, está enraizada em muitos dos nossos governantes a ideia de que o País, um Estado é propriedade de um Governo; sendo o Governo, formado por políticos que se comportam, acima dos demais, como senhores feudais, mandatados, com cheque em branco, pelos servis cidadãos através de uns papéis enfiados por uma ranhura de tempos em tempos, e sobre os quais exercem o poder em vez de lhes prestarem um serviço público.

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    Num país democrático decente, um Governo – como circunstancial mandatário do povo – deveria prestar continua e activamente contas à sociedade. Jamais ocultaria conscientemente qualquer informação – ou mesmo dados em bruto para que qualquer pessoa pudesse confirmar a validade dessa informação oficial. E, se por distração, e por não previsão de interesse, um qualquer cidadão se lembrasse de solicitar alguma informação que não fora activamente divulgada, logo esta, dentro de uma razoabilidade definida prévia e claramente por lei, lhe seria entregue dentro de um determinado prazo.

    Mais ainda, no caso desse pedido ser feito por um jornalista, não por este ser um cidadão acima dos outros, mas por a sua função, consagrada pela Constituição e pelas leis, lhe conceder especiais tarefas de watchdog ao serviço da sociedade.

    Ora, sobretudo nos últimos dois anos – e constituiu um agravamento do passado –, o país assistiu à mais nefasta estratégia de controlo da informação e de manipulação da opinião pública, sobretudo pela máquina mediática usada pelo Governo, que se soube aproveitar das fragilidades económicas dos media mainstream e de um conjunto de responsáveis editoriais que passaram a ser mais gestores de interesses políticos e financeiros do que jornalistas.

    Marta Temido, ministra da Saúde. Durante dois anos, ninguém insistiu para disponibilizar informação.

    Habituados que ficaram com o laxismo e a mansidão da imprensa, o Governo de António Costa pôde alimentar uma narrativa onde nada lhes era questionado; nada era pedido para se confirmar; nada lhe era solicitado para ser analisado de forma independente.

    O PÁGINA UM nasceu num período em que o jornalismo em Portugal nem ladrava, e muito menos mordia canelas. Nem latia. Lambia.

    Durante meses, o PÁGINA UM fez insistentes pedidos à Direcção-Geral da Saúde para obtenção de documentos administrativos. Foi necessário intentar-se um processo de intimação no passado dia 27 de Maio (1438/22.8BELSB) contra o Ministério da Saúde junto do Tribunal Administrativo de Lisboa para haver uma reacção em processo que corre ainda os seus trâmites.

    E qual foi a reacção? Para já, a senhora directora-geral da Saúde, Graça Freitas, enviou ao PÁGINA UM competente ofício, após meses de silêncio, a recusar o acesso a diversos documentos administrativos, incluindo base de dados, porque, por exemplo, “se torna impossível até à data de hoje, prever a sua finalização (…), porquanto os referidos dados estão em permanente alteração no decurso diário dos trabalhos”.

    E foi este documento enviado ao Tribunal Administrativo, com outra argumentação ainda mais absurda – recomenda-se mesmo uma leitura, com o desafio difícil para se manter sempre a boca fechada –, numa tentativa (que se espera vã) de convencer um juiz de que não pode ser disponibilizada mais qualquer informação para além daquele que a outra imprensa tem (com gosto) deglutido.

    A vingar esta tese da DGS, sob os auspícios do Ministério da Saúde e do próprio Governo, no limite nunca um cidadão português poderia obter documentos administrativos do Estado português, a menos que o Estado português fosse finalmente extinto, porquanto só assim ficaria patente a todos que os trabalhos do Estado português, antes perpetuamente em curso, estavam finalmente finalizados.

    Extracto do ofício da DGS com as estapafúrdias justificações para recusar acesso a documentos administrativos, mesmo em casos já analisados pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.

    Esta luta do PÁGINA UM por uma maior transparência, que na verdade é uma tarefa que deveria ser normal e corriqueira no jornalismo, não acabará por aqui. Os tempos têm de mudar. Para o Governo e para a imprensa.

    Por esse motivo – e porque ao longo de seis meses de existência foram escassíssimas as respostas do Ministério da Saúde e de entidades por si tuteladas –, o PÁGINA UM solicitou no passado dia 2 de Junho que fosse disponibilizado o acesso a todo o seu arquivo – com documentos todos eles administrativos, logo de acesso público –, desde 2020, tendo elencado um vasto leque de entidades remetentes e destinatárias de ofícios, pareceres e relatórios.

    Numa primeira fase, em 7 de Junho, a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde consideraria este pedido do PÁGINA UM como “manifestamente excessivo [e] abusivo”, mas depois reconsiderou, após se ter replicado ser temerário que o gabinete da ministra Marta Temido considerasse abusivos os pedidos de um órgão de comunicação social, e pediu esclarecimentos à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.

    Lista de processos já intentados pelo PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa por recusa de acesso a documentos administrativos.

    Não há, porém, motivos para dúvidas nem para procrastinações. E assim, no final da passada semana, o PÁGINA UM intentou um novo processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa contra o Ministério da Saúde. Este novo processo (1779/22.4BELSB) foi já distribuído na sexta-feira passada à juíza Dinamene de Freitas, que terá, ao analisar este processo, a indirecta oportunidade de responder se Portugal é uma verdadeira democracia. Ou seja, será que os cidadãos podem saber o que, nas estreitas competências que lhe foram atribuídas por eleições, os governantes fazem e escrevem?

    Mas, como não há duas sem três – e haverá certamente mais, se necessário for –, o PÁGINA UM tomou mais medidas após o escandaloso “apagão” da base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar que constava no Portal da Transparência do SNS, sobre a qual a generalidade da imprensa mainstream nada disse.

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    Também na passada semana, o PÁGINA UM solicitou a quatro entidades que, ao abrigo da lei, fosse(m) disponibilizado(s) o(s) eventual(is) documento(s) administrativo(s) que estivessem nos seus arquivos com a ordem para que fosse excluída a dita base de dados – que, como se sabe, permitiu ao PÁGINA UM, com dados até Janeiro de 2022, desenvolver um dossier de jornalismo de investigação bastante comprometedor.

    Essas entidades são as seguintes, e divulgamos as cartas: Ministério da Saúde, DGS, Serviços Partilhados do Ministério da Saúde (SPMS) e Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS). Caso estas entidades não tenham esses documentos, porque não existem, a lei determina que informem da sua não existência.

    Ou seja, o PÁGINA UM quer saber se a ordem foi escrita – e se foi, por quem, e ficando assim a saber-se a fundamentação – ou se estamos perante uma ordem política feita “por boca”. E então aí teremos de questionar se isso é legal. Se um governante ou alguém por si mandatado pode “eclipsar” uma base de dados pública apenas porque contém potencial informação comprometedora.

    Como é óbvio, se não houver respostas, ou estas não forem aceitáveis em democracia, o caminho será o Tribunal Administrativo.

    Enquanto o PÁGINA UM existir, e houver o apoio dos leitores, esta será sempre a postura, a estratégia e o modus operandi deste (vosso) jornal. Pelo menos enquanto Portugal for uma democracia…


    Os processos judiciais do PÁGINA UM são financiados pelo FUNDO JURÍDICO, proveniente dos apoios dos leitores através da plataforma MIGHTYCAUSE, tendo já sido recolhidos 6.810 euros. Além de outros custos, a taxa de justiça inicial é de 306 euros por cada um dos 7 processos já apresentados. Estão em preparação outros processos em áreas distintas.

  • Os pais do Simba

    Os pais do Simba


    Nos meus tempos de teenager, durante os verões alentejanos, um amigo mais eufórico depois daqueles jantares regados com uva das adegas locais, gritava: “sou filho do meu pai e da minha mãe, não pago e não tenho medo de ninguém!”.

    Quando a conta chegava, enfim, como todos nós, ele pagava. Mas durante cinco minutos sentia-se o pai do Simba, com o sangue ali a circular mais depressa entre as veias. E tudo bem, entre teenagers com aquele grau de idiotice mais próprio da idade, não há problema.

    brown lion on green grass field

    Até porque, quando eu era gaiato, não existiam telefones com câmara ou lives no Facebook. A vida era reservada ao que a nossa memória guardava, e isso, meus amigos, valia ouro. Sorte a do meu amigo que eu não me esqueci dos números de Rei da Selva…

    Dizia eu – quando perdi o foco, como é habitual – que a idiotice é natural em jovens imberbes. Mas isso torna-se mais preocupante em adultos, especialmente se esses adultos forem líderes de países democráticos.

    Recentemente a Estónia veio bater à porta da NATO, porque um helicóptero russo passou no seu espaço aéreo.

    Na Finlândia, o líder das Forças Armadas afirmou que estão prontos para combater com os russos.

    Já na Lituânia, as autoridades decidiram bloquear o acesso dos comboios russos de mercadorias ao enclave de Kaliningrado.

    Vejo aqui vários candidatos a pais do Simba – alguns Reis da Selva e poucos cérebros em funcionamento.

    brown and gray concrete building during daytime

    Os russos já avisaram que responderão à Lituânia caso o bloqueio não termine. Seja ou não um membro da NATO, note-se.

    Vou ouvindo e lendo que a Rússia está de rastos, que não aguenta nova frente de batalha e que não são perigo para ninguém – excluindo para os ucranianos, deduzo. É uma teoria assente no desgaste que estão a sofrer em território ucraniano, e na frase que se repete: “se nem com a Ucrânia podem, quanto mais com a NATO”.

    Permitam-me discordar aqui um pouco antes de chegarmos ao fundamental desta questão.

    Os russos estão certamente desgastados, mas julgo que, por esta altura, já ninguém se atreve a dizer que esta é uma guerra entre dois países. Os mortos são de facto maioritariamente de dois países, mas há um envolvimento directo do chamado Ocidente na contenda.

    Sem o dinheiro e armas despejados pela União Europeia, NATO, Estados Unidos e Reino Unido, a Ucrânia já teria capitulado há muito. Portanto, é justo dizer-se que os russos combatem contra uma coligação.

    É certo que o Ocidente incentiva os ucranianos a continuarem e a doar a carne para o churrasco, mas o carvão, as acendalhas e as minis são oferecidas por nós.

    sunset

    O envolvimento da NATO nesta guerra é mais do que assumido; portanto, tenhamos pelo menos esse dado em conta e não continuemos a fingir que os ucranianos estão sós. Sós estavam os georgianos e duraram cinco dias. Sós estão os palestinianos que vivem em prisões a céu aberto.

    Portanto, voltando ao ponto inicial: quando vejo simulacros de pai do Simba, imagino que todos, agora na União Europeia, vejam os russos debilitados e em ponto de rebuçado para levarem mais umas vergastadas.

    E a minha pergunta aqui é: porquê? Mesmo que estejam desgastados, cansados e debilitados, quem é que ganha com o alargar do confronto para a Zona Euro? Se um touro de 500 quilos andar às voltas num praça durante uma hora, passa a ser um acto de inteligência correr contra ele só porque já exercitou um pouco a musculatura? Os 500 quilos de peso doem menos e provocam menos danos no nosso esqueleto?

    É que nem essa teoria dos russos estarem de gatas, caso fosse mesmo essencial alargar o conflito, parece ter base firme.

    Televisões ocidentais, portuguesas incluídas – portanto, não foi a RT –, anunciaram que os lucros no último trimestre aumentaram mais de 30% na Rússia. A principal razão continua a ser a venda de energia, neste caso, com a China e a Índia – entre outros BRICS – a adquiriram o excedente que deixou de ser vendido para a Zona Euro.

    Ou seja, as potências emergentes dizem, pela vertente comercial, que não se importam de financiar a invasão russa, e ainda aproveitam para fazer negócio, refinando a matéria-prima e voltando a vendê-la aos europeus.

    Ao mesmo tempo, Xi Jinping, líder chinês, afirmou que as sanções impostas à Rússia seriam um tiro nos pés dos europeus e, cedo ou tarde, se virariam contra o próprio povo.

    Como se percebe pelo custo dos combustíveis, redução de salários e aumentos das taxas de juro, ele está certo. Mais não seja, porque a continuação da guerra e as restrições impostas, dá às petrolíferas e às financeiras a desculpa perfeita para os aumentos desejados – sejam ou não realmente afectadas. 

    Por outro lado, as relações comerciais entre a Rússia e os BRICS – que são potências emergentes –, com China e Índia à cabeça, mostram-nos qual foi o lado que estes exércitos escolheram no conflito. Ou seja, o touro exaurido e com a língua de fora parece ter amigos do tamanho da NATO.

    Neste cenário, queremos mesmo ver três países – Estónia, Finlândia e Lituânia –, cujas populações somadas não chegam à portuguesa, a encherem o peito em nosso nome em frente à Rússia?

    Estamos assim tão confiantes que os Estados Unidos e a NATO se vão meter nisto, numa altura em que Joe Biden já assumiu que, cedo ou tarde, Zelinsky terá de se sentar e chegar a um acordo?

    Pessoalmente, preferia que a malta do Báltico se acalmasse, aproveitasse o Verão – que são sempre os melhores quatro dias do ano – e, se possível, que tentassem contribuir para uma conclusão do conflito.

    green wheat field under blue sky during daytime

    Gente com gasolina ao redor da fogueira, já temos em demasia. Agora, aquilo que precisamos é de sair disto rapidamente, e usar a política para o que ela realmente serve: sossegar os egos dos líderes.

    Venham acordos de paz, com ou sem território, com mais ou menos dinheiro, com ou sem entradas na União Europeia. Façam lá as promessas que precisam de fazer para todos saírem desta guerra vencendo qualquer coisa.

    Acabem é com a carnificina de russos e ucranianos no terreno, e ainda com o empobrecimento generalizado da população europeia. O desgaste russo assumido pelos americanos é, na realidade, o desgaste de toda a Europa. Eu sou aquele que confiou nos avisos dos serviços secretos britânicos que, em Fevereiro passado, julgo, afirmavam que a guerra estaria terminada em Maio. Enfim, nunca mais foram os mesmos depois da morte do James Bond – spoiler alert.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A “ciência contrafactual” é uma treta ou como se salvam cientistas patetas

    A “ciência contrafactual” é uma treta ou como se salvam cientistas patetas


    Se a minha avó tivesse rodas era um camião – este dichote, bem conhecido, tem sido usado amiúde por treinadores da bola perante perguntas parvas de jornalistas.

    Nesta senda, surge agora em força uma modalidade de fazer-se Ciência: a aplicação de modelos matemáticos para simular uma contrafactualidade. É a Ciencia do Se… É a Ciência do “imaginemos que era assim como queríamos”…

    white bird on brown wood

    Por oposição dos modelos preditivos, em que se estabelecem premissas e assumpções, partindo daí para uma previsão que poderá depois ser verificada – e permitindo-se assim, à posteriori uma avaliação da precisão do dito modelo –, nos modelos matemáticos contrafactuais pode-se logo “gabar cestos” sem perigo de desmentido.

    Por exemplo, basta pegar numa medida ou acção previamente tomada e avaliar a sua eficácia à posterior, sem ter em consideração qualquer outra variável. E depois atribuir à medida toda a responsabilidade (boa) do diferencial obtido.

    Imagine-se, por absurdo, que se atribuía ao assobiar nas ruas uma hipotética redução dos atropelamentos em 90%, e se avaliava depois, passado um ano, a eficácia dessa medida sem, por exemplo, incorporar as campanhas de sensibilização dos condutores, a maior concentração de passadeiras ou semáforos e uma diminuição da velocidade máxima dos automóveis. Ora, alguém sensato poderia acreditar que havendo mesmo uma redução em 90% nos atropelamentos tal se devia exclusivamente aos assobios?

    Dos seis autores do artigo da The Lancet Infectious Diseases, três estiveram na equipa de Neil Ferguson que apresentou previsões catastrofistas em Março de 2020, que estiveram longe de ocorrerem.

    Ora, nos últimos dois dias muito se tem falado de um estudo, publicado na revista científica The Lancet Infectious Diseases por investigadores do Imperial College de Londres sobre a eficácia das vacinas contra a covid-19, atribuindo-lhe a “responsabilidade” de terem salvado cerca de 20 milhões de vidas em todo o Mundo. Em Portugal, segundo as declarações de um dos autores dessa análise (Oliver Watson) ao jornal Público, estimaram que se tenham evitado 135.900 mortes até 8 de Dezembro de 2021, com “uma incerteza entre 126.700 e 179.300 mortes”.

    Esse estudo tem quatro problemas básicos e graves.

    Primeiro problema, estamos perante um estudo contrafactual: pressupõe que tenha sido apenas a vacina o único contribuinte para a evidente descida da mortalidade absoluta e da taxa de letalidade, ignorando, ou pretendendo ignorar, que a covid-19 de hoje, sobretudo com a variante Ómicron agora dominante, é menos letal independentemente da vacinação, e que a população já não é naïve – ou seja, a imunidade natural tem uma relevância significativa não desprezável.

    Segundo problema: o estudo apresenta pressupostos que enviesam à partida os resultados, permitindo que o “cesto se gabe”. Com efeito, em vez de confrontar a letalidade (e mortalidade) dos vacinados com a dos não-vacinados e com a dos infectados recuperados, o estudo aproveitou apenas as referências de uns poucos estudos, alguns ainda não revisados, e até mesmo um comunicado de imprensa de uma das farmacêuticas. Por outro lado, a análise matemática usa tantas estimativas e pressupostos que, enfim, por mais que o modelo matemático seja extraordinário e os cientistas uns estupendos génios da Matemática, não conseguem fazer mais do que uma porcaria embelezada.

    Terceiro problema: uma parte dos cientistas autores deste panegírico às vacinas tem um grave conflito de interesses. Não tanto por este estudo ter sido financiado pela Bill & Melinda Gates Foundation, pela Organização Mundial da Saúde, pela GAVI e pelo The Vaccine Alliance.

    O grande conflito de interesses advém, sim, de três dos seis autores – Oliver J. Watson, Peter Winskill e Azra C. Ghani – terem sido co-autores da célebre estimativa do Imperial College feita em Março de 2020 que espoletou todo o alarme mundial em redor da pandemia.

    Estudo catastrofista do Imperial College previa um morticínio sem medidas não-farmacológicas, e justificou lockdowns e máscaras, cuja eficácia nunca se comprovou. Três dos autores dizem agora que as vacinas é que salvaram milhões.

    Recorde-se que esse estudo – publicado no inicio da pandemia à Europa, em 26 de Março de 2020, e tendo Neil Ferguson como cabeça de cartaz – estimava que, sem medidas, a covid-19 poderia fazer 7 mil milhões de infectados e 40 milhões de mortes.

    Ora, para apagar este colossal e vergonhoso erro de previsão – um exemplo paradigmático da má Ciência ao serviço do alarmismo –, nada melhor do que um outro pseudo-estudo onde as vacinas surgem – como sucedeu com muitas das absurdas medidas não farmacológicas – como o ente salvador. Mas salvador sobretudo da lamentável credibilidade de certos investigadores.

    Em suma, com este suposto estudo glorificador das salvíficas vacinas, a par das tais medidas não farmacológicas, a absurda estimativa de Março de 2020 estará sempre certificada. Pelo próprios que a fizeram.

    Quarto problema: não vale a pena olhar para a razoabilidade das estimativas mundiais quando os autores nem sequer acertam com a realidade de um país. O caso de Portugal, por exemplo.

    Com efeito, atribuir às vacinas contra a covid-19 o condão de salvar entre finais de Dezembro de 2020 (quando se iniciou o programa de vacinação) e 8 de Dezembro de 2021 um total de 135.900 pessoas é um absurdo.

    Não por representar mais mortes do que as que são causadas por todas as outras doenças (a covid-19 não é a gripe espanhola), mas sim por ser uma impossibilidade.

    De facto, se analisarmos a taxa de letalidade da covid-19 antes da introdução das vacinas, observamos que, em 27 de Dezembro de 2020 (dia da inoculação da primeira), a taxa de letalidade desta doença era de 1,77% (6.693 mortes em 378.395 casos positivos).

    Ora, entre 27 de Dezembro de 2020 e 8 de Dezembro de 2021, registaram-se em Portugal 802.923 casos positivos, que resultaram em mais 11.917 óbitos, o que significa que, no primeiro ano com vacinação, a taxa de letalidade foi de 1,48%.

    Ou seja, com a introdução da vacina, a taxa de letalidade apenas baixou de 1,77% para 1,48%, algo que jamais poderia implicar um tão grande contributo das vacinas na redução da mortalidade.

    Mesmo que, por absurdo, toda a população tivesse sido infectada (cerca de 10,2 milhões de pessoas), a redução da taxa de letalidade global em apenas 0,29 pontos percentuais significava que teriam sido poupadas apenas 29.580 pessoas. Mas notem: tinha de ser infectada TODA a população no espaço de UM ano. Até agora, em dois anos e quase quatro meses foi infectada, segundo dados oficiais, cerca de metade da população (5,120,970 casos positivos, até hoje).

    Na verdade, o game changer da covid-19 não foram as vacinas, mas sim o surgimento da Ómicron, por muito que Governos, farmacêuticas e certos investigadores inescrupulosos queiram convencer-nos do contrário.

    photo of red and blue bird person on brown tree branch

    Com efeito, veja-se como mudou a taxa de letalidade em 2022 em Portugal com a dominância da Ómicron, de muito menor agressividade: desde Janeiro até 22 de Junho registaram-se 3.693.100 casos positivos que resultaram em 5.022 óbitos atribuídos à covid-19. Isto significa que a taxa de letalidade – que, recorde-se, era de 1,48% no primeiro ano de vacinação – se cifrou em apenas 0,14%, o que está ao nível das pneumonias.

    Querer atribuir às vacinas – e não à menor agressividade da Ómicron, que foi, para nossa fortuna, o que fez cessar a pandemia – a maior fatia desta enorme redução da letalidade do SARS-CoV-2 é, no mínimo, desonesto. E nenhum cientista o pode ser, porque a desonestidade é inimiga da Ciência, e é um defeito  moral independente das capacidade cognitivas.    

    Em suma, tal como o estudo preditivo do Imperial College de Março de 2020, também este estudo contrafactual de Junho de 2022 do mesmo Imperial College deveria ficar nos anais da má Ciência. Tanto um como o outro nem para limpar o rabo servem.

  • Cão que morde também ladra

    Cão que morde também ladra


    Um lugar sagrado evoca muito mais do que o respeito pelo religioso; e, por isso, dependendo de cada cultura religiosa, somos levados a viajar pelos símbolos, pelos efeitos, pelas regras da geometria, da acústica, da óptica. O espaço sagrado torna-se, portanto, uma dimensão pela qual o ser humano viaja para se conhecer e se encontrar com o Divino.

    Despertado pelos sentidos, pelas emoções e sensações provocadas por cada símbolo, por cada forma, pelo silêncio, pela luz, pelas sombras, pela presença e pela ausência, a Humanidade sacraliza o que está fora para depois despertar o que se encontra dentro.

    two short-coated brown and black dogs playing

    Num ritmo que nos leva a uma permanente linguagem simbólica pela qual os sinais sensíveis dos mistérios inteligíveis constituem, para a Humanidade, um caminho ousado, misterioso e desafiante, que nos segreda, passo a passo, em cada pista, em cada sentido, em cada forma.

    Também por isso, muito antes da maioria de nós saber ler e escrever, as histórias são fixadas pela pintura, pelos vitrais, pelos azulejos, pela arte. Não fosse a fraqueza humana e tudo pareceria perfeito.

    Assentemos agora os pés na terra e recordemos a imagem do cão – símbolo de fidelidade, proteção, vigilância. Representação animal que, do Egipto Antigo à Grécia, atravessando tantas outras culturas e civilizações, se mantém transversal no significado e na proximidade aos humanos.

    Diz o povo que: “Cão que ladra não morde” – um provérbio popular que se refere aos que muito falam, pouco fazem, confundem, perturbam, se intrometem, mas não são consequentes. Ora, durante os últimos seis meses, viu-se isso contra o jornal PÁGINA UM – nenhum ousou e conseguiu morder. Verificou-se o ditado.

    Estratégia diferente adoptou o jornal de onde vos falo: ladrou e tem mordido, nem sempre por esta ordem. Tem deixado marcas. Muitas e diversas.

    Mas, ainda a propósito dos cães e do jornalismo, gostava de recordar as velhas lutas mortíferas – que são, muitas vezes perversamente manipuladas pelos humanos ao cortarem as caudas dos cães para evitar a desistência – já que é metendo a cauda entre as patas que o animal manifesta o medo e a derrota.

    Acto desumano, esse, o de amputar um membro que pode manifestar alegria ou medo. Perdoem-me a correcção – gesto, quiçá, demasiado humano.

    Mas gostava de acrescentar algo mais à crónica de hoje. Durante muito tempo associou-se à língua daquele ser vivo a ideia de cura.

    Julgou-se que as feridas saravam mais facilmente quando eram lambidas por um cão do que sendo simplesmente lavadas com água que tudo lava – benditas as línguas destes pequenotes que, deixando-se comprar por biscoitos e afagos, continuam fiéis companheiros.

    Ora, assim se conclui facilmente que o comportamento canino é um franco resultado de uma relação e de uma tensão entre o estado selvagem e instintivo e a estreita ligação aos humanos. Somos todos muito parecidos, pena que a língua humana não seja tão eficaz a sarar como eficaz é a ferir.


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A tempestade perfeita

    A tempestade perfeita


    Estranhei ver uma casa à venda na minha da rua. Nos últimos quatros anos, que me lembre, que ninguém vende nada por ali. Estranhei ainda mais que o preço de venda fosse abaixo do valor de “mercado”. Note-se que este é um dos meus termos favoritos. Mercado. Essa entidade abstracta que se auto-regula, e que nos convence daquela verdade absolutamente idiota: “se alguém pagou, é porque vale”.

    Perdi a conta ao número de vezes que discuti isto com os mais variados entusiastas dos mercados. Um T2 em Arroios não vale 500.000 euros. Um T4 no Seixal não vale 800.000 euros. Uma casa de madeira na minha rua não vale 600.000 euros. Ponto final.

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    Podem dizer que se venderam, que alguém pagou, que um norueguês achava barato. O bem adquirido NÃO VALE ESSE VALOR. Ponto final. Quem o vendeu é que lucrou mais do que lucraria sem especulação pornográfica.

    Repeti esta discussão vezes sem conta, terminando sempre da mesma forma: como ficarão as coisas no dia em que o último comprador, depois de anos de vendas especulativas, ficar com um bem nas mãos que vale menos do que o crédito que contraiu por ele? Por outras palavras: o que acontece quando quisermos vender uma casa que o mercado nos diz, agora, valer menos do que pagámos por ela? Ficamos assustados e vendemos ao melhor preço. E depois os outros apercebem-se que o mesmo lhes sucederá, e vendem ao melhor preço, que rapidamente tende a ser cada vez mais baixo… Ou seja, rebenta a bolha.

    Há uma bebedeira colectiva em que todos fomos culpados. Nós, privados, que aceitámos que os mercados nos dissessem que um Fiat valia o preço de um Ferrari, e os bancos, que avalizaram créditos para Ferraris tendo Fiats como garantia.

    Finalmente, sempre com a guerra na Ucrânia, as sanções e a escalada dos preços em pano de fundo, aparecem os aumentos das taxas de juro do Banco Central Europeu (BCE) que, obviamente, vão trazer à vida aquelas páginas do fim da resma que nos entregam quando fazemos um crédito hipotecário – e que, claro está, ninguém lê. “Se a Euribor passar para 2%, então a sua prestação será X”.

    empty road

    Em Gotemburgo, onde um apartamento no pior bairro custa perto de 200.000 euros, as famílias estão endividadas até ao osso. Meio milhão de euros por um apartamento é hoje algo perfeitamente banal na cidade. Uma realidade parecida com a de Lisboa, eu diria, onde qualquer apartamento fora da Amadora começa nesses valores.

    Os bancos suecos começaram a avisar os clientes das constantes subidas das taxas – deduzo que em Portugal se esteja a fazer o mesmo – e para quem tinha créditos variáveis, os mínimos a um ano passaram para 4%. Isto significa, grosso modo, que as famílias dobrarão os seus custos com a habitação.

    Portanto, não só os salários diminuíram com a inflação como, por conta do aumento das taxas de juro no crédito hipotecário, ficarão muitas famílias numa situação de aperto até aqui inimaginável. O mercado vai-se encher de casas, os preços vão baixar, alguns não vão conseguir pagar os créditos ou vão trabalhar até rebentar apenas para pagar contas.

    Pergunto: era assim tão difícil perceber que dizer “o mercado diz que” é, na verdade, apenas uma forma imunda de justificar lucros disparatados num reduzido espaço de tempo? Não é mais ou menos óbvio que não, um T1 numa colina de Lisboa com uma janela de 10 cm de vista para o Tejo, não valerá nunca, por mais franceses que o queiram, 350.000 euros?

    Se a situação na Suécia, onde o nível salarial e de poupanças são altos, caminha para um nível assustador, eu não quero imaginar o que vai acontecer em Portugal.

    person holding brown leather bifold wallet

    Mas quero muito que me voltem a explicar as vantagens do mercado desregulado, do envio de dinheiro e armas para uma guerra, das sanções que estão a rebentar com os russos e de como os aumentos do BCE nos ajudam a controlar a despesa.

    Quero também entender, com muita vontade, por que razão a banca é pública na altura de ser salva, mas totalmente privada e autónoma na altura de decidir o tamanho dos seus lucros.

    As pessoas vão perder casas e os créditos dos palheiros transformados em mansões vão acabar na dívida pública. No fim, o único culpado, será o gajo que tentou sair de casa dos pais quando percebeu que já tinha 35 anos.

    Entrámos num comboio há anos que só anda em círculos e, por mais paragens que se repitam, ainda acreditamos que seguimos em linha recta.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os benefícios dos programas de vacinação contra a COVID-19 em crianças podem não superar os riscos

    Os benefícios dos programas de vacinação contra a COVID-19 em crianças podem não superar os riscos

    Este artigo foi publicado originalmente em inglês na Acta Pædiatrica: nurturing the child, uma revista científica mensal com peer-review (revisão pelos pares), editada pela Wiley Online Library, sob o título The benefits of COVID-19 vaccination programmes for children may not outweigh the risks. O PÁGINA UM obteve autorização expressa do autor e da revista para a sua publicação integral. A tradução foi realizada por Pedro Almeida Vieira com revisão do autor.


    As vacinas salvaram milhões de vidas, e entre estas incluem-se as vacinas contra o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), que foram desenvolvidas em tempo recorde. Em Maio de 2021, a Food and Drug Administration [a entidade reguladora norte-americana dos medicamentos] e a Agência Europeia dos Medicamentos (EMA) autorizou o uso da vacina Comirnaty (Pfizer-BioNTech) para crianças entre os 12 e os 15 anos. Em 25 de Novembro de 2021, a EMA estendeu essa autorização para as crianças com idades entre os 5 e os 11 anos.

    A decisão de vacinar as crianças coloca muitos desafios, uma vez que a COVID-19 é uma doença muito mais ligeira nessa faixa etária, tornando o rácio de risco-benefício menos evidente.

    Primeira página do artigo original de Francisco Abecasis na revista científica Acta Pædiatrica: nurturing the child

    Relatos de eventos adversos graves logo após a introdução da vacina em larga escala foram documentados. A suspeita de que as vacinas de ácido ribonucleico mensageiro (RNA mensageiro) podem provocar miocardite e pericardite, especialmente em adolescentes e adultos jovens, foi logo confirmada por estudos clínicos correctamente desenhados.1,2

    quatro pontos-chave que necessitam de uma abordagem sobre a vacinação de crianças.

    O primeiro são os benefícios potenciais para as crianças. As vacinas foram desenvolvidas para prevenir a infecção por SARS-CoV-2, a COVID-19 grave e a mortalidade. Devemos avaliar a gravidade da doença em crianças para compreender os reais benefícios da vacinação. O risco de ser hospitalizado devido a COVID-19 grave é extremamente baixo em crianças. Um estudo inglês de âmbito nacional, que incluiu todas as crianças hospitalizadas com COVID-19 durante o primeiro ano da pandemia, mostrou que 229/251 (91%) dos internados em unidades de cuidados intensivos pediátricos (UCIPs) tinham condições subjacentes ou comorbilidades.3

    Esta situação ocorreu antes da disponibilidade de vacinas e quando a variante Alfa era dominante. Houve também 312 internamentos em UCIPs devidos a síndrome inflamatória multissistémica em crianças (MIS-C). Globalmente, hospitalizações em UCIPs relacionadas com COVID-19 ou MIS-C abrangeram 0,005% da população com idade pediátrica na Inglaterra, constituída por 12,02 milhões de pessoas.3

    Desde o início da pandemia, até Março de 2022, as crianças e adolescentes com menos de 20 anos que testaram positivo para SARS-CoV-2 representaram 0,1% do total de mortes relacionadas com a pandemia em países de rendimento elevado.

    Segundo a UNICEF, cerca de 75% das mortes de crianças e adolescentes até aos 19 anos ocorreu naqueles que tinham comorbilidades. O risco de miocardite, desenvolvida entre 1 e 28 dias após a infecção pelo SARS-CoV-2, foi avaliado por um estudo envolvendo mais de 3 milhões de participantes com idade mínima de 16 anos, tendo-se apurado um risco de 10 casos por milhão (com intervalo de confiança de 95% de 7-11) na população exposta abaixo dos 40 anos de idade.2

    Do nosso conhecimento, não existem dados que comprovem que as actuais vacinas previnem a miocardite associada à infecção por SARS-CoV-2. Os únicos dois casos de miocardite associados ao SARS-CoV-2 que observámos foram em adolescentes totalmente vacinados.

    Até agora, os dados sugerem que o principal risco associado à infecção por SARS-CoV-2 em crianças saudáveis ​​é a MIS-C. As vacinas podem evitar esta complicação?

    Francisco Abecasis, pediatra do Hospital de Santa Maria (Lisboa) e professor auxiliar convidado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa.

    Dois estudos demonstraram que a incidência de MIS-C foi cerca de 90% menor em crianças vacinadas do que em não-vacinadas.4,5 No entanto, é importante considerar o momento e o desenho dos estudos. Como esses estudos foram realizados imediatamente após a vacinação, esperava-se que o número de infecções por SARS-CoV-2 fosse muito menor no grupo vacinado.

    Embora esses resultados sejam promissores, a suposição de que a vacina previne a MIS-C deve ser avaliada comparando as taxas de MIS-C em crianças vacinadas e não-vacinadas que foram infectadas com SARS-CoV-2. Esses estudos também revelaram que sete crianças totalmente vacinadas desenvolveram MIS-C. 4,5 Estudos anteriores já tinham apontado que a MIS-C pode desenvolver-se em crianças vacinadas.

    Outro argumento potencial para vacinar crianças é a melhoria no impacte social e psicológico da pandemia. Como médicos, devemos lembrar que uma vacina é uma intervenção médica para prevenir uma doença e nunca deve ser usada para evitar restrições impostas pelas autoridades de saúde ou governamentais.

    O segundo ponto são os benefícios potenciais para terceiros. As vacinas têm sido usadas ​​para erradicar doenças através da imunidade de grupo e também foram usadas ​​para proteger membros da família ou indivíduos vulneráveis ​numa determinada comunidade.

    A imunidade de grupo ocorre quando uma grande parte da população desenvolve imunidade a uma doença, tornando improvável a sua disseminação de pessoa para pessoa, protegendo-se assim toda a comunidade, e não apenas os vacinados. A imunidade de grupo varia de doença para doença, dependendo do nível de infecciosidade. Deve-se salientar que a imunidade de grupo só é possível se os indivíduos imunes não forem infectados ou não transmitirem a doença.

    Sabemos agora que este não é o caso do SARS-CoV-2, e que tanto os indivíduos anteriormente infectados como os vacinados podem infectar-se e transmitir a doença, impossibilitando assim a imunidade de grupo. Apesar disso, o risco de infecção é menor após a vacinação, e a vacinação de uma criança pode ser justificada em casos específicos se, por exemplo, um membro da sua família tiver uma condição clínica que impeça a sua vacinação.

    Por outro lado, se todos os membros adultos de uma família estiverem totalmente vacinados, então há menos lógica em vacinar crianças para proteger os adultos vacinados.

    girl getting vaccine

    O terceiro ponto são os riscos potenciais associados às vacinas de mRNA. A principal preocupação de segurança com vacinas de mRNA é o risco de miocardite, que foi bem estabelecido em adolescentes que receberam a vacina SARS-CoV-2. 1,6

    Um estudo mostrou que este risco foi maior após a segunda dose, afectando 390 adolescentes do sexo masculino e 49 adolescentes do sexo feminino por milhão de segundas doses administradas.7

    A incidência reportada de miocardite foi menor em crianças com idade entre os 5 e os 11 anos, afetando 4,3 rapazes e 2,0 raparigas por milhão de doses administradas. Isto era ainda significativamente superior ao risco background de miocardite naquela faixa etária [risco de base ou incidência não-devida à exposição].

    Embora a maioria dos casos de miocardite pós-vacinal tenha sido leve, e os pacientes recuperaram, houve casos graves de choque cardiogénico e, pelo menos, cinco mortes relatadas, incluindo dois adolescentes e um jovem adulto de 22 anos.6,8 As complicações a médio e longo prazos da vacina permanecem desconhecidas, e pacientes com miocardite podem desenvolver cardiomiopatia dilatada, possivelmente anos mais tarde.

    Esses dados indicam que os riscos não são os mesmos para todas as crianças, e o risco da vacina pode superar os benefícios, especialmente para um adolescente saudável do sexo masculino.

    man in blue crew neck shirt wearing white face mask

    O quarto ponto diz respeito à variante Ómicron. Os estudos citados neste trabalho foram realizados antes do surgimento da variante Ómicron, que parece ter um curso de doença mais leve do que as anteriores variantes de preocupação.

    O rácio risco-benefício para a variante Ómicron parece apoiar a suspensão da vacinação em crianças, tendo em conta a possibilidade de evasão vacinal demonstrada por múltiplos estudos de neutralização de anticorpos.9

    Um artigo de Fevereiro de 2022 do Departamento de Saúde do Estado de Nova Iorque estudou a eficácia da vacina entre crianças antes e após o surgimento da Ómicron, tendo sido mostrada uma redução acentuada na eficácia da vacina contra essa nova variante de 66% para 51% nas crianças dos 12 aos 17 anos, e de 68% para 12% nas crianças dos 5 aos 11 anos. A eficácia da vacina contra a hospitalização também caiu de 85% para 73% e de 100% para 48% respectivamente.10

    Portugal tem a quarta maior taxa de vacinação do Mundo, com mais de 90% da sua população totalmente vacinada. Apesar disso, registou 1,25 milhões de novas infecções por SARS-CoV-2 em Janeiro de 2022, sendo os indivíduos vacinados a maioria desses casos.

    Estes quatro pontos-chave demonstram que a decisão de fornecer vacinação universal para evitar que crianças saudáveis ​​sejam infectadas com SARS-CoV-2 não é simples.

    four children standing on dirt during daytime

    A actual dominância mundial da variante Ómicron sugere que os benefícios podem não superar os riscos associados às vacinas de mRNA.

    Seria mais sensato recomendar que apenas crianças específicas sejam vacinadas, incluindo crianças com factores de risco que as tornam mais susceptíveis à COVID-19 grave e aquelas que estão em contacto próximo com familiares vulneráveis ​​que não podem ser vacinados.

    Quando tomamos decisões sobre vacinas durante a pandemia em curso, devemos lembrar que as crianças não são adultos pequenos e que temos a obrigação de primeiro não causar danos.

    Francisco Abecasis é pediatra na Unidade de Cuidados Intensivos no Hospital de Santa Maria (Lisboa) e professor auxiliar convidado da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa


    Bibliografia

    1. Oster ME, Shay DK, Su JR, et al. Myocarditis cases reported after mRNA-based COVID-19 vaccination in the US From December 2020 to August 2021. JAMA. 2022;327(4):331-340. doi:10.1001/jama.2021.24110

    2. Patone M, Mei XW, Handunnetthi L, et al. Risks of myocarditis, pericarditis, and cardiac arrhythmias associated with COVID-19 vaccination or SARS-CoV-2 infection. Nat Med. 2021;28:410-422. doi:10.1038/s41591-021-01630-0

    3. Ward JL, Harwood R, Smith C, et al. Risk factors for PICU admission and death among children and young people hospitalized with COVID-19 and PIMS-TS in England during the first pandemic year. Nat Med. 2022;28(1):193-200. doi:10.1038/s41591-021-01627-9

    4. Zambrano LD, Newhams MM, Olson SM, et al. Effectiveness of BNT162b2 (Pfizer-BioNTech) mRNA vaccination against multisystem inflammatory syndrome in children among persons aged 12–18 Years — United States, July–December 2021. MMWR Morb Mortal Wkly Rep. 2022;71(2):52-58. doi:10.15585/mmwr.mm7102e1

    5. Levy M, Recher M, Hubert H, et al. Multisystem inflammatory syndrome in children by COVID-19 vaccination status of adolescents in France. JAMA. 2022;327(3):281-282. doi:10.1136/bmj.n1087

    6. Mevorach D, Anis E, Cedar N, et al. Myocarditis after BNT162b2 mRNA vaccine against COVID-19 in Israel. N Engl J Med. 2021;385(23):2140-2149. doi:10.1056/NEJMoa2109730

    7. Li X, Lai FTT, Chua GT, et al. Myocarditis following COVID-19 BNT162b2 vaccination among adolescents in Hong Kong. JAMA Pediatr. Published online February 25, 2022. doi:10.1001/jamapediatrics.2022.0101. Online ahead of print.

    8. Gill JR, Tashjian R, Duncanson E. Autopsy histopathologic cardiac findings in two adolescents following the second COVID-19 vaccine dose. Arch Pathol Lab Med. Published online February 14, 2022. doi:10.5858/arpa.2021-0435-SA. Online ahead of print.

    9. Wolter N, Jassat W, Walaza S, et al. Early assessment of the clinical severity of the SARS-CoV-2 omicron variant in South Africa: a data linkage study. Lancet. 2022;399(10323):437-446. doi:10.1016/S0140-6736(22)00017-4

    10. Dorabawila V, Hoefer D, Bauer UE, Bassett MT, Lutterloh E, Rosenberg ES. Effectiveness of the BNT162b2 vaccine among children 5–11 and 12–17 years in New York after the emergence of the omicron variant. medRxiv. Published online February 28, 2022. doi:10.1101/2022.02.25.22271454. Online ahead of print.


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Tiro ao médico? Não e não

    Tiro ao médico? Não e não


    Sempre que um grupo de trabalhadores do sector público luta por direitos laborais, levanta-se a turba dos indignados. Reparem no pormenor de eu dizer “sector público”. Não há luta no sector privado, há resignação.

    Mas dizia eu: levantam-se vozes, normalmente com os mais estapafúrdios dos argumentos, contra as classes profissionais que se organizam para lutarem pelos seus direitos. Os alvos desta semana são os médicos.

    doctor holding red stethoscope

    Devo dizer-vos uma coisa para início de conversa. Se pensarmos que andamos há 35 anos a receber subsídios europeus e que continuamos pobres, e com auto-estradas de luxo, é mais do que natural que constantemente assistamos a lutas laborais. Assim de repente só me lembro de três ou quatro classes profissionais que têm salários comparáveis aos parceiros europeus mais desenvolvidos.

    Portanto, estranho seria se não víssemos greves e lutas, quando o nível salarial é, na generalidade, o maior problema português.

    Isso aplica-se a um professor, a um enfermeiro, a um médico ou a qualquer funcionário público que não seja autarca, deputado, vereador ou secretário de Estado. Ou ministro.

    De entre as acusações com que os médicos foram brindados – com o “gananciosos” à cabeça –, houve uma que me saltou à vista: a de terem a obrigação de devolver o dinheiro que o país investiu neles, nas suas longas e caríssimas formações, trabalhando em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde (SNS). E acrescento: as horas necessárias por semana e pelo salário que a tutela quiser.

    Ou seja, para alguns de nós, um médico deve trabalhar 10 horas por dia, fazer urgências e ganhar menos do que um qualquer assessor de secretário de Estado – daqueles que entram e saltam de um Executivo sem darmos por eles, sem terem qualquer formação para lá do networking dos papás.

    Eu não sei se já perderam algum tempo a perceber como funciona o ensino público, mas, na base, todo e qualquer curso universitário numa instituição não-privada é quase integralmente financiado pelo Estado. Seguindo essa lógica da dívida de gratidão, um professor tem que dar aulas 10 anos em bairros sociais, um engenheiro civil tem que fazer as primeiras duas pontes de borla e um advogado tem que defender criminosos pro bono durante cinco anos. Pelo caminho, tornam-se vegetarianos e comem a relva do Monsanto.

    É exactamente pelo custo da formação de um médico, pela duração dos cursos e das especialidades, que o Governo deveria proteger o investimento, dando a estes profissionais salários dignos. Já não digo comparáveis aos seus colegas europeus do Norte, mas, pelo menos, suficientes para o grau de importância que esta profissão tem em qualquer sociedade.

    O risco é que, obviamente, depois de 10 anos de formação, os médicos escolham uma compensação financeira fora do SNS ou, ainda pior, fora de Portugal.

    Não sei se conhecem muitos países com excesso de médicos. Eu não me lembro de nenhum, é uma daquelas profissões sempre em falta, talvez tirando o exemplo cubano que, a dada altura da História, trocavam médicos por petróleo – tema para outro dia.

    Portanto, a questão é simples: sabendo os médicos que podem vender a sua força de trabalho por valores muito mais altos, porque devem eles jurar fidelidade ao SNS e aos salários baixos?

    Esperam que alguém que dedica 20 anos da sua vida a estudar, depois aceite salvar vidas por um salário inferior ao de qualquer boy do PS ou PSD, com experiências profissionais na área da distribuição de sacos de pano e canetas com logótipos de dois em dois anos nas arruadas? Tenham dó!

    Eu espero que os médicos, ou qualquer classe profissional, lute pela dignidade das carreiras e pela justa valorização do trabalho. E isso, meus amigos, num mundo capitalista, começa no salário.

    Ninguém trabalha por caridade e no nosso caso em concreto, se conseguimos andar a salvar Salgados e Rendeiros, e a sustentar uma corja de políticos com zero impacto na sociedade, podemos certamente pagar salários de Primeiro Mundo a quem nos mantém nele mais tempo.

    person sitting while using laptop computer and green stethoscope near

    Um dos nossos problemas enquanto sociedade revela-se a cada greve, a cada discussão com o patronato. Há sempre alguém que diz “eu vivo com 600 euros e tu não consegues com 2.000?”. É esta a raiz dos males: o pensamento que coloca sempre a fasquia no chão. Se eu estou na miséria, não quero sair dela, quero é que tu venhas para onde estou.

    600 euros não é um salário na Europa: é uma esmola, uma afronta, uma exploração. E 2000 euros, depois de cortados os impostos, também não foge muito disso. É aquilo a que nos países civilizados se chama “subsídio de estudante”.

    Nós – ou vá, a maioria de nós – que trabalhamos por conta de outrem, tudo o que temos para trocar é a nossa força de trabalho. Para quem não nasceu em berço de ouro, e depende, em exclusivo, do seu trabalho para viver, é a forma como fazemos essa troca que nos atribui uma vida de qualidade ou de sofrimento.

    E é por isso que não podemos apedrejar quem luta pelos seus direitos laborais e procura a justa compensação pela venda da sua força de trabalho. Devemos é juntar-nos a eles.

    Engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Lembram-se do Cisne Negro? Cheira que está perto…

    Lembram-se do Cisne Negro? Cheira que está perto…


    Primeiro, era “temporário”:

    • A 27 de Maio de 2021, a Secretária do Tesouro norte-americano e ex-presidente do Banco Central norte-americano, Janel Yellen, afirmava: “Segundo a minha opinião, a recente inflação que estamos a sentir será temporária. É algo não endémico…”;
    • No final de Agosto de 2021, o presidente do Banco Central norte-americano, Jerome Powell, dizia que a recente subida da inflação era um fenómeno transitório;
    • A 28 de Outubro de 2021, a presidente do Banco Central europeu, Christine Lagarde, comentava que “… a recente subida da inflação na zona Euro acima da meta de 2% é temporária e espera que as pressões inflacionistas diminuam no próximo ano”.
    black swan on water

    Depois, de “temporário” passou para “afinal, veio para ficar”:

    • No final de 2021, a Secretária do Tesouro norte-americano e ex-presidente do Banco Central norte-americano, Janel Yellen, alterou o discurso: o processo inflacionário tinha deixado de ser temporário;
    • Em Março de 2022, o presidente do Banco Central norte-americano, Jerome Powell, reconheceu que a inflação era um problema que necessitava de medidas drásticas;
    • No início do presente mês, a secretária do tesouro norte-americano e ex-presidente do Banco Central norte-americano, Janet Yellen, admitia que estava errada acerca da inflação.

    E, por fim, de “afinal, veio para ficar” veio o “pânico”:

    • Na manhã de 15 de Junho, antes da efectivação da subida das taxas de juro pelo Banco Central norte-americano, o Conselho do BCE reunia-se de emergência, anunciando uma nova ferramenta, denominada: “anti-fragmentação”. Traduzindo: o BCE passará a imprimir dinheiro e a comprar obrigações apenas para os estados em apuros;
    • Na tarde de 15 de Junho, o Banco Central norte-americano subiu a sua taxa directora em 0,75% (75 pontos base), a maior subida desde 1994!

    Cheira, portanto, a fim de festa.

    Tal como escrevi em artigo anterior, no passado dia 19 de Abril, a visita de um Cisne Negro poderia ocorrer a qualquer momento. Isto não é uma surpresa. As afirmações dos responsáveis pela situação a que chegámos é a surpresa. Como podia ser uma surpresa?

    O que esperavam do resultado de imprimir dinheiro como se não houvesse amanhã?

    O principal Banco Central do mundo, a Reserva Federal norte-americana, imprimiu 4,75 biliões de Dólares norte-americanos (USD) desde o final de 2019, o equivalente a 22 vezes o Produto Interno Bruto (PIB) português (0,22 biliões de USD) e cerca de 20% do PIB norte-americano (23,5 biliões de USD).

    Ao mesmo tempo, obrigava-se a sociedade a ficar em casa, sem nada produzir, distribuindo cheques e pagando todas as necessidades com dinheiro proveniente da impressora de notas. Anunciava-se então um final feliz: “tudo ia acabar bem”!

    Evolução dos activos totais (em biliões de USD) do balanço da Reserva Federal norte-americana entre o final de 2019 e Junho de 2022. Fonte: St. Louis Fed. Análise do autor.

    Os sinais de fim de festa são agora evidentes.

    No último dia 10 de Junho, para o mês de Maio, a inflação nos Estados Unidos situou-se em 8,6%, um máximo de 40 anos. Na Zona Euro, para o mesmo mês, a inflação foi de 8,1%.

    Entretanto, apesar das minúsculas subidas de juros por parte dos Bancos Centrais, o mercado de dívida pública começa a dar sinais de pânico.

    A rendibilidade implícita das obrigações emitidas pelo Estado Federal norte-americano com maturidade a 10 anos rompeu o máximo de 2018, um pouco acima de 3%. Agora, situa-se em 3,3%, um máximo de 11 anos. Importa notar que esta subida foi muito rápida: em pouco mais de 2 anos subiu de 0,4% para 3,3%.

    Evolução da taxa de juro implícita (%) das obrigações norte-americanas com maturidade a 10 anos negociadas no mercado secundário entre Janeiro de 2008 e Junho de 2022. Fonte: Yahoo Finance. Análise do autor.

    Este é um dos grandes problemas que se depara aos Bancos Centrais: continuar a manipular, no sentido descendente, as taxas de juro pela compra massiva de obrigações com dinheiro de monopólio pode gerar uma inflação sem precedentes.

    Esta subida também afectou os países do sul da Europa, os denominados PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha). Agora, assistem à queda do preço das suas obrigações negociadas no mercado secundário, elevando o juro implícito e tornando incomportável o custo de futuras emissões.

    Durante o último dia 14 de Junho, as obrigações gregas e italianas com maturidade a 10 anos chegaram a ser negociadas a 4,7% e 4,2% respectivamente, um máximo de mais de 10 anos.

    Evolução da taxa de juro implícita (%) das obrigações italianas com maturidade a 10 anos negociadas no mercado secundário entre Janeiro de 2008 e Junho de 2022. Fonte: Yahoo Finance. Análise do autor.

    No final de 2021, a Grécia era o país mais endividado da Zona Euro, com um rácio de dívida pública vs. PIB de 193%, seguido da Itália, com 151%, e de Portugal, com 127%.

    A título de exemplo, com um dívida próxima de 300 mil milhões de Euros, em caso de uma subida de 1%, Portugal sofre um acréscimo de 3 mil milhões de Euros de encargos com juros, cerca de 25% do custo do Serviço Nacional de Saúde.

    No caso do Japão, este rácio encontra-se agora em 266%, sendo talvez o maior sinal de alarme do desastre que está a acontecer no mercado de dívida pública. Recordemo-nos que o Japão leva quase oito anos de avanço com este tipo de políticas monetárias, tendo iniciado a compra de activos financeiros por emissão de dinheiro em 2000.

    Em face de uma dívida tão elevada, o Banco Central japonês determinou que o juro implícito das obrigações com maturidade a 10 anos não podia superar, imagine-se, os 0,25%! Hoje é praticamente o único comprador destes títulos de dívida pública.

    Com esta política está a destruir o Iene japonês. Em 2022, cai 13% frente ao USD e encontra-se num mínimo de mais de 20 anos!

    Evolução de Iene japonês (JPY) cotado em Dólares norte-americanos (USD) entre Janeiro de 1998 e Junho de 2022. Fonte: Yahoo Finance. Análise do autor.

    Esta é a situação que irão enfrentar em breve os dois principais Bancos Centrais, o norte-americano (Reserva Federal) e o europeu (BCE): ou combatem a inflação seriamente ou tornam os estados e os bancos comerciais insolventes, destruindo, ao mesmo tempo, a moeda e o poder de compra dos cidadãos – precisamente o que os japoneses agora enfrentam, em que compram do exterior tudo mais caro, em resultado da depreciação do Iene japonês.

    Apesar da nova crise de dívida soberana – capaz de destruir o sistema monetário que surgiu com o final dos acordos de Bretton Woods (1971) –, a imprensa tem-se dedicado a anunciar o “desastre” que se abateu sobre as Criptomoedas. A correcção de mais de 60% do Bitcoin faz notícia todos os dias.

    Parece que perdemos a perspectiva das coisas. Esta loucura monetária iniciou-se no início de 2020, em que a maioria dos activos financeiros subiu à boleia de uma impressão de dinheiro sem limites.

    Medido em USD, entre o final de 2019 e o último dia 15 de Junho, as duas principais Criptomoedas – o Ethereum e o Bitcoin – subiram 851% e 214% respectivamente. Foram seguidas pelo Petróleo, com 89%, e pelo Nasdaq 100, com 33%. Para o mesmo período, o Euro perdeu 7% e o Iene 20%!

    Variação (%) de oito activos financeiros, medidos em Dólares norte-americanos, entre finais de 2019 e 15 de Janeiro de 2022. Fonte: Yahoo Finance. Análise do autor.

    É assim alguma surpresa que as Criptomoedas sejam os activos financeiros que mais corrigem?

    Continuo a prever que em caso de descontrolo do mercado de dívida pública norte-americana – isto é, caso ocorra uma subida vertiginosa da taxa de juro implícita (maturidade a 10 anos), por exemplo, de 4,3% para 5% em poucas sessões –, os mercados de acções e de obrigações poderão sofrer um autêntico cataclismo. Algo a que nunca assistimos.

    Como é óbvio para todos, o dinheiro não desaparece. Quando começar a sair dos mercados de dívida e de acções, em caso de pânico, os investidores vão dar-se conta que o Bitcoin é a verdadeira reserva de valor, pois não tem risco de contraparte.

    Na verdade, quando alguém tem um Bitcoin numa carteira digital, este activo é seu, não depende da solvência de nenhuma entidade, seja um banco comercial, um Banco Central ou um estado. Quando o pânico se instalar, podemos assistir a subidas vertiginosas no mercado de Criptomoedas e de Matérias-Primas, o refúgio do dinheiro em fuga.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.