Entre fogos e ondas de calor, parece ter escapado à comunicação social portuguesa uma importante vitória de um conjunto de trabalhadores perante as suas entidades patronais.
É, aliás, um reflexo dos tempos informativos e das estratégias de comunicação: somos massacrados semanas a fio com um, e um só, tema.
Durante dois anos, só ouvimos falar em covid-19.
Há pouco mais de um mês, Portugal ainda era o país com mais mortos por milhão de habitantes da União Europeia e um dos que registava mais casos diários, mas os directos dos parques de estacionamento dos hospitais já tinham sido substituídos, desde Março, por jornalistas de capacete em Kiev.
Entretanto começaram a puxar fogos às matas – um clássico lusitano de Verão como é o emigrante que regressa ao som de Tony Carreira – e lá se acabaram as ligações a Kiev.
Chegou a seguir a “praga do aeroporto de Lisboa”, com directos para discutir o número de dias que os passageiros não mudavam de cuecas.
Depois de descobrirmos que afinal a Portela estava igual ao resto do Mundo, por causa dos despedimentos pós-covid no sector, passámos à onda de calor.
Agora vemos cada nuvem de fumo, cada Canadair na barragem, cada bombeiro a tropeçar no repórter da CMTV. E pergunto-me qual será o tema 24/7 depois dos incêndios…
Mas voltando ao início: entre labaredas e morteiros, escapou-nos uma vitória laboral. Neste caso dos pilotos da SAS – a companhia escandinava que serve a Suécia, Dinamarca e Noruega.
A história conta-se rapidamente. Durante a pandemia, com os aviões no chão, o Governo sueco (e os vizinhos também) despejaram um rio de dinheiro nas empresas, com gigantes como a Volvo, Ericsson e SAS à cabeça. A micro-empresa onde trabalho também foi ajudada – e, portanto, sou o caso prático em como esse dinheiro chegou a todo o lado.
Se a memória não me falha, foi qualquer coisa como 2 mil milhões de euros a ajuda prestada pelo Governo sueco às empresas.
A teoria era simples. Tal como em Portugal ou em qualquer outro país da União Europeia, os Estados garantiam com este financiamento que trabalhadores impossibilitados de exercer funções não ficavam sem o seu ganha-pão. No caso da aviação, com praticamente tudo parado por imposição governamental, a ajuda era mais do que óbvia, justa e necessária.
Ora, mas o que fez a SAS com o dinheiro do lay-off? Dispensou 450 pilotos e aplicou um corte salarial aos que ficaram. Onde é que já viram isto? Exacto! Na TAP.
E se prestaram atenção, foi prática corrente um pouco por toda a Europa. Por isso, agora, todos, ou quase todos, estão em dificuldades para cumprir as exigências do mercado com o regresso dos passageiros e a normal procura por bilhetes.
Perante isto, os pilotos da SAS, de forma concertada, saíram pelo seu pé. Foram mil pilotos, para ser mais exacto. Durante 15 dias deixaram a SAS à beira da falência com um prejuízo diário entre nove e 12 milhões de euros. Ao fim de 10 dias, a companhia já tinha cancelado 2.500 voos e perdido cerca de 120 milhões de euros. Um A320 novo, para usar a “moeda local”.
Depois de duas semanas de greve, a companhia finalmente cedeu. Não só no corte salarial, mas também na re-contratacão dos 450 pilotos dispensados. Agora, depois de ter percebido que uma companhia não existe sem os trabalhadores, a administração da SAS vai a correr aos mercados buscar dinheiro fresco para se financiar e recomeçar as operações. A reestruturação já não será feita à custa dos trabalhadores.
Eu lembro que os países escandinavos são quase sempre representados na comunicação social portuguesa (ou nos cartazes da Iniciativa Liberal, vá!) como bastiões liberais e exemplos da flexibilidade nos direitos laborais. Agora, depois desta retumbante vitória dos sindicatos, imagino que a Suécia seja a nova Venezuela, e Oslo a nova Havana cheia de Teslas.
Podemos, assim, daqui tirar três conclusões.
Primeira: nem todos os povos aceitam sentados o que o patronato lhes impõe.
Segunda: injustiça alguma resiste a um movimento organizado de trabalhadores.
Terceira, eventualmente mais difícil de encaixar: os mais ricos também o são porque nunca desistiram de lutar pelos seus direitos.
E a nós, o que é que nos falta?
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
“Pela Tatão!… Nem é uma mulher! É um tambor!… Pelatatão, pelatatão (tão tão)“
Se houve coisa que o Vasquinho e a sua Geração de Ouro nos ensinou foi a evadir a censura com sucesso. Por isso é sempre pertinente manter a memória viva. Até porque, como todos bem sabem, a censura está viva e de boa saúde, só mudou de nome.
Para mim, ver as películas destas figuras do Portugal de antanho evoca-me o cheiro a bafio e óleo de cedro, com requinte de tabaco lusitano suave a manchar o estanhado da parede. Com carinho o digo, pois estes eram os aromas da minha infância pelas casas dos avós.
Pai Tirano (1941), realizado por António Lopes Ribeiro.
Mas funesta coisa esta de uma certa classe de figurões – e não figuras – andar em revivalismos pintados a guache, em remakes, retakes e replays destas operetas fora de suas épocas.
Só pode querer dizer que tenho que pagar licença de porte de isqueiro em breve e, a julgar pelos últimos dias, meter na cabecinha que, em incerta tarde, um qualquer parque, um qualquer jardim, um qualquer baloiço ou um qualquer escorrega será obviamente vedado para meu bem e para a modéstia do estilo de vida dos meus filhos. Até porque dizem que o Mundo vai acabar e temos de salvar o Planeta, um balancé de cada vez, para não apanhar um escaldão.
Como diz a má-lingua, a História repete-se, tendemos todos a achar e esperar que um pai tirano surja no nevoeiro venha em formas já conhecidas. Esperamos que venham com as mesmas ideias, no mesmo cavalo, com as mesmas cores ou até do mesmo lado de onde vieram da última vez. Depois, afinal não é. Para alguns pode chegar a merecer até voto na urna.
Ultimamente, sinto o cheiro a bafio e óleo de cedro no ar, próprio de casas fechadas com gente medrosa lá dentro. Eu sinto cheiro de totalitarismo, à portuguesa, meiguinho. E ainda por cima agora as boas intenções são todas modernaças, usam estrangeirismos e pronomes. Usam máscara, usam patologias e diagnósticos, são especialistas! (E não tractores holandeses, circulem, circulem!)
Elite que se preze a ascender a seu poleiro costuma notabilizar-se por uma desconexão absurda com a realidade.
Quem se mantém, por exemplo, no casulo universitário da retórica, pensa que a vida e os seres humanos se resumem a abstração, ou que talvez quem não acompanhe o pensamento de Suas Excelências será certamente inferior, démodé ou alguma espécie de fóbico.
Então vomitam e regurgitam impropérios e tentam colonizar até a língua de todos, pois se a língua é pensamento e identidade, sim, porque não tentar uma colonização deste género?
Quem não admita falar esta novilíngua, quem questione o porquê de as instituições estarem a impor este linguajar, é um dissidente que não merece o passaporte sanitário! Nem tão pouco debate, e ai de quem tente falar sem pensar antes, que os esgrimistas do pensamento disso têm muita prática. En garde!
Esfera privada e esfera pública. Não me parece descabido que a Escola, enquanto arma poderosíssima do Estado para propaganda de dimensão quântica, saiba quando está a ultrapassar os seus limites da esfera privada familiar e do desenvolvimento individual da criança dentro dos seus valores familiares ou da comunidade. E respeitar isso é inclusivo. (Não que inclusividade seja realmente a questão para estes produtos de rankings escolares de marfim, produtores de superioridade moral muito acima dos selvagens que andam cá em baixo a comer animais enquanto eles ficam a debicar brioche ou scones.)
Sempre esperei que o ensino fosse laico. Fosse qual fosse o culto. Porque direito ao culto tem o indivíduo, pelo que, até sua maturidade cognitiva e emancipação, tem direito de influência a sua progenitura. São regras normalmente acordadas, que preservam as culturas de cada um numa sociedade e que, normalmente, pais tiranos querem revogar à força.
Mas desengane-se quem pense que o mundo do dinheiro e do poder está alegremente a pavimentar concordância para uma sociedade mais igualitária, para todes e todas e todos e quantas mais vogais, consoantes e símbolos haja.
O mundo do dinheiro e do poder, meus caros, está alegremente a fabricar guerras culturais para vos manter distraídos, para que não vejais o bolor nascer no amarelo do português suave a entranhar-se no estanho da parede. Enquanto vocês berram a quem pertence o arco-íris, eles contam notas na religião deles: o lucro.
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Pode Vossa Excelência, como procuradora-geral da República Portuguesa ficar na História como mais um cinzento magistrado a ocupar o órgão superior do Ministério Público. Ou pode ser alguém que, meio século depois de militares terem “imposto” a democracia, contribuiu para reverter o estado comatoso deste quase quinquagenário regime.
Escolher a primeira opção implica o caminho mais fácil. Basta manter-se silenciosa ou tartamuda, fazendo de conta que altos e mais superiores preocupações se sobrelevam, e que o termo gerontocídio não existe sequer no léxico lusitano e, muito menos, no enquadrado jurídico nacional.
No segundo caso, é assumir que está em curso um gerontocídio, e agir em conformidade.
O termo é, efectivamente, estranho em Portugal, mas é palavra da língua de Camões. No outro lado do Atlântico, por exemplo, a Academia Brasileira de Letras define gerontocídio como “delito de homicídio praticado contra pessoa idosa decorrente de violência doméstica ou familiar e/ou por motivo de menosprezo ou discriminação em relação à condição de idoso” e ainda como “extermínio de idosos”. E está mesmo previsto, desde 2019, o agravamento das penas por este crime, por iniciativa da Câmara dos Deputados brasileira.
Em Portugal, nada. Mas há, neste preciso momento, a decorrer, cobarde e nojentamente, um extermínio de idosos. Não se vê. Não há gritos. Não há sangue literalmente em jorros. Não é carnificina, porque muitos, pela sua avançada idade, até já estão caquéticos. Mas há.
E pior – como se tal fosse possível: há negacionistas. Estes, sim.
Comparação da mortalidade média diária nos maiores de 85 anos por quinzena para os anos de 2017 a 2022. Fonte:: SICO. Análise: PÁGINA UM.
Atente-se: Portugal está a caminhar para o nono mês consecutivo com mortes sempre acima dos 10.000 óbitos. Recorde absoluto em Maio e em Junho. A probabilidade de nada de incomum se passar em tanto tempo seguido é virtualmente de 0%. O PÁGINA UM denunciou. Provou.
O PÁGINA UM também alertou que, desde finais de Fevereiro, morreram a mais 5.700 pessoas do que o expectável, sendo uma estimativa feita por um professor de Estatística e Investigação Operacional da Faculdade de Ciência da Universidade de Lisboa. E não foi em tempo quente.
O PÁGINA UM também noticiou que, desde 10 de Julho, a mortalidade acumulada este ano nos maiores de 85 anos ultrapassou o já funesto 2021. E isto quando a diferença em 25 de Fevereiro era favorável a 2022 – ou seja, tinham morrido menos – em 4.828 vidas. Apresentamos análises rigorosas sobre tudo isto.
Que sucedeu depois destas notícias do PÁGINA UM – para além da “usurpação” da sua investigação por certa comunicação social?
Comparação da mortalidade média diária na faixa etária dos 75 aos 84 anos por quinzena para os anos de 2017 a 2022. Fonte:: SICO. Análise: PÁGINA UM.
O secretário de Estado-adjunto da Saúde, o médico Lacerda Sales – aquele que deixou cair lágrimas de crocodilo porque em certo dia de Agosto de 2020 não morreu ninguém de covid-19 – diz candidamente que “perante um excesso de mortalidade não atribuível a uma causa específica, a investigação das razões tem de ser feita em períodos longos, não em períodos pontuais, e deve ser feita entre cinco a dez anos exactamente para excluir que esse aumento possa ser um fenómeno pontual”. Leia-se: sacudamos a água do capote de qualquer responsabilidade política do actual Governo.
A ministra da Saúde, Marta Temido, seguiu o mesmo diapasão, garantindo hipocritamente que “queremos chegar a conclusões céleres”, mas que “elas não são possíveis quando são sobre fenómenos complexos e necessitam de tempo e de análise técnica”.
Por sua vez, a médica Graça Freitas – que apenas denota sagacidade para se manter num cargo, a de directora-geral da Saúde, para o qual não foi talhada – veio já tentar tapar o sol com a peneira, culpando uma putativa onda de calor (veja Vossa Excelência as de 2013 e 2018, as mais recentes e compare) como a responsável pelo excesso de mortes desde… Fevereiro?! E vai sempre, para todo o sempre, culpar o “tempo quente”.
Comparação da mortalidade média diária na faixa etária dos 65 aos 74 anos por quinzena para os anos de 2017 a 2022. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.
E, para ajudar na festa deste gerontocídio, veio um inclassificável burocrata, também outro médico, Fernando Almeida de seu nome – circunstancial presidente do Instituto Nacional de Saúde Doutor Ricardo Jorge (coitado do Ricardo Jorge que deve andar a dar voltas à tumba) – a defender que se deve evitar falar de excesso de mortalidade comparando apenas números. E também ele, para agradar à tutela política, afiançou ser impossível fazer uma análise séria e cientificamente consistente em dois ou três meses.
Estes, doutora Lucília Gago, são quatro suspeitos. Haverá mais, por certo.
São suspeitos por omissão. Por obstaculização de informação. Por acção. Provavelmente, por ocultação de provas. As suas tarefas não incluem espetar facas, mas morrem pessoas à mesma.
Estes e outros responsáveis políticos sabem aquilo que está a suceder. Têm, por exemplo, acesso aos dados bruto do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), que permitem diariamente, e desde 2014, observar todos os óbitos e suas causas. Há sete anos de dados para comparar com o que se passa este ano. Existem sistemas informáticos e peritos que conseguem detectar, num piscar de olhos, quais as causas para esta anormalidade.
Eles sabem que eu sei que eles sabem. Mas eles não querem que se saiba. Por isso, existe neste momento um processo no Tribunal Administrativo de Lisboa para intimar o Ministério da Saúde a divulgar esses dados em bruto ao PÁGINA UM.
Mas mesmo que não existissem esses dados em bruto – e existem esses e muitos mais, incluindo uma base de dados que deixou de ser pública porque um amigo de longa data da senhora ministra da Saúde decidiu expurgá-la para impedir as investigações do PÁGINA UM –, bastaria observar os singelos gráficos que se apresentam ao longo deste texto. Veja, Vossa Excelência, como está o gerontocídio, sobretudo nos maiores de 85 anos.
Não perca mais tempo. Não acredite nas palavras de quatro suspeitos deste gerontocídio em curso, que nos dizem que não há gerontocídio nenhum, que é necessário muito tempo para se apurar se houve ou não houve um gerontocídio.
Na verdade, doutora Lucília Gago, eles querem ser como aquele ladrão que, apanhado em flagrante, defende que se tem de avaliar a sua acção em função de uma análise a ser feita apenas no dia de São Nunca à tarde para, depois, se divulgarem as conclusões na manhã do enterro da solteira Culpa.
Que vai Vossa Excelência fazer? Fazer-nos… Fazer-lhes…
Um livro recentemente apresentado em Lisboa, intitulado O valor dos medicamentos e das vacinas no contexto da pandemia – da autoria de distintas personalidades do meio académico, da área da regulação farmacêutica e da avaliação económica dos medicamentos – contém “erros de palmatória”.
O primeiro e mais evidente tem a ver com a menção no título e dezenas de vezes no texto – a bem dizer no cabeçalho de dezenas de páginas do livro – da expressão “medicamentos e vacinas”. Uma incorreção grosseira para prestigiados farmacêuticos, em contradição com a definição de medicamento que apresentam logo na primeira página:
“O medicamento é toda a substância ou associação de substâncias apresentada como possuindo propriedades curativas ou preventivas de doenças em seres humanos ou dos seus sintomas ou que possa ser utilizada ou administrada no ser humano com vista a estabelecer um diagnóstico médico ou, exercendo uma ação farmacológica, imunológica ou metabólica, a restaurar, corrigir ou modificar funções fisiológicas.“
Lamentavelmente nenhuma definição de “vacina” é apresentada, o que seria muito útil no âmbito deste livro para o esclarecimento do público.
Sim, vacinas são medicamentos, e falar em “medicamentos e vacinas” é, no mínimo, uma redundância.
Será intencional para criar a dúvida na mente dos leitores, de que vacinas não são medicamentos? Ou que há diferenças na metodologia de avaliação do risco/benefício e avaliação económica, o tema do livro, das vacinas em relação aos restantes medicamentos?
Se este fosse o caso, esperar-se-ia que essas diferenças fossem bastante desenvolvidas no texto. Mas não. Por exemplo, nos dois capítulos dedicados à avaliação económica, praticamente só se fala em medicamento.
Quanto à avaliação do risco e às reações adversas a medicamentos (RAM), sem destacar diferenças nas metodologias para “medicamentos e vacinas”, a segurança é apresentada como distinta: “Tal como os medicamentos, as vacinas podem originar RAMs mais ou menos graves. No entanto, de um modo geral considera-se que o perfil de segurança das vacinas é superior ao dos medicamentos, pois a frequência de efeitos adversos a elas associado é muito baixa.”
José Aranda da Silva, José Cabrita e Carlos Gouveia Pinto são autores do livro O valor dos medicamentos e das vacinas no contexto da pandemia.
Espera-se então encontrar menos RAMs nas vacinas, nomeadamente nas utilizadas contra a Covid-19. Os autores, procuram fazer crer aos leitores que na análise dos relatórios de farmacovigilância a grande maioria dos efeitos adversos apresentou gravidade ligeira a moderada.
E que estas são semelhantes aos reportados a outras vacinas (inchaço, vermelhidão, dor no local de injeção, etc, etc.); que como efeitos adversos graves e potencialmente fatais a Agência Europeia dos Medicamentos (EMA) e a Food and Drug Administration (FDA) identificaram “apenas” a anafilaxia, a síndrome de Guillain-Barré, a trombose com trombocitopénia, a miocardite e a pericardite; e ainda, que as mortes com associação causal com as vacinas identificadas pelo Centers for Disease Control and Prevention (CDC norte-americano) não ultrapassaram algumas dezenas.
Pena que os autores não tenham considerado importante deterem-se a justificar por que razão nos sistemas de farmacovigilância, cujo papel muito destacam, havia já em 2021 para as vacinas Covid-19 mais de nove mil mortes notificadas ao CDC e 116 mortes notificadas ao INFARMED, mais de 700 mil RAMs notificadas ao CDC, e em Portugal mais de 20 mil, sendo quase sete mil graves, um número sem precedentes em toda a História (que tanto prezam) da farmacovigilância em Portugal, assim como na Europa e nos Estados Unidos.
Grave, porque enganosa, num livro que se pretende didático e esclarecedor, é a afirmação que no final do ano de 2020 “já estavam distribuídas vacinas seguras e eficazes e que foram aprovadas de acordo com uma rigorosa avaliação científica e com os procedimentos de autorização mais exigentes. Até 25 de março de 2021 foram aprovadas 12 vacinas, 4 das quais estão autorizadas pela EMA para utilização pela União Europeia: Comirnaty (BioNTech-Pfizer, Spikevax (Moderna), Vaxrevia (AstraZeneca) e Covid-19 Vaccine Janssen (Johnson &Johnson).”
Os autores, sabendo bem o que é uma Autorização de Introdução no Mercado (AIM) Condicional, em nenhum momento do livro mencionam que as ditas vacinas “autorizadas” ou “aprovadas”, afinal têm apenas uma AIM Condicional, o que significa, como explicam mais à frente: “a autorização condicional é um processo que permite desenvolver um medicamento que responda a uma necessidade médica não preenchida quando ainda não são conhecidos todos os dados científicos normalmente requeridos para a obtenção da AIM, assumindo que o benefício para a saúde pública supera o risco associado à incerteza inerente à inexistência de dados completos.”
Enquanto reconhecem que para o tratamento da doença Covid-19 os novos medicamentos disponíveis detêm apenas uma AIM Condicional, porque escondem essa informação relativamente às vacinas em utilização na população portuguesa e induzem os leitores a pensar que as vacinas estão autorizadas? Como podem afirmar que as vacinas são eficazes e seguras, se estudos estão em curso, e os seus dados científicos ainda não conhecidos?
Também omitem que à luz da regulamentação europeia as vacinas são medicamentos biológicos e que a sua natureza de autorização condicional obriga a consentimento informado. Detalhes importantes que foram aparentemente esquecidos.
“No Contexto da Pandemia” figura no título desta obra, quiçá com um intuito comercial, ou talvez para justificar a premeditada inserção de determinada narrativa pandémica. Com efeito, sem o devido suporte bibliográfico (uma importante lacuna numa obra que se pretende didática e credível) são feitas afirmações, aparentemente do foro do senso comum, como:
“Parece também já ser inquestionável o impacto positivo da vacinação no contexto da pandemia de COVID-19 que atravessamos (…)
Embora ainda seja cedo para avaliar o contributo global da vacinação na COVID-19, é evidente o seu impacto positivo na mitigação de surtos, na redução de casos graves e consequentemente na mortalidade associada (…)
A pandemia foi mais uma experiência que permitiu demonstrar a superioridade do benefício terapêutico face ao risco iatrogénico dos medicamentos e vacinas aprovados pelas agências reguladoras.”
Este livro editado no início de 2022, teve apresentações em instituições académicas entre Abril e Junho e para o público em geral também em Julho; pois nesta época de divulgação do livro, o senso comum que transparece é, afinal, uma enorme prevalência da variante Ómicron sobre anteriores variantes, mais transmissível, menos letal, com escape vacinal em milhões de portugueses que contraíram a infeção por SARS-CoV-2 apesar de este ser um dos países mais vacinados do mundo.
Acresce-se um excesso de mortalidade global em vários países e na populaçãoportuguesa, de causa(s) desconhecida(s), desde há alguns meses, pelo que falar em redução da mortalidade pelas vacinas sem estudos robustos que o confirmem, é uma questão de opinião.
Mais, segundo informações que os próprios autores veiculam no livro, a EMA calculou para o ano de 2012, a ocorrência de 197 mil mortes no espaço europeu atribuídas às reações adversas a medicamentos, além de 5% do total de internamentos hospitalares, sendo assim a quinta causa de morte em unidades de saúde.
Seria um grande esforço dedutivo colocar pelo menos a hipótese de as reações adversas a medicamentos (com o advento das vacinas Covid-19, em 2021, em Portugal, as notificações triplicaram relativamente aos anos anteriores), poderem ter alguma relação com o aumento da mortalidade da população mais vulnerável?
Questionável é ainda a descrição que os autores fazem das novas estratégias para desenvolvimento muito mais rápido de vacinas para a Covid-19, que habitualmente levariam mais de dez anos; e, segundo os autores, sem que tenha havido minimização de etapas, com uma avaliação que cumpre todos os requisitos aplicáveis a qualquer outra vacina ou medicamento, não comprometendo assim a comprovação da qualidade, segurança ou eficácia exigida na União Europeia.
Ora, se tivesse sido assim, no final do processo as vacinas teriam recebido uma AIM, o que não aconteceu até ao momento. As vacinas detêm apenas uma Autorização de Introdução no Mercado Condicional, enquanto se aguarda por mais resultados de estudos científicos requeridos pelas autoridades.
Lê-se no texto que “a FDA estimou que por cada 10 000 a 15 000 novos compostos investigados na Fase da Descoberta, cerca de 250 concluem a fase de investigação pré-clínica, dos quais apenas 5 são consideradas elegíveis para os ensaios clínicos em humanos e, finalmente destes, somente um apresentará eficácia, segurança e valor terapêutico acrescentado para justificar a sua aprovação e entrada no mercado terapêutico.”
Apesar da incapacidade de se terem produzido vacinas nas anteriores epidemias de coronavírus – SARS (2002/03) e MERS (2012) – não estranham os autores, nem fornecem aos leitores qualquer explicação, sobre a inusitada taxa de sucesso da investigação e desenvolvimento das vacinas para o SARS-CoV-2, com a chegada à fase final de ensaios clínicos, como eles próprios afirmam, de mais de uma dezena de novos compostos em apenas dois anos de pandemia.
Ainda uma curiosidade sobre algo que é afirmado neste livro: “No caso do INFARMED, esperemos que a nível nacional se encontrem soluções para reforçar uma instituição reconhecidamente à beira do colapso. Contudo, se adequadamente afetadas possui verbas próprias que permitam ajustar o seu funcionamento às exigências da União Europeia.” Assim, a seco, sem justificações para o eminente colapso do INFARMED nem de que forma desadequada estão a afetar as verbas próprias que possuem. E os leitores ficam por esclarecer.
Em conclusão, os autores invocando os seus “galões” académicos, e permeando um conjunto de informação tecnicamente correta que fará porventura parte dos programas de ensino superior na área do medicamento, enxertam neste livro, a propósito da Covid-19 e do desenvolvimento de vacinas, um conjunto de afirmações de propaganda, semeiam inverdades, omitem dados relevantes e demitem-se de questionar.
Por estas razões, um livro que não se recomenda.
Teresa Gomes Mota é médica
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Ando tentado a lançar-me na agricultura do mirtilo e das framboesas e, enquanto não arranjo três nepaleses para explorar – como o Macário Correia (alegadamente) –, vou-me entretendo a procurar um veículo para carregar caixotes, pranchas, bicicletas e todas essas coisas que um jovem agricultor precisa nas ilhas de bruma. Ou apenas para percorrer as estradas sem cair nas crateras a que por aqui se chamam, carinhosamente, de buracos.
Fui visitar o senhor J, conhecido comerciante na minha ilha. O senhor J já deve uns bons 10 anos à reforma, mas gosta de trabalhar. Diz quem o conhece que não deixa cair uma moedinha no chão e que raramente perde um bom negócio. Entre as latas que rodeiam a oficina tinha para lá duas ou três carrinhas a cair de maduras que serviam os meus propósitos. Velha e barata, eram as qualidades desejadas.
O senhor J sorriu e disse-me que tinha ali uma em excelente estado, apenas com 30 anos. Ia passar-lhe uma água seguida de sabão e estava pronta para vender por 10.000. Seria 8.500 para mim, porque tinha andado com o meu sogro na escola. Eu pensei afincadamente durante uns bons centésimos de segundo, tempo de sobra para perceber que estava a ser enrolado. Disse-lhe: “Senhor J, 8.500 por uma carroça com 30 anos e 300.000km?” Ao que ele respondeu: “Isso não interessa! Eu também tenho 75 anos e ainda mexo bem!”
Com a informação de que o senhor J ainda conseguia saltar sempre que preciso, vim-me embora e julgo ter usado um ou outro impropério para descrever, ao meu sogro, o que achava do amigo de escola.
Invariavelmente, acabo as minhas pesquisas e conversas com um “como é que é possível?”. Aqui e ali assumo alguma irritação, nada de muito grave; só aquele “f******, mas está tudo doido?” da praxe.
Depois do senhor J, corri outros comerciantes, falei com particulares, meti anúncios. De todos recebi respostas que, de facto, o respectivo ferro-velho era melhor do que os vizinhos – e, por menos de 10.000 euros, só um skate.
Fiz o comparativo devido para o mercado onde vivo (Suécia), e concluo que a mesmíssima velharia que procuro custa cerca de um terço do preço cobrado em Portugal. A Suécia, onde as pessoas ganham em média três vezes mais, pagam três vezes menos por um carro velho.
Portanto, a culpa não é do senhor J ou de qualquer outro vendedor. A culpa dos preços faraónicos é da carga fiscal absolutamente surreal.
De facto, sempre que dou uma perninha no recrutamento do meu empregador e entrevisto portugueses a caminho de uma vida no Ártico, vem algures no processo a pergunta sobre o custo de vida.
A minha resposta, já gasta, e repetida 500 vezes, é de que tudo, à excepção do supermercado e do vinho, é mais barato ou tem um custo idêntico ao português. A conversa dos carros surge sempre como exemplo da carga fiscal, tal é a diferença, absolutamente pornográfica, de preços.
Não é propriamente uma grande revelação se vos disser que nos primeiros três meses de 2022, no top 5 de carros mais vendidos em Portugal estão 3 Peugeot, um Renault (Clio) e um Citroen (C3).
A carga fiscal é tão grande que para a bolsa de um português, um Renault Clio com um motor de um corta-relva é um luxo que, quase novo, custa mais de 20.000 euros. Na Suécia, o mesmo carro, com zero quilómetros, custa menos 3.000 euros.
Nas ilhas portuguesas, onde resido, a este cenário dantesco juntam-se os custos do transporte. O resultado final é tão disparatado que acabamos a discutir preços de carros com 20 ou 30 anos e quatro voltas dadas ao Mundo como se tivessem saído das fábricas ontem.
O drama maior nem é a carga fiscal disparatada, mas o facto de esta não reverter em função dos contribuintes. Pagamos em Portugal por impostos noruegueses, mas recebemos serviços do Zimbabué.
Se uma Toyota de 1985 custasse 10.000 euros por causa da carga fiscal, mas depois os putos, aqui da freguesia, tivessem uma creche gratuita, tudo bem. Agora quando a carga fiscal se destina a tapar buracos do BES, do Rendeiro e das PPPs, eu já tenho alguma dificuldade em aceitar tais disparidades.
De modo que fico um pouco limitado nesta minha aventura agrícola, e não estou bem a ver como posso ser um gestor de unicórnios decente. Nem os meus pais me ofereceram hectares, como fizeram em tempo útil os do Macário, nem o Estado me dá uma folga com os impostos sobre o ferro-velho. E julgo, é só uma suspeita, que nada do PRR me cairá no bolso.
Não é, enfim, Macário quem quer. Há que aguentar e ir desviando dos buracos.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
São dias complicados, estes que vivemos, para os mercados liberais, empreendedores de unicórnios e self-made men em geral.
Vieram recentemente a lume as confissões de um lobista da UBER, explicando o tráfico de influências com os Governos locais, de forma a contornar as leis do trabalho e, até, na instigação e aproveitamento da violência gerada (nomeadamente com os taxistas) para denegrir a concorrência.
A investigação passou por vários países, e chegou a Portugal, onde a estratégia assumida passava por dizer aos condutores que se deixassem agredir para, depois, se manchar o nome da ANTRAL e dos seus dirigentes.
Ficou também demonstrado que a UBER pagava elevadas quantias às cúpulas governamentais de forma a poderem aproveitar os buracos na lei e escaparem ao Código do Trabalho nos mais diversos países.
Dizem os entendidos que, novamente, outra start up de sucesso é, afinal, apenas mais um esquema de exploração de trabalhadores, corrupção na camada dirigente e lucros em barda para os accionistas, “cagando” sempre que possível nas leis dos locais do trabalho.
A frase repetida por Cotrim de Figueiredo vai ruindo com os castelos de cartas associados aos brilhantes exemplos do empreendedorismo. O liberalismo funciona e é necessário, mas não se percebe onde. Quer dizer, para quem não seja accionista. Digo eu, que tinha verdadeiras e fundadas esperanças na UBER, e esperava que a concorrência (dentro da lei) melhorasse o serviço de táxis, que era e é, por vezes, miserável.
Ainda recolhíamos os cacos desta martelada gananciosa no liberalismo mais puro (seja lá isso o que for) e, no minuto seguinte, sabíamos que o juiz Carlos Alexandre recebia a resposta ao e-mail que enviara em 2011 para um banco suíço. Fui ler novamente: ONZE anos!
Que tipo de servidores e protocolos de comunicação usarão os suíços? No meu tempo de estudante de telecomunicações, lá no início do século, já nada mexia com menos de 56kbit. Não sei se, entretanto, a Suíça voltou a enviar mensagens por sinais de fumo e há 11 anos que andam com o clima nublado… Pode ser isso. De facto, pode ter sido um problema técnico.
O juiz Carlos Alexandre, rapaz conhecido por fazer perguntas chatas, queria saber se havia por ali dinheirinho do Rendeiro e dos outros amigos do BPP. Isto a propósito daquela investigação que começou quando a MEO ainda se chamava TMN e o Sporting ainda não tinha querido ganhar quatro títulos de campeão numa segunda-feira de manhã.
Os suíços, conhecidos pela sua neutralidade e esconderijo natural de dinheiro roubado, demoraram 11 anos a responder a um pedido de um tribunal de União Europeia. Neste caso, o tribunal do nosso Carlos. Ao que parece estiverem a contar as notas, à mão, e lá se aperceberam que tinham 12 milhões dele, bem guardadinhos, numa daquelas gavetas que se abrem com duas chaves, como nos filmes do Clooney. Portanto, sim, havia dinheiro e estava lá. A resposta demorou mais do que o coveiro do Rendeiro a chegar.
A atitude suíça é lamentável (a palavra apropriada seria algo obscena, mas evitemos isso aqui no jornal). E, depois de décadas a servir de paraíso a ladrões, uma pessoa até se pergunta para que serve este pequeno país entrincheirado no coração da União Europeia, mas fora de todas as suas regras. Ou melhor, até nos passa pela cabeça aquele pensamento de “porque não invadiu Putin antes Zurique e deixou Kiev em paz?”. Alegadamente, claro.
O dinheiro entretanto descoberto pertence(ia) ao falecido Rendeiro, que o guardou para poder envelhecer na Quinta do Lago (sem incêndios, obviamente), enquanto alguém ia pagando as dívidas do BPP.
A ideia nunca foi devolver os 7% prometidos nas aplicações do BPP (ainda me lembro desse cartaz), mas sim o de garantir a fuga e o sossego na velhice.
As dívidas do BPP, esta é a parte gira, ascendem a cerca de 600 milhões. A parte do Estado andará nos 50 milhões e o resto é devido aos Zés deste país que foram trabalhar para longe das sardinhas, e imaginavam, nos seus tórridos pensamentos matinais, que um dia teriam uma reforma.
Portanto, o dinheiro destapado 11 anos depois serve, quando muito, para a cova de um dente das dívidas. Acho que é altura de os gestores do BPP pedirem um crédito de 600 milhões (menos os 12 milhões que ficarão, veremos, para o Estado)… Dizem-me que as taxas de juro estão óptimas.
Enfim, confesso: estas notícias deixam-me irritado. Por vezes, deixo-me dominar pelo sangue que corre em todos nós, latinos da margem certa do Tejo.
Na minha cabeça amontoaram-se textos cheios de vocábulos de Bocage, absolutamente proibidos num jornal de respeito como o PÁGINA UM. Depois olhei para a minha montanha e reparei que o sol tinha aparecido. Notem que esperei 30 dias para ver o sol, neste pedaço de Mundo onde as nuvens reinam. Respirei e relativizei a coisa.
O Rendeiro está morto, a História não foge. Os mercados fizeram asneira, mas, certamente, amanhã farão outra vez.
O sol apareceu e, estou confiante, a Revolução pode esperar um bocadinho.
O liberalismo não vai mudar assim tanto em 24 horas, não é?
N.D. Este texto foi escrito ontem. O autor informou, entretanto, que hoje o céu está novamente encoberto. E o liberalismo está na mesma…
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
Disse Dumas, no Conde de Monte Cristo: “A partir de agora, não viveremos mais, viveremos apenas mais depressa.”
E cá estamos, depressa. Começamos a pensar sobre uma coisa, e logo vem outra. E outra. E mais outra.
Não chega a dar para pensar, simplesmente não há tempo.
Melhor que nos digam exactamente o que pensar, e que seja de fácil digestão, porque entretanto está um calor dos diabos (dizem que é o El Niño, ou isso era nos anos 90; agora chama-se alterações climáticas, porque o Al Gore no seu jacto privado disse num documentário que estávamos à beira do fim do Mundo), ainda tenho de ir comprar pão (e o pão está tão caro!), às tantas ainda me esqueço de pôr a máscara (mais vale nem tirar!), e a culpa não é minha, que faço o melhor que posso e creio que tenho bons valores e sentimentos (e a culpa é do Putin, que é um louco e veio arruinar a nossa paz!)…
Jorge Dias foi um antropólogo português com um trabalho extraordinário. Nascido e criado no Porto, cedo contactou com o interior de Portugal e nos seus estudos, na Alemanha, familiarizou-se com a etnologia regional (volkskunde), pensamento essencial ao longo do seu trabalho e vida.
Como quase todos os da sua geração, por serem poucos e notáveis, o Estado Novo foi quem mais lhe encomendou diversos estudos que procuravam informar a propaganda do regime. (Ou por outras palavras, estudos que validassem ideias e ideais pré-concebidos, um exercício intelectual interessante, mas pobre, muito em voga nos dias de hoje e apelidado de “especialista”, contrário a uma honesta busca de conhecimento.)
As vantagens destes patrocínios é que, com o jogo de cintura correcto, conseguia-se aproveitar a oportunidade para levantamentos de dados essenciais à compreensão dos diferentes temas, e ainda era possível defraudar o intento propagandista do regime, posto que às mentes “poucochinhas” dos nossos líderes não sobrava densidade suficiente para entenderem entrelinhas.
Com a sua obra “Estudos do Carácter Nacional Português” – tal como Fernando Távora com o Inquérito à Arquitectura Popular Portuguesa –, Jorge Dias conseguiu levantar extensivamente uma monografia sobre a cultura portuguesa – que o Estado pretendia que atestasse a “raça” e a “nação” –, ao mesmo tempo que apresentavam a conclusão final de que somos todos diferentes, com múltiplas facetas, modos de viver, de construir, enfim, de ser.
Dizia Dias que, embora pesasse que a “Nação” também nascesse em virtude da vontade política de um príncipe – com certa dose de megalomania –, o facto é que Portugal só se mantinha coeso graças ao Atlântico.
Esta atracção enorme pelo mar amontoava no litoral as populações, abandonando o interior, mas também evitando a absorção do pequeno rectângulo por Castela.
É por isso facto que eu, nascida e criada no Porto, me espantei ao chegar a Trás-os-Montes e ver tanta gente proclamar, com veemência, que mais valia serem espanhóis!
Facto é que ainda não tinha visto a outra interpretação do que Dias tinha dito. Não conseguia ver, porque ainda tinha uma lente de nacionalismo ou patriotismo que me impedia de ver dessa forma. (Nós podemos ver de tantas maneiras).
Achava eu que era real essa coisa da “Nação” ou da “Pátria”, enquanto o senhor transmontano, defronte de mim, apenas sabia o que tinha vivido.
Entre o ter ido a salto para a França, por viver na miséria cá, entre o ter de ir a Espanha, para poder pagar o gasóleo ou fazer compras (pois, na altura, nem tão pouco havia autoestrada que o trouxesse ao Porto ou até Vila Real em tempo útil), entre ver o amendoal ser deitado abaixo por conta de contas comunitárias, entre ter de rapar os fundos da reforma que França lhe pagava para poder pagar a um médico privado em Portugal (caso contrário bem ficaria sem a consulta); entre tudo isto, o que era isso de “Portugal”?
Ensinou-me muito, este senhor transmontano. Por isso lhe agradeço.
Agradeço porque partilhou comigo a vida dele, e as experiências dele, e me ensinou, como o Lennon nunca realmente conseguiu, a perguntar o que era isso das fronteiras, e o que era isso dos países. O que era isso da “comunidade”…
Sensatez desta não brota do chão e não se compra; é fruto da vida sem pressa e do pensamento com calma. Por isso Pessoa nos dizia que o seu mestre era na verdade o guardador de rebanhos, Caeiro.
Então digam-me o que é isso da fronteira na Rússia e na Ucrânia? E o invasor e o invadido? Vamos continuar a fingir que não se esteve a debater diferentes lentes de propaganda nacionalista e que havia alguma espécie de envolvimento legítimo emocional ou moral da parte dos nossos líderes? Havia algo que não os famigerados interesses?
Havia algo que não uma inicial aparente incompetência dos líderes europeus, e agora uma clara maldade em não defender os direitos e bem-estar dos seus constituintes?
A France24 mostrou, há cerca de uma semana, imagens de ucranianos em Lysychansk a receberem as tropas russas com acenos de alívio e alegria.
Será que quem defende a russofobia em Portugal é o mesmo tipo de pessoas que viram costas aos transmontanos portugueses? Até porque o futuro está no mar (e segundo Dias, o passado também), e serão mais velhos, flores secas, florestas abandonadas e pouco importa.
Mas não se espantem que, caso perguntem, “como é que era, se Espanha invadisse?”, recebam a resposta “eles que venham: oxalá!”
Enquanto isso, os nossos velhos morrem. Morrem sozinhos. Morrem ao abandono, esquecidos, com sede.
Enquanto isso, o nosso país arde, famílias perdem tudo, o ar perde-se em colunas de fumo.
E o que dizem os nossos líderes? Não é culpa deles. É das alterações climáticas. É do vírus, este, aquele, qualquer um deles. É da Rússia e do louco do Putin. E dos comunistas. E das taxas de juro. E dos socialistas. E da oposição. E do Chega. E dos fumadores. E dos negacionistas. E minha. E tua!
E deles? Ai, isso é que não é!
Mariana Santos Martins é arquitecta
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
O tonto do Luís Osório escreve, para gáudio das senhoras que suspiram com as suas palavras – ui, tão duras mas ternurentas – e para agradecimento dos (ir)responsáveis políticos, garantindo que estamos numa “tempestade perfeita, quase 50 graus, vento e uns filhos da puta que mandam incendiar florestas para conseguir ganhar mais dinheiro”.
E vai ele ainda mais longe nas acusações: “Dinheiro, ganhar dinheiro, engordar cartéis que lucram com os incêndios porque têm produtos ou serviços para vender, por que querem despojar as florestas ou pela maldade pura que também existe como um abcesso humano.”
De permeio, muitos elogios à abnegação dos bombeiros, “muitas centenas (…) extenuados”, onde “há os que enganam o corpo com fugas para a frente, com mais uma chama para apagar, com mais uma pessoa para proteger, mais uma casa, mais um animal. Há também os que já não conseguem mais, os que desmaiaram de cansaço ou que tombaram com a cabeça às voltas pelo fumo, pelo cheiro de queimado, pela pressão.”
Por sua vez, o pusilânime director do Público, Manuel Carvalho, surge com a lengalenga agora habitual de que nada pode ser politicamente feito porque, enfim, tudo ou quase tudo se restringe ao aquecimento global, e que isto “na floresta não se resolve com mangueiras ou roçadoras de mato, mas com o controlo de emissões de carbono”, desresponsabilizando o Governo pelas tragédias.
Por fim, temos o primeiro-ministro António Costa – que já assistiu, como líder do Governo ou como ministro da Administração Interna a duas catástrofes florestais (2005, com 350 mil hectares, e 2017, com 540 mil hectares e mais de uma centena de mortes) – a dizer que tudo é ”mãozinha humana” e que o fraccionamento fundiário (o minifúndio) é a causa estrutural na base dos incêndios rurais.
Podia continuar com a compilação de boutades e/ ou fazer uma antologia dos disparates. Canso-me.
Após ter escrito um livro de 472 páginas em 2006 – vão já longos 16 anos e mais de 1.700.000 hectares ardidos –, causa-me algum enfado fazer arder no queimado.
Portugal viveu e sempre viverá sob o manto irresponsável dos mitos.
O mito de ser um país de vocação florestal, quando sempre tivemos mais jeito para dar cabo das árvores. Portugal foi, durante praticamente a sua origem, um país escalvado, de charnecas, até quase finais do século XIX. Somente por condições políticas (não muito elogiáveis) e sociais (população maioritariamente rural e com o interior ocupado) se conseguiu, sobretudo na I República e no Estado Novo, fazer surgir uma floresta “artificial” e economicamente rentável.
O mito de ser um país que sofre as agruras dos incêndios por causa do excessivo fraccionamento das propriedades rurais, ou seja, do minifúndio. É de uma atroz ignorância histórica dizer que o minifúndio é um fenómeno recente. Particularmente na região a norte do Tejo, intensificou entre a Monarquia Constitucional, a partir dos anos 30 do século XIX, até um pouco antes da instauração da República.
Entre 1877 e 1909, o número de prédios rústicos mais que duplicou, passando de 5,06 milhões para 10,48 milhões, mantendo depois um crescimento muito moderado, inferior a 0,2% ao ano. No início dos anos 40 do século XX, atingiu-se um pico de 11,1 milhões de prédios rústicos, registando-se depois variações negativas numa primeira fase, até 1970, e positivas numa segunda fase, posterior a esse ano, cifrando-se actualmente em cerca de 11,6 milhões de prédios rústicos. Portanto, não houve uma mudança relevante nas últimas décadas em termos de estrutura fundiária, quando os incêndios se intensificaram.
Na verdade, o grande problema advém da redução populacional do interior e sobretudo do êxodo rural e do abandono das culturas agrícolas. Abandonando-se os espaços agrícolas, perdem-se as zonas tampão para “estancar” ou controlar os incêndios nas suas fases iniciais. Além disso, sem pessoas a trabalhar a terra também se deixa de ter vigilantes activos dos espaços florestais. No interior, agora, pode-se vaguear quilómetros a fio sem ver vivalma.
Temos ainda depois o mito das alterações climáticas, ou seja, de que os incêndios florestais derivam do aquecimento global e do aumento na frequência dos eventos meteorológicos que aumentam o risco de grandes incêndios. Sendo certo, e sendo uma evidência para mim, com base em estudos científicos, que o risco de incêndio aumentou nos últimos anos, também é certo que a tendência observada em Portugal – periódicos anos de catástrofe autêntica -seguido de anos de alguma acalmia – não se observa nos outros países.
Nas últimas duas décadas, Portugal já teve três anos com áreas ardidas superiores a 3% do seu território: em 2003, em 2005 e em 2017. Neste último ano, foram 6%. Nenhum outro país mediterrâneo, “sofrendo” do mesmo clima, apresenta tal estado de destruição. Ao invés, em média arde agora menos na Espanha do que nos anos 80 do século passado, o mesmo se verificando na França, Itália e Grécia.
O grande problema, nesta parte, é que Portugal não tem apostado de forma inteligente numa estratégia que tenha em conta um “inimigo” que se pode tornar mais perigosos nas actuais condições climáticas. Uma política ausente durante anos, que se resume a despejar dinheiro, com uma estrutura sempre em contínua mudança (para pior) – os serviços florestais foram completamente desmembrados – não vislumbra qualquer solução. Não houve nenhuma mudança perceptível desde 2017 que nos garanta que não se repita tudo.
Até porque está sempre omnipresente um outro mito: o dos incendiários, que foi sempre aquele que sempre me suscitou maior compaixão. Existem incendiários? Claro que sim. Mas serão eles, e apenas eles, que justificam a actual situação, ou o que sucedeu em 2017, ou em 2005 ou em 2003? Serão os incendiários desses anos terríveis diferentes daqueles que “actuam” nos anos em que arde pouco? Haverá algum factor que faça com que uma ignição causada por um incendiário seja diferente daquela que foi causada por actos de negligência? Vai um fogo mais depressa se for metido por um incendiário?
Além disto tudo, a tese de os grupos de incendiários contratarem bêbedos e pessoas com atrasos mentais para atear fogos é risível. Luís Osório, enfim, até lamenta, no seu lamentável texto, que “quem são presos são os pobres diabos que se vendem por uma grade de minis. Os mentalmente perturbados, os indigentes, os que podem ser carne para canhão.”
Vamos lá ver: imaginem uma corporação de malfeitores, pessoas que, vamos assumir, são estrategas, pensam para benefício próprio. Ora, alguma vez, na iminência de chorudos lucros por uma actividade criminosa – e, portanto, com risco –, eles contratariam “pobres diabos que se vendem por uma grade de minis”? Ou pessoas perturbadas? Claro que não! Seria estúpido. Nem o Luís Osório eles contratariam. Na verdade, sempre acreditei que se houvesse mesmo um grupo criminoso para fazer arder o país todo, ele já teria ardido todo. Como não há, assim “só” arde quase todo.
De facto, independentemente da estupidez do mito dos incendiários, o problema está sobretudo na ausência de acções preventivas eficazes ou eficientes. Ninguém deixa valores elevados num carro para depois culpar um ladrão. Um banco tem mecanismos de segurança e de gestão de valores para minimizar um eventual assalto. Uma cidade decente tem um corpo policial e políticas de integração para evitar um recrudescimento da criminalidade. As cidades japonesas infra-estruturaram-se para aguentar agora terramotos.
Ou seja, o impacte do dano não depende somente do agente que o pode eventualmente causar, mas sim de factores com intervenção directa do Estado. Se há uma vaga de crimes, ou até de acidentes rodoviários por excesso de velocidade ou de álcool, a culpa não é apenas de quem o pratica, mas também do Estado que não cumpre a sua função de tornar uma sociedade regulada.
Por fim, temos ainda o mito que mais estragos tem causado à protecção da florestal: o mito dos salvadores bombeiros voluntários.
Recordo aqui, quando falo em bombeiros voluntários, sempre a luta de Miguel Bombarda, no início do século XX, quando quis que o sistema de saúde tivesse enfermeiras profissionais, que substituíssem as freiras que, com amor e carinho, mas também com fracos conhecimentos e treino, mais depressa enviavam almas para o outro mundo do que ajudavam os corpos a manterem-se neste.
O lobby dos bombeiros voluntários – que não são assim tão voluntários, e subsiste desde que os serviços florestais se desmembraram – tem sido a principal acendalha para a manutenção do frequente desastre dos incêndios rurais.
Não está aqui em causa a abnegação e o amor ao próximo desses bombeiros voluntários – embora eu acredite que um profissional possa e deva ter essas características. E acredito que muitos bombeiros voluntários até preferissem ser profissionais, recebendo melhor treino, estarem sempre disponíveis e receberem uma remuneração compatível com a sua excepcional tarefa. E não terem de descansar ao relento, na berma da estrada ou em cima de bancos de jardim – imagens mediáticas, empolgantes, que demonstram sobretudo uma péssima logística dos serviços estatais e municipais de protecção civil.
Em Portugal sempre se confundiu conceitos: amor e amadorismo são palavras antagónicas quando o tema é incêncios rurais. Julga-se que onde há amor pela vida das pessoas e pelos seus bens, que se deve usar o voluntariado, porque esse amadorismo é mais genuíno a essas causas. Uma parvoíce. Se eu amo uma causa não devo fazer o que posso, mas devo fazer o que devo. E isso, no caso dos incêndios rurais, consegue-se melhor com profissionais do que com supostos voluntários, até porque uma parte destes segundos até recebe dinheiro.
Aquilo que verdadeiramente está em causa é a existência de uma estrutura corporativista, mal preparada e mal localizada (o risco diferenciado de incêndio não se compadece com a distribuição geográficas das corporações), e que se recusa a se profissionalizar, porque, dessa forma, não é regulada, não é convenientemente monitorizada nem sequer é responsabilizada quando algo corre mal. E corre muitas vezes mal.
Não existe,na sociedade portuguesa, nenhuma outra tarefa vitar que não seja exercida por profissionais. Temos militares profissionais. Temos médicos profissionais. Temos – e Miguel Bombarda haveria de gostar de saber – enfermeiros profissionais. Temos professores profissionais. Temos polícias profissionais. Temos cobradores de impostos profissionais. Temos tudo profissionalizado. Até políticos profissionais… Que motivos temos para contnuar com bombeiros denomiados voluntários? Ninguém questiona a quem interessa este status quo?
Já escrevi e repito: no dia em que – como, aliás, se fez na Andaluzia, por exemplo – se decidir colocar os bombeiros voluntários apenas a proteger os perímetros urbanos e casas (onde podem dar largas às mangueiras), e se constituir uma estrutura fortemente equipada e treinada de sapadores florestais – com funções de prevenção (criação de faixas de protecção, etc.), vigilância e combate – teremos a primeira batalha ganha desta guerra.
Se isso não suceder, continuaremos a ter de ler e ouvir pessoas como Luís Osório, Manuel Carvalho e António Costa a explicarem-nos que a culpa é disto e daquilo, menos dos políticos. E tudo seguirá o seu curso, com o país a ir variando do vermelho ao negro, entremeado por um efémero verde que se esfuma de tempos em tempos.
O problema de ler um acórdão é que, quando se dá por ela, estamos a ler outro, ou uma coisa parecida. Desta vez mais simples e com linguagem que se percebe à primeira: uma deliberação, embora o senhor que é responsável seja um juiz, e logo juiz conselheiro.
Falo da ERC – que é, como quem diz, da Entidade Reguladora para a Comunicação Social –, que divulgou na quinta-feira a tal deliberação que se foca numa queixa feita pelo Partido Comunista Português (PCP) contra a SIC, a propósito de uma peça transmitida na edição de 6 de Março do “Jornal da Noite” sobre o comício dos 100 anos realizado no Campo Pequeno.
Comício do PCP no Campo Pequeno, em Lisboa, no passado dia 6 de Março.
Antes de ir à deliberação, deveria dizer-vos em que jornal li sobre isto, para não pensarem que passo o dia a fazer refresh no site da ERC. Confesso: li em nenhum jornal.
Então?! Vi num rodapé da CNN? Também não.
Terá sido numa discussão de jornalistas indignados no Facebook? Epá!… também não.
Foi mesmo a “vastíssima” equipa do PÁGINA UM que me alertou. Fora isso, ninguém, absolutamente ninguém referiu o assunto.
Enfim, sabemos que há um sentimento mais ou menos generalizado sobre o PCP e o espaço mediático. São dos que mais pancada apanham e, até ver, a sua presença na antena dos comentadores ou mesmo no espaço informativo é muito reduzida.
Senão vejamos. A Marktest publica mensalmente uma tabela com as 10 personalidades com mais tempo de antena nos telejornais dos canais públicos e generalistas privados. Fui, por curiosidade, ver essas tabelas no período desde que começou a invasão da Ucrânia, ou seja, desde Fevereiro de 2022.
Num espaço de cinco meses – repito, cinco meses –, o PCP teve pouco mais de um hora de intervenção nas televisões portuguesas. Aparece neste ranking apenas no mês de Fevereiro e em nono lugar.
Jerónimo de Sousa, secretário-geral do PCP, durante o comício no Campo Pequeno.
Para se ter uma noção das proporções, no mesmo período André Ventura tem mais de oito horas de antena, Sérgio Conceição cerca de 3,5 horas, Augusto Santos Silva um pouco mais de seis horas, Inês Sousa Real, do PAN, mais de quatro horas, tal como Catarina Martins do Bloco de Esquerda. Por sua vez, Rui Tavares tem 2,5 horas e até Fernando Santos, o treinador dos cinco trincos, tem mais de duas horas.
O espaço reservado para membros do PS ou PSD ultrapassa sempre as 10 horas mensais.
Portanto, não é preciso um estudo exaustivo para provar o óbvio: o PCP é o partido mais atacado pela comunicação social e, em simultâneo, aquele a quem é dado o menor tempo de antena para que se defenda.
Não é assim de estranhar que a deliberação da ERC passe absolutamente despercebida. É que, para além de dar razão à queixa feita pelo PCP, arrasa a SIC na sua tentativa de misturar informação com opinião, neste caso, pejorativa.
Eis os pontos que interessam reter:
– A referência aos 101 anos do Partido «como idade suficiente para dizer sempre a mesma coisa», assim como a referência à «cartilha» assentam numa avaliação pessoal e preconcebida do jornalista sobre as posições do PCP.
– Estando em causa uma notícia, não deve ficar patente a visão subjetiva do seu autor, nos moldes ocorridos no caso em apreço. O registo opinativo não deve constar de peças jornalísticas, devendo ser relegado para os espaços de comentário, devidamente identificados.
(aqui, acrescento eu, a SIC não se contenta com a dúzia de comentadores que já tem a desancar o PCP, precisa que os jornalistas façam as reportagens e induzam os espectadores à sua opinião sobre os factos relatados)
– Refira-se, por último, que a SIC apenas aparentemente está a dar voz às posições do PCP e a garantir o pluralismo político-partidário, uma vez que os elementos opinativos presentes na peça jornalística conferem um sentido negativo à informação noticiada.
– Assim, a peça jornalística não observa o rigor informativo, pelo incumprimento da necessária isenção e pela integração de elementos opinativos no discurso do jornalista, ao arrepio do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista
Conclui a ERC, dizendo:
a) Considerar que a peça jornalística, ao ter um registo opinativo, que desvaloriza e ridiculariza a posição do PCP, não observa o rigor informativo, pelo incumprimento da necessária isenção e pela não demarcação entre informação e opinião, ao arrepio do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista;
b) Instar a SIC a assegurar a difusão de uma informação que respeite o pluralismo, o rigor e a isenção, nos termos previstos no artigo 34.º, n.º 2, alínea b), da Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido.
Ora, trocado para miúdos, o que significa isto? Significa que a SIC fez uma peça jornalística onde tentava influenciar a opinião dos espectadores de forma negativa sobre o PCP e, como consequência desse jornalismo encapotado, vai ter que… NADA.
Vai ter que ler esta deliberação aqui, cheia de tau-taus e consequências zero.
Peça da SIC, não identificada mas com locução do jornalista Pedro Coelho, de 6 de Março passado.
Isto é o equivalente daquelas passagens de infância pelo Pingo Doce para roubar Toblerones onde, depois de apanhados pelo segurança, se ouvia um raspanete e depois só nos deixavam levar os Twix sem pagar… Quer dizer, alegadamente; ouvi dizer.
Portanto, a primeira questão que coloco é para que serve uma entidade reguladora que não regula?
Depois, se cada grupo editorial tiver a sua linha de acção bem definida e “informar” sem rigor e a favor de uma agenda, que estímulo terão para parar?
Para além do brio profissional (ou código deontológico) que, espero eu, norteie os jornalistas, quem é que mete algumas regras nesta selva da informação e da manipulação de factos?
É que convenhamos, hoje (e ontem, vá), o alvo do ataque é o PCP. Quem é de direita não se incomoda, quem é de extrema-direita vibra.
Mas se a agenda mudar e o fogo cerrado cair noutras cores, certamente os desagradados serão outros.
É, na verdade, o princípio que está errado. Não há pluralidade no comentário com a opinião representada; basta pensar que Portugal é governado à esquerda há muitos anos e o espaço de comentário é largamente dominado, em todas as televisões, por pessoas de direita. E se a isso juntarmos notícias com agendas ideológicas, bom, sobra-nos pouco espaço para recolher informação e acreditar nas notícias.
O perigo é sempre o mesmo. Uma sociedade mal informada, é uma sociedade que não pensa e dificilmente reage. Em suma, uma sociedade mais dócil para quem comanda.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)
N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.
O Estado Social, com um peso na Economia sem precedentes, teve a sua justificação “académica” com Keynes. Obviamente, para os poderes instalados, as suas “receitas económicas” foram como música celestial. A estrada para um poder estatal sem limites estava aberta.
Para além de um investidor de bolsa fracassado, Keynes era um estatístico que nunca estudou verdadeiramente Economia; só assim se justifica a quantidade de disparates que escreveu ao longo da vida. Apesar disso, o seu livro Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, objecto de análise no livro de Henry Hazlitt, foi elevado ao estatuto de fundador da Macroeconomia!
John Maynard Keynes (1883-1946)
Para Keynes, o mais importante era o nível de despesa da sociedade: denominado de despesa agregada. Se gasta muito, os produtores são incentivados a produzir mais, empregando, desta forma, mais trabalhadores e promovendo o pleno emprego. Se a despesa total subir demasiado, para além do pleno emprego, ocorre uma subida do nível geral dos preços, i.e., inflação.
A recessão é o processo ao contrário: a sociedade gasta pouco, os produtores reduzem a produção, gerando desemprego e queda dos preços. Nunca pode haver desemprego com inflação.
Segundo Keynes, a despesa é uma espécie de acelerador da Economia: se vai a fundo, temos pleno emprego e inflação; se vai a meio gás, fantástico, temos pleno emprego sem inflação; se não se acelera, temos recessão e desemprego. Cabe ao Estado acelerar e desacelerar: é simples!
As recessões são causadas por quedas abruptas no nível de despesa agregada. Keynes nunca nos explicou as razões por detrás das mesmas, utilizando apenas o esmorecimento dos “animals spirits” como argumento. Ao longo do século XX, e ainda hoje, os seus discípulos continuam a tentar explicar as razões por detrás desse esmorecimento. Até hoje, sem grandes resultados.
Sempre que há uma recessão e subida do desemprego, qual a solução? O Governo tem de estimular a despesa agregada. Keynes propôs três soluções: (i) inflação, imprimindo moeda; (ii) subida da despesa pública, com o agravamento do défice orçamental; (iii) e redução de impostos.
A terceira hipótese nunca foi verdadeiramente considerada por Keynes. A redução de impostos significa mais dinheiro no bolso dos contribuintes; imaginem se decidem poupar esse dinheiro em lugar de o gastar? Sacrilégio, funesto. Poupar é algo terrível, gerador de um cataclismo económico.
Tais disparates são compreensíveis. Keynes, herdeiro de uma enorme fortuna, nunca trabalhou verdadeiramente na vida; nunca compreendeu, ou não quis, que a poupança é civilização, prosperidade e progresso. Sem poupança, ainda hoje, estaríamos a viver na Idade da Pedra.
Os factores originais que Deus colocou na terra foram: (i) a força de trabalho dos homens; (ii) e a terra, incluindo os seus recursos naturais, como o petróleo, a água, as árvores de fruto…Nada mais. Um náufrago que tenha conseguido sobreviver a nado para uma ilha deserta encontrar-se-á nesse estado: sem bens de capital. O que são? Não satisfazem directamente uma necessidade humana, mas permitem uma enorme expansão da capacidade produtivas, ou seja, da riqueza.
Uma cana de pesca não mata a fome, mas ajuda a incrementar a produtividade de quem tenta pescar; com as próprias mãos seria uma tarefa bem mais complicada! Um barco de pesca é igualmente um bem que não satisfaz qualquer necessidade humana, mas incrementa substancialmente a produtividade de um pescador. Ambos são bens de capital.
Para produzir um bem de capital, esse náufrago irá ter de restringir o consumo para se dedicar a construir uma cana de pesca. Se trabalha durante seis horas a recolher frutos para a sua subsistência, tem duas opções para obter um bem de capital: (i) aumenta as horas de trabalho, por exemplo, para oito horas, com o propósito de obter uma maior quantidade de frutos, não consumido uma parte que servirá para o alimentar na construção da cana de pesca; (ii) diminui as horas dedicadas a recolher frutos, aceitando comer menos durante o tempo que demora a construir a cana de pesca.
Não há milagres. A poupança implica sempre um sacrifício do consumo presente. Não podemos trabalhar mais de 24 horas e os recursos na Natureza são escassos. Para obtermos bens de capital, aquilo que nos irá permitir obter um maior número de bens e serviços por hora de trabalho, necessitamos de poupar.
A poupança é aplicada a criar bens de capital, aquilo que designamos por investimento, como construir uma cana de pesca. O investimento acarreta riscos, apesar de muitos burocratas terem estabelecido que tal não existia – seguro de depósitos bancários é um bom exemplo.
Que riscos podem existir no nosso exemplo? A cana de pesca pode não funcionar; alguém que viveu anteriormente na ilha pode ter deixado uma cana de pesca já construída, deitando a perder as horas de trabalho.
Essa é precisamente a função do empreendedor, utilizar as suas poupanças num negócio, correndo sempre o risco de as perder, mas com a possibilidade de lucros enormes, caso a iniciativa seja um sucesso. Que riscos podem ser? Eis alguns exemplos: a procura que pensava ter pode não aparecer; as preferências do consumidor podem alterar-se, afectando a procura pelos seus produtos.
Um trabalhador corre riscos, pois as poupanças do empreendedor são utilizadas para o pagamento do seu salário mensal. Os eventuais lucros ou perdas são sempre imputados ao empreendedor, é assim que deverá funcionar um mercado livre.
Em conclusão, a teoria keynesiana do “paradoxo da poupança” é, pois, um completo disparate, porque, para esta corrente económica, a poupança agrava uma recessão!
As outras duas vias para o estímulo da despesa agregada são o aumento da despesa ou a impressão de moeda. Ambas, com um impacto muito negativo a longo prazo, como seguidamente explicarei. Para Keynes tal não importa, pois no “no futuro estaremos todos mortos”.
Não interessa que a impressão de moeda significa a redistribuição de riqueza a favor de uma casta de privilegiados junto da impressora de notas; isto sem ocorrer a produção adicional de um carro, de um prego, de nada, apenas uma fatia maior do mesmo bolo a favor de uma casta de privilegiados.
Também não interessa que o aumento da despesa fiscal signifique um agravamento do défice público e, por conseguinte, incremento da dívida pública. No futuro alguém irá pagar a conta com maiores impostos; afinal, estaremos todos mortos!
Do lado “oposto” a esta corrente económica, temos uma espécie de oposição controlada, fundada por esse paladino do “mercado livre”, Milton Friedman. Esta é designada por escola monetarista ou escola de Chicago.
Milton Friedman (1912-2006)
Milton Friedman, esse arauto do “mercado livre”, foi o inventor das retenções na fonte – por exemplo, as retenções de IRS (podemos imaginar a nossa reacção se a conta fosse apresentada de uma única vez!?) – e conselheiro de Richard Nixon, presidente norte-americano que terminou em 1971 com a convertibilidade do Dólar norte-americano em ouro.
Segundo os monetaristas, o problema do desemprego resolve-se pelo ajuste dos salários. A livre interacção entre a procura e oferta resolve o problema. Desta forma, bastará uma descida dos salários e as empresas voltam a contratar, fazendo desaparecer o desemprego.
O grande temor dos monetaristas é a descida do nível dos preços: a deflação. Ai Jesus, se tal acontece – tal conclusão, sempre me espanta, dado que beneficia os mais pobres, pois adquirem mais por menos!
Tal como os Keynesianos, para as monetaristas a despesa agregada não pode cair, dado que provoca deflação. Se tal ocorre, as pessoas irão diferir consumo e acentuar a recessão. Segundo a teoria, o Banco Central tem de aparecer e imprimir dinheiro para que tal não aconteça. O confisco da população, em particular dos mais pobres, é justificado em nome de um benefício colectivo: evitar uma recessão!
Qual o suporte teórico para tudo isto? No livro Monetary history of the United States, 1867–1960, Milton Friedman e Anna J. Schwartz analisam a História Monetária dos Estados Unidos. Nesse livro de factos estatísticos, com quase 900 páginas, não dedicam uma linha à enorme inflação criada pela Reserva Federal, o Banco Central norte-americano, durante os anos 20 do século transacto.
Depois da Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra voltou ao padrão-ouro, tentando regressar ao rácio de conversão pré-guerra, mesma depois de ter impresso Libras Esterlinas sem respaldo por ouro, para financiar a guerra. Desta forma, havia o risco de vários países europeus solicitarem a conversão das Libras Esterlinas em Ouro, nesse momento a moeda reserva do Mundo, colocando a nu a inflação criada pelo Banco de Inglaterra durante a guerra.
Quem apoiou o Banco Central inglês? O Banco Central norte-americano, imprimindo enormes quantidades de Dólares norte-americanos, para posterior venda por contrapartida de Libras Esterlinas, evitando a sua queda nos mercados internacionais. Apesar do nível geral dos preços nos Estados Unidos não ter subido durante esses anos, a massa monetária criada pela Reserva Federal canalizou-se para o imobiliário e mercado de acções, onde se sentiu a inflação… Onde já vimos isto?
Milton Friedman nunca nos explicou as razões para a grande depressão que se iniciou em 1929, em particular a impressão massiva de dinheiro e as políticas intervencionistas que agravaram a recessão – impostos sobre o comércio internacional, subsídios, proibição de ajustes salariais e regulação sobre os negócios. Para ele e a co-autora, a Reserva Federal não tinha impresso moeda em quantidades suficientes, deixando esse diabo à solta chamado deflação!
No livro também não nos fala da recessão no início da década de 20 do século transacto, que se iniciou com piores indicadores que a Grande Depressão dos anos 30, mas que foi resolvida por redução de despesa e subida de juros (contracção da massa monetária) por parte da Reserva Federal. Nunca as comparou, tornando evidente o erro das políticas económicas – oculta-se quando não interessa.
Temos agora duas correntes oficiais de teoria económica, ambas suportam intervenções estatais de todo o género, incluindo a impressão massiva de dinheiro em caso de recessão.
Tais teorias económicas, apesar de serem um falhanço completo, são as únicas hoje ensinadas na maioria das faculdades do Mundo Ocidental. Apenas existem e são possíveis pela existência de dinheiro estatal, que pode ser criado em quantidades infinitas e com custos praticamente nulos – basta o apertar de um botão.
As intervenções são sempre em nome do interesse colectivo: para “salvar o Euro”, para “evitar uma recessão pandémica”, para evitar a “fragmentação”.
Quem não se recorda dos falhanços estrondosos destas teorias. Nos anos 70, tínhamos um fenómeno em total contradição com a teoria Keynesiana: inflação e desemprego. Um dos discípulos de Keynes, Paul Samuelson, autor do principal manual de Economia durante décadas desde a Segunda Guerra Mundial, louvava a Economia soviética, mesmo depois do seu colapso no final da década de 80 do século XX.
Quem não se recorda do nosso engenheiro das bancarrotas, quando o mandaram gastar sem freio após a crise do subprime em 2008? Sabemos como terminou a experiência Keynesiana: o Estado português esteve em risco de suspender pagamentos caso não aparecesse uma mão salvífica – o empréstimo do FMI e da União Europeia por contrapartida da emissão massiva de dinheiro.
E a recente inflação, fruto das enormes quantidades impressas de moeda – que irá gerar uma recessão sem precedentes, em nome da necessidade de atingir um objectivo de 2% para a subida do nível geral de preços –, onde já lá vai o objectivo!?
Em nome de recursos inimagináveis a favor do Estado, por forma a intervir de acordo com as “orientações oficiais” das duas correntes económicas, estamos a destruir a poupança, a fonte da prosperidade e do progresso humano.
O sistema bancário controlado pelo Estado através do seu Banco Central impõe juros 0% ou mesmo negativos, enquanto a inflação oficial situa-se em torno de 10%. Esta inflação, criada em nome do “bem”, justificada pelas correntes económicas oficiais, apenas é possível porque existe dinheiro estatal, sem quaisquer restrições à sua emissão.
Temos de voltar a possuir dinheiro sem controlo estatal, onde a taxa de juro seja determinada pela oferta e procura por poupança e que seja escassa, por forma a garantir o seu poder aquisitivo no futuro – uma verdadeira reserva de valor. Para se poupar tem de existir confiança de que essa moeda irá ter um valor estável nos próximos anos, décadas ou mesmo séculos. Caso contrário é uma sociedade que apenas pensa no amanhã e não programa a longo prazo.
A queda de Roma deveu-se ao deboche dos imperadores – que retiravam o conteúdo de prata ao Denarius ou o ouro ao Áureo criado por Júlio César. Constantinopla sobreviveu mais 1.000 anos, em resultado da reforma monetária do imperador Constantino, que impôs seriedade à cunhagem, não ocorrendo qualquer desvalorização do Soldo durante quase 700 anos. Só assim, as pessoas podem poupar: se confiam na escassez da moeda.
Com dinheiro estatal tal nunca será possível, por essa razão, o Bitcoin é a alternativa que se irá impor após a crise financeira que se avizinha. É escasso – apenas 21 milhões –, a sua mineração torna-se extremamente cara à medida que nos aproximamos dos 21 milhões, ou seja, não é possível expandir a oferta em resultado da subida do preço, como acontece com outros bens. E, por outro lado, não é controlado pelo Governo, a razão para a desgraça do Ouro, pois quando existem substitutos – notas e depósitos bancários -, torna-se possível a existência de reservas fraccionadas.
Por fim, outra questão: quase todos os economistas das correntes mainstream detestam o Bitcoin. É um bom sinal!
Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário
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