Categoria: Opinião

  • Um hotel fantasma no Parque das Nações

    Um hotel fantasma no Parque das Nações


    O Hotel Tivoli Expo – hoje Hotel Tivoli Oriente – esteve durante 11 anos registado como um simples terreno.

    O grupo Espírito Santo vendeu o Hotel Tivoli-Expo em Outubro de 2005, como se fosse um terreno, por 33,7 milhões de euros, ao Fundo Imosocial.

    Em 2006, o Relatório do Fundo publica foto do edifício, como propriedade do Imosocial, revela o “recebimento” do reembolso de IVA de 4,5 milhões de euros, referente à aquisição do Hotel Tivoli Tejo e que se encontrava a ser reclamado desde 2005”. Um ano antes da compra?

    O Hotel Tivoli-Expo tem 23 andares foi inaugurado em 2001. Seis anos mais tarde passa pela Conservatória de Freixo de Espada à Cinta. Dois dias depois por Boticas. Quatro anos depois, por Serpa, onde a notária do negócio GES-Imosocial iniciou funções. Seis meses depois, é a vez de Ferreira do Alentejo, onde uma notária das relações da primeira nasceu.

    Em 2011, o Hotel Tivoli apareceu no Fundo Imosocial, um dos sete fundos incluídos no Fundo Select do Grupo Mello.

    A Câmara não sabia dos 23 pisos? Houve certidão de habitabilidade? E os certificados obrigatórios de segurança?

    O Hotel Tivoli-Expo foi um hotel fantasma, com reconhecimento “complexo” por diversos cartórios notariais, e que merecia a atenção de quem deslinda complexos como o juiz Carlos Alexandre. Para que fiquemos esclarecidos.

    José Ramos e Ramos é jornalista (CP 214)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O aprendiz do arquitecto Saraiva e o alvo do costume

    O aprendiz do arquitecto Saraiva e o alvo do costume


    Tenho um lema de vida que raramente me desilude – e que, aliás, se mostra relativamente simples, tanto que pode ser levado à prática por qualquer cidadão menos dado a “bandeiras da vida”: ler o Henrique Raposo no Expresso e fazer o contrário.

    Tal como as gaivotas em terra anunciam tempestade no mar, as crónicas do Raposo anunciam um jovem arquitecto Saraiva em potência.

    fountain pen on black lined paper

    Não falha, por uma vez que seja, esta teoria. Ao fim de quatro frases escritas pelo Henrique Raposo, penso como será o seu contrário, e de imediato dou com o senso comum. É maravilhoso.

    Desta vez, juntando-se ao coro do momento, o Henrique questionou como seria possível que os artistas portugueses continuassem a actuar na

    Desta vez, juntando-se ao coro do momento, o Henrique questionou como seria possível que os artistas portugueses continuassem a actuar na “Festa do Putin”, nome por ele atribuído à Festa do Avante.

    Festa do Putin”, nome por ele atribuído à Festa do Avante.

    Há aqui dois pontos interessantes para análise.

    Primeiro, o Avante deixou de ser, desde 2020 pelo menos, um evento que marca a reentré política em Setembro, para passar a ser tópico de discussão entre Maio e o Outono. Ou porque em 2020 e 2021 era um sítio óptimo para apanhar covid-19, ou, em 2022, porque passou a ser a Festa do Putin.

    O segundo ponto de análise é que, certo como o destino, quem por norma tenta boicotar o Avante com acusações de apoio a ditaduras, faz, ele próprio, a política de cancelamento e quer promover a anti-democrática censura.

    Eu acho isto bastante interessante. O conceito de democracia feito à medida das nossas necessidades.

    Mas atenção especial ao ligeiro toque a hipocrisia nas narrativas escolhidas.

    Durante anos, longos anos, a União Europeia fez todo o tipo de negócios com a oligarquia russa. A Alemanha, por exemplo, motor europeu, escolheu ser parceira no sector energético enquanto lhes vendiam armas. Quem não se lembra do nosso Sócrates a fazer jogging na Praça Vermelha? Ou do nosso Paulinho das Feiras (Portas) a vender Vistos Gold para cidadãos russos? Ou até, do nosso Cotrim de Figueiredo, presidente do Turismo de Portugal nos idos de 2014, a anunciar a aposta no mercado russo e na atracção de rublos, enquanto o Donbass era invadido por separatistas apoiados por Putin?

    Mas… o PCP é que apoia Putin.

    Adivinhem lá, quem é que foi contra os Vistos Gold em 2012 – quando PSD/CDS os criaram – e voltou a pedir o seu fim em 2022? Acertaram! Foi o tal PCP, aquele que dizem que apoia Putin, mas não queria dar borlas a cidadãos russos, dois anos antes da invasão do leste ucraniano. Isto há coincidências…

    O centrão político português, e alguma direita, andaram com o regime de Putin ao colo. Tal como todos os países da União Europeia. Ou tinham interesse em receber gás e petróleo, ou queriam investimento russo nas suas cidades ou, em última análise, procuravam charters de russos no Verão junto às suas praias.

    Durante esse período o regime de Putin calou os chechenos, roubou a Ossétia e Abecássia à Geórgia, invadiu a Crimeia e o Donbass. Ninguém quis saber, business as usual.

    Acordaram todos em 2022, a tempo do Avante. Podia ser pior.

    reflection of city lights

    Ontem vi Vitorino Salomé a ser interrogado na SIC Notícias pelo “crime” de ir actuar na Festa. A jornalista tentou fazer a mesma pergunta de 10 maneiras diferentes. Vitorino não abanou e disse-lhe: “O Avante sempre esteve aberto a todas as correntes. Eu penso pela minha cabeça, eu sou o meu próprio comité central”.

    Mas a moda está lançada. Passou por Dino Santiago, seguem-se as declarações dos Mão Morta e as ameaças à cantora brasileira Bia Ferreira. Tudo em nome da verdadeira democracia e da liberdade de expressão, como se compreenderá.

    Depois de embarcar no coro anti-Avante – a tendência da semana –, Henrique Raposo presenteia-nos, portanto, com mais uma brilhante crónica, agora sobre a varíola dos macacos. Diz o vate que, para nos protegermos, devemos afirmar que é uma doença de homossexuais, ou, “paneleirices lá deles” como queria escrever, mas o editor do Expresso não deve ter deixado.

    Não falha o Henrique. Nunca. Raposo para um lado, bom senso para o outro.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • As estimativas da covid-19 do Instituto Superior Técnico e a Ciência que meteu férias: uma novela exemplar

    As estimativas da covid-19 do Instituto Superior Técnico e a Ciência que meteu férias: uma novela exemplar


    Ontem, começando por uma notícia da Lusa – a agência noticiosa portuguesa que aparenta ser uma espécie de Pravda português do século XXI –, foi divulgado pela imprensa mainstream um suposto relatório do Instituto Superior Técnico (IST) que analisa a sexta vaga de covid-19 em Portugal. Apesar de destacar um relatório do IST, nenhuma notícia expôs o estudo nem este surge no site desta instituição universitária.

    Em traços gerais, refere-se que “de acordo com as estimativas mais recentes [do IST], houve cerca de 242 mil casos de covid-19 registados oficialmente devido às festividades dos santos populares e festivais como o Rock in Rio.”. E cita-se mesmo trechos do suposto relatório, como este: “Se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil”, acrescentando-se em seguida os nome dos investigadores e investigadores do IST: Henrique Oliveira, Pedro Amaral, José Rui Figueira e Ana Serro, superiormente coordenados, segundo as notícias, pelo próprio presidente da instituição, Rogério Colaço.

    black flat screen computer monitor

    Ou seja, não estamos a falar de um trabalheco de uma unidade curricular feita por alunos do primeiro ano de uma licenciatura. Estamos a falar de um “estudo”, enfim, elaborado pela nata do IST e supervisionado pela cúpula.

    Mas continuemos. Na notícia do Público, que é a que se está a seguir, ainda se ajunta que “comparando com um cenário em que se manteria a testagem e a obrigatoriedade do uso de máscara em grandes eventos, a incidência estimada durante o mês de Junho seria inferior”. E acrescenta-se que os autores sublinham que as medidas “não teriam impacto económico”.

    Por fim, salienta-se ainda que “em relação aos óbitos, os peritos apontam a morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados às festas populares de Junho.”

    Portanto, temos aqui matéria sensível: 790 óbitos por cauda do levantamento das restrições e 330 óbitos associados apenas às festas populares de Junho!

    Qual a base científica disto?!

    Como jornalista de investigação, quis saber como o IST faz Ciência.

    Como chegou a esses valores.

    Quais as variáveis utilizadas.

    Quais os pressupostos considerados.

    Henrique Oliveira, professor e investigador do Instituto Superior Técnico.

    Quais os dados (em concreto) introduzidos no modelo.

    Quais os intervalos de confiança.

    Como foi validado o modelo e confrontado com a realidade.

    Enfim, quis saber se o IST faz Ciência ou se certas pessoas usam o IST como o monge de maus hábitos usa um hábito para se fazer passar por monge não o sendo no íntimo.

    Assim, ontem mesmo, às 21:47 horas, enviei um e-mail aos quatro investigadores do IST, acima elencados, com o seguinte pedido:

    Estou particularmente interessado em ‘reproduzir’ as vossas estimativas iniciais e as vossas estimativas agora feitas sobre o impacte dos festivais de música e festas populares. Nessa medida, venho solicitar que me disponibilizem todos os dados brutos utilizados, e os pressupostos considerados, bem como explicitação da metodologia estatística utilizada. Estou também à vossa disposição para uma conversa, sem prejuízo de ter os dados e a metodologia que agora vos peço.

    Resposta do professor Henrique Oliveira, pelas 23:13 horas:

    Quando regressar em Setembro de férias terei todo o gosto em conversar sobre este assunto. Os dados em bruto são dados pelas estimativas dos presentes nos festivais, pelo coeficiente de redução da transmissão obtido pela máscara, pelos tempos de exposição (1.7 dias), infecção média (2.7 dias), e de tempo entre infecção e morte (12) e, finalmente, por estimativas do número de contactos em eventos concentrados e ainda estimando os susceptíveis remanescentes na população e as percentagens de infectados por escalão etário, usando modelos seird e os dados oficiais. Usamos dois modelos, um em tempo contínuo, seird, e outro discreto. Os dados reais são comparados com a modelação supondo um coeficiente unitário de contágio diário de transmissão mais baixo (o famoso beta do modelo) mantendo todas as outras variáveis fixas. Usamos também os dados oficiais da DGS e a nossa estimativa de under reporting que é de cerca de 2/3 vs. 1/3 neste momento, mas que é difícil de estimar quando a letalidade varia muito. O modelo discreto funciona melhor do que o contínuo como expliquei no encontro de celebração do aniversário da EMS em Edimburgo no final de Março.Usamos o programa Wolfram Mathematica. Entretanto preciso de repouso depois de um ano muito exigente e poderei conversar depois, em Setembro.

    Pode impressionar o detalhe da resposta – onde não se anexou qualquer relatório nem dados concretos (números), mas tudo isto trocado por miúdos significa uma coisa: o IST estima que, por exemplo, as festas populares tenham causado 330 mortes com base num modelo que basicamente estima usando estimativas e mais estimativas, e outras estimativas, de sorte que, de tão complexo, apenas dá um valor que nem sequer é enquadrado num intervalo de confiança, talvez com receio de que o limite inferior fosse negativo, o que significaria que a covid-19 nas festas populares até teria contribuído para ressuscitar gente em vez de matar.

    O Instituto Superior Técnico, integrada na Universidade de Lisboa, foi fundada em 1911.

    Afianço-vos: sem se apresentar dados e metodologia, o Doutor Karamba podia fazer o mesmo, poupando até uns trocos no software Wolfram Mathematica.

    Perante isto, que deve um jornalista sério fazer? Aguardar que o senhor professor, do cimo da sua cátedra, descanse até Setembro? Ou relembrar-lhe que a Ciência é Ciência, e não pode descansar, porque pode e deve ser confrontada a toda a hora? Ainda mais porque não se divulga um estudo desta natureza num dia e se vai de férias no dia seguinte durante mais de um mês. E adeusinho.

    Portanto, reiterei o pedido de dados em bruto:

    “(…) Entre os cinco membros do IST, certamente haverá um disponível para me fornecer os dados brutos e uma explicação metodológica mais explícita para que, passo a passo, se possa chegar a similar conclusão e validar cientificamente o vosso método. Peço-lhe isso como jornalista e como homem da Ciência.

    E adiantava as minhas perplexidades:

    Tenha consciência que os dados que aponta são elevadíssimos tendo em conta que em junho (todo o mês e para todo o país) houve cerca de 400 mil casos positivos. Não sei a base científica por detrás da subnotificação. Deduzo também que não houve cruzamento com dados reais do SINAVE em função dos grupos etários e região. E tenho sérias e legítimas dúvidas, pelo que me descreve da metodologia, se os cinco investigadores do IST não resumiram a fazer correr o primeiro modelo de previsão introduzindo apenas o número estimado com maior aproximação ao real dos frequentadores dos festivais e festas populares, resultando isso apenas numa mera duplicação de eventuais erros do modelo inicial.

    greyscale photography of skeleton

    Retorquiu Henrique Oliveira, já sem esconder o seu incómodo:

    Já vi que está muito interessado no nosso trabalho, o que é muito bom. Mas, como disse e repito, estou de férias desde ontem. Sou o único do grupo de trabalho mandatado a falar sobre esses assuntos de análise. Ontem recusei diversos convites, antes do seu e-mail, nomeadamente de três televisões nacionais, para falar sobre o assunto porque… entrei de férias e as férias são, digamos, pouco científicas. Os meus colegas também estão de férias. Pode pedir o relatório, se é isso que entende por “dados em bruto”, ao nosso gabinete de imprensa (gabinete de comunicação e relações públicas). Eles dão. Os dados em bruto dos números são públicos.

    Preferia estar a discutir metodologias estatísticas, mas acabei num debate de retórica, e assim respondi:

    Peço desculpa pela insistência, mas insisto. Vocês são cinco reputados investigadores de uma prestigiada universidade portuguesa. Não me parece curial que me remeta para o Gabinete de Imprensa quando lhe peço dados em bruto, e não me considere assim tão pouco inteligente ao julgar que lhe estou a pedir o relatório quando lhe peço que os dados brutos que introduziu no modelo.

    Estou a questioná-lo sobre questões científicas, e ambos sabemos o que eu quero, e o que lhe estou a pedir específica e legitimamente como jornalista de um órgão de comunicação social. Tem o direito de dar ou não dar, tal como eu tenho o direito de retirar uma conclusão sobre se o vosso estudo tem validade científica, sendo que a validade científica se apura, desde logo, sobre a possibilidade de replicação do estudo, sendo necessário para isso conhecer as variáveis do modelo, o próprio modelo e a metodologia. Ora, isso não conheço; apenas conheço os números divulgados pela comunicação social, e que são pouco consentâneos com a realidade (casos positivos em Junho a nível nacional).

    Como o Senhor Professor saberá, para um modelo matemático fazer sair um número tem de se meter no modelo números e não batatas. Estou a pedir-lhe as variáveis, a metodologia e os números (não sei se são públicos porque não sei quais foram utilizados, porque não me diz).

    Permita-me dizer-lhe que acho extraordinário (achei muita coisa extraordinária durante a pandemia) que se faça ainda Ciência julgando-se que não se deve dar explicações nenhumas, bastando deitar para fora um qualquer número.

    person raising right hand

    O relatório, além disso, deveria ser público, tendo em conta a relevância do tema. Vou, em todo o caso, pedir o relatório ao gabinete de Comunicação do Técnico.

    Também não me esclarece se houve algum cruzamento com os dados do SINAVE (que não são públicos), nomeadamente ao nível de casos positivos por região (e mesmo concelho) e por grupo etário, no sentido de conferir validade aos vossos resultados. (Aliás, questiono se fizeram auto-critica aos valores apurados pelo modelo e divulgados à imprensa).

    Sem prejuízo disso, insisto sobre as variáveis e os dados usados. O Senhor Professor como pessoa inteligente sabe bem o que lhe estou a pedir, mesmo que não me considere assim tão inteligente ao ponto de sugerir (ou mais do que isso) que eu apenas quero um relatório (uns papéis escritos).

    Sobre toda a equipa de cinco pessoas ficarem de férias no exacto dia da divulgação do ‘estudo’, não tenho de comentar aqui, mas apenas estranho o ‘timing’.

    Por fim, uma questão: todo o acompanhamento que o IST tem feito sobre esta temática tem sido financiado por quais entidades específicas? Qual o valor até agora recebido e até quando está previsto o financiamento?”

    Resposta final do senhor Professor Henrique Oliveira, prestigiado docente e investigador do secular Instituto Superior Técnico, a modos de terminar um debate científico:

    Caro Pedro Almeida Vieira,

    Estou de férias e muito cansado. Pode insistir à vontade e emitir os comentários que quiser, que a resposta será apenas essa.”

    Entretanto, decidi entrar em contacto com o Gabinete de Imprensa do IST, com a seguinte missiva:

    O PÁGINA UM está interessado em escalpelizar o estudo apresentado pelo IST, coordenador pelo Prof. Henrique Oliveira, que estimou o impacte das festas populares e festivais na disseminação do SARS-CoV-2 e da covid-19. Como não encontro o relatório em lado algum, e não existe disponibilidade do Prof. Henrique Oliveira para facultar tanto o eventual relatório escrito como sobretudo os dados em bruto, de modo a replicar as estimativas feitas pelo IST (e confrontar a sua validade científica), venho formalmente fazer esse pedido ao presidente do IST.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico. Quando foi solicitado o envio de dados em bruto sobre estimativas sob sua supervisão, o seu gabinete de imprensa respondeu que “o Técnico não faculta mais informação sobre esta matéria para além daquela que já é do conhecimento público”.

    Resposta do Gabinete de Imprensa do IST:

    Em relação às suas questões posso dizer o seguinte:

    1 – o Técnico não faculta mais informação sobre esta matéria para além daquela que já é do conhecimento público;

    2 – o Técnico não tem nenhum contrato ou protocolo para enquadrar o serviço que tem prestado ao país em termos de modelação e análise da pandemia.

    Decididamente, a Ciência – ou, pelo menos a Ciência do Instituto Superior Técnico – entrou de férias.

    Mas não foi agora. Foi quando contratou o Professor Henrique Oliveira para fazer este tipo de “Ciência” ou quando elegeu responsáveis para encerrar um debate sobre Ciência com “o Técnico não faculta mais informação sobre esta matéria para além daquele que já é do conhecimento público”.

    Ora, o que o IST divulgou foi uma vergonha; portanto, até se compreende que não queiram divulgar mais… para que a vergonha não seja ainda maior.

    Esta é uma “novela” exemplar sobre o estado da Ciência que a pandemia nos trouxe. Haverá aí um antiviral chamado decência?


    N.D.: Nos trechos expostos foram feitas correcções de simples gralhas. A troca de correspondência entre mim e Henrique Oliveira tem interesse público, e decidiu-se publicar por me ter assumido, desde o início como jornalista e ter avisado de que poderia usar a informação recolhida. De igual modo, a troca de correspondência com o Gabinete de Imprensa do IST também tem relevância editorial.

  • Do boneco, da gravidade e dos cúmplices

    Do boneco, da gravidade e dos cúmplices


    Já fiz vários artigos sobre o excesso de mortalidade que se vive em Portugal, numa altura em que a covid-19 é coisa do passado do ponto de vista de Saúde Pública a nível mundial. Em Portugal também, mesmo se o Governo fala em “consolidar a prevenção” (que parvoíce é essa do “consolidar a prevenção”?)…

    Surge agora a “história do calor”, que é uma falácia: agrava a mortalidade, mas porque há toda uma comunidade (sobretudo idosos) que está “presa por arames”. Noutras condições (mais humanas), não morreriam… Morrem agora porque estão abandonados pelo Estado, pelas instituições, pela sociedade que já nem se indigna.

    Evolução da mortalidade total (média móvel de 5 dias) em 2022 e no período de 2015-2019. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Para mim, isto já é um caso de polícia, e a única coisa que preciso de saber é se a Procuradoria Geral da República quer ser cúmplice do crime.

    Como disse, já fiz várias notícias, e mais poderia fazer para provar que estamos perante um crime por negligência e omissão de auxílio. Hoje, porém, deixo-vos apenas um gráfico. Demorou cinco minutos a fazer… ou menos. Acho que o boneco dá para entender a gravidade do que se passa… Até quando, veremos….

  • Torreão do Terreiro do Paço que se afunda com desleixo

    Torreão do Terreiro do Paço que se afunda com desleixo


    Existem umas obras anunciadas há anos para o Torreão Poente da Praça do Comércio (vulgarmente conhecida por Terreiro do Paço), em Lisboa, que está a afundar-se. Vejamos o desnível patente no lado da praça. São quase 75 centímetros de diferença. A descida drástica foi travada há anos por 29 estacas de betão. Mas o Torreão vai continuar a descer lentamente.

    O Torreão Poente foi erguido na área do antigo Paço Real, arrasado pelo terramoto de 1755 e varrido depois pelo maremoto que atingiu Lisboa. E agora está rodeado eternamente de uma vedação chapeada. Mas quem quiser, pode entrar, para fazer o que quiser!

    Desde o início dos registos, este torreão já se afundou 1,40 metros. Em Junho de 2000, o torreão acelerou repentinamente o afundamento por causa de uma ruptura nas paredes do túnel do metropolitano e da estação do Terreiro do Paço, durante as obras de construção. Ocorreu, nessa altura, um enorme vácuo, quando as lamas e as águas entraram no túnel. A derrocada esteve eminente.

    O torreão foi edificado num vale fóssil, de camadas de lodos cobertas por aterros superficiais. São camadas compressíveis e provocam um afundamento constante como resultado do próprio peso do torreão.

    Dezenas de estacas de pinho verde estão nas suas fundações, mas acrescentaram-se 29 estacas de betão de 1,20 metros de diâmetro até 50 metros de profundidade, por debaixo do edifício.

    Mas o Torreão está agora ao abandono, como provam as fotos. É possível entrar e sair num espaço restrito. Um desleixo que constitui facto insólito na zona mais nobre e emblemática de Lisboa. E numa das praças mais bonitas do Mundo.

    José Ramos e Ramos é jornalista (CP 214)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Os ricos sem estética encavalitados nos portugueses

    Os ricos sem estética encavalitados nos portugueses


    No Dafundo, na Avenida Marginal, está o retrato dos nossos últimos 50 anos de desenvolvimento económico: meia dúzia de ricos, sem sentido do estético, encavalitados na maioria dos portugueses de bolsos vazios e longe das artes e letras.

    Por ali passam milhares de carros e passageiros nos comboios da Linha de Cascais. Todos os dias. Mas indiferentes… A ambivalência fez-nos reivindicar uma vida melhor e, ao mesmo tempo, comprar melão importado da Argentina ou camarão do Vietname. Tornámos as empresas Continente e o Pingo Doce no 5º e 6º maior importador nacionais. E exportam?… Zero!

    Engordamos os que pagam a pêra-rocha ao agricultor português a 30 cêntimos e depois a metem à venda a mais de 1,30 euros. Afogamo-nos em casas na periferia remotas, construídas a 700 euros por metro quadrados, e que pagamos de 1.500 para a frente…

    Dizem os promotores que são pechinchas, com lareira e aspiração central, no cimo de um cabeço qualquer. Produzimos apenas o trigo para duas semanas do ano. Mas o que queremos é futebol, uma cervejola e que o trabalho não falte. Porque a política que conhecemos é o “vira-o-disco-e toca o mesmo”.

    José Ramos e Ramos é jornalista (CP 214)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Temos 730 mil casas devolutas em Portugal

    Temos 730 mil casas devolutas em Portugal


    As casas continuam a valorizar em Portugal, apesar de termos… casas em excesso. Um relatório da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) de 2019 já nos revelara a existência, no nosso país, de 730 mil casas desocupadas. A lógica do mercado obrigava os preços a cair a pique. Aproximando os valores de venda dos preços de custo. Mas não.

    Os bancos continuam a valorizar as casas a “olhómetro”. Em alguns casos, os promotores estão a vender imóveis por 10 vezes mais o valor de custo.

    São casas para estrangeiros, que compram e fecham. Transformando os imóveis em produtos financeiros, sem fiscalização. Depois, o dinheiro pago pelos compradores circula muitas vezes por off-shores, com valores distintos dos declarados em Portugal.

    Nesta espiral especulativa escandalosa, os franceses descobriram até que podem comprar várias casas em Portugal, pagando 10% dos impostos que nós pagamos. Por dez anos! E nós podemos fazer o mesmo em França? Não!

    Venderam-nos os carros, frigoríficos, varinhas mágicas, e agora estão reformados e continuam a viver encavalitados em nós. Nos nossos serviços públicos, na saúde, nas estradas, nas infra-estruturas que pagámos com língua-de-palmo.

    Ainda se podia pensar que tanta casa dava negócio à indústria portuguesa. Mas os materiais são quase todos importados. Até as sanitas e lavatórios.

    Para além da OCDE, também a União Europeia alertou em Janeiro que em Portugal existe uma gigantesca bolha imobiliária. E o Governo com maioria absoluta faz alguma coisa neste dramático sector? Nada. Porque a “culpa é da Cristas”… que já passou à História, mas continua de costas largas!

    José Ramos e Ramos é jornalista (CP 214)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Escola à la carte

    Escola à la carte


    Quando decidi ver a entrevista exclusiva da SIC ao “casal de Famalicão” (os tais que foram para tribunal por causa das aulas de Cidadania), tinha expectactivas consideravelmente baixas. O caso já tem uns anos e as posições dos ditos – ou do pai, vá!, que a mãe parece falar só quando a deixam – são amplamente conhecidas.

    Confesso que não percebo o que leva uma família a fazer uma guerra tão grande por causa de algo tão simples e banal, mas entendo ainda menos o que teriam na cabeça quando aceitaram aquela entrevista. Obviamente, previsível seria ficarem expostos como um bando de retrógrados – que, convenhamos, até provavelmente serão –, e dificilmente a dita entrevista traria qualquer benefício para a sua causa. Por mais idiota que esta fosse, acrescento.

    Ana e Artur Paula Mesquita Guimarães foram entrevistados pela SIC.

    Se uma conversa de 30 minutos for filmada, e posteriormente transmitida, enfim, todos temos a hipótese de tentar perceber a argumentação; contudo, se apenas alguns excertos das respostas forem facultados, entre comentários de jornalistas e de alguns especialistas, a nossa percepcão é radicalmente diferente.

    Ora, a SIC optou pela segunda via, criando assim, nos espectadores, uma opinião sobre aquela família ao mesmo tempo que, em teoria, lhes dava voz.

    Digo de antemão que estou contra a posição daquela família – e todo o discurso daquele pai me parece inenarrável. Ainda assim, não gostei de ver um tribunal popular em formato de entrevista.

    Aquilo que me parece realmente interessante discutir, em vez de nos focarmos no discurso beato deste casal, é tentarmos perceber a resolução deste imbróglio. Ou seja, não nos ofuscarmos com a árvore e perdermos de vista a floresta.

    brown wooden table and chairs

    Neste caso, a floresta é a caixa de Pandora que se abrirá caso algum tribunal deixe uma família decidir a que disciplinas devem os filhos assistir. Podemos discutir programas escolares, debater conteúdos e até, quem sabe, alargar o centro de decisão para lá das paredes do Ministério da Educação.

    Também me parece um bom debate perceber que tipo de ensino e que conteúdos farão sentido no ensino secundário em pleno século XXI.

    Nada contra esse debate. Contudo, a partir do momento em que um programa é decidido, por quem foi eleito para o fazer, deve ser cumprido. Ou como diria o capitão Nascimento do BOPE: “missão dada, é missão cumprida, parceiro“.

    Uma referência a filmes brasileiros com o Wagner Moura serve sempre para desanuviar o ambiente.

    Mas falava eu em Pandora e caixas, porque será esse o caminho, se algum tribunal deste país der razão aquele casal devoto da Opus Dei.

    Se eles puderem decidir, livremente, que os filhos não devem assistir às aulas de Cidadania – ou, nas suas palavras, não alinhar em palhaçadas, porque haveria a hipótese de irem a um museu onde o banco tem a forma de uma vagina –, o que nos impede de continuar essa estrada?

    Se, daqui a 10 anos, os livros de História relatarem a invasão russa da Ucrânia e um pai achar que aquilo foi mesmo uma “Operacão Especial”, pode fazer idêntico pedido para que o seu rebento seja dispensado da disciplina?

    boy in green sweater writing on white paper

    Ou um terraplanista pode pedir passagem administrativa a Física?

    O Mário Machado pode isentar os filhos do capítulo do Holocausto? E um vegan pode decidir se assiste à explicação sobre a cadeia alimentar ou não?

    Um angolano, guineense ou moçambicano, residente em Portugal, pode optar por não ouvir falar na Guerra Colonial?

    Já agora, um aluno que tenha pais brasileiros, tem mesmo que ver aqueles desenhos do Pedro Álvares Cabral a chegar ao Brasil e a ser recebido em festa pelos nativos que lhe ofereciam cestas de fruta?

    E a comunidade indiana em Portugal, pode saltar aquela parte de Goa e das igrejas católicas lá plantadas?

    O Ventura vai poder anular a inscrição se insistirem em falar naquela manhã de 25 de Abril de 74?

    O Nuno Melo poderá reclamar quando os filhos descobrirem que o aborto é legal ou que tourada não é diversão?

    O Cotrim ficará aborrecido se algum dos filhos ouvir falar do crash da bolsa de Nova Iorque em 1929 e começar a perder fé nos mercados muito cedo?

    Os netos do Jerónimo não poderão ouvir falar da Primavera de Praga?

    silhouette of child sitting behind tree during sunset

    As caricaturas – ridículas bem sei – servem apenas para ilustrar até onde poderemos ir, nisto de misturar as nossas convicções, ideologias ou crenças com aquilo que é o programa oficial da Escola Pública. Eu também não compreendo por que razão a Religião e Moral é leccionada em escolas de um país laico, mas, se se decidiu que faz parte do programa, a discussão termina aí.

    Podemos sim, sempre, discordar e discutir programas. Aliás, devíamos discuti-los mais. Agora, deixar ao critério de cada família o que as crianças e jovens devem aprender na escola, já me parece mais perigoso e um incentivo ao caos no Ensino.

    Professores mal pagos e desmotivados, alunos que terminam os anos sem aprenderem tudo o que era esperado, índices baixos de aproveitamento a Matemática e Português, carreira docente absolutamente estagnada, passagens de alunos mais facilitadas para enchermos as estatísticas da União Europeia, alto abandono escolar, crianças prejudicadas pelos confinamentos impostos durante a pandemia, etc., etc. – isto, sim, são problemas reais a mais para um sistema tão débil num país que insiste em investir mais no alcatrão do que na formação das próximas gerações.

    Com tantos fogos por apagar, esperemos que os tribunais não vistam, também, a pele de incendiário. Dar razão jurídica às teses dos “pais de Famalicão” seria a mecha.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • D. João V tinha a Gazeta de Lisboa; e D. António Costa tem o Público

    D. João V tinha a Gazeta de Lisboa; e D. António Costa tem o Público


    Em dia de S. João se festejou em Palacio o nome de S. Mag, & houve Serenata no quarto da Rainha Nossa Senhora. Quinta feyra 16, do passado teve primeira audiência de Sua Mag. Mons. De Montagnac Consul da Naçaõ Francesa.

    Gazeta de Lisboa Occidental, 3 de Julho de 1721

    De portas totalmente fechadas, sem declarações à imprensa, nem respostas aos jornalistas. Foi assim o encontro “informal” entre os 17 ministros que António Costa chamou para a Base Naval do Alfeite, em Almada, durante toda a tarde deste sábado. Os governantes chegaram de barco, com partida de Lisboa, e estiveram juntos durante mais de cinco horas. Na sua conta de Twitter, o primeiro-ministro falou de uma reunião “extremamente útil e produtiva”, mas não esclareceu o que esteve em cima da mesa de trabalhos. Segundo informações recolhidas pelo PÚBLICO junto de fonte do executivo, o encontro serviu para “fazer ponto de situação” antes das férias de Verão “e perspectivar os próximos meses”.

    Público, 23 de Julho de 2022

    A Rainha nossa Senhora tomou a novena da gloriosa S. Anna na Igreja do Espirito Santo dos Padres da Congregaçaõ de S. Filippe Nery. O Senhor Infante D. Carlos foy hontem para a quinta, que Antonio Leyte Pacheco Malheyro Macedo, Alcayde mór da Fronteira, tem no sitio de S. Sebastiaõ da Pedreira, para convalescer de algumas leves queyxas, & alli lhe assistem a Senhora Marqueza de Santa Cruz, Aya de Suas Altezas, & D. Christtovaõ Joseph da Gama, Vedor da Casa da Rainha nossa Senhora.

    Gazeta de Lisboa Occidental, 23 de Julho de 1722

    Na mesma publicação, António Costa partilhou imagens da viagem de barco e surge ao lado da ministra da Justiça, Catarina Sarmento e Castro, do ministro da Educação, João Costa, e do ministro das Finanças, Fernando Medina. Numa segunda publicação, o primeiro-ministro afirma que estes quase quatro meses de mandato do XXIII Governo, o seu terceiro como primeiro-ministro, “têm sido muito activos e exigentes” e que por isso “este dia de reflexão e de análise política e prospectiva para os próximos meses foi muito enriquecedor”.

    Público, 23 de Julho de 2022

    Terça feira da semana passada foy a Rainha N. Senhora com os Principes, e o Senhor Infante D. Pedro à Villa de Bellas,e jantàraõ na quinta dos Condes de Pombeiro. Na quinta feira foy a mesma Senhora, com a Princeza, e o Senhor Infante D. Pedro à Igreja dos Religiozos Carmelitanos, que celebravaõ solemnemente a festa de N. Senhora do Monte do Carmo. Na seta feira foraõ dar principio à Novena da Gloriosa Santa Anna, na Igreja dos Padres da Congregaçaõ do Oratorio, e no Sabbado se divertiraõ na Real Taoada de Alcantara; onde também concorreo o Principe nosso Senhor.

    Gazeta de Lisboa Occidental, 23 de Julho de 1733

    Minutos depois da publicação do primeiro-ministro seria a conta oficial do Governo a partilhar um vídeo que resumiu o “dia de trabalho em equipa, focado na preparação dos próximos meses e na resposta aos desafios que se colocam ao país”.

    Público, 23 de Julho de 2022

    ElRey nosso Senhor, que Deos o guarde, com o Principe, e o Senhor Infante D. Pedro, foram na tarde de segunda feira primeiro do corrente à Ermida de Nossa Senhora do Rosario da Restauraçam, onde estava o Lausperenne; e depois de haverem feito a oraçam, fizeram a honra a Luiz Gonçalves da Camera Coitinho, Padroeiro da mesma Capella, de lançar agua benta na sepultura de seu pay Gastam Jozé da Camera Coutinho, Estribeiro mór que foy da Rainha nossa Senhora.

    Gazeta de Lisboa Occidental, 11 de Julho de 1737

    O encontro entre a equipa de António Costa terminou já depois das 19h30 e o primeiro a abandonar o local foi o ministro das Infra-estruturas e da Habitação, Pedro Nuno Santos, só depois António Costa saiu.

    Público, 23 de Julho de 2022

  • Sombras da noite cintilando nas universidades

    Sombras da noite cintilando nas universidades


    Quem já navegou durante a noite entende perfeitamente a importância das estrelas e dos faróis. Se aquelas em nada dependem da mão humana para cintilar, estes são um exemplo extraordinário do engenho e da técnica da Humanidade. Apesar de tudo, por mais belos que sejam, nem as estrelas nem os faróis são um destino em si mesmo, revelando-se úteis ao ajudar o navegador a tomar consciência da sua localização e ao sinalizar perigos.

    Quando atingimos a frescura da adolescência, aventuramo-nos sem medo por águas desconhecidas e, num golpe de inconsciência, os jovens facilmente acreditam nos sonhos e na aventura, entregando-se a causas, às quais aderem de corpo e alma.

    Fazem-no pela adrenalina, pela novidade, pela provocação, mas acima de tudo, a sua atitude revela uma forte intenção de encontrar o seu lugar no Mundo. Mas há quem disso se aproveite e se alimente dessa energia juvenil.

    Em oposição à imagem dos abutres – que preferem carne em avançado estado de putrefação – é o comportamento dos vampiros que mais se aproxima daqueles que, sedentos de sangue novo, capturam os mais desprevenidos.

    Não é em vão que as juventudes partidárias circundam as universidades. É lá que vão pescar os potenciais camaradas, propondo-lhes um lugar de intervenção na primeira fila para mudar o Mundo.  Assim, infelizmente, o que podia ser uma escola de vida torna-se, em demasiados casos, numa escola mafiosa de atropelos e interesses, acabando por formar verdadeiros parasitas da sociedade.

    Já António Vieira, conhecido padre jesuíta, no famoso Sermão de Santo António aos Peixes, se tinha lembrado de nos alertar para os interesses dos parasitas e oportunistas dos pegadores, da vaidade dos peixes voadores, da soberba e arrogância dos roncadores e da traição do polvo.

    woman holding book on bookshelves

    O lugar dos jovens é no mundo! No mundo real do trabalho, dos projetos sociais e humanos que não servem propagandas, do amor que não escolhe apelidos… Tudo isto enquanto ganham uma autêntica experiência de vida.

    Estou certo de que todos gostaríamos de ver, no poder político, gente completa e dedicada, verdadeiramente vocacionada para servir a construção de uma sociedade organizada e justa em nome de ideais e valores. Começa a ser insuportável e insustentável viver neste clima de conformismo no qual mergulhámos e do qual dificilmente conseguimos emergir.

    Todos, sem exceção, devemos ser uma espécie de faróis uns dos outros. Referências e sinais de apoio para que cada um se encontre e, consequentemente, saiba o rumo que quer tomar.

    Este exercício contém em si responsabilidade colectiva e pessoal. Trata-se de deixar irradiar uma luz que não nos pertence e que, por isso, deverá ser sentida como dádiva. Desse modo quem seguir a nossa luz não nos segue a nós, mas a nossa mensagem.