Categoria: Opinião

  • Que fazer com a propriedade privada dos outros?

    Que fazer com a propriedade privada dos outros?


    Tenho por hábito escrever sobre o que me rodeia e sem grandes amarras no pensamento. Quem me conhece sabe a quem entrego o meu voto e quem me vai lendo, por esta altura, também já deve ter percebido. E eu acho isso óptimo.

    Gosto de assumir as minhas convicções e, em simultâneo, o meu direito ao pensamento livre. Não concordo ou discordo de algo por ser da ideologia política A, B ou C. Concordo com o que me parece ser lógico, sensato e parte integrante daquele que seria, idealmente, o meu modelo de sociedade.

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    Imagino que todos tenhamos um modelo de sociedade na cabeça que, dificilmente, será retratado integralmente no programa de um partido político.

    Isso significa, em resumo, que PSD e Liberais dizem coisas, às vezes, com as quais concordo. E PS, PCP e BE dizem coisas, às vezes, com as quais discordo. Mentiria se não dissesse que me custa mais quando aqueles mais próximos daquilo que defendo fazem ecoar asneiras na Assembleia da República.

    Dito isto, temos o que Joana Mortágua disse, na semana passada, em discurso no Parlamento, que a falta de alojamento para os recém-entrados no ensino superior se devia à opção dos senhorios de retirar as suas casas do mercado de arrendamento de longa duração e colocá-las no alojamento local. Pretendia o BE que o Governo travasse esta situação.

    É uma espécie de tiro no pé, desde logo do Bloco de Esquerda, mas também da esquerda de uma forma geral.

    Compreendo que a minha opinião no tema não vá de encontro à dos que, por norma, votam ao meu lado, mas enfim, como expliquei ali em cima, penso e respondo pelas minhas ideias.

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    O BE tem razão quando diz que o desvio de casas para o alojamento local prejudica os estudantes. É factual. São menos propriedades disponíveis no mercado.

    Agora, não pode em momento algum – ou não deve – sugerir que seja o Governo a decidir o que fazer com a propriedade alheia. Das duas uma: ou somos contra a propriedade alheia e vivemos todos em colectividades – o que está longe da sociedade que defendo –; ou, se permitimos a existência de propriedade privada, não podemos depois decidir o que eles devem fazer.

    Joana Mortágua, ou o BE, parecem cair no limbo das opiniões vezes em conta. Há uma certa dificuldade de assumirem uma posição, se esta for pouco popular, criando uma ideologia de agradar a todos.

    O resultado são as contradições em que se perdem. Por exemplo, Joana Mortágua tem uma herdade no Alentejo; não consta que a tenha convertido em abrigo quando os nepaleses dormiam em contentores em Odemira.

    Residências universitárias, por exemplo, seriam uma das soluções deste problema que Joana Mortágua aponta.

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    Investimento a sério num país que precisa rapidamente de parar de exportar universitários.

    Há, de facto, muita coisa que o Governo pode fazer, como seja o combate à especulação, tanto no mercado de arrendamento como no da compra.

    Bem sei que há uma parte da esquerda que se indigna com a propriedade privada. Eu não. Se uma pessoa trabalha para comprar algo, ou recebe de uma herança familiar, beneficiando do trabalho dos seus antecessores, não vejo problema algum. Se alguém trabalha e investe numa casa, ou duas, ou três, é porque se esforçou para lá chegar; é porque estudou e trabalhou para isso.

    Nem todos chegamos da China e compramos casas a dinheiro para obter vistos Gold. Nem todos temos o acesso aos créditos do BES como se fôssemos um Vieira ou um Vasconcellos.

    A maior parte trabalha uma vida para pagar créditos e construir qualquer coisa. Nada disso contraria aquilo que imagino para uma sociedade, e lamento se alguma esquerda não vê para lá disso. Nem será o caso do BE que, convenhamos, gosta bastante da propriedade privada embora repita ad nauseam este slogan dos pobres e desamparados.

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    Enfim, onde começa o meu “problema” é no aproveitamento desmesurado da falta de habitação por causa dos preços especulativos. E, por favor, não me digam que é uma questão de mercado ou da lei da oferta e da procura. É um simples aproveitamento em regime de cartel para cobrar preços absolutamente escandalosos; no fundo, como acontece com o cartel das petrolíferas. Todos se queixam, mas o princípio é essencialmente o mesmo.

    Era aqui – na disparidade de preços quando comparados com a realidade nacional – que o governo deveria intervir.

    Mas claro, todos percebemos que a especulação imobiliária se traduz em avultados impostos, e, portanto, é outra galinha dos ovos de ouro para o PS (ou PSD) distribuírem pelas habituais clientelas das parcerias público-privadas (PPPs), bancos, Mários Ferreiras, auxiliares dos auxiliares de secretários de Estado, e por aí fora. Certo como o destino, é saber que esse dinheiro não chega onde deveria – neste caso, à Educação.

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    Era aqui, nestes pontos, que eu esperaria, também, que o BE gritasse a plenos pulmões. Em vez de tentarem mexer na propriedade privada dos outros, poderiam e deveriam exigir, isso sim, investimento na Educação, de forma que Portugal tivesse, finalmente, um sistema de ensino universal.

    Dizem-me que já tem, que a Educação é tendencialmente gratuita. Mas não é. Vejo as diferenças, diariamente, entre as duas realidades em que me desloco: Suécia e Portugal.

    Na Suécia temos creches grátis em cada bairro e um abono mensal de 100 euros, ensino básico e secundário sem qualquer custo (livros, comida, computadores) e universidades gratuitas, para além da possibilidade de um empréstimo estatal (um salário) disponível para cada aluno do Ensino Superior, assim o deseje contrair. É este o conceito de Educação universal. A garantia que o filho de um padeiro e o filho de um advogado recebem as mesmíssimas condições no ponto de partida.

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    Eis a garantia, por lei, que o filho de um pescador só será pescador se assim o entender. Tudo feito com o Estado Social, a solidariedade dos escalões progressivos nos impostos e uma carga fiscal totalmente direcionada para a população.

    Claro que, com isto, as estradas suecas não chegam aos calcanhares das portuguesas, mas minhas senhoras e meus senhores, isso é que são escolhas que decidem o futuro das gerações seguintes. A Suécia apostou na formação da população; nós, em Portugal, apostámos na Mota-Engil.

    Opções políticas, dizem uns – corrupção da boa, digo eu.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Até as derrotas me dão esperança

    Até as derrotas me dão esperança


    Esta madrugada, eram cinco horas e eu ainda estava a escrever, mas não era nenhuma notícia. Deveria ser, mas não era.

    Estava a escrever “argumentos jurídicos”, para “auxiliar” o advogado do PÁGINA UM, Rui Amores, a contra-alegar no Tribunal Administrativo em dois dos processos de intimação que interpusemos para acesso a documentos administrativos.

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    São já 12, como será do conhecimento público, todos devido à falta de transparência de entidades públicas. Talvez sejam mais em breve, incluindo contra a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), cujo Secretariado veio, na semana passado, recusar-me o acesso a informações, em alguns casos relacionados com notícias que escrevi, alegando que, além de “constitu[ír]em documentos nominativos, sujeitos à proteção de dados pessoais”, eu não tenho “um interesse direto, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante”.

    Já estamos na fase em que jornalistas da CCPJ defendem e promovem a tese de que os jornalistas, pela sua condição, não têm interesse em matérias que investigam. E que, basicamente, não devem chatear.

    Não nos surpreendamos: o próprio Conselho Superior da Magistratura (CSM) já defende essa linha (não por acaso, é vê-la agora em estreita colaboração com a CCPJ). E mesmo tendo o CSM perdido um processo de intimação em primeira instância no Tribunal Administrativo de Lisboa, recorreu, pelo que o acesso continua ainda impossível.

    Mas vejam então como dediquei esta noite “jurídica”, que só há pouco terminou com a escrita deste Editorial.

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    O primeiro processo, no qual estive a “alegar”, é recente – começou no mês passado. Tem como ré a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – que, aliás, tem estado a criar regulamentos internos ad hominem (voltarei ao tema!) – e deve-se à recusa no acesso aos pedidos de confidencialidade de empresas de media para que fiquem secretos determinados fluxos financeiros. A transparência é a regra, mas há uns “amigos” que podem ser excluídos dessa obrigação. A ERC quer decidir… secretamente.

    O segundo processo é mais antigo (iniciou-se em finais de Maio), e refere-se à recusa das Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos em ceder documentos operacionais e contabilísticos da campanha Todos Por Quem Cuida, que envolveu 1,4 milhões de euros, e o apoio financeiro da indústria farmacêutica. Embora considerado urgente, esta intimação já caminha para o quarto mês, tendo já 46 registos (movimentos) processuais. Tem sido interessante ver como as duas Ordens, mais as respectivas sociedades de advogados, lutam abnegadamente para não cederem os documentos requeridos para se avaliar como ganharam e como gastaram o dinheiro dos donativos.

    Pormenor dos movimentos processuais da intimação sobre o acesso aos documentos da campanha Todos por Quem Cuida

    Enfim, nos últimos tempos, uma parte dos meus dias de trabalho no PÁGINA UM não se mostra visível, sob a forma de notícias; são estas “burocracias”, as pequenas “batalhas” em prol da transparência, do acesso a documentos, apresentando requerimentos, reiterando pedidos de informação, compondo queixas. É desgastante, mas necessário. Os leitores não vêem este trabalho de formiga – e, por vezes, sinto que o menor fluxo de notícias, patente nas últimas semanas, pode influenciar a avaliação que se faz ao PÁGINA UM.

    Mas sempre assumi que o PÁGINA UM, além de um projecto de jornalismo independente, seria um projecto de cidadania. O leitmotiv do PÁGINA UM é a Democracia, a defesa dos princípios democráticos, assumindo que a Imprensa é um dos instrumentos.

    Nesta linha, os processos em Tribunal Administrativo – perante o inculcado e bem enraizado obscurantismo da Administração Pública – estão a servir também de teste à Democracia; servem para perceber se ainda existe uma entidade externa ao Poder, e às decisões arbitrárias deste em recusar o acesso à informação por parte dos cidadãos, que defenda a Democracia.

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    Sinto, por isso, cada um dos processos de intimação no Tribunal Administrativo como um teste à vitalidade da Democracia portuguesa.

    Uma vitória – e tivemos duas embora ainda sem efeitos práticos, porque o Conselho Superior da Magistratura e a Ordem dos Médicos (um outro processos, sobre pareceres técnicos) recorreram – é sempre uma esperança.

    Mas mesmo quando também há uma derrota, paradoxalmente, nasce uma esperança – mas por outros motivos.

    Por exemplo, esta madrugada, no meio da consulta da plataforma dos meus processos, constatei que tive uma derrota. Foi ontem concluída a sentença da intimação para o Ministério da Saúde abrir o seu arquivo – para conhecer a gestão durante os anos da pandemia.

    Ora, tendo eu pedido acesso integral do arquivo do Ministério da Saúde desde 2020, identificando as entidades a quem se dirigiam e recebiam ofícios e relatórios, a juíza entendeu, mesmo assim, que “atendendo à forma como o pedido foi formulado, a Entidade Requerida [Ministério da Saúde] não consegue satisfazer a pretensão, por não ser possível identificar, em concreto, a que documentos e informações o Requerente [eu] pretende o acesso, nem mesmo para perceber se estão em causa dados pessoais ou nominativos.”

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    E acrescenta, dando na ferradura, que “importa salientar que não se trata de negar o acesso aos arquivos e registos administrativos, que conforme acima se expôs, constitui um direito fundamental de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, todavia, impõe-se aos requerentes dessa informação que concretizem o que pretendem, caso contrário, a entidade administrativa não consegue satisfazer o pedido.”

    Esta decisão é surpreendente, porque a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos diz taxativamente que “se o pedido não for suficientemente preciso, a entidade requerida deve, no prazo de cinco dias a partir da data da sua receção, indicar ao requerente a deficiência e convidá-lo a supri-la em prazo fixado para o efeito, devendo procurar assisti-lo na sua formulação, ao fornecer designadamente informações sobre a utilização dos seus arquivos e registos.” Algo que o Ministério da Saúde nunca fez nem propôs. Aliás, o Ministério classificou logo o pedido do PÁGINA UM de “manifestamente abusivo“.

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    Mas, mesmo assim, a juíza achou que como não consegui identificar em concreto os documentos – talvez o número dos ofícios ou o título de relatórios, que só poderia saber se fosse adivinho –, mesmo se identifiquei as entidades envolvidas e o intervalo de datas, “não se impõe à Entidade Requerida que entregue ao Requerente a informação e documentos requeridos.”

    E, pronto, improcedente, e pague-se as custas… Ou recorra-se para o tribunal superior, com mais custas, que é aquilo que se fará enquanto houver dinheiro do FUNDO JURÍDICO. E esperança…

    E, então, perguntam os leitores: onde está afinal a esperança nesta derrota?

    Está em poder contribuir para muitos acordarem do torpor (quase) colectivo que deixou a nossa Democracia apodrecer.


    Embora com meios incomensuravelmente menores do que as entidades públicas, o PÁGINA UM não vergará facilmente na sua luta em prol da transparência e do acesso à informação. No caso dos processos judiciais, que podem envolver custos acrescidos em caso de derrota, os apoios podem ser concedidos ao FUNDO JURÍDICO. Para o apoio ao trabalho jornalístico, podem apoiar através de várias modalidades.

  • Testemunhas em folhas A4

    Testemunhas em folhas A4


    A nossa democracia tem mordomias e excepções inaceitáveis nos tribunais. Por exemplo, um magistrado e uma deputada isentam-se de ir a tribunal, como meros cidadãos. Escrevem o depoimento.

    É o caso de Paulo Guerra, ex-director-adjunto do Centro de Estudos Judiciários, e de Isabel Rodrigues, advogada ligada a questões de família, antiga deputada do Partido Socialista e actual secretária de Estado da Igualdade e Migrações. Deviam sentar-se nas cadeiras do tribunal como os juízes e as partes litigantes. Vão como testemunhas, mas com um tratamento de gente especial, que não são!

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    Trata-se de um caso de um ex-juiz que se queixa de ter sido difamado numa reportagem televisiva sobre a retirada violenta de crianças a progenitores, normalmente pobres. Uma coisa que se tornou muito comum em Portugal.

    Nas imagens, o tal ex-juiz confessa nunca ter assistido a nenhuma dessas retirada violentas nos 12 anos em que exerceu o cargo, dos 70 anos de idade até aos 82, quando cessou funções.

    A República Portuguesa não pode tolerar privilégios de testemunhas abonatórias ou até de senhores juízes queixosos, que são tratados por conselheiros. 

    Um destes dias, também nos passam à frente na fila do supermercado.

    As situações de excepção da Justiça descredibilizam o Estado Democrático de Direito. Já nos bastou o juiz Rangel a pedir sentenças à medida a dois presidentes do Tribunal da Relação de Lisboa.

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    E quem eram os juízes que lavravam essas sentenças? Não se sabe. Assim como nunca soube quem eram os juízes do Tribunal Plenário de Santa Clara da ditadura de António Salazar.

    No tempo recuado de João das Regras, aos tribunais ia-se de cabeça erguida, costas direitas e sentava-se o rabo na cadeira, como contam os cronistas.

    Os tribunais são o mundo à parte? São! Com prerrogativas e leis próprias? Sim! Onde juízes julgam caixas de juízes contra jornalistas? É verdade.

    E os jornalistas lá se sentam a olhar para as testemunhas. 

    Que, neste caso, serão dois meros papéis: o senhor magistrado Paulo Guerra e a senhora secretária de Estado Isabel Rodrigues. 

    Duas folhas A4!

    José Ramos e Ramos é jornalista (CP 214)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Vai-te embora ó melga!

    Vai-te embora ó melga!

    Já vos contei que, depois de descobrir que o meu País fazia questão de me dar por morta; e que, sendo assim, nunca mais me daria qualquer nova oportunidade, fiz a única coisa que me restava fazer, e voltei a emigrar para os Estados Unidos. Não era isso que eu queria, mas recusava-me a morrer, ponto final parágrafo.

    Durante os três anos desse período que acabou por ser extremamente emocionante, estive a estudar até mesmo ao fundo para o nosso livro[1] tudo o que acontecia às pessoas que se metiam nas rodas dentadas das mais de quarenta técnicas existentes à época de Reprodução Medicamente Assistida[2], e a dar aulas fantásticas a alunos sobredotados.

    E, ao mesmo tempo, voltei outra vez a guiar debaixo do grande silêncio da neve, e depois a curtir as noites mornas, encharcadas em pirilampos gigantescos, que assinalavam a passagem do Verão. A verdade é que, sozinha nesta grande aventura, subi de nível, me tornei completamente bilingue, deixei de precisar da ajuda fosse de quem fosse, e essa sensação de liberdade e qualidade tornou a minha pesquisa absolutamente maravilhosa…


    … A minha nova capacidade profissional começou a funcionar cada vez melhor. Os nossos avaliadores, que inicialmente me criticavam porque eu lhes parecia demasiado irónica, ficaram absolutamente boquiabertos quando eu integrei no texto um parágrafo simples e divertido, onde se explicava que também eu era estéril, também eu tinha feito quatro tentativas de fecundação in vitro (FIV) em quatro meses seguidos, também eu depois naufragara numa enorme depressão que incluiu duas tentativas de suicídio, portanto podia escrever com toda a segurança e todo o conhecimento de causa de quem conhece muito bem o terreno, e depois do que lhe aconteceu passou a vida a ajudar outras mulheres a recomporem-se através da terapia do riso[3].

    De maneira que, às tantas, o Scott já nem se preocupava com as críticas e os comentários deles, porque aquilo era quase tudo para mim; tal como não se preocupava em reler o que eu escrevia de volta. E eu sentia-me cada vez mais fluida, cada vez mais em uníssono com o que os nossos colegas que nos avaliavam nos pediam.

    Ganda ping-pong intelectual e eu no centro, topam?

    Caraças.

    Foi muito bom.

    Profª Drª Clara Pinto-Correia, em pose

    Finalmente, em 2018 o livro foi publicado pela Columbia University Press[4] com o título[5] FEAR, WONDER, AND SCIENCE in the new age of biotechnology. Recebeu logo várias críticas muito positivas, umas de colegas nossos e outras de espontâneos frequentadores da Amazon ou outros espaços desses[6].

    Os japoneses gostaram tanto dele que acto contínuo o compraram e o publicaram, sendo que, pelo meio, nos convidaram aos dois para uma semana de conferências em várias grandes universidades japonesas.

    Mas em Portugal não se ouviu nem um pio, e eu fiquei logo toda arrepiadinha.

    Em Portugal, onde seria tão importante um bom manual de informação séria mas legível, e até divertida, sobre todos estes temas.

    Em Portugal, onde as pessoas são de tal forma ignorantes que continuam a usar o arcaico e insultuoso “barriga de aluguer”, em vez do estipulado “mãe hospedeira[7]”.

    Quer dizer, era impossível ser eu que estava a inventar mais assassinatos.

    Ainda mandei dez dos vinte exemplares a que tive direito para algumas pessoas muito importantes que costumavam ter muita consideração por mim, com dedicatórias de página inteira, todas elas muito bonitas e terminalmente metafóricas; e essas pessoas não mandaram dizer nem obrigadinho ó peste negra.

    Que chata, esta gaja.

    Epá, ouça lá, de uma vez por todas…

    A senhora faça o favor de meter na cabeça que está morta, está morta, está morta.

    Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora


    [1] O meu parceiro era o Scott Gilbert, consensualmente considerado o Grande Papa da Biologia do Desenvolvimento, com um livro de texto universal que, à época, já ia na 11ª edição [N.R. A obra em causa, Develpment Biology em co-autoria com Michael Baresi, vai agora na 12ª edição]

    [2] A gente diz RMA, e a coisa parece logo mais fina.

    [3] Esta especialidade psicológica existe mesmo. Procurem Helena Águeda Marujo no browser.

    [4] Em termos académicos, e só para dar uma ideia, é consensualmente considerada uma das melhores editoras do mundo.

    [5] Da autoria do Scott, que é muito bom nestas coisas de títulos, subtítulos, capítulos, e até poemas inteiros sobre proteínas e genes.

    [6] Experimentem pôr o título no vosso motor de busca!

    [7] Esta mudança de terminologia foi universalmente adoptada nos anos 90 num grande congresso na África do Sul, precisamente por ser por demais insultuosa para as mulheres que asseguram a gestação de filhos de outros. Alguém chama às prostitutas “vaginas de aluguer”? E desde quando é que o útero da mulher pode ser separado do resto do seu corpo?

  • Suécia: os frios ventos da mudança

    Suécia: os frios ventos da mudança


    No momento em que escrevia ainda se contavam os votos das eleições que ocorreram no passado domingo, para o Parlamento sueco. Os dois blocos que podem formar governo estavam separados por 0.7%. Em concreto, por um lado, 49% para a “geringonça” formada por socialistas, comunistas, verdes e centristas; e, por outro, 49.7% para a aliança de direita formada pelos moderados (o mais parecido com o PSD sueco) liberais, democratas-cristãos e democratas suecos (o Chega local).

    Até ver apenas três partidos ganharam votos relativamente às últimas eleições: socialistas, verdes e nacionalistas, sendo que estes últimos, com uma forte campanha contra os emigrantes, passaram a ser a segunda força política no Parlamento sueco.

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    Toda a discussão em torno dos emigrantes é interessante, mas deixá-la-ei para outro texto, depois de ver a constituição do Governo. Aquilo que, de facto, me intriga nesta retórica da emigração são os números.  Na Suécia, como em Portugal, o saldo de emigrantes que contribuem para o país com impostos é esmagador, quando comparado com os que beneficiam das ajudas.

    Ainda assim, lá como cá, a narrativa de que “vivem à nossa conta” vai rendendo dividendos. Seria até interessante que deixassem a Suécia apenas recheada de louros. Gostava de ter dedos para contar as falências no dia em que os dois milhões de emigrantes e descendentes arrumassem a trouxa.

    Há ainda assim uma saturação da população com o actual estado de coisas. Isso parece-me óbvio. Julgo que não será pelo comportamento do Governo durante a pandemia, onde foi, provavelmente, o melhor e o que mais respeitou as liberdades individuais em toda a Europa.

    Mas as repetidas crises de refugiados parecem ter deixado marca. A Suécia ainda não aluga terreno no Ruanda para enviar para lá os desesperados que fogem das guerras (como faz por exemplo a vizinha Dinamarca), mas as portas vão-se, lentamente, fechando.

    Resultados das eleições legislativas às 12:00 horas de hoje. Fonte: Aftonbladet.

    Um em cada cinco eleitores votou no partido que anunciou no Twitter que a próxima paragem da comunidade afegã seria Cabul. E apenas com bilhete de ida.

    Os liberais anunciaram que queriam as ruas livres de islâmicos e até os moderados (PSD), entraram no ataque racista na tentativa de captarem alguns votos à extrema-direita.

    Como a cópia nunca é melhor que o original, acabaram por contribuir para a subida dos nacionalistas. Aliás, em todo este processo há vários pontos de contacto com Portugal. Ulf Kristersson, líder dos moderados comprometeu-se em 2019, aquando de uma visita a uma sobrevivente do Holocausto, a nunca colaborar com os nacionalistas.

    Agora, sendo imperativa a sua presença para que a direita seja governo, apressa-se a discutir pastas e alianças com Jimmy Åkesson, o André Ventura lá do burgo. Parece uma repetição dos Açores com as contradições de Rui Rio, de então, a serem agora refletidas na governação sueca.

    Os socialistas foram o partido mais votado com os comunistas a aparecerem com a quarta força. Democratas-cristãos e liberais aparecem, respectivamente, em sexto e sétimo.

    Não me sinto particularmente confortável que 20% da população vote num partido que persegue etnias, raças ou credos, mas fico ainda mais perplexo com a incoerência do povo. Há pouco mais de dois meses, metade da população disse que queria entrar na NATO por receio da Rússia de Putin. Agora votam em massa num partido simpatizante com a política do nosso Vladimir, um dos vários que, de Budapeste a Varsóvia, passando por Paris e Roma, ali encontraram um parceiro.

    À direita há a promessa de baixar impostos e, claro, reduzir o Estado Social. Esse mesmo que faz da Suécia o primeiríssimo Mundo onde ninguém morre à porta de um hospital ou adormece na rua. O sítio onde a progressividade dos impostos não se destina a parcerias público-privadas (PPPs), a bancos ou a estradas sem fim, mas sim a educação universal e ajuda à população.

    Na Suécia recebemos o que pagamos em impostos. Tudo. Da creche à universidade, da Segurança Social ao desemprego. Até quando, é o que nos falta descobrir.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Portugal vai ter um GRITE – Gabinete de Registo das Incompetências e Trapaças do Estado

    Portugal vai ter um GRITE – Gabinete de Registo das Incompetências e Trapaças do Estado


    O Ministério do Ambiente e da Acção Climática e o seu titular, Duarte Cordeiro, estão tão imbuídos da missão de facilitadores e fazedores do Bem que, enfim, até na fase de consulta pública do denominado Simplex Ambiental – ou, mais pomposamente, do diploma que visa a “simplificação de licenças e procedimentos para empresas na área ambiental” – dão dicas para quem quiser comentar ou tecer recomendações, até amanhã.

    Escrevem eles – ou, enfim, o Governo – que se deve incluir “uma reflexão sobre impactos em termos de custos de contexto (i.e., aumento ou diminuição de encargos associados ao cumprimento das obrigações legais que decorram desta iniciativa legislativa)”, e que se considere “o custo de oportunidade associado ao tempo em que os procedimentos administrativos ficam parados (ou seja, a duração média dos processos de licenciamento) (…), bem como ao facto de, na prática, não ser possível, muitas vezes, beneficiar efetivamente da figura do deferimento tácito.”

    Duarte Cordeiro, ministro socialista do Ambiente e Acção Climática

    O diabo costuma estar nos pormenores; mas, neste caso, aparenta estar em toda a proposta, e em todo o seu esplendor. Todo o diploma cheira mal em cada um dos seus poros.

    Sejamos claros: com este diploma – que também elimina a obrigatoriedade de muitos projectos de apresentarem avaliação prévia do impacte ambiental (em grande parte sob o “chapéu” da urgência de medidas de descarbonização, bondade que parece justificar tropelias e atropelamentos) –, o Governo não deseja desburocratizar.

    Não o move, na verdade, encurtar prazos para o avanço daqueles projectos com impacte ambiental que, com a devida e ponderada “regulação” da Administração Pública, mereceriam sempre uma aprovação. Se assim fosse, bastaria ao Governo eliminar algumas redundâncias burocráticas, e apostar sobretudo num reforço dos meios humanos e técnicos, retocando a logística administrativa. Aumentava-se a eficiência da máquina administrativa, e eis que tínhamos prazos encurtados e tramitações simplificadas.

    Ah, mas isso não! O Estado não quer instruir nem treinar os “jogadores” que lhe batem à porta, fazendo com que acertem as suas bolas numa baliza estreita. O bondoso Estado – ou melhor, o Governo que circunstancialmente detém o poder de gerir o território do país – está disposto a arranjar uma baliza gigantesca, onde tudo caberá: os projectos normais, que seriam aprovados mesmo com avaliação de impacte ambiental, e, enfim, os outros projectos “anormais” que, com as actuais regras do jogo, jamais seriam aprovados.

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    Portanto, assim se conseguirá, com o álibi de acelerar prazos – como se o ontem já fosse tarde para os amanhãs gloriosos – autorizar todas as tropelias.

    Porém, aquilo que verdadeiramente me assusta neste diploma é a figura do “deferimento tácito”. Causa-me calafrios. Apetece logo puxar da pistola (leia-se, caneta) e disparar sem perguntas nem remorsos.

    Sou jornalista desde os anos 90, e ademais comecei no jornalismo ambiental e de urbanismo, pelo que bem sei o significado de um “deferimento tácito”: caminho aberto para esquemas menos claros.

    Para quem não conhece o termo, o deferimento tácito significa uma aprovação por ultrapassagem do prazo de análise pelo Estado. Ou seja, é um prémio concedido pelo Estado à incompetência involuntária ou intencional da Administração Pública. Ou ainda um prémio ao requerente que, por “artes mágicas”, consegue que, algum funcionário estatal ou membro do Governo, vá colocando outros projectos em análise sempre em cima do seu, de modo que, enfim, hélas, o prazo passa… e voilà, aprovação.

    No diploma em causa, promovido pelo bondoso ministro Duarte Cordeiro, conta-se 25 vezes o termo “deferimento tácito”, e lá estão estabelecidos, em detalhe, os trâmites, céleres e desburocratizados, para a obtenção de um “licenciamento de secretaria”. Portanto, passa o prazo, e o promotor de um determinado projecto tem a garantia de que, fazendo um requerimento electrónico, a Agência para a Modernização Administrativa lhe passará uma “certidão no prazo de três dias úteis”, após os serviços tutelados pelo ministro do Ambiente confirmarem, no prazo de um dia, que houve deferimento tácito. Se os serviços do ministro do Ambiente nada disserem em um dia, segue a certidão à mesma.

    Modelo de requerimento previsto no Simplex Ambiental para o pedido de deferimento tácito.

    Só para mostrar que não se cumpriram prazos de análise, o Estado mostra rapidez e eficiência.

    Tão competente se mostra Duarte Cordeiro em prever os momentos de incompetência da Administração Pública que, vejam lá, até já se preparou um “modelo de certidão de deferimento tácito” (vd. página 128 do Simplex Ambiental).

    Reza assim: “A presente certidão atesta que (colocar a firma ou nome do interessado) obteve uma (colocar a designação legal do tipo de ato requerido e que foi obtido por deferimento tácito) para (identificar a atividade permitida através do ato de deferimento tácito). As autoridades públicas competentes devem, para todos os efeitos legais, assumir que a (colocar a firma ou nome do interessado) obteve todos os atos necessários para a realização da atividade em causa junto das entidades competentes, não podendo, designadamente, aplicar coimas por ausência da licença/autorização/permissão necessária para o desenvolvimento desta atividade.

    Eis como se produzirá um salvo-conduto para todo o tipo de arbitrariedades, sob a capa da bondade da transição energética, para salvar o Planeta do aquecimento global torpedeando todos os princípios de conservação da Natureza que demoraram décadas a consolidarem.

    E vejam lá ainda, pormenor relevante: Duarte Cordeiro é tão amigo do deferimento tácito que até o concede mesmo se o requerente nunca tiver pagado quaisquer taxas enquanto aguardava que a Administração Pública se mantivesse incompetente.

    Perante isto, tenho uma proposta para Duarte Cordeiro: em vez de ser a Agência para a Modernização Administrativa a gerir os deferimentos tácitos, crie o GRITE, acrónimo de Gabinete de Registos das Incompetências e Trapaças do Estado. Pelo menos, fica mais claro aquilo que sairá deste Simplex Ambiental.

  • A Europa de von der Leyen não é só dela; é também a minha (e a tua) Europa

    A Europa de von der Leyen não é só dela; é também a minha (e a tua) Europa


    Muitos foram os discursos de políticos e burocratas de Bruxelas que ouvi ao longo de mais de duas décadas como jornalista. Invariavelmente, têm pontos semelhantes. Vamos ficar “mais fortes”, “mais unidos”, sendo sempre “solidários”. A Europa vai conceder “ajudas” e “apoios” para investimentos e “desenvolvimento” deste ou daquele setor, desta ou daquela indústria, consoante o tema popular da época. E a Europa vai prevalecer.  

    É comum haver referências nos discursos a “direitos humanos”, “democracia”. E, de novo, “solidariedade”. A moda do “temos de cuidar uns dos outros” ganha forma nos últimos discursos. Sendo que ainda não percebi se é só aplicável à “plebe” ou se também se aplicará essa máxima aos poderosos e aos seus amigos em multinacionais e bancos, aqueles que andam em jactos privados e a quem nunca faltará água nem luz.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, e Vladimir Putin na Conferência de Berlim, em 19 de Janeiro de 2020

    Em todo o caso, a expressão “cuidarmos uns dos outros” e pelo “bem comum” ditas por políticos e burocratas europeus faz-me hoje lembrar mais – e de forma arrepiante – o regime totalitário Chinês, devido ao comportamento de Bruxelas na pandemia. 

    O discurso da presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, falhou em trazer algo de novo. Cumpriu o esquema habitual dos discursos escritos pelas equipas de comunicação: mostrar força, identificar inimigos a combater (“nós, os heróis e bons, contra os vilões e maus) e, claro, esperança, solidariedade. Muita esperança e solidariedade. E paz no Mundo, como nos concursos das “Misses”. 

    Estes discursos fazem-me lembrar os guiões já escritos e repetidos pelos vendedores de call centers. A pessoa do lado de lá do telefone muda. Mas o guião para vender o seguro ou ou serviço de TV e Internet é sempre o mesmo. 

    Gostaria de estar aqui a escrever algo diferente. A aplaudir o discurso de um líder europeu, que mostrasse um caminho claro de prosperidade e bem-estar para a Europa e os seus cidadãos, com a promoção da diversidade e inclusão, e com reformas urgentes e políticas e decisões de investimento estudadas e a pensar no longo prazo.   

    Xi Jinping, presidente da República Popular da China

    Mas, no discurso de von der Leyen, vi o habitual. Dinheiro que será transferido para o desenvolvimento de certos negócios e setores de atividade para encher os bolsos de alguns a pretexto de uma “necessidade” e uma crise que, por acaso, foi criada por decisões políticas irresponsáveis.

    A distração gerada em torno do “inimigo a combater” – da China à Rússia. Como se a Europa não tivesse os seus próprios inimigos cá dentro, bem no coração do Velho Continente. Os “inimigos” de hoje são os “amigos” de ontem e serão, de novo, os “amigos” de amanhã, consoante as conveniências políticas, económicas e financeiras. Mas servem bem como distração dos verdadeiros inimigos e problemas dos europeus. Um inimigo exterior distrai o “povo”. Resulta sempre.

    Nos últimos dois anos, tudo o que a Europa representava no Mundo foi reduzido a pó pela Comissão Europeia. E von der Leyen tem sido o rosto dessa destruição e dessa traição à Europa. 

    Foram enterrados direitos humanos. Foram eliminados direitos civis. Foi implementado um regime de segregação, com cidadãos de classe A e de classe B. Responsáveis da Comissão Europeia proferiram discursos de incentivo ao ódio contra europeus que optaram por se manter sem vacinas contra a covid. Chegaram a falar em pandemia de não vacinados – o que era totalmente falso.  

    white and black printed paper

    Foram introduzidas leis e normas que limitam o direito à informação por parte da população e reprimem a liberdade de expressão. Foram promovidas barreiras à transparência, o que tanto favorece a corrupção e negócios opacos e lesivos para os cidadãos – veja-se o caso dos contratos com farmacêuticas. A Ciência foi substituída por uma religião ligada às farmacêuticas e interesses políticos, com cientistas de renome a serem ignorados e as suas opiniões e avisos a serem postos de lado.  

    Destruíram-se pequenos e médios negócios enquanto bancos e grandes grupos reforçam lucros. Criou-se pobreza, aprofundou-se a desigualdade e retirou-se ainda mais dignidade a trabalhadores. O estado da economia, o disparar dos preços dos bens e serviços, a diminuição do poder de compra, são um espelho de políticas irresponsáveis levadas a cabo na Europa, nos últimos dois anos. 

    Mas, o pior de tudo, foi a destruição causada ao nível de vidas. O número de vítimas covid é um pavor em comparação com países que aplicaram medidas fundamentadas cientificamente e com bom senso (com a Suécia a sobressair nesta matéria).

    O número de mortes em excesso em países europeus é hoje um pavor. Portugal está no topo. Estão a morrer mais adolescentes e jovens, incluindo em Portugal. Não há investigações independentes ao que se está a passar. Não se quer investigar nem perceber. Mas sabe-se que os confinamentos foram destrutivos e sabe-se que faltou o bom senso e a verdadeira Ciência em medidas aplicadas em países europeus, incluindo Portugal.

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    (Basta lembrar a promoção da concentração de consumidores nos supermercados, aos sábados de manhã, em plena pandemia, entre muitos outros exemplos.)  

    O apoio à guerra na Ucrânia e a solidariedade para com os ucranianos – esta, naturalmente necessária – foi o motivo usado para, de forma consciente e intencional, os líderes europeus atirarem a Europa para um possível Inverno gelado e sabe-se lá quais os direitos civis e humanos que serão pisados com o pretexto de “crise energética” e das alterações climáticas. 

    Este é o Estado da Nação na Europa.

    Mas, algo de muito positivo tem acontecido nos últimos dois anos. Cidadãos têm-se levantado e expressado a sua voz em defesa dos valores europeus e do modo de vida europeu. Cidadãos têm-se unido em comunidades, em projetos ecológicos, têm criado movimentos, empresas, projetos. Cidadãos têm-se conectado, têm debatido. Têm-se manifestado.

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    Além dos burocratas e políticos de Bruxelas, com os seus discursos preparados e amigos em multinacionais, existe toda uma Europa vibrante, viva e poderosa, livre, solidária, constituída pelos seus cidadãos, famílias, empresas. Eles são a alma deste Continente e, com as suas culturas, semelhanças e diferenças, fazem, no seu dia-a-dia, esta Europa em que vivemos, com o que tem de bom e o que tem a melhorar. 

    Honestamente, é nesses que tenho esperança. Nos europeus e nos que, não sendo europeus, encontraram na Europa a sua casa. Esperança que se unam cada vez mais em comunidades e projetos em comum. Que criem negócios e empregos. Que criem famílias.

    No entanto, numa coisa concordo com Ursula von der Leyen: a democracia está em risco. E, no caso da Europa, a presidente da Comissão Europeia é uma das responsáveis por ter colocado a democracia em perigo, com as políticas seguidas desde 2020.

    Se nada fizermos para promovermos o debate e para se implementarem políticas alternativas às que têm sido seguidas por Bruxelas, a Luz que a Europa foi outrora para o Mundo extinguir-se-á.  

  • Pode não parecer, mas estamos a prevalecer bem para vencer melhor…

    Pode não parecer, mas estamos a prevalecer bem para vencer melhor…


    Ursula von der Leyen discursou esta manhã em Bruxelas uma boa horita. Ou como Fidel lhe chamaria, “uns bons cumprimentos iniciais”.

    Garantiu algumas coisas que me deixaram deveras descansado, logo a mim, confesso contribuinte europeu preocupado.

    Desde logo disse que “Putin falhará e a Ucrânia e a Europa prevalecerão”, e que as sanções à Rússia são para manter, e que as ajudas financeira e militar para a Ucrânia são para manter. Positivo: até porque, como se tem visto, este é um caminho de sucesso… Garantido!

    Ursula von der Leyen, ao centro, ladeada pelas comissárias europeias.

    Depois ainda explicou que a Europa e as suas democracias vão prevalecer, e que Putin falhará. Uma vez mais, parece-me uma excelente abordagem; porém, fico meio baralhado com a inclusão da nouvelle democracia ucraniana.

    Como sabemos, antes da invasão, a Ucrânia era um estado altamente corrupto, e naqueles rankings da limpeza aparecia ali bem pertinho da Rússia. Coloquemos os pontos nos iis: se, de repente, a Coreia do Sul invadisse a Coreia do Norte, não passaremos todos a dizer que uma democracia saudável foi invadida, certo?

    Uma merda maior invadiu uma merda mais pequena, tudo certo. Mas, por favor, evitem o discurso do Bem contra o Mal, e, especialmente, não besuntem merda com aroma de rosa, porque o cheiro não muda.

    A Rússia tem que perder esta guerra, e a Ucrânia, no cenário ideal, não deveria perder um metro de terra. Foi o que defendi na altura do Kosovo, Geórgia e qualquer outra anexação – não vou falar na mais antiga para não aborrecer os não-camaradas.

    Portanto, mantenho a coerência. Agora, não pintem a Ucrânia como vales verdejantes cheios de Heidis, porque aquilo não é, e nunca foi, algo parecido com uma democracia saudável ou de padrões europeus.

    Por fim, no seu discurso, Ursula, sabe-se lá porquê, ainda invocou a Elisabete II como exemplo maior dos valores europeus e da democracia. Aí já não dá Ursula… f$#@-se. Quem é que te escreve os discursos? Uma rainha que foi a zero eleições é um exemplo de democracia? Perdi alguma aula na escola e passei a História administrativamente, enquanto os conceitos eram alterados nos gabinetes?

    Entretanto, Lagarde ouviu este discurso e puxou logo da calculadora para encontrar o próximo aumento da taxa de juro. Aguardo em pulgas…

    Fiquei, contudo, na dúvida apenas em duas ou três coisitas, que talvez um de vós, mais estudado, me possa elucidar.

    Quem nos pede tantos esforços, e discursa de forma épica, sentindo-se um Churchill de Bruges, por acaso também leva cortes salariais? Perde poder de compra? Paga prestações ao banco? Passa anos com o mesmo salário?

    É que, se percebi bem, pode não ser o caso.

    A Europa prepara-se para ajudar os seus cidadãos nas faturas da electricidade – julgo que virá um pacote para as rendas de casa e a própria Ursula, certamente imbuída de um espírito venezuelano, já disse que é altura de limitar os preços e taxar as petrolíferas pelos lucros extraordinários.

    Portanto, vivemos uma fase de lucros desmesurado, jackpot de impostos, migalhas e esmolas para o povo e nada de aumentos salariais reais.

    Assim sendo, julgo que estamos a prevalecer bem para vencer melhor. Por mim é continuar:  também não tinha nada de especial planeado para os próximos cinco ano anos.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Inflação: foi V. Exa. que pediu uma desculpa? Ou deseja antes uma explicação?

    Inflação: foi V. Exa. que pediu uma desculpa? Ou deseja antes uma explicação?


    Há umas semanas, Vítor Constâncio deu uma entrevista à RTP a respeito da inflação, com aquele ar doutoral que o caracteriza (cansado até), a viver o “produto” de muitos anos de milionárias sinecuras oferecidas pelo partido em que sempre militou. Com um semblante que parecia reflectir um certo enfado, lá respondeu às perguntas do jornalista José Rodrigues dos Santos, que parecia, sem ironia, vir bem preparado.

    Este último iniciou a entrevista com a seguinte questão:

    – Não terá o Banco Central Europeu (BCE) actuado demasiado tarde em relação à inflação?

    blue and yellow star decor

    Em resposta, Vítor Constâncio utilizou mais ou menos estas palavras: – A inflação, até Agosto do ano passado (2021), esteve sempre abaixo de 3%, ou seja, enquadrada no objectivo de 2%. Só no final de 2021 a coisa piorou, passando os 3% e por aí fora, até ter ficado evidente que teria de existir um ciclo de subida de taxas de juro, iniciando-se mais cedo nos Estados Unidos. Qualquer variação das taxas de juro leva tempo a produzir efeitos.

    Seguidamente, Rodrigues dos Santos ripostou: – Não deveria ter ocorrido uma actuação mais cedo, dado que agora temos a inflação a destruir os salários?

    Vítor Constâncio voltou a responder com um ar professoral: – As taxas de juro demoram tempo a fazer efeito e, por conseguinte, mesmo que tivesse ocorrido uma actuação mais atempada, não teria havido grande diferença na taxa de inflação que hoje temos…”porque… repare… os grandes pulos na inflação deveram-se a grandes choques internacionais de preços; primeiro o Petróleo, depois a alimentação, o trigo e outros produtos alimentares intermédios… que deram origem ao aumento dos preços”.

    Vítor Constâncio, antigo vice-presidente do Banco Central Europeu

    Interrompendo, Rodrigues dos Santos retrucou direito à “ferida”, com estas palavras: – Mas não houve uma enorme impressão de moeda pelo BCE por alturas da pandemia?

    Eis que o “professor” contesta com enorme protérvia: – A impressão de moeda não é a causa da inflação que se atribuiu durante muito tempo, na chamada visão monetarista das coisas. Veja que, entre 2008 e 2015, 2016 e mesmo 2017, ocorreu impressão de moeda, ou seja, um aumento espectacular do balanço dos Bancos Centrais e não houve inflação durante todos esses anos! Portanto, essa teoria da emissão monetária não tem aqui grande justificação. O ponto aqui é que a inflação começou com choques externos, primeiro na energia, depois na alimentação e, claro, começou a partir de certa altura, mas só este ano, nos preços internos. A política monetária tem de tentar mitigar precisamente isso.

    Resumamos então as palavras de Vítor Constâncio:

    1 – A impressão de dinheiro não tem qualquer relação com a inflação;

    2 – A inflação, que estamos presentemente a viver, é fruto de um truque de prestidigitação: o resultado de choques internacionais nos preços, gerando “pulos”.

    Mas esta propaganda estatal não se ficava por aqui. Na semana passada, no inacreditável discurso da esmola, o nosso primeiro-ministro atirava: “… consequência da pandemia e, sobretudo, da guerra da Rússia contra a Ucrânia, temos vindo a sofrer um brutal aumento da inflação que atinge duramente o poder de compra das famílias…”. Aqui a inflação não apareceu por magia, digamos por choque, mas já foi consequência da pandemia e da guerra na Ucrânia.

    stack of books on table

    Importa deixar algo claro a estes senhores que o único responsável pela inflação é o Governo, pois tem o monopólio da emissão de moeda, através do seu Banco Central, juntamente com o sistema bancário – que apenas pode operar caso possua uma licença bancária – , que igualmente emite moeda quando concede créditos por contrapartida da emissão de moeda.

    Mais ninguém gera inflação. Não é o Putin, não é a “pandemia”, nem tão pouco são os “choques ou os pulos” dos preços.

    Quem gera inflação é o Banco Central e o sistema bancário por si licenciado e supervisionado – mais ninguém!

    Como expliquei neste vídeo, quando há emissão de dinheiro não ocorre qualquer produção de bens ou serviços, não há aumento de riqueza, apenas a sua redistribuição. É como uma pirâmide de flutes de champanhe: os copos mais próximos do topo (neste caso, os mais favorecidos e os apaniguados do Estado) são os primeiros a receber o champanhe; enquanto os que estão abaixo (os pobres) recebem apenas gotas, mas já a saberem mal, em resultado de preços inflacionados.

    A inflação é, na verdade, um roubo dos ricos e poderosos aos pobres, nada mais. Os ricos vêem os seus activos e propriedades a valorizar, o Governo vê as suas receitas a disparar e a dívida pública a diminuir, tanto em termos reais como em peso do Produto Interno Bruto (PIB).

    Vítor Constâncio diz-nos que, entre 2008 e 2017, houve uma impressão massiva de moeda, mas não houve inflação. Diríamos mesmo que, desde o final de 2008, não aconteceu outra coisa que não seja a impressão massiva de moeda e inflação. Vejamos o balanço do principal Banco Central do Mundo: a Reserva Federal norte-americana (FED).

    Evolução do balanço da Reserva Federal norte-americana entre 2009 e Agosto de 2022, em biliões de dólares. Fonte: St. Louis Fed; Análise do autor

    Entre o início de 2009 e o final de 2017, o balanço duplicou, ou seja, subiu 110%, a um ritmo anual de 8,6%. Esta emissão é amplificada 10 ou 20 vezes pelo sistema bancário, pois esta nova moeda é creditada a seu favor, podendo assim conceder crédito com uma pequeníssima fracção destas reservas.

    Isto foi o que precisamente sucedeu durante aquele período até ao início da “pandemia”: os bancos norte-americanos concediam crédito com juros de 0% às grandes empresas, como a Apple ou a Tesla, por contrapartida da criação de moeda – ou seja, inflação. Com esta liquidez compravam as suas próprias acções nas bolsas de valores e faziam subir as cotações. Uma redistribuição a favor dos accionistas destas empresas, algo que o Dr. Vítor Constâncio não se deve ter apercebido seguramente.

    Vamos utilizar um momento-chave dos Bancos Centrais, quando a administração do Banco Central Europeu (BCE) – na altura presidido por Mario Draghi, e com Vítor Constâncio a ocupar a vice-presidência – anunciava a 26 de Julho de 2012: “… está pronto para fazer o que for necessário para preservar o euro; e acreditem que isso será suficiente…”.

    O que é que aconteceu com as cotações das principais acções norte-americanas e os principais índices bolsistas no período entre Julho de 2012 e o início da “pandemia”, no final de Fevereiro de 2020: a Tesla subiu 2 521%, ao ritmo anual de 54% ao ano, a Amazon 845%, ao ritmo anual de 34%, e por aí a fora. Para os multimilionários norte-americanos, este período foi de enorme bonança. A inflação seguia inteiramente a seu favor.

    Retorno do preço da acção ou pontos do índice entre 26 de Julho de 2012 e 28 de Fevereiro de 2020
    (Unidade: %; medido em Euros). Fonte: Yahoo Finance. Análise do autor.

    O que é que aconteceu com o imobiliário para o mesmo período: o índice “S&P/ Case-Shiller U.S. National Home Price Index”, que mede os preços do imobiliário para as principais cidades norte-americanas, subiu 50% entre Julho de 2012 e o início da “pandemia”, a um ritmo anual de 5,4%, muito longe da suposta inexistente inflação que nos anunciava Vítor Constâncio na entrevista.

    Mas podiam dizer-nos que os lucros da Tesla foram excepcionais e subiram vertiginosamente durante este período, justificando tal subida meteórica. Não, nada disso. Entre 2012 e 2019, a Tesla nunca apresentou lucros para nenhum exercício. Em 2017 até apresentou perdas colossais de 1,9 mil milhões de dólares (fonte: Macrotrends).

    Mas agora vamos ver o que aconteceu com as obrigações que foram objecto de ajuda por parte do BCE de Vítor Constâncio, após anúncio salvífico do euro em Julho de 2012.

    Na figura seguinte podemos ver que inflação foi coisa que “nunca existiu”, em particular para as obrigações gregas que subiram 644%, ao um ritmo anual de 22%, desde o épico anúncio de Mario Draghi até aos nossos dias. Tratou-se de um verdadeiro milagre para um Estado falido, que tem hoje uma dívida pública superior a 220% do PIB e que, antes da ajuda de Mario Draghi, se financiava nos mercados acima de 35%!

    Evolução mensal do preço e da taxa de juro implícita das obrigações emitidas pelo Estado grego com maturidade a 10 anos (Unidade: índice e %). Fonte: Investing (Thomson Reuters Greece 10 Years Government Benchmark). Análise do autor

    Para o mesmo período, as obrigações portuguesas subiram 146%, as espanholas 86% e as italianas 61%, uma verdadeira festa para bancos e multimilionários, que à boleia da inflação dos Bancos Centrais viram uma importante fracção da riqueza mundial ser canalizada directamente para os seus bolsos.

    Mas eis que chegou um vírus com uma taxa de sobrevivência superior a 99%: era necessário imprimir dinheiro como se não houvesse amanhã. Pela primeira vez, os Estados deixaram de se preocupar com quem lhes pagava a conta. O processo foi e é simples: enormes défices financiados com a emissão de obrigações e adquiridas pelos Bancos Centrais por contrapartida da emissão de moeda. Inflação sem limites!

    No caso do Banco Central norte-americano, o FED, desde o início da “pandemia” até hoje, subiu o seu balanço em 4,5 biliões de dólares (12 zeros); o BCE não ficou atrás, imprimindo praticamente a mesma quantia, neste caso em euros.

    Então o que aconteceu entre o início da “pandemia” e o início da guerra da Ucrânia? Como podemos ver na figura seguinte, o petróleo subiu 351%, ao ritmo anual de 121%.

    O petróleo, no final de Março de 2020, valia 20 dólares por barril (cerca de 18 euros) e no dia 23 de Fevereiro de 2022 – um dia anterior à invasão da Ucrânia pela Rússia – valia 92,1 dólares por barril (81,3 euros).

    Variação (%) do preço de diferentes matérias-primas entre 30 de Março de 2020 e 23 de Fevereiro de 2022. Fonte: Yahoo Finance. Análise do autor

    Para o mesmo período, a madeira subiu 323%, ao ritmo de 113% por ano, o gás natural 169%, ao ritmo anual de 68%, a aveia 155%, ao ritmo anual de 64%, e por aí fora.

    A impressão massiva de dinheiro para as pessoas “ficarem a casa”, enquanto se lhes dizia que iria “ficar tudo bem”, gerou uma enorme inflação. Não foi o resultado de um truque de magia, mas uma inflação deliberadamente criada pelos Governos.

    Será que estas subidas foram mais ou menos acentuadas após o início da guerra da Ucrânia?

    A partir de 22 de Fevereiro até finais de Agosto, de entre 22 matérias-primas, apenas sete subiram a um ritmo anualizado superior – assinaladas a cinzento –, ou seja, 30%, aproximadamente.

    Variação (%) do preço de diferentes matérias-primas entre 23 de Fevereiro de 2022 e 29 de Agosto de 2022. Fonte: Yahoo Finance. Análise do autor.

    Destaque para o gás natural que subiu 131% até ao final de Agosto de 2022, a um ritmo anual de 411%. Esta subida deve-se, não só à inflação criada pelos Bancos Centrais, mas também à “estúpida” política de sanções da União Europeia (UE).

    Em conclusão, a presente inflação que estamos a viver é da exclusiva responsabilidade dos Governos, que têm o monopólio da emissão de moeda, juntamente com o sistema bancário com uma licença governamental, que lhes autoriza a prática de reservas fraccionadas, uma prática altamente inflacionária.

    Numa primeira fase, esta “loucura” foi apenas um fenómeno de ricos: carros antigos, arte, acções, obrigações, imobiliário, passes de jogador de futebol, imobiliário…

    black and silver laptop computer

    Numa segunda fase, a impressora trabalhou com tal intensidade, que a massa monetária criada foi parar essencialmente às mãos dos apaniguados do Governo, a quem lhes foi proporcionada uma procura completamente artificial e desnecessária: testes, máscaras, vacinas, contratação de funcionários públicos de forma massiva, subsídios para o “fique em casa”, etc.

    Esta “liquidez” foi usada para adquirir bens que fazem parte do cabaz de compras utilizado para medir a inflação. Desta vez, não foi possível ocultar, daí a necessidade da propaganda e dos truques de prestidigitação.

    A inflação é o aumento de massa monetária: isto é, um monopólio do Governo e do sistema bancário autorizado pelas autoridades. Nada mais.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM.

  • A pandemia nas prisões

    A pandemia nas prisões


    Quem nunca esteve na prisão não sabe como é o Estado, Leon Tolstói

    A covid-19 fez, em Março de 2020, soar os alarmes no Ministério da Justiça.

    Ninguém sabia nada sobre a doença e a única preocupação era evitar que ela se propagasse.

    As cadeias tiveram, desde logo, o tratamento habitual quando se desconhece aquilo que se combate: o máximo de restrições.

    man holding chain-link fence

    A ignorância leva a seguir “a voz do povo” e, todos sabem, “vale mais prevenir do que remediar”.

    Aproveitando o Estado de Emergência, entretanto decretado, foi determinado que as visitas dos familiares fossem reduzidas ao máximo. De duas visitas semanais, de uma hora cada, passaram a uma única visita, por semana, e de meia hora.

    Deixaram de poder entrar três visitantes por recluso para passar a um único.

    Colocaram barreiras de acrílico entre reclusos e visitantes.

    Mas não distribuíram máscaras, nenhuma cadeia tinha uma gota de gel, não havia desinfectantes para as celas ou sanitários. Nem as famílias os podiam entregar sendo obrigatória a compra dos mesmos nas cantinas das cadeias (onde os preços são os de lojas gourmet).

    Veio a campanha de vacinação “que foi um êxito” com mais de 90% dos reclusos vacinados.

    low-angle photography of lighthouse

    Entretanto as crianças, presas com as mães, em Tires, não recebiam qualquer vacina. Sequer as do Plano Nacional de Vacinação.

    Talvez porque não estava na moda…

    O estado de emergência não foi renovado depois de 30 de Abril de 2021, pelo que, a partir de 1 de Maio desse mesmo ano, passou a vigorar a situação de calamidade, com muito menos restrições, que praticamente terminaram, por decisão do Governo, três meses depois, a partir de 1 de Agosto.

    Mas, é sabido, as cadeias são um mundo à parte.

    Rara é a Lei que ali é cumprida.

    man in brown jacket and brown pants holding black smartphone

    Nem mesmo a Lei de Execução de Penas, que devia reger a vida dos reclusos, é respeitada.

    Todos os dias, em todas e cada uma das prisões de Portugal, os reclusos são vítimas do atropelo às Leis por parte de quem a devia cumprir escrupulosamente. Até para, pelo exemplo, ajudar na reabilitação.

    Dificilmente se poderá encontrar uma maior perversidade do que esta do Ministério da Justiça não cumprir a Lei em relação a cidadãos privados da liberdade por também a não terem cumprido.

    Mas é o que acontece. Para vergonha de todos.

    Num momento em que a vida voltou ao normal – com estádios de futebol, espaços destinados a concertos, transportes públicos, repletos de gente sem máscara –, o que se passa no interior das cadeias?

    Em nenhuma prisão portuguesa se cumpre a lei das visitas, continuando as restrições quer no que respeita ao seu número (deviam ser duas semanais, com pelo menos uma delas ao fim de semana devido aos familiares que trabalham ou estudam); tempo de duração, que devia ser uma hora e não meia hora ou quarenta e cinco minutos, com permissão de entrada de três visitantes por recluso, e não um ou dois, com as crianças de um ano de idade a contarem como adultos.

    Para mais, cúmulo da ilegalidade, as visitas íntimas estão proibidas se os visitantes, ou os reclusos, não estiverem vacinados, mesmo que apresentando testes negativos.

    Isto sabendo-se que as vacinas não são obrigatórias.     

    Todas estas medidas podem ajudar na gestão das prisões.

    Quanto mais restrições, menos trabalho para guardas e funcionários.

    Se isso justifica o incumprimento da Lei é questão diferente. Mas com que poucos se preocupam.

    Únicas conclusões possíveis:

    A Tutela considera um êxito o facto de não ter morrido um único recluso, por covid-19, o que é, sem dúvida, um sucesso a registar.

    Ninguém comenta o facto do número de mortes, por diversas outras causas, e o de suicídios nas cadeias portuguesas – muito pelo agravamento das já péssimas condições de vida e pela quebra dos laços familiares – tenham aumentado, neste período, para o dobro do habitual.

    brown and white short coated dog in cage

    O modo como a covid-19 é encarada nas cadeias portugueses permite não só perceber o total desprezo do Poder Político em relação aos reclusos, e seus familiares, como também provar que as prisões são, no nosso país, feudos geridos à vontade dos directores e chefes de guarda sem qualquer supervisão do Ministério da Justiça ou, sequer, da Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais.

    E razão têm os que dizem que os muros das cadeias servem, principalmente, não para evitar que haja fugas, mas para que não se veja o que se passa lá dentro.

    Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso


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