Categoria: Opinião

  • António Costa sorri porquê?

    António Costa sorri porquê?


    É verdade! Apanhei de trombas com o primeiro-ministro António Costa a sorrir de férias… satisfeito não sei porquê.

    Ele está na capa de uma revista cor-de-rosa, e de um jornal de escândalos que alegadamente muito batalhou para o encontrar. Como se alguém acreditasse!

    António Costa não devia deixar-se fotografar em férias, porque é assunto da sua vida privada e, sobretudo, porque a maioria dos portugueses não têm népia de férias.

    O primeiro-ministro também não devia sorrir, porque tem nas mãos o maior caos de que há memória no Serviço Nacional de Saúde, com os serviços de obstetrícia fechados em vários hospitais. E pior! Em dias previstos, o que é uma vergonha!

    Vem tudo nos jornais e passa nas TV’s, onde se revela que a maioria dos portugueses ganha menos de 800 euros por mês.

    E que as grávidas não podem ter os filhos neste e naquele hospital, como se fosse um facto normal.

    Ou ainda, por exemplo, que as famílias estão a apertar o cinto, e os supermercados a ficarem desertos por causa da inflação descontrolada.

    Ou que o Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) estava para ser dirigido por uma pessoa alegadamente com um perfil duvidoso, que, entretanto, já se demitiu ou foi demitida.

    A vida do País corre muito mal. Por exemplo, com o ministro das Finanças, Fernando Medina, metido no imbróglio do Caso Sérgio Figueiredo, depois de ter deixado Lisboa na mão de especuladores imobiliários e repleta de centenas de prédios em ruínas e milhares de apartamentos desabitados.

    Infelizmente, os jornalistas estão a piar menos e entregam-se agora ao “jornalismo de precaução”, como já previa Baptista Bastos (BB), que andou a mendigar um trabalho no fim da sua brilhante carreira.  Quem não se recorda do seu livro de crónicas “As Palavras dos Outros”?

    Balsemão, antigo camarada de trabalho no Diário Popular, deu-lhe uma pequena tribuna na SIC, onde BB voltou a brilhar com a célebre pergunta: ” Onde é que estava no 25 de Abril?”

    Já ninguém quer saber dessa data histórica (com quase 50 anos) que nos devolveu à Europa democrática e moderna, mas que nos afogou em fundos comunitários que engordaram algumas pessoas, como se disse a boca cheia.

    A satisfação de António Costa em férias é pior que Cavaco Silva a comer bolo-rei de boca aberta.

    As senhoras e os senhores lembram-se?

    José Ramos e Ramos é jornalista (CP 214)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • As (minhas) sete Maravilhas do Mundo

    As (minhas) sete Maravilhas do Mundo

    Após mais de uma década de viagens, que incluíram visitas às sete Maravilhas do Mundo, selecionei os destinos que são, para mim, autênticos “tesouros”. É com esta seleção que inicio esta rubrica sobre as minhas viagens, aqui no PÁGINA UM: com uma “espreitadela” às “minhas” sete Maravilhas do Mundo. De seguida, inicio um ciclo de artigos, mais concretamente um Diário de Bordo. O destino? Um dos meus destinos de sonho: Árctico.


    Foram os serões em família, à volta de um globo terrestre, e as conversas sobre as Maravilhas do Mundo, que me levaram a ter sempre estes lugares no pensamento.  

    Falámos em Maravilhas do Mundo e, inevitavelmente, lembrámos Marco Polo e as suas aventuras a caminho do Oriente. Mas não foram estas as maravilhas que despertaram a minha atenção de criança curiosa. Foram os Jardins suspensos da Babilónia. Olhava deslumbrada para o livrinho ilustrado destes lugares e não conseguia imaginar maior beleza.  

    Egipto

    A grande pirâmide do Egipto – mais do que ser uma obra magistral de engenharia – está envolta em todo o mistério relacionado com a sua construção e utilidade.  

    O Colosso de Rodes! Tive alguns pesadelos, imaginando a grande estátua a ganhar vida quando chegava perto dela. Foram muitas as viagens imaginárias que fiz até estes lugares em criança. Quando já adulta, a vontade de viajar me invadiu (sim, as viagens invadem não pedem licença e não conseguimos dizer que não), defini um início, um caminho para as minhas viagens: conhecer as sete maravilhas do Mundo Moderno.  

    Foi em 2009 que comecei a minha epopeia com a visita ao Corcovado, no Rio de Janeiro. É a Maravilha que nos protege, que nos esmaga com o seu símbolo de fé.  

    Em 2010, visitei o Coliseu de Roma, a Maravilha que nos dá um murro no estômago quando visualizamos as arenas, o derramar sangue e o tirar vidas por pura diversão. Em 2012, cheguei a Chichen itzá, a Maravilha que simboliza a força do império Maya, e o seu El Castillo, a perfeição de um calendário.  

    Em 2015, cheguei, pela primeira vez a Petra, a rainha das sete Maravilhas, a cidade Rosa que nos permite viajar no tempo.  

    Petra, Jordânia

    Em 2016, cheguei à Grande Muralha da China. Milhares de quilómetros fazem desta a maior muralha existente neste Mundo. É a Maravilha que simboliza o esforço e o trabalho de tantas pessoas que ergueram esta muralha sem fim. Também em 2016, perdi o fôlego com a beleza do Taj Mahal, na Índia, a Maravilha que simboliza o amor, a beleza e a riqueza. Em 2017, cheguei ao topo de Machu Pichu, um lugar místico do Império Inca, que nos invade com uma paz e tranquilidade sem igual.   

    São sete Maravilhas porque o número sete simboliza a totalidade, a perfeição, a consciência, o sagrado e a espiritualidade, os elementos presentes em todos, e em cada um, destes sete incríveis lugares espalhados pelo Mundo.  

    Findo este projeto, de visitar as sete Maravilhas do Mundo Moderno eleitas, decidi visitar a única maravilha que restava das Maravilhas do Mundo Antigo: a Grande Pirâmide do Egipto, onde cheguei em 2019.  

    Acredito que está longe do seu aspeto deslumbrante de outrora, mas é, sem dúvida, uma maravilha que tem de ser contemplada num percurso completo dos lugares a visitar neste mundo. Egito é um portal de energia sagrada.  

    Jaipur, capital do Rajastão, Índia

    Em 2020, com meio mundo percorrido decidi, compilar as minhas 7 Maravilhas do Mundo, por ordem de deslumbramento:  

    1 – Petra na Jordânia

    2 – Machu Pichu no Peru;  

    3 – Bagan no Myanmar;  

    4 – Rajastão na Índia;  

    5 – As Pirâmides do Egito;  

    6 – Angkor Wat e os templos do Camboja;  

    7 – A Ilha de Kalsoy nas Ilhas Faroé;  

    Hoje, com uns intensivos 10 anos de viajante, continuo a deslumbrar-me com quase tudo o que visito e com as maravilhas que vou conhecendo, ficando sempre grata por cada viagem que concretizo, pois, o importante é ir ver o Mundo, viajar, explorar e descobrir. Regressamos sempre mais ricos do que quando partimos.  

    Para se visitar as 7 Maravilhas do Mundo – ou qualquer outro destino – convém estar-se informado sobre quais as melhores alturas do ano para o fazer.

    Para visitar o Corcovado, a melhor altura é entre Abril e Novembro, enquanto que para se conhecer Petra, é melhor apontar para o período entre Abril e Maio.   

    No caso de Chichén Itzá, deve marcar-se a viagem para o período Dezembro e Março.

    Os meses de Setembro e Outubro são os ideais para se visitar três maravilhas: Machu Pichu, Coliseu de Roma e Taj Mahal. Para conhecer esta terceira maravilha, pode ainda optar pelos meses de Março e Abril.

    Para visitar a Grande Muralha da China, as melhores alturas do ano são entre Março e Maio e entre Setembro e Novembro.

    Raquel Rodrigues é gestora, viajante e criadora da página R.R. Around the World no Facebook e no Instagram.

  • Jacob, filho de Sérgio

    Jacob, filho de Sérgio


    O meu filho tem um plano simples: aos 18 pensa ser milionário. Já lhe expliquei que a escolaridade obrigatória na Suécia termina aos 19 (12º ano) pelo que não estou a ver bem a articulação do seu projecto.

    Em todo o caso, também já percebi que ele vai, aqui e ali, pensando em planos B e C, para o caso de o original falhar. De vez em quando, pergunta-me se pode ficar com as residências familiares quando tiver 18 anos.

    Isto leva-me a concluir duas coisas simples: desde logo, ele imagina que o Palácio de Queluz é nosso e ainda – aspecto ligeiramente pior para mim –  que dentro de cinco anos não estarei por cá.

    Sérgio Jacob Ribeiro (à direita), filho de Sérgio Figueiredo.

    Mas eu, como sou optimista, digo não a tudo, embora lhe ofereça ajuda nessa estrada para a fortuna. Aliás, quem é que não quer ser pai de um milionário? E qual é o pai que não ajuda um filho?

    Pelo menos isso sucede na cultura latina, onde somos mais dados à família. Entre os nórdicos já não é bem assim.

    Em tempos, conheci um velhote que mostrava com orgulho uma casa que tinha desde os tempos de estudante e que hoje, já perto da reforma, ainda alugava. Perguntei a quem, e ele, com o sorriso de quem tinha feito um grande negócio, disse-me: “ao meu filho”. Ah, valentes! Cada um por si e Odin por todos!

    Já connosco não é assim. Temos amor para dar e vender. Ajudamos o filho, a nora, o cunhado e a amante do primo. Somos muito da proximidade sanguínea.

    De modo que não entendo o escândalo que agora rebentou a propósito do apoio de 350.000 euros concedido ao filho do Sérgio Figueiredo em 2020, pela Câmara Municipal de Lisboa presidida pelo Fernando Medina, na altura comentador da TVI, canal onde o mesmo Sérgio Figueiredo era director de informação, entretanto convidado para consultor do ministro Medina em 2022 com um salário de cinco mil e qualquer coisa euros.

    Uma pessoa até deveria meter umas dez vírgulas nisto para se perceber o enredo. Não é fácil. Parece aquelas histórias do Jorge Amado que acabavam interpretadas pela Fernanda Montenegro na Globo. Ahhh… bons tempos em que todos víamos a novela da noite porque só havia um canal. Sim pequenada, isto aconteceu. Mas adiante.

    girl holding umbrella on grass field

    Sérgio Jacob, filho de Sérgio, tal como o pai, veio a público defender-se, dizendo que é culpado de ser filho do pai (dele).

    Ora, não querendo ser picuinhas, essa é, na verdade, a única responsabilidade que ele não tem.

    De facto, não tem ele culpa alguma de ser filho do pai dele já que, tecnicamente, não estava presente no momento da escolha. Julgo que podemos pacificamente concordar nesta parte.

    E, provavelmente, também não terá culpa de fazer parte de uma teia de contactos que vale milhões, e que, por acaso, facilita o estabelecimento de uma vida entre aquilo a que decidimos chamar de verdadeira classe média-alta.

    Claro que ele podia escolher o caminho das pedras e trilhar o seu destino, mas, convenhamos, quem é que caminha descalço numa estrada a ferver quando pode ir de Volvo com ar condicionado e o melhor airbag do Mundo?

    A história do Sérgio Jacob não (nos) é estranha porque não é original. É uma entre centenas que não chegam aos jornais. Mas, na verdade, o que é que isso importa? As notícias de hoje serão a forra do caixote do lixo de amanhã. Sim, é verdade: acabei de usar uma passagem do Notting Hill, mas, meus amigos, todos nós vimos aquela história de amor e gostámos. Hoje é que temos vergonha de dizer.

    E a história do Sérgio Jacob é também uma história de amor. A história de um miúdo que, ao contrário de nós, nunca precisou de emigrar, ser rejeitado em entrevistas de emprego ou juntar dinheiro para investir na criação de uma empresa. É alguém que, mal acabou a licenciatura em engenharia das bio-cenas, passou de imediato a cronista de qualquer coisa e, ao fim de um ou dois estágios, já era CEO da sua própria empresa.

    Sérgio Figueiredo

    Nunca precisou de exercer a profissão que estudou e, em menos de três anos, com uma empresa de seis ou sete funcionários, já estava a organizar eventos de três milhões de euros. Segundo o próprio, apoiados em 12% pela Câmara de Lisboa (350.000 euros), mais de 1.000.000 euros vindo do Turismo de Portugal e o restante pela porta da União Europeia, Presidência da República ou Nações Unidas.

    Ou seja, o Sérgio Jacob, filho do Sérgio da TVI, consegue montar um evento de milhões, poucos anos depois de ter saído da universidade, com apoios de instituições públicas onde o comum dos mortais nem sequer sabe onde fica a porta.

    Claro que, ao olho desarmado, uma pessoa fica com a sensação de que a teia de interesses e de devolução de favores entre o Medina e o Sérgio pai pode ter chegado ao filho. Ou até que os contactos de um abrem portas a outro. Mas talvez seja isso mesmo, uma simples sensação. Aquelas coisas que se vêm lá ao longe e se vai dizendo: “parece que é e até cheira… será que é mesmo?”

    E notem: eu queria mesmo acreditar que não. Aliás, os dados que escrevi aí em cima foram-me entregues pelo próprio Sérgio Jacob, na entrevista que deu e no curriculum que escreveu no LinkedIn. Digamos que, um de nós, com o CV do Sérgio não ia longe, talvez, quiçá, em topo de carreira chegássemos ao sector das energias mais verdinhas da EDP. E até dava para um escritório em open space com café gratuito. Mas CEO com três milhões para organizar o “Planetiers World Gathering” já seria mais difícil.

    Antes que comecem já a falar mal, o Planetiers World Gathering, é um certame com três milhões de euros em apoios públicos que se destinam, e cito, “a qualquer pessoa que quer descobrir e aprender mais sobre práticas sustentáveis, startups que procuram investimento para crescer, empresas que estão ávidas por acompanhar as tendências ou liderar a transformação, e empresários que pretendem expandir a sua rede de contactos.”

    Portanto, não é nada. Nem dá para fingir que se anda de unicórnio como na Web Summit.

    Enfim, o meu problema não é tanto a “subida a pulso” dos Sérgios desta vida. É nunca aparecer um gajo, qualquer, vindo de uma aldeia, filho de um pastor, que depois de tirar um curso universitário tenha acesso a investimentos de milhões do erário público na sua empresa. Pode até ser coincidência, mas, quando leio notícias sobre putos da aldeia, é sempre de alguém que usou um machado ou descobriu forma de mastigar sem dentes.

    Donald Trump, outro conhecido empreendedor que subiu a pulso, disse há uns anos, numa entrevista, que tinha “começado do zero, com um empréstimo de um milhão do pai”.

    Ora, o Sérgio Jacob subiu a parada e nem aborreceu o pai: recebeu o seu milhão, não do pai Sérgio, mas de todos nós, assim, sem espinhas e sem nos perguntar se não fazia falta para fechar aquela marquise.

    Empreendedores assim há poucos, o que é pena. Contem comigo para apoiar mais gente com ideias em inglês e pouca vontade de trabalhar.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Patrícia Gaspar: com Portugal a arder e ela a falar! 

    Patrícia Gaspar: com Portugal a arder e ela a falar! 


    Milhares de portugueses estão a ser açoitados por pavorosos fogos e ficaram sem saber o que faz Patrícia Gaspar, secretária de Estado da Administração Interna… para os proteger.

    A senhora é uma palavrosa. Não respondeu às simples e pertinentes perguntas do jornalista da SIC.  

    Os portugueses andam açoitados por violentos fogos, em Leiria, Vila Real, Serra da Estrela, aos quais se associam os loucos pirómanos, as alterações climáticas e os interesses económicos.  

    bonfire

    Mas a secretária de Estado da Administração Interna falou, sem dizer nada. Para nosso desespero, que não percebemos a utilidade do Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP), um alegado sistema de interacção de socorro.  

    Foi Daniel Sanches, ministro de Santana Lopes (depois de ser diretor SIS, acompanhado de José Pestana, o homem da imagem da Polícia Judiciária, na altura), que nos meteu numa “aventura” de 540 milhões de euros. A ideia era coordenar as polícias e o socorro, mas não resultou em Pedrógão Grande, onde morreram, de forma estúpida, dezenas de pessoas. O SIRESP ardeu ali, não funcionou.  

    Depois de António Costa se tornar braço direito de José Sócrates – então primeiro-ministro –, torceu o nariz ao SIRESP, mas a coisa lá continuou.  

    Durante muitos anos, o SIRESP foi uma parceria público-privada conturbada. E ainda, em 2018, tinha como estrutura accionista a Motorola, com 14,90% (propriedade da Google!), a Esegur, com 12% (ex BES), a Datacompt, com 9,55% (ex-BPN), a Galilei, com 33% (ex-BPN) e a Portugal Telecom Participações (PT), com 30,55%.  

    Não se descobria aqui o Estado português, a não ser através da Parvalorem.  

    A dada altura, a Altice comprou a PT, que estava falida, e exerceu direitos de preferência. Portugal ficou, então, com apenas 33% de controlo do seu sistema de comunicações de segurança. A Google abocanhou 14,90%, através da Motorola, e 52,1% ficaram na mão da Altice, liderada por um português emigrante e um israelita, ao que consta ligado à Mossad, serviço secreto israelita.  

    As coisas mudaram em 2019, quando Portugal adquiriu o capital privado e transformou o SIRESP em empresa pública, com um presidente a ganhar mais de sete mil euros por mês e uma Assembleia Geral a lucrar 500 euros de senha de presença em cada reunião. Para trás, ficou a pergunta óbvia: quem lucrou com anos de sociedade anónima? Que negócio foi este?  

    A pergunta hoje é outra, que se arrasta aliás no tempo: porque razão o SIRESP continua a falhar estrondosamente?  

    Num teste realizado há dias, o SIRESP chamou a Imprensa para demonstrar a sua eficácia. Mas quem estava numa cave demorou sete longos minutos até conseguir comunicar com quem esperava no 10º andar.  

    Com tudo isto, a senhora secretária de Administração Interna, Patrícia Gaspar, bem pode falar para o boneco! Porque o País precisa de quem faça!  

    Palavras levam-nas as chamas.  

    José Ramos e Ramos é jornalista (CP 214)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Faltam obstetras no Verão? Ora, proíba-se o “truca-truca” entre Outubro e Janeiro

    Faltam obstetras no Verão? Ora, proíba-se o “truca-truca” entre Outubro e Janeiro


    Durante a pandemia, os apelos directos para desopilar dos hospitais, de sorte a salvar os doentes-covid, tiveram consequências ainda hoje não mensuradas. Só em 2020, foram suprimidas 700 mil cirurgias programadas e 50 mil urgentes, de acordo com o Conselho Nacional da Saúde, que só acordou para o assunto este ano.

    Embora não tenha havido uma proibição expressa, a censura social e o medo levaram também muitas pessoas a fugirem dos únicos locais que lhes poderiam salvar a vida em casos mais extremos.

    people in white shirt holding clear drinking glasses

    Mas houve muitas proibições desde 2020. Lockdowns, restrições às actividades económicas sociais, permissões após com base num documento administrativo, tudo imposto à generalidade da população sem critério científico. Tudo se endossou, em termos de responsabilidades e “culpas”, aos cidadãos, obrigando-os a pagar a fava: era o povo que deveria salvar o SNS da pandemia; não o SNS a salvar o povo dos efeitos da pandemia.

    Esta postura, entre o paternalista – em que disciplina o menino mal-comportado – e o indolente – o Estado esquece-se de que serve a sociedade, e não é a sociedade a servir os políticos –, foi ganhando escola. Está tão enraizada, que já se encontra quase universalmente aceite. Numa democracia, veja-se.

    Agora, proíbe-se genérica e cegamente, sem sequer ser necessário uma justificação técnica e política. Basta comunicar, decretar, uma Resolução de Conselho de Ministros serve perfeitamente, que a acrítica imprensa mainstream facilita a tarefa.

    Neste momento, uma proibição – que passe pela retirada de direitos adquiridos – constitui uma eficaz “arma política” de desresponsabilização.

    Por um lado, o Governo assume que só proíbe porque está em causa o bem comum – logo, ele é o lado bom.

    stack of jigsaw puzzle pieces

    Por outro, coloca o “problema” num patamar de nível gigantesco, sobre-humano; logo, se falhar, falha apenas porque… exacto, o problema era de nível gigantesco.

    Além disso, a proibição é sempre entendida como uma acção: o Governo age. E, com a proibição, mostra o “músculo”: coerção e censura social, pelo menos.

    Mostra-se autoritário contra os “faltosos” e contra aqueles que os criticam. Melhor ainda assim. Se houver contestatários, tanto melhor: serão transformados em “óptimos” bodes expiatórios. Lembrem-se dos tão “úteis negacionistas” (para onde se “chutaram” até as vozes incómodas e sensatas para forçar o unanimismo). E lembrem-se da epidemia dos não-vacinados…

    Passada a pandemia (será?), temos agora nova onda de proibições com o intuito de resolver problemas políticos do Governo.

    A floresta está mal gerida e o sistema de combate é obsoleto, e à conta disso os incêndios podem assumir um risco catastrófico? Cria-se uma “onda de calor” (antes mesmo de se assumir que se está perante uma), decreta-se uma situação de alerta (ou quejanda) para todo o país e generaliza-se uma proibição até ao absurdo, incluindo encerramento de monumentos. Depois inventa-se um algoritmo para dizer o impensável: podia ser pior se não fosse o Governo.

    people walking near fire

    Os Governos europeus geriram estupidamente a “guerra financeira” contra a Rússia em consequência da Guerra da Ucrânia? Pois bem, imponha-se “proibições e limitações na climatização e iluminação de espaços comerciais e públicos”, sem critério nem análise de benefícios (antecipar fecho de lojas para poupar energia terá um balanço positivo, tendo em conta que as pessoas assim vão para casa?). E não se fale na ineficaz política de eficiência energética em Portugal, nem na crónica fraca aposta na ferrovia nem nos projectos de mobilidade de fazer de conta.

    Temo que o Governo não pare por aqui na arte do proibicionismo endossando culpas para a sociedade, que assim merece castigo.

    Por exemplo, para “solucionar” a falta de obstetras em Julho, Agosto e Setembro, a arte do proibicionismo pode ser aplicada. Bem sei que, antes da pandemia, já havia queixas nesta época do ano. Em 2019. Em 2018. Em 2017. Em 2016. E por aí fora.

    Ora, mas o Governo pode bem convencer-nos que a culpa não é das fracas condições dadas aos obstetras e ginecologistas no Serviço Nacional de Saúde – e que migram assim para os privados. Nem se deve ao facto de ser habitual que se concentrem as férias no período estival, levando a uma redução no número de médicos disponíveis em todas as especialidades (bem nos avisa a Dra. Graça Freitas).

    Número médio de nascimentos por mês (período: Janeiro de 2011 a Maio de 2022). Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Na verdade, o Governo pode agora “culpar” as grávidas, que, enfim, concentram os partos no Verão e no início do Outono. Podem culpar o timing dos casais que, sem noção das consequências nove meses depois, engravidam entre Outubro e Janeiro.

    Donde, na nova “escola de fazer política”, a solução está à mão: proíba-se o truca-truca em Outubro, Novembro, Dezembro e Janeiro. E, com esse singelo acto, em Resolução de Conselho de Ministros eficazmente transmitida pela Lusa e “viralizada” pela imprensa mainstream, conseguir-se-á a paz absoluta durante o Verão em todas as maternidades e urgências de Obstetrícia.

    Ah!, e temos bodes expiatórios. Quem não tiver espírito de missão, pelo bem comum, saiba que o “objecto” do crime será detectado. E sem contemplações, os agentes nocivos da sociedade serão multados convenientemente pelo Estado (por antipatrióticos e egoístas) e censurados e ostracizados pela sociedade como párias. Amen.

  • Pobre democracia podre: a Administração Pública nos “tempos da borracha”

    Pobre democracia podre: a Administração Pública nos “tempos da borracha”


    Desde Abril, o PÁGINA UM, apresentou já nove processos de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões.

    Em paralelo, desde Janeiro, mais de uma dezena de pareceres foram elaborados pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), sob pedido do PÁGINA UM, devido à recusa de diversas entidades públicas em satisfazer pedidos para consulta de processos.

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    Bem sei haver por aí entidades e pessoas – a começar por aquelas que regulam o sector da comunicação social e jornalistas – que tentam “vender” a ideia de que tantas demandas do PÁGINA UM – recorrendo agora, por sistema, aos tribunais – é sinal de uma postura “belicista”.

    Manobras de diversão. Areia para os olhos.

    O problema – verdadeiramente chocante numa democracia a caminho do meio século de existência – não é a (suposta) estratégia conflituosa do PÁGINA UM; é sim a postura de intransigente obscurantismo da Administração Pública.

    A borracha da IGAS passou por aqui…

    Qualquer jornalista que se preze, e detenha ainda memória e princípios, sabe ser normal uma certa renitência da Administração Pública em ceder dados sensíveis ou que permitam uma avaliação crítica ao seu desempenho.

    Não é bem a Administração Pública, que é um ente abstracto; são as pessoas que circunstancialmente a integram, zelosas dos seus (pequenos ou grandes) poderes, e que resistem a ingerências externas, sobretudo pelos jornalistas.

    Até um certo nível, isso é compreensível. Mas agora, nos tempos que correm, a resistência passou para um perfeito e absoluto bloqueio.

    Hoje, qualquer informação é considerada comprometedora, de acesso obstaculizado. Bases de dados públicas, antes disponíveis, são apagadas ou mutiladas. Tudo serve para não ceder. Ou porque é demasiada informação, ou porque o jornalista tem de justificar o fim da consulta dos documentos – como defende, hélas, o próprio Conselho Superior da Magistratura – ou porque os documentos contêm dados nominativos sob reserva.

    A interpretação abusiva – e se não fosse abusiva e grave, seria então apenas risível e patética – de até os simples nomes, incluindo de funcionários públicos no exercício de funções, deverem ser protegidos está, entretanto, a fazer “escola” dentro da Administração Pública.

    O princípio é falacioso: qualquer cidadão tem direito de privacidade; porém, também todo o cidadão tem direito a sindicar o que os outros cidadãos que exercem funções públicas andam a fazer no exercício dessas mesmas funções, incluindo a sua identificação.

    E porquê? Ora, porque, de contrário, a coberto do anonimato de uma suposta justa defesa da privacidade, um funcionário público, um dirigente da Administração Pública, um político (em última análise) jamais poderia ser identificado pelos demais. Todos os seus actos legais e ilegais ficariam no limbo, escondidos para todo o sempre.

    No limite do absurdo, não poderíamos sequer conhecer o nome do primeiro-ministro, o nome de qualquer ministro, o nome de qualquer secretário de Estado, o nome de um director-geral ou de um presidente de um instituto público, nem o nome de qualquer funcionário, donde jamais se conheceriam o que fizeram, de bem ou de mal. Tudo secreto, tudo obscuro.

    Dou aqui um exemplo paradigmático.

    … e por aqui…

    O PÁGINA UM solicitou à Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) um conjunto de documentos relacionados com processos de fiscalização. A IGAS não os enviou numa primeira fase; não os cedeu de imediato após um parecer da CADA – e, portanto, o PÁGINA UM remeteu um pedido de intimação para o Tribunal Administrativo de Lisboa no passado dia 1 de Agosto, processo que está em curso.

    Ontem, recebi um telefonema da IGAS, informando que os documentos seriam enviados por e-mail. E foram. Só que têm um “problema”: tudo o que era nomes e mesmo funções foram literalmente apagados. Centenas ou milhares de páginas, de algumas dezenas de processos, foram expurgadas de elementos essenciais. Para não parecer tão mal, não se usou rasura a negro; foi a branco.

    Peguemos num exemplo: o Processo de Fiscalização 0020/2018-FIS teve como objecto a “verificação do cumprimento da legalidade dos procedimentos sobre a aplicação do regime jurídico das incompatibilidades”. O processo tem 154 páginas.

    Logo na primeira página consta um espaço sobre a Entidade.

    Qual? Não se sabe. Foi apagada pela borracha da IGAS.

    Segue-se o nome do instrutor/a.

    Quem foi? Não se sabe. Foi nome apagado pela borracha da IGAS.

    Houve um secretário/a?

    Talvez, mas aparentemente o nome também foi apagado pela borracha da IGAS.

    Vá lá: não apagaram a data da instauração do processo: 31-07-2018.

    Na página 2 consta a Ordem de Serviço nº 81/2018.

    Sobre qual entidade? Não se sabe. Foi apagada pela borracha da IGAS.

    Nome do chefe de equipa, dos dois inspectores e da inspectora-geral? Nada. Apagado.

    E assim se segue na página 3, com pelo menos quatro nomes apagados.

    … e por aqui… e por mais centenas e muitas mais centenas de páginas.

    Na página 4 terão sido apagados 10 nomes de entidades.

    E por aí fora.

    Por exemplo, na página 20 do processo, fica-se a saber que alguém cujo nome foi apagado enviou às 14:47 horas de 2 de Outubro de 2018 um e-mail para a Exma. Senhora Presidente do Conselho Directivo APAGADO a informar do adiamento de uma acção de fiscalização “por motivos ponderosos de última hora”.

    Nas páginas 25 e 26 são apagados todos os nomes dos membros dos júris de concursos de dispositivos médicos num hospital desconhecido porque também foi apagado pela borracha da IGAS.

    Chegam a ser listadas, neste processo, diversas declarações de inexistência de incompatibilidades. De quem? Não se sabe. A IGAS meteu-lhe borracha.

    Enfim, poupemos os leitores. Já basta. Não ficou nem um nome esquecido. Foi trabalho meticuloso. Moroso, acredito. Até porque em todas as outras dezenas de processos o modus operandi foi similar.

    Limparam tudo. Muito bem. E agora, de certeza, vai ainda a descarada IGAS “vender” ao Tribunal Administrativo de Lisboa que já deu a informação ao PÁGINA UM toda a informação, alegando assim uma “inutilidade superveniente da lide” para se furtarem da transparência. Mandaram sim uma montanha de vergonhosa inutilidade.

    Agora, já compreendem os leitores do PÁGINA UM a importância da intervenção dos tribunais para arejar a Democracia? Se não forem os juízes, esta nossa pobre Democracia apodrecerá.

    São eles, agora, os juízes, como foram os militares em 1974, que podem salvar-nos de um regime vicioso, que não merecemos. Ou merecemos, se continuarmos impavidamente a aceitar o que certos senhores nos querem fazer.


    N.D. Os leitores que desejem conhecer o exemplo aqui exposto, o Processo de Fiscalização 0020/2018-FIS, para conferir o aqui exposto, pode solicitar o seu envio para o e-mail geral@paginaum.pt. O ficheiro tem cerca de 91.544 KB.

  • Os juízes, as crianças e os diabos de Bosch

    Os juízes, as crianças e os diabos de Bosch


    Há juízes portugueses iguais aos diabos do pintor Hieronymus Bosch, e andam à solta nos Tribunais de Família.

    O caso do menino de oito anos que prefere morrer a ser internado num orfanato, por decisão de um juiz, é agora mais um exemplo.

    Esse juiz devia ser posto no olho-da-rua de imediato! Lá porque os pais do menino não se entendem, o juiz do Tribunal de Família de Maia… zás! espeta com a criança num orfanato?!

    O caso foi chapado há dias nos jornais. E é igual ao caso de Maria de Fronteira, uma menina de sete anos internada num lar evangélico apenas por se recusar a ver o pai – uma estúpida decisão do então juiz-estagiário Nuno Bravo Negrão. Dizia ele: para “ser reestruturada mentalmente”.

    Há 12 anos fiz esta reportagem de 30 minutos na RTP, no Linha da Frente: “Filha Roubada“. E desde então tenho sido um jornalista perseguido por este sistema que tem raízes no Centro de Estudos Judiciários (CEJ). Onde pontuou o ex-juiz Armando Leandro e o ex-ministro Laborinho Lúcio.

    Voltarei a Tribunal dentro de dias. Agora porque o ex-juiz Armando Leandro se queixa da reportagem “Quanto Custa Criar“, onde diz, logo no início, que não é “um negócio”. Parecendo dar a entender que é.  Mas não é, eu ouvi!

    four children standing on dirt during daytime

    O ex-juiz disse o que quis. Mas vêm agora afirmar que… disse, mas não disse!

    E nem viu incompatibilidade em ser, em simultâneo, presidente da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens em Risco (CPCJR do Estado para a retirada de menores)… e ser presidente da CrescerSer, uma instituição privada com oito lares de acolhimento fundada por juízes, onde Joana Marques Vidal esteve metida.

    O ex-juiz Armando Leandro tinha 70 anos e acumulou funções até aos 82 anos. É obra!

    A Segurança Social e os Tribunais de Família têm enfiado muitas crianças em lares. Mas a lei é clara sobre as medidas de proteção a aplicar (artigo 35 da Lei de Proteção de Menores em Risco) ao impor uma ordem de preferência.

    Ex-juiz Armando Leandro, em 2017, quando o programa Linha da Frente, da RTP, abordou os processos de institucionalização de menores.

    Primeiro, começa-se pelo apoio junto dos pais, depois passa-se ao apoio junto de familiares e, não sendo possível nenhuma destas medidas, segue a entrega do menor a pessoa idónea ou de confiança.

    E aqui vem uma pergunta muito incómoda: enfiam-se as crianças logo numa instituição de acolhimento, porquê?

    Bem, talvez o juiz do Tribunal de Família da Maia seja primo dos diabos de Hieronymus Bosch.

    Caramba, está atrasado 506 anos!

    José Ramos e Ramos é jornalista (CP 214)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Gente que sai à rua

    Gente que sai à rua


    Quando li a notícia de que os sindicatos da Função Pública iam exigir, para 2023, aumentos que acompanhassem a inflação, imaginei a reacção popular.

    Sabemos que há um certo atrito na opinião pública (e publicada) contra a Administração Pública. Começando nos professores, passando nos funcionários das diferentes repartições e terminando nas forças de segurança. Há, enfim, aquele velho estigma associado aos mandriões com bons salários e empregos para a vida.

    A realidade é ligeiramente diferente. Um emprego para a vida não sei se é algo assim tão fantástico; pessoalmente não conseguiria fazer a mesma coisa durante 40 anos. E os bons salários só mesmo se tivermos como bitola a miséria reinante em Portugal, onde quem recebe 1.000 euros por mês passa por classe média. 

    Entre nós, trabalhadores portugueses, escasseia a solidariedade.

    Queremos nivelar quase sempre por baixo. Se eu estou a dois passos da escravidão, a luta do meu vizinho deve ser inglória para que não me sinta tão mal.

    A intenção dos sindicatos peca por humilde, mas, ainda assim, está condenada ao fracasso.

    Com a inflação a chegar aos dois dígitos, seria necessário um milagre na Concertação Social para o Governo ceder a tal valor.

    Contudo, esta é a parte engraçada da história: mesmo que cedesse, ainda assim seria um mau negócio para a Administração Pública.

    10 and 20 banknotes on concrete surface

    Para quem tem as carreiras congeladas há mais de 10 anos, e que, consequentemente, já perdeu muito poder de compra, um acerto com a inflação deste ano não compensa tudo o que foi perdido. Pior, deixa-os a pagar, quase sozinhos, por crises que não provocaram e guerras que não escolheram.

    De todas as facções discordantes na discussão dos aumentos, a minha preferida é a da ala liberal, que exige que estes estejam indexados à produtividade. É uma narrativa antiga e recorrente do patronato para adiar, para a calendas, qualquer hipótese de aumento digno para os trabalhadores de base.

    Note-se que estas exigências raramente apanham gestores, políticos ou directores – a faixa de onde, por mais galopante que seja a inflação ou por mais crises que o FMI nos traga, se conseguem sempre dividir prémios de gestão. Pensem também nos subsídios dos deputados que nunca sofrem ajustes, ou nos gestores do BES que dividiam lucros pelos accionistas quando a arraia-miúda os sustentava com impostos.

    A história da produtividade é uma falácia. Quem a mede, quem a quantifica e quem faz a sua relação para o valor acrescentado do que se produz?

    Lembrei-me assim de repente de uma empresa dinamarquesa, um dos líderes mundiais na produção de eólicas, que instalou um centro de engenharia ali para os lados de Matosinhos.

    pen om paper

    Pelo mesmo trabalho feito, e a mesmíssima produtividade, pagam a um engenheiro português cerca de 25% do que pagam a um dinamarquês, nos escritórios de Copenhaga. Portanto, quem paga tenta fazê-lo com trocos de forma a aumentar os lucros e, dentro e fora de portas, o nosso país não se livra do selo de mão de obra competente e barata.

    É por isso que tudo o que não seja um aumento digno, a cada ano que passa, é uma falácia. O dinheiro existe, a produção também. A divisão é que é feita de forma diferente. E o lucro, hoje e sempre, construído em cima de baixos salários.

    Se os argumentos da produtividade na discussão salarial já era uma história da carochinha no mundo pré-covid e pré-Ucrânia, hoje então passou a ser um episódio de Narnia.

    Com uma crise totalmente criada pelos decisores mundiais, seja de quem invade ou de quem decide apoiar esforços de guerra, com sanções que provocaram escassez na oferta e aumentos de preços… faz algum sentido castigar quem trabalha e depende do seu salário, exigindo-lhe que perca poder de compra?

    Ou, no caso dos funcionários públicos, uma década depois, que CONTINUEM a perder poder de compra, mas agora em doses maiores?

    close-up photo of assorted coins

    É aqui que devemos parar para pensar no que está a acontecer no Reino Unido. Um país rico onde o primeiro-ministro, antes de ser corrido, anunciou que dinheiro e armas não faltariam para a Ucrânia. E a Suécia também, caso o Putin se aborrecesse da embrulhada em que está.

    Curiosamente, enquanto procurava o seu lugar triste na história, Boris Johnson não teve tempo de reparar que as sanções estavam a empobrecer o povo inglês que, como se sabe, não está habituado a ser pobre. Uma coisa é ser português, espanhol ou grego na União Europeia – já estamos habituados a viver com migalhas. Outra coisa é ser-se inglês e perceber que, de repente, o dinheiro já não chega para três rondas no pub e umas voltas pelo Algarve.

    De modo que resolveram parar.

    O Reino Unido enfrenta hoje, por causa da inflação causada pelas sanções à Rússia, as piores greves dos últimos 30 anos. Caminhos-de-ferro, portos, transportes em geral. O país paralisou e não mexe por menos do que um aumento que acompanhe a inflação. O mesmo que a nossa Função Pública pede, embora se aguardem resultados diferentes.

    A força dos trabalhadores é perfeitamente demonstrada nestes movimentos solidários. Só os decisores podem escolher guerras, canalizar dinheiro ou aumentar taxas. Mas não são os únicos que conseguem criar movimentos de bloqueio.

    crowd of people standing outdoors

    Da mesma forma que escolheram bloquear economicamente a Rússia, deixando os seus povos à mercê da escassez da oferta e subida de preços, ficaram também dependentes das reacções dos trabalhadores que, entre pagar a solidariedade com outro povo, ou sustentar a sua família, optam pela segunda. 

    E isto não quer dizer que quem luta pelos seus direitos não queira ver o invasor fora da Ucrânia. Só não quer é ter que pagar ou empobrecer por isso. É aborrecido, mas é a lei humana. Quem decide, pede esforços, mas não os pratica.

    Acabamos sempre no velho e bafiento carrossel em que as elites nos dizem como devemos sofrer, continuando os seus dias na serenidade de quem não abala com os dramas do Mundo. De vez em quando, os trabalhadores juntam-se, e dizem já chega. Não há movimento mais belo do que esse. A força de quem trabalha nas ruas. A força de quem realmente constrói um país na luta por uma vida melhor.

    Que pena vermos esses movimentos, nós portugueses, quase sempre pela televisão, e tardarmos em perceber que, lá como cá, quem manda é quem trabalha.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Cuidado com a ideologia

    Cuidado com a ideologia


    As bandeiras de hoje são a banalização do aborto – a prevenção é que devia ser a política –; a eutanásia – o envelhecimento saudável é que deve ser a alternativa –; o ambientalismo radical – a defesa de uma alimentação com mais plantas e menos carne e peixe é que é o caminho –; a política de género nas escolas – a baralhar crianças e a desconstruir as prioridades. Enquanto isso, temos o excesso de entretenimento para docilizar as gerações que assim vão dependendo dum Estado que “trata”, que “protege”, mas evita prevenir, reduzir, corrigir os erros, porque esta é a estratégia do negócio!

    As bandeiras cegam a racionalidade e obnubilam as decisões e o pensamento. Querem uma medicina totalmente vinculada a linhas de orientação e protocolos.

    woman in black tank top sitting on concrete floor

    Isto viola um dos pés da equação – a individualidade, a particularidade. Concordo com que a exposição frequente melhora a performance, mas nem toda a medicina é massificável.

    O aborto é um mau acontecimento e não deve ser uma bandeira. Deve estar disponível como solução, mas sempre em desfavor da prevenção. As mulheres devem exigir a contracepção masculina e têm ao dispor de modo livre e gratuito mecanismo de contracepção feminina.

    A eutanásia deve estar disponível, mas não pode ser a bandeira. Os princípios e as clamações devem ser por coisas positivas e boas. Devemos lutar por energias menos poluentes, mas não podemos dar passos vigaristas como o encerrar das centrais de carvão e acreditar que as eólicas só têm virtudes. Não podemos achar normal as barragens portuguesas estarem nas mãos de franceses ou chineses.

    As bandeiras estão a cegar a ideologia porque se tornaram fúteis e simplistas.

    Os portugueses sabem pouco sobre as realidades que depois se exibem. Somos o país com menos crimes da Europa e dos que mais presos tem per capita. Somos o país que mais pede detenções e prende indefinidamente em preventiva por perigo de fuga.

    flags on green grass field near brown concrete building during daytime

    Não acredito que Vieira quisesse fugir, e Sócrates veio ter com o Ministério Público pelo que nunca estaria em fuga. O problema desta formatação acrítica é que os cidadãos esquecem que a Justiça é para todos, e, portanto, o que se faz mal ao Bernardo Santos Sócrates é o mesmo que nos podem fazer a nós em circunstâncias improváveis amanhã.

    A sociedade dos canais temáticos, das aplicações com algoritmos de viciação, da construção de não-assuntos que sobem à ribalta da informação, a força da rede social como canal de apagamento do jornalismo, afoga-nos em sofás com televisões defronte. Como tontos levantamos a bandeira e o dedo da indignação sem cuidar de nos informar.

    Os fogos trazem a prevenção que não é negócio, por parente pobre do tratamento que é uma mina de ouro. Há lucros secundários no arder e, por isso, houve políticas que conduziram à desertificação, ao abandono da pastorícia, à delapidação da agricultura portuguesa.

    Se estiverem atentos verão o que se passa na Holanda onde os agricultores explodem de raiva e se manifestam, sem qualquer referência nos nossos canais monopartidários.

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM.

  • Globalismo: a nova tirania

    Globalismo: a nova tirania


    A revolução luterana de há 500 anos não trouxe apenas o Estado Absoluto, também demoliu a visão comum que mantinha a sociedade unida. Cada indivíduo era agora capaz de interpretar as Sagradas Escrituras, em lugar de um intermediário que passava anos a estudar, enquadrada por uma instituição milenar. Cada um tinha agora uma opinião sobre a sociedade: a ideologia.  

    Eu não me adapto à realidade, onde existem fraquezas humanas, como o vício do jogo, a miséria moral ou a assimetria de informação – por exemplo, a relação entre um médico e um paciente, onde nem sempre o segundo questiona sobre os medicamentos receitados pelo primeiro –, a realidade é que tem de adaptar-se à minha visão sobre a sociedade.  

    brown wooden cross on brown wooden wall

    Tudo isto foi ajudado por uma revolução no pensamento. Tivemos Descartes que afirmou: “tudo que vemos, sentimos, tocamos, pode ser fruto de nossa imaginação, não existindo realmente. Apenas o pensamento tem força e prova de verdade”. Aquilo que está dentro da cabeça do homem é de alguma forma mais verdadeiro do que a sua percepção da realidade.  

    Um século depois, Kant reforçou a revolução mental original de Descartes, afirmando que, embora não possamos ter certeza se temos dois braços, ou se é frio ou quente, escuro ou ensolarado fora de nossa mente, a Razão é universal; isto é, se as pessoas pensarem bastante em qualquer coisa, chegarão às mesmas conclusões. As ideias tornaram-se mais verdadeiras do que a vida real. A era das ideologias tinha começado.  

    As ideologias são por natureza projectos universais. Todos os homens devem ter uma igual condição económica (Marx); Os melhores devem governar as massas (tecnocracia). Apenas há lugar na sociedade para determinadas raças (Nacional Socialismo); A sociedade deve abandonar os carros (Globalismo); Não há lugar na nossa sociedade para não vacinados (Covidismo). 

    Todos os homens têm o seu lugar na sociedade e têm que chegar lá para que as coisas funcionem tal como prescrito pela realidade ideológica, mesmo que o “lugar apropriado” de algumas pessoas seja o Gulag, Auschwitz ou mesmo um campo de “concentração para não vacinados na Austrália”.  

    Pode parecer que a revolução individualista foi desfeita pela chegada do pensamento ideológico universalizante; a visão de mundo comum que orientou a nossa civilização foi abalada pelo individualismo da primeira Modernidade, apenas para ser substituída por um novo universalismo ideológico.  

    Para São Tomás de Aquino, a bondade é a verdade, e a verdade significa que o que está dentro das nossas cabeças (ideias, noções, percepções) coincide com o que está fora (a própria realidade). Para qualquer ideólogo é o contrário: a “bondade” é ter a própria realidade de acordo com o que está dentro da cabeça, a ideologia que ele adopta.  

    Em lugar de testar sua percepção contra a realidade, os ideólogos julgam a realidade contra a sua ideologia, “mais verdadeira que a própria realidade”. Ao lidar com qualquer fenómeno social, partem sempre das premissas da sua ideologia.  

    person reaching black heart cutout paper

    Todas as ciências foram tocadas pela ideologia, até a Economia. Tivemos Keynes, um estatístico que inventou a macroeconomia, inaugurando a gestão de agregados – o consumo agregado, a despesa agregada, o investimento agregado – e retirando a acção humana individual da equação. Todas as mentiras e dissonâncias são possíveis, facilitando a propaganda de Estado e abrindo caminho a uma enorme burocracia encarregue de forçar a ideologia sobre a sociedade. 

    Os bancos centrais emitem dinheiro para estimular a economia. Um indivíduo falsifica dinheiro. Os primeiros actuam em nome do bem, da ideologia. O segundo tem como destino o calabouço. 

    Os bancos centrais compram obrigações soberanas para reduzir os encargos com juros dos governos, provocando a redução dos juros e a subida do preço dessas obrigações. Como tem informação privilegiada, um indivíduo compra acções da empresa XYZ, dado que tem conhecimento de uma iminente subida do seu preço em bolsa. Os primeiros estão a ajudar o governo a realizar um estímulo fiscal. O segundo está a manipular preços, devendo ser detido pela prática de “inside trading”. 

    O Estado encerra um restaurante em nome do combate a uma pandemia com uma taxa de sobrevivência de 99%, está a evitar a “morte de milhões”. O segundo deverá ir à ruína e esperar em casa por uma esmola, se alguma vez chegar. 

    person holding brown leather bifold wallet

    O principal problema do pensamento ideológico é que ele é literalmente a adoração de uma fantasia. As fantasias são coisas que não existem no mundo real, apenas existem dentro das nossas mentes; acreditar no que está dentro da cabeça ao invés de sentidos mentirosos é o ponto de partida do pensamento ideológico.  

    O seu segundo problema é que as ideologias não permitem o elemento mais essencial na sociedade humana, a natureza humana. Se lermos uma história escrita há centenas ou milhares de anos, veremos os homens a agir tal como agem hoje, sofrendo pelas mesmas causas, buscando os mesmos prazeres, caindo nas mesmas tentações – o vício do jogo, por exemplo – e assim por diante. O homem não muda e, embora cada homem seja diferente de todos os outros, em certo nível todos os homens são iguais. 

    Aos estarmos cegos para a natureza humana, os ideólogos sempre caem na mesma armadilha universalizante. Eles podem ser ideólogos de visão única, como neoliberais ou comunistas, ou podem acreditar que os não vacinados são seres inferiores, que merecem ser ostracizados pela sociedade; no final, todos eles tratam toda ou pelo menos grandes áreas da Humanidade como se todos os homens fossem clones do que eles vêem no espelho. 

    Eles estão sempre optimistas sobre como as pessoas se vão comportar, eles sempre assumem que todos querem e valorizam exactamente as mesmas coisas que eles.  

    woman in black and white tank top leaning on wall

    Regra geral, estes “loucos” necessitam da violência de Estado para imporem a sua versão da realidade aos demais. Ou detêm poder efectivo sobre o Estado ou conseguem influenciar quem o detém.  

    Estamos agora na etapa final da revolução protestante: uma ideologia global imposta sobre toda a humanidade, imposta através de instituições globais, como a OMS e os Bancos Centrais. Os “loucos” não se importam com a realidade, afinal apenas querem o nosso bem, até dizem: “Não terás nada e serás feliz!” 

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM.