Categoria: Opinião

  • Alerta CM: chantagem do Império 

    Alerta CM: chantagem do Império 


    Enquanto vou conduzindo para a Suécia (sim, sou um emigrante old school que ainda não se converteu aos aviões), vou pensando nesta coisa dos bluffs políticos. 

    Não precisamos deles para vender jornais e fazer Alertas CM, mas depois exigimos que o bluff seja mesmo bluff, porque o contrário atrapalha-nos mais a vida. 

    Confusos? Também eu. Mas vamos aqui pensar em círculo como se estivéssemos numa reunião dos A.A. 

    closeup photo of dices

    Quando Putin disse que a NATO se estava a aproximar do quintal, ninguém quis saber, porque, obviamente, ele não teria coragem de largar uns mí­sseis. Afinal, a Rússia estava decrépita e refém de uma pequena economia… 

    Reparem que nesta discussão importa pouco o que é propaganda ou realidade. Até se dá de barato a argumentação utilizada, que todos percebemos ser apenas uma desculpa para um braço-de-ferro entre impérios. Ou vá, um I’m back à disputa do domínio mundial, versão Kremlin. 

    O que quero para já reter desta conversa é que ele, Putin, avisou que as negociações da Ucrânia com a NATO teriam consequências. E tiveram. Julgo que ao fim de sete meses, milhares de mortos, uma pazada de refugiados e várias taxas de juro depois, podemos todos concluir que aquele lunático não estava a brincar. 

    six fighter jets

    Agora, enquanto se prepara um referendo para anexação de partes do Donbass que, já todos vimos, fará parte da narrativa seguinte de “ataques em solo russo” para justificar o uso de armas nucleares, volta a história do bluff

    Ouvi ontem na CNN, RTP e SIC, diversos analistas com uma ideia comum: Putin não terá coragem de despejar uma bomba atómica. Até ouvi, de boca um pouco mais aberta, que, quando muito, faria umas explosões nucleares controladas. Umas cargas mais pequenas, pelo desprezo da descrição, ali umas coisinhas de carnaval sem aquele cheiro a bufa. 

    Não sou grande jogador de póquer e não arrisco análises sobre intensidades de bluffs, mas fico sempre espantado com a ligeireza com que se julgam as palavras de um gajo que já não tem nada a perder. Ou que, como provam estes sete meses, não é grande jogador de cartas e parece não ter grande vontade para recuar. 

    grayscale photo of person holding glass

    Se ele diz que a Rússia tem o maior arsenal nuclear do Mundo (é factual esta parte, espero não estar a dar uma grande novidade), e que o usará em caso de ataque em território nacional (que daqui a umas semanas terá uma parte do Donbass), porque insistimos nós na conversa do bluff? Ainda não morreu gente suficiente? 

    Putin disse no seu discurso à Nação que, caso o Ocidente continuasse a fornecer armas à Ucrânia, o conflito tenderia a escalar e passariam ao nível de armamento seguinte. A corja de velho encabeçada por Biden disse logo que, tudo bem, ele que venha que a NATO continuaria a fornecer a Ucrânia. O que se percebe.

    O cheiro a churrasco de uma ogiva em Kiev, em princí­pio, não atrapalha o aroma de um barbecue em Washington e, nesse sentido, Biden até vê com bons olhos pedrada da grossa no Leste europeu. Isso transformado em venda de armas, energia para a Europa ou, até, enfraquecimento do contrapoder russo, é Chopin para os ouvidos do Biden. Mas em piano, note-se, não violino como o Santana Lopes pensava existir…  

    yellow and black road sign

    Li uma crónica com um argumento que me pareceu também fazer sentido. Dizia que não podemos ceder à chantagem do nuclear porque, desde Fevereiro, sempre esteve em cima da mesa e, seguindo esse raciocínio, estarí­amos sujeitos a que qualquer potência nuclear invadisse territórios quando bem lhe apetecesse. Concordo, em absoluto. Agora, o Alerta CM aqui é que (rufem os tambores!) já é assim que o Mundo funciona. Estão a ver essa parte? 

    Quando os Estados Unidos decidem invadir o Afeganistão porque uns sauditas lhes rebentaram dois prédios, fazem-no porque… podem. Quem é que se vai meter em frente daquele arsenal e dizer: “olha­, tentem antes o diálogo!”. 

    Se os israelitas carregados de armas nucleares ocupam territórios há 70 anos é porque, lá está, têm poder bélico para isso.

    Se os kosovares arranjaram um paí­s podem agradecer a uma “força de defesa”, por acaso também nuclear, que bombardeou os sérvios (pela paz, eu sei!).

    people gathering on street during nighttime

    A guerra civil na Sí­ria terminou quando uma potência nuclear entrou no conflito e a outra, que apoiava os rebeldes, achou melhor recuar.

    A Líbia derrubou o regime quando um exército mais poderoso invadiu o território sem que ninguém lhe fizesse frente.

    O Tibete deixou de ter voto na matéria quando um dos maiores exércitos do Mundo achou que era tempo de anexar.

    Os curdos não conseguem definir fronteiras porque ninguém se atreve a confrontar um exército com o poderio do turco.

    Ou seja, em resumo, desde o império romano, passando pelo Alexandre o Grande, vikings, os mongóis no século XIII e a armada invencível espanhola, no século XXI ainda é a força que dita leis. 

    brown wooden bench on brown sand during daytime

    Espero continuar no domínio do banal e não estar a trazer novidades a ninguém. Portanto, quando se diz que não vamos ceder à chantagem do nuclear a minha resposta é, vamos. Vamos pois. Aliás, não temos feito outra coisa ao longo dos séculos. Manda quem a tem maior, neste caso ogiva. 

    Claro que me poderiam dizer: “ó Tiago, mas o Putin é um imperialista do pior, bem pior do que os outros a que já nos habituámos a obedecer e não podemos deixar passar; há que ficar na miséria e torrar tudo na Ucrânia”. Ora, vam’lá a ver: pessoalmente, o Putin mete-me tanto asco como qualquer parceiro europeu que lhe andou a apertar a mão (ou que ainda apertam dentro da União Europeia, seria engraçado discutirmos isso um dia). E as guerras criadas pelo imperialismo russo prejudicam-me tanto como as guerras financiadas ou criadas pelo império americano.

    As tangas que usam para as invasões são essencialmente as mesmas, embora o marketing americano seja melhor. Por exemplo, no Iraque, estivemos ali até à última para saber se apareciam as armas de destruição maciça ou não. Parecia o fim de uma novela na TVI e aquela incerteza de quem casa com quem. 

    Já o disse várias vezes que se tiver que abdicar da minha vida, pelo menos quero escolher a causa. E se o objectivo é empobrecer e comprometer o futuro de uma geração para libertar outros povos e mostrar solidariedade, então, se não se importam, eu gostaria de começar por quem sofre opressão não há sete meses, mas sim há 70 anos. 

    Querem os poderes mundiais continuar a combater uma guerra até ao último ucraniano, paga pelo endividamento dos europeus? Muito bem. Suspendam os pagamentos dos créditos bancários e metam as taxas de juro no… ia escrever aquela palavra com duas letras, a primeira um C e a última a quinta vogal do abecedário, mas isto é um jornal de respeito.

    Já nos basta a inflação e a perda de salários reais que, como qualquer economista vos dirá em 75 palavras e termos técnicos, corresponde ao empobrecimento geral das populações. 

    Portanto, se chegamos aqui praticamente de joelhos, sugeria que, quando outro maluco fala em bombas nucleares, façam o favor de não usar metáforas com jogos de casino como se isto fosse lá longe. 

    Não é. Nem longe e, provavelmente, nem bluff

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Qual é, afinal, o preço da Transparência?

    Qual é, afinal, o preço da Transparência?


    Desde o seu nascimento, o PÁGINA UM mostrou ao que vinha: queria rigor informativo, e, para tal, necessitava de informação. Queria informação.

    Um dos pilares da Democracia é a Imprensa livre e interventiva – aquela que observa e sindica os poderes sem concepções, sem receios e sem outra estratégia que não seja conhecer a Verdade.

    Tem sido essa a visão do PÁGINA UM.

    E, por esse motivo, foi com naturalidade, que o PÁGINA UM foi solicitando o acesso a documentos administrativos de diversas entidades, ainda no ano passado.

    clear glass bottles on white background

    Perante a recusa sistemática por parte das diversas entidades, recorreu à Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Recebeu, com uma excepção, pareceres favoráveis. Nenhuma entidade visada quis saber disso. Os pareceres da CADA não são vinculativos.

    Por isso, desde Abril, o PÁGINA UM tem intentado, com o apoio dos seus leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO, diversos processos de intimação junto do Tribunal Administrativo.

    Uma dúzia, 12, até agora.

    Não tenho memória de um outro qualquer órgão de comunicação social ter intentado tantos processos de intimação desta natureza, até porque poucas vezes há “coragem” ou “interesse” em confrontar entidades como Ministérios, institutos públicos ou direcções-gerais, o Banco de Portugal, universidades ou, last but not the least, até o Conselho Superior da Magistratura.

    Infelizmente, mais haverá, por certo, se houver condições financeiras e logísticas, embora o PÁGINA UM tenha a noção dos seus limites.

    O Obscurantismo está enraizado na Administração Pública e nas entidades com funções públicas.

    grayscale photo of person holding glass

    Com efeito, aquilo que mais me tem surpreendido, na generalidade dos processos no Tribunal Administrativo de Lisboa em curso, é o profundo zelo e a compenetrada abnegação com que as entidades públicas visadas procuram recusar o acesso a documentos públicos. Usam todos os argumentos jurídicos, desde as mais picuinhas até às mais descaradas mentiras, chegam a “jogar sujo” (como já fez a Ordem dos Médicos “encenando” uma queixa-crime). Tudo lhes vale.

    E o que está em causa, afinal? Documentos públicos.

    Mas são também documentos que permitem analisar, avaliar e qualificar as acções de pessoas que conjunturalmente gerem a res publica, daquelas próprias que “lutam” para que uma imprensa livre não lhes ponha a vista em cima.

    Não estamos a falar de documentos com dados da vida privada de ninguém.

    São documentos sobre os quais não está em causa qualquer devassa. São “apenas” dados de inquestionável interesse público.

    Perante tantos obstáculos, e para também existir uma melhor percepão do esforço (que se espera não ser inglório) do PÁGINA UM , decidiu-se criar uma nova secção no jornal: TRANSPARÊNCIA.

    clear light bulb lot

    Na secção TRANSPARÊNCIA – e porque os processos administrativos mesmo em curso não estão sujeitos a qualquer segredo –, o PÁGINA UM passará a disponibilizar uma cronologia e os documentos mais relevantes, designadamente os requerimentos iniciais, os argumentos da outra parte e os despachos e sentenças do Tribunal.

    Este será um processo lento – mais ou menos em função dos apoios que o PÁGINA UM venha a ter –, mas prometemos colocar informação de todos os processos, mesmo daqueles (ou sobretudo daqueles) em que não seja dada razão ao PÁGINA UM.

    Começamos hoje esta tarefa de TRANSPARÊNCIA com o processo de intimação contra o Infarmed por recusa em permitir o acesso à base de dados do Portal RAM, que detém informações sobre as reacções adversas das vacinas contra a covid-19 e do antiviral remdesivir.

    Mais de nove meses após termos pedido essa informação, o Infarmed luta para não ceder informação de interesse público.

    Qual é, afinal, o preço da Transparência?


    Nota: O PÁGINA UM decidiu “descontinuar” o P1 TV, uma vez que nos confrontámos com a impossibilidade de encontrar uma solução financeira que garantisse os princípios basilares do jornal, entre os quais a sua independência. O esforço financeiro que o P1 TV acarretou e acarretaria para o futuro do jornal – com a produção de documentários, reportagens, depoimentos, etc. – seria incomportável. O P1 Tv foi assim um embrião que não “vingou”, mas que ficará sempre como uma referência. Muito provavelmente, regressaremos com um novo modelo, apenas sonoro (podcasts), mais ágil mas também mais compatível com os nossos recursos. Gostaria pessoalmente de deixar os meus agradecimentos ao Nuno André e ao Júlio Barreiros pelo trabalho entretanto desenvolvido, com destaque para o documentário “O Pão Nosso“.

  • Para que é que foste acreditar em Deus?

    Para que é que foste acreditar em Deus?

    Falei-vos da importância que tiveram para mim os três últimos anos que passei nos Estados Unidos, mergulhada na emoção da voltar a escrever livros científicos e na alegria de voltar a dar aulas, ainda por cima a alunos selecionados para estarem ali por terem sido identificados como sobredotados. Comecei a sentir-me tão feliz e tão útil, tão leve, tão cheia de Força, que, logo na véspera de Natal de 2014, acordei às seis da manhã com o dia a romper, a neve a cair suavemente lá fora, e o primeiro parágrafo do meu novo romance a escrever-se sozinho na minha cabeça. Ainda lutei contra a investida daquelas frases todas, mas já não havia retrocesso possível. Levantei-me, fiz café, encharquei a cara em água fria, e comecei a escrever…


    Há que ver que eu tinha acordado a pensar naquele mesmo romance algures durante o Inverno de 1991. A mesma primeira frase do livro, a mesma última frase do primeiro capítulo. Sentei-me na cama entusiasmadíssima, com muito cuidado porque ainda era cedíssimo e o Dick continuava a dormir ao meu lado. Tenho sempre um bloco de apontamentos e uma caneta na cabeceira, para escrever tudo o que me vem à cabeça durante a noite, ou enquanto estou a ler. Já ia agarrar neles e desatar a escrevinhar furiosamente quando de repente me vieram as lágrimas aos olhos, deixei cair os braços, me encostei nas almofadas e acendi um cigarro para sofrer melhor[1].

    É que, em 1991, eu ia nos meus 31 anos. Era uma miúda. Não tinha, de maneira nenhuma, a maturidade, a capacidade de ver através das coisas e das pessoas, a sabedoria para ler sinais, que escrever um romance daqueles ia exigir de mim. Passei-o todo a pente fino na cabeça, ainda verti uma lagriminha, e deixei-o guardado para mais tarde.

    Para quando fosse capaz.

    E era agora, malta.

    Agora, 23 anos mais tarde, eu já ia nos 54. Já tinha comido o pão que o diabo amassou umas dez ou vinte vezes. Este diferencial tão acentuado era porque não sabia se deveria incluir as cirurgias ou não; e, se incluísse, se seriam mesmo todas, ou só as de anestesia geral[2].

    “Clarinha tenta ajudar um desgraçadinho fingindo que tem um orgasmo da treta, e nesse momento nem lhe passa pela cabeça que o grande malvado vai espetar com aquela porcaria toda na internet, declarando, assim, a sua crucificação definitiva.”

     Aos 54 anos, eu já tinha corrido o mundo inteiro. Já tinha sido incrivelmente feliz, e também já tinha sofrido de forma assaz indescritível. Já me tinha portado muito mal, mas também já tinha feito os impossíveis para trazer a felicidade aos outros. Mentira, e tinham-me mentido. Tinham-me insultado uma vez, duas vezes, três vezes – e depois tinham-me assassinado.

    Vivera rodeada de amigos, e depois ficara completamente sozinha. Agora estava insolvente, a sobreviver sabe Deus como com uma pequena bolsa da Fulbright numa das regiões mais caras dos EUA. Agora, agora sim.

    Agora eu estava mais do que pronta para escrever o meu romance.

    As memórias inventadas de uma gaja que nunca existiu, escritas à velocidade do seu pensamento.

    Escrevi com um prazer enorme, fiz milhares de revisões, de adições, de subtracções, de novas estruturas e outras tantas figuras – e, durante todo este tempo, acreditava sinceramente, nesta minha ingenuidade que não se resolve nem a estalo, que um romance daqueles, do alto do imenso poderio das suas oitocentas páginas, publicado logo a seguir à publicação de um livro científico feito em co-autoria com o Grande Papa[3] da Biologia do Desenvolvimento e dado à estampa por uma das melhores editoras académicas do mundo, ia de certeza reabilitar-me aos olhos dos portugueses e dar-me o direito a voltar a estar viva.

    Coitadinha da Clarinha, que até acredita em Deus.

    Cheguei à sessão de lançamento na FNAC/Chiado toda fresquinha, acabada de vir de fora, e a primeira coisa que notei foi que não estava lá um único membro da Comunicação Social.

    Céus,” pensei eu, “isto ainda vai ser mais duro do que aquilo que eu previa.” E, por acaso, foi pior ainda.

    Clara Pinto Correia é bióloga, professora universitária e escritora


    [1] É verdade, é. O que as coisas mudaram na América. Nos anos 90 ainda se fumava em casa, mesmo na cama, e os nossos companheiros nem se lembravam de nos xingar o juízo.

    [2] A pior coisa que um médico que eu não conheço pode perguntar-me, assim de chofre, é “quantas cirurgias fez?”. Tenho sempre que pedir-lhe que espere um bocadinho para contar pelos dedos. E, mesmo sabendo que o número bate algures nos vinte, também tenho que fazer a fatídica pergunta de contar só a anestesia geral, ou se também vale a anestesia local, que inflacciona logo os valores básicos. Sou uma doente profissional, o que é que querem? E, como é evidente, não fui eu quem escolheu nascer assim.

    [3] A expressão adequada talvez seja antes Grande Rabino, uma vez que o Scott é Judeu. Para as pessoas da nossa área de especialidade, este homem é, apenas, o Judeu que escreveu a Bíblia.

  • Comem-nos as papas na cabeça

    Comem-nos as papas na cabeça


    O mercado não funciona em Portugal, porque o capitalismo está entupido para felicidade dos podres-de-rico portugueses.

    A prova são as 730 mil casas desocupadas, sinalizadas em relatório da OCDE de 2019. Se o mercado funcionasse, o preço das casas e as rendas estariam a baixar em flecha. É a lei da oferta e da procura.

    Em rigor, vivemos num sórdido caldo misto de salazarismo e de regime soviético. Queremos ter muitas casas para amealhar, e invejamos as cinco casas do primeiro-ministro António Costa e a casona do Robles do Bloco de Esquerda.

    brown and white concrete houses

    Hoje, temos uma maioria absoluta do Partido Socialista, mas afinal não serve para mudar as leis do arrendamento da Assunção Cristas.

    O primeiro ministro prefere andar no jigajogas dos números da inflação, do equilíbrio dos aumentos, nos cortes nas pensões. Mas não toca no essencial: o escândalo da habitação em Portugal, que até já foi reportagem na EuroNews.

    Não podemos ter medo de dizer a verdade, quer se seja socialista, popular-democrata ou cheguista. 

    O problema do nosso dia-a-dia são as escandalosas prestações e as altíssimas rendas de apartamentos, que custaram seis vezes menos o preço da avaliação. Às vezes, um décimo.

    Andamos há anos encher os bolsos a bancos, que nos emprestam dinheiro e que já emprestaram aos construtores. 

    Mas não pode haver lucro? Sim, mas em excesso é roubo!

    boy sitting on blue highchair

    Pior, depois esse dinheiro desaparece, e o Governo tem de aprovisionar alguns bancos, sacando aos rendimentos suados do trabalho dos portugueses. 

    Mas, claro!, os podres-de-rico e os Governos agora têm sempre à mão o mesmo disco riscado: a culpa é da invasão da Ucrânia, de sermos uns calões e de termos comprado uma casinha a bochechos. 

    Prometem ajudar-nos… mas continuam a comer-nos as papas na cabeça.

    José Ramos e Ramos é jornalista (CP 214)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Um pardalito de louça

    Um pardalito de louça


    Não penses no cheiro da roupa passada a ferro, até porque a ruga no colarinho da camisa não deixa que te concentres na chama da vela junto ao caixão, e num funeral tão prolongado até o luto fica enjoado com o cheiro de flores e laca do cabelo, não havendo pois espaço para cheiros confortáveis e limpos.

    Não penses no cheiro da roupa passada a ferro, até porque mesmo que mantenhas essa honraria de domingo no teu modesto lar, começa a ser urgente reveres teu gesto sempre que tenhas que pôr mais moedas no contador e dar à manivela para fazer faísca.

    red lighted candle on dark room

    Também podes ir buscar brasas… O quanto perguntaste à tua avó como se vivia? Até me sento mais direita junto dela enquanto “avó, como fazias?” e por entre um gracejo rouco diz-me ela todos os truques de viver à míngua e construir uma vida, sorrisos, filhos, netos, bisnetos, um telhado sem goteiras e um chão com mais que terra batida.

    Minha querida avó Mila. Esta fica para ti, que me dizias “açúcre” em vez de açúcar, só para me arreliar em pequena.

    Sabes que os gatos têm inveja dos pássaros e, se murmuram miados na varanda ao vê-los passar, é porque se lamentam da sua pesada sorte de serem os caçadores e não a caça.

    white and brown cat on green grass during daytime

    Rainhas, príncipes, princesas, corregedores, presidentes, ministros, senhores assessores. Tudo gatinhos com inveja de pardais, tão preocupados parecem viver com treparem ao topo da árvore para depois nem saberem descer. Quem os vir julga até que alguém precisa deles, aos ares que se dão, às adorações que movem.

    Houve até uma madame que se fartou de fazer bonecos de cera à escala real de cada uma das figuras. Figurões. Figurinos. Fez mal!

    Se era para usar cera espetava-lhes ao menos um pavio no cucuruto para nos alumiar as noites frias de inverno europeu! O que devia ter usado era caco! Vinha aprender umas coisas para os nossos lados e fazia figurinos de loiça destas tão poderosas criaturas, tão preocupadas em mandar. Mas pequeninos, assim, para caberem no louceiro. Umas miniaturas todas catitas a petrificarem estes seres tão importantes que ali ficam a servir de amparo ao pó dos dias, pousadas em filinhas ordenadas na prateleira de vidro para todos nós vermos, a Rainha e a Diana, o Gorbatchev e o Regan, o Biden e o Trump, o Putin e o Schwab…

    snow covered grass plant selective focal photo

    Sabes que a arte de adicionar mais farinha nas pataniscas também se aprende com sorrisos.

    O meu avô Moura um dia chegou mais cedo do trabalho com fome, viu um saquinho de pó branco em cima dos armários e assumiu que seria farinha. Estranhamente, ele bem que vertia o polme na frigideira, mas aquilo sumia-se!… Assim, puff!… como o nosso ganha pão hoje em dia!

    Afinal era potassa. A minha avó tinha pedido que lhe dessem um saquinho para arear os tachos e o meu avô arruinou-lhe a dádiva na frigideira.

    Típico. Assim, txi!… como os senhores dos bancos, e os gatos invejosos e os figurinos de louça (todos alinhados na prateleira, pó bem espanado, reduzidos à sua insignificância).

    No fim do dia, das vidas e das mortes que se coleccionam, se tens ou não asas, importa muito que tenhas abrigo. Os abrigos e as casas não nascem nem brotam do chão. Constroem-se. E constroem-se conforme o terreno em que se querem pôr de pé.

    Podes afundar estacas de madeira até terreno firme, podes compactar pesadamente em pedra líquida, podes até flutuar…

    Mas sempre, sempre a tentar.

    Mariana Santos Martins é arquitecta


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • “Vai ficar tudo bem”, ou a “lotaria” do Estado será a nossa “terminação”

    “Vai ficar tudo bem”, ou a “lotaria” do Estado será a nossa “terminação”


    Ontem, durante a manhã foi publicada a evolução dos preços ao produtor na Alemanha para o mês de Agosto: os preços subiram 45,8% em relação ao mesmo mês do ano passado! A inflação criada durante os últimos dois anos pelo Banco Central Europeu (BCE) está assim de boa saúde… e não se deveria recomendar.

    Resta-nos o consolo de ter servido para pagar a funcionários públicos e apaniguados do Estado durante os dois anos da “pandemia”, para que estes pudessem estar em casa sem fazer nada e a ver séries Netflix. Vai ficar tudo bem! Lembram-se?

    assorted bunch of fruit lot

    Nos últimos dias, não parámos de escutar sobre a necessidade de tributar os “lucros excessivos” das grandes empresas. Pessoalmente, parece-me que a única entidade com lucros excessivos até à data tem sido o Estado português. Aliás: saiu-lhe a lotaria!

    Apenas à boleia da inflação, e em relação a 2021, no primeiro semestre de 2022, o Estado português logrou obter mais 5,7 mil milhões de Euros de receita fiscal e mais mil milhões de Euros de contribuições para a Segurança Social. Não é um total, é um acréscimo em relação a 2021 – e apenas para a primeira metade do ano. A este ritmo, no final de 2022, poderá resultar numa receita adicional de 13,4 mil milhões de Euros, algo como 1.325 Euros a cada português.

    Para uma família de quatro pessoas (pai, mãe e dois filhos), o Estado português irá obter uma receita adicional no valor de 5.306 Euros. Os 350 Euros que serão devolvidos em Outubro (125 × 2 + 50 × 2) representam apenas 6,5% do “assalto”. Depois de despojar, de forma pungente, o ladrão, qual samaritano salaz, devolve uma migalha do butim. Aparentemente, reina a felicidade entre todos. Vai ficar tudo bem! Não é?

    10 and 20 euro banknotes

    Entretanto, sabemos que a Grande Líder Europeia, eleita ao melhor estilo de uma ditadura comunista, apresentou um grandiloquente plano de redução do consumo de energia, em que constam medidas do tipo: “use menos”. Depois de ter proibido os europeus de adquirir energia ao maior produtor mundial, temos agora medidas absolutamente inovadoras e geniais, que a nenhuma cabeça se lhe tinha ocorrido: “use menos”.

    Podemos estar descansados: os Estados Unidos sofreram, certamente, o mesmo boicote comercial quando bombardearam e invadiram nações soberanas como o Vietname, o Camboja, a Sérvia, o Iraque, a Somália, o Afeganistão, a Síria – sim, a Síria, precisamente, a área rica em Petróleo, está a ter lugar nos nossos dias –, Granada; enfim, a lista é infindável. Além disso, as sanções à Rússia estão a resultar: quando o frio apertar, iremos usar lenha. Vai ficar tudo bem! Não é?

    Entretanto, o Estado português voltou a confiscar os proprietários, num novo ataque aos “ricos e fascistas”, visando proteger os “fracos e os oprimidos”, os inquilinos. O criminoso quer ser o único a gozar da inflação criada pelo seu Banco Central, mais ninguém pode beneficiar do saque.

    Durante a década de 70 e 80 do século passado, em particular durante o período “revolucionário”, o parque habitacional português ficou em ruínas devido ao congelamento de rendas, que não acompanharam a evolução da inflação, mas parece que a insanidade nunca tem fim. Aplicar a receita que não resultou é o lema. Vai ficar tudo bem! Não é?

    person walking near The Great Sphinx

    Entretanto, depois do discurso da esmola, parece que alguns demoraram a compreender que o maior esquema em pirâmide da História da Humanidade, denominado Segurança Social, está próximo da falência. Aparentemente, só agora começam a compreender que o confisco dos jovens a favor de um exército de idosos não irá terminar bem. 

    Todos os esquemas em pirâmide têm um fim: ele anuncia-se quando os novos idiotas que entram no esquema são insuficientes para pagar as saídas. Para perpetuar a fraude, o poder não quer assustar os idiotas, mas apenas diminuir o confisco dos que desejam sair. Vai ficar tudo bem! Não é?

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do PÁGINA UM.

  • Público, o assumido e vergonhoso jornal doutrinador de massas

    Público, o assumido e vergonhoso jornal doutrinador de massas


    Em 23 de Dezembro do ano passado, o jornal Público, que tem como director o senhor Manuel Carlos Carvalho (como surge inscrito na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista), decidiu publicar um artigo intitulado “Dados clínicos de crianças internadas em cuidados intensivos com covid expostos nas redes sociais”, que fazia eco de ataques soezes de certos sectores da comunidade médica – leia-se, Ordem dos Médicos e seus apaniguados – ao PÁGINA UM, que nascera dois dias antes.

    Em causa estava um artigo da minha autoria que revelava dados oficiais anonimizados de internamentos de crianças, provando assim que, mesmo podendo ocorrer hospitalizações por covid-19 em idade pediátrica, estas sempre foram extremamente raras e atingindo aquelas que já possuíam graves comorbilidades.

    Manuel Carlos Carvalho, director do Público

    Ora, como se sabe, houve pedidos meus de direito de resposta para diversos órgãos de comunicação social – todos inicialmente recusados, mas que viriam, com grande atraso, a ser alvo de decisões favoráveis por parte da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

    Assim, no passado 24 de Agosto, após um longo processo, a ERC viria a deliberar a procedência ao meu recurso por “denegação ilícita do direito de resposta por parte do Público”, exigindo que o jornal do senhor Manuel Carlos Carvalho publicasse o direito de resposta.

    Com legitimidade para tal, o Público tomou a decisão de contestar a obrigatoriedade de publicação do direito de resposta através de uma providência cautelar com efeitos suspensivos.

    Mas, se esta estratégia do Público se mostra legítima – sobre a moralidade, não me pronuncio por agora –, também possibilitou confirmar com que linhas se cose o jornal do senhor Manuel Carlos Carvalho.

    Num dos pontos do articulado do Público pelo seu advogado, Francisco Teixeira da Mota – prezado jurista da liberdade de imprensa, que curiosamente até já prefaciou um livro da minha autoria, pese embora repetidamente escreva “Paulo Almeida Vieira” no processo –, consta a seguinte pérola onde se “justifica” os motivos para se ter chamado “página de negacionistas anti-vacinas no Facebook” ao PÁGINA UM sem o identificar justa e correctamente como um normal órgão de comunicação social (que o Público sabia que era):

    person in white gloves with blue textile on lap

    A omissão do nome da página do Facebook ou do jornal que a alimenta foi uma decisão deliberada da Direcção Editorial do jornal PÚBLICO e da editora da secção da Sociedade que, com sentido de responsabilidade, não quiseram dar publicidade à publicação que, manifestamente, tinha tomado posições claramente atentatórias contra a necessidade de se criar consenso social em favor da vacinação, algo que o jornal assumiu e defendeu desde a primeira hora”.

    Eis aqui a confissão da mais abjecta postura doutrinária de um jornal. A confissão expressa da Direcção Editorial do jornal Público de ter tido a clara intenção de prejudicar a credibilidade do PÁGINA UM, de um jornal que nascera dias antes, e de permeio desacreditar um jornalista com décadas de experiência, que colaborara com órgãos de comunicação social como o Expresso e a Grande Reportagem – e que, hélas, até publicara artigos de opinião no Público.

    Eis também aqui a abjecta confissão da Direcção Editorial do jornal Público de se ter demitido da sua função informativa e de promoção de debate, assumindo o papel de “colaboracionistas” na criação de um “consenso social em favor da vacinação” universal, incluindo de jovens e de crianças. A confissão de terem, despudoradamente, negado os princípios da imprensa isenta e rigorosa.

    Notícia do PÁGINA UM que revelou dados anonimizados de crianças internadas com covid-19

    E isto quando, na verdade – e soube-se mais tarde, através de uma notícia de Março deste ano do PÁGINA UM – nem consenso havia então na própria Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), o órgão consultivo da DGS.

    Recorde-se que num primeiro parecer sobre a vacinação de adolescentes, homologado por Graça Freitas em 28 de Julho do ano passado, de entre 12 votos da CTVC registaram-se três contra e duas abstenções. Menos de duas semanas mais tarde, em 8 de Agosto registaram-se quatro votos contra e “uma pessoa não votou”. Estes pareceres foram escondidos durante meses pela DGS, e apenas foram revelados após pressão do PÁGINA UM na Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.

    Bem sei: a Direcção Editorial do Público não se preocupava com as minudências de investigar e questionar; andava sim, “com sentido de responsabilidade” (sic), só preocupada em doutrinar o povo para o tal “consenso social em favor da vacinação” – e daí também, muito responsável e nojentamente tratava de denegrir um colega de profissão que desejava informar os leitores.

    O Público, o doutrinário jornal do “consenso social” não poderia assim informar os seus leitores de que o consenso sempre foi uma quimera, mesmo na classe médica. E que a DGS escondeu dados e especulou.

    Enfim, fica-se, com esta reles confissão da Direcção Editorial do Público, a saber que, para certos jornalistas, quando alguém não está a favor da criação de “consenso social”, seja ele qual for no futuro, não só se pode – como até se deve – tudo fazer para descredibilizar o “opositor”, classificando-o como alguém que toma “posições claramente atentatórias contra a necessidade de se criar consenso social”.

    man covering his face with both hands

    O tempo, esse julgador, mostrará como gente sem carácter para se manter como jornalista – como seja os membros da Direcção do Público e a sua editora da Sociedade, que se julgam “exemplares cidadãos” – deverá ficar recordado na História.

    Espero, sinceramente, que os sinais que mostram ter sido um erro colossal vacinar contra a covid-19 crianças, adolescentes e jovens adultos saudáveis não se confirmem como uma triste herança de tempos distópicos. Porque se se confirmarem, gente como eles não se mostrará apenas como uma mera cáfila de doutrinadores; será também vista como uma corja criminosa.


    Nota: Com esta providência cautelar, acompanhada da recusa de publicar o direito de resposta, a Direcção Editorial do Público também consegue outro propósito: como sou parte contra-interessada terei de constituir advogado e pagar uma taxa de justiça de 306 euros. Por isso, nestas lutas, o PÁGINA UM – que não tem, como o Público, uma “mãe” (leia-se, Sonae) que lhe suporta prejuízos consecutivos bem superiores a 2 milhões de euros por ano –, apenas conta com os seus leitores, através do FUNDO JURÍDICO, para uma luta que se sabe nunca será fácil. Nem para o PÁGINA UM, nem para aqueles que o querem dobrar.

  • O fantástico Euromilhões dos bancos: tudo legal, tudo imoral

    O fantástico Euromilhões dos bancos: tudo legal, tudo imoral


    “Mas que bronca!” A frase proferida por um banqueiro resume o seu sentimento em relação ao lucro extra que os bancos europeus estão a arrecadar graças a um “erro” do Banco Central Europeu. “O BCE cometeu um erro gigantesco. Agora quer resolver isto, mas não é fácil”. Apesar de considerar-se um “escândalo”, o que certo é que nenhum banco irá deixar de aproveitar esta oportunidade caída do céu (ou melhor, do BCE).

    Os bancos estão sentados numa almofada de milhões e milhões de euros em fundos públicos. Agora, estão a usar esses fundos para ter um lucro extra. Estão a depositar os dinheiros públicos junto do banco central. Com a subida das taxas de juro, é só ouvir o “tlim, tlim” dos juros a entrar nos seus cofres.

    blue and yellow star decor

    Os bancos europeus conseguiram ter essa mala de dinheiro porque o BCE decidiu, em 2020, pagar à banca para ficarem com os fundos públicos. Isso mesmo. O objectivo do BCE era incentivar os bancos a emprestar dinheiro e a minimizar os impactos da crise económica provocada pelas medidas drásticas e polémicas adoptadas por governos europeus na pandemia – que incluíram devastadores confinamentos.

    No total, os bancos europeus estão sentados em cima de 2,1 biliões de euros em fundos públicos provenientes da terceira operação de empréstimos direccionados de longo prazo (TLTRO), segundo dados citados pela Reuters. É um valor astronómico que o BCE tem de pagar aos bancos em juros.

    Segundo analistas do banco ING, o total de excesso de liquidez nas mãos da banca europeia ascende a 4,6 biliões de euros. Com a actual taxa de juro, o BCE teria de pagar 34,5 mil milhões de euros em juros por ano, aos bancos. Se a taxa de juro subir para 2,5% em 2023, o valor a cair no colo dos bancos subiriam para 115 mil milhões de euros.

    Agora, a factura bateu à porta do BCE. Com uma inflação galopante, começou a subir as taxas de juro mais cedo do que tinha previsto quando começou a pagar aos bancos para se endividarem.

    Mas agora dava jeito ao BCE livrar-se de tanta liquidez. Analistas do banco ING apontam que o BCE pode decidir mexer no múltiplo de reservas mínimas exigidas aos bancos pela liquidez que detêm ou remunerar parte do excesso de liquidez dos bancos a uma taxa de 0%, para os levar a reduzir o montante de fundos detidos.

    Claro que os bancos agora não entregam a mala do dinheiro. Não, quando podem ficar sentados a contar os euros garantidos pelos juros que os depósitos dos fundos públicos garantem.

    Esse dinheiro está a agora de lado, a render e a trazer lucros chorudos para os bancos.

    Tudo isto é perfeitamente legal. Tudo isto é perfeitamente legítimo. Mas é também igualmente altamente imoral.

    Os bancos receberam dinheiro para pedirem emprestado ao banco central para ajudar a economia em tempos de crise. Usar os fundos públicos que lhes foram disponibilizados devido à crise para lucrarem com o seu depósito junto do banco central é lamentável.

    Agora, esta gigantesca onda de dinheiro público nas mãos dos bancos é um problema para o BCE que se vê a braços com aumentos da inflação.

    Mas é também um escândalo. É aberrante que bancos possam estar sentados em cima de tanto dinheiro público e, sem mexerem uma palha, lucrarem com ele.

    man wearing white top looking at projector graph screen

    O BCE analisa como vai tentar travar estes lucros para a banca. Mas descalçar a bota não é fácil.

    Seja como for, fica sempre no ar aquela ideia de que, nas crises, o ‘banqueiro capitalista’ sai sempre a ganhar.

    Neste caso, mesmo achando que é um escândalo, banqueiros esfregam as mãos de contentes. E vão continuar agarrados à mala, só devolvendo o dinheiro no fim do prazo do empréstimo especial (TLTRO), em Junho de 2023. Até lá, é facturar. Aos milhões.

    No fim de contas, o BCE não sai bem na fotografia. Afinal, falhou os seus cálculos relativos ao calendário de subida das taxas de juro e deu de mão beijada uma dupla prenda aos bancos: primeiro, pagou-lhes para receberem dinheiro emprestado; agora paga os juros dos depósitos que os bancos fizeram com o dinheiro emprestado. Para os bancos é um Euromilhões. Para os europeus, a braços com menor poder de compra e preços a disparar, esta situação é, no mínimo surreal. Surreal e imoral.

    Afinal, a crise quando bate à porta, não é para todos.

  • Um debate nos ares por três nefelibatas professoras

    Um debate nos ares por três nefelibatas professoras


    Não sou grande companhia de viagem quando estou num avião. Encosto-me à janela, e tento dormir, para que o relógio avance sem eu dar por ele. Detesto andar de avião, mas faço-o com uma regularidade assinalável há uns bons 35 anos. Num mundo desenhado por mim, a ferrovia e as pontes atravessavam continentes. Mas adiante – não nos percamos nas minhas fobias.

    Entrei no avião que me traz para casa, aqui na pequena ilha de Santa Maria. Conhecemo-nos quase todos, percebe-se quando vem “gente de fora” só pelo recheio das filas. Fiz o meu número habitual, capuz na cabeça, um primo qualquer do Xanax na boca e uma musiquinha que me embalasse. Vejo o Cristo-Rei, depois a Linha de Cascais, e já está, mar a perder de vista para as próximas duas horas. O sol na janela vai-me aquecendo e começo a adormecer.

    low angle photo of airliner and buildings

    Um ruído ali perto vai-me incomodando. Aumento o volume da Garota de Ipanema, e foco-me no sono. Não funciona e olho para trás onde, a duas filas, três reformadas com colares de madre pérola discutem a guerra na Ucrânia.

    Aos poucos, as vozes das estimadas senhoras vão substituindo a de António Carlos Jobim. Um tom nasalado que ecoa por toda a cabine, e que não deixa ninguém indiferente.

    Não são idosas como a minha avó, entenda-se. Não são mulheres do campo. São daquelas que, como diria Maria Francisca, tinham empregos muito bons em escritórios. Para a minha avó qualquer pessoa que trabalhasse num sítio com janelas tinha-se dado bem na vida.

    Note-se que estava um dia de calor, húmido e quase tropical, mas elas não abdicaram dos fatos com saia e jaqueta, daquele tecido grosso e quente, enfeitado com um broche de jóias na lapela. Ainda são da geração que se veste, a preceito, para viajar.

    white airplane flying in the sky during daytime

    Pela propagação das ondas de som, eu apostei em professoras reformadas. Repararão, os caros leitores, que ao fim de umas décadas de profissão os professores, aqueles que entretanto não ficaram malucos, desenvolveram uma espécie de surdez que os leva a falar sempre aos berros. Ou, como diria o meu sogro quando a mulher, também professora, fala ao telefone: “para que usas o tablet quando podes só gritar e eles ouvem-te do lado de lá?”

    De modo que o estilo me era, de alguma forma, familiar.

    Nesta altura já tinha perdido a Elis Regina e até o Vinicius. Só ouvia as senhoras que, com alguma pompa, davam uma aula aos restantes 160 passageiros. Desisti da bossa nova e passei para a fila de trás, para ficar mais perto da fonte do saber. Foi nesta altura que percebi que ia ter tema para o PÁGINA UM.

    “Que horror aquele massacre em Izim ou Izum ou lá como se chama aquilo”, dizia a professora principal, a que falou durante as duas horas sem pausas para água.

    As duas assistentes concordaram, acenando com a cabeça e emitindo um síncrono “hum-hum”. E continuava na análise. “Onde é que já se viu matar gente assim? No meio do nada?”

    flying airliner plane during daytime

    E uma das assistentes tenta meter um paninho quente com um “bom… é uma guerra, já se sabe, há crimes todos os dias”.

    A professora-rainha não ficou contente com a tentativa de argumentação e contra-atacou: “Todos os dias? Mas tu achas que os ucranianos também matam e torturam como os russos? Não te lembras do que aconteceu quando o Napoleão tentou invadir a Rússia? Mataram aqueles franceses todos e fartaram-se de lhes roubar cavalos e comida?”

    Por esta altura, pensei que a estridente anciã tivesse visto, em directo, a batalha de Krasnoi, quiçá na CNN, tal era o à-vontade com que relatava as barbáries que os russos tinham infringido ao invasor francês.

    Percebi também que era um pouco indiferente a posição em que os russos estivessem, invasores do Donbass ou invadidos por Napoleão, o seu destino deveria ser a guilhotina. Sempre e em qualquer situação.

    “E agora é igual! Antes roubavam cavalos ao Napoleão, agora roubam máquinas de lavar ao Zelensky”, continuou a professora em análise profunda. “São uns desgraçados que nem sabem o que ali estão a fazer, o Putin não lhes diz nada… não ouviste o que disse o Milhazes ontem?”.

    white biplane

    Abriu a boca a professora mais calada, entretida até então com a sandocha de bolo lêvedo e a bolacha mulata, oferecidas pela SATA como amostra de produtos regionais. “Mas se o Milhazes diz que a informação não chega à Rússia, como é que ele sabe tanto? O homem não viveu lá 40 anos?”.

    A reitora começou então a perder o rumo da aula, e interrompeu: “Mas tu não vês que ele vinha regularmente a Lisboa e ia fazendo actualizações? Agora, imagina aqueles desgraçados lá no meio da Sibéria, que nunca viram um gira-discos, quando se apanham ali em Donetsk com tanto para roubar!”.

    A outra assistente que parecia querer dar mais luta disse: “bom… Donetsk também não seria propriamente Tóquio, não é que os ucranianos andassem a exportar tecnologia e tal. Também eram outros desgraçados sujeitos a governos corruptos e pouco democráticos. Enfim, uma miséria pegada!”

    “Então achas que por serem pobres também, e o governo ser corrupto, já podiam ser invadidos e mortos?”, disse a professora-chefe, já com o tom nasalado a rebentar pelas costuras e o piloto a ouvir parte da aula. “Não, não acho que devam ser invadidos, mortos ou sequer incomodados. Os ucranianos ou os russos. Acho que velhos decidem guerras e os novos morrem nelas”, tentou rematar uma das assistentes para voltar ao bolo lêvedo.

    gray hardside luggage

    “Ahhh… lá estás tu com as tuas conversas bonitas! Já não vais ao Avante desde 78, mas ainda repetes esses chavões! Tens que tomar partido! Quem invade nunca tem razão!”, lá ripostou a catedrática.

    Entrou então a apaziguadora na conversa e disse: “é nestas alturas que fico feliz por não vivermos num país corrupto, com imprensa livre, que não se mete em guerras ou aparece nos Panama Papers”. E voltou para a bolacha mulata, que molhou no chá de tília.

    Encerraram elas por ali o debate, com a certeza de a sua informação, aquela que lhes chegava, ser total, verdadeira, sem hipótese de contraditório.

    Acreditando que há bons e maus numa guerra, que impérios do bem são amigos e impérios do mal são opressores.

    Dizendo, a professora-chefe, que “não podíamos parar de ajudar até todos os russos estarem no chão”. Os tais russos bárbaros que também o eram quando Napoleão, e bem pelo que percebi, os tentou invadir. Não podemos baixar os braços e desistir. Nós, todos, os ocidentais que recebemos a informação completa e sabemos, ao minuto, os horrores da guerra vividos pelo lado bom.

    two man carrying backpacks during daytime

    Elas, sem renda de casa para pagar, sem juros da Lagarde, com a reforma garantida para os próximos 25 anos (diz o Costa) e com dinheiro suficiente para, em conjunto, visitarem as ilhas dos Açores, desembarcaram felizes e com a sensação de dever cumprido.

    O moral ficou em alta. Todos temos que ajudar, dê por onde der, custe a quem custar. Menos elas, claro.

    Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento na EcarX (Suécia)


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • SIDA, anos 90 – e nós agora

    SIDA, anos 90 – e nós agora


    Recordo como se fosse hoje a esquiva e as desculpas para não operar os doentes. Recordo as crises emocionais de alguns a quem calhou a sorte de um HIV positivo.

    Tenho a memória de operar em PECLEC (sistema de redução de lista de espera) nos anos 2005 e seguintes, no Hospital de Anadia, doentes de Portugal inteiro que se arrastavam nas suas instituições onde despudorada e desavergonhadamente lhes recusaram assistência.

    A SIDA teve uns artistas televisivos, uns médicos que se prestaram ao discurso de um certo Cavaquismo (governava o PSD com maioria absoluta) e a um ministro Arlindo de Carvalho que distribuiu milhões de escudos que chegavam da Europa para associações e instituições onde se acumulavam amigos e companheiros.

    Antes eram escudos, os euros vieram em 2002.

    De 1987 (começavam a morrer vedetas da música, cabeleireiros, gente associada ao mundo gay) até 2004, quando irrompem os retrovirais dando confiança, a falta de respeito e a perfídia reinava em português.

    – São paneleiros!, diziam com desprezo.

    person holding white ceramic heart shaped ornament

    Falo de gente directora de serviço, de gente directora de hospitais, de enfermeiros-chefes. Eu vi. Eu testemunhei, surpreso e contundido.

    Sim, meus amigos, essa geração reagiu ao medo de um modo descompensado e deselegante.

    Organizei, com o Cesário Andrade Silva e o Luís Taborda, e com subsídio atribuído pelo ministro Couto dos Santos, e depois pelo secretário de Estado Martins Nunes, o “SIDA anos 90”. Foi o primeiro congresso internacional sobre SIDA que se fez na Europa.

    Tivemos as vedetas da TV, a Laura Aires e a Odete Santos Ferreira – já falecidas e que, na altura, desempenhavam o papel do Froes e do Carlos Antunes de agora, os proprietários das Associações criadas para receber os fundos europeus, os amigos do Estado. Tivemos imposições para alguns estarem nas mesas, nomes do nepotismo nacional, rolhas que sempre sobrenadam.

    Revista da Ordem dos Médicos de Junho de 1990.

    Pontificava, no mundo, um português de sua graça Luís Champalimaud, que tinha identificado e isolado o HIV2 na Guiné. Esse colega não ia à televisão, não era membro das comissões de luta contra a SIDA, não tinha voz activa nas decisões do Estado. Não tinha palco! Era o patinho Torgal daquela altura.

    Nós éramos a Associação Nacional de Jovens Médicos, fundada pelo Álvaro Beleza, e que eu prosseguiria com a missão.

    Tivemos outros médicos, que hoje são vedetas políticas, como Miguel Guimarães, Manuel Pizarro, Miguel Leão, mas não incentivaram a ANJM, e não estiveram de alma no Congresso da SIDA anos 90.

    As principais conclusões, e outros textos sobre a temática, foram publicadas na revista da Ordem dos Médicos em Junho de 1990.

    A SIDA foi uma escola para aquilo que hoje estamos a viver. Foi uma lição onde os comportamentos humanos mais impróprios ganharam luz, mas, como não era um vírus transmitido pelo ar, a histeria não cresceu mais.

    Havia os que recusavam os pratos nos restaurantes, os que temiam um beijo, os que recusaram proximidade com doentes da SIDA ou mesmo os seus cuidadores.

    O HIV matava jovens que se fartava – nada comparado com o SARS-CoV-2. Morriam de modo lento, com infecções sucessivas, em angústia e agonia.

    Recordo o filme Filadélfia, em 1993, com Tom Hanks e Denzel Washington, e uma banda sonora maravilhosa. Vejam, e perceberão o que se passa no Mundo agora.

    Eu vi! Eu estive lá!

    Diogo Cabrita é médico


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.