Categoria: Imprensa

  • Negócios: Director da TSF multado em 1.000 euros mas mantém cargos empresariais

    Negócios: Director da TSF multado em 1.000 euros mas mantém cargos empresariais

    Jornalista, colunista e com funções de topo na definição editorial de cinco órgãos de comunicação social do Grupo Global Media, Domingos de Andrade não tinha problemas em assumir também tarefas executivas de marketing e parcerias comerciais em oito empresas de media, chegando mesmo a assinar contratos. Em Julho do ano passado, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) ameaçou retirar-lhe a acreditação, mas a “montanha de promiscuidades pariu um rato”: uma multa de mil euros. Assim, Domingos Andrade mantém carteira profissional, liderança e coordenação de redacções e todos os cargos de gestão empresarial, tendo apenas deixado de assinar contratos. Além disso, impugnou judicialmente a multa.


    O director da Rádio TSF, Domingos de Andrade, também administrador de várias empresas do Grupo Global Media, foi multado em 1.000 euros pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCCPJ), num processo iniciado após denúncias do PÁGINA UM de que aquele jornalista estaria a definir estratégias de marketing, assinando até contratos comerciais.

    Apesar da gravidade da situação, a CCPJ não lhe aplicou qualquer sanção acessória, prevista pelo Estatuto de Jornalista, pelo que Domingos de Andrade manteve incólume a sua acreditação como jornalista e como director editorial de diversos órgãos de comunicação social do Grupo Global Media. Em simultâneo, continua em todos os cargos de administração e gerência de empresas do Grupo Global Media.

    Director da TSF e com funções de topo na coordenação de jornalistas em mais outros quatro órgãos de comunicação social, Domingos de Andrade participa activamente na gestão empresarial de oito empresas do Grupo Global Media. A promiscuidade entre informação e negócios só lhe custou 1.000 euros, mantendo-se como jornalista acreditado.

    De acordo com o Portal da Transparência da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), Domingos de Andrade – que não quis prestar quaisquer declarações ao PÁGINA UM – é director tanto da TSF como da Rádio Jovem de Évora e da Rádio Caldas, tendo também uma crónica regular no Jornal de Notícias. Surge também nas fichas técnicas dos jornais  O Jogo e Jornal de Notícias como director-geral editorial. Até Julho do ano passado ainda acumulava o cargo de director-editorial do Diário de Notícias.

    Apesar de deter estas responsabilidades jornalísticas de topo, que implicam a definição das linhas editoriais e a coordenação de equipas de jornalistas, Domingos Andrade ainda se ocupa, qual globetrotter dos media, em funções de gestão executiva, incluindo obviamente as áreas comerciais, sendo gerente de quatro empresas (Difusão de Ideias, Lda.; Pense Positivo, Lda.; Rádio Comercial dos Açores, Lda.; TSF – Rádio Jornal Lisboa, Lda.) e de vogal do Conselho de Administração em mais outras quatro empresas (TSF – Cooperativa Rádio Jornal do Algarve; Açormédia – Comunicação Multimédia e Edição de Publicações; Global Notícias – Media Group; e Rádio Notícias – Produções e Publicidade). Todas são do universo do Grupo Global Media.

    Embora a CCPJ nunca tenha disponibilizado detalhes sobre o processo instaurado durante o ano passado contra Domingos de Andrade – considerando que os pedidos do PÁGINA UM são “manifestamente abusivos” e que todas as notícias que publicámos eram “sensacionalistas”–, no site deste órgão regulador e disciplinador da classe jornalística esteve até ontem a informação sobre a aplicação da sanção ao director da TSF, que terá sido tomada em 25 de Janeiro deste ano.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    No documento inicial que o PÁGINA UM consultou ao longo desta semana no site da CCPJ surge a referência a Domingos Andrade ser “administrador com funções executivas”, e que terá praticado “atos de cariz comercial”, o que constitui um “exercício de actividade incompatível” com o jornalismo. Nesse documento, onde também constam outros quatro processos, informava-se também que a decisão da CCPJ tinha sido impugnada judicialmente no dia 13 do mês passado.

    Mas, entretanto, de forma inopinada, esta informação das sanções aplicadas a jornalistas em processos iniciados em 2022 foi retirada pela CCPJ, curiosamente após o contacto do PÁGINA UM a Domingos de Andrade, sendo substituída por outra. Na nova ligação desapareceu as referências ao processo de contraordenação de Domingos de Andrade e da jornalista Maria Moreira Rato, ambas impugnadas. Saliente-se que, por exemplo, as contraordenações e deliberação tomadas pela ERC contra jornalistas e órgãos de comunicação social são publicadas na íntegra, independentemente de eventuais impugnações. Somente por decisão judicial podem aqueles ser anuladas.

    Este “apagão” promovido pela CCPJ acaba, porém, por transmitir uma falsidade, involuntária ou intencional. No documento original, com referências aos processos de Domingos de Andrade e de Maria Moreira Rato, havia a indicação da aplicação de duas coimas e dois arquivamentos por pagamento voluntário de coima ao longo de 2022; agora, o regulador presidido por Licínia Girão – e que integra outros oito jornalistas – transmite uma mentira, porque somente destaca a existência de dois arquivamentos por pagamento voluntário da coima.

    Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) modificou a síntese dos processos de contra-ordenação referentes ao ano de 2022 (original em cima), exactamente no momento em que o PÁGINA UM pediu comentários a Domingos de Andrade. A informação agora constante no site da CCPJ (original em baixo) não corresponde à verdade.

    O PÁGINA UM contactou a CCPJ para conhecer os motivos da retirada da informação pública sobre a multa aplicada a Domingos de Andrade, e quem ordenou o expurgo, mas, por agora, só houve a seguinte resposta lacónica: “Agradecemos o seu e-mail, cujo conteúdo receberá a nossa melhor atenção.”

    Apesar da escassez de informação e do (já habitual) secretismo e obscurantismo da CCPJ, o PÁGINA UM sabe que este processo instaurado contra Domingos de Andrade está relacionado com o regime de incompatibilidades do Estatuto do Jornalista – uma lei de 1999 – que impede os jornalistas de exercerem “funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”. A preparação, assinatura e execução de contratos comerciais constitui, sem margem para dúvidas, funções de “planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”.

    Em Dezembro de 2021, o PÁGINA UM começou por detectar dois contratos comerciais assinados por Domingos de Andrade como administrador da Global Media, designadamente com a Câmara Municipal de Valongo (para a produção de reportagens, no valor de 74.000 euros) e com a Comunidade Intermunicipal da Beira Alta (para aquisição de serviços de publicidade e divulgação turística para o período do Verão de 2021, no valor de 25.000 euros). Domingos de Andrade não estava, como administrador, impedido de assinar contratos, mas deveria ter suspendido a sua carteira profissional, além de as suas funções de direcção editorial ficarem assim feridas do ponto de vista deontológico.

    Licínia Girão, presidente da CCPJ, anda há meses a recusar o acesso ao processo de Domingos de Andrade, e de outros documentos administrativos, alegando que os pedidos do PÁGINA UM são “manifestamente abusivos” e as suas notícias têm “conteúdo inteiramente sensacionalista”.

    Mesmo depois de a CCPJ, então ainda presidida pela jornalista do Público, Leonete Botelho, ter levantado um “processo de questionamento” a Domingos de Andrade, o multifacetado jornalista-gerente ainda assinou novo contrato comercial.

    Em Julho do ano passado, o Correio da Manhã ainda divulgou uma alegada intenção da CCPJ, presidida por Licínia Girão, em não renovar a carteira profissional de jornalista a Domingos de Andrade. Essa intenção jamais se concretizou. Hoje, o director da TSF e de mais duas rádios consegue manter-se como jornalista (com a carteira profissional 1723) e a gerir oito empresas da Global Notícias. Apenas deixou de assinar os contratos, pelo menos com entidade públicas, conforme consulta no Portal Base.

    Para a CCPJ, aparentemente, o caso ficaria bem encerrado a troco de 1.000 euros de multa, com 40% do montante a reverter para este órgão, mesmo se, discretamente – apenas com o cuidado de não apor a sua assinatura em contratos –, este jornalista continua a dirigir outros jornalistas enquanto em simultâneo negoceia e participa na execução de parcerias comerciais com entidades públicas e privadas.

    Com o seu recurso ao Tribunal Administrativo, Domingos de Andrade mostra que acha que nem uma singela multa merece a sua atitude de promiscuidade entre jornalismo e marketing.

  • #TwitterFiles: Luta contra a desinformação ou cartel de promiscuidades?

    #TwitterFiles: Luta contra a desinformação ou cartel de promiscuidades?

    Em conversa recente com um jornalista da BBC, Elon Musk já deixara em aberto mais revelações sobre as promiscuidades e atitudes censórias praticadas no passado pelo Twitter e outras redes sociais. Anteontem, numa nova série de documentos escrutinados por jornalistas independentes, reforçam-se as provas da “colaboração”, mesmo antes da pandemia, entre Governo norte-americano, serviços de inteligência, académicos, organizações não-governamentais e jornalistas em prol do combate à “desinformação”. Ou em prol da censura, já não se sabe bem.


    “Estilo cartel” – são estes os termos crus e duros usados por Andrew Lowenthal, antigo director executivo da EngageMedia e gestor da newsletter NetworkAffects, para caracterizar a forma como grupos de interesses, lobbys e comunicação social têm vindo a funcionar nos últimos anos.

    Em nova sessão dos #Twitter Files, divulgados anteontem – e que desde Dezembro têm revelado, com a “autorização” de Elon Musk, os procedimentos anteriores desta rede social –, Andrew Lowenthal conta como se desenvolveram diversas iniciativas que redundaram em situações de promiscuidade entre entidades governamentais, serviços de inteligência, cientistas, organizações não-governamentais e jornalistas.

    blue and white arrow sign

    “Numa democracia funcional existe uma tensão dinâmica entre o Governo, organizações da sociedade civil, comunicação social e indústria, em direcção aos seus próprios interesses, na teoria garantindo entre si uma conduta honesta. Nos #Twitter Files, vemo-los todos a trabalhar em conjunto, estilo cartel”, sintetiza Lowenthal, destacando que as promiscuidades surgiram ainda antes da pandemia.

    Por exemplo, numa conferência à porta fechada em 2017, organizada pelo National Democratic Institute (NDI) e a Universidade de Stanford para discutir o “desafio global da desinformação digital” foram convidados “líderes de opinião” de empresas tecnológicas, organizações filantrópicas, entidades políticas e jornalistas de topo do Washington Post, The New York Times, Atlantic e NBC. Neste tipo de “proto-workshops de censura”, como Lowenthal os apelida, os jornalistas eram vistos como parceiros, como “participantes, e não adversários”.

    Andrew Lowenthal destaca que os documentos do Twitter confirmam, cada vez mais e de forma inegável, que “as companhias tecnológicas colabora[ra]m entre si e com o Estado”, criando e gerindo um sistema de “partilha multilateral de informação”, chegando a reunir frequentemente com o FBI, o Pentágono, o Departamento de Segurança Interna e até com membros da Câmara dos Representantes e do Senado norte-americano. As comunicações internas do Twitter também sugerem, inclusivamente, “um elevado acesso a dados por parte das Forças Armadas”.

    Andrew Lowenthal, ao centro, responsável pela divulgação de nova série de documentos dos #Twitter Files.

    Além disso, vários membros do Departamento de Segurança Interna norte-americano vieram mesmo trabalhar no Twitter e no Virality Project, um projeto da Universidade de Stanford para combater a desinformação. O Virality Project teve como principal parceiro a Graphika, uma empresa de análise de media social, muito activa na detecção de contas suspeitas de desinformação e de influências em perspectivas não oficiais.

    Ora, segundo os novos Twitter Files, “a Graphika recebe dinheiro do Pentágono, da Marinha e da Força Aérea, enquanto apoia, em simultâneo, organizações de direitos humanos como a Amnistia Internacional e a Human Rights Watch”. Ou seja, há uma porta giratória “interminável” entre a academia, o Governo norte-americano, organizações não-governamentais e as grandes tecnológicas.

    Lowenthal mostra também os promíscuos fluxos financeiros desta luta contra a desinformação encabeçada pelo Governo norte-americano e as plataformas tecnológicas, exemplificando com o contrato de 979 milhões de dólares entre o Departamento da Defesa e a Pentaron, uma empresa privada de segurança e tecnologia, para “combater desinformação especificamente originada por adversários dos Estados Unidos”.

    mixed paints in a plate

    Mas também houve investidores privados e magnatas envolvidos. Foi o caso de Craig Newmark, o multimilionário que criou a conhecida Craigslist, e que terá desembolsado mais de 200 milhões de dólares no financiamento de projetos jornalísticos e académicos para vencer a “guerra da informação”.

    Nem mesmo as Nações Unidas ficam de fora desta enorme teia de entidades poderosas que combatem a desinformação suportando a imprensa, de forma directa e indirecta. Por exemplo, a Public Good Projects (PGP), uma fundação sem fins lucrativos, que colaborou com o Twitter para conter a desinformação sobre a covid-19, também levou a cabo “iniciativas para fomentar a procura de vacinas”, tendo criado o Vaccination Demand Observatory em articulação com a UNICEF e o Yale Institute for Global Health.

    A pandemia da covid-19 aprofundou estas relações sem fronteiras entre entidades governamentais e não-governamentais, incluindo a imprensa. Nos e-mails internos do Twitter agora divulgados por Lowenthal, comunica-se, por exemplo, a lista dos principais grupos, canais e contas que formam uma alegada “Indústria de Anti-vacinas Online”, e refere-se que os seguidores destas páginas ultrapassaram o patamar dos 58 milhões de contas durante a pandemia.

    Em particular, salienta-se como foram identificado os “Desinformation Dozen”, os 12 activistas alegadamente “antivacinas”, entre os quais se destacava Robert Kennedy Jr. actual pré-candidato democrata às eleições norte-americanas de 2024 e um dos mais destacados (e outrora respeitáveis) defensores das políticas de combate às alterações climáticas.  Houve mesmo responsáveis governamentais norte-americanos que pediram então ao Twitter que banisse estes “Desinformation Dozen”.

    De respeitável defensor de causas ambientais, Robert Kennedy Jr. passou a proscrito pela imprensa mainstream pelas suas posições críticas às vacinas contra a covid-19.

    O antisemitismo foi outra preocupação no mundo online, mas onde se identificaram interesses com algum grau de promiscuidade. Por exemplo, o Center for Countering Digital Hate (CCDH) e a Anti-Defamation League (ADL) foram duas entidades supostamente independentes que mais acusaram as principais tecnológicas de não tomar medidas contra o “discurso de ódio e conteúdos antisemitas”, mas o “financiamento misterioso [do CCDH] nunca preocupou os executivos do Twitter nem os repórteres que transmitiram as suas exigências”, destaca Lowenthal.

    No final da divulgação destes documentos dos denominados Twitter Files, e perante a promiscuidade entre entidades supostamente independentes dinamizadas pela sociedade civil, entidades governamentais e imprensa, Andrew Lowenthal acaba a fazer um apelo. “Vamos colocar o ‘não-governamental’ novamente em ‘organização não-governamental’ e retirar o financiamento à indústria ‘anti-desinformação”.

    Leia aqui toda a cobertura dos “Twitter Files” feita pelo PÁGINA UM.

  • Nove jornalistas da CCPJ acham que há pedidos de jornalistas “manifestamente abusivos”. Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos diz que não

    Nove jornalistas da CCPJ acham que há pedidos de jornalistas “manifestamente abusivos”. Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos diz que não

    O órgão regulador e disciplinador dos jornalistas a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) – tem sistematicamente recusado o acesso a informação ao PÁGINA UM sobre a sua actividade. A recusa é uma postura já clássica: entidades governamentais e da Administração Pública têm cultivado o obscurantismo, razão pela qual correm processos em Tribunal Administrativo. Mas a CCPJ, liderada por Licínia Girão, cooptada por ser uma “jurista de mérito”, e que integra nove jornalistas usou um inusitado argumento de peso: os pedidos do PÁGINA UM são “manifestamente abusivos”. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos diz que isso não é argumento válido segundo a lei.


    São nove os jornalistas da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista – o órgão regulador e disciplinador desta classe – que defenderam que os quatro pedidos do PÁGINA UM para acesso a documentos administrativos, relacionados com o funcionamento e actividades daquela entidade, não deveriam ser disponibilizados. Motivo: os pedidos eram “manifestamente abusivos”, defenderam os membros do Plenário da CCPJ, no processo aberto pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA).

    Tanto na recusa do pedido do PÁGINA UM como na argumentação no processo levantado pela CADA, a CCPJ defendeu que a “finalidade do acesso aos documentos [por parte do director do PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira, jornalista acreditado desde 1995] é, em si, manifestamente abusiva”, alegando que “o requerente tem vindo, ao longo do último ano, a mover sucessivos pedidos de acesso aos mais variados documentos na posse da CCPJ, acabando por fazer um uso abusivo dos mesmos quando a eles tem acesso”.

    Comissão da Carteira Profissional de Jornalista tem sede no Palácio Foz, em Lisboa.

    Na semana passada, a CADA – presidida pelo juiz conselheiro Alberto Oliveira – acabou, como se esperava, por esclarecer num parecer demolidor que a “alegação de que a finalidade de acesso à documentação é ’abusiva’ [como defendiam os nove jornalistas que conjunturalmente ocupam a CCPJ], por o requerente [director do PÁGINA UM] ter vindo a fazer uso abusivo da documentação que vai obtendo, (…) não constitui fundamento de indeferimento do pedido de acesso, tratando-se de documentação livremente acessível”.

    Para a CADA, “a responsabilidade quanto ao uso de informação livre recai sobre cada qual, não podendo uma entidade administrativa [como é a CCPJ] condicionar o acesso pelo conhecimento do que tem vindo a ser feito e ou a antevisão do que dela será feito”.

    Após este parecer da CADA, que não é vinculativo, a CCPJ tem agora 10 dias para dar uma resposta ao PÁGINA UM. Uma nova recusa levará o caso ao Tribunal Administrativo de Lisboa, bem como queixas junto do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

    Licínia Girão é presidente da CCPJ desde Maio do ano passado. Recusa-se sistematicamente a dar acesso a qualquer documento desta entidade ao PÁGINA UM com argumentos “perigosos” para a classe.

    Os documentos administrativos da CCPJ que estão na base desta inusitada querela são, na verdade, básicos, integrando a gestão normal desta entidade dirigida agora por Licínia Girão, coadjuvada por um histórico do jornalismo português, Jacinto Godinho, que acumula o emprego de repórter da RTP enquanto é também professor de Comunicação Social na Universidade Nova de Lisboa.

    Entre os documentos a que o PÁGINA UM pretende ter acesso estão as actas das reuniões do Plenário da CCPJ e ainda documentos que atestam os valores recebidos a título de remunerações e/ ou senhas de presença dos membros desta entidade.

    Neste último caso, os membros da CCPJ nem sequer quiseram assumir que são uma entidade de direito público – obrigada, por exemplo, a fornecer os valores definidos pelo Governo quanto ao valor das senhas de presença e outras regalias –, alegando que as receitas provêm dos emolumentos dos jornalistas. A CADA não lhes dá a mínima razão. E mesmo que não fosse uma entidade pública, os jornalistas que integram a CCPJ mostram serem pouco adeptos da transparência perantes os seus pares.

    Exemplo de uma notícia do PÁGINA UM classificada pela CCPJ como sendo “sensacionalista” para justificar que os pedidos agora feitos são “manifestamente abusivos”. Todo o conteúdo desta notícia é factual, tal como todas as outras publicadas pelo PÁGINA UM.

    Além destes documentos, o PÁGINA UM teve de requerer novamente os pareceres do Secretariado da CCPJ desde a sua criação, bem como os processos supostamente abertos em finais de 2021 aos directores do Público e de publicações da Global Media por participação na execução de contratos públicos. Nos dois últimos casos, a CCPJ já havia recusado este acesso no ano passado, não tendo a situação sido analisada pelo Tribunal Administrativo por um lapso processual da parte do PÁGINA UM.

    Relativamente a esses dois últimos casos (pareceres e acesso a processos disciplinares contra directores de órgãos de comunicação social mainstream), a interpretação da CADA é de que a CCPJ não tem obrigação agora de responder ao director do PÁGINA UM, porque já recusou anteriormente há menos de dois anos, mas tal não significa que este tenha perdido o direito de acesso. Mesmo sendo interpretação questionável, que poderá ser dirimida no Tribunal Administrativo, na verdade bastará que outro jornalista do PÁGINA UM (ou de outro órgão de comunicação social) faça similar pedido para que o direito de acesso a esses mesmos documentos seja juridicamente inquestionável.

    Saliente-se que, apesar de o director do PÁGINA UM ter abordado por mais de uma dezena de vezes casos de promiscuidade na imprensa mainstream e questionado em artigos jornalísticos e de opinião as qualificações da presidente da CCPJ – as causas para que esta entidade considerasse que os pedidos deveriam ser vistos como “manifestamente abusivos” –, não existe em curso qualquer processo disciplinar contra si.

    Trecho do parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.

    Note-se que qualquer processo disciplinar contra um jornalista pode ser oficiosamente levantado pela CCPJ, seguindo trâmites específicos do Direito Administrativo, quando estiver em causa a suspeita de qualquer delito ético ou profissional. Não existe também qualquer conhecimento de uma queixa por difamação ou outro qualquer crime por causa das diversas notícias sobre estas matérias por parte do PÁGINA UM nem tão-pouco qualquer pedido de direito de resposta ou rectificação – que, aliás, a existir seria imediatamente publicado, em acordo com o estipulado pela Lei da Imprensa.  

    Os membros da CCPJ são, além de Licínia Girão (CP 1327), os jornalistas Jacinto Godinho (CP 772), Anabela Natário (CP 326), Miguel Alexandre Ganhão (CP 1552), Isabel Magalhães (CP 1024), Cláudia Maia (CP 2578), Paulo Ribeiro (CP 1027), Luís Mendonça (CP 1407), Pedro Pinheiro (CP 1440). Juntam-se assim a responsáveis políticos e da Administração Pública que se têm recusado a disponibilizar documentos administrativos ao PÁGINA UM. Em diversos casos acabaram já por ser obrigados a fornecer esses documentos em processos de intimação no Tribunal Administrativo.

    Em todo o caso, até agora, nenhum responsável político ou da Administração Pública recusou fornecer documentos ao PÁGINA UM alegando explicitamente que poderia implicar a publicação de notícias eventualmente desfavoráveis. Foi necessário nove jornalistas para que esse argumento fosse agora usado. Histórico: no mau sentido.

  • ERC mostra “cartão amarelo” ao Porto Canal e até identifica “jornalista comercial”

    ERC mostra “cartão amarelo” ao Porto Canal e até identifica “jornalista comercial”

    Menos de um ano após um polémico arquivamento, por caducidade, de um procedimento contra o Porto Canal, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) quis corrigir a mão, e passou a “pente fino” uma dezena de contratos entre o canal televisivo do Futebol Clube do Porto e entidades públicas. Saiu um rol de irregularidades e ilegalidades. E foi identificado, pela primeira vez, um jornalista, Pedro Carvalho da Silva, por participar em conteúdos que consubstanciam a execução de contratos comerciais. Este poderá ser o primeiro caso de muitas dezenas espalhados pelos principais órgãos de comunicação social portugueses. Além disso, a Porto Canal vai ter de exibir e ler um longo texto no seu noticiário para assumir as falhas.


    Ausência de identificação de patrocínios em programas, jornalistas a executarem programas comerciais, publicidade ilegal a bebidas alcoólicas e violação das normas do Código dos Contratos Públicos – este é o rol de irregularidades e ilegalidades detectadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) numa averiguação a “pente fino” de contratos entre o Porto Canal – detida pela empresa Avenida dos Aliados, maioritariamente detida por uma sociedade ligada ao Futebol Clube do Porto e presidida por Jorge Nuno Pinto da Costa.

    A deliberação do regulador, assumida em 22 de Março passado – e à qual o PÁGINA UM teve acesso em primeira-mão, e que ainda não constava hoje no site da ERC –, além de originar três procedimentos autónomos com vista a processos de contra-ordenação, obriga desde já o Porto Canal à leitura e exibição de um longo texto no seu serviço noticioso de maior audiência, “atendendo à colisão com a obrigação e garantir uma programação independente face ao poder económico”.

    Jorge Nuno Pinto da Costa, presidente do Futebol Clube do Porto SAD e da Avenida dos Aliados S.A., detentora do Porto Canal.

    Nesse texto, o Porto Canal vai ter de assumir que em dois dos seus programas (Imperdíveis, patrocinado pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e Viver Aqui, patrocinado pelo município de Vila Nova de Gaia, em Novembro e Junho de 2021, respectivamente), “ambos sob alçada da Direcção de Informação”, houve publicitação de bens, marcas e serviços de entidades públicas “sem que tal tivesse sido devidamente identificado perante os telespectadores”.

    A ERC obriga também o Porto Canal a assumir que esta sua opção “revestiu-se de opacidade, não cuidando de informar os telespectadores de que tais conteúdos resultaram de contrapartidas monetárias”, e que tal, quando não devidamente identificada, ameaça seriamente a independência do órgão de comunicação social e o livre exercício do direito à informação”.

    O regulador – no âmbito de uma análise detalhada, mas que incidiu somente no período de um ano (1 de Julho de 2021 a 30 de Junho de 2022, e em contratos exclusivamente com entidades públicas – identificou também, pela primeira vez, jornalistas habilitados com carteira profissional a executarem tarefas incompatíveis, ou seja, no cumprimento de tarefas impostas em contratos comerciais.

    Depois de ter deixado caducar um procedimento aberto em 2018, ERC voltou a passar os contratos do Porto Canal a “pente fino”. Irregularidades e ilegalidades são mais que muitas.

    Esta tem sido uma das matérias mais polémicas dentro da classe jornalística, denunciado várias vezes pelo PÁGINA UM, e sobre as quais a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, presidida pela jurista Licínia Girão, nada tem feito em concreto para atalhar.

    Desta vez – e é mesmo uma situação inédita –, a ERC nomeia explicitamente o jornalista Pedro Carvalho da Silva (CP 4108), pivot do Porto Canal e apresentador do programa de “infoentretenimento” Viver Aqui, por participar na produção de conteúdos onde “compromete não só o seu direito à autonomia e independência, como também o seu dever correspondente, tal como determinado no Estatuto do Jornalista”.

    Por outro lado, o Porto Canal comprometeu-se, neste contrato de 15 mil euros, a realizar cinco reportagens de 10 minutos em cinco meses, com conteúdos articulados entre as duas entidades, e ainda uma reportagem alargada de uma hora, ficando a hipótese de “dar ênfase ao Património Histórico ou até mesmo fazer várias reportagens em simultâneo em várias Caves de Vinho do Porto.” Ou seja, ingerências escandalosas na definição editorial de um órgão de comunicação social sob a forma de contrato público.

    Pedro Carvalho da Silva (“mascarado”), jornalista do Porto Canal, que será (em princípio) alvo de um processo disciplinar pela CCPJ, durante o primeiro aniversário do programa Viver Aqui (15 de Março de 2022), patrocinado pela autarquia de Vila Nova de Gaia. Ao seu lado esquerdo, o antigo director do Porto Canal, Tiago Girão, que cessou funções no mês de Março, mas que não foi abrangido pela deliberação da ERC.

    Na sua deliberação, os membros do Conselho Regulador dizem mesmo – e querem agora que o Porto Canal o exponha aos seus telespectadores – que “ao não acautelar as previsões legais e deontológicas exigidas, a televisão do Futebol Clube do Porto SAD “poderá ter comprometido a veracidade , rigor e objectividade dos conteúdos, em prejuízo do interesse público e da livre formação da opinião”.

    Nessa medida, a ERC enviou o processo do jornalista Pedro Carvalho da Silva para instauração de um processo disciplinar pela CCPJ. Ao contrário do que é habitual, desta vez a ERC invoca expressamente o artigo 14º do Estatuto do Jornalista, o que impedirá, em princípio, a CCPJ de não abrir, como é habitual, a abertura deste tipo de procedimentos disciplinares.

    Além de outras situações aparentemente legais mas que revelam grande promiscuidade – como autarcas que patrocinam programas a serem entrevistados nesses mesmos programas, como sucedeu com políticos de Valongo (duas vezes), Vizela e Póvoa de Varzim –, a ERC detectou ainda três casos de contratos públicos celebrados em data posterior à emissão das “peças jornalísticas”, designadamente aqueles assinados entre o Porto Canal e a UTAD e os municípios de Valongo e Póvoa de Varzim. Para estes casos, a ERC remeteu o caso para o Tribunal de Contas que poderá vir a determinar a nulidade destes três contratos e a correspondente devolução das verbas, além da eventual aplicação de multas.

    Excerto do caderno de encargos entre o Porto Canal e o município de Vila Nova de Gaia que estipula a obrigatoriedade da realização de reportagens jornalísticas sobre o município e uma entrevista ao edil.

    No caso do contrato com a UTAD, que envolveu a divulgação e cobertura do evento Vinhos Alumni, a ERC considerou que, pelas declarações dos enólogos, se estava perante publicidade a bebidas alcoólicas, pelo que será levantado um processo de contra-ordenação por violação da Lei da Publicidade.

    Na mesma linha, o patrocínio da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte para o programa Norte num Minuto mereceu críticas do regulador que, apesar das justificações do Porto Canal, decidiu abrir um “processo administrativo com vista ao apuramento sistemático e em profundidade das questões legais”.

    Em suma, o regulador pretende analisar com maior detalhe uma prática cada vez mais sistemática dos media mainstream: a encomenda de conteúdos específicos por parte de um patrocinador para serem explicitamente transmitidos por um órgão de comunicação social sem que seja claro para o público que se está perante um condicionamento (pelo menos indirecto) à liberdade editorial.

    Além de tudo isto, a ERC ainda detectou que a empresa Avenida dos Aliados – a detentora do Porto Canal – não tinha colocado no ano passado a informação sobre os fluxos financeiros na Plataforma da Transparência dos Media e se existiam clientes relevantes.

    woman in black tank top covering her face with her hands
    Jornalistas a cumprirem contratos comerciais abundam nas redacções, mas até agora a ERC não os identificava nem remetia os processos para a CCPJ invocando o artigo correcto do Estatuto do Jornalista.

    A situação foi entretanto corrigida, ficando-se agora a saber que a empresa do Porto Canal teve um prejuízo em 2021 da ordem dos 233 mil euros e que depende quase exclusivamente da FCP Media (do universo da Futebol Clube do Porto SAD) para sobreviver. Com efeito, dos cerca de 3,7 milhões de euros de rendimentos naquele ano, quase 3,5 milhões (93,94%) foram “injectados” pela FCP Media.

    Saliente-se que esta fiscalização especial ao Porto Canal sucede depois de um polémico arquivamento no ano passado de um procedimento, que deveria ter culminado num processo de contra-ordenação. O arquivamento foi justificado por “caducidade”, através de uma deliberação do Conselho Regulador da ERC, e a celeuma provocou mesmo uma reestruturação interna.

    A ERC, sabe o PÁGINA UM, está também a analisar um vasto conjunto de contratos similares aos do Porto Canal que envolvem a maioria dos principais órgãos de comunicação social, tendo jornalistas habilitados com carteira profissional a executá-los como se fossem “jornalistas comerciais”.

  • Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista decidiu aumentar taxas, mas recusa dizer quanto ganha em cargo público

    Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista decidiu aumentar taxas, mas recusa dizer quanto ganha em cargo público

    Em casa de ferreiro, espeto de pau. A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) recusa ceder documentos administrativos aos próprios jornalistas sobre o seu funcionamento, mesmo se esta entidade é pública. Em causa estão as decisões tomadas desde 2020 pelo órgão regulador e de acreditação de uma profissão que está em polvorosa, com um abaixo-assinado de 1.400 jornalistas, por causa da subida da taxa obrigatória para o exercício da profissão. Num pedido do PÁGINA UM, pretende-se saber a remuneração da presidente da CCPJ, Licínia Girão, que assumiu o cargo em Maio do ano passado. como “jurista de mérito”, mesmo se foi incapaz de concluir o estágio de advocacia, que iniciara em finais de 2020.


    A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) recusa o acesso às actas do plenário daquele órgão regulador, bem como aos documentos que comprovem as remunerações dos seus membros, numa altura em que se avolumam as críticas contra a entidade reguladora da classe. Este mês, a CCPJ aumentou os emolumentos para o exercício da actividade jornalística, levando à criação de um abaixo-assinado de cerca de 1.400 jornalistas.

    A entidade presidida por Licínia Girão – uma jornalista freelancer cooptada por oito jornalistas que integram o Plenário da CCPJ por ser considerada uma “jurista de mérito”, apesar de nem sequer ter conseguido concluir o estágio de advocacia – decidiu subir os encargos pela aquisição e renovação bianual da carteira profissional, subindo os emolumentos de 66,5 euros para os 76 euros.

    Comissão da Carteira Profissional de Jornalista tem sede no Palácio Foz, na Praça dos Restauradores, em Lisboa.

    A CCPJ – um organismo independente de direito público para a acreditação e disciplina dos jornalistas, embora sem qualquer semelhança com uma Ordem – alegou que os emolumentos são “a única base fundamental do [seu] orçamento (…) para efetuar a sua missão legal, nomeadamente o processamento e a emissão física dos próprios títulos, pagar os salários aos cinco colaboradores que asseguram o serviço diário da Comissão e as despesas inerentes à manutenção deste organismo”.

    Nesse comunicado, o Secretariado da CCPJ – composto por Licínia Girão e Jacinto Godinho, que é jornalista da RTP e professor na Universidade Nova de Lisboa – acrescentou ainda que “a receita anual proveniente dos valores pagos a título de emolumentos pelos jornalistas e equiparados, não são suficientes para a total autonomia financeira da Comissão”.

    Contudo, nem o Orçamento nem o plano de actividades nem tão-pouco os encargos dos funcionários e também dos diversos membros da CCPJ são divulgados no site da entidade nem são revelados, quando pedidos pelos próprios jornalistas.

    Licínia Girão é, desde Maio do ano passado, presidente da CCPJ por ser considerada “jurista de mérito”, mas quando assumiu cargo estava a desenvolver estágio de advocacia, que foi incapaz de concluir, e “chumbou” ainda no acesso ao curso de magistrados do Centro de Estudos Judiciários. Da sua actividade jornalística actual sabe-se pouco: consta apenas na “Ficha Técnica” do jornal Sinal Aberto, surgindo identificada na “Redação” ao lado de pessoas que não possuem carteira profissional, o que não é permitido por lei.

    Em 6 de Fevereiro passado, o PÁGINA UM, no âmbito de outros pedidos, requereu a Licínia Girão “o acesso a presencial de todas as actas do Plenário da CCPJ desde 2020” e ainda “o acesso presencial ao documento administrativo original onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data”.

    Desde Maio do ano passado, a CCPJ é presidida por Licínia Girão, uma jornalista freelancer que vive em Coimbra, não lhe sendo conhecida qualquer ocupação além do cargo no órgão regulador. No seu perfil do LinkedIn, a sua experiência como “Jurista” e “Jornalista Jurista” estão dadas como encerradas em Junho de 2022, sendo assim sensato pensar que estará a ser remunerada como funcionária da CCPJ, o que seria aceitável mas inédito nesta entidade.

    Em resposta ao legítimo requerimento do PÁGINA UM – formalmente apresentado ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos por assim obrigar a uma resposta no prazo máximo de 10 dias –, o Secretariado da CCPJ invocou uma norma da LADA para prorrogar uma resposta por dois meses, mas ainda avisando que desse adiamento “não resulta qualquer assunção expressa ou tácita de que é devido o acesso requerido”. Ou seja, daqui a dois meses, a resposta pode ser não.

    person using magnifying glass enlarging the appearance of his nose and sunglasses

    Além de ser uma justificação bizarra – e ainda mais sendo feita por jornalistas que ocupam cargos públicos perante um pedido de acesso a informação por um colega de profissão –, o Secretariado da CCPJ nem sequer fundamenta, como exige a legislação, a necessidade de um prazo tão alargado para disponibilizar actas e documentos tão simples.

    De facto, a norma alegada pela CCPJ somente é usada, por uma questão lógica de espírito da lei, depois de assumido o direito de acesso, quando é necessário despender muito tempo para agregar os documentos requeridos.

    Ora, a disponibilização de actas e de um documento sobre remunerações dos membros da CCPJ – que devem estar devidamente arquivadas – não aparenta ser tarefa hercúlea que necessite de 60 dias, até porque Licínia Girão foi considerada, pelo seus pares, que a cooptaram, uma “jurista de mérito”.

    Além de Licínia Girão, compõem o Plenário da CCPJ os jornalistas Jacinto Godinho (CP 772), Anabela Natário (CP 326), Miguel Alexandre Ganhão (CP 1552), Isabel Magalhães (CP 1024), Cláudia Maia (CP 2578), Paulo Ribeiro (CP 1027), Luís Mendonça (CP 1407) e Pedro Pinheiro (CP1440).

    brown wooden stand with black background

    Anteontem, três dos membros da CCPJ foram ouvidos na comissão parlamentar de Cultura sobre o modelo de financiamento e os indispensáveis ajustes dos diplomas que regulam a atividade jornalística. Nessa audição, citado pelo ECO, Jacinto Godinho terá dito que “o trabalho jornalístico mexe directamente com liberdades, direitos e garantias de todos”.

    E, de facto, a recusa da CCPJ em disponibilizar ao PÁGINA UM o acesso à informação (e a documentos) é, efectivamente, algo que mexe indubitável e directamente com liberdades, direitos e garantias.


    N.D. Além dos dois pedidos destacados nesta notícia, o PÁGINA UM solicitou outros dois pedidos de acesso a documentação já solicitados à CCPJ, e recusados. Essa recusa fez com que o PÁGINA UM apresentasse uma intimação no Tribunal Administrativo, mas teve de se voltar à estaca zero (novo pedido formal) por um lapso nos prazos. Com esta postura da CCPJ, o PÁGINA UM não vê outra alternativa que não seja a intimação judicial, o que se lamenta, porque não é aceitável esta postura obscurantista numa “casa de jornalistas”. O ponto 3 do Código Deontológico dos Jornalistas diz o seguinte: “O jornalista deve lutar contra as restrições no acesso às fontes de informação e as tentativas de limitar a liberdade de expressão e o direito de informar. É obrigação do jornalista divulgar as ofensas a estes direitos” – e por isso mesmo aqui o fazemos. Saliente-se, por fim, que não assinei, nem como jornalista nem como director do PÁGINA UM, o abaixo-assinado referido na notícia.

  • ‘Obrigado por esta participação no Falar Global, minha querida!’

    ‘Obrigado por esta participação no Falar Global, minha querida!’

    O programa Falar Global da CMTV é o paradigma da actual promiscuidade entre negócios e jornalismo: o apresentador, Reginaldo Rodrigues de Almeida, é professor universitário e detém carteira profissional de jornalista, mas em paralelo é gerente da sua empresa unipessoal, a Kind of Magic, que vai assinando contratos de prestação de serviços de comunicação e publicidade. O à-vontade é tão grande que, no último programa, Reginaldo Rodrigues de Almeida até trata a presidente da Ciência Viva, com quem já estabeleceu quatro contratos com dinheiros públicos, por “minha querida”. Não se sabe se a relação com Isaltino Morais é assim tão calorosa, mas a Kind of Magic tem já uma espécie de avença anual com a autarquia de Oeiras para garantir promoção e publicidade no programa da CMTV. O Estatuto do Jornalista, se fosse cadáver, estaria agora a dar voltas na tumba.


    “Obrigado por esta participação no Falar Global, minha querida!” – foi assim que o jornalista Reginaldo Rodrigues de Almeida, por entre efusivos cumprimentos a quatro mãos, se despediu de Rosalia Vargas, presidente da Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica – Ciência Viva, no seu mais recente programa televisivo, transmitido na segunda-feira passada na CMTV.

    Se essa excessiva informalidade num jornalista pode parecer estranha, mesmo num programa de divulgação de Ciência, acaba por se compreender num facto: Reginaldo Rodrigues de Almeida – que é jornalista com carteira profissional 5887, mas também administrador da Universidade Autónoma de Lisboa com os pelouros de Comunicação e das Relações Externas e de Acção Social – tem um larga relação de negócios com a Ciência Viva, presidida por Rosalia Vargas desde 1996.

    Reginaldo Rodrigues de Almeida, jornalista, professor e empresário, cumprimentando Rosalia Vargas. O apoio da Ciência Viva à CMTV vai para além da divulgação científica. Há, por ali, negócios que são incompatíveis com o jornalismo.

    Quer através da sua empresa unipessoal, a Kind of Magic, quer a título pessoal, Reginaldo Rodrigues de Almeida tem somado nos últimos anos contratos com a Ciência Viva, sempre por ajuste directo, para a produção de conteúdos e apoio à comunicação institucional. O Estatuto do Jornalista proíbe estas práticas, exactamente para evitar aquilo que Reginaldo Rodrigues de Almeida faz depois: promover sistematicamente Rosalia Vargas, através do seu programa Falar Global.

    Apresentado em nota final do programa como tendo o apoio da Ciência Viva, da Vila Galé e da INOV INESC, não existe no Portal Base qualquer contrato entre a Cofina, dona da CMTV, e a Ciência Viva, pelo que se deve concluir que esse apoio anunciado não será financeiro para o canal televisivo.

    Na verdade, de acordo com consultas ao Portal Base, tem sido apenas a empresa Kind of Magic Unipessoal – apenas detida por Reginaldo Rodrigues de Almeida – que tem beneficiado economicamente desta relação: Desde 2015 foram já assinados três contratos com Rosalia Vargas, sempre por ajuste directo.

    No seu programa, Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida destaca amiúde produtos tecnológicos de empresas privadas.

    O primeiro no valor de 66.000 euros, para “aquisição dos serviços de produção de documentários e reportagens relativos à história dos edifícios que albergam os Centros Ciência Viva”; o segundo em Outubro de 2019, no valor de 15.000 euros, por “serviços para produção de conteúdos para jornal impresso, para newsletters digitais, co-gestão das redes sociais e realização de entrevistas no âmbito do Ciência 2019”; e o terceiro em Maio de 2020, no valor de 12.000 euros, para “aquisição de serviços de produção e comunicação de conteúdos no âmbito do Festival da Ciência Online 2020”.

    No caso do segundo contrato, o caderno de encargos estipulou, entre outras funções incompatíveis com a função de jornalista, por serem da área do marketing, que a empresa de Reginaldo Rodrigues de Almeida produzisse e editasse o jornal oficial do Encontro Ciência 2019 e realizasse 10 entrevistas diárias durante os três dias do evento. Um dos entrevistados foi o primeiro-ministro António Costa.

    Além desses três contratos, Reginaldo Rodrigues de Almeida ainda fez, a título pessoal, outro contrato em finais de Janeiro de 2021 com Rosalia Vargas para “aquisição de serviços especializados de apoio à estratégia de comunicação institucional da Rede de Clubes Ciência Viva na Escola”. O contrato nem sequer foi reduzido a escrito e ter-se-á executado em apenas dois dias a um custo de 17.500 euros, ou seja, 8.750 euros ao dia.

    Programa da CMTV, com ficha técnica reveladora de ser de informação, está inundado de promiscuidades: apresentador, que é jornalista, detém empresa unipessoal que assina contratos de comunicação com entidades públicas que surgem nas reportagens.

    Mas não tem sido apenas com a Ciência Viva – e com a sua “eterna” presidente – que Reginaldo Rodrigues de Almeida tem feito negócios com a sua carteira de jornalista sempre presente. No penúltimo episódio do seu programa Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida foi, como jornalista, o cicerone do programa dedicado sobretudo ao evento Ciência 2023 realizado na Universidade de Aveiro.

    Mas, em paralelo, o mesmo Reginaldo Rodrigues de Almeida, através da sua Kind of Magic, sacou 24 mil euros num contrato com a Universidade de Aveiro para a “aquisição de serviços de gestão, realização e produção de conteúdos relativos ao plano de comunicação do evento Ciência 2023, a decorrer nos dias 5, 6 e 7 de julho”.

    Ou seja, não tendo o dom da ubiquidade, Reginaldo Rodrigues de Almeida conseguiu estar no mesmo sítio – Universidade de Aveiro – a exercer duas funções, mas incompatíveis: jornalista, para o programa de informação Falar Global, e produtor de conteúdos para um plano de comunicação de um evento. Sem surpresa, no programa Falar Global, o primeiro-ministro António Costa foi entrevistado, o mesmo sucedendo com Rosalia Vargas, presidente da Ciência Viva, e também Paulo Jorge Ferreira, reitor da Universidade de Aveiro, que também contratara a empresa Kind of Magic.

    No programa, o próprio Reginaldo Rodrigues de Almeida entrevista, ao longo de mais de três minutos a comissária do evento, Helena Vieira. O plano de comunicação traçado pela Kind of Magic parece coincidir com a cobertura do programa da CMTV apresentado pelo jornalista e gerente da Kind of Magic.

    Reginaldo Rodrigues de Almeida esteve na Universidade de Aveiro como jornalista, para o programa de informação da CMTV, e como gerente da Kind of Magic, exercendo o papel de produtor de conteúdos para o plano de comunicação do evento, tendo facturado 24.000 euros por esta segunda função.

    Mas há ainda uma terceira entidade que se destaca nas relações comerciais do jornalista Reginaldo Rodrigues de Almeida: a autarquia de Oeiras.

    Nos últimos três anos, a Kind of Magic tem conseguido, desde 2020, uma espécie de avença anual por ajuste directo para “prestação de serviços de emissão de conteúdos” de promoção do conceito Oeiras Valley no próprio programa Falar Global – que, saliente-se, é um programa de informação da CMTV, onde na ficha técnica consta os nomes dos responsáveis editoriais da televisão da Cofina: Carlos Rodrigues (director), Paulo Oliveira Lima (director executivo), João Ferreira, Pedro Carreira e Rui Quartin Costa (subdirectores).

    Embora não se conheçam todo os pormenores por não terem sido publicados no Portal Base os cadernos de encargos, os três contratos – cada um no valor exacto de 49.999,82 euros, assinados em Setembro de 2020, em Setembro de 2021 e em Dezembro 2022 – mostram similaridades.

    Por exemplo, no contrato do final do ano passado, Reginaldo Rodrigues de Almeida, gerente da Kind of Magic, garantiu à autarquia liderada por Isaltino de Morais a produção de “26 conteúdos publicitários para divulgação da marca Oeiras Valley, no programa ‘Falar Global’ da CMTV”, que é apresentado pelo jornalista… Reginaldo Rodrigues de Almeida. Note-se que os programas de informação não podem ter conteúdos publicitários, e muito menos através de jornalistas.

    Printscreen do registo como jornalista de Reginaldo Rodrigues de Almeida, retirado hoje da base de dados da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista.

    No seu programa, Falar Global, Reginaldo Rodrigues de Almeida destaca amiúde produtos tecnológicos de empresas privadas, mas ignora-se se existem contrapartidas financeiras, uma vez que apenas em contratos com entidade públicas é obrigatória a sua publicitação. Em todo o caso, a maioria dos trabalhos da Kind of Magic serão para empresas privadas. No ano passado, apenas terá sido assinado um contrato público de cerca de 50 mil euros, com a autarquia de Oeiras, e a empresa de Reginaldo Rodrigues de Almeida facturou 284.427 euros.

    Saliente-se que o objecto social da Kind of Magic é vasto, mas incompatível como o Estatuto de Jornalista, uma vez que inclui a “assessoria de imprensa, marketing e comunicação” e ainda “consultoria de imagem, comunicação e de gestão”, bem como “formação nas mesmas áreas”.

    O PÁGINA UM tentou obter esclarecimentos e comentários de Reginaldo Rodrigues de Almeida sobre as actividades incompatíveis entre jornalismo e negócios, ainda mais num programa de informação, mas não obteve qualquer reacção.

  • Empresa municipal do Porto avalia desempenho do jornal Público com um “índice de qualidade do fornecedor”

    Empresa municipal do Porto avalia desempenho do jornal Público com um “índice de qualidade do fornecedor”

    A organização de uma conferência de dois dias para celebrar o primeiro aniversário da secção de Ambiente do jornal Público esteve assente num contrato de prestação de serviços, onde se estipulou não apenas a escrita de notícias e outros conteúdos como a possibilidade de uma empresa municipal do Porto poder avaliar o desempenho com base em oito critérios. Se o Público tiver entre 86 e 100 pontos no Índice de Qualidade do Fornecedor será “Aprovado” e considerado de “elevada confiança”. Não deve ser difícil: basta (continuar a) portar-se bem.


    O Portal Base continua a espraiar, em todo o esplendor, a mercantilização da imprensa portuguesa, mas um contrato ontem divulgado naquela plataforma da contratação pública faz tudo ascender até níveis de bizarria jamais vistos: o jornal Público predispôs-se, através do estipulado no caderno de encargos de um contrato de prestação de serviços com a Empresa Municipal de Ambiente do Porto (Porto Ambiente), a ser “objeto de avaliação de desempenho” com critérios como qualidade, prazo, requisitos de facturação, flexibilidade, disponibilidade de contacto, capacidade de resolução de problemas, assumpção de código de conduta e promoção de requisitos sustentáveis.

    O caderno de encargos do denominado “procedimento pré-contratual de ajuste directo, segundo o regime geral, para a participação da Porto Ambiente na Conferência Internacional Cidade Azul”, acompanha um contrato assinado em Maio, mas somente esta segunda-feira tornado público.

    Empresa municipal do Porto pagou 15.000 euros ao Público para conferência que teve a abertura de Rui Moreira, presidente da Câmara Municipal do Porto.

    Em termos concretos, o contrato de prestação de serviços foi a forma de a autarquia do Porto apoiar uma conferência do Público para celebrar o primeiro aniversário do projecto editorial Azul, um suplemento supostamente jornalístico mas associado a polémicos contratos de prestação de serviços, conforme já revelado pelo PÁGINA UM. Mas, em vez de ser um patrocínio ou apoio com contrapartidas meramente publicitárias, a Câmara Municipal do Porto quis mais.

    E assim, a empresa municipal Porto Ambiente pagou 15.000 euros para se associar, de forma dissimulada, à conferência organizada nos passados dias 11 e 12 de Maio, no Pavilhão Rosa Mota, mas com contrapartidas sob a forma de notícias. Com efeito, nos “requisitos técnicos” do caderno de encargos ficou estabelecido que o Público, além de diversas acções de promoção da autarquia do Porto, organizaria a conferência e teria a responsabilidade pela cobertura da conferência em vídeo e textos.

    No caderno de encargos ficou previsto “1 (um) conteúdo alusivo à Porto Ambiente de forma institucional e 1 (um) conteúdo alusivo ao Pacto do Porto para o Clima”, além da “inclusão de artigos no suplemento encartado do jornal Público, sobre projetos da Porto Ambiente – Pacto do Porto para o Clima, bioresíduos e sensibilização” e ainda de uma “visita à ilha de compostagem em Paranhos”.

    No segundo dia da conferência, esteve presente o Presidente da República.

    Embora neste último caso, o texto tenha sido publicado na ambígua secção Estúdio P, mas sem referência a ser publicidade da Porto Ambiente, a cobertura do evento, pago com dinheiros municipais, foi feito na secção Azul pela jornalista Aline Flor. Na sessão de abertura estiveram presentes o então director do Público, Manuel Carvalho – que não fez referência ao apoio financeiro, como contrapartida de prestação de serviços, por parte da Câmara Municipal do Porto – e o presidente desta edilidade, Rui Moreira, o financiador, que não foi assim identificado. O autarca teve seis minutos de intervenção, sem referência ao contrato de prestação de serviços.

    Na página da conferência, com a lista dos oradores, surge a referência à Porto Ambiente como co-organizadora apenas com um minúsculo logótipo, mas nenhuma referência é feita em duas notícias assinadas pela jornalista Aline Flor, tanto na do primeiro dia, como na do segundo dia, onde se destaca a presença do Presidente da República. No entanto, o “branding” estava implícito na associação entre a secção Azul, do Público, e a cidade do Porto, uma vez que a conferência foi baptizada de Cidade Azul.

    Porém, cinco dias depois, a 17 de Maio, o Público colocaria, como um artigo noticioso normal, um texto da jornalista estagiária Maria José Coelho, mas editado pela jornalista Ana Fernandes, onde se elogiou o trabalho da empresa municipal Porto Ambiente na reciclagem de resíduos durante as festas académicas na cidade.

    Caderno de encargos elenca oito critérios de avaliação do desempenho do Público na prestação dos serviços contratados pela Porto Ambiente, interferindo na linha editorial do jornal.

    Contudo, onde efectivamente se mostra a bizarrice deste acordo comercial é na cláusula 7ª sobre a “avaliação de desempenho do Contraente Privado”, isto é, do Público, cujo resultado “será divulgado anualmente”, e do qual resultará um “Índice de Qualidade do Fornecedor”, utilizando os critérios ponderados. E, aparentemente, a Porto Ambiente exige elevada excelência.

    Com efeito, para o Público ser “Aprovado”, precisa de uma classificação entre 86 e 100 pontos, de modo a ser considerado um “fornecedor de elevada confiança”, com um “risco de falha diminuto com base num histórico de desempenho isento ou quase isento de falhas”, Entre uma pontuação de 71 e 85, há lugar a um raspanete, com referência a “Sugestões de Melhoria”. Se o Público tiver esta classificação será considerado um “fornecedor de confiança”, com um “risco de falha baixo com base num histórico de desempenho regular”.

    Extracto do caderno de encargos entre o Público e a empresa municipal Porto Ambiente com a fórmula de cálculo do Índice de Qualidade do Fornecedor.

    Já se tiver menos de 70 pontos, então o Público ficará “Reprovado”, sendo considerado um “fornecedor de risco”, uma vez que o “risco de falha é elevado com base num histórico de desempenho irregular que não oferece confiança no cumprimento das obrigações”.   

    O contrato, que teve como gestora por parte da Porto Ambiente, a sua coordenadora de Comunicação e Imagem, tem outras cláusulas pouco ortodoxas para a linha editorial de um jornal, como seja a necessidade de reuniões com representantes da empresa municipal “sempre que necessário”, e através de uma “convocatória escrita” e como uma “agenda prévia contendo os assuntos a debater”.

    Por outro lado, o Público ficou com o dever de “guardar sigilo sobre toda a informação e documentação, técnica e não técnica, comercial ou outra, relativa à Porto Ambiente, de que possa ter conhecimento ao abrigo ou em relação à execução do contrato”, excepto aquela que já for pública.

  • Dona da revista Visão usa “empresa de fachada” para assinar contratos públicos

    Dona da revista Visão usa “empresa de fachada” para assinar contratos públicos

    Luís Delgado, proprietário único da Trust in News, encontrou um expediente para contornar as regras de contratação pública que impedem pagamentos a empresas com dívidas ao Estado: criou uma empresa para assinar contratos e depois canalizar o dinheiro público para a esfera das suas revistas. A TIN foi criada em Setembro de 2020 e já fez 22 contratos públicos, até com o Governo, para pagar eventos e publicidade em diversos jornais e também para subsidiar o Jornal de Letras. Este é o quarto artigo de investigação do PÁGINA UM sobre a escandalosa situação financeira da empresa que detém, entre outras, as revistas Visão, Exame, Caras e Activa e ainda o Jornal de Letras, que inclui uma dívida ao Estado de 11,4 milhões de euros.


    Para contornar a situação de um “calote público” da Trust in News – a dona das revistas Visão, Exame, Caras, Activa e Jornal de Letras –, que em quatro ano já chegou aos 11,4 milhões de euros, o empresário Luís Delgado está a usar exclusivamente uma “empresa de fachada” para continuar a fazer contratos públicos.

    O código de contratação pública exige que, mesmo em ajustes directos, seja apresentado sempre o comprovativo de situação regularizada relativamente a contribuições para a Segurança Social e a impostos devidos ao Estado no momento de pagamento de facturas.

    Luís Delgado (à direita), único dono da Trust in News, conseguiu o prodígio de comprar revistas que ainda não pagou, usando dinheiro do Novo Banco, que ainda não reembolsou, e aumentar a dívida ao Estado em 11,4 milhões de euros. Tudo em pouco mais de cinco anos.

    Ora, para que tal não sucedesse, Luís Delgado criou em meados de Setembro de 2020 – quando a dívida ao Estado estaria já acima dos 5 milhões de euros – a TIN Publicidade e Eventos, Lda., com um capital social de apenas 100 euros.

    A Trust in News investiu 80 euros, ficando a outra quota de 20 euros em Ana Luzia Delgado, uma provável familiar de Luís Delgado, eventualmente filha, por indicar a mesma morada e ser solteira. O objecto social desta empresa, sediada no mesmo sítio onde está a gerência da Trust in News e as redacções das suas revistas, é a “promoção de eventos, produção e organização de espetáculos, publicidade e serviços de marketing, venda de conteúdos, venda e reserva de ingressos para espetáculos, organização de feiras, congressos e outros eventos similares”.

    Apesar de todas as empresas de media possuírem departamentos comerciais e de marketing, foi a TIN, tendo como gerente único Luís Delgado, que passou em exclusivo a assinar contratos com entidades públicas, mesmo quando claramente tinha a ver com negócios das revistas da Trust in News. De acordo com o Portal Base, desde 2020 foram assinados pela TIN – e não pela Trust in News – 22 contratos envolvendo 14 entidades públicas, com um montante total de 756.364 euros. Aplicando-se a lei, a Trust in News não poderia aceder a estas verbas.

    Montantes (em euros) dos contratos assinados entre entidades públicas e a TIN Publicidade e Eventos, Lda. desde Dezembro de 2020

    No primeiro ano de existência, a TIN apenas assinou dois contratos, no valor de 81.099 euros, aumentando para 264.158 euros no ano seguinte. No ano passado, os seis contratos renderam 211.218 euros. No presente ano, em pouco mais de meio ano, a TIN já facturou praticamente 200 mil euros em seis contratos.

    O mais surpreendente é que uma dessas entidades é a Secretaria-Geral da Educação e Ciência – ou seja, com o Governo – que, quase se diria religiosamente, para oficializar uma compra anual acima dos 44 mil euros de assinaturas em papel e digital do Jornal de Letras. Nos últimos três anos, apenas para assinar esse contrato, a TIN facturou 133.291 euros.

    Mesmo assim, a Câmara Municipal de Oeiras – uma das autarquias nacionais que mais dinheiro distribuiu às empresas de media – lidera no montante dos contratos com a TIN, através de dois contratos para a organização do World Press Photo. Este evento, tradicionalmente organizado pela revista Visão, propriedade da Trust in News, já deu uma receita de 159.052 euros à TIN.

    Registo das contas da TIN que mostra que não tem trabalhadores nem gastos com pessoal. Serve apenas para assinar contratos, receber dinheiros públicos e canalizá-los para a Trust in News, que tem uma colossal dívida pública.

    A terceira entidade com maiores verbas envolvidas em contratos com a TIN é o Instituto Camões, envolvendo três contratos para encartes também no Jornal de Letras, no valor de 124.463 euros. Aliás, o Jornal de Letras é um dos jornais que sobrevive sobretudo à conta de apoios deste género por parte do Estado. E isso já sucedia mesmo quando integrava o portfolio da Impresa. Porém, também o Instituto Camões estaria legalmente impedido de fazer pagamentos se fosse a Trust in News a assinar o contrato.

    Além destas entidades, destacam-se também nos apoios duas entidades tuteladas pelo Governo: a Águas de Portugal – que pagou já 60 mil euros pelo polémico patrocínio dos Prémios Verdes da revista Visão, que envolve conteúdos comerciais escritos por jornalistas, que já mereceram a intervenção da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) –, a Agência para a Gestão Integrada de Fogos Rurais, entidade que responde directamente a António Costa, que pagou 17 mil euros pela “aquisição de serviços para elaboração, produção e distribuição de uma revista” na Visão durante o Verão de 2021, e ainda a Imprensa Nacional – Casa da Moeda, que pagou nos últimos anos à TIN mais de 39 mil euros por publicidade nas revistas da Trust in News.

    De resto, nas outras entidades destacam-se sobretudo Câmaras Municipais, como a de Lisboa – que, com a EGEAC, assinou contratos de quase 69 mil euros –, de Sintra (11.050 euros), Aveiro (7.000 euros) e Torres Vedras (5.100 euros).

    Existem claras evidências de a TIN ser uma “empresa de fachada” para sobretudo facilitar recebimentos em contratos públicos que exigem situação fiscal e de segurança social regularizada. Com efeito, como se observa nas contas de 2022 desta empresa, consultadas pelo PÁGINA UM, não existem trabalhadores registados nem activos não correntes. Coincidindo com a sede da Trust in News, a TIN serve, na verdade, apenas para meter o nome no contrato. Por outro lado, a totalidade das receitas – até um pouco mais, no último ano – são desviadas para a rubrica fornecimentos e serviços externos. Ou seja, tudo indica que, sendo recebido o dinheiro dos contratos, a Trust in News apresenta uma factura de serviços à TIN para receber as verbas públicas.

    frozen bubble, soap bubble, frozen
    Mafalda Anjos (à esquerda) e Natalina de Almeida (à direita) impedem o PÁGINA UM de usar fotografias de eventos públicos que divulgam nas redes sociais. O PÁGINA UM não conseguiu, apesar das tentativas, obter quaisquer comentários ou esclarecimentos de Luís Delgado.

    Em suma, este esquema permite que a TIN, que facturou em serviços e subsídios 586.634 euros em 2022, disponibilize todos os rendimentos para a Trust em News, mantendo um endividamento extremamente baixo e uma dívida ao Estado irrelevante, e apenas transitória. E a Trust in News pode continuar, livremente, a endividar-se. E, aparentemente, já com “carta branca” de Fernando Medina, uma vez que, ao longo de toda esta semana, foi-lhe pedido um comentário a esta situação, com envio de documentação, mas nunca se obteve qualquer resposta formal.

    Se assim continuar o silêncio, confirma-se que é possível uma empresa com um capital social de 10 mil euros continuar a funcionar sem problemas com uma dívida ao Estado de 11,4 milhões de euros. E possível, sobretudo, se for uma empresa de media com determinado pedigree.


    N.D. O PÁGINA UM tem realizado esta investigação utilizando as demonstrações financeiras da Trust in News desde a sua criação em 2017, tendo feito essa aquisição junto da Base de Dados das Contas Anuasi. Por uma questão de transparência e de serviço públicos, disponibilizamos aos leitores esses relatórios financeiros relativos anos anos de 2017, de 2018, de 2019, de 2020, de 2021 e de 2022. Disponibilizam-se também as contas da TIN Publicidade e Eventos, Lda. de 2022.

  • Dona da revista Visão mente no Portal da Transparência dos Media. E ERC deixa

    Dona da revista Visão mente no Portal da Transparência dos Media. E ERC deixa

    Está tudo documentado pelo PÁGINA UM e é indesmentível. No ano de 2020, Luís Delgado, proprietário da Trust in News, até assumiu ter uma dívida de 5,1 milhões de euros à Autoridade Tributária e Aduaneira. Mas nos dois anos seguintes, à medida que o calote ao Estado aumentava, até atingir escandalosos 11,4 milhões de euros (numa empresa com capital social de 10 mil euros), o proprietário da revista Visão (entre outras marcas adquirida à Impresa em 2018) começou a esconder da Entidade Reguladora da Comunicação Social a lista de entidades com maior peso no passivo: o Novo Banco, a Impresa e a Autoridade Tributária e Aduaneira, que deverá já ter um peso de 42%. Ou seja, o Estado tem, na prática, se assim desejar, um poder decisório. Apesar da gravidade da situação, a ERC e o Ministério das Finanças mantêm silêncio. E a Trust in News formalmente nem um ai diz. A impunidade aparenta ser total.

    Nota: Por “alerta” de pessoas com legitimidade, e reconhecendo a eventualidade de o uso de fotografias divulgadas livremente nas redes sociais poder ser considerado uma violação dos direitos autorais, mesmo se de figuras públicas, o PÁGINA UM decidiu retirar algumas fotografias e substituí-las por uma imagem alusiva à transparência. Em todo o caso, o PÁGINA UM alertou as ditas pessoas com legitimidade que o não pagamentos de impostos e taxas ao Estado constituem crimes, bem como concorrência desleal entre órgãos de comunicação social.


    Até finais de Junho, a Trust in News – tal como todas as empresas de media ou que detenham periódicos, o que inclui até partidos políticos – teve que entregar declarações no Portal da Transparência dos Media relativas ao exercício de 2022. E a dona das revistas Visão e Exame, entre outras, assim fez – mas pelo segundo ano consecutivo, com falsas declarações, omitindo intencionalmente a identificação das “pessoas singulares ou colectivas que representam mais de 10% da soma do montante do total de passivos no balanço e dos passivos contingentes com impacto material nas decisões económicas, incluindo a respectiva percentagem e as rubricas a que se referem”.

    Esta situação foi transmitida pelo PÁGINA UM à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) no passado dia 21, para comentários, tendo sido feita nova insistência esta semana. Sem sucesso: silêncio absoluto.

    Mafalda Anjos, directora da revista Visão, o principal activo da Trust in News, uma empresa com 10 mil euros de capital social e agora também com uma dívida ao Estado de 11,4 milhões de euros. Mafalda Anjos é licenciada em Direito e experiente jornalista na área da Economia e foi ainda publisher de todas as revistas da Trust in News até finais de 2022. Na foto, há três anos, no Palácio de Belém, a convite do seu antigo professor, Marcelo Rebelo de Sousa.

    De acordo com a consulta do Portal da Transparência da ERC, tanto nos registos de 2021 como nos de 2022, a Trust in News – empresa unipessoal detida pelo ex-jornalista Luís Delgado, que não tem sido possível contactar nem respondeu aos e-mails – anotou os diversos elementos exigidos (activo total  capital próprio, passivo total e contingente, rendimentos totais, rendimentos operacionais e resultados líquidos), mas declarou que não tinha clientes relevantes (com mais de 10% da facturação) e que não havia entidades consideradas detentoras relevantes do passivos. Algo que é completamente falso.

    Com efeito, nas contas depositadas pela Trust in News respeitante ao ano de 2022 na Base de Dados das Contas Anuais (BDCA), verifica-se que a rubrica “Estado e outros entes públicos”, no Passivo Corrente (ou seja, com obrigação de pagamento em menos de um ano), totaliza 11.428.292,79 euros.

    Como o passivo total ronda os 27,2 milhões de euros, significa que as dívidas ao Estado atingem os 42%. Sendo certo que essas dívidas podem não ser exclusivas à Autoridade Tributária e Aduaneira, certo é que deverá ser esta a entidade credora mais relevante. Até pelo que se conhecia até 2020 – mas já se vai a esse ponto.

    A situação da Trust in News é sui generis. No final de 2022, uma empresa de 10 mil euros de capital social e de pouco mais de 33 mil euros de capitais próprios, ostentava uma dívida ao Estado de 11,4 milhões de euros, uma dívida à Impresa superior a 4 milhões de euros e financiamentos bancários de 5,5 milhões de euros.

    Além deste passivo, há mais duas entidades detentoras do passivo que deveriam contar do registo da Trust in News no Portal da Transparência, e que intencionalmente foram omitidas. Uma é o Novo Banco. Na página 13 da prestação de contas, a empresa de Luís Delgado refere que tem empréstimos de médio e longo prazo no Novo Banco, com início a 2 de Julho de 2018, com um saldo de 3.464.875 euros no final do ano passado.

    Contas feitas, o Novo Banco detém 12,7% do passivo da Trust in News, logo essa informação deveria constar da Plataforma da ERC. Já os passivos detidos pelo Millenium BCP, da ordem dos 1,9 milhões de euros (cerca de 7,1% do total), não tinham de ser referidos por não ultrapassarem os 10%.

    Contudo, já a dívida ainda não paga pela Trust in News pela aquisição do portfolio das antigas revistas da Impresa, Luís Delgado tinha a obrigação de também declarar no Portal da Transparência. Conforme ontem o PÁGINA UM revelou, o mais recente relatório e contas da Impresa, coloca a dívida nominal da Trust in News em 4.094.295 euros, ou seja, representa 15,1% do total do passivo.

    Luís Delgado (à esquerda), proprietário da Trust in News, aumentou a dívida ao Estado em mais de 9 milhões de euros

    Se observarmos as contas de 2021, também depositadas no BDCA, as lacunas intencionais de informação por parte da Trust in News mantêm-se, mas com valores ligeiramente diferentes. No exercício fiscal de 2021, o passivo da dona da Visão era então mais baixo (cerca de 23,6 milhões de euros), mas devia também ter declarado detentores relevantes, o que não fez.

    Nesse ano, a dívida ao Estado era de 8.228.121,09 euros – o que significa que, no ano passado, o Governo permitiu que Luís Delgado aumentasse o “calote público” em mais 3,2 milhões de euros. Contas feitas, o passivo ao Estado era de 34,8%. Quanto ao Novo Banco, a dívida era então de 3.584.875 euros, ou seja, 15,2% do passivo total. Devia ter sido declarado na Plataforma da Transparência, mas não foi.

    As dívidas ao Millennium BCP totalizavam então um pouco mais de 2,1 milhões de euros, ficando ligeiramente abaixo (9,1%) do limiar dos 10% que exigia declaração. Quanto à dívida à Impresa em 2021, o grupo liderado por Pinto Balsemão inscreveu direitos a receber ainda 4.321.513 euros, o valor nominal, algo que representava então 18,3% do passivo total da Trust in News. Deveria ter sido declarado à ERC, mas não foi.

    A dívida da dona da Visão não é para brincadeira. É um “elefante na sala” do Governo, que não quer explicar como uma empresa de 10 mil euros tem “autorização” para meter um calote de 10,4 milhões de euros ao Estado, com subida na ordem dos 3 milhões por ano no último triénio.

    Para não restarem dúvidas sobre esta obrigatoriedade – e sobre o intencional esquecimento da Trust in News, até por serem dados relevantes –, a empresa de Luís Delgado identificou, nos seus três primeiros anos de existência, os detentores do passivo (acima dos 10%).

    Conforme se pode confirmar no Portal da ERC, em 2018, quando o passivo ainda só era de cerca de 18,3 milhões de euros, a Trust in News apontava como detentor relevante do passivo o Novo Banco (15%) e a Impresa Publishing (34%). Nesse ano, não foi declarada dívida relevante ao Estado, porque, na verdade, não ultrapassava então os 10%. A rubrica “Estado e outros entes públicos” situava-se nos 942.819,75 euros, ou seja, era apenas de 5,2%. Portanto, entre 2018 e 2022, a dívida ao Estado da dona da Visão passou de 5,2% para 42% do total do passivo, sem qualquer intervenção governamental ou da máquina da Administração Pública.  

    Em 2019, a Trust in News também fez declarações correctas. A Impresa (24%) e o Novo Banco (22%) eram, efectivamente os únicos detentores relevantes do passivo. A dívida ao Estado, embora então tivesse subido para cerca de 1,58 milhões de euros, ainda ficavam aquém do limiar dos 10%, uma vez que o passivo da empresa de Luís Delgado situava-se, nesse ano, nos 16,8 milhões de euros.

    frozen bubble, soap bubble, frozen
    Apesar das dívidas, a Trust in News consegue, através da organização de eventos, congregar figuras públicas de vários quadrantes políticos. Uma receita para não ser incomodada pelas crescentes dívidas?

    As dívidas ao Estado ultrapassaram os 10% – e, portanto, a obrigatoriedade de as revelar no Portal da Transparência da ERC – no ano de 2020, e logo com uma entrada de leão. Numa altura em que o passivo subira para os 20,46 milhões de euros, a dívida ao Novo Banco representava 17% e à Impresa 22%, mas as dívidas ao Estado eram assumidas pela dona da Visão como sendo à Autoridade Tributária e com um peso de 25%.

    Tendo em conta o então valor do passivo, significava que Luís Delgado deixara crescer as dívidas fiscais, no ano de 2020, até aos 5,1 milhões de euros, o que coincide, grosso modo, com a rubrica do Passivo Corrente identificada como “Estado e outros entes públicos”.

    O peso elevado, e dir-se-ia exclusivo, da dívida admitida pela Trust in News à Autoridade Tributária em 2020 leva a crer que grande parte, ou mesmo a totalidade, dos 11,4 milhões de euros de calote público em 2022 seja referente a dívidas fiscais.

    Apesar de manter um calote de 4 milhões de euros, num negócio (compra das revistas) que deveria ter sido pago na íntegra no final do primeiro semestre de 2020, a Impresa não aparente estar zangada com Luís Delgado. O proprietário da Trust in News contínua a ser comentador frequente da SIC Notícias.

    Somente o Ministério das Finanças poderia informar, mas apesar das tentativas do PÁGINA UM não se obteve qualquer resposta. Fernando Medina continua, assim, sem explicar como uma empresa de media com um capital social de apenas 10 mil euros, e que até tem tido contratos com entidades públicas, consegue manter-se a funcionar com uma colossal dívida fiscal que não tem parado de subir sobretudo nos últimos três anos.

    Quanto à ERC, que sobre algumas empresas de media se mostra muito zelosa – ainda esta semana, para irrelevantes acréscimos no relatório do Governo Societário solicitou informações ao PÁGINA UM –, continua sem responder às perguntas relacionadas com as falsas declarações da Trust in News. O PÁGINA UM colocou questões já por duas vezes à entidade reguladora dos media, incluindo na segunda vez um outro caso de extrema gravidade, que será revelado em breve, tendo esbarrado sempre com o silêncio. De facto, o silêncio parece mesmo ser a alma deste negócio de dívidas públicas, de falta de transparência e de ausência de legalidade.


    N.D. O PÁGINA UM tem realizado esta investigação utilizando as demonstrações financeiras da Trust in News desde a sua criação em 2017, tendo feito essa aquisição junto da Base de Dados das Contas Anuasi. Por uma questão de transparência e de serviço públicos, disponibilizamos aos leitores esses relatórios financeiros relativos anos anos de 2017, de 2018, de 2019, de 2020, de 2021 e de 2022.

  • Novo Banco usado para pagar compra da Visão e outras revistas, mas “torneira” fechou

    Novo Banco usado para pagar compra da Visão e outras revistas, mas “torneira” fechou

    Além da dívida astronómica de 11,4 milhões ao Estado, a dona das revistas Visão, Exame, Caras e Jornal de Letras (entre outros títulos) tem sistematicamente falhado os acordos de pagamento do negócio de compra em 2018 ao Grupo Impresa. Anunciado por um valor de 10,2 milhões de euros, o montante devia ter sido pago em dois anos e meio. E começou a ser, sobretudo com empréstimo do Novo Banco, mas a torneira fechou a partir de 2020 face aos fracos resultados económicos. Agora, várias renegociações da dívida depois, a Impresa ainda está para ver a cor a mais de 4 milhões de euros, prevendo-se agora que o pagamento pela Trust in News se estenda até 2036. Mas se o prazo de pagamento for cumprido, e o ritmo de crescimento da dívida ao Estado se mantiver sem intervenção do Governo, em 2036 os contribuintes terão já a haver da Trust in News mais de 50 milhões de euros. O Ministério das Finanças continua sem dar explicações.

    Nota: Por “alerta” de pessoa com legitimidade, e reconhecendo a eventualidade de o uso de fotografias divulgadas livremente nas redes sociais poder ser considerado uma violação dos direitos autorais, mesmo se de figuras públicas, o PÁGINA UM decidiu retirar algumas fotografias e substituí-las por uma imagem alusiva à transparência.


    Foi anunciado, no início de Janeiro de 2018, como um dos grandes negócios de media em Portugal: o Grupo Impresa vendia um conjunto de 12 títulos – onde pontificavam as revistas Visão, Exame e Caras e o Jornal de Letras – à Trust in News, uma empresa unipessoal fundada meses antes pelo ex-jornalista Luís Delgado. O montante, divulgado em comunicado à CMVM, era chorudo: 10,2 milhões de euros, embora, na altura, a Impresa tenha declarado que “o impacte contabilístico ainda não está totalmente avaliado”.

    Alguns anos depois – na verdade, cerca de cinco e meio –, e com meia dezena de exercícios fiscais em relatórios e contas, aquilo que resulta deste negócio é basicamente uma empresa, a Trust in News, com um gigantesco calote ao Estado e com a Impresa em vias de ter de assumir um prejuízo de pelo mais de 4 milhões nesta transacção. Sobretudo se o Estado intervir para recuperar ainda alguma parte dos 11,4 milhões de euros de dívidas acumuladas pela Trust in News sobretudo nos últimos quatro anos.

    frozen bubble, soap bubble, frozen
    A Visão fez 30 anos em Março deste ano e é um dos principais títulos da Trust in News.

    Embora a empresa de Luís Delgado não tenha ainda dado qualquer resposta às perguntas do PÁGINA UM e a Impresa diga que “não se pronuncia sobre a situação económica e financeira de empresas exógenas”, o cruzamento de informação financeira permite concluir que só em 2018 a Trust in News terá pagado valores relevantes para saldar a compra das revistas.

    Com efeito, no relatório e contas de 2018 do Grupo Impresa surge a informação de que o acordo com a Trust in News estipulava o pagamento dos 10,2 milhões de euros “em dois anos e meio”. Porém, no final de 2019, de acordo com o relatório e contas desse ano da Impresa, a dívida ainda estava nos 4,55 milhões, acrescentando-se que em 31 de Dezembro de 2018 o valor nominal da conta a receber da TIN [Trust in News] era de 6.300.000 Euros”. Mais se acrescentava que se renegociara o plano de reembolso, pelo que Luís Delgado teria de pagar 2,15 milhões de euros em 2020 e 2,4 milhões em 2021.

    Não sendo claro se a renegociação implicou um abaixamento do valor do negócio, certo é que em quase dois anos – tendo em conta a realização do negócio em 2 de Janeiro de 2018 –, a Trust in News tinha pagado, no máximo, 5,65 milhões de euros à Impresa até finais de 2019. No acordo inicial – pagamento em dois anos e meio – teria de se pagar 8,16 milhões de euros até 2020 e o remanescente (2,04 milhões de euros) no primeiro semestre de 2021.

    Luís Delgado (à esquerda) comprou em 2 de Janeiro de 2018 à Impresa um conjunto de títulos, entre as quais a revista Visão, num negócio oficialmente envolvendo o pagamento de 10,2 milhões de euros a ser concrtizado em dois anos e meio. Em finais de 2022 ainda faltava pagar cerca de 40% desse valor.

    Mesmo assim, nesta fase, o pagamento da Trust in News não foi com verbas de Luís Delgado nem de qualquer investidor externo, porque a empresa é unipessoal (apenas detida por Luís Delgado), e tem um capital social diminuto (10.000 euros).

    No balanço de 2018 da Trust in News nota-se, aliás, que foi “herdado” um passivo significativo (quase 19,3 milhões de euros) à “boleia” de um activo onde se destacava um valor atribuído às marcas (activos intangíveis) da ordem dos 10,8 milhões de euros. Entre este passivo da Trust in News destacavam-se, então, os 6,2 milhões de euros ainda por pagar à Impresa e mais 2,7 milhões de um empréstimo ao Novo Banco.

    Em suma, mesmo intervencionado pelo Estado, o Novo Banco dispôs-se a emprestar a curto prazo pelo menos 2,7 milhões de euros a uma empresa com um capital social de 10 mil euros, a Trust in News, para saldar parte da compra das revistas à Impresa.

    Em 2019, o Novo Banco ainda emprestaria mais dinheiro à Trust in News. No final desse ano, a empresa de Luís Delgado já devia 3,7 milhões de euros ao Novo Banco, ou seja, a dívida para esta instituição financeira aumentara cerca de um milhão de euros. No entanto, globalmente, os financiamentos bancários à Trust in News já ascendiam aos 4,5 milhões de euros.

    frozen bubble, soap bubble, frozen
    António Costa, primeiro-ministro, Mafalda Anjos, directora da Visão, e Luís Delgado, proprietário da Trust in News, num evento em Abril de 2018. Os contribuintes têm poucos motivos para rir: as dívidas ao Estado desta empresa já ultrapassam os 11,4 milhões de euros. E ninguém no Governo interveio.

    Foi a partir de 2020 que a Trust in News praticamente deixou de pagar a compra das revistas à Impresa, altura em que também começou a não pagar ao Estado. No relatório e contas da Impresa de 2020 refere-se que o valor nominal da dívida era ainda de 4,43 milhões de euros. Ou seja, Luís Delgado apenas pagou 120 mil euros à empresa de Pinto Balsemão durante todo o ano de 2020, quando tinha prometido pagar-lhe, nesse período, 2,15 milhões de euros.

    Resultado: a Impresa concordou em renegociar a dívida, remetendo o plano de reembolso para 2023, sendo que em 2021 Luís Delgado teria de pagar 300 mil euros, e depois 2,63 milhões em 2022 e 1,5 milhões em 2023.

    Se a Impresa tinha esperanças ou não na palavra de Luís Delgado, não se sabe, porque “não se pronuncia sobre a situação económica e financeira de empresas exógenas”. Mas os dados são indesmentíveis. Nas contas de 2021, a Impresa declarou que o valor nominal da dívida da Trust in News situava-se nos 4.321.513 euros. Ou seja, se o compromisso do ano anterior era o de Luís Delgado pagar 300 mil euros em 2021 (de um total de 4,43 milhões), na verdade saldou apenas 110 mil euros. Mais: a Impresa já admitia vir receber apenas cerca de 3,55 milhões de euros, por ser esse o valor inscrito na rubrica “outras contas a receber”.

    Antes da venda em 2018 do portfolio das revistas à Trust in News, a Impresa, fundada por Francisco Pinto Balsemão, teve de reconhecer imparidades (prejuízos de 22 milhões de euros). A venda por 10,2 milhões de euros, está afinal a ser difícil de finalizar.

    Na iminência de ter de assumir perdas por imparidade ainda avultadas, da ordem dos 4 milhões de euros – com consequências imediatas danosas para os resultados líquidos – a Impresa acabou por concordar em negociar a dívida da Trust in News. No relatório de 2021 da Impresa salienta-se que houve nova revisão do “plano de pagamentos do montante em dívida, estendendo o mesmo até 2036, prevendo o pagamento de prestações mensais de 25.000 Euros, a ser realizado pela cessão de créditos futuros da TIN [Trust in News] relativo à exploração das suas propriedades digitais, que se encontra a ser gerido por um terceiro.”

    Um pagamento mensal de 25 mil euros daria um total de 300 mil euros em 2022, mas mais uma vez Luís Delgado falhou. De acordo com o mais recente relatório e contas da Impresa, a dívida nominal da Trust in News situava-se, no final de 2022, em 4.094.295 euros. Ou seja, Luís Delgado pagou a Balsemão menos de 19 mil euros por mês.

    Não se pode dizer que o Grupo Impresa está, para já, a “arder” muito. Só no ano passado, em cada mês, a Trust in News aumentou a dívida ao Estado em quase 270 mil euros por mês, o que deu 3,2 milhões a mais ao longo de todo o ano. Mesmo assim, “apenas” uma parte do total de 11,4 milhões de dívidas ao erário público da Trust in News, sobretudo à Autoridade Tributária e Aduaneira. Nada que aparentemente incomode Fernando Medina que continua sem esclarecer o PÁGINA UM sobre se vai tomar alguma medida face à situação da Trust in News.

    frozen bubble, soap bubble, frozen
    Mafalda Anjos, ao centro, é directora da Visão e foi publisher de todos os títulos da Trust in News até Dezembro do ano passado.

    Em todo o caso, se houver intervenção estatal para ressarcir a dívida da Trust in News, não é só a sobrevivência desta empresa de media que estará em causa, porque tal afectará, de forma indelével, a Impresa e também bancos. Por exemplo, nas contas de 2022, a dona da Visão diz ter também uma dívida de médio e longo prazo de quase 3,5 milhões de euros ao Novo Banco e uma de curto prazo de 752 mil euros ao Millennium BCP, além de um contrato de factoring com a mesma instituição bancária de quase 1,2 milhões de euros.

    Aliás, no actual cenário, até os trabalhadores poderiam sair bastante prejudicados, uma vez que o Estado, em caso de insolvência, detém primazia na alienação dos activos até ser saldada a dívida de 11,4 milhões de euros.


    N.D. Pelas 02:22 horas de 27 de Julho foi corrigida a referência à situação de Mafalda Anjos como publisher das revistas da Trust in News. Essa função foi desempenhada entre Janeiro de 2018 e Dezembro de 2022. Mafalda Anjos mantém-se agora apenas com directora das revistas Visão, Visão Saúde, Visão Biografia e A Nossa Prima, conforme consta da sua página no LinkedIn.