Categoria: Imprensa

  • Polígrafo faltou ao rigor e isenção por classificar PCP, Bloco de Esquerda e MAS como extrema-esquerda

    Polígrafo faltou ao rigor e isenção por classificar PCP, Bloco de Esquerda e MAS como extrema-esquerda

    Por causa do seu protagonismo na contestação às políticas de Educação, a imprensa tem escrutinado o passado do líder do STOP, André Pestana, colocando-o como de “extrema-esquerda” e com alusões nada abonatórios. Ainda na passada semana, a ex-eurodeputada socialista Ana Gomes afirmou que “André do STOP está ao nível do outro André da extrema-direita”. Para pôr tudo em pratos limpos, o Polígrafo meteu-se na querela, compondo um fact checking. Saiu “chamuscado” na tarefa: a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) concluiu que, afinal, a análise não foi nem rigorosa nem isenta nem fundamentada. Em artigos académicos, estes partidos são classificados, na verdade, como esquerda radical, no sentido de ruptura política, sem qualquer conotação depreciativa.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) concluiu que o verificador de factos Polígrafo “não cumprir as exigências de rigor informativo” numa análise feita em 6 de Fevereiro deste ano ao passado político de André Pestana, o líder do Sindicato de Todos os Profissionais da Educação (STOP). No artigo, assinado pelo jornalista Carlos Gonçalo Morais, o mote em questão centrava-se sobretudo no alegado ponto de diferenciação deste sindicato face aos restantes: a sua independência face a um directório político partidário, algo que acabava por nem sequer ser abordado.

    No mesmo dia, no programa SIC Polígrafo, apresentado por Bernardo Ferrão, director-adjunto de informação do canal televisão do Grupo Impresa, foi emitida uma peça similar, que considerava como “Verdadeiro” que “o professor que coordena o STOP tem passado na extrema-esquerda”. Em concreto, concluía-se que “o currículo de André Pestana é vasto em experiência politico-partidária, especificamente ligada a movimentos de extrema-esquerda”.

    André Pestana, líder do STOP.

    Note-se, contudo, que em órgãos de comunicação generalistas, a tentativa de colagem do STOP a movimentos denominados de extrema-esquerda foi frequente na imprensa generalista, como se pode observar em notícias do Diário de Notícias, da Sábado e do Observador. Aliás, neste último periódico, mostra-se evidente o sentido depreciativo do uso do termo, quando a jornalista Ana Kotowicz cita “um dirigente sindical [que não identifica, pelo que pode ser inventado] que tem acompanhado o STOP nas reuniões com o ministro da Educação, onde considera que as suas atitudes são sempre muito extremadas”.

    Nessa notícia do Observador é colocada na boca desse ignoto sindicalista, sem nome nem filiação, a seguinte afirmação: “Além da extrema-direita do André Ventura ficávamos com a extrema esquerda do André Pestana”, sobre uma possível candidatura à autarquia de Lisboa.

    Até nos sectores ideologicamente mais à esquerda do Governo, o protagonismo de André Pestana e do seu STOP na contestação dos professores tem sido cada vez mais criticado, sobretudo por estar fora da esfera de influência política dos sindicatos tradicionais. E não se perde oportunidade para o atacar. Ainda na passada semana, a ex-eurodeputada socialista Ana Gomes afirmou categoricamente que “André do STOP está ao nível do outro André da extrema-direita”, aludindo ao caso dos cartazes contra o primeiro-ministro António Costa, mesmo se o seu autor é professor afiliado na FENPROF.

    Porém, na deliberação hoje divulgada no seu site – que apenas é incidente no Polígrafo, em reacção a uma queixa não identificada –, a ERC considera que, apesar de se comprovar que André Pestana foi (mas já não é) militante da Juventude Comunista (JCP), Bloco de Esquerda (BE) e Movimento Alternativa Socialista (MAS), a análise do Polígrafo “não cuida de fundamentar a razão pela qual tais partidos pertencem a um espectro ideológico-partidário de extrema-esquerda”, mais grave por se estar perante um fact checking.

    Polígrafo (e SIC Polígrafo) fizeram fact checking sobre passado de André Pestana, e não tiveram dúvidas em classificar Partido Comunista, Bloco de Esquerda e Movimento Alternativa Socialista como partidos de extrema esquerda. Sem rigor nem fundamentação, concluiu ERC.

    Mesmo dizendo que não cabe a si catalogar os partidos referidos num espectro político, o regulador dos media conclui que “a notícia do Polígrafo aqui visada não logrou comprovar o que sustenta a classificação daqueles partidos políticos [JCP, BE e MAS] como sendo de extrema-esquerda, inexistindo factos no texto que sustentem tal conclusão”, lê-se na deliberação, acrescentando ainda que “ao invés, a total ausência de fundamentação padece não só de rigor informativo, como também parece resultar de uma avaliação subjetiva de quem escreve a notícia e, portanto, não cuidando de demarcar os factos da opinião”.

    O jornal dirigido por Fernando Esteves – que, curiosamente, proíbe os seus colaboradores de serem militantes de partidos e assume não possuir “uma agenda político-ideológica” – ainda argumentou que aquela denominação “não é uma originalidade do Polígrafo”, acrescentando que “há várias esquerdas e que nem sempre é fácil categorizá-las com rigor quase científico”, e defendendo ainda que “não é esse o papel dos jornais”.

    A ERC, contudo, não concordou com essa argumentação, criticando mesmo o Polígrafo por este fact-checker – que tem um poder quase ilimitado no Facebook para tachar publicações como fake news, com repercussões gravosas para os seus autores – promover a simplificação. “A simplificação no discurso, embora atendível em certa medida, não pode fazer perigar o rigor jornalístico, muito menos em trabalhos jornalísticos que se apresentam como verificadores de factos, que, enquanto tal, criam a expetativa de um cumprimento acrescido do dever de rigor”, salienta-se na deliberação do regulador.

    Incómodo com acções do STOP, fora das estruturas sindicais tradicionais, associadas à CGTP e à UGT, são evidente, mesmo no espectro político de esquerda. A ex-eurodeputada socialista Ana Gomes, na sua coluna de opinião na SIC, já “colou” André Pestana a André Ventura, líder do Chega.

    Refira-se que, como facilmente se pode encontrar em trabalhos académicos – que devem ser usados como fonte na verificação de factos –, os partidos de esquerda em Portugal como o PCP, BE e o MAS são classificados como “esquerda radical”, no sentido de ruptura, e não de violência.

    Por exemplo, num artigo científico publicado em 2016 por José Santana Pereira, investigador do Instituto de Ciências Sociais, sobre a esquerda radical no período pós-2009, considera-se a existência de três grupos de partidos de esquerda radical: um formado por PCP e BE, já com décadas de presença no parlamento nacional e europeu; outro formado pelos “novos partidos, criados após a crise das dívidas soberanas (MAS e Livre)”; e um terceiro por “micropartidos de esquerda radical, com décadas de existência e incapacidade reiterada de obter representação”, exemplificando com o maoista PCTP-MRPP, mesmo usando slogans mais virulentos. O uso por académicos de termos como “extrema-esquerda” quase sempre se aplicam em ambientes políticos de violência ou de atitudes não-democráticas.

    Esta é a quarta vez que a ERC considera que o mais conhecido verificador de factos português, o Polígrafo, falha no rigor das suas análises. Nesta deliberação, hoje publicada, o regulador destaca a gravidade da actuação do Polígrafo “por se tratar de conduta reincidente”, remetendo para a deliberação ERC/2021/362 e a deliberação ERC/2021/151.

    Contudo, além destes dois casos, a ERC também já este ano relembrou ao Polígrafo – e, neste caso, também à sua parceira SIC, com quem tem um programa televisivo (Polígrafo SIC) –, “o dever de informar com rigor e isenção”, uma obrigação “ainda mais premente nos conteúdos jornalísticos que têm como missão a verificação dos factos (fact check)”, após queixas dos secretários de Estado da Natureza e Florestas e das Pescas.

    Mas além destes casos, há três anos, por causa da emissão de imagens chocantes sem aviso prévio no Polígrafo SIC, a ERC aplicou mesmo uma multa de 30.000 euros à Impresa. A parte irónica desta coima está no facto de a emissão dessas imagens, ao longo de um minuto e 20 segundos de corpos a boiar, ter servido para corrigir um erro de fact checking: ao contrário do que SIC e Polígrafo tinham dito em programa anterior, aquelas imagens não eram da passagem por Moçambique do furacão Idai em Março de 2019, mas sim de uma outra tragédia ocorrida no Paquistão em 2017.

  • Ministro Duarte Cordeiro com entrevista na TSF paga por agência de energia que controla

    Ministro Duarte Cordeiro com entrevista na TSF paga por agência de energia que controla

    A ADENE, uma agência de energia controlada por entidades tuteladas pelo Ministério do Ambiente, pagou à TSF a emissão de 12 podcasts em ajuste directo por 19.995 euros. O contrato foi assinado por Nélson Lage, antigo adjunto de João Galamba na Secretaria de Estado da Energia, e por Bruno Veloso, ex-deputado socialista. O primeiro convidado foi o próprio ministro Duarte Cordeiro, que esta terça-feira teve um “direito de antena” de 35 minutos na TSF para promover o seu trabalho. A entrevista foi conduzida por Paulo Tavares, que apesar de ser apresentado pela ADENE (e por si próprio) como jornalista, não tem carteira válida por ser proprietário de uma empresa de consultoria política e assessoria de imprensa. Este é mais um lamentável episódio das promiscuidades e atropelos legais e deontológicos na imprensa mainstream, sob a cúmplice apatia da ERC, CCPJ e Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas.


    “Obrigado por ter aceitado o nosso convite” – foi assim que o entrevistador Paulo Tavares, presumido jornalista, agradeceu ao ministro do Ambiente e da Acção Climática, Duarte Cordeiro, a concessão de uma entrevista à TSF, emitida esta terça-feira, integrada num conjunto de podcasts desta rádio da Global Media, e apresentada como uma parceria com a ADENE.

    Tudo fake. De facto, a entrevista, ou melhor, uma conversa descontraída com palco para exposição das políticas ministeriais, não foi conduzida por um jornalista acreditado. Não houve também propriamente um convite, porque a “parceira” do podcast da TSF, a ADENE é indirectamente tutelada por Duarte Cordeiro. E chamar “parceria” é abusivo, porquanto a relação entre a TSF e a ADENE é similar à aquisição de um serviço de relações públicas: a ADENE apenas deu dinheiro para, em contrapartida, ser-lhe feitos e emitidos os podcasts que desejava.    

    Verdadeiro, assim, apenas uma conversa de promoção das políticas do Ministério do Ambiente e da Acção Climática, mesmo se, aos ouvidos dos ouvintes, possa ter parecido que se tratou de uma entrevista com liberdade editorial – um pleonasmo, porque entrevista pressupõe a existência de liberdade editorial.

    Mas comecemos por saber quem é a ADENE, suposta parceira da TSF.

    Embora seja uma associação – que integra como sócios, por exemplo, a Galp e a EDP –, esta agência de energia é um dos braços da política energética do Governo, tendo como sócios principais a Direcção-Geral de Energia e Geologia (25,1% de participação), o Laboratório Nacional de Energia e Geologia (24,71%), a Agência Portuguesa do Ambiente (11,67%) – todas tuteladas pelo Ministério de Duarte Cordeiro – e as suas contas estão integradas no perímetro do Orçamento do Estado. Ou seja, apenas por entidades por si tuteladas, Duarte Cordeiro “controla” mais de 60%. Acrescentando a participação da Direcção-Geral das Actividades Económicas (11,67%) tem o Governo um controlo acima de 70%.

    photo of truss towers

    A ADENE é também responsável pela gestão do Sistema de Certificação Energética dos Edifícios (SCE) e ainda a entidade gestora operacional do Sistema de Gestão dos Consumos Intensivos de Energia. Além disso, “exerce a atividade de Operador Logístico de Mudança de Comercializador no âmbito do Sistema Elétrico Nacional e do Sistema Nacional de Gás”. Esta entidade assegura ainda o apoio operacional à execução do Programa de Eficiência de Recursos na Administração Pública (ECO.AP) para o período até 2030, em articulação com as entidades coordenadoras – a Direcção-Geral de Energia e Geologia e a Agência Portuguesa do Ambiente – organismos tutelados por Duarte Cordeiro.

    A ADENE assegura ainda a gestão da Academia ADENE, que “promove formação especializada na certificação energética de edifícios e reforço de competências nos domínios da eficiência energética, das energias renováveis, da eficiência hídrica e da mobilidade eficiente”.

    Mas, na verdade, aquilo que poderá ter parecido, aos ouvintes, um conteúdo editorial independente, até porque a ADENE refere ser apresentado por um jornalista, é afinal mais um programa de conteúdos pagos.

    Nélson Lage, presidente da ADENE, foi adjunto de João Galamba, quando o actual ministro das Infraestruturas era secretário de Estado da Energia. Transitou para a agência de energia, nomeado pela tutela, em Agosto de 2020.

    Com efeito, em 18 de Abril, o actual presidente da ADENE, Nelson Lage – licenciado em Ciências Políticas e antigo adjunto de João Galamba, na secretaria de Estado da Energia – e o seu vice Bruno Veloso – ex-deputado socialista – assinaram um contrato com Marco Galinha, administrador da Global Media, no valor de 19.995 euros para a “aquisição de serviços associados ao desenvolvimento, produção e dinamização do ‘Podcast ADENE, Toda a Energia”. Acrescente-se que o valor de 19.995 euros não é um acaso: a partir de 20.000 euros os contratos deste género não podem ser feitos por ajuste directo.

    Apesar do caderno de encargos não constar, como deveria, no Portal Base, em comunicado ontem divulgado a ADENE refere que serão transmitidas “12 emissões, cada uma com cerca de 15 minutos”, sob o comando do “jornalista Paulo Tavares”. Ou seja, 1.666 euros pagos por cada episódio.

    Nesse comunicado era logo transmitido que o ministro Duarte Cordeiro seria o primeiro participante, no qual se abordaria “o significado da Política Energética, as suas diversas dimensões e a importância para o desenvolvimento do país”, acrescentando-se ainda que “ser[ia] explicado como os cidadãos podem contribuir para o sucesso e implementação da política energética.​” O episódio foi, efectivamente já emitido ontem, tendo o ministro um bónus: a conversa ocupou um espaço de antena de 35 minutos e 34 segundos.

    Duarte Cordeiro é “reincidente” ao beneficiar de cobertura mediática favorável em eventos que, afinal, envolvem prestação de serviços.

    Além do pagamento de quase 20 mil euros por podcasts financiados por uma entidade associada ao Ministério do Ambiente, a entrevista – e depreende-se que a totalidade dos outros episódios – foi assumida por alguém que, na verdade, já não é jornalista, embora publicamente usurpe essas funções.

    Com efeito, apesar da ADENE identificar Paulo Tavares como jornalista – e o próprio também o fazer na rede LinkedIN –, o entrevistador deste podcast não tem carteira profissional activa, tanto mais que exerce agora funções como consultor de comunicação, actividade incompatível de acordo com o Estatuto do Jornalista.

    Apesar disso, Paulo Tavares continua a manter-se ligado à comunicação social de uma forma ambígua (assumindo-se como jornalista), através da sua empresa unipessoal, a PTS (iniciais de Paulo Tavares Sardinha), constituída em Dezembro do ano passado para a “prestação de serviços de consultoria política e assessoria de imprensa, e de consultoria editorial”, bem como “produção, gestão e apresentação de eventos” e ainda “produção e realização de programas de rádio e televisão” e ainda “edição de revistas e outras publicações não periódicas”.

    Paulo Tavares conduziu “entrevista” ao ministro do Ambiente no podcast pago pela ADENE. Apesar de se apresentar como jornalista, não tem carteira válida por ser proprietário de empresa de comunicação, mas continua com ligações ambíguas com a Global Media.

    No ano passado, Paulo Tavares – que foi efectivamente jornalista na TSF entre 1993 e 2016 e, mais tarde, director-adjunto do Diário de Notícias, entre 2016 e 2018 – chegou a exercer uma função ambígua (e inexistente) num evento pago (MobiSummit) por uma empresa municipal de Cascais à Global Media: “curador editorial”, ou seja, responsável pela cobertura mediática pelos órgãos de comunicação social do grupo de Marco Galinha.

    Esta situação ilegal não teve qualquer intervenção conhecida da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas.

    Ouvindo a “entrevista” a Duarte Cordeiro, ressalta logo, pelas questões, a abertura de caminho para que o ministro do Ambiente pudesse publicitar e promover, sem quaisquer perguntas incómodas, as políticas em curso.

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    Aliás, não é a primeira vez que Duarte Cordeiro beneficia de entrevistas ou notícias feitas no âmbito de alegadas parcerias de entidades associadas ao Ministério do Ambiente com órgãos de comunicação social, mas que são, na verdade, prestação de serviços envolvendo publicidade travestida de conteúdos noticiosos.

    Em Maio do ano passado, o PÁGINA UM relatou que o Instituto da Conservação da Natureza pagou 19.500 euros para a cobertura de um evento, tendo uma notícia escrita por um jornalista com carteira profissional sido colocada numa ambígua secção (Projetos Expresso), onde empresas públicas e privadas adquirem “serviços de jornalismo”.  

    Uma semana após o primeiro evento, o ministro teve direito a uma entrevista descontraída por três jornalistas do Expresso, onde até posou, sorridente, sentado na escadaria do edifício da Rua do Século.

    Também no MobiSummit, em Setembro do ano passado, Duarte Cordeiro esteve envolto em polémica por recusar prestar declarações a determinados órgãos de comunicação social alegando ter exclusivo com os media partner do evento, os três periódicos do grupo empresarial da Global Media: Diário de Notícias, Jornal de Notícias e Dinheiro Vivo.

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas continuam a “fechar os olhos” a sistemáticas violações da Lei da Imprensa e do Estatuto do Jornalista.

    Também nestes casos não houve intervenção conhecida da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista e do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, apesar das evidentes violações da Lei da Imprensa e do Estatuto do Jornalista.

    O PÁGINA UM contactou o gabinete de Duarte Cordeiro questionando se o ministro do Ambiente “já concedeu outras entrevistas pagas a outros órgãos de comunicação social”, e se sim a quais, e também se considerava “esta prática aceitável, ou seja, financiar podcasts ou outros eventos através de entidades públicas tendo como contrapartida entrevistas ou artigos noticiosos favoráveis”. Não obteve ainda resposta.

  • Jornal Público montou um “pronto-a-vestir” para notícias de ambiente

    Jornal Público montou um “pronto-a-vestir” para notícias de ambiente

    Em Abril do ano passado, o Público anunciou uma forte aposta nos temas ambientais, destacando seis jornalistas, numa equipa de 10 pessoas, supervisionados por duas editoras de Ciência, e através de um modelo assente em parcerias ao estilo de mecenato. Assim nascia o Azul. Mas o único contrato que, entretanto, veio a público com um dos parceiros iniciais (Biopollis) é afinal uma prestação de serviços, envolvendo 90 mil euros em seis meses. Entretanto, na semana passada, o Público alargou os serviços do Azul: vai fabricar conteúdos editoriais para organismos estatais. A Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N) é o primeiro cliente e vai pagar 31 mil euros. E ainda trata o Público como “prestador de serviços”, exigindo prévia revisão dos podcasts a produzir.


    Azul – assim se chama o projecto editorial do Público apresentado, em Abril do ano passado, como um modelo de jornalismo independente dedicado em exclusivo ao Ambiente.

    Considerando “a crise climática como a grande causa política das novas gerações”, na verdade o Azul também mostra uma outra crise: a do jornalismo a transformar-se numa plataforma de conteúdos prêt-à-porter, onde se mercadejam “conteúdos comerciais” como informação, e onde até institutos públicos, como a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte (CCDR-N), podem garantir, através de pagamentos, a execução de conteúdos controlados com prévia validação.

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    Desde a sua fundação, integrado na edição digital do Público, os responsáveis do Azul diziam, no respectivo estatuto editorial, ser um projecto de jornalismo de causas ambientais – com a biodiversidade, a sustentabilidade e a crise climática como bandeiras –, e que, estando aberto à sociedade civil, contava “com o apoio de parceiros comprometidos com agenda do ambiente para financiar a sua equipa e a sua operação”.

    Na linha da frente, como parceiros, foram então destacadas quatro entidades: a Fundação Calouste Gulbenkian, a Biopolis – um consórcio da Universidade do Porto, da Porto Business School e da Universidade francesa de Montpellier –, a Lipor – a empresa pública de tratamento de resíduos do Grande Porto, cuja central de incineração é um dos focos mais importantes de emissão de dioxinas em Portugal – e a Sociedade Ponto Verde – uma das empresas gestoras de resíduos de embalagem.

    Para garantir a execução do Azul, a direcção editorial do Público – então comandada por Manuel Carvalho – destacou, além de duas experientes jornalistas da área da Ciência, como editoras (Teresa Firmino e Andrea Cunha Freitas), uma equipa de 10 pessoas, das quais seis jornalistas, o que implicaria a impossibilidade de elaboração de conteúdos comerciais ou a subordinação a entidade externas.

    Porém, apesar de o Público ter garantido que o Azul seguiria “um modelo de cooperação e mecenato cada vez mais frequente em projectos jornalísticos na Europa e nos Estados Unidos”, e que “os parceiros e o jornal reconhecem que uma condição crítica para o sucesso” deste projecto editorial “passa[ria] pela transparência e pelo respeito integral das regras profissionais e deontológicas do jornalismo consagradas na lei”, a realidade mostra-se bem diferente.

    Com efeito, embora ainda sejam desconhecidos os protocolos com três dos alegados mecenas conhecidos do Azul – apesar de solicitados pelo PÁGINA UM à direcção editorial do Público –, sabe-se agora que a Biopolis fez afinal um contrato de prestação de serviços com a administração do jornal, pelo menos no período compreendido entre Março e Agosto deste ano.

    Assinado nos primeiros dias de Março passado, este contrato estabelece a entrega pela Biopolis de 90 mil euros, mais IVA, a troco da “aquisição de serviços de divulgação e promoção da cultura científica, através da promoção de conteúdos subordinados aos temas da biosfera, sustentabilidade e crise ambiental”.

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    A questão polémica nem estará tanto na imposição – como “obrigações gerais do Público”, de acordo com a cláusula 4º do contrato – de o jornal, perante o parceiro (uma entidade externa à linha editorial) ter de identificar temas e elaborar artigos noticiosos temáticos.

    Na verdade, o contrato transcende a Lei da Imprensa – o próprio Estatuto do Jornalista – porque considera, como obrigação, “a publicação de 26 (vinte e seis) artigos editoriais, nos termos e condições definidos no Anexo I ao Caderno de Encargos [que não consta no Portal Base nem foi disponibilizado pelo Público]”.

    O articulado desta obrigação é, aliás, muito sui generis, pois acrescenta que os 26 artigos obrigatórios, devem resultar “de uma escolha independente e sem qualquer condicionalismo ou ingerência por parte da Biopolis”, mas acrescenta a seguir que essa escolha tem de ser feita “entre os projectos científicos disponibilizados por esta [Biopolis], a fim de lhes ser dado o tratamento e enquadramento jornalístico necessário para posterior divulgação ao público” Ou seja, se a Biopolis indicar ao Público apenas 26 temas para artigos, o jornal assume que a sua escolha é completamente independente.

    Mesmo que um editor do Azul até considere que todos os temas propostos pela Biopolis não têm interesse jornalístico, e que seria mais interessante que os jornalistas dedicassem tempo e recursos a outros assuntos, o Público tem sempre a obrigação de pegar em 26 temas indicados pelo consórcio universitário.

    Saliente-se que um dos critérios das avaliações de projectos de investigação nas universidade é o impacte mediático e social. Portanto, a independência editorial do Azul logo aqui aparenta ser uma miragem.

    O contrato ainda acrescenta que os textos publicados no âmbito deste contrato terão como referência o serem “promovidos pela Biopolis”, mas também aqui se usa uma falácia: um pagamento sob a forma de contrato, estipulando um número pré-definido de artigos, jamais pode ser rotulado como conteúdo “promovido” ou “patrocinado”. E, se assim fosse, existem fortes dúvidas de legalidade sobre se poderá ser escrito e assinado por um jornalista, uma vez que lhe estar vedado por lei a possibilidade de contribuir para a execução de contratos comerciais.

    Além disso, o contrato da Biopolis estabelece o cumprimento de prazos – ou seja, se o consórcio universitário desejar que saia publicado determinado artigo em certo dia, tal terá de se verificar – e também a obrigação de o Público “prestar as informações e esclarecimentos solicitados pela Biopolis sempre que esta assim o requeira”. Em suma, fica assumida uma linha aberta entre um jornal e quem lhe paga serviços.

    Na semana passada, quando contactada pelo PÁGINA UM, a direcção editorial do Público – então ainda liderada por Manuel Carvalho – garantiu, apesar do exposto, a independência do Azul, acrescentando ainda que a Biopolis é uma rede de cientistas, e que “em causa não está uma empresa vocacionada para finalidades comerciais”. Em todo o caso, saliente-se que a Universidade de Montpellier está associada à Agência Nuclear de Energia – ligada à OCDE – e à Agência Internacional de Energia Atómica, numa altura em que está em crescendo o lobby que apresenta a energia nuclear como “energia limpa” numa perspectiva de descarbonização da Economia.

    Manuel Carvalho assegurou também que “nenhum dos outros contratos” com os outros parceiros “incluem qualquer tipo de obrigação”, embora o PÁGINA UM não tenha conseguido, até agora, ter acesso nem constem no site do Azul.

    David Pontes, director do Público desde 1 de Junho deste ano.

    Mas se este contrato com a Biopolis já é polémico, pior ainda é aquele assinado no passado dia 25 de Maio com a CCDR-N, e detectado na passada sexta-feira pelo PÁGINA UM no Portal Base. Além de ser uma “parceria” com um instituto público sob administração directa do Estado – tutelado pelo Ministério da Coesão Territorial em coordenação com o Ministério da Modernização do Estado –, as cláusulas constantes do caderno de encargos constituem, sem margem para eufemismos, um despudorado atropelo às elementares regras deontológicas e de independência jornalística.

    De facto, a troco de 31.000 euros pagos pela CCDR-N no prazo de 60 dias, o Público obriga-se, de acordo com o caderno de encargos, a “produzir uma série de conteúdos editoriais [leia-se, conteúdos jornalísticos e feitos por jornalistas] relativos à temática do crescimento azul do Programa Espaço Atlântico”, de os publicar “nos websites Azul e Publico.pt e no podcast Azul”, mas com uma condição especial: o Público tem de proceder à entrega prévia dos conteúdos para a “respectiva validação” pela CCDR-N.

    Aliás, na cláusula 5ª do caderno de encargos, a CCDR-N trata o Público como se fosse um mero departamento burocrático de comunicação, uma vez que exige, como “forma de prestação do serviço”, que “para o acompanhamento da execução do contrato, o Prestador de Serviços [o Público] fica obrigado a manter, sempre que solicitado, reuniões de coordenação com os representantes da Entidade Adjudicante [CCDR-N], das quais deve ser lavrada acta a assinar por todos os intervenientes da reunião”.

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    Isto para além de o Público ficar “também obrigado a apresentar” à CCDR-N, “sempre que solicitado, um relatório com a evolução de todas as operações objecto dos serviços e com o cumprimento de todas as obrigações emergentes do contrato”. E até há a nota de que todos os relatórios, registos, comunicações, actas e demais documentos “devem ser integralmente redigidos em português”.

    Francisco Ferreira, presidente da associação ambientalista Zero – que integra o conselho consultivo do Azul, e que, no ano passado, tinha elogiado a independência do projecto do Público, afirmando ser este factor “um elemento a valorizar” – diz-se surpreendido com este tipo de contratos. “Levanta-me dúvidas ver a existência de contrapartidas”, afirma este professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Nova de Lisboa, para quem “se mostra fundamental haver uma clarificação”.

    Por sua vez, Luís Simões, presidente do Sindicato dos Jornalistas, mostra-se estupefacto tanto com a tipologia dos contratos como com os termos usados. “A nossa prestação, como jornalistas, é para os nossos leitores, e não pode ser para entidades externas, através de prestação de serviços”, diz, acrescentando que “o mecenato é um instrumento fundamental no jornalismo, mas não pode é surgir depois sob a forma de contratos em que se exigem contrapartidas”. Para Luís Simões “há uma necessidade de reflexão sobre este tipo de contratos”.

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    O PÁGINA UM tentou, especificamente sobre o contrato do Público com a CCDR-N, ouvir David Pontes, o novo director do jornal do Grupo Sonae, desde o início do presente mês, mas não obteve resposta.

    Também se expôs à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) os contratos assinados pelo Público, no âmbito do projecto editorial Azul, para obtenção de um comentário, mas apenas foi acusada a “boa recepção da sua mensagem”, com a promessa de ser dado “seguimento coma brevidade possível.”

    Recorde-se que em Maio do ano passado, o PÁGINA UM compilou 56 contratos com sinais de promiscuidade e ilegalidades assinados entre grupos de media e entidades públicas mas não existe, até agora, conhecimento da conclusão de diligências.


    Esta notícia foi objecto de um direito de resposta publicado a 24 de Outubro de 2023 por determinação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, cujo texto pode ser lido aqui.


  • Carlos Moedas paga, através da Gebalis, conversa sobre Programa Especial de Realojamento

    Carlos Moedas paga, através da Gebalis, conversa sobre Programa Especial de Realojamento

    Por ajuste directo, a Gebalis pagou 19 mil euros por 12 episódios de um podcast da Rádio Observador. Nas conversas, cuja difusão começa está sexta-feira, Carlos Moedas é o primeiro convidado, e para ser ouvido pelo anfitrião Paulo Ferreira, antigo jornalista e actual comentador e colunista, a empresa municipal de Lisboa responsável pelos bairros sociais desembolsou 1.583 euros por cada episódio. A vereadora da Habitação, Filipa Roseta, e o próprio presidente da Gebalis também já garantiram um lugar para serem ouvidos. Apesar de ser uma evidente prestação de serviços, com contrato no Portal Base, o podcast é apresentado como uma parceria.


    Carlos Moedas será amanhã o primeiro convidado de um podcast comemorativo dos 30 anos do Programa Especial de Realojamento (PER), anunciou esta semana o Observador. O actual presidente da autarquia de Lisboa estreará as conversas conduzidas pelo radialista, comentador e ex-jornalista Paulo Ferreira, mas, por certo, não se abordará a transferência de 19.000 euros da empresa municipal Gebalis para o Observador como contrapartida pela realização de 12 podcasts temáticos, que contará ainda com a presença de antigos e actuais responsáveis políticos da edilidade.

    Com efeito, apesar de a Rádio Observador anunciar que o novo podcast é uma “parceria com a Gebalis”, na verdade trata-se de um simples contrato de prestação de serviços, similar à compra de uma refeição num restaurante: em troca de um prato de lagosta, o cliente paga 100 euros. Neste caso, a “lagosta” são os 12 episódios do podcast, e o pagamento não é de 100 euros, mas sim 19.000 euros. Por ajuste directo, assinado em 23 de março passado.

    Imagem de divulgação do podcast com foto da conversa entre Carlos Moedas e o comentador Paulo Ferreira. Cada episódio custou 1.583 euros à empresa municipal Gebalis.

    Nas cláusulas do contrato salienta-se que “o contrato tem por objecto a produção, promoção e difusão do podcast que contará as histórias e testemunhos de todos os que fazem parte do PER, desde moradores, representantes da Gebalis e figuras de relevo que potenciaram o PER, de acordo com o estipulado no caderno de encargos”.

    Porém, no Portal Base não consta o caderno de encargos – não cumprindo assim com as determinações legais –, embora a empresa municipal lisboeta responsável pela habitação social tenha indicado parte dos convidados dos 12 episódios do podcast.

    Além da conversa com Carlos Moedas, já gravada, pelos episódios do podcast – ao custo de 1.583 euros cada – passarão ainda a vereadora da Habitação, Filipa Roseta, o antigo presidente da autarquia alfacinha, João Soares, e o próprio presidente da Gebalis, Fernando Angleu Teixeira, o homem que pagou a conta e que fechará o ciclo de conversas pagas.

    Fernando Angleu Teixeira, presidente da Gebalis. Multiplica-se o recurso a supostas parcerias, que são apenas contratos de prestação de serviços que incluem entrevistas e cobertura noticiosa de eventos.

    O contrato entre o Observador e a Gebalis foi, porém, assinado por um vogal da empresa municipal. Por parte do Observador, assinaram, como administradores, Rui Ramos e José Manuel Fernandes. O antigo director do Público surge agora na ficha técnica do Observador como publisher – uma designação não reconhecida pela Lei da Imprensa – e apresenta-se ainda como jornalista, apesar de não ter a carteira profissional activa, daí não existir qualquer incompatibilidade por assinar contratos comerciais, ao contrário do que se confirmou recentemente com Domingos de Andrade.

    Em todo o caso, José Manuel Fernandes tem sido o rosto principal da campanha do Observador em prol do apoio ao jornalismo independente, tendo como mote a recusa deste jornal de receber, há três anos, ajuda directa do Estado, algo considerado pelo publisher, no sábado passado, como “um momento de reafirmação do nosso compromisso com os leitores, da nossa determinação de permanecermos um jornal independente, um momento que também evidenciou o inquebrantável apoio da nossa comunidade de leitores e assinantes”.

    Saliente-se que a produção de podcasts – que é uma plataforma ambígua de informação – pelo Observador, geralmente apresentados como “parcerias” (leia-se, contratos de prestação de serviços) já se revestiu de outras formas pouco ortodoxas de financiamento. Por exemplo, em 2021, a farmacêutica Gilead, além dos encargos de produção e difusão, até pagou a participação de dois médicos (Fernando Maltez e Teresa Castelo Branco) pelas conversas.

    José Manuel Fernandes, publisher do Observador, assume-se como jornalista, mas está sem carteira profissional activa. Só assim a sua participação na assinatura do contrato entre Observador e Gebalis não viola o Estatuto do Jornalista.

    Apesar dessa prestação de serviços, Fernando Maltez, presente como presidente de Doenças Infecciosas e Microbiologia Clínica, chegou a agradecer por duas vezes o “convite” – assim como se constata durante a emissão –, mesmo tendo recebido 1.230 euros da farmacêutica por 15 minutos de conversa.  

    Ainda quanto à produção e difusão do podcast sobre os 30 anos do PER, tal insere-se ainda num conjunto de outros eventos, cobertos pelo Observador, um dos quais foi a exposição patente no Palácio Pimenta sobre políticas de habitação em Lisboa desde a Monarquia à Democracia.

  • Jornal Público multado por publicidade ‘travestida’ de notícia

    Jornal Público multado por publicidade ‘travestida’ de notícia

    Um artigo de uma jornalista do Público promovendo em 2019 uma campanha de saldos em taxas de juros valeu agora uma inédita multa de 2.500 euros. Mesmo não havendo provas de que o Banco Santander tenha pagado para que este artigo em concreto fosse publicado, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social não teve dúvidas sobre a intenção do Público em promover aquela instituição bancária. Mais tarde, em 2021, o Público teve uma parceria paga pelo Santander, que envolveu o pagamento de quatro conteúdos comerciais no Estúdio P.

    ESTA NOTÍCIA MERECEU UM DIREITO DE RESPOSTA, PUBLICADO VOLUNTARIAMENTE PELO PÁGINA UM, QUE PODE SER LIDO AQUI.


    O jornal Público foi multado em 2.500 euros por uma notícia publicada há quase quatro anos sobre produtos financeiros do Banco Santander, assinada por uma jornalista, considerada como publicidade pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), em deliberação de 13 de Abril, mas apenas ontem divulgada. A coima ficou num ponto intermédio do valor máximo previsto para estes casos na Lei da Imprensa.

    A decisão do regulador – que reputa a acção do diário da Sonae como “dolosa” e “sem arrependimento” – poderá contribuir para se abrir o fundamental debate em redor da isenção e independência dos media mainstream e sobre influência perniciosa das empresas privadas e entidades públicas na definição das linhas editoriais através de conteúdos que navegam entre o marketing e a informação.

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    Na origem da coima está um artigo da jornalista Rosa Soares – com uma vasta experiência em jornalismo económico e de mercados – publicado em 27 de Julho de 2019 sob o título “Saldos de taxas de juro? O Santander está a fazer”, que fazia a apologia de uma campanha daquele banco que finalizava naquele dia. Em apenas nove frases, acompanhada de uma imagem promocional da campanha, destacava-se ser a “última oportunidade” de obter um financiamento de 25 mil euros com uma taxa anual nominal (TAN) de 6,99%.

    O texto jornalístico dava detalhes sobre simulação para um empréstimo de 7.500 euros, salientando ainda que “o crédito ao consumo tem crescido de forma muito expressiva em Portugal e os ‘saldos’ do Santander são um exemplo da aposta que os bancos fazem, na contratação de empréstimos online”. Porém, nenhuma outra campanha de outro qualquer banco era referenciada. Apesar de não fazer ligação directa ao site do Banco Santander, a imagem que acompanhava o artigo consistia num printscreen onde constava o endereço completo.

    O processo de contra-ordenação conduzido pela ERC – e ontem divulgado no seu site – foi o culminar de um procedimento oficioso que, em Junho de 2020, já concluíra que o texto da jornalista Rosa Soares “tem um conteúdo publicitário, no sentido promocional”, e que, segundo a Lei de Imprensa, “devem encontrar-se identificados como tal”.

    Prinscreen da campanha do Santander, com o endereço do site, acompanhava a notícia do Público.

    Na sua defesa, a direcção editorial do Público referiu que o artigo de Rosa Soares “não corresponde a uma publireportagem, porquanto não se destina a promover e/ou publicitar um produto, uma entidade ou um serviço, mas antes a transmitir, exclusivamente, informação”, alegando ainda que o jornal “não foi remunerad[o] pela publicação do artigo”.

    Por outro lado, argumentou o Público que da leitura do artigo “não resulta qualquer promoção da atividade do Banco Santander, mas somente a descrição factual da realidade enquadrada em informação geral sobre o crédito ao consumo”. Saliente-se que apenas as duas últimas frases do artigo de Rosa Soares remetem para informação geral sobre crédito ao consumo, relativo ao ano de 2018, apresentando o Banco de Portugal como fonte.

    Embora não tenha conseguido provar que o Público “tenha obtido benefício económico pela publicação da notícia”, mas apenas por “não ter sido produzida qualquer prova suficientemente consistente” – o que, diga-se, só com mandato judicial e análise contabilística –, o regulador diz ter “a convicção firme e segura de que os trabalhadores da Arguida responsáveis pela publicação do artigo em causa [isto é, a jornalista, e editoria e a direcção do Público], bem sabiam que o mesmo carecia da identificação legalmente exigida como sendo um conteúdo publicitário – na medida em que o conhecimento da lei é expectável para quem labora nesta área de atividade especializada há mais de 30 anos – conformando-se com a decisão, bem sabendo que a sua conduta seria ilícita.”

    Ou seja, segundo o regulador, aquele artigo somente poderia ser publicado se “identificada através da palavra ‘Publicidade’ ou das letras ‘PUB’, em caixa alta, no início do anúncio contendo ainda, quando tal não for evidente, o nome do anunciante”.

    Em todo o caso, saliente-se, que se tal se tivesse verificado, a jornalista Rosa Soares não poderia ser a autora, uma vez que o Estatuto do Jornalista impede o desempenho de mensagens publicitárias e execução de estratégias comerciais, apesar de ser uma prática cada vez mais comum sem qualquer intervenção relevante da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, apesar das sucessivas denúncias do PÁGINA UM ao longo dos últimos dois anos.

    O regulador diz também que a “ordenação de elementos [do artigo] é reveladora da hierarquia de importância das matérias tratadas: a maior parte do texto centra-se no destaque do produto do Banco Santander, sendo a referência à tendência setorial de crescimento dos créditos de consumo uma informação de contexto que, apesar de reforçar o valor informativo, não constitui o objeto central do texto.”

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    Além disso, a ERC assinala que “o artigo foi publicado em dia em que ainda decorria a campanha de marketing do Banco Santander”, e que se o Público, como defendia, “pretendia chamar a atenção para as novas formas de colocar o crédito ao consumo”, não compreendia então como “apenas fez referência a uma única instituição bancária das várias que existem no mercado”.

    A ERC diz mesmo que “é por demais evidente” a ilicitude por parte do Público “face aos anos de experiência”. O jornal, recorde-se, foi fundado em 1989, e é desde hoje dirigido por David Pontes. À data da publicação do artigo agora alvo de multa, o director era Manuel Carvalho.  

    Posteriormente à publicação do artigo de Rosa Soares, o Público estreitou relações com o Santander, sendo parceira (leia-se, recebendo montantes por via de um contrato comercial) na promoção de um produto financeiro complexo denominado Santander Future Wealth. Nesses textos, já classificados como publicidade, foram publicados, entre outros, artigos sobre síndrome de Asperger e sobre bolsas para intercâmbios académicos lançadas por aquele banco.

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    O PÁGINA UM contactou Rosa Soares, a jornalista do Público que escreveu a notícia considerada publi-reportagem pela ERC, que se escusou a comentar esta decisão do regulador por o processo de contra-ordenação ter sido contra o jornal. Em todo o caso, recomendou a análise ao seu trabalho jornalístico na área da defesa do consumidor, nomeadamente de más práticas dos bancos. Efectivamente, numa análise aos artigos dos últimos anos, Rosa Soares tem-se destacado nestas áreas.

    Numa pesquisa às várias centenas de artigos que esta jornalista escreveu no Público desde Janeiro de 2022 até à data, apenas por uma vez incidiu exclusivamente sobre o Banco Santander, mas até foi para noticiar algo desfavorável à instituição: uma multa de 107,8 milhões de libras (perto de 125 milhões de euros) aplicada à filial britânica pela Autoridade para a Conduta Financeira do Reino Unido por falhas no sistema de prevenção de branqueamento de capitais.

  • PÁGINA UM começou a denunciar promiscuidades entre Gaia e Global Media em 2021

    PÁGINA UM começou a denunciar promiscuidades entre Gaia e Global Media em 2021

    As investigações ao mundo dos negócios dos media mainstream por parte do PÁGINA UM, desde a sua criação, revelaram cedo as ligações entre a Gaiurb, o município de Gaia, a Global Media e Domingos de Andrade, o jornalista-administrador globetrotter da Global Media. O processo em curso instaurado pelo Ministério Público, no âmbito da Operação Babel, por favorecimento em abordagens noticiosas, arrisca mudar o panorama dos contratos promíscuos entre a imprensa e entidades públicas, até agora sem controlo do regulador dos media (ERC) e dos jornalistas (CCPJ).


    A promiscuidade entre a Global Media – detentora dos periódicos Jornal de Notícias e Diário de Notícias e da rádio TSF – e a autarquia de Vila Nova de Gaia, agora alvo de um processo intentado pelo Ministério Público, começou a ser denunciada pelo PÁGINA UM em Dezembro de 2021.

    De acordo com notícia de hoje da Lusa, um despacho do Departamento de Investigação e Ação Penal Regional do Porto (DIAPRP) revelou que o Ministério Público acusa o presidente da edilidade socialista, Eduardo Vítor Rodrigues, de ter determinado “a outorga pelo Conselho de Administração da Gaiurb, de modo arbitrário, sem qualquer requisição de despesa, manifestação de necessidades ou proposta de contratação de serviços e/ou fornecimentos de bens emanada pelos respetivos serviços, contratos públicos com o Grupo Global Media“.

    Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Gaia.

    O objectivo: garantir a chamada “boa imprensa”, como se pode constatar na leitura do Jornal de Notícias que incidem sobre Gaia e o seu presidente. Aliás, Eduardo Vítor Rodrigues é um colunista regular daquele diário nortenho, tendo começado a publicar artigos de opinião desde Junho de 2020. Já escreveu 60 artigos.

    A atenção do PÁGINA UM sobre os interesses de Gaia na contratação em particular da Global Media – há também contratos com o Público e a Cofina, mas de muito menor dimensão – começou em 26 de Dezembro de 2021, numa investigação intitulada “Gaia paga mais de meio milhão de euros em contratos com grupos de media através de empresa com dívida astronómica”.

    Revelava-se então que a Gaiurb – com competência na gestão urbanística e habitacional de Gaia – realizara três contratos com empresas da Global Media (num total de 465.000 euros). Todos os contratos tinham sido realizados por ajuste directo, sem visto prévio do Tribunal de Contas, e contra o código de contratos públicos.

    Com a Global Media, a Gaiurb estabeleceu um primeiro contrato ainda em Dezembro de 2020 para o evento “Praça de Natal Jogos Santa Casa em Gaia”, que incluía a sua divulgação “junto da imprensa e outros meios de comunicação social”. O valor do contrato foi fixado em 195.000 euros.

    Director da TSF e com funções de topo na coordenação de jornalistas em mais outros quatro órgãos de comunicação social, Domingos de Andrade participa activamente na gestão empresarial de oito empresas do Grupo Global Media. A promiscuidade entre informação e negócios só lhe custou 1.000 euros num processo instaurado (mas escondido) pela CCPJ, mantendo-se como jornalista acreditado.

    No dia 3 de Dezembro de 2021, o contrato foi renovado, com o mesmo fim, e pelo mesmo valor. No ano de 2020 ainda se apontavam os motivos para o ajuste directo: “não existe alternativa ou substituto razoável” e “inexistência de concorrência”. No segundo contrato nada se refere.

    Estes dois contratos comerciais foram assinados por Domingos de Andrade, então simultaneamente administrador e director de conteúdos da Global Media e director da TSF, algo que o Estatuto do Jornalista considera incompatível. Este administrador e também director de diversas publicações da Global Media viria a ser alvo de um processo de contra-ordenação por parte da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) – por assinar contratos comerciais ao mesmo tempo que era director editorial e jornalista –, mas que redundou apenas numa multa de 1.000 euros.

    O PÁGINA UM tem tentado aceder ao processo instaurado contra Domingos de Andrade desde o ano passado, mas o Secretariado da CCPJ – constituído pelos jornalistas Licínia Girão e Jacinto Godinho – têm ostensivamente recusado, numa clara violação da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos.

    aerial view of bridge and city

    Um outro contrato do grupo Global Media com a Gaiurb foi concretizado em 29 de Março de 2021 com a TSF – através da sua empresa Rádio Notícias – por ajuste directo para a produção de 26 episódios semanais, emitidos aos microfones entre Abril e Outubro. Apresentado como sendo uma “parceria TSF/ Gaiurb”, o programa foi intitulado “Desafios do Urbanismo”, e envolveu um pagamento de 75.000 euros, tendo sido conduzido por um jornalista Miguel Midões, mas sem liberdade editorial.

    De facto, este contrato comercial – que possui, em nome da Global Media, a assinatura do jornalista Afonso Camões, o que constitui uma função incompatível nesta profissão – estipulava, na prática, uma subordinação editorial da TSF perante a Gaiurb.

    Por exemplo, o ponto 1 da cláusula 5ª determinava que “o prestador de serviços obriga-se a entregar à Gaiurb, EM [empresa municipal] os produtos, serviços e conteúdos informativos a aplicar na execução do contrato, de acordo com as características, especificações e requisitos previstos no anexo ao Caderno de Encargos, que dele fazem, parte integrante”.

    Mais recentemente, em Dezembro passado, houve novo contrato para a promoção das festas natalícias de Gaia, subindo o valor para 215.000 euros. Sempre por ajuste directo.

    Mas as relações promíscuas entre a Global Media e entidades públicas, sobretudo autarquias, não se circunscrevem a Vila Nova de Gaia.

    No ano passado, o PÁGINA UM detectou uma dezena e meia de contratos com entidades públicas assinados pela Global Media desde 2020. De entre estas estão, além da de Vila Nova de Gaia, as autarquias (ou empresas municipais) de Lisboa, Cascais, Valongo, Barreiro, Feira, Matosinhos, Aveiro, Viana do Castelo, Setúbal, Estarreja, Gondomar e Amarante, conforme o PÁGINA UM revelou em Maio do ano passado.

    Embora estes contratos tenham, quase sempre, como objecto a promoção de eventos, na verdade acabam por ser uma oportunidade de promover políticos, uma vez que são publicados textos ou programas onde não fica absolutamente nada claro que se está perante uma prestação de serviço.

    Em muitos casos detectados pelo PÁGINA UM, os jornalistas escrevem notícias condicionadas ao cumprimento dos cadernos de encargos, e até os directores editoriais da Global Media participam activamente nos eventos, sobretudo através da moderação de conferências que também estão estabelecidas nos contratos e onde os convidados são previamente indicados por quem paga. São os casos de Domingos do Amaral, como director da TSF, de Rosália Amorim, como directora do Diário de Notícias, de Joana Petiz, directora do Dinheiro Vivo, e de Inês Cardoso, directora do Jornal de Notícias.

    green plant on brown round coins

    Estas promiscuidades são já sobejamente conhecidas pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas e pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, mas sem consequências. A intervenção do Ministério Público pode vir a mudar este modus operandi que mina a credibilidade do jornalismo – até por não ser um exclusivo da Global Media.

    Apesar das evidências, em comunicado divulgado hoje, a administração da Global Media garantiu que os seus profissionais “exercem as suas funções com total respeito pelas normas deontológicas do jornalismo, preservando a independência e a separação dos compromissos comerciais assumidos com entidades externas, honrando a importância das suas marcas já centenárias no panorama dos media em Portugal”.

    E ainda dizem que “dentro da Comissão Executiva da GMG [Global Media] são claras as separações de funções entre as áreas comercial, financeira e editorial”, o que não corresponde à verdade.

    De acordo com o Portal da Transparência da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), Domingos de Andrade é director tanto da TSF como da Rádio Jovem de Évora e da Rádio Caldas, tendo também uma crónica regular no Jornal de Notícias. Surge também nas fichas técnicas dos jornais O Jogo e Jornal de Notícias como director-geral editorial. Até Julho do ano passado ainda acumulava o cargo de director-editorial do Diário de Notícias.

    Rosália Amorim, directora do Diário de Notícias. Responsáveis editoriais da Global Media colaboram activamente na execução de contratos comerciais por vezes com cláusulas de subordinação e de confidencialidade.

    No entanto, apesar de deter estas responsabilidades jornalísticas de topo, que implicam a definição das linhas editoriais e a coordenação de equipas de jornalistas, Domingos Andrade ainda se ocupa, qual globetrotter dos media, em funções de gestão executiva, incluindo obviamente as áreas comerciais, sendo gerente de quatro empresas (Difusão de Ideias, Lda.; Pense Positivo, Lda.; Rádio Comercial dos Açores, Lda.; TSF – Rádio Jornal Lisboa, Lda.) e de vogal do Conselho de Administração em mais outras quatro empresas (TSF – Cooperativa Rádio Jornal do Algarve; Açormédia – Comunicação Multimédia e Edição de Publicações; Global Notícias – Media Group; e Rádio Notícias – Produções e Publicidade). Todas são do universo do Grupo Global Media.

    Mas o comunicado da Global Media, querendo ignorar estes factos públicos, ainda acrescenta que “os diretores das respetivas marcas (…) têm, como não poderia deixar de ser, total autonomia editorial e de gestão de recursos”.

  • Nos últimos três anos, Câmara de Gaia pagou mais de 800 mil euros a grupos de comunicação social

    Nos últimos três anos, Câmara de Gaia pagou mais de 800 mil euros a grupos de comunicação social

    É uma modalidade cada vez mais usada por empresas privadas, mas agora também por autarquias: as parcerias comerciais com grupo de comunicação social. Consegue-se cobertura mediática, sempre favorável, e até entrevistas e convites para integrar conselhos estratégicos. E talvez mesmo a parte mais apetecível: acabam-se com as notícias negativas e com investigações jornalísticas aos sempre nebulosos processos de autorização urbanística. O PÁGINA UM mostra como, nos últimos três anos, a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia usou contratos com três grupos de media para transmitir uma mensagem idílica do urbanismo daquele concelho nortenho. Não é caso único, como o PÁGINA UM revelará nas próximas semanas.


    Nos últimos anos, a autarquia de Vila Nova de Gaia tem sido uma das mais activas na contratação de serviços aos grupos de comunicação social, através de parcerias comerciais com a participação de jornalistas numa promiscuidade que põe em causa a independência na cobertura noticiosa. E, obviamente, na descoberta e denúncia de processos de legalidade duvidosa, que sempre foram o apanágio de uma comunicação social independente.

    De acordo com um levantamento do PÁGINA UM no Portal Base, desde 2020 o município liderado pelo socialista Eduardo Vítor Rodrigues, sobretudo através da Gaiurb – que tem a gestão do sector da habitação, do urbanismo e do planeamento, incluindo a revisão do Plano Director Municipal – assinou oito contratos de parcerias jornalistico-comerciais com três grupos de media: Público, Global Media (Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF) e Cofina (Correio da Manhã e Jornal de Negócios).

    Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Gaia.

    O montante de maior dimensão foi entregue à Global Media, de Marco Galinha. Em 2020, a Gaiurb – que em finais de 2021 fechou as contas com um passivo de 7,1 milhões euros – estabeleceu um primeiro contrato para o evento “Praça de Natal Jogos Santa Casa em Gaia”, que incluía a sua divulgação “junto da imprensa e outros meios de comunicação social”. O valor do contrato foi fixado em 195.000 euros.

    Um ano mais tarde, no dia 3 de Dezembro de 2021, o contrato foi renovado, com o mesmo fim, e pelo mesmo valor. Em Dezembro passado, novo contrato, subindo o valor para 215.000 euros. Sempre por ajuste directo.

    Mas houve mais contratos da Gaiurb fora do âmbito deste evento natalício. Em Novembro de 2021, foi feito por 19.990 euros, e também por ajuste directo, uma “aquisição de serviços de comunicação”. Nada mais se sabe porque nem sequer foi reduzido a escrito o contrato, através de uma interpretação muito abrangente do Código dos Contratos Públicos.

    Um outro contrato do grupo Global Media com a Gaiurb foi concretizado em 29 de Março de 2021 com a TSF – através da sua empresa Rádio Notícias – por ajuste directo para a produção de 26 episódios semanais, emitidos aos microfones entre Abril e Outubro. Apresentado como sendo uma “parceria TSF/Gaiurb”, o programa foi intitulado “Desafios do Urbanismo”, e envolveu um pagamento de 75.000 euros, tendo sido conduzido por um jornalista Miguel Midões (CP 4707), mas sem liberdade editorial.

    Quanto ao Público, foi estabelecido em Abril de 2021 – mas apenas publicado sete meses depois no Portal Base – um contrato para o desenvolvimento de um projecto jornalístico de podcasts denominado “Conversas Urbanas”, no valor de 64.500 euros.

    Este contrato concretizou-se através de 16 podcasts numa rubrica intitulada “Conversas Urbanas”, assumida pelo Público como tendo o “apoio da Gaiurb”. Saliente-se, contudo, que esse apoio, em concreto, foi exclusivamente monetário, ou seja, uma prestação de serviços de âmbito comercial. Este programa, financiado pela Gaiurb, consistiu sobretudo em entrevistas com especialistas em urbanismo, conduzidas pela jornalista Ana Isabel Pereira e pelo director-adjunto David Pontes, que no próximo mês assume a função de director do jorna detido pela Sonae.

    Por fim, os contratos da Cofina. O primeiro foi assinado em 10 de Novembro de 2020, e o único pormenor conhecido, além do valor do ajuste directo (53.000 euros), é que serviu para promover o projecto Meu Bairro, Minha Rua durante 20 dias.

    A única referência que o PÁGINA UM encontrou em órgãos de comunicação social da Cofina sobre este projecto foi um vídeo, já inactivo, no Correio da Manhã, na secção de conteúdos pagos denominada C-Studio CM. Na sua página do Facebook, a Gaiurb informa que existiriam quatro vídeos, mas apenas divulgou o primeiro, em 3 de Julho daquele ano.

    Mais recentemente, em 19 de Outubro do ano passado, a Cofina assinou um contrato de 19.900 euros denominado “aquisição de serviços de promoção de Gaia Município Sustentável para o Município de Vila Nova de Gaia, no âmbito da atribuição do Prémio Nacional de Sustentabilidade”.

    Para além de custear a realização de um ciclo de três conferências temáticas, uma das quais obrigatoriamente em Vila Nova de Gaia, este contrato serviu para se conseguir um “convite ao Presidente da Câmara de Gaia [Eduardo Vítor Rodrigues] para integrar o Conselho Estratégico do Negócios Sustentabilidade]”, bem como uma entrevista que acabou por ser transformada num depoimento e artigo noticioso do Jornal de Negócios de 25 de Outubro do ano passado.

    Extracto do caderno de encargos

    A aquisição de serviços pelas autarquias para a elaboração de conteúdos editoriais ou eventos com uma componente de divulgação noticiosa, tem sido uma fórmula cada vez mais seguida pelos media nacionais, como alternativa financeira à queda do mercado publicitário e à “fuga” de leitores.

    Porém, a forma como muitos destes contratos são estabelecidos, e as suas cláusulas, levantam fortes suspeições sobre a equidistância necessária entre actividades de marketing e independência jornalística.

    Em diversos contratos com cadernos de encargos publicados no Portal Base – o que não sucede com todos – constam claramente cláusulas de confidencialidade. Por exemplo, no caderno de encargos do contrato da autarquia com a Cofina, assinado em Outubro do ano passado, saliente-se que “o prestador de serviços [que engloba os seus jornalistas] deve guardar sigilo sobre toda a informação e documentação, técnica e não técnica, comercial ou outra, relativa ao Município de Vila Nova de Gaia, de que possa ter conhecimento ao abrigo ou em relação com a execução do contrato.”

    Acrescenta-se ainda que “a informação e a documentação cobertas pelo dever de sigilo não podem ser transmitidas a terceiros, nem objeto de qualquer uso ou modo de aproveitamento que não o destinado direta e exclusivamente à execução do contrato”, excluindo-se apenas informações que “comprovadamente [sejam] do domínio público à data da respetiva obtenção pelo prestador de serviços ou que este seja legalmente obrigado a revelar, por força da lei, de processo judicial ou a pedido de autoridades reguladoras ou outras entidades administrativas competentes.” E determina mesmo um prazo deste estranho dever de sigilo que engloba jornalistas: dois anos.

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    Mas além da participação de jornalistas em eventos, e o compromisso de cobertura noticiosa e de entrevistas a autarcas, sempre numa linha muito favorável e até por vezes encomiástica, este tipo de contratos com peso comercial levanta questões éticas muito relevantes, porque pode levar a ponderar sobre a publicação ou não de notícias desfavoráveis sobre uma determinada autarquia.

    Não por acaso, ainda recentemente, duas jornalistas do Conselho de Redação do jornal Público que “as dúvidas sobre a separação entre o que são conteúdos jornalísticos e conteúdos comerciais seriam por si só suficientes” para chumbar o nome de David Pontes para director daquele periódico. Saliente-se também que há mais de um ano a Entidade Reguladora para a Comunicação Social está alegadamente a investigar mais de meia centena de contratos entre grupos de media e entidades públicas, em especial autarquias.

  • Partido Socialista pagou ao Diário de Notícias da Madeira para promover actual governante

    Partido Socialista pagou ao Diário de Notícias da Madeira para promover actual governante

    Em Julho de 2019, pouco depois de abandonar as funções de liderança na autarquia do Funchal para se candidatar ao cargo de presidente do Governo Regional da Madeira, Paulo Cafôfo fez propaganda política usando a página oficial no Facebook do Diário de Notícias daquele arquipélago. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social concluiu, quase quatro anos após uma queixa, que a propaganda feita pelo actual secretário de Estado das Comunidades Portuguesas foi mesmo uma “parceria remunerada”, o que coloca em causa a independência do jornal. Ironicamente, dois dos proprietários do periódico madeirense estão agora envolvidos em suspeitas de benefícios ilegítimos pelo Governo Regional da Madeira, presidido pelo social-democrata Miguel Albuquerque. Neste caso, a queixa veio do Partido Socialista.


    O Diário de Notícias da Madeira recebeu contrapartidas financeiras do Partido Socialista para promover o seu candidato às eleições regionais de 2019, Paulo Cafôfo, actual secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

    Esta é a conclusão de uma investigação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), iniciada em Julho daquele ano, que acabou por confirmar que as publicações de propaganda política ao candidato socialista no Facebook constituíam uma “parceria remunerada” entre o Diário de Notícias da Madeira e o PS Madeira.

    Paulo Cafôfo, ontem, em visita ao Canadá como secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

    A ERC, em deliberação de Abril passado mas apenas esta semana divulgada, acrescenta que, apesar de não se ter verificado uma violação da Lei Eleitoral – por as acções terem ocorrido antes da marcação oficial do sufrágio –, este acto “configura, no mínimo, uma falta de isenção e independência por parte do Diário de Notícias Madeira, na medida em que os vídeos do PS Madeira publicados como ‘parceria remunerada’ surgem, aos olhos dos leitores, como uma ‘adesão’ do jornal àqueles conteúdos de propaganda política”, conflituando assim com os princípios da Lei da Imprensa.

    O regulador relembra também que “a credibilidade dos órgãos de comunicação social de cariz informativo depende, em grande medida, da sua independência” e que face ao estatuto editorial daquele periódico madeirense, “é expectativa dos seus leitores o distanciamento do jornal face aos partidos políticos”.

    Apesar de o regulador não justificar as razões para uma decisão tão demorada – quase quatro anos, pois o processo iniciou-se por queixa entrada em 8 de Julho de 2019 –, a deliberação refere dúvidas sobre o enquadramento jurídico, a natureza dos conteúdos, a entidade competente e as respectivas competências. Contudo, também destaca que essas dúvidas foram sanadas em 2020.

    Paulo Cafôfo em carpool na campanha para as eleições do Governo Regional da Madeira divulgada como parceria remunerada na página do Facebook do Diário de Notícias da Madeira.

    Certo é que, na sua investigação, a ERC confirmou que “a página de Facebook do Diário de Notícias Madeira possuía em Julho de 2019, “quatro anúncios ativos, três deles lançados a 11 de Julho e um a 12 de Julho”, e que “todos eles se relaciona[va]m com o candidato de Paulo Cafôfo”. E concluiu que “em termos de anúncios ou parcerias remuneradas, o jornal, na sua página de Facebook, promovia apenas publicações de uma única entidade, sendo ela Paulo Cafôfo, o candidato do PS Madeira a presidente do Governo Regional.”

    A deliberação da ERC remete mesmo para uma ligação ao Facebook, com anúncios do Diário de Notícias da Madeira, mas que já não se encontra activa.

    Em todo o caso, o PÁGINA UM conseguiu confirmar que, pelo menos uma desta acções de propaganda política paga pelo Partido Socialista ao jornal madeirense está activa, vendo-se Paulo Câfofo ao estilo de carpooling a conduzir a “Senhora Celina”, de 78 anos, entabulando conversa sobre maleitas e o estado da saúde, com o candidato a prometer que “vão meter mais médicos quando nós formos Governo”.

    A acompanhar o curto vídeo, de 1 minuto e 24 segundos, surgem diversas mensagens políticas. O vídeo conta com 63 mil visualizações e 587 reacções – um número extremamente elevado para os padrões daquele periódico. Cerca de uma semana após a emissão deste vídeo, o jornal publicou um longo e favorável perfil de vida de Paulo Cafôfo, no decurso de uma conversa com o próprio director do periódico.

    Porém, a ERC não analisou os contornos globais desta “parceria remunerada”, não fazendo referências ao perfil publicado nem à abordagem noticiosa em redor da campanha a Cafôfo nem conseguiu apurar os montantes envolvidos. Na verdade, o Diário de Notícias da Madeira não respondeu ao regulador quando questionado sobre esta parceria com o Partido Socialista.

    Saliente-se, aliás, como também refere a ERC, que este modelo de parceria para propaganda política já não se enquadra nas “políticas de conteúdos de marca” do Facebook, que se destinam agora sobretudo aos chamados influencers digitais para promover produtos. Em termos de analogia, o regulador diz mesmo que, “aplicando esta lógica ao caso em apreço, resulta que o Diário de Notícias Madeira apresentou-se como ‘criador’ de conteúdo que promovia uma ‘marca’ – o PS Madeira – junto dos seus seguidores a troco de algum tipo de compensação por parte da marca promovida”.

    No período em que houve “parceria remunerada”, o Diário de Notícias da Madeira entrevistou o candidato socialista Paulo Cafôfo, publicando um perfil de vida, onde o político se assumia como “reikiano”.

    Se no caso dos influencers digitais, “esta compensação pode assumir as mais variadas formas – produtos, serviços, e em casos de maior sofisticação, contratos entre influencers e marcas)”, a ERC diz que teria sido útil o jornal ter esclarecido qual o tipo de compensação obtida.

    O PÁGINA UM contactou o director do Diário de Notícias da Madeira, Ricardo Miguel Oliveira (CP 1792), mas não obteve resposta. Também se enviou um pedido de comentário ao secretário de Estado das Comunidades Portuguesa, Paulo Cafôfo, solicitando que fosse também transmitido qual o valor da compensação concedida pelo Partido Socialista ao periódico madeirense. Até agora, também não houve resposta.

    O Diário de Notícias da Madeira é um dos mais antigos periódicos portugueses, fundado em 1876, com uma tiragem média de cerca de 5.500 exemplares, quase quatro vezes mais do que o homólogo Diário de Notícias (de Lisboa). Aliás, actualmente, o periódico madeirense – que registou um lucro de quase 250 mil euros no ano passado – tem uma participação da Global Media de 11%, sendo Marco Galinha um dos seus gerentes.

    Paulo Cafôfo e António Costa em Setembro de 2021, na Madeira, durante a campanha para as eleições autárquicas.

    Curiosa e ironicamente, os dois “homens fortes” do Diário de Notícias da Madeira são os empresários Luís Miguel Sousa (que detém 40% do capital do jornal, através da Newspar) e Avelino Aguiar Farinha (com 37%, através da Verbum Media).

    Ambos os empresários foram ouvidos recentemente na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre “o favorecimento dos grupos económicos pelo Governo Regional, pelo Presidente do Governo Regional e Secretários Regionais e ‘obras inventadas’, em face da confissão do ex-secretário regional Sérgio Marques, em declarações ao Diário de Notícias (de Lisboa), suscetível de configurar a prática de diversos crimes”, conforme pedido feito pelo grupo parlamentar do Partido Socialista.

  • 1.250 euros: Suplemento económico do Diário de Notícias vende “notícias” escritas por “jornalistas experientes”

    1.250 euros: Suplemento económico do Diário de Notícias vende “notícias” escritas por “jornalistas experientes”

    A gravação não deixa margem para dúvidas. O PÁGINA UM entrou no “mundo” da fabricação de “notícias” feitas por “jornalistas” a troco de dinheiro. Saiba como um suplemento do Diário de Notícias “mercadeja” o jornalismo sem pudor, através de uma conversa surpreendente com o director do PÁGINA UM “disfarçado” de gestor de comunicação de uma das empresas contactadas pela Valor Económico. E ainda se oferece como facilitador de contactos com o mesmo propósito para o Dinheiro Vivo. Ouça a conversa AQUI.


    Apresenta-se como jornalista a trabalhar para um suplemento do Diário de Notícias, tendo ao seu dispor somente jornalistas com 20 anos de experiência (e nunca estagiários), e oferece “notícias à medida”, com acompanhamento personalizado e produzidas com “profissionalismo”.

    Para as empresas interessadas em se mostrar aos clientes e potenciais clientes através de uma “notícia” no Valor Económico, este suplemento económico do Diário de Notícias, oferece um serviço personalizado para que o conteúdo não seja visto nem percebido como publicidade. Em troca, as empresas pagam 1.250 euros, que pode ser em três suaves prestações, mas facturado como publicidade para efeitos fiscais, ficam com a “notícia” no suplemento em papel e com ligação directa ao Diário de Notícias, sem qualquer referência a ser publicidade, durante 30 dias.

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    Eis, em resumo, o “negócio” apresentado por alguém que se identifica como um jornalista que aparenta trabalhar no Diário de Notícias chamado Miguel Ângelo – mas que, na verdade, se trata de Miguel Ângelo Sá, gerente da Edimédia Publicações, uma empresa de edição de revistas e publicações periódicas.

    Não existe nenhum jornalista acreditado pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista com o nome Miguel Ângelo, e a Valor Económico, apesar de ser uma marca registada pela Edimédia no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), não tem registo na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), o que é obrigatório quando se trata de empresas de edição de periódicos.

    Em consulta do PÁGINA UM, identificou-se a mais recente edição do Valor Económico – integrado nas páginas do Diário de Notícias em papel, com o mesmo formato do jornal e sem qualquer referência a tratar-se de publicidade – em 27 de Outubro passado, contando com 19 “notícias” de empresas.

    Para a próxima edição do Valor Económico, cuja publicação está prevista para os primeiros dias deste mês, o jornalista do PÁGINA UM – sob disfarce de consultor de comunicação (com o nome fictício de Jorge Costa) de uma das empresas consultadas – conseguiu estabelecer uma conversa telefónica com o responsável da Edimédia.

    Suplemento económico e jornal têm o mesmo tamanho e não existe referência a se tratar de publicidade. Durante um mês fica garantida ligação ao site do Diário de Notícias sem referência a ser conteúdo pago. Empresários contactados ficam com a sensação de estarem a pagar notícias feitas por jornalistas com experiência.

    Devido ao inegável interesse público desta questão – a usurpação de funções de jornalista por quem não é detentor de título profissional e a “mercantilização” de notícias –, a conversa foi gravada.

    De acordo com o Código Deontológico dos Jornalistas, “o jornalista deve utilizar meios leais para obter informações, imagens ou documentos e proibir-se de abusar da boa-fé de quem quer que seja”, salientando-se que “a identificação como jornalista é a regra e outros processos só podem justificar-se por razões de incontestável interesse público e depois de verificada a impossibilidade de obtenção de informação relevante pelos processos normais.”

    O PÁGINA UM considera que seria impossível conhecer os detalhes do modus operandi deste suplemento económico do Diário de Notícias se não houvesse um disfarce. Na gravação, sem cortes, apenas se retirou as referências à empresa que contactou o PÁGINA UM revelando, com surpresa, a proposta que lhe fora apresentada: pagar para ter uma notícia num suplemento do Diário de Notícias.

    Miguel Ângelo Leitão do Rosário Sá é o sócio maioritário da Edimédia Publicações. No contacto telefónico gravado pelo PÁGINA UM, apresentou-se como Miguel Ângelo, e acabou a informar que o responsável da empresa se chamava Miguel Sá, formado em Jornalismo e que fora director de conteúdos da Global Media.

    Na conversa de cerca de 20 minutos, Miguel Ângelo, que se assume como jornalista, diz que, se houver acordo, se faz a “notícia” – é este termo específico repetido inúmeras vezes – após uma conversa ou entrevista de cerca de meia hora, que merecerá os “acertos” necessários, e que sairá não apenas em formato de papel nas páginas centrais do Diário de Notícias, sem qualquer referência ou solução gráfica que indique tratar-se de publicidade.

    Miguel Ângelo afiança que essa opção é intencional, que as “empresas não querem” estar “conotadas” com um produto publicitário. No entanto, a factura, garante o responsável da Edimédia – que nunca assume o nome da empresa; antes, de forma dúbia, dá a entender que trabalha directamente para o Diário de Notícias.

    Para convencer os empresários da “qualidade do trabalho”, Miguel Ângelo – que diz ser “jornalista” (ao minuto 10:32) – garante que os textos serão escritos exclusivamente por jornalistas “lá da redacção”, dando a entender que se trata da redacção de um jornal. Todos experientes, assegura. “Isto é feito de uma forma bastante profissional”, e explica: “no Valor Económico, toda a gente que produz as peças são pessoas com cerca de 20 anos de experiência de jornalismo. Não colocamos estagiários a fazer a parte económica, porque não têm aquela sensibilidade económica necessária”.

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    Embora seja um princípio do jornalismo a identificação como jornalista, quando haja manifesto interesse público existe respaldo deontológico em formas menos ortodoxas na obtenção de determinada informação que não seria possível de obter de uma forma convencional. Inclui-se, nestes casos, a gravação com câmara oculta, a gravação de conversas sem autorização prévia ou a utilização de nome falso. Em todo o caso, o jornalista não deve funcionar como “agente provocador”.

    Mais grave ainda é a possibilidade que Miguel Ângelo coloca de ser facilitador para um modelo similar no suplemento do Dinheiro Vivo, mas diz que os “valores e os custos são complemente diferentes”, dando a entender que serão mais elevados.

    Nesta conversa – propositadamente feita de uma forma informal para não levantar suspeitas de estar perante um jornalista –, Miguel Ângelo até acaba por falar de si próprio como sendo o director (ou responsável) do Valor Económico, mas identificando-o como Miguel Sá, formado em jornalismo e antigo director de conteúdos da Global Media.

    Contactada com este modus operandi de um suplemento inserido no seu jornal, Rosália Amorim, directora do Diário de Notícias diz desconhecer “o modo como o Valor Económico produz os seus conteúdos, [e] muito menos se há ou não pagamentos e a troco de quê”, acrescentando que “não indagamos ou deixamos de indagar o que faz o Valor Económico, marca que nada tem que ver com o DN [Diário de Notícias] ou o GMG [Grupo Global Media].

    Embora o PÁGINA UM não tenha, quando colocou questões à directora do Diário de Notícias, facultado a gravação da conversa com o responsável do Valor Económico – onde, repita-se, se assume a venda de conteúdos comerciais parecendo notícias e feitas por (presumidos jornalistas), Rosália Amorim garante que “é falso que nas páginas do DN [Diário de Notícias] surjam estes conteúdos, até por se tratar de um encarte comercial autónomo, da responsabilidade do seu proprietário e com ficha técnica própria, e que é apenas e só distribuído com o jornal, como acontece com outros encartes comerciais, neste ou noutros jornais do mercado global.”

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    Quanto à possibilidade de o Dinheiro Vivo também usar similar expediente, Rosália Amorim, não comenta, tendo remetido para a directora daquele suplemento, Joana Petiz. O PÁGINA UM não colocou essas questões a Joana Petiz porque, na verdade, essa jornalista está integrada na direcção do Diário de Notícias, como subdirectora.

    Confrontado com a gravação do PÁGINA UM, o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Luís Simões, diz que, mesmo que o Diário de Notícias possa ter uma explicação para esta situação abusiva, “qualquer jornalista tem a obrigação de resistir a elaborar conteúdos pagos ou patrocinados” por não ser essa a sua função, que afecta a independência necessária à profissão. Para este jornalista, “não se pode ludibriar os leitores travestindo conteúdos como se fosse jornalismo”, acrescentando que “não é aceitável a usurpação da função de jornalista, porque mina a confiança”. “É nosso dever denunciar estas situações, mesmo até à barra dos tribunais”, conclui.

    Após a gravação sob “disfarce”, o PÁGINA UM colocou um conjunto de questões a Miguel Ângelo (Sá), mas não obteve qualquer reacção.


    Ouça a gravação integral AQUI.

  • “Erro informático” apagou informação sobre multa ao director da TSF

    “Erro informático” apagou informação sobre multa ao director da TSF

    O jornalista Domingos de Andrade, com funções de topo na definição editorial de cinco órgãos de comunicação social do Grupo Global Media, foi multado em 1.000 euros pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) por acumular também cargos de gestão executiva. Quando o PÁGINA UM começou a fazer perguntas, desapareceu a referência à sanção no site do regulador. Afinal, terá sido, alega a CCPJ, um “erro informático”. Na verdade, acrescenta o PÁGINA UM, um estranho erro informático.


    A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) alega “erro informático” para a retirada do site daquele regulador da informação relativa à multa aplicada a Domingos de Andrade por “atos de cariz comercial” enquanto se mantinha como jornalista, agravado pelas suas funções de director de cinco órgãos de comunicação social do Grupo Global Media.

    Conforme divulgado pelo PÁGINA UM na passada sexta-feira, a CCPJ decidiu aplicar a Domingos de Andrade uma multa de apenas 1.000 euros, sem qualquer sanção acessória, que terá sido devida à sua participação na assinatura de contratos comerciais como administrador da Global Media.

    Director da TSF e com funções de topo na coordenação de jornalistas em mais outros quatro órgãos de comunicação social, Domingos de Andrade participa activamente na gestão empresarial de oito empresas do Grupo Global Media. A promiscuidade entre informação e negócios só lhe custou 1.000 euros, mantendo-se como jornalista acreditado.

    Embora a CCPJ nunca tenha disponibilizado detalhes sobre o processo instaurado durante o ano passado contra este jornalista – considerando que os pedidos do PÁGINA UM são “manifestamente abusivos” e que todas as notícias que publicámos eram “sensacionalistas”–, no site deste órgão regulador e disciplinador da classe jornalística esteve até quinta-feira a informação sobre a aplicação da sanção ao director da TSF, que terá sido tomada em 25 de Janeiro deste ano.

    Porém, na sexta-feira passada, curiosamente depois do contacto do PÁGINA UM a Domingos de Andrade – que não prestou qualquer comentário –, desaparecera esse documento com as quatro decisões em processos instaurados contra jornalistas em 2022.

    Além do caso de Domingos de Andrade, nesse documento original – consultado e descarregado pelo PÁGINA UM antes do “apagão” – constavam referências a processos contra Maria Moreira Rato (coima de 1.000 euros por prestação de falsas declarações, que foi impugnada judicialmente) e dois arquivamentos por pagamento voluntário de coima de 200 euros: uma a Luís Almeida por “publicidade em jornal digital” e outra a Luís Branco (por exercício de funções de “técnico de multimédia de grupo parlamentar” não identificado).

    Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) modificou a síntese dos processos de contra-ordenação referentes ao ano de 2022 (original em cima), exactamente no momento em que o PÁGINA UM pediu comentários a Domingos de Andrade. Na informação constante no site da CCPJ na sexta-feira passada (original em baixo) não correspondia à verdade. A CCPJ repôs o primeiro documento e diz agora ter havido um “erro informático”.

    Em seu lugar passou a constar apenas um documento com referência aos processos de Luís Almeida e Luís Branco. Ou seja, caso o PÁGINA UM não tivesse descarregado o ficheiro original, inexistia uma prova no site da CCPJ da multa aplicada a Domingos de Andrade em 25 de Janeiro passado, e que fora por ele impugnada em 13 de Março. Até porque, nesse documento surgia a informação de que só tinham sido concluídos dois, e não quatro, processos de contra-ordenação.

    Tendo o PÁGINA UM contactado a CCPJ para justificar o “apagão” do documento, a reacção surgiu apenas esta tarde.

    Em mensagem de correio electrónico, o Secretariado desta entidade presidida por Licínia Girão diz que “, por erro informático, a atualização operada numa outra tabela na área dos Processos de Contraordenação não terá sido realizada com sucesso, tendo provocado a recuperação, pelo sistema, da informação anterior relativa aos anos de 2021 e 2022.”

    O PÁGINA UM confirmou que o documento original, relativo ao ano de 2022 – com a referência ao processo de Domingos de Andrade – já foi reposto. Em todo o caso, a justificação de “erro informático” aduzido pela CCPJ surge estranho, porquanto os registos dos procedimentos contraordenacionais instaurados por aquela entidade são apresentados por ano desde 2010.   

    Recorde-se que o PÁGINA UM ainda aguarda, após um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, que a CCPJ disponibilize um conjunto de documentos administrativos daquela entidade, incluindo o processo contra-ordenacional levantado a Domingos de Andrade.