Categoria: Imprensa

  • “Extrême gauche” = “extrema-direita”? Um puxão de orelhas à RTP 3 (que não pediu desculpa)

    “Extrême gauche” = “extrema-direita”? Um puxão de orelhas à RTP 3 (que não pediu desculpa)

    O regulador dos media recebeu 120 queixas de telespectadores por a RTP3 ter emitido no noticiário “3 às 19”, de 25 de Março deste ano, declarações do ministro do Interior francês com legendas erradas, em que traduziu “extrême gauche” por “extrema direita” e “utra gauche” por “ultradireita”. Apesar de o canal ter corrigido as legendas, o regulador condena que o facto de que a pivot não ter corrigido de imediato a óbvia tradução errada que induziu os telespectadores em erro e também o facto de o erro ter sido mantido na emissão da RTP3 e na plataforma online RTP Play. Além disso, a ERC critica a RTP3 por nunca ter pedido desculpas aos telespectadores pelo erro. Apesar de algumas das queixas acusarem a RTP3 de fazer a tradução errada de propósito, a ERC diz não ter provas de que o objectivo fosse induzir em erro a opinião pública para culpar a extrema direita de violência que afinal foi levada a cabo por grupos de extrema esquerda.


    O Conselho Regulador da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) condenou a actuação da RTP3 por ter emitido uma notícia em que traduziu erradamente declarações do ministro do Interior francês, sem que tenha depois feito a devida correcção adequadamente nem admitido o erro, pedindo desculpas aos seus telespectadores.

    Numa deliberação de 27 de Junho, publicada no seu site, o regulador dos media também ordenou a RTP a corrigir a notícia que mantém a tradução errada na plataforma RTP Play. No entanto, o PÁGINA UM confirmou que a ligação original do programa de informação foi desactivada entretanto, apagando assim o erro.

    Em causa está uma notícia emitida no noticiário “3 às 19” na RTP3, no dia 25 de Março, com declarações do ministro do Interior francês sobre protestos nacionais contra o decreto presidencial que alterou a idade de reforma dos 62 para os 64 anos de idade. Na notícia, o ministro do Interior, Gerald Darmanin, condena os protestos e a violência, que causaram feridos, e nas suas declarações no original em francês, aponta responsabilidades a manifestantes da “extrême gauche“, por duas vezes, e “ultra gauche“. Nas legendas, a RTP3 traduziu as declarações por “extrema direita” e ultradireita”.

    closeup photo of person carrying professional video recorder

    Nas legendas podia ler-se, recorda a ERC: “(…) milhares de pessoas deslocaram-se ao local, mais de 1 milhar das quais extremamente radicalizadas, extremamente violentas; entre as quais do movimento Black Bloc, membros da extrema-direita, da ultradireita, que atacam fisicamente os polícias”.

    Lia-se ainda: “E hoje, perante as imagens de extrema violência que sofrem os agentes policiais da república, quero, evidentemente, transmitir-lhes o meu apoio total e absoluto, dizer-lhes que estamos do seu lado e que esta demonstração de violência é absolutamente indesculpável, organizada claramente, como disse, por grupo de extrema direita”.

    No total, chegaram ao regulador 120 queixas de telespectadores pela tradução errada da RTP3, que se defendeu junto da ERC admitindo o erro e definindo-o como “um a[c]to falhado”.

    A ERC diz, na sua deliberação, que “Não existem elementos disponíveis que sustentem as alegações presentes em algumas das participações de que o erro terá sido intencional e com o propósito de manipular a opinião pública”.

    O regulador refere que, “ainda que padecendo de rigor, a ERC não dispõe de evidências que contrariem a justificação da RTP3”.

    O que é certo é que, apesar de o canal ter indicado à ERC que a sua direcção de informação “dete[c]tou de imediato o erro e solicitou, também de imediato, a sua correção nesse momento”, o regulador sustenta que “a RTP3 não logrou indicar de que forma corrigiu a informação em causa”.

    De facto, a ERC aponta que na plataforma RTP Play do serviço público de televisão, “e à semelhança do que aconteceu na emissão linear da RTP3, as legendas que traduzem as declarações do ministro permanecem incorretas, traduzindo “extrême gauche” por “extrema direita” e “ultra gauche” por “ultradireita””.

    O regulador destaca que “o serviço RTP Play não se constitui, nem assim deve ser visto, como um mero arquivo audiovisual”, estando registado na ERC “como um operador de serviço audiovisual a pedido, com o número de registo 800013”.

    O PÁGINA UM consultou hoje a plataforma RTP Play, e constatou que o vídeo referente à notícia em causa, emitida a 25 de Março, encontra-se visível no catálogo de vídeos disponíveis mas, quando se clica no mesmo, não é possível visualizá-lo.

    A ERC frisa que “por outro lado, até ao fim da emissão do noticiário “3 às 19″ daquele dia, não foi identificada a correção do erro, fosse pela pivô, fosse em peça editada”. “Tal atuação colide, sem margem para dúvidas, com o dever profissional constante da alínea b) do n.º 2 do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista (EJ)3, que dispõe ser dever dos jornalistas “proceder à retificação das incorreções ou imprecisões que lhes sejam imputáveis”, lembra a ERC.

    fake news, font, text

    O regulador salienta que “a retificação dos erros constitui um importante mecanismo de autorregulação à disposição dos órgãos de comunicação social e uma meritória prática jornalística em prol do dever de informar o público «com rigor e isenção» (alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º do EJ”.

    Aponta também que foi “possível identificar no noticiário da RTP3 “24 Horas”, do mesmo dia, disponível na plataforma digital RTP Play, a mesma peça jornalística com as declarações do ministro francês já corrigidas, onde se traduz “extrême-gauche» por «extrema esquerda” e “ultragauche” por “ultraesquerda””.

    Contudo, “apesar de o noticiário “24 Horas” apresentar já a legendagem correta das declarações do ministro – ao contrário do que foi feito no bloco informativo “3 às 19″ -, não existiu, em momento algum, uma admissão do erro por parte da RTP3 perante o seu público”.

    A ERC conclui que “a RTP3 não fez uso do mecanismo de autorregulação à sua disposição, no sentido de corrigir e, sobretudo, admitir perante o público, um erro evidente que, no caso em apreço, induzia a uma leitura desajustada e errónea pelos telespectadores”. Indica que, “assim, a RTP3 insistiu na manutenção do erro, não observando o dever de informar com rigor e isenção, nem o dever de retificação”.

    O regulador deliberou então “instar a RTP a proceder à correção da notícia, que ainda se encontra na plataforma digital RTP Play” e “instar a RTP3 ao escrupuloso respeito pelas exigências de rigor informativo e pelos deveres deontológicos da profissão, bem como à utilização dos mecanismos de autorregulação ao seu dispor, no sentido de corrigir e admitir os erros perante os telespectadores, promovendo a transparência junto dos seus públicos”.

  • Graça Freitas compra notícias em contrato forjado para divulgar Plano Nacional de Literacia em Saúde

    Graça Freitas compra notícias em contrato forjado para divulgar Plano Nacional de Literacia em Saúde

    A Direcção-Geral da Saúde quis garantir a cobertura do lançamento de um plano estratégico governamental sobre literacia em saúde, e achou que seria boa ideia pagar a um jornal, o Expresso, mesmo se houve outros órgãos de comunicação social que acorreram ao evento em Mafra. Mas, além da ilegalidade da compra de notícias, Graça Freitas, a ainda directora-geral da Saúde, assinou o contrato público já depois do evento, com um prazo de execução de 19 dias. O falso contrato pode ser considerado nulo pelo Tribunal de Contas.


    A Direcção-Geral da Saúde (DGS) pagou 12.000 euros à Impresa para que o Expresso fizesse a cobertura noticiosa, incluindo filmagens, do lançamento do Plano Nacional de Literacia em Saúde. Mas utilizou um contrato forjado, assinado duas semanas depois com um prazo de execução de tarefas que, afinal, já se tinham concretizado. Contratos desta natureza são, geralmente, considerados nulos pelo Tribunal de Contas.

    O evento oficial deste plano estratégico do Governo alegadamente de combate à desinformação ocorreu no passado dia 14 de Junho, no Palácio de Mafra, sendo transmitido pelas redes sociais do Expresso, e contou com a cobertura noticiosa da generalidade da imprensa nacional generalista, nomeadamente da Antena Um, Público, Jornal de Notícias, Observador e Novo.

    Graça Freitas, directora-geral da Saúde. Pagou ao Expresso para a cobertura de evento oficial, fora do prazo.

    Mas enquanto os outros órgãos de comunicação social terão feito as suas notícias sem contrapartidas financeiras, o Expresso beneficiaria de um contrato no valor de 12.000 euros respeitante à “aquisição de serviços para apresentação do Plano Nacional para a Literacia em Saúde e Ciências do Comportamento 2023-2030”, de acordo com o contrato publicado na passada segunda-feira no Portal Base.

    Embora o caderno de encargos esteja ausente – para se perceber quais os compromissos editoriais do Expresso a executar para promoção de um plano estratégico do Governo socialista –, o contrato foi assinado por Graça Freitas (embora o seu nome tenha sido apagado) no dia 26 de Junho, ou seja, 12 dias após o evento, estipulando-se também, falsamente, que o prazo de execução seria de 19 dias. Portanto, terminaria hoje.

    Porém, o PÁGINA UM detectou três notícias – todas publicadas na ambígua secção Projectos Expresso, da autoria do jornalista Francisco de Almeida Fernandes – sobre o objecto do contrato. A primeira notícia paga pela DGS ao Expresso foi publicada no dia 12 de Junho, com o título “Três em cada dez portugueses têm baixo nível de literacia em saúde”, e além de remeter para o evento de Mafra, antecipava resultados de um estudo sobre os conhecimentos nesta temática.

    Evento em Mafra, no dia 14 de Junho, teve cobertura de vários órgãos de comunicação social, mas Expresso teve brinde de 12 mil euros para escrever notícias favoráveis.

    A segunda notícia com base num pagamento da DGS ao Expresso – sem o qual não haveria a garantia de ser publicado – consistiu na cobertura do evento propriamente dito, no dia 14, tomando o título “Mais informação não significa mais prevenção. É preciso outra linguagem”

    Por fim, a terceira notícia mercadejada entre a DGS e o Expresso foi publicada em 16 de Junho, sendo uma compilação em texto e vídeo das declarações dos protagonistas do evento sobre literacia em saúde, contando com intervenções do subdirector-geral da Saúde, André Peralta-Santos e de duas técnicas superiores desta entidade estatal.

    Saliente-se que o jornalista Francisco de Almeida Fernandes é uma das 14 pessoas identificadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social por ter escrito conteúdos comerciais com carteira profissional de jornalista. Almeida Fernandes é, aliás, um dos mais requisitados jornalistas na escrita daquilo que se denomina de “publicidade redigida”, ou seja, textos que surgem à luz da compreensão dos leitores como notícias mas que são, afinal, pagas por um interessado, que pode mesmo ser, por vezes, o Governo ou farmacêuticas.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    A publicidade redigida ou outras formas de comercialização de textos jornalísticos é ilegal perante a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalista. Porém, apesar de ser uma prática cada vez mais frequente, e feita à descarada, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista mostra-se impávida e serena.

    O PÁGINA UM tentou obter o comentário da directora-geral da Saúde, Graça Freitas, sobre a ilegalidade do seu contrato e sobre a necessidade de pagar notícias sobre um tema que, previsivelmente, teria cobertura, como teve, de outros órgãos de comunicação social. Não chegou ainda qualquer resposta.

  • Autarcas pagaram entrevistas e reportagens de promoção em telejornais da CMTV

    Autarcas pagaram entrevistas e reportagens de promoção em telejornais da CMTV

    A Cofina, dona do canal televisivo CMTV, arrecadou mais de 200 mil euros para promover 10 municípios, através de programas de entretenimento e de informação. A troco de valores a rondar os 20 mil ou os 25 mil euros, as autarquias puderam assim indicar locais e pessoas a entrevistar, incluindo autarcas, de acordo com cadernos de encargos consultados pelo PÁGINA UM. Nas 10 emissões, incluindo a de hoje em Marco de Canavezes, foram entrevistados cerca de duas dezenas de autarcas e até a secretária de Estado das Pescas. O agora jornalista Francisco Penim, antigo director de programas da SIC e também da CMTV, foi o mestre-de-cerimónias das emissões, com a também jornalista Sofia Piçarra. Mas houve mais jornalistas envolvidos.


    Se a Cofina cumprir detalhada e zelosamente o contrato de prestação de serviços assinado hoje, e colocado também hoje no Portal Base, entre as 19h45 e as 21h30, no Grande Jornal da Noite da CMTV, terão os jornalistas Francisco Penim (CP 7364) e Sofia Piçarra (CP 6024) concluído a execução de uma “encomenda informativa” feita pelo município de Marco de Canavezes, que viola, de forma escandalosa, a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalista. Tudo ao preço, neste caso, de 19.900 euros, mais IVA, claro.

    Mas este “episódio” de Marco de Canavezes não foi caso único. Pelo contrário, fez parte de um pacote. A propósito, ou com a justificação de comemorar os 10 anos de emissão da CMTV, a direcção de marketing da Cofina sondou autarquias pelo país para garantir apoio financeiro para emissões a partir da sede do concelho ou de outro local. A estratégia não é inédita em programas de entretenimento, mas já é proibida em programas de informação, mesmo se patrocinados. Quanto aos jornalistas, está vedado o desempenho de funções de apresentação de mensagens publicitárias, incluindo promoção, bem como funções de marketing, incluindo execução de estratégias comerciais.

    Duarte Siopa e Ágata Rodrigues, apresentadores do Programa Manha CM, entrevistados por Francisco Penim. Mesmo nos programas de entretenimento foram introduzidas peças noticiosas da autoria de jornalistas sobre os municípios que pagaram a promoção, além de autarcas a serem entrevistados.

    Nos últimos três meses, com um modelo similar ao de Marco de Canavezes, a CMTV já realizou emissões especiais de entretenimento e de programas de informação – tendo invariavelmente Francisco Penim e Sofia Piçarra como mestres-de-cerimónia – também para os municípios de Portimão (24 de Abril), Leiria (1 de Maio), Braga (17 de Maio), Beja (25 de Maio), Vila do Conde (mais propriamente em Caxinas, em 31 de Maio), Ourém (20 de Junho), Évora (25 de Junho), Coimbra (4 de Julho) e Albufeira (8 de Julho). Em todos terão sido assinados contratos de prestação de serviços com um preço de 20.000 euros, cada, com excepção de Coimbra e de Leiria que pagaram 25.000 euros. Saliente-se, porém, que alguns não foram ainda inseridos no Portal Base.

    De entre os contratos já publicados no Portal Base (Marco de Canavezes, Ourém, Coimbra, Beja e Leiria), consultados pelo PÁGINA UM, ressaltam sobretudos as cláusulas detalhadas nos casos em que também estão publicados os cadernos de encargos. E é aí que deixa de haver margem para dúvidas sobre a promiscuidade e mesmo ilegalidade dos contatos: constam expressamente cláusulas que mostram que informação transmitida pelos noticiários da CMTV foram condicionados, e aceites pela direcção editorial, por uma entidade externa ao canal de televisão a troco de dinheiro. E mesmo que não houvesse dinheiro envolvido. Situações que violam, de forma marcante, a Lei da Imprensa, colocando também a questão se tal se verifica com entidades privadas cujos contratos não são públicos.

    Com efeito, por exemplo, no caso da emissão de hoje em Marco de Canavezes, de acordo com o caderno de encargos, a CMTV comprometeu-se a fazer um alinhamento do programa de entretenimento Manhã CM, entre as 9 horas e as 11 horas, para encaixar “conteúdos dedicados ao território” daquele município. Neste programa foram já emitidas três reportagens, incluindo entrevistas, assinadas pelas jornalistas Ana Inês Baptista (CP 8332) e Aureliana Gomes (5357), bem como uma conversa com a presidente da edilidade, Cristina Vieira, que pagou todo o evento.

    Os jornalistas Sofia Piçarra e Francisco Penim os mestre-de-cerimónias das 10 emissões, elogiando os municípios e entrevistando autarcas e outras pessoas indicadas pelas Câmaras Municipais, que pagaram os programas de informação, onde ficaram explicitadas as horas dos directos.

    Já nos espaços informativos, iniciados às 11 horas, com o Jornal de Portugal, a CMTV comprometeu-se a fazer seis directos, com “pivots sénior” – Francisco Penim, que chegou a ser director de programas da SIC e também da própria CMTV – também no Grande Jornal da Tarde, na Rua Segura, no Directo CM, no Jornal às 7 e no Grande Jornal da Noite. No acordo comercial ficou estabelecido horário em que os jornalistas têm de entrar.

    Aliás, na emissão de hoje, conforme o PÁGINA UM já confirmou, Francisco Penim foi pontual no compromisso, executando a preceito o clausulado no contrato: entrou às 11h30 para um discurso encomiástico sobre “a vista espectacular” a partir do Baloiço de Soalhães, na serra da Aboboreira, antes de entrevistar Gorete Babo, uma técnica superior da autarquia. De acordo com o caderno de encargos, a CMTV tinha de fazer um directo entre as 11 e as 13 horas. Depois disso, houve mais directos e entrevistas durante a tarde, incluindo a dois vereadores locais, Nuno Pinto e Pedro Pinto.

    Mas houve mais, uma vez que o caderno de encargos exigia, “com conteúdos”, a realização de “entrevistas com vários representantes da cidade sobre temas de interesse para o concelho (ex: indústria do granito, vinhos verdes, gastronomia, artesanato) e reportagens em locais emblemáticos (Museu Carmen Miranda, Cais de Bitetos, Igreja de Santa Maria, Estação Arqueológica de Tongobriga, Igreja de Santa Maria).”

    Cerca de duas dezenas de autarcas foram entrevistados em programas de informação das CMTV. Todos tiveram de pagar para “aparecerem”.

    Pela leitura de outros contratos com cadernos de encargos fica-se também a saber que foram as autarquias que indicaram as pessoas a serem ouvidas pelos programas da CMTV, ou seja, não foram nem o director de programas nem o director de informação. Isso mesmo se observa no caderno de encargos do contrato com a Câmara Municipal de Leiria, onde se refere que “caberá ao Município de Leiria fazer os convites a individualidades/ empresas a fazerem-se representar no programa e proporem à produção.”

    Além disto, as autarquias pagaram e também suportaram a logística das emissões e o sustento (comida e estadia) de 17 profissionais da CMTV, incluindo jornalistas e técnicos, durante dois dias. Em alguns casos, foram concedidas contrapartidas publicitárias, talvez com o intuito de justificar, eventualmente junto da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que a cobertura noticiosa não foi paga.  

    Em suma, as 10 autarquias substituíram-se à própria CMTV como produtores, a troco de dinheiro.

    Não se diga, porém, que a CMTV tenha sido “forçada” a este tipo de contrato, uma vez que, pela leitura do caderno de encargos com o município de Ourém, terá sido a própria Cofina a seduzir as autarquias acenando-lhes com as benesses. Num e-mail enviado em 31 de Março por João Santana, director comercial da Cofina, ao presidente da autarquia de Ourém, propõe-se, “no seguimento da nossa conversa telefónica”, as condições para se conseguir “uma solução que assegure a prossecução da relação de parceria que entendemos existir entre a CM de Ourém e a Cofina”.

    Mensagem do director da Cofina enviada à autarquia de Ourém combinando as condições contratuais, onde ficou claro que o município interferiria no alinhamento da informação e mesmo das pessoas a serem entrevistadas.

    João Santana, que envia a comunicação com conhecimento de dois operacionais da Cofina Media, diz que a CMTV pretende, a pretexto dos seus 10 anos de existência, “dar visibilidade a 10 concelhos, divulgando localmente o que de melhor se faz nos pilares SOCIAL, AMBIENTAL, ECONOMIA, EDUCAÇÃO, CULTURA, SAÚDE” [sic], acrescentando que “esta é a forma de estar próximo de quem faz e de quem merece o protagonismo”.

    Sobretudo, acrescente-se, também por quem esteja disponível, com dinheiros públicos, a “comparticipar a execução deste dia especial na CMTV”, para o qual o director comercial da Cofina solicita “um apoio de 20.000€, investimento esse que nos permitirá suportar uma parte dos custos das emissões ao longo do dia a partir da cidade de Ourém.”

    O despudor com que os negócios da Cofina Media foram feitos, e depois executados por jornalistas da CMTV ao longo das emissões já transmitidas – com discursos constantemente elogiosos que tornam anúncios publicitários como algo pouco ousado –, é tamanho, que a própria Cofina colocou no seu canal do YouTube uma exaustiva sequência de “best of” dos programas de entretenimento e de informação no âmbito dos contratos de prestação de serviços.

    Assim, a título de exemplos, no dia 25 de Maio, dedicado a Beja, o contato permitiu a emissão de três reportagens do jornalista Francisco Penim – duas das quais envolveram entrevistas com responsáveis da autarquia, incluindo Marisa Saturnino, vereadora da Câmara Municipal de Beja – e uma da jornalista Sofia Piçarra.

    O contrato com o município de Vila do Conde, em 31 de Maio, envolveu sete directos em programas de informação, incluindo reportagens e entrevistas, nomeadamente com o presidente da autarquia, Victor Costa, a vice-presidente, Sara Margarida Lobão, dois vereadores e até a secretária de Estado das Pescas, Teresa Coelho. A cobertura “jornalística” deste “especial” esteve a cargo dos jornalistas Francisco Penim, Sofia Piçarra e Fátima Vilaça.

    No dia 20 de Junho, na emissão especial paga pela autarquia de Ourém, houve direito a 10 peças “informativas”, incluindo entrevistas ao presidente da edilidade, Luís Albuquerque, à vice-presidente, Isabel Costa, a dois vereadores e uma técnica municipal. Além dos dois habituais jornalistas nestas emissões “especiais”, cobriu o evento a jornalista Isabel Jordão.

    Cláusulas técnicas do caderno de encargos do contratos entre a Cofina e o município de Leiria, onde consta que caberia à autarquia fazer os convites a quem seria entrevistado.

    Em Évora, numa emissão exclusiva no dia 25 de Junho, foi mais do mesmo. Foram entrevistados em diferentes “peças”, o presidente da autarquia, Carlos Pinto de Sá, o vice-presidente, Alexandre Varela, um historiador do município, Gustavo Val-Flores, e ainda Elsa Oliveira, técnica municipal da Divisão de Educação e Intervenção Social. Aqui, o jornalista José Lameiras juntou-se à dupla Piçarra-Penim, autênticos mestre-de-cerimónias e relações públicas, na cobertura da emissão em Évora.

    Quanto a Coimbra, “estrela” da emissão especial de 4 de Julho, quase não houve quem não falasse na vereação. Nos oito directos, deu para entrevistar José Manuel Silva, presidente da Câmara Municipal, Francisco Veiga, vice-presidente, mais quatro vereadores e dois representantes de duas divisões da Câmara. O jornalista Mário Freire completou o trio de jornalistas que executou o contrato da emissão especial paga (25.000 euros) pela Câmara Municipal de Coimbra.

    No dia 8 de Julho, na emissão a partir de Albufeira, contam-se no canal do Youtube da Cofina oito directos e reportagens que incluíram uma entrevista ao presidente da autarquia, José Carlos Rôlo, emitida no Grande Jornal, pouco depois das 21 horas. Débora Couceiro foi a jornalista que se juntou à dupla habitual desta emissão para executar o contrato com o município de Albufeira.

    Para já, o PÁGINA UM identificou 10 jornalistas a exercerem actividade que consubstancia execução de contratos comerciais. E continuará a aprofundar este assunto, assente em factos, nos próximos dias.


    com Maria Afonso Peixoto

  • Mário Ferreira e Prisa apanham coimas milionárias por negócio da Media Capital

    Mário Ferreira e Prisa apanham coimas milionárias por negócio da Media Capital

    Em 2020, o actual “homem forte” da Media Capital, Mário Ferreira, fez um memorando de entendimento com a Prisa que, para a Entidade Reguladora para a Comunicação Social, deveria ter sido antecedida de autorização. O regulador concluiu que foi Mário Ferreira, e não a Prisa, que colocou Manuel Alves Monteiro como administrador da Media Capital, e que isso constituía uma alteração não autorizada de domínio sobre os operadores de rádio e de televisão. Resultado: três coimas de 350 mil euros, mas que pode descer para metade por bom comportamento. A deliberação da ERC, de Fevereiro deste ano, esteve escondida cinco meses, e também revela as circunstâncias do regresso de Cristina Ferreira à TVI e a demissão de Sérgio Figueiredo da direcção do canal de Queluz de Baixo.


    São 42 violações à Lei da Rádio e três violações à Lei da Televisão – e três coimas milionárias de 350 mil euros aplicadas à Prisa, à sua subsidiária Vertix e à Pluris, do empresário Mário Ferreira, que actualmente domina a Media Capital, dona dos canais de televisão TVI e CNN Portugal.

    Este é o desfecho de uma das maiores coimas aplicadas pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) sobre empresas de media. A deliberação, apenas ontem colocada no site da ERC, mas datada de 1 de Fevereiro deste ano, acaba porém por suspender metade da coima de cada empresa (175 mil euros) por um período de dois anos, sob a prestação de caução de boa conduta de 250 mil euros. Ou seja, se não houver novas condenações, cada empresa pode acabar por pagar apenas 175 mil euros.  

    Mário Ferreira, presidente do Conselho de Administração da Media Capital, ao lado de José Eduardo Moniz, director-geral da TVI.

    Os factos remontam a Abril de 2020, quando a Pluris Investments, detida a 90% pelo empresário Mário Ferreira, e a Vertix – que no início daquele ano esteve para ser adquirida pela Cofina – celebraram um acordo com vista à aquisição, pela primeira, de uma participação de 30,22% no capital social da Media Capital.

    Esse acordo implicava a preparação de um novo plano de negócio, um compromisso de financiamento da Media Capital pela Pluris, de até de cerca de 14 milhões de euros, da cooperação adquirir a participação então detida pela Prisa.

    Além disso, ficou estabelecido o direito de a Pluris indicar, “imediatamente após a execução” do acordo um observador que “deve ser autorizado a estar presente em todas as reuniões do conselho de administração da Media Capital e a receber informação completa e precisa de todos os trabalhos do conselho de administração» e, após a celebração do negócio, a adoção pela Prisa dos procedimentos necessários no sentido de cooptar representantes da Pluris para o Conselho de Administração da Media Capital, na proporção da sua participação”.

    Controlo da TVI sem aviso prévio da ERC “valeu” coimas milionárias a Mário Ferreira, à Prisa e à sua subsidiária Vertix.

    Na altura, a Media Capital era detentora das empresas TVI Televisão Independente – dona da TVI e da CNN Portugal – e ainda da Rádio Comercial em diversas rádios locais – entretanto vendidas no ano passado à alemã Bauer –, envolvendo um serviço de programas de televisão e de vinte e nove serviços de programas de rádio.

    Em 9 de Outubro de 2020, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) concluiria que estes “acordos celebrados entre a Vertix/ Prisa e a Pluris/ Mário Ferreira e a conduta das partes instituída na sequência dos mesmos configura[va] o exercício concertado de influência sobre a Media Capital, manifestado, entre outros, na (re)composição do seu órgão de administração, na redefinição do plano estratégico da sociedade e na tomada de decisões relevantes na condução dos seus negócios.”

    E a Entidade Reguladora para a Comunicação Social não gostou, por causa dos “fortes indícios da ocorrência de uma alteração não autorizada de domínio sobre os operadores de rádio e de televisão a operar sob licença que compõem o universo da Media Capital.” E abriu um processo de contra-ordenação, porquanto a alteração de domínio sobre um operador de rádio ou de televisão sem a necessária autorização da ERC constitui uma contraordenação, punível, no caso da Lei da Rádio com coima até 100.000 euros, e no caso da Lei da Televisão até 375.000 euros.

    Deliberação da ERC sobre processos de contra-ordenação esteve cinco meses “escondida”. Só ontem foi revelada.

    O processo de contra-ordenação, com um total de 183 páginas, foi aprovado em 1 de fevereiro, mas estranhamente só ontem foi disponibilizado no site da ERC, com a referência que por “obrigações legais em matéria de proteção de dados e de preservação do sigilo comercial, foram ocultados alguns elementos nominativos e montantes envolvidos, sem prejuízo para a compreensão dos factos e dos fundamentos subjacentes à presente Deliberação.”

    O regulador conclui que o acordo entre a Prisa e a Pluris deveria ter implicado autorizações prévias, e que Mário Ferreira assumiu antes do tempo um papel determinante dos destinos da Media Capital, sobretudo através da colocação de Manuel Alves Monteiro no Conselho de Administração a partir de Abril de 2020.

    Apesar de formalmente convidado pela Prisa como administrador não-executivo, Manuel Alves Monteiro foi considerado pela ERC como um “homem de mão” (não nestes termos) de Mário Ferreira.

    “A cooptação de Manuel Alves Monteiro pelo Conselho de Administração da Media Capital, cinco dias após ter sido celebrado o MoU [memorando de entendimento], amigo de longa data e pessoa da confiança de Mário Ferreira, em cujo grupo económico exercia, há vários anos, funções de administrador [Mystic Invest], nos exatos termos em [que] se dispunha no MoU a nomeação de um (ou dois) observador(es).”

    Saliente-se que Alves Monteiro viria a ser o novo CEO a partir de Julho de 2020, para defender os interesses da Pluris que, na prática, segundo a ERC, dominava já a Media Capital.

    Aliás, a ERC chega também a intuir que o afastamento de Sérgio Figueiredo, director de informação da TVI, decidido em 10 de Julho de 2020, “terá sido a expressão da vontade de Mário Ferreira”.

    A deliberação da ERC também luz sobre a pouco pacífica passagem da apresentadora Cristina Ferreira da SIC para a TVI, revelando uma evidente mentira.

    O regulador dos media diz que Cristina Ferreira começou por confessar na CMVM ter falado com Mário Ferreira que lhe propôs “ser accionista e possível administradora” caso abandonasse a SIC e regressasse à TVI, esquecendo as incompatibilidades com o actual director da CNN Portugal, Nuno Santos.

    ERC diz que Cristina Ferreira entrou em contradição sobre o convite em 2020 que recebeu de Mário Ferreira para regressar à TVI como apresentadora, accionista e administradora.

    Porém, mais tarde, “no âmbito do procedimento administrativo”, Cristina Ferreira disse ter afinal falado com Manuel Alves Monteiro. “Não podemos, contudo, deixar de estranhar a contradição existente entre os dois depoimentos de Cristina Ferreira”, expõe-se na deliberação da ERC, “e questionar a razão que a levou a adotar posturas completamente divergentes”. Independentemente disso, o regulador conclui que “daqui resulta que Mário Ferreira teve intervenção ativa na definição e condução das políticas de gestão estratégica e respetivas decisões da Media Capital” antes de oficialmente estar mandatado.

    As coimas agora aplicadas pela ERC ainda poderiam ter sido muito mais elevadas. De acordo com a lei, “a alteração de domínio sobre um operador de rádio ou de televisão com serviços de programas licenciados sem a necessária autorização do regulador constitui contraordenação, prevista na Lei da Rádio com coima entre 10.000 e 100.000 euros e na Lei da Televisão com coima entre 75.000 e 375.000 euros e com suspensão da licença pelo período de um a 10 dias.

    Para cada uma das três empresas, a ERC aplicou uma coima de 120.000 euros pela violação da Lei da Televisão, abrangendo o operador TVI (ainda não existia a CNN Portugal), duas de 45.000 euros por violação da Lei da Rádio, abrangendo a Rádio Comercial e a Rádio Regional de Lisboa, e 12 coimas de 16.000 euros para outras tantas empresas radiofónicas então detidas pela Media Capital, entretanto vendidas à alemã Bauer.

    Em cúmulo jurídico, a ERC decidiu reduzir para 350.000 euros (o somatório de todas as coimas daria 402.000 euros), justificando o valor pelo “desvalor da conduta e a sua gravidade” e pelo facto de “as arguidas [Pluris, Prisa e Vertix] não mostrarem qualquer arrependimento ou compreensão do desvalor e, de modo a evitar um juízo de impunidade relativamente à prática das infrações e da culpa, ponderados e valorados os fatores que presidem à determinação da coima”.

    Ainda não foi possível ao PÁGINA UM saber se a Media Capital e a Prisa – que detém também a Vertix, e que contestou a aplicação de um duplo processo – recorreram das coimas para os tribunais. Não foi, porém, feita pela Media Capital qualquer informação ao mercado sobre a coima, através da CMVM.

  • ERC detecta quatro grandes empresas de media com 15 contratos públicos forjados

    ERC detecta quatro grandes empresas de media com 15 contratos públicos forjados

    O jornalismo costumava ser o watchdog da gestão pública, mas afinal, nos últimos anos, práticas ilegais e eticamente reprováveis foram cometidas pelas próprias empresas de media. A fiscalização da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – que até foi branda e deixou escapar demasiados responsáveis editoriais – não apenas detectou “jornalistas comerciais”. Também se apanhou 15 contratos públicos forjados, sobretudo com autarquias, entre as quais a de Lisboa, então presidida por Fernando Medina, e a de Viana do Castelo, então liderada pelo actual secretário de Estado do Mar. Mas a ERC também considera que padecem de nulidades um contrato do Ministério da Economia e até um assinado por uma associação empresarial que tem Marcelo Rebelo de Sousa como presidente honorário. Impresa, Global Media, Cofina e Trust in News deverão ser agora “condenadas” a devolver os montantes pagos em contratos forjados, e os gestores públicos multados.


    Nulos – e como se nunca tivessem existido. São 15 os contratos assinados por quatro empresas de comunicação social “apanhados” pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que estarão feridos de nulidade por a data da sua celebração ser posterior às datas em que foram executados os serviços prestados.

    As deliberações do regulador – que, neste caso em concreto, incidem sobre alguns dos contratos públicos assinados sobretudo nos últimos três anos pela Impresa, Global Media, Trust in News e Cofina – terão já sido enviadas para o Tribunal de Contas, a entidade com competência para declarar a nulidade do contrato. Por norma, nestas circunstâncias, o Tribunal pode mandar devolver as verbas às entidades públicas e aplicar sanções aos dirigentes públicos que assinaram os contratos.

    Domingos de Andrade, durante um evento pago à Global Media pela autarquia de Setúbal, corporiza o “novo jornalismo” português: escreve notícias, dirige órgãos de comunicação social e estabelece parcerias comerciais para promover entidades, não se importando com o cumprimento de normas de contratação pública.

    Pela leitura das sete deliberações da ERC, divulgadas na sua totalidade na semana passada, contabiliza-se um contrato ilegal assinado pela Impresa , dois pela Trust in News, cinco pela Cofina e sete pela Global Media.

    De entre as entidades públicas que se disponibilizaram a forjar contratos encontram-se sobretudo autarquias – oito, no total, incluindo a de Lisboa, então liderada pelo actual ministro das Finanças, Fernando Medina –, mas também duas empresas municipais (de Gaia e de Lisboa), o Instituto Politécnico de Portalegre, o Instituto Camões, a COTEC (uma entidade empresarial, que tem Marcelo Rebelo de Sousa como presidente honorário) e até o Ministério da Economia, através da sua Secretaria-Geral.

    De acordo com diversas deliberações públicas da ERC – que têm estado a ser analisadas pelo PÁGINA UM –, em relação à Impresa está em causa um contrato com a EMEL, assinado pelos seus administradores Luís Natal Marques e Francisco Ramalhosa. Assinado em 26 de Fevereiro de 2020, no valor de 13.500 euros, tem como objecto a “aquisição de serviços para publicação de editorial com conteúdos publicitários sobre os 25 anos” desta empresa municipal de Lisboa.

    Contrato entre EMEL e Impresa, para um suplemento do Expresso, considerado ilegal pela ERC. O Tribunal de Contas foi chamado a declarar nulidade.

    Porém, o dossier sobre mobilidade que o sustenta já tinha sido publicado no Expresso em 7 de Dezembro de 2019 – ou seja, 81 dias antes do contrato –, sob a coordenação do jornalista José Miguel Dentinho, que estará agora, se a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) decidir actuar, sujeito a um processo disciplinar por ter executado tarefas jornalistas em cumprimento a um contrato comercial.

    No caso da Trust in News – a empresa que tem como título principal a Visão –, o regulador detectou dois contratos ilegais para pagar publicações na revista Exame

    No primeiro caso, envolveu um pagamento de 50.000 euros por parte da COTEC Portugal à TIN Publicidade e Eventos. O contrato serviu para formalizar a “aquisição de serviços de elaboração, produção e impressão de duas revistas, em formato físico e digital, assim como de 6 (seis) newsletters a desenvolver para e com a COTEC Portugal, no âmbito do Programa Advantage 4.0.”

    Saliente-se que a COTEC Portugal é uma associação privada sem fins lucrativos constituída em Abril de 2003 na sequência de uma iniciativa do então Presidente da República Portuguesa, Jorge Sampaio, mas tem um estatuto que a obriga ao cumprimento das normas de contratação pública. Tem, actualmente, Marcelo Rebelo de Sousa como Presidente Honorário.

    Marcelo Rebelo de Sousa é presidente honorário da COTEC Portugal, associação empresarial que assinou um contrato forjado com a Trust in News. Foto: Rui Ochoa/ Presidência da República

    O contrato em causa foi assinado pela então presidente da COTEC Portugal, Isabel Furtado, em 28 de Dezembro de 2020, mas um dos suplementos da revista Exame, enviado pela Trust in News à ERC, já tinha sido afinal publicado 10 meses antes, em Fevereiro daquele ano.

    Embora a ERC não se tenha mostrado interessada em escalpelizar as newsletters e a outra revista, nem o caderno de encargos do contrato – onde, geralmente, se especificam em concretos as obrigações –, “apanhou” o director da revista Exame, Tiago Freire, a escrever o editorial desse primeiro suplemento, razão pela qual integra a lista de 14 “jornalistas comerciais” enviados à CCPJ pela ERC.

    O segundo contrato ilegal da Trust in News foi assinado com o Instituto Camões em 15 de Dezembro de 2020 pelo seu actual presidente, o embaixador João Ribeiro de Almeida. Envolvendo o pagamento de 31.099,30 euros para a produção e publicação de um encarte editorial na edição quinzenal saída em 2 de Dezembro, ou seja, 13 dias antes da data do contrato. Apesar de a Trust in News até admitir que houve jornalistas envolvidos, não os identificou, e a ERC não se interessou em saber quem foram.

    No caso dos seis contratos da Global Media, todos envolveram autarquias: Barreiro, Valongo, Lisboa, Aveiro (dois contratos), Setúbal e Estarreja.

    Em relação a autarquia do Barreiro, o contrato está associado ao pagamento de 19.995 euros pela “aquisição de serviços de comunicação no âmbito dos 500 anos da autarquia do Barreiro”.

    Câmara do Barreiro pagou quase 20 mil euros por um debate e cobertura noticiosa no Diário de Notícias. O debate foi moderado pela então subdirectora do DN e directora do Dinheiro Vivo, Joana Petiz (primeira, à direita). ERC concluiu que o contrato é nulo.

    A ERC verificou que o contrato foi assinado em 30 de Agosto de 2021, mas afinal a cobertura noticiosa de um dos eventos contratualizados realizou-se em 25 de Junho. Saliente-se que a Global Media confessou que um desses eventos, uma conferência, teve a moderação da então directora-adjunta do Diário de Notícias, Joana Petiz, mas a ERC não considerou que estaria a executar um contrato comercial, ao contrário da jornalista que escreveu sobre o evento (Alexandra Costa), que integra a lista de 14 “jornalistas comerciais”.

    Por sua vez, o contrato com a Câmara Municipal de Valongo teve um pagamento associado de 7.500 euros para “aquisição de serviços de comunicação e divulgação do evento ‘Switch to Innovation Summit’”, tendo sido assinado em 22 de Junho de 2021. Neste caso, a ERC acreditou que foi apenas publicidade, com um problema: foram inseridos no Jornal de Notícias uma semana antes da celebração do contrato.

    Contudo, na verdade, o contrato envolveu a participação de jornalistas da Global Media no evento pago pela Câmara Municipal de Valongo, em tons encomiásticos. Foi o caso do jornalista Paulo Ferreira, também investigador no Centro de Estudos de Comunicação e Sociedade da Universidade do Minho, que participou activamente no evento, moderando um debate com o presidente da edilidade. Ferreira não poderia ser mais louvaminheiro de Valongo, agradecendo o facto de o Jornal de Notícias ter sido convidado a ser media partner “nesta excelente iniciativa”.

    Jornalista Paulo Ferreira (primeiro à esquerda), do Jornal de Notícias, não poupou elogios ao presidente da autarquia de Valongo, José Manuel Ribeiro (segundo, à esquerda), que pagou o evento à Global Media, mas num contrato nulo.

    “Temo-nos habituado a olhar para Valongo como um município provocador no sentido de elaborar um conjunto de iniciativas que, como se diz hoje, saem um bocadinho da caixa”, afirmou Paulo Ferreira na introdução ao debate, congratulando-se de o periódico da Global Media já ter feito outros eventos com esta autarquia. José Manuel Ribeiro, autarca que pagou o evento, foi classificado por este jornalista do Jornal de Notícias como um dos “convidados” de “alto gabarito” do debate, completado com mais elogios grandiloquentes.

    No final do debate de 50 minutos, Paulo Ferreira despediu-se de José Manuel Ribeiro, e em nome “da direcção do Jornal de Notícias” agradeceu o convite e o desafio para “sermos media partner”, sem referir que houve um pagamento pela função. A ERC ignorou estes factos que consubstanciam a promoção feita por jornalistas a uma entidade pública pagadora.

    Quanto ao contrato da autarquia de Lisboa com a Global Media, que nem sequer foi reduzido a escrito, envolveu o pagamento de 17.500 euros e foi assinado em 24 de Maio de 2021, para, segundo consta no Portal Base, a “aquisição de serviços de campanha de comunicação para divulgação e promoção do seminário ‘O investimento público no pós-pandemia’, a realizar nos Paços do Concelho”.

    ERC analisou pela “rama” parcerias polémicas entre entidades públicas e empresas de media, mas não se importou com a participação dos directores editoriais, culpando apenas jornalistas que escreveram artigos abrangidos por contratos.

    Neste caso, a ERC caiu no logro das justificações da Global Media, porque na sua deliberação diz que “trata-se de um anúncio publicitário a um evento organizado pelo Município de Lisboa, publicado numa edição eletrónica do Diário de Notícias”, e também na edição em papel de 19 de Maio, ou seja, cinco dias antes do contrato.

    No entanto, bastaria a ERC fazer uma simples pesquisa na Internet para confirmar que a participação do Diário de Notícias num contrato de 17.500 euros foi mais do que publicar anúncios.

    Na verdade, o evento foi transmitido pelo site do Diário de Notícias, “com abertura garantida pelo [então] líder do executivo municipal, Fernando Medina”, tendo marcado “presença o vereador João Paulo Saraiva e o economista Alfredo Marvão Pereira como keynote speakers”. Na segunda parte, houve um debate com António Saraiva, então presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), e Augusto Mateus, professor e antigo ministro da Economia, “numa conversa moderada por Rosália Amorim, diretora do DN”. O então ministro do Planeamento, Nelson de Souza, ministro do Planeamento, encerrou a iniciativa.

    Assim, apesar da evidente participação activa da directora do Diário de Notícias numa prestação de serviços para a Câmara Municipal de Lisboa, envolvendo autarcas que pagaram o serviço à sua entidade empregadora, Rosália Amorim não foi identificada para a lista de “jornalistas comerciais” agora a contas, se assim o Plenário da CCPJ, com processos disciplinares por violação do Estatuto do Jornalista.

    Seminário pago pela Câmara Municipal de Lisboa à Global Media foi moderado pela directora do Diário de Notícias, que depois publicaria uma notícia sobre o evento. Este artigo noticioso é da autoria do jornalista Francisco de Almeida Fernandes, que embora detectado como “jornalista comercial” em conteúdos comerciais para o Expresso, não foi, neste caso, “fiscalizado” pela ERC.

    Curiosamente, o Diário de Notícias até publicou uma notícia sobre o seminário, na data do contrato (24 de Maio), destacando sobretudo a intervenção de Fernando Medina, que pagou, através dos cofres autárquicos, a operação de promoção. O artigo noticioso foi escrito pelo jornalista Francisco de Almeida Fernandes, que não foi alvo de análise neste caso, pese embora tenha sido identificado pela ERC como “jornalista comercial”, mas por conteúdos escritos para o Expresso.

    Em relação à autarquia de Aveiro, o primeiro contrato ilegal com a Global Media refere-se à “aquisição de serviços de organização da conferência “Aveiro no Centro da Resposta à Pandemia”, no âmbito do “JN Praça da Liberdade – Ciclo de Conferências”, contra o pagamento de 65.000 euros. O contrato foi assinado em 3 de Novembro de 2020.

    Também aqui a ERC fez uma análise pela rama, acreditando que se tratou apenas de “um anúncio publicitário a um evento organizado pelo Município de Aveiro, publicado na edição impressa de 16 de outubro de 2020 do Jornal de Notícias”, em data anterior à da celebração do contrato. Mais uma vez, além do contrato assinado fora do prazo, houve mais factos irregulares não analisados pelo regulador.

    Fernando Medina, então presidente da autarquia de Lisboa, pagou, em Maio de 2021, um total de 17.500 euros à Global de Notícias para promoção pública da sua acção política. O Diário de Notícias cobriu o evento, mas ERC diz que contrato é nulo por violação das regras de contratação pública. Foto: Luís Filipe Catarino/CML

    Com efeito, a ERC nem sequer procurou saber o que era a “JN Praça da Liberdade” por pesquisa na Internet, não verificando assim que o contrato englobava a organização de uma conferência no dia 23 de Outubro de 2020 – ou seja, duas semanas antes da sua celebração por ajuste directo, também sem redução a escrito.

    Na página do YouTube da Câmara Municipal de Aveiro até se pode visualizar a entusiástica abertura de Ribau Esteves, presidente da edilidade que pagou à Global Media, agradecendo ao jornalista Domingos de Andrade, também administrador da Global Media e director da TSF, por ser o “desafiador desta Praça da Liberdade”.

    Embora a conferência tenha sido apagada entretanto do site do Jornal de Notícias, ainda se encontra no portal do YouTube da autarquia de Aveiro uma intervenção de 21 minutos e 4 segundos de Ribau Esteves a promover a recuperação e a saúde financeira da sua edilidade. A promoção do autarca, numa conferência apresentada como conteúdo editorial, foi feita afinal sob o pagamento de uma factura de 65.000 euros saídos dos cofres públicos.

    A intervenção de Ribau Esteves tem, aliás um aspecto agora algo irónico. O autarca social-democrata aproveitou para lançar um forte ataque à intervenção do Tribunal de Contas, no controlo da corrupção, e está agora sujeito à acção do Tribunal de Contas que, com elevadíssima probabilidade, considerará nulo o contrato entre a Câmara Municipal de Aveiro e a Global Media.

    Câmara Municipal de Aveiro fez dois contratos forjados com a Global Media. Num dos eventos, Ribau Esteves até chegou a criticar a acção do Tribunal de Contas, que agora deverá considerar nulos aqueles contratos.

    Além deste, um outro contrato da autarquia de Aveiro, assinado em 19 de Dezembro de 2019 com a Global Media, estará também ferido de nulidade. A ERC diz que a Global Notícias lhe enviou um “anúncio publicitário” impresso na edição de 6 de Dezembro, ou seja, duas semanas antes da formalização do contrato.  Mas, estranhamente, o regulador não foi mais longe para desvendar os contornos de um contrato com um valor significativo (110.000 euros) que não se poderia esvair num mero anúncio publicitário.

    O contrato no Portal Base – no valor de 110.000 euros, repita-se – é completamente omisso sobre o âmbito do “evento ‘Sai pra Rua’ no âmbito do projecto ‘Boas Festas em Aveiro’”, porque tudo é remetido para um caderno de encargos não divulgado. Mas a ERC poderia exigir a sua entrega por via das suas funções fiscalizadoras. Não o fez.

    Em todo o caso, o PÁGINA UM detectou um programa da Câmara Municipal de Aveiro sobre essa iniciativa, que decorreu entre 1 de Dezembro de 2018 e 14 de Janeiro de 2019.

    Quanto ao contrato com a autarquia de Setúbal, foi assinado em 3 de Março de 2020 para uma conferência do Jornal de Notícias sobre regionalização, que também já desapareceu do site deste periódico, mas que ainda se encontra no site do município. Para promover a campanha a favor da regionalização, a conferência contou também com os então presidentes das autarquias dos Porto, Rui Moreira, de Oeiras, Isaltino Morais, e de Loures, Bernardino Soares, ficando estabelecido o pagamento de 19.997 euros.

    O problema é que o contrato, não reduzido a escrito, estipulava um prazo de execução de 12 dias, mas o evento apenas se realizou em 25 de Novembro. Ou seja, está em incumprimento das normas de contratação pública, sendo nulo.

    Maria das Dores Meira, então presidente da autarquia de Setúbal, pagou quase 20 mil euros por um evento organizado em 2021. Mas o contrato, assinado em Março, estipulava um prazo de execução de 12 dias. O evento só se realizou em Novembro. ERC defende nulidade do contrato.

    Curiosamente, Domingos de Andrade, o jornalista e administrador da Gobal Media, teve um papel particularmente interventivo no evento, sendo até citado no site da Câmara Municipal de Setúbal. Segundo um artigo camarário, Domingos de Andrade “realçou o facto de a regionalização ser um processo ‘assombrado por contradições, avanços e recuos, cavando o aumento do fosso entre as regiões’”, e que defendeu que, “embora para os opositores da regionalização a situação económica e social em que a pandemia de covid-19 deixou o país ‘sirva de pretexto para novos adiamentos’, esta ‘mostrou a falta que faz um nível intermédio de legitimidade política’”.

    Por fim, o sexto contrato ilegal entre autarquias e a Global Media ocorreu com a Câmara Municipal de Estarreja para a organização de eventos, no valor de 6.000 euros, de acordo com o Portal Base.

    Segundo a ERC, tratou-se de anúncios numa edição electrónica do Jornal de Notícias e na edição impressa de 16 e 22 de Fevereiro de 2020 sobre o Carnaval, ou seja, antes da data do contrato, que ocorreu em 28 de Fevereiro. No entanto, no Portal Base, onde surge a referência ao facto de o contrato não ter sido reduzido a escrito, foi acrescentada a informação de uma redução do pagamento para apenas 4.000 euros, uma vez que “não foi realizado um dos eventos contratualizado – GARCICUP 2020 (COVID-19)”. A ERC não aprofundou estas incongruências.

    Rosália Amorim, directora do Diário de Notícias, é uma recordista na participação de eventos pagos à Global Media por entidades públicas e privadas. Passou “pelos pingos da chuva” na análise feita aos contratos públicos por parte da ERC.

    Em relação aos cinco contratos da Cofina, estão em causa relações comerciais com o Instituto Politécnico de Portalegre, com a empresa municipal Gaiurb, as autarquias municipais de Viana do Castelo e Albufeira e ainda a Secretaria-Geral do Ministério da Economia.

    De acordo com a deliberação da ERC, o Instituto Politécnico de Portalegre assinou um contrato de prestação de serviços com a Cofina, em 25 de Maio de 2022, no valor de 74.950 euros, para “prestação de serviços de informação e publicidade no âmbito do Projeto Guardiões”.

    A ERC considerou aceitável que a Cofina justificasse um montante tão elevado (74.500 euros) através da inserção de apenas três comunicados de imprensa, devidamente identificados como tal, na Sábado e Jornal de Negócios. E apenas apontou como grave terem sido publicados antes da celebração do contrato, pelo que sinalizou o facto junto do Tribunal de Contas.

    No caso da Gaiurb – a empresa municipal de urbanismo de Vila Nova de Gaia –, a ERC comprovou que se tratava exclusivamente de um contrato comercial, com conteúdos inseridos na secção C-Studio, mas com data de contrato posterior à execução dos serviços. Com efeito, o contrato foi celebrado em 10 de Novembro de 2021, mas a ERC confirmou que os vídeos feitos estiveram disponíveis a partir de Junho desse ano, ou seja, mais de quatro meses antes. Por quatro vídeos, a Cofina recebeu 53.000 euros da Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, que nos últimos anos tem sido pródiga a distribuir dinheiro pelos principais grupos de media.

    A Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia, presidida pelo Eduardo Vítor Rodrigues, é uma das autarquias que mais dinheiro distribui pelos diversos grupos de media.

    Quanto ao contrato com a autarquia de Viana do Castelo, em causa está a “prestação de serviços para organização de seminário e divulgação – Economia Azul”, assinado em 17 de Setembro de 2021, num valor de 13.500 euros. A ERC detectou, ou quis apenas detectar, que o contrato integrava a realização de um webinar (seminário) sobre Economia Azul (relacionada com os recursos económicos do mar), noticiado no Jornal de Negócios, que decorreu em 9 de Setembro daquele ano, ou seja, cerca de uma semana antes da celebração do contrato.

    Mas, na verdade, houve mais do que isto no decurso do webinar propriamente dito. Por causa da pandemia, teve presenças físicas e online, durante cerca de duas horas, e que se encontra ainda disponível no portal do YouTube da autarquia de Viana do Castelo. E embora a ERC não se tenha debruçado sobre esta questão, o webinar teve a introdução da directora do Jornal de Negócios, Diana Ramos, que falou que o ciclo de conferência contava com “o apoio da Câmara Municipal de Viana do Castelo”, agradecendo o “acolhimento”, e omitindo completamente a existência de um contrato de prestação de serviços e de pagamentos.

    Através de uma mensagem transmitida em vídeo, a directora do Jornal de Negócios não foi, aliás, nada parca em elogios ao município, de “uma cidade ligada ao mar e aos princípios da sustentabilidade”, que pagou o evento à Cofina.

    Em 9 de Setembro de 2021, Diana Ramos, directora do Jornal de Negócios, participou por vídeo num webinar pago pela autarquia de Viana do Castelo, tecendo um vasto rol de elogios. O contrato foi assinado uma semana depois. A ERC diz estar ferido de nulidade.

    Diana Ramos opinou até que “Viana do Castelo está, aliás, a construir um percurso de centralidade na área da inovação e da nova Economia Azul, e que já tem reflexos cá dentro e lá fora”, e que “para esse caminho tem sido essencial a atracção de investimentos e de projectos de empresas estrangeiras na área das energias renováveis marinhas, a criação de uma plataforma multiusos de testes e ensaios com a participação de um conjunto de centros de investigação e desenvolvimento, e a presença de uma fileira industrial relevante na área da construção das embarcações e das plataformas off shore.

    Ao concluir, Diana Ramos acrescentou que “este webinar pretende, por isso, destacar o conjunto de activos e dinâmicas que esta cidade [Viana do Castelo] apresenta no domínio da Economia Azul”. O discurso oral de Diana Ramos, um autêntico panegírico ao município que pagou o evento, evidenciava ter sido previamente escrito.

    O Estatuto do Jornalista considera incompatível “a apresentação, através de texto, voz ou imagem, de mensagens publicitárias”, algo que se mostra patente no discurso da directora do Jornal de Negócios, ademais sabendo-se da existência do contrato com a entidade que Diana Ramos elogiou. Aliás, o Estatuto de Jornalista também proíbe funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem.

    Contudo, a ERC não se debruçou sobre esta matéria, e a directora do Jornal de Negócios não foi listada nos “jornalistas comerciais” identificados pelo regulador dos media para envio à CCPJ para eventuais processos disciplinares.

    Filipe Fernandes, jornalista do Jornal de Negócios, foi “pau para toda a obra” em contratos da Cofina. Moderou um seminário em Viana do Castelo e escreveu conteúdos comerciais em cumprimento de, pelo menos, quatro contratos analisados pela ERC.

    Menos sorte, em comparação com a sua directora, teve o jornalista Filipe Fernandes. Além de ter sido mestre-de-cerimónias do webinar – que contou, entre outros, com a presença de António Nogueira Leite, presidente do Forum Oceano, que co-organizou o evento, e do presidente da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Norte, António Cunha –, este jornalista ainda assinou textos de um suplemento impresso no Jornal de Negócios em 23 de Setembro. Daí constar como um dos 14 “jornalistas comerciais” identificados pela ERC.

    Mas o maior absurdo deste webinar – ou melhor, a falácia junto dos leitores sobre um evento pago à Cofina pela Câmara Municipal de Viana do Castelo – observou-se, porém, na intervenção do então presidente da edilidade. Apesar de José Maria Costa, que agora ocupa a Secretaria de Estado do Mar, saber bem aquilo que se combinara – o pagamento de 13.500 euros à Cofina para a realização do evento –, não teve pejo de dizer o seguinte: “A minha primeira palavra é, naturalmente, de agradecimento ao Forum Oceano e ao Jornal de Negócios por nos darem a oportunidade de participar neste evento”.

    Por seu turno, o contrato da Cofina com a autarquia da Albufeira envolveu uma verba bem superior (70.000 euros), mas com contornos que evidenciam uma clara aquisição de serviços de promoção de imagem sob a forma de notícias e utilização de jornalistas. O caderno de encargos não consta no Portal Base nem a ERC o solicitou à Cofina, pelo que apenas se sabe que o contrato serviu para aquisição de um “plano de comunicação, valorização e divulgação da marca Albufeira a nível nacional”, estando com data de 27 de Abril de 2021.

    José Maria Costa, actual secretário de Estado do Mar, presidia à autarquia de Viana do Castelo em 2021, quando pagou 13.500 euros à Cofina. Chegou a agradecer publicamente ter sido convidado para o evento (que pagou). ERC diz que contrato é nulo.

    Além de detectar que houve notícias escritas pelo jornalista Filipe Fernandes – que, aliás, foi um “pau para toda a obra” da Cofina, porquanto na deliberação da ERC é referenciado como autor de textos comerciais em quatro contratos (Viana do Castelo, Melgaço, Comunidade Intermunicipal do Cávado e Albufeira) –, o regulador verificou que houve notícias sobre Albufeira publicadas, no âmbito deste contrato, entre os dias 8 e 10 de Abril. Ou seja, mais de duas semanas antes da celebração do contrato, daí que o Tribunal de Contas irá agir.

    Mas aquilo que mais surpreende, neste caso, acaba por ser o teor das notícias associadas ao contrato, que aparentam ser “normais”, isto é, não há vestígios aparentes (para os leitores) de se tratar de artigos comprados. Com efeito, uma dessas notícias, assinadas por Filipe Fernandes, aborda “a aplicação Albufeira Safe” que pretenderia ser “um instrumento de turismo responsável com todos os cuidados sanitários para visitantes e residentes”. A fonte da notícia era Délio Pescada, chefe de gabinete do presidente da autarquia de Albufeira, a adjudicante do contrato de 70.000 euros pagos à Cofina.

    Outra notícia, também assinada por Filipe Fernandes, tratou de “vender o peixe” de uma empresa de venda de peixe de Albufeira, a Nutrifresco, mas num tom perfeitamente jornalístico. Ou melhor dizendo, sendo um produto comercial apresentada como publicidade redigida (por jornalista).

    ERC demorou quase um ano a analisar contratos públicos com grupos de media, mas nem sequer analisou os cadernos de encargos.

    Estas duas notícias tinham, contudo, ligação íntima a um seminário de três dias, que decorreu em Albufeira, nos dias 8, 9 e 10 de Abril daquele ano, no âmbito do denominado Albufeira 21 Summit. O evento foi transmitido ininterruptamente em directo pelas plataformas da revista Sábado e do Jornal de Negócios. Mas aqui a ERC nada quis ver sobre promiscuidades entre a autarquia de Albufeira e os órgãos de comunicação social da Cofina.

    E houve muita. Muita cobertura supostamente noticiosa, sobretudo pela estação de televisão CMTV, como se pode confirmar numa síntese dos serviços noticiosos que consta no site da Cofina Boost Solution. Aí encontra-se referência da parceria com a revista Sábado, então dirigida pelo jornalista Eduardo Dâmaso, mas sem ser feita qualquer menção a pagamento por prestação de serviços.

    Aliás, Eduardo Dâmaso, que esteve muito activo na conferência de promoção de Albufeira durante os três dias, nesse vídeo de síntese da cobertura do evento pela CMTV diz mesmo que “qualquer empresa de media tem, obviamente, a obrigação de acompanhar este tipo de discussões que são decisivas para um concelho como Albufeira mas também para o país”. A Cofina tinha então, na verdade, dupla obrigação, uma vez que estava mesmo obrigada contratualmente a honrar os compromissos para receber os 70.000 euros da autarquia algarvia.

    CMTV fez cobertura noticiosa de evento pago à Cofina (70.000 euros) pela autarquia de Albufeira. ERC só decretou contrato nulo por violação de normas da contratação pública. O regulador não analisou promiscuidades que envolveram jornalistas da CMTV e até o antigo e actual director da revista Sábado.

    Nas sessões do evento, que ainda constam na plataforma do Youtube da Câmara Municipal de Albufeira, visualizadas pelo PÁGINA UM, surge sempre como mestre-de-cerimónias uma jornalista e pivot da CMTV, Daniela Polónia, que esteve intensamente ao serviço da conferência. Mas detectou-se também a participação activa de mais jornalistas da Cofina, e com responsabilidades editoriais. Foram os casos de Eduardo Dâmaso – que, no último dia, numa intervenção de cerca de 15 minutos, teceu variados elogios à autarquia – e de Nuno Tiago Pinto, então chefe de redacção da revista Sábado e seu actual director, que moderou um debate no dia 9.

    Nenhum destes três jornalistas foram listados pela ERC como “jornalistas comerciais”, uma vez que não terão escrito nada – como Filipe Fernandes –; só deram corpo e voz na execução de contratos comerciais.

    Por fim, o contrato de prestação de serviço entre a Secretaria-Geral do Ministério da Economia com a Cofina tratou-se, na verdade, de uma encomenda para “produção de conteúdos e respectiva publicação no Jornal de Negócios”, através de diversos suplementos denominados “Negócios Iniciativas – A Indústria em Tempos de Pandemia”, tendo o IAPMEI como alegado parceiro.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Pelo menos uma parte dos textos de execução dos contratos foram assinados pelo director-adjunto do Jornal de Negócios, Celso Filipe, e pelo jornalista António Larguesa, de acordo com a deliberação da ERC.

    Embora o regulador não tenha procurado pelo caderno de encargos, não disponível no Portal Base, o contrato no valor de 18.000 euros foi assinado em 1 de Julho de 2020, sendo que os suplementos foram publicados entre 30 de Abril e 21 de Maio, razão pela qual também o Tribunal de Contas terá sido também já chamado a intervir.

    Contas feitas, os 15 contratos que correm forte risco de serem considerados nulos pelo Tribunal de Contas atingem um montante global de 568.041 euros.


    N. D. Apesar de nesta nossa notícia já se apresentar o acesso a algumas das sete deliberações da ERC sobre contratos públicos com grupos de media  (Global Media, Trust in News, Impresa, SIC, TVI, Cofina e Público) – que, aliás, são públicos no site da ERC –, optou-se por aguardar a publicação de um terceiro artigo de investigação no PÁGINA UM, para então as listar no nosso servidor.

  • Afinal, Facebook continua a ser o “sugar daddy financeiro” do Polígrafo

    Afinal, Facebook continua a ser o “sugar daddy financeiro” do Polígrafo

    O único jornal português dedicado em exclusivo ao fact checking, o Polígrafo, tentou esconder que só sobrevive por conta da parceria com o Facebook, que já lhe entregou mais de 1,3 milhões de euros nos últimos três anos. No mês passado, o Polígrafo andou a “fugir” às perguntas do PÁGINA UM sobre a evolução dos seus rendimentos e o suspeitoso desaparecimento da empresa de Zuckerberg como cliente relevante nas contas do ano passado. Só depois da intervenção da Unidade de Transparência dos Media da ERC, a empresa gestora do Polígrafo “corrigiu” a sua declaração, assumindo que 456 mil euros vieram afinal do Facebook. As receitas de outras fontes foram mínimas (19 mil euros), não cobrindo sequer 10% das despesas com pessoal. Ou seja, sem o Facebook, para o qual já foram feitas quase 700 verificações de factos, o Polígrafo entraria em colapso financeiro.


    A empresa Inevitável e Fundamental, proprietária do Polígrafo, omitiu no Portal da Transparência dos Media a sua dependência financeira quase em exclusivo da rede social Facebook, que lhe pagou, na verdade, 456.000 euros durante o ano passado para fazer verificação de factos e controlo de alegada desinformação, que incluiu censura e a prática de shadow banning, ou seja, invisibilidade de conteúdos.

    Ao longo do mês passado, como denunciou o PÁGINA UM, o Polígrafo não declarou a existência de quaisquer clientes relevantes no seu registo no Portal da Transparência, que exige que sejam identificados os clientes que tenham representado mais de 10% dos rendimentos anuais e as entidades que tenham direitos superiores a 10% do valor do passivo.

    space gray iPhone 6 with Facebook log-in display near Social Media scrabble tiles

    E, apesar de advogar a máxima transparência nos seus financiamentos, o Polígrafo – o único jornal português dedicado em exclusivo ao fact checking – nem sequer respondeu aos três pedidos de esclarecimento do PÁGINA UM, feitos em 14 de Junho, em 16 de Junho e em 19 de Junho, dirigidos ao seu director, Fernando Esteves, que agora também acumula funções de publisher na MediaNove, o grupo criado por N’Gunu Tiny, que detêm também 40% da empresa Inevitável e Fundamental. Os restantes 60% são detidos por Fernando Esteves.

    O PÁGINA UM, antes de escrever o seu artigo de 19 de Junho passado, efectuou cópia certificada por advogado, em 14 de Junho, que garante que, naquela data, de acordo com a informação financeira completa da empresa Inevitável e Fundamental, relativa ao ano de 2022, “não existem registos” sobre clientes relevantes.

    Essa assumpção da inexistência de dependência «relevante para o ano de 2022 contrastava com os dois anos anteriores, quando o Facebook inundou os fact checkers supostamente independentes com financiamentos extraordinários para controlar, independentemente da credibilidade científica dos autores, conteúdos que contrariassem a narrativa mainstream sobre a gestão da pandemia. Em 2020 e 2021, o Polígrafo admitiu que recebeu mais de 860 mil euros da empresa de Mark Zuckerberg.

    Além do jornal digital, o Polígrafo tem uma parceria semanal com a SIC.

    Em 14 de Junho, o PÁGINA UM questionara a Entidade Reguladora para a Comunicação Social sobre a estranha evolução dos clientes relevantes do Polígrafo, sobretudo porque até houvera um aumento dos rendimentos entre 2021 e 2022, e se existiam mecanismos de verificação independente.

    Cerca de uma semana mais tarde, no dia 23 de Junho, a Unidade da Transparência dos Media prometeu que iria “questionar diretamente a empresa visada [Inevitável e Fundamental] no sentido de esclarecer as dúvidas colocadas”, acrescentando que “a inserção da informação correta e fidedigna é da responsabilidade de cada regulado e a ausência ou incorreção no reporte é passível de responsabilidade contraordenacional.”

    Certo é que, após as diligências da ERC, a empresa do Polígrafo veio agora acrescentar a referência à participação do Facebook nos rendimentos do ano passado, e afinal mantém-se uma dependência quase absoluta: 96% dos rendimentos. Ou seja, como os rendimentos totais foram de 474.994 euros em 2022, significa que Zuckerberg “passou um cheque” de cerca de 456.000 euros. Em suma, sem o Facebook (que entregou uma média mensal de 38.000 euros), as receitas mensais da Inevitável e Fundamental seriam de apenas 19.000 euros, pouco mais de 1.500 euros em cada mês. Destaque-se que, apenas em gastos com pessoal, a empresa do Polígrafo contabilizou em 2022 quase 248.000 euros.

    Fernando Esteves, fundador e director do Polígrafo dede 2018, é agora também publisher do novo grupo de media criado pelo seu sócio N’Gunu Tiny.

    Assim, com a generosa ajuda do Facebook – na verdade, quase um “sugar daddy financeiro”, tendo em conta a sua imponência económica, mas que precisa de “agentes locais” com um (suposto) estatuto de independência para controlo da dita desinformação –, a empresa do Polígrafo conseguiu resultados operacionais de 102.964 euros e um lucro líquido acima dos 71.000 euros.

    O valor do financiamento do Facebook ao longo do ano passado, que o Polígrafo tentou não revelar, acaba assim por mostrar que as relações comerciais entre as duas partes estão bem cimentadas. Consultando a informação do portal da ERC, o Polígrafo declarou ter recebido em 2021 cerca de 404 mil euros do Facebook (96% do total das suas receitas), enquanto em 2020 recebeu 460 mil euros (87% do total das suas receitas).

    Com os 456 mil euros de 2022, o Polígrafo recebeu do Facebook no último triênio mais de 1,3 milhões de euros. No mesmo período, as receitas de outras fontes pouco ultrapassaram os 100 mil euros, e foi de apenas 35 mil euros em 2021 e 2022.

    person in white jacket wearing blue goggles
    Durante a pandemia, qualquer informação que fugia à narrativa oficial era tachada pelo Facebook como desinformação. O Polígrafo era um dos “braços armados” em Portugal, através de jornalistas, alguns deles estagiários, sem qualquer formação mínima em Ciência ou em Epidemiologia.

    Recorde-se que a colaboração do Polígrafo com o Facebook, iniciada em 2019, consolidou-se a partir da pandemia da covid-19, onde também se insere o Viral, por via de um polémico programa denominado “Third Party”, ao qual está também associado, em Portugal, o jornal Observador.

    Numa notícia do Polígrafo que assinalou a sua entrada na rede internacional de verificadores de factos, a então directora de Políticas Públicas do Facebook para Espanha e Portugal, Natalia Basterrechea, dizia que “combater as notícias falsas é uma responsabilidade que levamos muito a sério, e por isso estamos constantemente a trabalhar em formas de travar a desinformação na nossa plataforma”, acrescentando que “ao expandir o nosso programa de fact-checking em Portugal, ajudamos as pessoas a entender melhor a informação que circula, ao mesmo tempo que reduzimos a disseminação de falsos conteúdos na nossa plataforma”.

    Natalia Basterrechea – que agora trabalha como directora de comunicação de Portugal e Espanha para a British American Tobacco e consegue apresentar esta tabaqueira, em entrevista paga, como uma “empresa de bens de consumo de alto crescimento: global, centrada no consumidor e nos colaboradores, multicategoria, que aposta na inovação e na ciência e com a sustentabilidade no centro das nossas ações” – concluía então que no Facebook estavam “muito felizes pelo facto de o Polígrafo se ter juntado ao programa”.

    Registo (de hoje) financeiro de 2022 da empresa Inevitável e Fundamental, onde já consta o Facebook como cliente relevante, com um peso de 96% do total dos rendimentos.

    A acção do Polígrafo no controlo da denominada “desinformação” sobretudo em assuntos relacionados com a pandemia sempre esteve envolta em polémica, não apenas por ter sido desenvolvida por jornalistas sem formação em Ciência, mas por uma parceria anunciada e nunca esclarecida com a Direcção-Geral da Saúde, que colocava legítimas dúvidas de isenção e rigor.

    Certo é que o Polígrafo, tal como outros parceiros do Facebook, tem um poder ilimitado de classificar como “falso” um determinado conteúdo, o que implica que a publicação em causa verá a sua exposição reduzir-se de forma muito significativa.

    O próprio Polígrafo diz que “páginas que repetidamente sejam identificadas como difusoras de informações falsas têm o seu alcance diminuído e a sua capacidade para angariar publicidade é bloqueada”. Saliente-se que o PÁGINA UM foi já, por diversas vezes, alvo de censura no Facebook por divulgar notícias verídicas, incluindo informação sobre processos judiciais que envolvem o Infarmed ou referências a artigos em revistas científicas.

    O Polígrafo sempre negou que não é controlado editorialmente pelo Facebook, sendo “absolutamente livre para escolher, de acordo com critérios jornalísticos, os conteúdos que entende serem os mais interessantes quer pela sua relevância pública, quer pela sua viralidade”. Contudo, no seu site, o Polígrafo estabelece uma secção autónoma, para fins de controlo, de fact checkings focado em conteúdos do Facebook. Desde 1 de Agosto de 2019 estão já contabilizados 678 artigos feitos no âmbito de uma parceria financeira bastante apetecível.

  • ERC poupa directores e decide (só) identificar 14 “jornalistas comerciais”

    ERC poupa directores e decide (só) identificar 14 “jornalistas comerciais”

    Demorou mais de um ano, mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) analisou várias dezenas de contratos comerciais entre entidades públicas, incluindo Governo e autarquias, e as principais empresas de media. Para já, destacam-se, em sete deliberações, a identificação de 14 jornalistas que cumpriram tarefas para a execução dos contratos, algo incompatível com a Lei da Imprensa e o Estatuto do Jornalista. Nunca antes houve tantos casos suspeitos de “jornalismo comercial”, que agora ficam nas mãos da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, com funções disciplinares. Mas a ERC deixou na maior das impunidades os directores editoriais, mesmo se muitos são mestres-de-cerimónia em eventos pagos. Só o director da Exame e o director-adjunto do Jornal de Negócios foram “apanhados”.

    ESTA NOTÍCIA MERECEU UM DIREITO DE RESPOSTA SOLICITADO POR CELSO FILIPE, DIRECTOR-ADJUNTO DO JORNAL DE NEGÓCIOS, PUBLICADO VOLUNTARIAMENTE PELO PÁGINA UM, QUE PODE SER LIDO AQUI.


    Numa acção sem precedentes, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) identificou 14 jornalistas por escreveram conteúdos pagos em resultado de contratos assinados por grupos de media.

    Em sete processos abertos em reacção a questões colocadas pelo PÁGINA UM em Junho do ano passado, no âmbito exclusivo da sua função jornalística, após uma notícia sobre o financiamento dos media, o regulador decidiu analisar mais de meia centena de contratos com entidades públicas assinados por sete grupos de media (Global Media, Trust in News, Impresa, SIC, TVI, Cofina e Público), a análise do regulador foi feita de forma a inocentar as direcções editoriais dos órgãos de comunicação social.

    ERC demorou quase um ano a analisar contratos públicos com grupos de media, mas nem sequer analisou os cadernos de encargos.

    Com excepção de Celso Filipe, director-adjunto do Jornal de Negócios (Cofina) e do director da Exame (Trust in News), nenhum outro director dos media analisados – entre os quais o Diário de Notícias, Jornal de Notícias, TSF, Expresso, Visão, Público, SIC e TVI – foram identificados pela ERC como tendo participado activamente na execução de contratos comerciais, mesmo se, por exemplo, uma parte substancial deles participa regularmente como moderador de eventos pagos.

    São, por exemplo, os casos já detectados pelo PÁGINA UM de Mafalda Anjos (directora da Visão), Rosália Amorim (directora do Diário de Notícias), David Pontes (antigo director-adjunto e actual director do Público), Manuel de Carvalho (director do Público até Maio deste ano), Inês Cardoso (directora do Jornal de Notícias) e Joana Petiz (antiga directora do Dinheiro Vivo, que foi agora dirigir O Novo).

    Na esmagadora maioria das situações, estes directores editoriais participam como mestres-de-cerimónias de eventos patrocinados, ou seja, como moderadores. E, em última análise, são responsáveis pela cobertura noticiosa desses eventos, que em muitos casos estão previstos nos cadernos de encargos. Isto é, os directores são obrigados contratualmente a dar cobertura noticiosa, o que significa uma ingerência externa considerada ilegal pela Lei da Imprensa.

    Celso Filipe, director-adjunto do Jornal de Negócios, é o único jornalista a integrar equipas editoriais que foi apanhado na “teia” larga da ERC.

    Além de processos de contra-ordenação que a ERC decidiu levantar às empresas gestoras dos órgãos de comunicação social por violação da Lei de Imprensa e de ainda outras consequências legais – matérias sobre as quais o PÁGINA UM se debruçará em detalhe ainda esta semana –, no conjunto das sete deliberações, agora disponíveis no site do regulador, destaca-se sobretudo o inusitado número de jornalistas com carteira profissional “apanhados” em funções incompatíveis com o Estatuto do Jornalista.

    Note-se, porém, que a ERC não aprofundou muitos dos contratos, prescindindo de solicitar aos diversos grupos de media os cadernos de encargos dos contratos (uma vez que nem todos se encontram no Portal Base), onde constam cláusulas mais detalhadas, designadamente número de notícias e/ ou entrevistas a executar. O regulador também seleccionou contratos, cingindo-se quase só aos contratos que constavam num artigo do PÁGINA UM publicado em 6 de Maio do ano passado.

    Recorde-se que o Estatuto do Jornalista considera incompatíveis as “funções de angariação, concepção ou apresentação, através de texto, voz ou imagem, de mensagens publicitárias” e também as “funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”.

    David Pontes foi mestre-de-cerimónias na execução de contratos comerciais pagos pelas autarquias de Vila Nova de Gaia e de Penafiel, onde participaram autarcas que estabeleceram estas parcerias comerciais. A ERC, porém, nem sequer se debruçou sobre eventuais incompatibilidades do actual director do Público.

    E a ERC considera, como na generalidade das sete deliberações sustenta, que “a produção e publicação de conteúdos mediante o pagamento de contrapartidas por entidades externas, quando não devidamente identificadas, ameaçam seriamente a independência do órgão de comunicação social, bem como o livre exercício do direito à informação, contendendo com o princípio da transparência exigível” perante os leitores, ouvintes ou telespectadores.

    No lote dos jornalistas considerados “comerciais” – termo que não surge na deliberação, mas que o PÁGINA UM considera adequado para tipificar as acções –, destacam-se três nomes relevantes.

    O primeiro é, como já referido, Celso Filipe (CP 852), director-adjunto do Jornal de Negócios desde 2018, e que já se integra na equipa editorial deste periódico da Cofina desde 2006. A ERC aponta-lhe a produção de textos para a execução de um contrato assinado com a Secretaria-Geral do Ministério da Economia.

    O segundo jornalista conhecido é Miguel Midões (CP 4707), que, além de uma das vozes da TSF desde 2014 é ainda professor de Comunicação Social na Universidade de Coimbra e do Instituto Politécnico de Viseu, além de vogal do Sindicato dos Jornalistas. A ERC analisou, entre outros contratos, o pagamento de 75.000 euros para a realização, por Miguel Midões, de 15 programas radiofónicos “Desafios do Urbanismo”, entre 1 de Julho e 7 de Outubro de 2021.

    Miguel Midões, professor de Comunicação Social e vogal do Sindicato dos Jornalistas. Como jornalista da TSF está a executar um contrato comercial com uma empresa municipal de Vila Nova de Gaia sobretudo sobre… Vila Nova de Gaia. Já vai na segunda temporada, depois do “sucesso” de 27 episódios da primeira temporada.

    O formato acabou por abranger, numa primeira fase, 27 episódios, e decorre agora uma “segunda temporada”, iniciada em Março, contando já com nove episódios, mas já não conduzidos por Miguel Midões. O PÁGINA UM não conseguiu ainda encontrar o contrato para estes programas no Portal Base, o que pode configurar, como em outras situações detectadas pela ERC, a execução dos contratos antes da sua celebração.

    O terceiro jornalista com maior visibilidade é Luís Ribeiro (CP 3188), que trabalha desde 1999 na revista Visão, coordenador da secção de Ambiente, além de ser habitual comentador na SIC Notícias.

    Neste caso, a ERC aponta-lhe a autoria de cinco textos jornalísticos (incluindo entrevistas) assinados para cumprimento de um contrato com a Águas de Portugal para apoio aos Prémios Verdes, mas que estabelecia a obrigatoriedade de cobertura noticiosa e a publicação de artigos de opinião de dirigentes daquela empresa pública tutelada pelo Ministério do Ambiente.

    Luís Ribeiro (à esquerda), comentador da SIC Notícias sobre a Guerra da Ucrânia, e jornalista da Visão desde 1999. Coordena a Visão Verde, que é acusada pela ERC de ter conteúdos comerciais escritos por jornalistas, incluindo pelo próprio.

    Curiosamente, este contrato – que teve repetição já este ano, com um caderno de encargos que até prevê penalidade à Visão se não publicar o número acordado de reportagens, entrevistas e artigos de opinião, além da possibilidade de a Águas de Portugal solicitar “a substituição dos elementos da equipa” da revista responsável pelos conteúdos – previa a realização de entrevistas. Uma dessas foi feita por Mafalda Anjos, directora da Visão, que entrevistou uma administradora de uma subsidiária do Grupo Águas de Portugal.

    Também o director da Exame, Tiago Freire (CP 3053), foi “apanhado” a escrever um editorial de um suplemento em cumprimento de um contrato coma COTEC. Apesar da própria Trust in News ter até admitido que ” o tratamento destes conteúdos foi realizado por colaboradores com carteira profissional e por jornalistas da EXAME, sempre, em qualquer um dos casos, com total autonomia editorial”, o director foi o único identificado pela ERC.

    Além destes quatro, a ERC ainda identificou – para efeitos de averiguação, para eventuais processos disciplinares, por parte da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) – mais 11 jornalistas: Rute Coelho (CP 1893), Carla Aguiar (CP 739), Adriana Castro (CP 7692), Alexandra Costa (CP 2208) – por textos publicados em periódicos da Global Media –, Filipe S. Fernandes (CP 1175) e António Larguesa (CP 5493) – por textos publicados no Jornal de Negócios –, Mário Barros (CP 7963) – por um texto publicado no Público – e ainda José Miguel Dentinho (CP 882), Fátima Ferrão (CP 6197) e Francisco de Almeida Fernandes (CP 7706) – por textos publicados no Expresso.

    Mafalda Anjos, directora da Visão, entrevistou para o podcast da Visão Verde, uma administradora de uma subsidiária do Grupo Águas de Portugal, que patrocina os Prémios Verdes, com cláusulas ilegais à luz da Lei da Imprensa. ERC não se debruçou sobre o seu caso.

    Destaque-se que estes dois últimos jornalistas são um dos casos mais paradigmáticos das promiscuidades entre jornalismo e produção de conteúdos pagos sem qualquer fonteira, porquanto tanto publicam notícias em diversos órgãos de comunicação social como elaboram textos publicitários e até revistas institucionais, através da sua empresa Mad Brain, apresentando-se sempre como jornalistas. E nem escondem essa promiscuidade.

    A ERC também encontrou casos de textos assinados por estagiários de curta duração, como foi o caso da cobertura de um debate sobre a pandemia patrocinado pela Câmara Municipal de Penafiel em Novembro de 2020. Ana Rita Teles esteve a fazer um estágio no Público entre Setembro e Novembro daquele ano – como parte do seu mestrado em Ciência da Comunicação da Universidade de Braga – e teve logo como tarefa de fazer a cobertura desse evento pago.

    Só não tem agora um eventual processo na CCPJ porque não tem carteira profissional activa. Curiosamente, o moderador deste debate foi David Pontes, actual director do Público, jornal que recebeu 7.000 euros por uma conversa nocturna de uma hora e meia por parte da edilidade de Penafiel, cujo presidente (Antonino de Sousa, que Pontes até chamou, inicialmente, de António) teve oportunidade de fazer a abertura.  A ERC não identificou David Pontes como jornalista a executar uma tarefa comercial, livrando-o também de qualquer processo.

    Apresentada ora como jornalista do Diário de Notícias (ou de outros periódicos da Global Media) ora como do Expresso, Fátima Ferrão é também gerente de uma empresa de conteúdos. Foi agora identificada pela ERC, por um texto comercial no Expresso, mas a sua participação em conteúdos comerciais de elevada promiscuidade com a actividade jornalística são incontáveis.

    Contactado pelo PÁGINA UM, o presidente do Sindicato dos Jornalistas, Luís Simões, considera que esta situação é preocupante, sobretudo quando abrange jornalistas em situação de precariedade, como são os freelancers. “Os jornalistas têm mecanismos legais, nomeadamente a cláusula de consciência, para evitar colaborar em tarefas que ponham em causa a sua independência”, salienta Simões, também jornalista de A Bola, mas admite que “os colaboradores externos se sintam pressionados a aceitar trabalhos desta natureza, o que não é admissível.”

    Para o sindicalista, “é aceitável que haja formas distintas de financiamentos, mas tem de se garantir a independência do jornalismo”, pelo que deve haver uma maior intervenção dos conselhos de redacção, onde têm assento por inerência os directores editoriais. “Tenho a convicção que esse debate está a ser já feito”, acrescenta.


    N. D. A pretexto das deliberações e da forma como a Entidade Reguladora para a Comunicação Social enquadra os processos intentados contra os sete grupos de media, foi publicado o editorial intitulado “Ao pântano, a ERC adiciona a pulhice“. Foi feita uma rectificação deste artigo pelas 19:40 horas do dia 6 de Julho por se ter constatado que o jornalista Tiago Freire é o director da Exame, e não jornalista da Visão, ambas as publicações da Trust in News. No dia 23 de Julho foi introduzida uma outra pequena rectificação: a segunda temporada do podcast na TSF “Desafios Urbanos“, iniciada a 8 de Março deste ano, já não está a ser conduzida por Miguel Midões. Este jornalista, também dirigente sindical, foi responsável “apenas” por 26 episódios, emitidos entre 15 de Abril e 7 de Outubro de 2021, pelo qual a autarquia pagou 75.000 euros.

  • Oficial: TVI promoveu empresa “não habilitada a exercer actividade financeira” em Portugal

    Oficial: TVI promoveu empresa “não habilitada a exercer actividade financeira” em Portugal

    O Banco de Portugal emitiu esta tarde, às 19:30 horas, um alerta formal informando o público que a empresa dbl.pt e o alegado empresário Renato Duarte Júnior, ambos promovidos numa reportagem da TVI, não estão habilitados a exercer qualquer actividade financeira em Portugal. Este aviso do regulador do sector financeiro surge após a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários ter também já alertado, em respostas enviadas ao PÁGINA UM, que a dbl.pt, uma suposta empresa de investimentos em activos digitais, não possui qualquer autorização para operar no país. A polémica reportagem da TVI, integrada no Jornal da Noite do passado dia 21, gerou indignação e queixas, nomeadamente junto do regulador dos media (ERC), que está a analisar a peça noticiosa da jornalista Conceição Queiroz que promoveu, em horário nobre, um “jovem milionário português” e os seus alegados negócios.


    A forte polémica e indignação geradas por uma reportagem da TVI obrigaram o Banco de Portugal a emitir hoje um alerta público formal em relação a Renato Duarte Júnior, apresentado como “jovem milionário português”, e a sua suposta empresa de investimentos, a dbl.pt.

    “O Banco de Portugal adverte que a suposta entidade “Digital Bank Labs” e “Renato Júnior” (Silvério Renato Carneiro Duarte, NIF 253371341) que atuam através do endereço de internet “http :// dbl.pt”, não estão, na presente data, nem nunca estiveram, habilitados a exercer, em Portugal, qualquer atividade financeira reservada às instituições sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, nomeadamente, atividades com ativos virtuais e receção de depósitos ou outros fundos reembolsáveis”, lê-se no aviso do supervisor colocado esta tarde, pelas 19:30 horas.

    Conceição Queiroz, jornalista de investigação da TVI, fez a reportagem no Dubai, acompanhando a suposta vida de luxo e de sucesso de Renato Duarte Junior e os seus amigos e parceiros.

    O regulador liderado por Mário Centeno junta-se assim à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) e à Federação das Associações da Cripto-Economia (FACE) que também já tinham feito alertas em relação à dbl.pt. A FACE pediu mesmo uma investigação à empresa promovida pela TVI.

    No caso da CMVM, o “polícia” do mercado de capitais português lançou hoje um alerta em respostas enviadas ao PÁGINA UM, não só em relação à dbl.pt como também às promessas de lucros até 40%, que constam no site da suposta empresa publicitada na reportagem da TVI.

    No centro da polémica, está a reportagem “Repórter TVI: Júnior, o milionário improvável”, protagonizada pela jornalista Conceição Queiroz, emitida na passada quarta-feira no Jornal Nacional, em horário nobre.

    Reportagem da TVI apresenta o negócio de Renato Duarte Júnior como um caso de sucesso, sem verificar sequer a existência legal da sua empresa e se opera de acordo com o mercado já bastante regulado da cripto-economia.

    Na reportagem, a jornalista do canal de TV entrevista o português Renato Duarte Júnior, de 29 anos, que aparenta viver uma vida de luxo no Dubai, sendo apresentado como presidente-executivo (CEO) da empresa dbl.pt. Ao longo da reportagem, são feitas diversas entrevistas em iates e mostrados cenários compatíveis com uma vida de luxo.

    Ao longo da reportagem, a jornalista não questiona a legalidade das actividades de Renato Duarte Júnior – que o Banco de Portugal revela chamar-se, na verdade, Silvério Renato Carneiro Duarte, indicando também o seu número de contribuinte – e mostra o empresário como um caso de sucesso. A peça também apresentava várias declarações pouco plausíveis do ponto de vista económico e financeiro, e “prometia” alegadas valorizações que deveriam levantar suspeitas.

    O programa da TVI gerou várias queixas que chegaram ao regulador dos media, levando a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) a confirmar ao PÁGINA UM que está a analisar a reportagem.

    Mário Centeno, governador do Banco de Portugal.

    Alguns dos conteúdos emitidos na reportagem e o site da dbl.pt constituem alertas vermelhos que devem servir de aviso aos investidores, segundo detalhou a FACE. Aliás, nas redes sociais, não faltam publicações e vídeos a “desmontar” e a criticar afirmações que surgem na reportagem, a par de muitos insultos à estação de televisão da Media Capital.

    Um e-mail enviado pelo PÁGINA UM para o endereço info@dbl.com, que se encontra no site da suposta empresa, veio devolvido. A TVI ainda não respondeu e não foi possível até, ao momento, pedir um comentário a Renato Júnior, sobre o qual não se encontram contactos disponíveis, nomeadamente na Internet.

  • Reportagem da TVI sobre “jovem milionário português” já está na mira da ERC

    Reportagem da TVI sobre “jovem milionário português” já está na mira da ERC

    O regulador dos media decidiu agir depois de receber queixas relativas a uma reportagem da TVI emitida no dia 21 de Junho, a qual promoveu um “jovem milionário português” que, alegadamente, fez fortuna através de negócios com criptomoedas. A Federação das Associações da Cripto-Economia alertou ontem que investidores podem sair lesados na sequência da reportagem e lançou fortes críticas à estação de TV pela “ideia errada” que passa ao público de se enriquecer facilmente de modo rápido no mercado dos criptoactivos. Num comunicado divulgado hoje, aquela Federação denuncia que há sinais de ter havido uma procura elevada pela dbl.pt por parte de telespectadores após a reportagem e pede uma investigação ao negócio publicitado na peça. Na comunidade portuguesa de profissionais de cripto-economia, são muitos os que condenam a TVI por ter permitido a emissão daquela reportagem que veem como danosa para a imagem do sector. Nas redes sociais e em fóruns de debate chovem os apelos à ERC para que actue.


    A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) está a analisar a reportagem “Repórter TVI: Júnior, o milionário improvável”, protagonizada pela jornalista Conceição Queiroz, emitida na passada quarta-feira no Jornal Nacional, em horário nobre, após terem chegado diversas queixas ao regulador sobre a peça noticiosa.

    Por norma, todas as queixas recebidas pelo regulador dão origem à abertura de um procedimento oficioso ou imediatamente a um processo que, neste caso, se concluir que se esteve perante uma operação de marketing e de promoção de um negócio, que ainda mais neste caso é de legalidade duvidosa, pode resultar numa contra-ordenação à TVI por incumprimento da Lei da Imprensa.

    Reportagem da TVI apresenta o negócio de Renato Duarte Júnior como um caso de sucesso, sem verificar sequer a existência legal da sua empresa e se opera de acordo com o mercado já bastante regulado da cripto-economia.

    A reportagem da TVI causou indignação e tem sido alvo de fortes críticas na comunidade portuguesa de profissionais de criptomoedas e criptoactivos, enquanto nas redes sociais e fóruns de debate online chovem palavras de condenação e insultos ao canal de TV, junto com apelos a uma intervenção da ERC.

    Num e-mail em resposta a perguntas do PÁGINA UM, “a ERC – Entidade Reguladora para a Comunicação Social confirma que recebeu participações a respeito da reportagem “Repórter TVI: Júnior, o milionário improvável” que foi emitida, no dia 21 de junho, no serviço de programas TVI”.

    Explicou que “estas participações encontram-se em apreciação pelos serviços da ERC” e que “quando houver uma decisão a respeito das mesmas, a ERC procederá como habitualmente à sua divulgação pública no seu sítio eletrónico”. 

    Na reportagem, o canal de TV entrevista o português Renato Duarte Júnior, de 29 anos, que aparenta viver uma vida de luxo no Dubai, sendo apresentado como presidente-executivo (CEO) da empresa dbl.pt. Ao longo da reportagem, são feitas diversas entrevistas em iates e mostrados cenários compatíveis com uma vida de luxo.

    Conceição Queiroz divulgou a sua reportagem no Instagram. Desde a semana passada “chovem” críticas por se ter divulgado um alegado esquema de angariação de clientes que nada tem a ver com os criptoactivos.

    A reportagem, que está disponível na plataforma na TVI, dá o “jovem milionário” como “um exemplo de quem conseguiu singrar no mercado da moeda virtual”.

    Mas existem muitas dúvidas sobre a alegada empresa dbl.pt, que é apontada como tendo sede no Dubai e muitas das afirmações de Renato Júnior são lidas pela comunidade de cripto-economia como duvidosas, como a sua afirmação de que faz 18.000 dólares por segundo, por exemplo.

    Como noticiou ontem o PÁGINA UM em exclusivo, a Federação das Associações de Cripto-Economia (FACE) alertou que o conteúdo da reportagem e a “imagem errada” transmitida de enriquecimento fácil e rápido, através de um suposto investimento em activos digitais, pode levar investidores ao engano.

    Num comunicado divulgado hoje, aquela Federação denuncia que “as associações da FACE receberam
    dezenas de mensagens que indicam uma procura elevada pelos serviços da DBL por parte dos
    espectadores – algo também evidenciado nas redes sociais – comprovando que, direta ou
    indiretamente, esta peça acabou por promover um negócio que exige uma investigação profunda”.

    Dá ainda conta de sinais de alerta na reportagem de quase 25 minutos: “o gestor é apresentado como “CEO da dbl.pt”, ou Digital Bank Labs, designada como DBL Group Investments, LLC, mas que não encontramos registada em nenhuma jurisdição”.

    Outro sinal vermelho, diz, está no facto de a reportagem e o website referirem “que esta “companhia”, que é “algo equivalente ao banco tradicional e conseguiu atrair milhares de investidores”, é uma das maiores mineradoras de Bitcoin do mundo, e que minera cerca de 50 bitcoins por dia”, mas este é um “muito improvável”, sublinha a FACE.

    Explica que “Renato Júnior afirma que a Digital Bank Labs minera cerca de 50 bitcoins por dia, que representa 5.5% do total de bitcoins mineradas diariamente no mundo todo”. “Este valor pode parecer pequeno, mas a maior empresa pública que minera bitcoin do mundo, a Riot Platforms Inc., listada na NASDAQ, minerou em Janeiro deste ano 740 bitcoins durante todo o mês, o melhor de sempre da sua história”, o que “dá uma média de 23.9 bitcoins por dia”. E questiona: “Será que a DBL, uma ilustre desconhecida no meio, sem registo verificável, minera o dobro? Será que a DBL vale mesmo biliões?”

    ERC está a analisar queixas.

    Outro dado suspeito é que a reportagem de quase 25 minutos caracteriza ainda a DBL como uma empresa que “faz dinheiro com esta volatilidade toda” e que consegue “lucros de 17 a 18 mil euros de lucro por segundo” através de um software desenvolvido internamente com “um mecanismo de controlo muito apurado do ponto de vista tecnológico.

    A FACE desconfia também dos lucros prometidos pela dbl.pt no seu site, com a alegada empresa a assegurar que num dos produtos o capital investido é “seguro” e que tem um lucro potencial de até 40%.

    Na Internet, encontra-se um outro site digitando www.dbl.pt, mas aqui surge uma mensagem de erro “503 – serviço temporariamente indisponível”.

    Printscreen do site da Digital Bank Labs. Não consta qualquer informação da localização da sede ou detalhes da empresa.

    Mas não é apenas a FACE a condenar a reportagem e a pedir uma investigação ao negócio promovido na peça da TVI. Nas redes sociais, incluindo na rede profissional LinkedIn, e nos fóruns de debate na Internet, incluindo no Reddit, multiplicam-se as críticas e insultos à TVI e também apelos para que a ERC actue.

    Também no YouTube, vídeos a “desmontar” as afirmações feitas na reportagem da TVI contam com milhares de visualizações.

    O Banco de Portugal confirmou ao PÁGINA UM que não existe nenhuma empresa dbl.pt autorizada a operar como intermediário no sector de activos digitais no mercado português. Consultado o site do supervisor financeiro, verifica-se que a empresa dbl.pt não consta da lista de 10 entidades que estão actualmente autorizadas pelo regulador para intermediar investimentos em criptomoedas e activos digitais no país.

    Nas redes sociais de índole profissional, como o LinkedIn, a reportagem da TVI tem sido muito criticada.

    O PÁGINA UM questionou o Banco de Portugal, enquanto regulador que regista os intermediários de activos digitais, e a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM), enquanto supervisor de intermediários financeiros. O Banco de Portugal não respondeu às principais questões e a CMVM ainda não reagiu.

    Também foi questionada a dbl.pt e a TVI, mas ainda não responderam. Ainda não foi possível pedir um comentário a Renato Júnior, sobre o qual não se encontram contactos disponíveis, nomeadamente na Internet.


  • Polígrafo faz apologia à transparência, mas não explica quem são agora os principais financiadores

    Polígrafo faz apologia à transparência, mas não explica quem são agora os principais financiadores

    O único jornal português dedicado em exclusivo ao fact checking, o Polígrafo, comunicou à Entidade Reguladora para a Comunicação Social que, em 2022, o Facebook deixou de ser um cliente relevante, ou seja, teve um peso inferior a 10% dos rendimentos do ano. Como as receitas de 2022 até aumentaram face a 2021, significa que houve novos financiamentos, de novas e diversas proveniências, mas o Polígrafo não quer revelar quem são. Além de Fernando Esteves, o Polígrafo tem como sócio N’Gunu Tiny, um empresário africano que nos últimos três anos se tem mostrado muito activo em aquisições no sector da comunicação social, tendo criado um grupo (Media9Par) que integra já a Forbes Portugal, o Jornal Económico e o semanário Novo. Fernando Esteves acumula agora a função de director do Polígrafo com a de publisher da Media9Par.


    Apesar de advogar a máxima transparência nos seus financiamentos, o Polígrafo – o único jornal português que está dedicado em exclusivo ao fact checking – recusa-se a esclarecer se o Facebook deixou mesmo de financiar maioritariamente a sua actividade, ou se apenas omitiu essa informação do Portal da Transparência dos Media da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC).

    De acordo com a informação constante no portal do regulador dos media referente ao ano de 2022, o jornal digital fundado e dirigido por Fernando Esteves deixou de fazer qualquer menção ao financiamento pela rede social de Mark Zuckerberg. Em 2020 e 2021, o Polígrafo recebeu mais de 860 mil euros do Facebook.

    space gray iPhone 6 with Facebook log-in display near Social Media scrabble tiles

    O portal da ERC impõe que as empresas de comunicação social identifiquem os clientes que representem um volume de receitas superior a 10% do total, o mesmo sucedendo para o caso dos detentores de mais de 10% do passivo. O objectivo é mostrar dependências financeiras que possam colocar em causa a liberdade editorial.

    Como no ano passado, a empresa detentora do Polígrafo – a Inevitável e Fundamental, Lda. – registou rendimento de 474.994 euros, sem qualquer menção ao Facebook, significará assim, em princípio, que as transferências da rede social detida por Zuckerberg ficaram aquém dos 47 mil euros.

    Essa redução do financiamento do Facebook, a confirmar-se – o PÁGINA UM pediu, por três vezes, esclarecimentos ao Polígrafo, sem qualquer reacção –, é muito significativa e surpreendente, porque os rendimentos deste jornal especializado em fact checking até aumentaram ligeiramente entre 2021 e 2022, passando de 421.173 euros para 474.994 euros.

    Consultando a informação do portal da ERC, 0 Polígrafo declarou ter recebido em 2021 cerca de 404 mil euros do Facebook (96% do total das suas receitas), enquanto em 2020 recebeu 460 mil euros (87% do total das suas receitas). Como em 2022 as receitas atingiram quase 475 mil euros – e um lucro de 71 mil euros –, seria fundamental, face à política de transparência propalada pelo Polígrafo, conhecer quais foram as fontes alternativas ao Facebook.

    Fernando Esteves, fundador e director do Polígrafo dede 2018, é agora também publisher do novo grupo de media criado pelo seu sócio N’Gunu Tiny.

    Certo é que os sócios que detêm a empresa gestora do Polígrafo, que sempre se quis caracterizar como um órgão independente, têm estado cada vez mais envolvidos em negócios na área económica e, em particular, da comunicação social. Um dos principiais financiadores do Polígrafo é o empresário N’Gunu Tiny, através da Emerald Group, que nos últimos três anos se tem mostrado muito activo na aquisição de órgãos de comunicação social em Portugal.

    De origem são-tomense, filho um antigo embaixador em Portugal (Carlos Tiny), mas com cidadania angolana, N’Gunu Tiny esteve intimamente associado tanto a negócios da família de José Eduardo dos Santos – aliás, comprou a Isabel dos Santos a licença da Forbes Portugal e PALOP em 2021 – como também a Manuel Vicente (ex-CEO da Sonangol e vice-presidente de Angola no período 2012-2017).

    Entre Setembro de 2006 e Março de 2018, N’Gunu Tiny ocupou o cargo de Chairman e CEO do Banco Postal de Angola, que viria a ser encerrado por ordem do Banco de Angola no início de 2019. Essa instituição teria como accionista Eduane Danilo Santos, filho do ex-presidente. N’Gunu Tiny foi também consultor jurídico da Sonangol e colaborou com o Banco Privado Atlântico, tendo sido testemunha no julgamento da Operação Fizz, que culminou na condenação do procurador Orlando Figueira.

    N’Gunu Tiny, empresário de origem são-tomense, mas com fortes ligações aos poderes angolanos do tempo de José Eduardo dos Santos, tem surgido bastante activo na criação de um novo grupo empresarial de media, através de uma empresa financeira sedeada no Dubai.

    Saliente-se também que N’Gunu Tiny teve também uma efémera empresa, denominada E&D Capital Partners Limited, entre Maio de 2013 e Outubro de 2015, de intermediação financeira, com Pedro Pinto Ferreira, considerado testa-de-ferro de Manuel Vicente. Em Setembro de 2018 entrou como sócio na Optimal Investments, uma consultora que tem à frente, entre outros, José Maria Ricciardi (ex-BESI) e Jorge Tomé (ex-BANIF).

    No ano passado, N’Gunu Tiny – que detém 40% da Inevitável e Fundamental, sendo que Fernando Esteves controla 60%, através de uma empresa pessoal (Episódio Inédito) com um capital social de apenas 1 euro) – criou uma empresa de media, a Media9Par, para onde tem estado a concentrar as suas novas aquisições: além da Forbes, o Jornal Económico, o Económico Madeira e o Novo.

    Neste grupo económico controlado por N’Gunu Tiny, Fernando Esteves acumula agora as funções de director do Polígrafo com as de publisher das publicações, colocando-se assim numa situação de grande ambiguidade. Até porque o Polígrafo, bem como o Viral (dedicado à verificação na área da saúde), se mantêm fora do novo grupo de comunicação social de N’Gunu Tiny, embora sejam apresentados como “parceiros”.

    No novo grupo Media9Par, de N’Gunu Tiny, onde Fernando Esteves é publisher, o Polígrafo surge como parceiro.

    Recorde-se que a colaboração do Polígrafo com o Facebook, iniciada em 2019, consolidou-se a partir da pandemia da covid-19, onde também se insere o Viral, por via de um polémico programa denominado “Third Party”, ao qual está também associado, em Portugal, o jornal Observador.

    Numa notícia do Polígrafo que assinalou a sua entrada na rede internacional de verificadores de factos, a então directora de Políticas Públicas do Facebook para Espanha e Portugal, Natalia Basterrechea, dizia que “combater as notícias falsas é uma responsabilidade que levamos muito a sério, e por isso estamos constantemente a trabalhar em formas de travar a desinformação na nossa plataforma”, acrescentando que “ao expandir o nosso programa de fact-checking em Portugal, ajudamos as pessoas a entender melhor a informação que circula, ao mesmo tempo que reduzimos a disseminação de falsos conteúdos na nossa plataforma”.

    Natalia Basterrechea – que agora trabalha como directora de comunicação de Portugal e Espanha para a British American Tobacco e consegue apresentar esta tabaqueira, em entrevista paga, como uma “empresa de bens de consumo de alto crescimento: global, centrada no consumidor e nos colaboradores, multicategoria, que aposta na inovação e na ciência e com a sustentabilidade no centro das nossas ações” – concluía então que no Facebook estavam “muito felizes pelo facto de o Polígrafo se ter juntado ao programa”.

    person in white jacket wearing blue goggles
    Durante a pandemia, qualquer informação que fugia à narrativa oficial era tachada pelo Facebook como desinformação. O Polígrafo era um dos “braços armados” em Portugal, através de jornalistas, alguns deles estagiários, sem qualquer formação mínima em Ciência ou em Epidemiologia.

    A acção do Polígrafo no controlo da denominada “desinformação” sobretudo em assuntos relacionados com a pandemia sempre esteve envolta em polémica, não apenas por ter sido desenvolvida por jornalistas sem formação em Ciência, mas por uma parceria anunciada e nunca esclarecida com a Direcção-Geral da Saúde, que colocava legítimas dúvidas de isenção e rigor.

    Certo é que o Polígrafo, tal como outros parceiros do Facebook, têm um poder ilimitado de classificar como “falsa” um determinado conteúdo, o que implica que a publicação em causa verá a sua exposição reduzir-se de forma muito significativa.

    O próprio Polígrafo diz que “páginas que repetidamente sejam identificadas como difusoras de informações falsas têm o seu alcance diminuído e a sua capacidade para angariar publicidade é bloqueada”. Saliente-se que o PÁGINA UM foi já, por diversas vezes, alvo de censura no Facebook por divulgar notícias verídicas, incluindo informação sobre processos judiciais que envolvem o Infarmed ou referências a artigos em revistas científicas.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    O Polígrafo sempre negou que não é controlado editorialmente pelo Facebook, sendo “absolutamente livre para escolher, de acordo com critérios jornalísticos, os conteúdos que entende serem os mais interessantes quer pela sua relevância pública, quer pela sua viralidade”. Contudo, no seu site, o Polígrafo estabelece uma secção autónoma, para fins de controlo, de fact checkings focado em conteúdos do Facebook. Desde 1 de Agosto de 2019 estão já contabilizados 678 artigos feitos no âmbito de uma parceria financeira bastante apetecível.

    O PÁGINA UM tentou também saber junto da ERC se, ao invés de ter havido uma redução do financiamento do Facebook ao Polígrafo, a publicação pediu confidencialidade dos dados económicos no Portal da Transparência, mas ainda não obteve resposta. O PÁGINA UM também procurou saber, sem sucesso, se o regulador faz qualquer tipo de fiscalização sobre a veracidade das declarações dos periódicos.