Categoria: Exame

  • Há hospitais que não são para velhos

    Há hospitais que não são para velhos

    O PÁGINA UM revela, em exclusivo, o desempenho de todos os hospitais portugueses que tentaram salvar doentes-covid. Uns portaram-se bem; outros tiveram desempenhos francamente medíocres. Eis uma investigação jornalística que destapa um assunto tabu: o Serviço Nacional de Saúde não é igual em todo o lado, e seguir para o hospital errado, à hora errada, pode ser “a morte do artista”.


    A idade foi um dos factores mais determinantes para a letalidade da covid-19, mas em Portugal, apesar de um sistema público teoricamente universal e homogéneo, a sobrevivência dependeu muito, mas mesmo muito, do hospital que calhou na sorte de cada internado.

    Uma análise detalhada do PÁGINA UM à base de dados do Serviço Nacional de Saúde (SNS), que quantifica os internamentos e óbitos por covid-19 – classificada no grupo “Código para fins especiais” –, revela que até Outubro de 2021 foram internadas com esta doença um total de 53.194 pessoas, das quais 77% sobreviveram.

    Contudo, o desempenho de cada hospital variou bastante.

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    Considerando apenas as unidades de saúde – Centros Hospitalares (CH), hospitais e Unidades Locais de Saúde (ULS) – que, ao longo dos primeiros 20 meses de pandemia, receberam 300 ou mais doentes-covid, a taxa de sobrevivência atingiu um valor máximo de 90% no Hospital do Divino Espírito Santo (Ponta Delgada) e no Hospital Dr. Nélio Mendonça (Madeira). No extremo oposto, 13 hospitais quedaram-se por valores abaixo dos 75%, grande parte dos quais em regiões do interior.

    A pior situação observou-se no Hospital do Espírito Santo (Évora) que recebeu 610 doentes-covid, tendo 218 morrido, apresentando assim uma taxa de sobrevivência de apenas 64%. Um pouco mais a sul – na ULS do Baixo Alentejo, que integra o Hospital José Joaquim Fernandes (Beja) –, o quadro também foi medíocre: 136 óbitos em 413 doentes-covid internados, registando assim uma taxa de sobrevivência de somente 67%. A ULS do Norte Alentejano – que integra os hospitais de Portalegre e Elvas – também teve uma perfomance sofrível (69%).

    Em centros urbanos de maior dimensão, mesmo nas imediações de Lisboa, detectam-se desempenhos sofríveis: o CH de Setúbal contabilizou uma taxa de sobrevivência de 68% (terceira pior situação nacional, a par da ULS do Nordeste), reflectindo a morte de 471 dos 1.480 doentes-covid internados, enquanto o Hospital de Vila Franca, que recebeu 1.219 doentes não conseguiu salvar 364, apresentando assim uma taxa de sobrevivência de apenas 70%.

    Nenhuma das unidades de saúde da região Centro mostrou desempenhos ao nível dos melhores. A situação menos desfavorável foi a do CH de Coimbra (taxa de sobrevivência de 75%), sendo que as outras unidades registaram valores ainda mais aquém deste indicador: Baixo Vouga (73%), Tondela-Viseu (72%), Castelo Branco, Médio Tejo e Santarém (71%, em todos) e Leiria (69%).

    Nas 13 unidades de maiores dimensões (considerando aquelas que receberam mais de 1.500 doentes-covid), os melhores desempenhos foram do CH Universitário do Porto, que integra o Hospital de Santo António, e do CH de Entre Douro e Vouga (agrupando os hospitais da Feira, Oliveira de Azeméis e São João da Madeira), com taxas de sobrevivência de 83%.

    Melhores e piores desempenhos das unidades do SNS, m função das taxas de mortalidade (TM), e de sobrevivência (TS), em função dos internamentos (INT) e óbitos (OBIT). Fonte: SNS. Nota: Pode descarregar ficheiro integral no final da notícia.

    Com desempenhos próximos (81% neste indicador) surgem o CH de Lisboa Central – que integra os hospitais de São José e Curry Cabral – e o denominado Hospital Amadora-Sintra. No extremo oposto, com 75% de taxa de sobrevivência, encontram-se o CH de Coimbra e o CH de Vila Nova de Gaia-Espinho.

    Para uma correcta avaliação da performance de cada unidade de saúde, medida em termos de taxa de sobrevivência, mostra-se relevante considerar a estratificação etária dos doentes-covid, uma vez que a gravidade desta doença depende muito da idade dos internados.

    Com efeito, de acordo com a base de dados consultada pelo PÁGINA UM, embora a taxa de sobrevivência global seja de 77,37%, no caso dos menores de 25 anos foi praticamente de 100%, e situou-se nos 97,72% na faixa etária entre os 25 e os 44 anos, e desceu para os 92,7% no grupo com idades entre os 45 e os 64 anos.

    Só a partir dos 65 anos – e, infelizmente, a desagregação não é mais fina, separando, por exemplo, o subgrupo dos maiores de 80 anos –, a taxa de sobrevivência começa a ser menor: pouco mais de dois em cada três internados (68,3%) sobrevive. Ora, tendo em conta que o grupo dos idosos representou 65% dos internados e 91% dos óbitos totais em meio hospitalar, este aspecto mostra-se crucial para aferir o desempenho de cada unidade de saúde no combate à covid-19.

    Taxa de sobrevivência hospitalar (%) dos doentes-covid por grupo etário até Outubro de 2021. Fonte: SNS

    Daí que, por exemplo, uma taxa de sobrevivência global apenas razoável possa afinal mostrar um desempenho muito positivo se o peso dos internados mais idosos – e, portanto, mais vulneráveis – for muito relevante, o que sucede em alguns hospitais do interior do país.

    Posto isto, para o grupo específico dos idosos (maiores de 65 anos), o PÁGINA UM identificou hospitais que, enfim, mostraram desempenhos muito sofríveis, enquanto outros apresentaram performances muitíssimo boas.

    Note-se, aliás, que não é de estranhar uma quase coincidência no posicionamento das unidades de saúde em termos de desempenho em relação aos idosos face ao que se verifica para a totalidade dos internados. Contudo, na comparação das taxas de sobrevivência dos idosos salta à vista um aspecto deveras preocupante: há hospitais em que a probabilidade de um idoso não sobreviver foi muitíssimo superior à de outros.

    No extremo mais favorável, o PÁGINA UM detectou quatro unidades de saúde com taxas de sobrevivência de idosos de 80% ou mais: Hospital do Divino Espírito Santo (Ponta Delgada) e no Hospital Dr. Nélio Mendonça (Madeira), ambos com 85%, e Hospital de Santa Maria Maior (Barcelos) e Hospital Senhora da Oliveira (Guimarães), com 82% e 80%, respectivamente.

    No pior extremo, com taxas de sobrevivência de 60%, ou inferior, estão o Hospital do Espírito Santo (Évora), com apenas 53% – morreram 205 dos 439 idosos internados com covid-19 –, a ULS do Baixo Alentejo (56%), o CH de Setúbal (58%) – faleceram 419 dos 987 idosos internados –, a ULS do Norte Alentejano (59%), o Hospital de Vila Franca de Xira (60%) – morreram 329 dos 814 idosos internados – e a ULS de Castelo Branco (também 60%).

    Caso se considerem as unidades de saúde com mais de 1.000 doentes-covid de mais de 65 anos, a região Norte teve os melhores desempenhos, com destaque para o CH de Trás-os-Montes e Alto Douro (taxa de sobrevivência de 76%), seguindo-se os CH Universitário do Porto e de Entre Douro e Vouga, ambos com 75%. Nas unidades da Grande Lisboa, as taxas de sobrevivência andaram entre os 60% e 70%.

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    Para estas idades – e sobretudo pela grande variação neste indicador nas diversas unidades de saúde –, uma diferença de 10 pontos percentuais pode representar muitas vidas. Por exemplo, se os três CH de Lisboa – onde morreram 1.162 dos 3.777 doentes-covid com mais de 65 anos – tivessem um desempenho de 80% em vez dos 69,2% que registou, então teriam conseguido salvar mais cerca de 400 pessoas.

    Se, globalmente, a taxa média nacional de sobrevivência dos mais idosos tivesse sido, por exemplo, de 75% (para colocar uma fasquia exequível), em vez dos (reais) 68%, ter-se-iam então salvado mais 2.315 vidas. Se essa taxa subisse aos 80%, então salvavam-se mais 4.044 idosos até Outubro do ano passado.

    Por fim, importa também salientar um outro aspecto preocupante: mesmo nas populações menos vulneráveis à covid-19 – os menores de 65 anos –, o desempenho dos hospitais do SNS foi também bastante diferenciado. Quatro unidades de saúde conseguiram taxas de sobrevivência superiores a 98%: Hospital da Figueira da Foz (98,7%), CH do Oeste (98,6%), CH do Médio Ave (98,4%) e Hospital Dr. Nélio Mendonça (Funchal, com 98,1%).

    No extremo oposto, encontra-se o CH de Setúbal, o único com uma taxa de sobrevivência abaixo dos 90%, sendo acompanhado de perto de outras unidades com fracos desempenhos nos outros dois indicadores retratados pelo PÁGINA UM, o que confirma que existem problemas estruturais em diversos hospitais portugueses que tiveram efeitos directos no impacte da pandemia ao nível da mortalidade. O vírus não matou sozinho.

    NOTA: Para obter o ficheiro de dados com os internamentos, óbitos e taxas de mortalidade e de sobrevivência hospitalar de doentes-covid por grupo etário, pode descarregar AQUI.

  • A prova dos nove

    A prova dos nove

    Quem assiste aos telejornais ou percorre as ruas ou aplica as regras impostas pelo Governo, pensará que a situação pandémica estará, pelo menos igual, ou pior do que estava há um ano. A PÁGINA UM foi fazer as contas.


    O PÁGINA UM realizou uma análise comparativa da taxa de letalidade da covid-19 – ou seja, dos óbitos atribuídos a esta doença por cada 100 casos positivos – não apenas entre países, mas também entre períodos.

    Pretendia-se observar se a actual situação da pandemia justifica o clima de medo ainda instalado em Portugal – com pressões para, por exemplo, se vacinarem crianças, grupo praticamente não afectado por esta doença –, que tem implicado ainda a manutenção de restrições sociais e económicas, e um modelo discriminatório dos não-vacinados, mesmo daqueles com imunidade natural após infecção anterior.

    Cada vez mais se torna evidente que, além do programa de vacinação abranger uma cobertura quase total das comunidades mais idosas, a variante Ómicron é, claramente, menos agressiva. Por exemplo, um recente estudo de investigadores da Universidade Politécnica de Hong Kong, ainda não revisto pelos pares (peer review), adiantam que a variante Ómicron, apesar de uma transmissibilidade três vezes superior às anteriores, mostra um a redução da taxa de letalidade de 87,8%.

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    Rússia é uma excepção ao panorama favorável dos últimos meses.

    Isto significaria que, se com a variante Alfa ou Delta, a taxa de letalidade rondava, em geral, os 2% nos países mais desenvolvidos, torna-se expectável que com a Ómicron viesse então a atingir valores próximos de 0,25% ou ainda mais baixo.

    Vejamos então.

    Para esta análise, incluímos, além dos 27 países da União Europeia, mais três países europeus (Noruega, Reino Unido e Rússia), e ainda Austrália, Brasil, Canadá, Estados Unidos, Índia, Nova Zelândia. A taxa de letalidade foi calculada para dois períodos distintos: os primeiros 12 meses da pandemia – assumindo que, na generalidade destes países, os óbitos atribuídos à covid-19 começaram em Fevereiro de 2020; e os últimos seis meses, de modo a abranger o surgimento da variante Ómicron, associado também a um aumento muito significativo de casos positivos.

    Assim sendo, para ambos os períodos – o primeiro terminado em 1 de Fevereiro de 2021; o segundo compreendido entre 1 de Agosto de 2021 e 1 de Fevereiro do presente ano –, obteve-se os valores tanto dos casos positivos como dos óbitos. A informação foi recolhida no site Worldometers.

    Um dos aspectos mais relevantes é a notória descida – muito significativa em muitos países – das taxas de letalidade entre o primeiro e o segundo período analisado. A única excepção é a Rússia, que regista um incremento de 1,05 pontos percentuais (p.p.), passando de 1,92% para 2,97%. Apesar de ser um país actualmente com uma relativamente baixa taxa de vacinação (48,8% da população com duas doses), nunca se sentiu um efeito relevante desse fármaco.

    Ao invés, desde finais de Junho do ano passado, os óbitos têm estado sempre em níveis muito mais elevados do que nos períodos anteriores, antes do fabrico das vacinas. Por outro lado, o pico dos óbitos verificou-se em meados de Novembro, sensivelmente na altura do surgimento da Ómicron, e a partir daí as mortes têm tido uma tendência decrescente, apesar da acentuada subida de casos positivos. Entre 10 de Janeiro e início de Fevereiro deste ano, os novos casos diários aumentaram cerca de 10 vezes, situando-se agora nos 153 mil por dia (média móvel de sete dias).

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    Portugal está com uma das mais baixas taxas de letalidade da Europa.

    Em todo o caso, a actual taxa de letalidade na Rússia não atinge os níveis que ocorriam em qualquer destes países analisados durante a primeira fase da pandemia. A taxa de letalidade era, ao fim do primeiro ano, superior a 3% na Austrália (3,15%, apesar do número absoluto relativamente reduzido de vítimas), Hungria (3,42%), Itália (3,45%), Grécia (3,66%) e Bulgária (4,15%).

    Observavam-se ainda 12 países com taxas de letalidade entre 2% e 3%. Apenas três países (Chipre, Noruega e Estónia) tinham taxas de letalidade inferiores a 1%. Portugal (1,78%) estava então no lote de 16 países com taxas entre 1% e 2%. Saliente-se que, nesta fase, ao fim do primeiro ano da pandemia, a Suécia estava na 16ª posição no grupo destes países, com uma taxa de letalidade de 2,11%, apesar das sistemáticas críticas ao modelo de gestão escolhido que não passou por lockdowns nem pelo uso obrigatório de máscaras.

    O cenário ficou bem mais favorável a partir de Agosto do ano passado. Devido, em grande parte, por um significativo número de recuperados possuírem agora imunidade natural, pela menor agressividade da variante Ómicron e por via do plano de vacinação – não necessariamente por esta ordem, em termos de relevância –, observa-se nos últimos seis meses uma fortíssima redução da mortalidade atribuída à covid-19. Isto apesar de um colossal aumento dos casos positivos na quase generalidade dos países ao longo do último semestre, mas sobretudo no último mês.

    Aliás, o inusitado crescimento do número de casos – de longe, a incidência de casos positivos é a maior registada ao longo de dois anos de pandemia – parece confirmar, por um lado, a maior transmissibilidade da variante Ómicron. E, por outro lado, mostra também não só a sua menor agressividade, mas, de igual modo, a incapacidade dos vacinados de terem afinal uma menor susceptibilidade à infecção. Isto sem menosprezar, sobretudo para idades avançadas, uma redução relevante, embora passageira, na gravidade da doença em caso de infecção.

    Porém, até esta conclusão nos parece necessitar de uma análise cuidadosa, e independente, de modo a apurar o verdadeiro grau de eficácia das vacinas contra a variante Ómicron, sabendo-se que, na verdade, se “destinavam” a atacar as variantes diferentes.

    Taxas de letalidade (%) no primeiro ano e nos últimos seis meses. Fonte: Worldometers

    Em todo o caso, interessa destacar que, nos últimos seis meses, apenas três países – Rússia (2,97%), Bulgária (2,79%) e Roménia (2,14%) – apresentaram taxas de letalidade superiores a 2%, quando no primeiro ano da pandemia eram 17. No entanto, o maior destaque vai, certamente, para os 30 países que registaram taxas de letalidade inferiores a 1%. E destes, 14 com taxas inferiores a 0,25%.

    Neste último lote – o mais favorável – está Portugal, com uma taxa de apenas 0,15%, ou seja, uma redução de 1,63 p.p. (ou uma redução de 92%) em comparação com o primeiro ano da pandemia. Colocar o país em quarentena, manter restrições com estes níveis de agressividade do “actual” SARS-CoV-2, ou discriminar não-vacinados, aparenta ser algo, no mínimo, absurdo.

    Similar situação é a da França, outro país com uma redução brutal nas taxas de letalidade, passando de 2,55% no primeiro ano para apenas 0,14% nos últimos seis meses. Considerar que na França se está agora perante a mesma pandemia de 2020 será somente miopia. E a insistência de Emmanuel Macron, presidente francês, em impor a vacinação universal parece dever-se mesmo à sua vontade, como afirmou, de “chatear” e “irritar” os não-vacinados, porque justificações de Saúde Pública parecem não existir.

    Pandemia: hoje é um problema de Saúde Pública ou de política?

    A Áustria – que se tornou, por agora, o único país da União Europeia, a instituir a vacinação obrigatória para adultos –, apresentou uma taxa de letalidade de 0,27% nos últimos seis meses. Muito abaixo dos 1,87% que registou no primeiro ano da pandemia.

    A Alemanha, onde também se discute a obrigatoriedade da vacinação – e de onde é natural a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, uma apoiante da medida –, também apresenta uma baixa taxa de letalidade nos últimos seis meses (0,40%), que contrasta com os 2,68% do primeiro ano. Note-se que, nestes dois países, a taxa de vacinação contra a covid-19 se situa, respectivamente, nos 76% e 74%, o que significa que a população mais vulnerável, sobretudo idosos, já estará quase toda imunizada.

    Recorde-se que a taxa de letalidade para a pandemia do H1N1 em 2009 terá rondado os 0,5%, e estima-se que, por exemplo, na época de gripe sazonal nos Estados Unidos de 2018-2019 esse indicador rondou os 0,1% (28 mil mortes por gripe e pneumonias em 29 milhões de infecções), sendo que na de 2019-2020 foi de 0,06% (20 mil mortes em 35 milhões de casos).

    Estes são os factos. Esta é, portanto, a actual situação da pandemia na Europa e em outras paragens importantes do Mundo. O resto não é Saúde Pública; é política.

    NOTA: Os valores das taxas de letalidade nos países analisados nos dois períodos podem ser consultados AQUI.

  • Mais de 6.000 óbitos oficiais por covid-19 ocorreram fora dos hospitais ou foram inventados

    Mais de 6.000 óbitos oficiais por covid-19 ocorreram fora dos hospitais ou foram inventados

    Números das mortes por covid-19 nos hospitais são muito menores do que aqueles apontados pela Direcção-Geral da Saúde. Ou terá havido milhares de pessoas a morrerem por causa do SARS-CoV-2 sem prévia assistência hospitalar adequada, ou então as autoridades de Saúde e o Governo andaram a empolar números para fomentar uma campanha de medo e para esconder o excesso de mortalidade não-covid.


    Até finais de Outubro do ano passado, são menos 6.122 os óbitos por covid-19 registados em meio hospitalar em comparação com os números oficiais da Direcção-Geral da Saúde(DGS). Esta é a diferença obtida comparando os números oficiais da DGS – que até 31 de Outubro de 2021 indicavam 18.162 mortes causadas pelo SARS-CoV-2 – e os certificados de óbitos passados nos hospitais, que apontam para apenas 12.040 mortes nos primeiros 20 meses da pandemia.

    A garantia de estes 12.040 ser o número exacto de óbitos por covid-19 em hospitais, e que constam expressamente nos certificados de óbito, é simples de dar: uma base de dados pública da mortalidade hospitalar, que identifica, por mês, o número de óbitos por grandes classes de doença, a unidade de saúde e o grupo etário. A base de dados está integrada no Serviço Nacional de Saúde (SNS).

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    Por norma, as diversas doenças estão agrupadas: por exemplo, não se consegue saber quantas mortes são por AVC ou por ataque cardíaco, porque ambas integram as doenças do aparelho circulatório. Porém, no caso concreto da covid-19, esta é a única doença existente classificada no grupo dos “Códigos para fins especiais”, tendo recebido o código U071. Por esse motivo, não há registo de mortes nesta classe entre Janeiro de 2017 – data de início de registo da base de dados é Fevereiro de 2020.

    A enorme discrepância nos números detectada pelo PÁGINA UM, numa cuidadosa análise desta base de dados, pode dever-se a uma de duas causas, qualquer das quais bastante preocupante. Ou houve 6.122 vítimas da pandemia que morreram sem assistência hospitalar; ou então a DGS andou a manipular o número de óbitos por covid-19 para desviar as atenções do excesso de mortalidade não-covid, de modo a esconder também o descalabro do Serviço Nacional de Saúde no tratamento de outras doenças descuradas durante a pandemia.

    No primeiro caso, um número tão elevado de mortes fora das unidades do Serviço Nacional de Saúde (SNS) numa doença tão infecciosa – e que obrigou a fortes restrições na sociedade e a uma logística hospitalar sem precedentes – mostra justificação pouco plausível ou mesmo credível, sobretudo devido às próprias características da infecção pelo SARS-CoV-2. Ou seja, num quadro clínico associado à hipoxemia e/ou falta de ar em situações críticas, pelo que a morte, nas situações mais graves, pelo menos é antecedida por uma admissão à urgência hospitalar ou no decurso de um internamento.

    Note-se, por exemplo, que antes da pandemia, quase todos os óbitos registados por doenças respiratórias ocorriam em meio hospitalar. Já no caso das doenças do aparelho circulatório ou por neoplasias é mais comum que ocorram fora do meio hospitalar.

    O cenário de mortes frequentes com covid-19 de doentes sem prévia assistência hospitalar adequada face ao seu estado – e com o óbito a ser certificado em residências ou lares – não é de descartar, mas seria de grande gravidade.

    Uma hipótese alternativa – mas neste caso com o consequente empolamento dos números da covid-19 – será a inclusão de assintomáticos (ou seja, pessoas com teste positivo, mas sem sintomas) que acabaram por morrer de outras doenças. Estes casos poderão ter ocorrido, em maior ou menor grau, sobretudo em lares de idosos.

    O PÁGINA UM aguarda, aliás, desde 25 de Janeiro, que a DGS ceda dados sobre o número de utentes, por Estrutura Residencial para Pessoas Idosas (ERPI), cujos óbitos tenham ocorrido numa instituição com casos confirmados de covid-19 ou em utente ou trabalhador que tenha apresentado sintomas compatíveis com a doença.

    Essa informação é essencial para apurar não apenas o verdadeiro impacte da covid-19 em lares, como também o número de idosos vítimas destas doenças que nem sequer mereceram preocupação para lhes ser dada assistência hospitalar antes do desfecho fatal.

    Uma outra alternativa em cima da mesa será simplesmente os óbitos por covid-19 terem sido cruamente manipulados – ou seja, as mortes ocorreram por outras causas evidentes, mas a DGS terá decidido manipular os números da covid-19.

    Com esse estratagema, o Governo conseguiria não apenas mostrar artificialmente uma maior gravidade da pandemia como também, face ao aumento em alguns períodos da mortalidade total, atenuar publicamente, de forma habilidosa, o excesso de mortalidade não-covid.

    Esta última hipótese mostra-se mais forte quando se analisa determinados meses. Por exemplo, em Maio de 2020, confrontando os óbitos em meio hospitalar (apenas 180) e os registos oficiais pela DGS (417), conclui-se que 57% das vítimas terão afinal morrido fora do hospital, uma situação de probabilidade muito baixa, porque, no início da pandemia, todos os doentes sintomáticos eram internados.

    No Inverno de 2020-2021, as discrepâncias em termos absolutos são enormes. Se os dados da DGS estivessem correctos, em Novembro de 2020 teriam morrido, por covid-19, um total de 1.420 pessoas nos hospitais e 613 fora dos hospitais. No mês seguinte essa relação foi de 1,628 nos hospitais e 767 fora dos hospitais.

    No início do ano passado, a diferença absoluta ainda é maior. Em Janeiro – oficialmente, o mês com mais óbitos no total e por covid-19 –, os dados da DGS apontam para um total de 5.785 vítimas da pandemia, mas apenas 3.207 surgem registadas nos hospitais. As restantes 2.578 vítimas, a terem mesmo morrido por covid-19, foi fora do hospital. Em Fevereiro do ano passado, também mais de mil pessoas (1.119) aparecem nos números oficiais da DGS mas não faleceram nos hospitais.

    Óbitos mensais por covid-19 nos hospitais e nos registos oficiais. Fonte: SNS e DGS

    Ao longo dos meses seguintes, as discrepâncias são menores em termos absolutos e relativos, havendo mesmo dois meses (Abril e Maio de 2021) em que os registos de mortes por covid-19 nos hospitais até são, estranhamente, superiores aos números que depois surgiram naqueles períodos nos boletins da DGS.

    No total dos 12.040 óbitos por covid-19 registados nos hospitais portugueses até Outubro de 2021 – que representam, assim, apenas 66,3% do total à data indicado pela DGS –, 1.319 foram contabilizados nos três centros hospitalares da cidade de Lisboa.

    No Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Central – que integra o Hospital de São José – registaram-se 521, enquanto nos de Lisboa Norte – que agrega o Hospital de Santa Maria – e de Lisboa Ocidental – que integra o Hospital de São Francisco Xavier – houve 399 em cada. O Hospital de Coimbra foi individualmente aquele com maior número de óbitos (703 durante os primeiros 20 meses da pandemia).

    O PÁGINA UM divulgará amanhã o desempenho de cada hospital, ou seja, a taxa de sobrevivência dos internamentos por covid-19, uma vez que essa variável se mostrou bastante relevante ao longo da pandemia.

    NOTA: A lista completa de hospitais e óbitos por covid-19 até 31 de Outubro de 2021 pode ser consultada AQUI.

  • Bloqueio da GoFundMe cria onda de solidariedade sem precedentes

    Bloqueio da GoFundMe cria onda de solidariedade sem precedentes

    Justin Trudeau, primeiro-ministro canadiano, andou uma semana a diabolizar os manifestantes do Freedom Convoy. Na sexta-feira conseguiu aquilo que aparentava ser uma vitória: a plataforma de crowdfunding GoFundMe bloqueou 9 milhões de dólares canadianos, considerando que os organizadores promoviam “violência e assédio”. Como reacção, uma campanha alternativa angariou já, em menos de dois dias, mais de 3 milhões de dólares americanos. E a comunidade de criptomoedas também se está a mobilizar.


    O efeito do bloqueio da GoFundMe ao Freedom Convoy está a ser desastroso para o Governo canadiano. Cedendo a pressões políticas, a decisão da maior plataforma mundial de crowdfunding em bloquear, na noite da passada sexta-feira, nove milhões de dólares canadianos (cerca de 6,3 milhões de euros) arrecadados, por donativos de mais de 120 mil pessoas, resultou não só num feroz coro de críticas populares contra a GoFundMe, como incentivou uma onda de solidariedade sem precedentes.

    Em cerca de dois dias completos, quando eram 23:00 horas em Lisboa, os organizadores do Freedom Convoy já tinham conseguido ultrapassar os 3 milhões de euros, correspondentes a mais de 3,4 milhões de dólares, através da plataforma GiveSendGo. E aponta-se agora para uma meta acima daquele prevista com a GoFundMe: 16 milhões de dólares.

    Até às 21 horas de hoje, em Lisboa, a nova campanha de crowdfunding do Freedom Convoy angariou quase 3,3 milhões de dólares.

    Para assegurar a legalidade e transparência do processo de gestão desta verba – para compra de combustíveis, alimentação dos manifestantes e alojamento sobretudo dos motoristas – foi criada a Incorporated Freedom 2022 Human Rights and Freedom Association.

    O facto de a GiveSendGo ser claramente de cariz religioso – assume-se como a principal plataforma cristã mundial de angariação de fundos – retira também espaço a ataques sobre extremismos dos protestos contra as políticas restritivas do Governo Trudeau. Em todo o caso, apesar do sucesso da nova campanha de angariação, a plataforma da GiveSendGo tem estado com alguns problemas de acesso, que se deverão, segundo os seus responsáveis, a “fortes ataques de negação de serviço [DDOS attacks] e com bots maliciosos”.

    Mas a decisão da GoFundMe trouxe também um reforço da onda de solidariedade da comunidade de criptomoedas, um mundo financeiro alternativo, não controlável pelos bancos centrais e, geralmente, imune às pressões ou intimidações políticas e interesses financeiros.

    Por exemplo, uma campanha de angariação na plataforma de crowdfunding Tallycoin – exclusivamente usando criptomoedas e não rastreável – propôs angariar 615 milhões de satoshi (SAT), ou seja, 6,15 bitcoins, que equivale actualmente a quase 250 mil euros, envolvendo cerca de 3.600 contributos.

    Antes do bloqueio da GoFundMe, esta campanha promovida por alguém sob anonimato (usando o pseudónimo Honkhonk Hodl), tinha apenas recebido um pouco menos de 10 mil euros em bitcoins; neste momento, já foram transferidas criptomoedas no valor de 226 mil euros, superando os objectivos iniciais. Ou seja, cresceu quase 23 vezes em menos de dois dias.

    Esta onda de solidariedade coincide com o segundo fim-de-semana de protestos em Ottawa, inicialmente apenas contra a obrigatoriedade de vacinação contra a covid-19 dos camionistas que atravessassem a fronteira com os Estados Unidos, ou a realização de testes e quarentena. No entanto, as manifestações já se alargaram para outras restrições, sendo também patente protestos por outras causas, que reflectem um mal-estar popular perante as posturas do Governo liberal de Trudeau.

    Durante a última semana, o primeiro-ministro Justin Trudeau chegou a acusar os protestantes de serem “uma minoria marginal” e de até “roubarem comida de sem-abrigos”, declarando que “não há lugar no nosso país para ameaças, violência e ódio”.

    Em mensagens no Facebook e Twitter, na terça-feira passada, congratulou-se ainda pela condenação unânime no Parlamento do “antissemitismo, islamofobia, racismo anti-negro, homofobia e transfobia que têm sido mostrados em Ottawa nos últimos dias”, lançando um apelo: “Juntos, vamos continuar a trabalhar para tornar o Canadá mais inclusivo”.

    Comunidade das criptomoedas respondeu também com solidariedade ao bloqueio da campanha no GoFundMe.

    Por proposta do deputado Taleeb Noormohamed, do Partido de Liberal liderado por Trudeau, o comité parlamentar deu ênfase a alegados actos criminosos da campanha de angariação, manifestando o interesse em ouvir responsáveis do Centro de Análise de Transações e Relatórios Financeiros do Canadá (FINTRAC).

    O Governo de Trudeau pretendia, assim, diabolizar os protestos e “secar” o seu financiamento. Aparentemente, julgaria ter conseguido com a suspensão da campanha pela GoFundMe. Os últimos dois dias demonstraram, de forma avassaladora, que a estratégia estava errada. Os protestos intensificaram-se mais, e aparentam manter-se caso não haja um recuo governamental. E o sucesso, até financeiro, desta campanha canadiana pode mesmo servir de rastilho para movimentos similares em outros países.

    N.D. – O PÁGINA UM, conforme defendeu em editorial desta manhã, decidiu suspender a sua angariação pontual de fundos através do GoFundMe, onde tinha angariado 13.884 euros (valor bruto, sem deduções de cerca de 10% em comissões), passando a optar pela plataforma MIGHTYCAUSE.

  • GoFundMe fez sair hoje um tiro pela culatra

    GoFundMe fez sair hoje um tiro pela culatra

    Por pressões do Governo do liberal Justin Trudeau, a principal plataforma de crowdfunding do Mundo bloqueou cerca de 6,3 milhões de euros, provenientes de mais de 120 mil doadores, que deveriam financiar os protestos populares em Ottawa e outras regiões do Canadá contra as restrições no âmbito da pandemia. A GoFundMe acusou o Freedom Convoy de estar a promover acções de violência e assédio. O efeito desta medida está a ser devastador, mas só para a credibilidade da GoFundMe.


    A GoFundMe, a mais conhecida plataforma de crowdfunding do Mundo, está a ser inundada de críticas pela decisão de suspender a libertação de 9 milhões de dólares canadianos (cerca de 6,3 milhões de euros) ao Freedom Convoy – o movimento de protesto liderado por camionistas –, por pressão das autoridades canadianas.

    Apesar da ausência de evidências revelantes de extremismo na invasão pacífica do centro de Ottawa durante a última semana, aquela empresa de angariação de fundos decidiu cancelar a campanha de crowdfunding por alegada violação dos termos de serviço, considerando que os organizadores estariam a “promover a violência e assédio”.

    GoFundMe bloqueou a campanha do Freedom Convoy quando já tinham sido angariados mais de 10 milhões de dólares canadianos.

    O efeito desta decisão da GoFundMe – uma empresa de capitais de risco norte-americana – está a ter repercussões fortemente negativas na sua credibilidade, particularmente visível na Internet. Na sua página do Facebook, onde tem mais de 1,9 milhões de seguidores, a GoFundMe nem sequer arriscou fazer referência ao caso Freedom Convoy, mas mesmo assim encontram-se mais de 3.500 comentários de internautas furiosos no seu último post, publicado à meia-noite de anteontem, sobre uma campanha de apoio às crianças de uma escola de Boston.

    A Trustpilot – uma conhecida plataforma dinamarquesa de avaliação de consumidores sobre empresas de todo o Mundo – decidiu esta tarde suspender temporariamente as avaliações feitas pelos internautas à GoFundMe. No seu site, o Trustpilot diz estar agora a investigar “um aumento incomum nas avaliações” devido à atenção dos media. O PÁGINA UM percorreu as 1.000 mais recentes críticas anteriores à suspensão, feitas nas últimas seis horas: todas, sem excepção, dão nota 1/5 à GoFundMe, sempre acompanhadas de fortes críticas sobre a decisão de suspender os recursos financeiros doados ao Freedom Convoy.

    O impacte desta decisão já atravessou fronteiras. E a nível político. Ron DeSantis, governador da Florida – um dos estados norte-americanos sem restrições no âmbito da pandemia –, considerou esta tarde, nas suas contas do Twitter e do Facebook, estar-se perante “uma fraude”. DeSantis afirmou estar a trabalhar com a procuradora-geral do seu Estado, Ashley Mood, para investigar as “práticas enganosas” da GoFundMe, exigindo que fossem devolvidos imediatamente aos doadores os fundos que tinham dado ao Freedom Convoy.

    Esta pressão política – a par de inúmeras críticas nas redes sociais – levou já a GoFundMe a recuar na sua pretensão inicial, divulgada no final da noite de ontem, de encaminhar as verbas recolhidas pelo Freedom Convoy para instituições de caridade, sobre as quais teria um papel de decisão, excepto se os doadores fizessem um pedido de retorno até 19 de Fevereiro. Esta tarde, a empresa já declarou que, afinal, “devido ao feedback dos doadores, estamos simplificando o processo” de devolução, prometendo que será já automático e no prazo de “sete a 10 dias úteis”.

    Ao invés de enfraquecer o Freedom Convoy, a pressão do Governo Trudeau e mesmo da Câmara dos Comuns do Canadá – que até desejam ouvir a entidade responsável pelo controlo da “lavagem de dinheiro” – acabou por ter assim um devastador efeito boomerang do ponto de vista da credibilidade e mesmo em termos políticos. E, em vez de esvaziar a contestação, pela perda financeira, até deu um inesperado alento aos organizadores num fim-de-semana com uma redobrada participação popular nos protestos.

    Plataforma da GiveSendGo está com dificuldades em aguentar fluxos de visitantes para apoiarem os protestos do Freedom Convoy.

    Ainda esta madrugada, foi aberta uma nova campanha em outra plataforma – a GiveSendGo, apresentada como o site cristão líder em crowdfunding. Em 15 horas foram já angariados quase 1,2 milhões de dólares americanos (um pouco mais de um milhão de euros).

    O site da GiveSendGo tem, aliás, tido alguns problemas de acesso por via do tráfego elevado. Será expectável que uma grande parte dos doadores da campanha da GoFundMe desloquem as verbas entretanto devolvidas para a campanha no GiveSendGo.

    Uma das promotoras da Freedom Convoy, Tamara Lich, aponta agora para os 16 milhões de dólares americanos como meta, o que perspectiva uma “maratona” de protestos contra as políticas de Trudeau. A atitude quase belicista do primeiro-ministro canadiano contra os manifestantes começa a ser criticada, por hostilizar uma contestação nascida nas redes sociais.

    Ainda hoje, uma cronista do Toronto Star, Heather Scofield, a pretexto da força dos media sociais e da liberdade de expressão, destacava que os protestos do Freedom Convoy deixaram “claro que, como sociedade, estamos cansados ​​da pandemia, estamos fartos das restrições e estamos perdendo a paciência uns com os outros”, acrescentando que “as redes sociais pegaram esses sentimentos, os exageraram e os incendiaram num momento em que precisamos de nos acalmar.”

    N.D. – O PÁGINA UM, conforme defendeu em editorial desta manhã, decidiu suspender a sua angariação pontual de fundos através do GoFundMe, onde tinha angariado 13.884 euros (valor bruto, sem deduções de cerca de 10% em comissões), passando a optar pela plataforma MIGHTYCAUSE.

  • Governo usa medo do extremismo para cortar apoio financeiro e popular aos protestos

    Governo usa medo do extremismo para cortar apoio financeiro e popular aos protestos

    Aumentam as pressões políticas sobre a plataforma de crowdfunding GoFundMe para não serem desbloqueados sete milhões de euros doados para apoio dos manifestantes que bloqueiam Ottawa. Governo de Trudeau insiste em associar os manifestantes do Freedom Convoy ao extremismo e mesmo ao terrorismo. A Câmara dos Comuns até já diz querer ouvir o Centro de Análise de Transações e Relatórios Financeiros do Canadá, porque desconfia dos intentos de uma campanha que, na verdade, conta com mais de 120 mil doadores. Este fim-de-semana espera-se um reforço nos protestos.


    As autoridades canadianas estão a fazer tudo para “secar” os protestos em Ottawa, insistindo na sua tese de os manifestantes do Freedom Convoy – que exigem o fim das restrições devidas à pandemia, entre as quais a obrigatoriedade de vacinação de camionistas – estarem associados a grupos extremistas e violentos. Neste momento, o Governo de Justin Trudeau aposta na suspensão definitiva da campanha de financiamento através do GoFundMe, alegando que os manifestantes são extremistas.

    Anteontem, a plataforma de crowdfunding GoFundMe decidiu suspender temporariamente a libertação dos donativos de nove dos 10 milhões de dólares canadianos (cerca de 7 milhões de euros) já arrecadados, provenientes de mais de 120 mil pessoas – a segunda mais lucrativa de sempre no Canadá –, informando apenas que esta estaria a ser “analisada para assegurar que se encontra de acordo com os termos de serviço e as leis e regulamentos aplicáveis”.

    Governo canadiano tenta demover apoio popular acusando manifestantes de defenderem causas extremistas

    Os organizadores do Convoy Freedom já contrataram Keith Wilson, advogado do Justice Centre for Constitutional Freedom, para os defender, garantindo que foram cumpridos todos os formalismos legais para a execução da campanha, incluindo o destino e gestão dos donativos.

    De acordo com a declaração da campanha no GoFundMe, as verbas serão exclusivamente para alimentação, combustível e eventual alojamento dos camionistas. As verbas remanescentes “serão doadas a uma organização de veteranos credível escolhida pelos doadores”.

    As pressões políticas para boicotar os protestos em Ottawa e outras regiões do Canadá têm-se intensificado nos últimos dias, usando sempre mensagens e linguagens que colocam os manifestantes como perigosos extremistas, sobretudo para retirar apoio popular, e evitar a adopção do modelo do Freedom Convoy em outros países.

    As autoridades canadianas mostram-se preocupadas com um maior apoio popular durante o fim-de-semana, mas Trudeau já garantiu que não haverá intervenção de forças militares para controlar os manifestantes ou desobstruir a capital dos camiões.

    Ontem, o Comité de Segurança Pública e Segurança Nacional da Câmara dos Comuns do Canadá votou por unanimidade uma audição dos representantes do GoFundMe. Os parlamentares querem saber como a empresa de angariação de fundos – que receberá uma comissão de cerca de 10% dos 10 milhões de dólares recebidos – garante que as verbas doadas “não sejam usadas para promover extremismo, supremacia branca, antissemitismo e outras formas de ódio, que foram expressas entre os proeminentes organizadores” do Freedom Convoy.

    Manifestantes e polícias no centro de Ottawa, durantes os protestos contra as restrições impostas pelo Governo de Trudeau

    Saliente-se que o PÁGINA UM – que consultou dezenas de notícias e analisou as redes sociais, incluindo vídeos – nunca detectou, até agora, quaisquer declarações, frases ou slogans de cariz racial, étnico ou actos promotores de violência, apesar das insistentes tentativas de as autoridades apresentarem os manifestantes do Freedom Convoy como extremistas.

    O primeiro-ministro Justin Trudeau chegou mesmo a acusar manifestantes de “roubarem comida a sem-abrigos”.

    O parlamento canadiano mostra-se também preocupado com os donativos anónimos. Segundo um levantamento da Canadian Broadcasting Corporation, pelo menos um terço dos donativos da campanha do GoFundMe serão donativos sem identificação, incluindo seis dos 10 maiores, todos individualmente superiores a 10.000 dólares canadianos.

    O comité parlamentar quer também que o GoFundMe explique como impede donativos provenientes do estrangeiro que possam financiar grupos extremistas.

    Estas alegações, refira-se, fazem pouco sentido, porque o GoFundMe – que é uma das plataformas de financiamento usadas pelo PÁGINA UM – permite apenas que os doadores se mantenham no anonimato perante terceiros, ou seja, os promotores têm acesso à sua identidade.

    Além disso, os donativos, tanto no Canadá como em Portugal e em outras partes do Mundo, são feitos exclusivamente através de um cartão de crédito válido, como se pode confirmar em qualquer uma das milhares de campanhas em curso nesta plataforma de crowdfunding. Como se pode confirmar noutras campanhas activas no Canadá, ou mesmo na do PÁGINA UM.

    Em todo o caso, por proposta do deputado liberal Taleeb Noormohamed, do partido de Justin Trudeau, o comité parlamentar quer também ouvir o Centro de Análise de Transações e Relatórios Financeiros do Canadá (FINTRAC).

    Tamara Lych, à esquerda, em conversa no centro de Ottawa.

    Este é órgão fiscalizador das operações de lavagem de dinheiro e financiamento do terrorismo, o que demonstra uma clara estratégia de ligação do Convoy Freedom a actos extremistas.

    Ontem, em conferência de imprensa, Tamara Lich – uma das principais organizadoras do protesto, e que pertence a uma das etnias autóctones canadianas, a métis – garantiu que os protestos continuarão até que o Governo apresente um plano claro para a eliminação de todos os mandatos e restrições à covid-19, tal como tem sucedido nas últimas semanas com países europeus.

    Congratulando-se pelo crescimento do movimento anti-restrições “no Canadá e em todo o Mundo, porque as pessoas comuns estão cansadas dos mandatos e restrições”, Lich lamentou que os governos federal, provincial ou municipal estejam a usar a comunicação social “para nos retratar como racistas, misóginos e até terroristas”. “Como mulher com herança métis, mãe e avó, sinto-me ofendida por isso”, concluiu.

    No Canadá, de acordo com o Worldometers, 34.366 pessoas tiveram a covid-19 como causa de morte desde o início da pandemia. Este valor equivale, numa população de 38 milhões de habitantes, a menos de metade dos óbitos registados em Portugal.

    Actualmente, com um Inverno bastante gélido – às 13 horas de hoje estavam 11 graus negativos em Ottawa –, a mortalidade diária (média móvel de sete dias) por covid-19 é de 142, ou seja, equivalente a cerca de 37. Segundo a Statistics Canada – a agência oficial de estatísticas deste país –, a média de óbitos diários no período 2016-2020, foi de 834 no mês de Fevereiro. Ou seja, a covid-19 estará agora a representar 4,4% de todas as mortes.

    Apesar destes valores, o Canadá mantém-se como um dos países do Hemisfério Norte com maiores restrições para controlar a pandemia, o que tem causado uma “fadiga pandémica”. De acordo com um estudo do Angus Reid Institute, divulgado no final do mês passado, um em cada três canadianos relatam problemas com a sua saúde mental e 23% confessam que estão deprimidos.

    Hoje mesmo este instituto de estudos sociológicos revelou também, no contexto do Freedom Convoy, que 37% dos canadianos acham que o Governo não concede espaço para compromissos políticos, sendo esta proporção ainda mais alta no núcleo mais conservador do país, em Alberta, Saskatchewan e Manitoba. E menos da metade (42%) diz que o Canadá tem um “bom sistema de governo”.

  • Mais pediatras exigem suspensão da vacinação em crianças e investigação a mortes súbitas

    Mais pediatras exigem suspensão da vacinação em crianças e investigação a mortes súbitas

    O abaixo-assinado de profissionais de saúde que pediu, na semana passada, a suspensão da vacinação contra a covid-19 em crianças saudáveis conta agora com 91 assinaturas, entre as quais 31 pediatras. Ordem dos Médicos dirigida por um urologista, e que assume ser apenas representada pelo seu bastonário, continua a apoiar a decisão da Direcção-Geral da Saúde. Os signatários também exigem que seja feita “investigação das mortes súbitas e síncopes em adultos jovens, adolescentes e crianças ocorridas em Portugal depois de iniciadas as campanhas de vacinação nestes grupos etários.”


    O abaixo-assinado de profissionais de saúde a apelar à suspensão imediata do programa de vacinação de crianças – que este fim-de-semana vai ser reactivado – foi engrossado esta sexta-feira com várias dezenas de médicos e outros profissionais de saúde, incluindo psicólogos.

    Neste momento, o documento conta já com 91 signatários, entre os quais se destacam Jorge Amil (presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos), catedrático Jorge Torgal (um dos maiores especialistas de Saúde Pública do país e antigo presidente do Infarmed de 2010 a 2012), os pediatras Francisco Abecassis e Cristina Camilo (presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos Pediátricos) e o cardiologista Jacinto Gonçalves (vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia). De entre estes, 31 são médicos pediatras.

    five children smiling while doing peace hand sign

    O bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, em declarações à revista Sábado em 28 de Janeiro passado, já criticou esta posição dos seus colegas – que agora incluem 31 pediatras –, esclarecendo ser ele, e a sua posição, a representar esta associação profissional de direito público. Recorde-se que Miguel Guimarães, detentor da cédula profissional nº 31852, está registado nas especialidades de Urologia e Gestão de Serviços de Saúde.

    Na reforçada posição dos signatários do abaixo-assinado – que ocorre dias após a divulgação oficial de que a morte de uma criança de seis anos no Hospital de Santa Maria não terá sido provocada pela vacina contra a covid-19, embora a verdadeira causa não tenha sido revelada , salienta-se ainda mais que a vacinação é desnecessária, sendo mesmo imprudente administrá-la em crianças saudáveis.

    boy in black t-shirt hugging girl in red and white polka dot dress

    Com efeito, de acordo com os signatários, “as crianças e jovens saudáveis infetados pelo vírus SARS-CoV-2 são assintomáticos ou cursam com doença ligeira e só muito raramente desenvolvem doença grave, pelo que não se justifica a sua vacinação em massa para prevenir a doença.”

    Além disso, defendem que “as crianças e jovens vacinados infetam-se e transmitem a variante Ómicron, a mais prevalente no País, pelo que a vacinação disponível não impede a infeção nem a transmissão aos adultos com quem contactam, aliás, maioritariamente vacinados e protegidos de doença grave.

    E alertam ainda que “a vacinação comporta um risco que ainda não é bem conhecido”, uma vez que “podem ocorrer efeitos secundários não negligenciáveis, como miocardites, que vão sendo evidenciados por estudos credíveis”.

    Por outro lado, avisam que, face ao carácter predominantemente assintomático desta infecção nas crianças, a “vacinação pode sobrepor-se a uma infeção recente, com efeitos ainda não avaliados.”

    Por fim, apelam para ser feita “investigação das mortes súbitas e síncopes em adultos jovens, adolescentes e crianças ocorridas em Portugal depois de iniciadas as campanhas de vacinação nestes grupos etários.”

    Esta renovada posição dos signatários alimenta ainda mais a contestação ao polémico parecer do Programa Nacional para as Doenças Cérebro-Cardiovasculares, integrado na Direcção-Geral da Saúde, que procurou reafirmar os propalados benefícios e segurança das vacinas nas crianças dos 5 aos 11 anos.

    O parecer, assinado por Filipe Macedo e Fátima Pinto, continha conclusões incorrectamente citadas de estudos referenciados, incluindo mesmo deturpações da realidade, conforme o PÁGINA UM denunciou.

    group of people wearing white and orange backpacks walking on gray concrete pavement during daytime

    Por exemplo, a afirmação de existir um risco 60 maior de miocardites em crianças com covid-19 do que em crianças com vacina contra a covid-19 não é sequer fundamentada na bibliografia que acompanha o parecer, o que levou mesmo Jorge Amil, presidente do Colégio de Pediatria a tecer fortes críticas. Em declarações ao jornal Nascer do Sol, Jorge Amil falou já de “grosseira falta de rigor” na fundamentação daquele documento da DGS, acrescentando que “não pode valer tudo”, tratando-se de um parecer com esta relevância.

    À HealthNews, este pediatra criticou ainda a forma abusiva como se estão a usar alguns estudos em prol da vacinação. “Há resultados e dados que estão a ser interpretados e extrapolados de forma naturalmente excessiva e desproporcionada. Isto é muito preocupante. Estão a usar-se dados como ‘provas definitivas’ para provar um ponto de vista que já se tinha assumido previamente.”

    E realçou ainda que os signatários do abaixo-assinado que pedem a suspensão do programa vacinal para crianças não negam “o valor das vacinas” contra a covid-19, mas consideram que são necessários “dados robustos para nos garantir que essa iniciativa, que traz benefício às crianças, é segura e que as protege.”

  • Justin Trudeau diaboliza manifestantes para os enfraquecer

    Justin Trudeau diaboliza manifestantes para os enfraquecer

    O primeiro-ministro canadiano não tem poupado palavras para enfraquecer a imagem dos protestantes, acusando-os de racismo, antissemitismo e até transfobia. Mas os protestos não cedem à luta de palavras, e não se restringem a camionistas, nem apenas ao bloqueio na capital. Num fim-de-semana que se prevê gélido no Canadá, o cenário político está a aquecer. Para já, no Quebec caiu o anunciado imposto adicional de saúde para os não-vacinados.


    Ao quinto dia de protestos em Ottawa, sob um frio glaciar – com as previsões meteorológicas a apontarem para os 20 graus negativos no final desta semana –, o Freedom Convoy ameaça transformar-se mais do que numa mera arrelia ou dor de cabeça para as autoridades canadianas.

    Os bloqueios não se circunscrevem à capital do Canadá, e consolidam-se em outras regiões. Na província de Alberta, uma das principais auto-estradas de acesso aos Estados Unidos continua bloqueada, e em Cagliary anuncia-se um congestionamento de camiões similar ao da capital. Segundo a BBC, a fila de camiões na província de Alberta prolonga-se por vários quilómetros, na pequena vila de Coutts, bloqueando uma das principais portas de entrada para os Estados Unidos.

    Os organizadores do denominado Comboio da Liberdade, embora garantindo uma postura pacifista, prometeram já não dar tréguas ao Governo canadiano, ameaçando com um “pesadelo logístico”.

    Contudo, esforçam-se também, cada vez mais, em dar uma imagem contrária àquela que as autoridades canadianas se esforçam por transmitir à opinião pública.

    Por agora, mais do que nas estradas, o “combate” tem-se intensificado nas palavras, com palco central na comunicação social, incluindo redes sociais.

    Em declarações à imprensa antes de se refugiar em parte incerta, o primeiro-ministro Justin Trudeau chegou até a acusar os protestantes de “roubarem comida de sem-abrigos”, além de outros actos desrespeitoso e ilegais, declarando também que “não há lugar no nosso país para ameaças, violência e ódio”.

    Anteontem, Trudeau aumentou o tom crítico, congratulando-se no Facebook e Twitter pela condenação unânime no Parlamento do “antissemitismo, islamofobia, racismo anti-negro, homofobia e transfobia que têm sido mostrados em Ottawa nos últimos dias”, lançando um apelo: “Juntos, vamos continuar a trabalhar para tornar o Canadá mais inclusivo”.

    Em resposta, os organizadores do Freedom Convoy têm multiplicado os vídeos de convívio multiétnico – o Canadá é um dos países mundiais mais inclusivos do Mundo –, bem como participantes limpando grafittis e mesmo a estátua de corredor Terry Fox, que no fim-de -semana passado fora ornada com um chapéu, cachecol e uma placa de protesto, causando críticas por desrespeito aos heróis nacionais.

    Além disso, o cunho patriota dos manifestantes tem sido muito explorado e é um dos principais trunfos: as bandeiras canadianas são abundantes em todos os camiões e em outros veículos, e nas reportagens da imprensa local cada vez mais se mostra evidente que os protestos não se circunscrevem a camionistas. Em declarações à Fox News, um dos participantes no bloqueio disse que os manifestantes, neste protesto, são “todos irmãos , e estamos aqui por uma causa, que é lutar pelas liberdades dos canadianos e pelo Canadá”.

    Apesar da forte cobertura noticiosa nunca ter fotografado ou gravado em imagem qualquer acto violento, as autoridades policiais apontam alegadas ilegalidades e equacionam tomar medidas mais repressivas.

    A polícia de Ottawa terá já detido três pessoas, mas teme-se que a situação possa complicar-se no próximo fim-de-semana. “Pode não haver uma solução de policiamento” para resolver o impasse, declarou à BBC Peter Sloly, chefe da polícia da capital canadiana.

    Por seu turno, o primeiro-ministro da província de Alberta, Jason Kenney, assegurou que o bloqueio viola a Lei de Segurança no Trânsito, e que os protestos são um “inconveniente significativo para os motoristas que estão dentro da legalidade”. Kenney tem, contudo, apelado para os governos do Canadá e dos Estados Unidos desistam da obrigação de aplicar uma quarentena aos camionistas não-vacinados, esperando que “os protestos cessem imediatamente”.

    Sem prejuízo das tentativas do Governo canadiano em diabolizar o Freedom Convoy, os protestos já deram frutos para o lado daqueles que contestam medidas discriminatórias. O primeiro-ministro da província do Quebec, François Legault, recuou já no prometido imposto adicional de saúde aos não-vacinados.

    Depois de ter proposto a medida no mês passado, Legault disse esta terça-feira que entendia agora que tal medida “dividiria os quebequenses, e neste momento precisamos de construir pontes”.

    Noutra linha, as pressões sobre o GoFundMe – a plataforma de crowdfunding que, aliás, o PÁGINA UM também utiliza – levaram esta empresa a suspender novamente, pelo menos de forma temporária, a angariação de fundos do Freedom Convoy, após esta ter ultrapassado os 10 milhões de dólares canadianos (cerca de 7 milhões de euros). O GoFundMe diz que a campanha está ser “analisada para assegurar que se encontra de acordo com os termos de serviço e as leis e regulamentos aplicáveis”.

    Caso o GoFundMe considere, também por pressão do Governo canadiano, que a campanha promove e incentiva acções ilegais, pode suspender a transferência dos fundos para os organizadores do protesto. Se tal suceder, os montantes arrecadados retornam aos doadores, e o GoFundMe perde a sua comissão de cerca de 10%.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • Governo Trudeau vê “insulto à memória e à verdade” em manifestação pacífica que já angariou 10 milhões de dólares

    Governo Trudeau vê “insulto à memória e à verdade” em manifestação pacífica que já angariou 10 milhões de dólares

    Enquanto nas ruas de Ottawa, os protestos pacíficos contra as restrições para não-vacinados se mantêm, nos bastidores os políticos canadianos acusam os manifestantes de um sem número de tropelias para evitar uma maior adesão popular ao movimento. George Russ, um escritor canadiano, fala já em manipulação política da realidade e de uma “orgia irracional da histeria” em torno do Freedom Convoy.


    O primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, insistiu esta segunda-feira que os manifestantes do Comboio da Liberdade (Freedom Convoy), que ocupam desde sábado o centro de Ottawa, erguem “bandeiras racistas”, numa clara tentativa de incutir a ideia de os protestos na capital terem motivações políticas ou violentas.

    O Freedom Convoy, dinamizado por camionistas que atravessaram o Canadá de costa a costa, assentou arrais desde sábado em plena capital, em protesto contra as medidas consideradas demasiado restritivas de gestão da pandemia. E tem vindo a granjear cada vez maiores apoios público, entre os quais o fundador da Tesla, Elon Musk.

    Por outro lado, a campanha de angariação de fundos no GoFundMe – com o objectivo de pagar custos de combustíveis, alimentação e dormidas – tem superado as expectativas, e deverá atingir esta noite a meta dos 10 milhões de dólares canadianos (cerca de 7 milhões de euros). Em comunicado, esta plataforma de crowdfundig revelou que esta é, por agora, a segunda campanha mais lucrativa no Canadá.

    Apesar das acusações de Trudeau para estereotipar os manifestantes, certo é que dois dos principais dinamizadores do movimento, e que dão a cara pela campanha no GoFundMe, até pertencem a minorias: Benjamim Dichter é judeu e Tamara Lich pertence à etnia métis, um dos três grupos nativos canadianos, conforme destaca o National Post.

    O incómodo político tem vindo, aliás, a aumentar. O premier (primeiro-ministro) do governo da província de Ontário, Doug Ford, já exigiu, segundo o canal CTV News, que os manifestantes abandonem as ruas e deixem “o povo de Ottawa viver as suas vidas”.

    Imagem do mural de uma das páginas do Facebook a favor do protesto contra Justin Trudeau.

    Com o receio dos protestos se eternizarem, ainda mais com o sucesso dos apoios já arrecadados, as autoridades têm tentado, por todas as vias, incutir a ideia de os manifestantes estarem a desrespeitar até a memória do povo canadiano. Os incidentes considerados mais graves, porém, são manchas de urina na neve que cobre o Memorial Nacional de Guerra, a dança de uma mulher no túmulo do Soldado Desconhecido e bandeiras colocada na estátua do atleta Terry Fox, um activista da luta contra o cancro, falecido em 1981, e considerado um herói nacional. Trudeau aproveitou estes pequenos casos para argumentar que se cometeu “um insulto à memória e à verdade”, citado pela BBC.

    O escritor canadiano George Russ veio já clamar dos exageros na descrição dos acontecimentos feita pelos políticos, defendendo estar-se perante uma “orgia irracional da histeria”. E exemplifica com o episódio da estátua de Terry Fox. “Ouvindo os políticos e especialistas, poderia pensar-se que ele foi pintado com tinta vermelha, teve seus membros cortados e foi arrancado do seu pedestal, um destino que muitos outros monumentos canadianos encontraram recentemente”, escreveu Russ.

    E acrescenta depois que, na verdade, “uma bandeira canadiana foi enrolada no pescoço da estátua, um chapéu foi colocado na sua cabeça e uma placa que dizia ‘Mandato de Liberdade’ foi colocada entre as suas mãos. A exibição era de mau gosto, mas temporária e inofensiva. A maior consequência da ‘desfiguração’ da estátua de Terry Fox foi uma onda de doações para a Fundação Terry Fox, o que é indiscutivelmente uma coisa boa.”

    Estátua de Terry Foz “paramentada” pelos manifestantes e que chocou o primeiro-ministro Trudeau. Foto: Adrian Wyld.

    O primeiro-ministro canadiano, que está fora de Ottawa, continua a recusar reunir com os manifestantes, e garante não ceder “a quem participa em vandalismo”, criticando também a iconografia usada nos protestos.

    “A liberdade de expressão, reunião e associação são pedras angulares da democracia, mas o simbolismo nazista, imagens racistas e profanação de memoriais de guerra não são”, disse Trudeau, citado pela BBC, em alusão às imagens dos participantes nos protestos que consideram que a actual política de discriminação dos não-vacinados recorda os primórdios da implantação do nazismo.

    Saliente-se que as pessoas geralmente críticas da estratégia em redor da pandemia, ou que não aceitam a vacinação, têm sido repetidamente apelidadas de “negacionistas”, um termo associado geralmente a quem, nega o Holocausto. O Canadá tem, neste momento, 80% da população vacinada, mas é um dos países com maiores restrições contra os não-vacinados.

    Em declarações ao National Post, os organizadores consideraram “hilariante” a ideia de que apoiariam o racismo e renegam eventuais actos de pessoas que se possam ter “colado ao movimento”. Por outro lado, a comunicação social canadiana, com constante cobertura dos protestos, tem destacado sempre o caráter pacíficos dos manifestantes. E a polícia de Ottawa já esclareceu não se ter registado “motins, nem feridos ou mortos”.

    Ontem, numa reportagem do jornalista Rupa Subramanya, do jornal National Post, salientava que “os manifestantes incluíam canadianos, jovens e velhos, de todas as convicções políticas”. E destacava-se ainda que, “embora o objetivo declarado do comboio seja de oposição aos mandatos federais de vacinação e outras restrições, dois dos líderes e alguns dos manifestantes estão vacinados”, embora defendam que a vacinação deveria ser uma escolha individual.

    Este repórter, que aliás deu voz a várias pessoas não relacionadas com os camionistas para justificarem as suas participações nos protestos, sublinhou que, entre os manifestantes, se veêm “indo-canadianos, canadianos com raízes árabes, canadianos de origem chinesa, canadianos negros, e quase todos os outros canadianos étnicos que vivem sob o sol”.

    Texto editado por Pedro Almeida Vieira

  • Cerco de camiões aquece com apoio popular de 9 milhões de dólares

    Cerco de camiões aquece com apoio popular de 9 milhões de dólares

    Numa luta com potência e muito metal, manifestantes contra as restrições da gestão da pandemia pelo Governo do Canadá pressionam Justin Trudeau a deixar cair a quarentena obrigatória de camionistas transfronteiriços. O protesto pacífico já aparenta, porém, agregar apoiantes de outras vertentes, tanto assim que já houve donativos para esta causa superiores a nove milhões de dólares canadianos, ou seja, 6,4 milões de euros.


    O denominado “Comboio da Liberdade” (Freedom Convoy) que iniciou este fim-de-semana um imprevisível cerco físico e político a Ottawa, capital do Canadá – em contestação da política transfronteiriça de gestão da pandemia – tem estado a alcançar uma adesão popular inesperada e avultada.

    Esta madrugada, as verbas recolhidas para apoio dos manifestantes, através da plataforma de crowdfunding GoFundMe, ultrapassaram já os nove milhões de dólares canadianos, ou seja, quase 6,4 milhões de euros. Este valor é quase o dobro daquele que tinha sido angariado até ao dia 25.

    Após um breve período de diferimento da administração da plataforma GoFundMe – para garantir a correcta aplicação dos fundos para pagamento dos combustíveis, alimentação e eventualmente dormidas dos camionistas –, já foi libertado o primeiro milhão de dólares canadianos. Até às 7:30 horas desta manhã realizaram-se mais de 112 mil donativos, totalizando 9.077.990 dólares canadianos. Duas dezenas de doações individuais atingiram 10.000 ou mais dólares.

    A coluna de camionistas – em número que tem sido alvo de controvérsia – iniciou a travessia pelo Canadá a partir da costa oeste, no dia 23, em direcção à capital, na costa leste. O objectivo é pressionar o governo federal do liberal Justin Trudeau – que abandonou entretanto a cidade para evitar os protestantes – para abandonar a obrigatoriedade de os camionistas transfronteiriços não-vacinados tenham de cumprir sempre uma insustentável quarentena.

    Actualmente, o Canadá tem 79% da sua população vacinada contra a covid-19 e os Estados Unidos 64%. No primeiro país, a mortalidade atribuída a esta doença ronda agora, em pleno Inverno (com temperaturas que, esta noite, chegaram aos 17 graus negativos), os 161 óbitos por dia (média móvel), equivalente a 42 óbitos em Portugal. No caso dos Estados Unidos, a mortalidade ronda os 2.175 óbitos (média móvel), equivalente a 66 óbitos em Portugal.

    Apesar de os protestos serem dinamizados por camionistas, os apoios populares têm sido crescentes, e mesmo o dono da Tesla, Elon Musk – nascido na África do Sul, mas também canadiano de nacionalidade, por via materna – já deu o seu apoio explícito. Ainda ontem, através do Twitter, publicou uma foto irónica sobre o Freedom Convoy.

    Apesar das autoridades canadianas terem já acusado os manifestantes de diversas acções ilegais e de distúrbio, a manifestação dos camionistas ameaça, sim, transformar-se numa contestação generalizada às políticas de gestão da pandemia. Antes de sair da capital, Trudeau garantiu estar-se perante “uma pequena minoria”, muitos dos quais “expressam opiniões inaceitáveis”, acusando-os de não quererem que se continue “a garantir nossas liberdades, nossos direitos, nossos valores como país”.

    Porém, os organizadores da angariação de fundos – entre os quais Tamara Lich, uma dirigente do Maverick Party, um partido separatista de direita, mas que oficialmente não está ligado ao evento – têm apelado ao pacifismo das iniciativas, defendendo que as medidas estão a destruir emprego e a vida de muitas famílias, e que as medidas restritivas têm de terminar.

    “Não podemos atingir nossos objetivos se houver ameaças ou atos de violência. Este movimento é um protesto pacífico e não toleramos nenhum ato de violência”, salientam na página do GoFundMe, alertando que “a difusão da Internet e a comunicação global instantânea dão mais poder às palavras e ideias do que qualquer arma física, tornando-se uma ferramenta poderosa que pode ser usada contra a tirania e o autoritarismo”. E concluem ainda: “por isso que eles nos censuram; e por isso, devemos permanecer pacíficos, não importa o custo.”

    Certo é que, ao fim de dois dias de ocupação, o Comboio da Liberdade “sitiou” o centro de Ottawa, transformando-se num melting pot de frustração e raiva já contra todas as medidas rigorosas de gestão da pandemia.

    A CTV News, um canal televisivo canadiano, refere que têm sido escassos os incidentes, sempre sem violência. O município da capital tem sistematicamente indicado os encerramentos de vias rodoviárias no centro da cidade, sobretudo em redor de Parliament Hill, e sempre com um aviso sobre a duração: unknown (desconhecida). Nesta segunda-feira, além de escolas, bibliotecas e outros serviços públicos, a própria sede do município estará encerrada.

    Nos próximos dias, não será ainda previsível conhecer um vencedor nesta luta de paciência e política. Será longa, por certo, até porque dinheiro já não falta aos manifestantes.