Categoria: Exame

  • Mosquito em frasco de vacina e correspondência da Agência Europeia dos Medicamentos são “segredo comercial”. Conheça a “tese” do juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa

    Mosquito em frasco de vacina e correspondência da Agência Europeia dos Medicamentos são “segredo comercial”. Conheça a “tese” do juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa

    O caso sobe agora para o Tribunal Central Administrativo Sul. Terminou a primeira fase do processo de intimação contra o Infarmed para obrigar o regulador a fornecer informações detalhadas sobre as causas para a recolha de um lote de 765 mil frascos de vacinas da Moderna contra a covid-19 e a correspondência com a Agência Europeia dos Medicamentos desde 2020. A “tese” do juiz do Tribunal Administrativo de Lisboa que julgou o caso é muito sui generis. Conheça-a e saiba que o PÁGINA UM não desiste de lutar a favor da transparência e da defesa dos interesses dos cidadãos à informação, através do seu FUNDO JURÍDICO.


    Em sentença conhecida ontem, o juiz João Cristóvão, do Tribunal Administrativo de Lisboa, considera que, apesar dos direitos consagrados na Constituição da República e da Lei da Imprensa, o “pedido de informação apresentado” pelo PÁGINA UM ao Infarmed para aceder aos documentos relacionados com a recolha de um lote de vacinas da Moderna contra a covid-19 “foi configurado de tal forma ampla que o torna susceptível de aceder a um universo quantitativo e qualitativo de documentos impossível de prever, mas sobre os quais impende uma presunção legal de confidencialidade.”

    Nesta medida, este juiz concede direitos de confidencialidade a documentos que protegem as farmacêuticas, e desobrigam o Infarmed como regulador a revelar dados potencialmente comprometedores, impedindo assim os consumidores de aceder a informação relevante para a sua saúde.

    De igual forma, o juiz considerou que o Infarmed não tem de revelar as comunicações desde 2020 provenientes da Agência Europeia dos Medicamentos (EMA), conforme foi solicitado pelo PÁGINA UM, por estar, presumidamente, em causa “segredo comercial, industrial ou profissional ou um segredo relativo a um direito de propriedade literária, artística ou científica”.

    Esta decisão do Tribunal Administrativo de Lisboa – ainda passível de recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul, que será apresentado pelo PÁGINA UM através do FUNDO JURÍDICO com o apoio dos seus leitores – decorre de um pedido recusado em Abril pelo Infarmed, presidido actualmente por Rui Santos Ivo, que já esteve ligado ao Ministério da Saúde e foi ainda director executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (APIFARMA) entre 2008 e 2011.

    Apesar da comunicação social no estrangeiro ter revelado que a recolha de 765 mil frascos de um lote de vacinas da Moderna tenha sido devido à detecção de vestígios de mosquito, o Infarmed recusou-se a confirmar essa informação, tendo apenas publicado no seu site que tinha sido encontrado “um corpo estranho“.

    O Infarmed alega que o regime jurídico dos medicamentos de uso humano (Decreto-Lei n.º 176/2006) “prevê um dever de confidencialidade que se traduz num regime especial em matéria de acesso a documentos administrativos”, incluindo dados “transmitidos pela Agência [EMA] ou pela autoridade competente de outro Estado Membro.”

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    O regulador português aponta sobretudo para o disposto no n.º 2 do artigo 188º desse regime que diz serem “confidenciais os elementos apresentados ao Infarmed ou a estes transmitidos pela Agência [EMA] ou pela autoridade competente de outro Estado membro, sem prejuízo do disposto no presente decreto-lei.”

    Ora, entre aquilo que está no “disposto” neste diploma legal está um aspecto essencial, ignorado tanto pelo Infarmed como sobretudo pelo juiz João Cristóvão: a protecção da saúde pública. Na verdade, o diploma – conhecido por Regime Jurídico dos Medicamentos de Uso Humano – destina-se, em primeira análise, e presume-se, a defender os consumidores e não necessariamente as farmacêuticas.

    Com efeito, no artigo 4º desse diploma salienta-se que “as disposições do presente decreto-lei [e, nessa medida, a questão da confidencialidade] devem ser interpretadas e aplicadas de acordo com o princípio do primado da protecção da saúde pública.”

    Esse mesmo primado leva à necessidade do Infarmed publicitar as informações “na página electrónica”, conforme previsto no artigo 198º, casos como os de detecção de anomalias em medicamentos, mas não lhe deveria conceder o direito de sonegar elementos relevantes como seja a identificação do “corpo estranho” apenas com o objectivo de proteger uma farmacêutica.

    Na verdade, no limite, o Infarmed pode esconder, se vingar a tese estranhamente defendida pelo juiz João Cristóvão, qualquer escândalo com medicamentos, não libertando documentos, alegando que, por absurdo, está em causa um “segredo comercial” ou então “um direito de propriedade literária, artística ou científica”.

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    O juiz também defende que o estatuto de jornalista e a sua função primordial de informar e aceder à informação, mesmo se investido de direitos consagrados na Constituição e no Estatuto do Jornalista, não é suficiente para se “demonstrar fundamentadamente ser titular de um interesse directo, pessoal, legítimo e constitucionalmente protegido suficientemente relevante após ponderação, no quadro do princípio da proporcionalidade, de todos os direitos fundamentais em presença e do princípio da administração aberta, que justifique o acesso à informação.”

    Em suma, se a tese deste juiz de primeira instância “vingar” no Tribunal Central Administrativo do Sul , significa que o papel de intervenção da imprensa fica profundamente limitado, algo pouco consentâneo num país que se apresta para comemorar os seus 50 anos em democracia.


    Os custos e taxas dos processos desencadeados pelo PÁGINA UM são exclusivamente suportados pelo FUNDO JURÍDICO financiado pelos seus leitores.

  • Cascais gasta mais de um milhão de euros no apoio a refugiados ucranianos, mas sempre por ajuste directo e em contratos nebulosos

    Cascais gasta mais de um milhão de euros no apoio a refugiados ucranianos, mas sempre por ajuste directo e em contratos nebulosos

    Não houve político que não tivesse querido ficar bem na fotografia da solidariedade internacional com o povo ucraniano. Mas no município de Cascais, a edilidade afanou-se e não tem deixado “secar a caneta”, despachando contratos atrás de contratos, tudo por ajuste directo, em prol dos refugiados. Mais de um milhão de euros já foram gastos, mas grande parte em contratos pouco claros, que a autarquia liderada por Carlos Carreiras não está muito disposta a divulgar na sua plenitude. Para a Câmara de Cascais parece que basta dizer que o dinheiro público serve “uma boa causa” para se colocar uma pedra sobre o assunto .


    Desde a invasão da Ucrânia pela Rússia, nenhum outro município se equipara ao de Cascais, que tem gasto sem parança para alegadamente apoiar os refugiados daquele país de Leste. Numa consulta detalhada ao Portal Base sobre contratos públicos relacionados com a Ucrânia, confirma-se que a autarquia liderada pelo social-democrata Carlos Carreiras já investiu, sempre em contratos por ajuste directo, e na esmagadora maioria dos casos sem se conhecerem grandes detalhes, quase 930 mil euros, excluindo IVA. Incluindo este imposto – variável em função do contrato – já se ultrapassou um milhão de euros.

    Este montante representa cerca de 85% do total dos gastos em contratação pública pelos municípios portugueses no apoio à Ucrânia – ou seja, para prestações de serviços externos com vista a suprir necessidades sem resposta imediata pelos serviços da Administração Pública.

    Cascais destaca-se dos municípios portugueses no apoio aos refugiados ucranianos, mas na hora de analisar as contas há contratos pouco claros.

    À cabeça dos gastos do município de Cascais surgem duas empreitadas extraordinárias para a execução de obras de alojamento – algo que mais nenhuma outra autarquia portuguesa que acolheu ucranianos fez.

    O primeiro contrato foi celebrado em 11 de Abril passado com a Ediperfil, para adaptação da antiga creche de São José, entretanto alocada à Santa Casa da Misericórdia de Cascais, tendo um valor de 157.274,84 euros (IVA incluído).

    Uma dezena de dias mais tarde foi assinado outro contrato, desta vez, com a empresa Valente & Carreira para remodelação urgente de habitações num antigo bairro operário perto da creche, na Avenida de Sintra. O custo deste contrato: 321.052,80 euros, com o fito de criar 40 quartos, segundo informações do gabinete de imprensa da autarquia.

    Porém, informações detalhadas sobre as obras destes dois contratos são escassas. O PÁGINA UM procurou, desde 6 de Maio, obter junto da autarquia cascalense os dois cadernos de encargos relativos a estas empreitadas, que deveriam constar do Portal Base. No entanto, a autarquia nunca os disponibilizou, optando apenas por elencar referências meramente descritivas das obras realizadas sem qualquer custo associado. Uma situação que se repetiu em relação a similares pedidos de outros contratos.

    Sobre o facto de ambas as empresas terem sido contratadas por ajuste directo e também ambas serem do concelho da Batalha, o gabinete de imprensa de Carlos Carreiras foi lacónico; “Não havendo motivo, não há nada a acrescentar”.

    Fachada da antiga creche de São José, na Avenida de Sintra, em Cascais, entretanto reabilitada para receber refugiados ucranianos. Foto: Google Street.

    Certo é que as duas empresas da Batalha têm estado particularmente activas nos últimos anos no concelho de Cascais, somando contratos atrás de contratos. Desde 2018, a Ediperfil conta cinco, no valor total de cerca de 800 mil euros. Já a Valente & Carreira acumula quatro contratos desde 2020 e com valores substancialmente superiores: um pouco mais de 4,6 milhões de euros, dos quais se destacam duas empreitadas em edifícios da Cruz Vermelha, no âmbito da pandemia, também por ajuste directo, no valor de quase três milhões de euros.  

    Entretanto, e apesar de todos estes elevadíssimos encargos supostamente para acomodar refugiados ucranianos, a Câmara Municipal de Cascais ter-se-á visto ainda na necessidade de fazer mais dois contratos com uma empresa de alojamento local, a Juicycategory. Custo total, para já: 108.120 euros. Nos contratos com esta empresa – sobre os quais a autarquia nada quis relevar ao PÁGINA UM –, presentes no Portal Base, ignora-se até o objecto em concreto.

    Com efeito, no primeiro contrato, assinado em 11 de Maio e no valor de 36.040 euros, surge referência a “uma proposta apresentada em 29 de março de 2022, que aqui se dá como reproduzida e que fica a fazer parte integrante deste contrato”, mas depois nada é incluído no Portal Base. Apenas se sabe, pela descrição nesta plataforma de suposta transparência relativa à contratação pública, que este contrato tem um prazo de execução de 61 dias.

    Carlos Carreiras é presidente da autarquia de Cascais desde 2011.

    Similar situação ocorre no segundo contrato com a Juicycategory, assinado no dia 17 deste mês e por um prazo de 122 dias. Com um valor de 72.080 euros, o contrato faz também menção à existência de “uma proposta apresentada”, esta em 8 de Junho, mas depois não surge absolutamente nada mais no Portal Base. Não se sabe assim quantos ucranianos estarão a ser alojados no âmbito deste contrato, onde pernoitam, se dormem no chão ou em lençóis de cetim. A primeira vez que o PÁGINA UM questionou a autarquia de Cascais sobre estes contratos foi em 30 de Maio e reiterou o pedido no passado dia 22 de Junho.

    Embora estes sejam os montantes mais elevados dos gastos da autarquia de Cascais no apoio ao povo ucraniano, esta edilidade também se salientou por ter alugado 10 camiões TIR, com um custo de cerca de 50 mil euros, para transportar 223 toneladas de “vestuário, alimentação (incluindo comida e leite para bebé), produtos farmacêuticos, produtos de higiene e alimentação para animais”, de acordo com o gabinete de imprensa de Carlos Carreiras.

    O PÁGINA UM pediu, contudo, as guias de transporte ao município, mas obteve apenas como resposta que “a esmagadora parte dos produtos recolhidos (…) foram doados por cascalenses e empresas sedeadas em Cascais e noutros pontos do país”. O gabinete de imprensa do município preferiu destacar que o movimento inusitado de solidariedade se deveu ao facto de este município possuir “um grande centro de recolha que é uma referência para vários pontos do país e que possibilita o armazenamento de várias toneladas em simultâneo, para além de uma equipa muito competente no envio de ajuda humanitária à Ucrânia.”

    A edilidade de Cascais acrescentou ainda, a este respeito, que “quatro TIR destinaram-se especificamente a Bucha [onde alegadamente terão sido cometidos crimes de guerra pelas tropas russas], cujo presidente da Câmara pediu ajuda directamente ao presidente da Câmara de Cascais em vídeo conferência no dia 25 de Abril.”

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    Além destas despesas, a autarquia de Cascais também pagou cerca de 28 mil euros para fretar um voo da TAP que transportou 226 ucranianos para Portugal. Este contrato não consta no Portal Base.

    Saliente-se que, também no transporte de mercadorias e refugiados, a autarquia de Cascais se destacou dos demais municípios. De acordo com o Portal Base, apenas os municípios de Portimão (5.800 euros), de Gouveia (5.919 euros), de Gondomar (29.250 euro) e de Olhão (20.283 euros), para além da Comunidade Intermunicipal do Médio Tejo (29.425 euros), registaram gastos no transporte de mantimentos e/ ou de refugiados ucranianos.

    Por fim, nos contratos assinados pela autarquia de Cascais ainda se incluem fornecimentos de alimentação para os refugiados, incluindo um de 250 mil euros com a empresa ICA – Indústria e Comércio Alimentar, mas a autarquia diz que aquele montante constitui o valor máximo. Até 30 de Maio, segundo o gabinete de Carlos Carreiras, tinham sido gastos 37 mil euros.

    Num outro contrato, com a Panisol, destinado ao fornecimento diário de pão aos refugiados, foi assinado um contrato de até 10 mil euros. Contudo, a autarquia diz que, até ao final de Maio, tinham sido gastos apenas 350 euros, o que significa menos de 2.500 carcaças, se for essa a referência, indicando assim que a procura alimentar por parte dos refugiados tem ficado muito aquém das expectativas iniciais.

    De acordo com a autarquia de Cascais, pelos centros de acolhimento daquele município tinham passado, até finais de Maio, 1.714 ucranianos, integrando 658 famílias, na sua maioria mulheres e crianças. Nessa altura estariam então a ser apoiadas, segundos os números da autarquia, 253 famílias e a taxa de ocupação média das unidades de alojamento situava-se nos 75%. O PÁGINA UM não obteve resposta na passada semana para uma actualização destes números.

  • Pandemia foi período perigoso para as crianças? Não; pelo contrário: houve menos 51 mil hospitalizações e menos 233 mortes

    Pandemia foi período perigoso para as crianças? Não; pelo contrário: houve menos 51 mil hospitalizações e menos 233 mortes

    A base de dados da Morbilidade da Mortalidade Hospitalar foi “apagada” do Portal da Transparência, mas o ficheiro descarregado pelo PÁGINA UM antes deste acto anti-democrático permite revelar mais episódios sobre a real dimensão da pandemia até Janeiro deste ano. Hoje, demonstramos que o pânico lançado em redor da saúde dos mais novos não correspondia à realidade: globalmente, as crianças com menos de 15 anos necessitaram de menos internamentos e os desfechos trágicos em meio hospitalar foram largamente inferiores. Nos tempos em que só havia gripes e pneumonias, as crianças estavam sujeitas a muitos e maiores perigos, mesmo até baixos. E não havia quem se “alimentasse” do pânico à custa do crescimento saudável das crianças.


    Avós, pais e filhos andaram em pânico por causa do SARS-CoV-2, encheram-se as crianças de máscaras e muitas famílias correram a vacinar os mais novos. Contudo, na verdade, a época da pandemia da covid-19 foi, paradoxalmente, um período muito benigno para as crianças com menos de 15 anos.

    De acordo com a análise do PÁGINA UM à base de dados da morbilidade e mortalidade hospitalar, a covid-19 foi responsável por 758 internamentos neste grupo etário, com um registo de dois óbitos, mas todos os outros grupos de doenças registaram uma fortíssima redução tanto ao nível das hospitalizações como das mortes.

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    Globalmente, em todas as 62 unidades hospitalares do SNS e por todas as causas contabilizaram-se, entre Março de 2020 e Janeiro de 2022, um total de 181.428 internamentos de crianças, havendo a lamentar 413 óbitos. Porém, no período homólogo imediatamente anterior à pandemia – entre Março de 2018 e Janeiro de 2020 –, tinham sido contabilizados 646 óbitos de crianças até aos 15 anos, resultantes de 232.287 internamentos.

    Recorde-se que a base de dados oficial usada pelo PÁGINA UM foi entretanto “apagada” do Portal da Transparência do Serviço Nacional de Saúde (SNS), pelo que apenas se mostra possível aceder a um ficheiro descarregado em Maio passado, que continha elementos entre Janeiro de 2017 e Janeiro de 2022. Se não tivesse ocorrido o “apagão” já deveriam estar disponibilizados os dados de Fevereiro e eventualmente de Março deste ano.

    A redução global de 22% nas hospitalizações e de 36% no número de mortes observado no período pandémico face ao período pré-pandémico fez-se sentir mais em certos grupos de doenças, sobretudo nas doenças respiratórias e nas doenças infecciosas e parasitárias. Na verdade, se se excluir o grupo de causas de internamento classificado como “factores que influenciam o estado de saúde e o contacto com os serviços de saúde” – o código que classifica sobretudo, mas não apenas, os internamentos para exames sem um diagnóstico prévio –, a descida nas hospitalizações foi de 39%.

    Internamentos e óbitos de menores de 15 anos em unidades do SNS em pré-pandemia (Março de 2018-Janeiro de 2020) e pandemia (Março de 2020-Janeiro de 2022). Fonte: SNS (base de dados “apagada” da morbilidade e mortalidade hospitalar. Cálculos e análise: PÁGINA UM.

    Com efeito, não apenas pela menor agressividade do SARS-CoV-2 nos menores como, em parte, às medidas que afastaram fisicamente as crianças uma das outras, os hospitais portugueses receberam apenas 11.981 crianças com doenças respiratórias entre Março de 2020 e Janeiro de 2022, quando no período homólogo imediatamente anterior à pandemia contabilizaram-se 25.273 internamentos neste grupo etário. Uma queda de 53%, ou seja, menos 13.282 internamentos.

    No caso das doenças infecciosas e parasitárias, a redução relativa nos internamentos ainda foi maior: 62%. Entre Março de 2018 e Janeiro de 2020 – ou seja, antes da pandemia – tinham sido hospitalizadas 6.629 crianças; ao longo dos primeiros 23 meses da pandemia (Março de 2020 a Janeiro de 2022), por este grupo de doenças tinham sido hospitalizadas apenas 2.540.

    Em relação a outras doenças destacam-se as reduções nos internamentos por doenças da pele e do tecido subcutâneo (menos 51%), doenças do ouvido e aparelho mastóide (menos 43%), doenças do aparelho circulatório (menos 40%) e mesmo por cancros (menos 30%).

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    Mesmo se a mortalidade por qualquer doença é, felizmente, bastante baixa nos menores de 15 anos, a base de dados agora “desaparecida” do Portal da Transparência permite concluir que o período da pandemia foi muito menos mortífera para esta faixa etária. Se é certo que se registaram em hospitais duas mortes atribuídas à covid-19 no certificado de óbito – no Algarve em Agosto de 2020 e em Lisboa em Agosto do ano passado –, do ponto de vista da Saúde Pública, e mesmo de receio dos pais, a pandemia foi muito mais “saudável”.

    De facto, confrontando os óbitos declarados nos hospitais, a redução da prevalência da gripe e de outras doenças respiratórias, entre as quais as pneumonias, levaram a uma fortíssima redução da mortalidade. Sem a presença da covid-19, seria expectável que as habituais doenças respiratórias levassem, entre Março de 2020 e Janeiro de 2021, um número de vidas próximo daquele que se observou no período homólogo anterior à pandemia (Março de 2018 a Janeiro de 2020): 646.

    Contudo, o saldo foi assim francamente mais favorável: nos primeiros 23 meses da pandemia morreram 413 menores de 15 anos nos hospitais, menos 233 do que no período homólogo pré-pandemia.

    Base de dados da morbilidade e mortalidade hospitalar foi “apagada” do Portal da Transparência. Ministério da Saúde não explica os motivos.

    O destaque, mais uma vez, vai para as doenças respiratórias: nos 23 primeiros meses de pandemia morreram, por estas causas, 20 crianças com menos de 15 anos, enquanto entre Março de 2018 e Janeiro de 2020 tinham falecido 50. Confrontando os dois períodos, nas doenças infecciosas e parasitárias, os óbitos passaram de 19 para 7, nas neoplasias de 54 para 41, nas doenças do sistema nervoso de 21 para 9 e nas doenças do aparelho circulatório de 22 para 12.

    Até mesmo em problemas relacionados com recém-nascidos, a situação melhorou durante a pandemia. No grupo das “condições originadas no período perinatal”, os óbitos no período pré-pandemia (Março de 2018 a Janeiro de 2020) foram 71, mas durante os 23 primeiros meses da pandemia apenas chegaram aos 39.

  • PÁGINA UM vai ter acesso a processos da IGAS contra Filipe Froes e presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia

    PÁGINA UM vai ter acesso a processos da IGAS contra Filipe Froes e presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia

    São 34 os processos instaurados pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) contra médicos desde 2018, cujas diligências e conclusões se mantêm no “segredo dos deuses”. O PÁGINA UM pediu a consulta e a IGAS não respondeu. A Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos diz que tem de haver permissão. Será este mais um caso a seguir para Tribunal Administrativo?


    A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) vai ter de conceder ao PÁGINA UM o acesso a 34 processos instaurados a médicos desde 2018, que englobam 26 de fiscalização, quatro de esclarecimento e quatro de contraordenação.

    Esta é a decisão da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA), divulgada num parecer de 15 de Junho passado, após uma solicitação do PÁGINA UM para consulta não respondida pelo inspector-geral da IGAS, Carlos Caeiro Carapeto. A CADA determinou ainda que deverá também ser permitido o acesso à ordem emitida para a abertura de um processo de esclarecimento contra o actual presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP), António Morais, depois desta ser concluída. 

    António Morais (ao centro), preside à Sociedade Portuguesa de Pneumologia, e é consultor da DGS e do Infarmed.

    Recorde-se que o processo da IGAS contra o presidente da SPP surgiu no decurso de um artigo de investigação do PÁGINA UM que apontou para as incompatibilidades de António Morais por estar a presidir, desde 2019, a uma sociedade médica que no quinquénio 2017-2021 recebeu do sector farmacêutico mais de 870 mil euros por ano.

    Para António Morais continuar, como está, a ser consultor do Infarmed e da Direcção-Geral da Saúde (DGS), a SPP não poderia receber mais de 50 mil euros por ano. Com o primeiro semestre de 2022 quase concluído, o “mealheiro” da SPP já engordou desde Janeiro com mais 537.128 euros. A título pessoal, o presidente da SPP – que exerce no Hospital de São João e na Trofa Saúde, além de ser também professor na Faculdade de Medicina do Porto – já arrecadou este ano 11.361 euros de diversas farmacêuticas.

    Um dos processos da IGAS que, desta forma, passará a ser do conhecimento público é o do pneumologista Filipe Froes, instaurado em Novembro passado, mas cujas diligências e conclusões nunca foram divulgadas.

    Filipe Froes continua a ser consultor da DGS e membro destacado da equipa que elabora as terapêuticas contra a covid-19, embora mantenha uma promíscua relação com a indústria farmacêutica. Só este ano recebeu já 28.531 euros, integrando o quadro de consultores (advisory board) da Sanofi, AstraZeneca e Gilead. Para esta última empresa, Froes é especificamente consultor para o remdesivir, um antiviral que ele, como consultor da DGS, continua a recomendar como terapêutica, apesar dos efeitos adversos causados e da fraca eficácia.

    Filipe Froes mantém excelentes relações com a imprensa mainstream, o Ministério da Saúde e as farmacêuticas.

    O mediático pneumologista também se destacou, no mês passado, em promover em diversos órgãos de comunicação social a compra de novos antivirais contra a covid-19, entre os quais o Paxlovid, e que viria a culminar numa compra de 21 milhões de euros, conforme divulgou o PÁGINA UM em primeira-mão.

    Com a deliberação da CADA, a IGAS terá de permitir a consulta aos processos num prazo de 10 dias, caso contrário somente o recurso ao Tribunal Administrativo, através de um processo de intimação, poderá obrigar esta entidade pública a ser transparente.

    Se tiver de suceder, a IGAS será a quinta entidade do sector da Saúde a ser colocada no “banco dos réus” pelo PÁGINA UM, sempre por recusa no acesso a documentos públicos, depois do Infarmed, Ordem dos Médicos, Ordem dos Farmacêuticos e Ministério da Saúde, neste caso por a DGS não possuir personalidade jurídica neste tipo de processos.

  • Campanha contra o PÁGINA UM já dá “factura do azar” à CNN Portugal: multa de 16.500 euros e processo de contra-ordenação “milionário”

    Campanha contra o PÁGINA UM já dá “factura do azar” à CNN Portugal: multa de 16.500 euros e processo de contra-ordenação “milionário”

    Dois dias depois da fundação do PÁGINA UM, a CNN Portugal predispôs-se a dar cobertura a uma campanha difamatória. Recusou depois um direito de resposta. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social deliberaria que o franchise português do canal norte-americano teria mesmo de publicar uma réplica do director da PÁGINA UM. Mas a CNN Portugal fez “ouvidos moucos”. A factura saiu-lhe, agora, pesada e indigesta.


    Por “não acatamento” de uma deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), a TVI – Televisão Independente S.A., dona da CNN Portugal, arrisca uma multa de até 250.000 euros. Mas o “pau” já lhe bateu uma vez: terá de pagar, sem mais demora, 16.500 euros a título de sanção pecuniária compulsória.

    Em causa está, de acordo com uma decisão do regulador no passado dia 15 de Junho, o atraso na publicação de um direito de resposta do director do PÁGINA UM como reacção à notícia “difamante” do franchise português do canal norte-americano publicada e emitida em Dezembro de 2021. Através da consulta ao histórico das deliberações da ERC, é a primeira vez que uma multa deste género é aplicada pelo regulador contra um órgão de comunicação social.

    CNN Portugal fez campanha contra o PÁGINA UM, recusou voluntariamente publicar direito de resposta, e não acatou logo uma deliberação da ERC. Já está a pagar.

    Na origem deste diferendo entre o PÁGINA UM e o canal dirigido pelos jornalistas Nuno Santos, Pedro Santos Guerreiro e Frederico Roque de Pinho está uma notícia da CNN Portugal, publicada em 23 de Dezembro do ano passado.

    Assinada pelo então jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino, e intitulada “Covid-19: dados confidenciais de crianças internadas em UCI partilhados em página negacionista“, a notícia acusava o PÁGINA UM, identificando-o indirectamente, de ser “uma página negacionista” e “anti-vacinas”, e que revelara “dados confidenciais de crianças em unidades de cuidados intensivos”.

    Na verdade, o artigo jornalístico de investigação do PÁGINA UM abordava, com rigor, informação retirada de uma base de dados confidencial de internamentos hospitalares, mas anonimizada, ou seja, não continha elementos que pudessem identificar qualquer criança ou médico.

    A CNN Portugal viria a recusar em Janeiro o direito de resposta do director do PÁGINA UM, tendo uma queixa seguido para a ERC, que veio a deliberar pela obrigatoriedade dessa publicação na íntegra, incluindo eventuais “expressões desproporcionadamente desprimorosas ou que envolvam responsabilidade criminal ou civil”.

    No entanto, apesar da deliberação ter sido aprovada em 9 de Março, a ERC demorou mais de duas semanas para notificar formalmente a CNN Portugal, através de carta registada recebida em 31 de Março.

    Em termos concretos, o canal televisivo deveria ter publicado o direito de resposta dentro de um prazo de 24 horas, ou seja, até ao dia 1 de Abril. Mas não o fez. E apenas por insistência do PÁGINA UM, a ERC haveria de pressionar a CNN Portugal para provar a data de publicação, o que somente veio a suceder em 4 de Maio passado.

    “Esquecimento” no acatamento da decisão da ERC por parte dos três directores da CNN Portugal está a sair caro à administração da TVI. 16.500 euros à cabeça; e a factura pode chegar, no futuro, aos 250.000 euros

    No processo entretanto instaurado pela ERC à conduta da CNN Portugal, o operador televisivo justificou não ter publicado antes o direito de resposta por causa de um suposto “lapso operacional que se lamenta”.

    Porém, a ERC mostrou-se indiferente às desculpas do canal, tanto mais que é dirigido por três jornalistas com vasta experiência na liderança de órgãos de comunicação social.

    Por exemplo, Nuno Santos foi já director de informação da RTP e da SIC Notícias. E Pedro Nuno Santos ocupou a direcção do Jornal de Negócios e do Expresso.

    Notícia do PÁGINA UM que revelou dados convenientemente anonimizados das crianças internadas com covid-19

    Assim, a ERC cingiu-se a aplicar uma “sanção pecuniária compulsória” de 500 euros por cada dia de atraso da publicação do direito de resposta do PÁGINA UM (considerando, formalmente, terem sido 33 dias), e a abrir um processo de contra-ordenação por o comportamento da CNN Portugal “consubstanciar uma recusa de acatamento da deliberação da ERC que orden[ou] a transmissão do direito de resposta, no prazo fixado pela decisão”.

    De acordo com os Estatutos da ERC, nestas circunstâncias, a coima mínima é de 50.000 euros e a máxima de 250.000 euros. Todo o produto da multa e da eventual coima é exclusivamente para a ERC.

    A ERC também remeteu para a Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) o processo com vista à abertura de um processo contra o autor da notícia (o jornalista-estagiário Henrique Magalhães Claudino), os directores da CNN Portugal (Nuno Santos, Pedro Santos Guerreiro e Frederico Roque de Pinho) e ainda seis jornalistas que, ao longo do dia 23 de Dezembro, divulgaram repetidamente aquela notícia difamante.

    A CCPJ recusou inicialmente “acolher” essa remessa, tendo sido necessário o director do PÁGINA UM apresentar formalmente uma denúncia, o que foi feito em 30 de Maio passado, aguardando-se as diligências previstas na lei.

  • Este país não é para velhos: uma catástrofe sem precedentes nos mais idosos

    Este país não é para velhos: uma catástrofe sem precedentes nos mais idosos

    Amanhã começa o Verão. E a Primavera despede-se num cenário de autêntico morticínio. Nunca como em 2022 se registaram tantos óbitos nos maiores de 80 anos entre 20 de Março e 19 de Junho. Quais as razões? Ninguém sabe, mas todos desejam especular. E, porém, para saber a verdade bastava o Ministério da Saúde ser transparente e mostrar os dados brutos do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos. Como assim não procede, a morte morre solteira, mas leva milhares de idosos consigo.


    Em 4 de Dezembro do ano passado, em entrevista na SIC ao programa Alta Definição, o então vice-almirante Gouveia e Melo reflectia, não sem alguma demagogia: “Não podemos relativizar a morte dos idosos. Que raio de ética é a nossa se pensarmos assim?”

    Pouco mais de meio ano depois, as palavras do actual chefe de Estado-Maior da Armada fazem cada vez mais sentido, mas sobretudo porque as autoridades de Saúde e o próprio Governo, estes sim, desejam claramente relativizar o morticínio dos mais idosos, não mostrando qualquer interesse em indagar as causas de um aumento inopinado nos óbitos dos maiores de 85 anos, sobretudo na segunda metade da Primavera.

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    Com o Verão a iniciar-se amanhã, já é garantido que a Primavera deste ano será a mais mortífera de sempre para os maiores de 85 anos.

    De acordo com a análise do PÁGINA UM, a partir dos dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO), entre o último 20 de Março e ontem – ou seja, faltando somente contabilizar o dia de hoje –, morreram 14.398 pessoas deste grupo etário, superando largamente 12.948 mortes em toda a Primavera de 2020, que integrou a primeira vaga da pandemia da covid-19 numa população naïve, ou seja, sem imunidade a esta doença.

    No ano passado, faleceram durante a Primavera, 10.758 pessoas – o segundo valor mais baixo do quinquénio (2017-2021), mas muito em virtude da “sangria” do Inverno. Recorde-se que em Janeiro e Fevereiro de 2021 – quando as mortes por covid-19 chegaram a ultrapassar as 300 por dia e uma parte substancial da população, mesmo idosa, não estava vacinada – os óbitos nos maiores de 85 anos totalizaram os 14.805. Este ano foram “apenas” 10.001.

    Mortalidade na Primavera e total acumulado dos maiores de 85 anos até 19 de Junho entre 2017 e 2022. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Aliás, a elevadíssima mortalidade da Primavera deste ano – mais surpreendente porque o último Inverno foi “normal” – terá como consequência que, em breve, a mortalidade por todas as causas dos maiores de 85 anos ultrapasse este ano os valores assombrosos do ano passado. Considerando o período de 1 de Janeiro e 19 de Junho tinham, no ano passado, falecido 27.942 pessoas; este ano já se alcançaram os 27.393 óbitos.

    Caso se mantenha esta aproximação – e tendo em conta que o diferencial médio em Junho está a ser de 51 óbitos entre os dois anos –, dentro de 11 dias será expectável que haja mais mortes acumuladas em 2022 do que em 2021 para os maiores de 85 anos, um cenário inimaginável. Ainda mais porque os dois anos de pandemia teriam supostamente “eliminado” grande parte dos mais vulneráveis de entre os idosos.

    Embora o Ministério da Saúde continue, apesar das insistências do PÁGINA UM, a remeter-se ao silêncio – havendo apenas explicações pouco consentâneas com a realidade por parte da Direcção-Geral da Saúde –, a análise do PÁGINA UM à evolução da mortalidade neste grupo etário evidenciava que os problemas já eram bem patentes desde o início da Primavera.

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    Com efeito, entre 20 de Março e os primeiros 10 dias de Abril de 2022, os números diários de óbitos destacavam-se da generalidade dos anos do quinquénio de 2017-2021, com excepção do ano de 2020, quando a pandemia surgiu.

    Porém, este ano, ao invés do que sempre sucede – incluindo em 2020 –, o avanço da Primavera não trouxe qualquer redução da mortalidade; pelo contrário, acabou por aumentar a partir do início de Maio para níveis próximos dos meses de Inverno.

    Por exemplo, este ano, no mês de Janeiro morreram por dia 167 idosos com mais de 85 anos, enquanto a média em Junho está, por agora, nos 165. Mas desde o passado 14 de Junho, a média móvel de 7 dias está a ultrapassar os 170 óbitos diários, quando em anos anteriores não chega sequer aos 120. Ou seja, actualmente estão a morrer por dia mais de cerca de 60 idosos deste grupo etário do que seria expectável.

    Evolução da mortalidade diária na Primavera de 2017 a 2022 dos maiores de 85 anos (média móvel de 7 dias). Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    As especulações sobre esta matéria podem ser muitas, mas improdutivas, porquanto apenas com uma análise dos dados brutos do SICO – que o Ministério da Saúde recusa fornecer ao PÁGINA UM, estando em curso um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa – se poderá saber quais são as doenças que estão a contribuir para o morticínio da Primavera.

    A possibilidade dessa análise é absoluta e extremamente fácil de ser feita, uma vez que as causas dos óbitos são obtidas no exacto momento em que o médico legisla regista a morte no sistema, condição obrigatória para as cerimónias fúnebres.

    Em todo o caso, a hipótese de efeitos adversos dos sucessivos reforços de vacinação contra a covid-19 deverá ser necessariamente equacionada, numa altura em que já foram vacinadas com a quarta dose cerca de 45% dos maiores de 80 anos.

    Porém, acrescente-se que a quarta dose administrada aos mais idosos, sobretudo em lares, foi iniciada apenas em 16 de Maio, e o incremento da mortalidade – em contra-ciclo com a habitual descida da mortalidade na segunda metade da Primavera – começou mais cedo, e de uma forma mais evidente a partir do início da segunda semana de Maio.

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    Mistérios à parte – que poderiam ser desvendados rapidamente, nem que seja, em derradeira análise, pelo Ministério Público.

    E mais. Se nada se fizer, com todos os indicadores a mostrarem uma forte fragilidade da população mais idosa, o próximo Verão pode reunir terríveis condições para uma “tempestade perfeita”: com grande parte do pessoal médico em férias, se se verificar alguma onda de calor intensa em Julho ou Agosto, o morticínio entre os maiores de 85 anos poderá atingir níveis verdadeiramente pavorosos. Excepto se, entretanto, se descobrir uma vacina contra a incompetência.

  • Gestão da pandemia faz perder 10.000 novas vidas em Portugal

    Gestão da pandemia faz perder 10.000 novas vidas em Portugal

    Não se deve apenas contabilizar as vidas perdidas durante a pandemia, mas também os bebés que não nasceram, e que todos os anos não serão recordadas porque nem sequer tiveram a oportunidade de ser concebidas. O PÁGINA UM fez uma análise aos dados do Instituto Nacional de Estatística e concluiu que o medo e a incerteza deixaram um rasto marcante: em média por dia, entre Dezembro de 2020 e Março deste ano, houve menos 20 nascimentos por dia face à média antes da pandemia. São já 10 mil vidas literalmente perdidas.


    A pandemia provocou, por via da incerteza resultante do alarme social e do receio quanto ao futuro económico, uma redução de 20 nascimentos por dia em Portugal, o que, em termos práticos, significa que nasceram menos cerca de 10 mil crianças entre Dezembro de 2020 e Março de 2022. Esta é a principal conclusão de uma análise do PÁGINA UM à evolução do número de nascimentos registados na base de dados do Instituto Nacional de Estatística.

    Embora a pandemia tenha chegado a Portugal em Março de 2020, o seu impacte indirecto na descida das gravidezes e nos partos – que não se deveu em nada a questões sanitárias – apenas se começou a observar em Dezembro daquele ano, devido ao tempo de gestação.

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    De facto, excluindo os prematuros, somente a partir de Dezembro de 2020 todos os recém-nascidos foram concebidos em plena pandemia, que desde o início ficou marcado pela incerteza quanto ao futuro, o que terá influenciado muitas famílias e mulheres a adiarem a decisão de ter filhos.

    De acordo com os cálculos do PÁGINA UM, a média diária de nascimentos entre Dezembro de 2020 e Março de 2022 – abrangendo os 16 meses com um efectivo impacte, ou influência, da pandemia – situou-se nos 216, variando entre um mínimo de 194, em Janeiro de 2021, e um máximo de 242, em Setembro de 2021.

    Confrontando este período com os cinco períodos homólogos pré-pandemia – a começar no período de Dezembro de 2014 a Março de 2016 e a terminar no período de Dezembro de 2018 e Março de 2020 –, constata-se uma evidente queda: os nascimentos desde 2014 apresentavam valores relativamente estáveis, em redor dos 235 por dia, pese embora as flutuações mensais.

    Número de nascimentos por dia (média) antes e durante a pandemia. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Para ficar demonstrado o efeito da pandemia, saliente-se que a média diária de nascimentos entre Abril e Novembro de 2020 – ou seja, de bebés concebidos antes de Março de 2020 – se manteve em linha com o período pré-pandemia: 236.

    Os primeiros três meses da pandemia – Março, Abril e Maio de 2020 – foram aqueles onde se destaca uma maior retracção nas gravidezes, pois a maior redução nos nascimento ocorreu no período compreendido entre Dezembro daquele ano e Fevereiro de 2021.

    Com efeito, em Dezembro de 2020 registaram-se apenas 204 nascimentos por dia, quando a média desse mês no quinquénio anterior (2015-2019) era de 232. Por sua vez, em Janeiro de 2021 nasceram apenas 194 bebés – o valor mais baixo num mês desde que existem registos em Portugal –, o que contrasta com uma média também de 232 no quinquénio anterior (2016-2020), ainda sem influência da pandemia. Por sua vez, em Fevereiro de 2021, contabilizaram-se 205 nascimentos por dia, quando a média no quinquénio anterior foi de 225.

    Evolução do número de nascimentos (média diária) por mês entre Janeiro de 2011 e Março de 2022. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Ao longo de 2021 houve meses que registaram um maior número de nascimentos por dia, acompanhando o perfil habitual – nascem mais crianças no Verão do que no Inverno, o que significa que as concepções são mais frequentes no Outono –, mas com uma redução face aos período pré-pandemia.

    Por exemplo, os partos em Setembro de 2021 – de crianças concebidas maioritariamente em Dezembro de 2020 – atingiram em média os 242 por dia, mas mesmo assim bastante abaixo do habitual. Nos cinco meses de Setembro anteriores tinham nascido 262 crianças por dia – ou seja, mais 20 em cada 24 horas, ou mais 600 nos 30 dias.

    Embora com um desfasamento de nove meses, mostra-se também evidente os efeitos marcantes das ondas de alarme social que se foram enraizando desde 2020. Por exemplo, as repercussões da maior concentração de mortes atribuídas à covid-19 em Janeiro e Fevereiro de 2021 atingiram os nascimentos em Outubro e Novembro desse ano, que registaram decréscimos de 28 e 23 partos por dia, respectivamente.

    Total de nascimentos por mês entre Janeiro de 2011 e Março de 2022. Fonte: INE.

    Os primeiros três meses de 2022 mostram um ligeiro acréscimo na natalidade face aos meses homólogos de 2021, mas continuam ainda abaixo da média do período pré-pandemia.   

    Ignora-se se a redução dos nascimentos foi acompanhada por um aumento do número de interrupções voluntárias de gravidez, porquanto a Direcção-Geral da Saúde não divulga quaisquer elementos desde 2018.

    Em todo o caso, existem indicadores de que possa ter ocorrido um maior recurso ao aborto a partir de Março de 2020, uma vez que os quatro primeiros meses de 2020 (Janeiro a Abril) até registaram um aumento de partos face à média, sendo que somente a partir de Agosto daquele ano se acentuou a redução nos nascimentos.

  • Até 13 de Junho, em média há 61 dias com menos de 300 óbitos. Este ano, só tivemos um dia

    Até 13 de Junho, em média há 61 dias com menos de 300 óbitos. Este ano, só tivemos um dia

    Por norma, mesmo nos primeiros anos da pandemia, a Primavera seguiu o padrão habitual de menor taxa de mortalidade, mas 2022 está a fugir completamente do padrão. O número de óbitos em Maio e Junho assemelham-se aos de dias de Inverno, e não existe uma explicação para tamanha mortandade, uma vez que na Primavera as doenças fatais do sistema respiratório e circulatório causam menos vítimas. Do que estão a morrer os portugueses, um dos povos mais vacinados do Mundo contra a covid-19?


    Em 2022, o excesso de mortalidade em Portugal é já estrutural, e todos os indicadores mostram que se prolongará. A culpa não é directamente da covid-19, mas aparentam, cada vez mais, ser de factores decorrentes da gestão da pandemia que terá exacerbado outras doenças não relacionadas com a sazonalidade.

    Uma análise estatística do PÁGINA UM aos dados do Sistema de Informação dos Certificado de Óbito (SICO) revela que este ano houve apenas um dia – 2 de Maio – com os óbitos totais abaixo dos 300. Nesse dia faleceram 291 pessoas – uma situação excepcionalmente atípica. Na verdade, noutros anos a excepção é quando, em plena Primavera, há dias com mais de 300 óbitos.

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    Com efeito, se excepcionarmos o ano de 2020 – no auge da primeira vaga da pandemia –, em quase todos os dias de Maio dos anos anteriores a mortalidade esteve abaixo dos 300 óbitos por dia. Aliás, em 2014 todos os dias de Maio registaram mortalidade abaixo daquela fasquia. No ano passado (2021), após um Inverno de morticínio, apenas em quatro dias de Maio se registaram mais de 300 óbitos.

    Em 2020, mesmo tendo em conta as mortes por covid-19 – numa população então completamente naïve (sem contacto anterior com o vírus) –, contabilizaram-se 10 dias de Maio abaixo desse nível de mortalidade total.

    Em Junho, acrescente-se, ainda é mais raro observarem-se mais de 300 óbitos diários. No entanto, neste ano em curso morreram 324 pessoas no dia menos mortífero – aliás, dois dias: 1 e 3 de Junho. O dia mais mortífero foi ontem, 13 de Junho, com o SICO a apontar 385 óbitos, valor que poderá vir a aumentar devido a actualizações que ocorrem com regularidade no prazo de 48 horas.

    A dimensão da catástrofe que se vive agora é incomensurável, e não aparenta ser passageira ou conjuntural. Com efeito, considerando os últimos 10 anos – que englobam 2020 e 2021, já dentro da pandemia –, observa-se uma média de 61 dias com menos de 300 mortes, que resultam da chegada das temperaturas mais amenas e propícias a menores fatalidades por doenças respiratórias e do sistema circulatório.

    Número de dias com mortalidade abaixo (verde) e acima dos 300 óbitos por dia até 13 de Junho entre 2009 e 2022. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Numa perpectiva relativa, e tendo em conta os primeiros 164 dias do ano, seria suposto que, em média, 62,8% (103 em 164) dos dias registassem uma mortalidade total acima dos 300 óbitos. Ora, este ano está em 99,4%.

    Numa altura em que Portugal é um dos países mais vacinados com vacinas contra a covid-19, já inoculou 300 mil idosos com a quarta dose e apresenta a mais alta incidência cumulativa de covid-19 (desde o início da pandemia) no universo dos Estados com mais de 10 milhões de habitantes (48 casos por 100 habitantes), o “perfil” evolutivo da mortalidade total no ano de 2022 não encontra paralelo, mesmo se confrontada com 2020 e 2021.

    Recorde-se que, no primeiro ano da pandemia, a mortalidade total aumentou significativamente sobretudo em Março e Abril, e em alguns dias de Maio, mas mesmo assim em 13 de Junho contabilizavam-se 21 dias com menos de 300 óbitos. Note-se que, para aquele ano, nos 143 dias acima dos 300 óbitos, estão englobados os meses de Janeiro e Fevereiro, antes da chegada da covid-19 ao território português.

    No ano passado, os dias com menos de 300 óbitos atingiram níveis até ligeiramente acima da média (76 dias), mas muito por força da elevadíssima mortalidade em Janeiro e Fevereiro. Saliente-se que nos dois primeiros meses de 2021 morreram, em média, 634 e 457 pessoas, respectivamente, quando no período de 2015-2019 (pré-pandemia) a mortalidade em Janeiro e Fevereiro foi de 405 e 371 óbitos, respectivamente.

    Mortalidade média diária por mês no período 2015-2019 (média) e em 2020, 2021 e 2022. Fonte: SICO. Análise: PÁGINA UM.

    Porém, ao contrário daquilo que por norma sucede – mesmo com os anos de 2020 e 2021 –, o ano agora em curso está a apresentar um perfil de autêntico colapso. E nem pareceria expectável em Janeiro. Com efeito, o primeiro mês de 2022 até teve uma mortalidade total abaixo da média de 2015-2019 (apenas 379 óbitos vs. 405), ligeiramente abaixo de 2020 (ainda antes da pandemia, com 383) e bem abaixo de 2021 (634 óbitos).

    No entanto, a partir daí, ao invés do que por norma sucede – com o aproximar da Primavera a mortalidade começa a descer –, o mês de Fevereiro deste ano suplantou já a média do período 2015-2019 (382 óbitos vs. 371), ficou acima de 2020 (com 341 óbitos) e já se aproximou de 2021 (ainda com 457 óbitos).

    O mês de Março de 2022 começou já a mostrar sinais de graves problemas de saúde pública. Não apenas a mortalidade total suplantou o período homólogo de 2020 – que marcou a chegada da covid-19 ao território português – como também foi superior à média de 2015-2019 e aos valores do ano passado.

    A mortalidade do mês de Abril deste ano assemelhou-se bastante à do mês homólogo de 2020 (339 óbitos vs. 350). Porém, com a enorme diferença de que, em 2020, a covid-19 estava a entrar numa população sem qualquer imunidade, enquanto em 2022 tínhamos já então cerca de 40% da população com contacto anterior com o vírus, apresentava uma das mais altas taxas de vacinação do Mundo e “beneficiava” de um lamentável (e teórico) “rejuvenescimento” da população mais vulnerável, por força do sistemático excesso de mortalidade ao longo da pandemia.

    Contudo, o mês de Maio, e agora também Junho, estão a confirmar que existe actualmente um inquestionável problema. A mortalidade total não diminuiu ao longo da Primavera, como seria de esperar, e “estabilizou” em redor dos 330-350 óbitos por dia. No presente ano, Maio registou 334 óbitos por dia, e em Junho (até dia 13) até subiu, fixando-se em 346.

    Em anos anteriores, os valores geralmente estão já, nesta época do ano, muito abaixo dos 300. Aliás, em Maio, a mortalidade total é em média (2015-2019) de apenas 279 óbitos e nos primeiros 13 dias de Junho atinge os 269.

    Embora a mortalidade acumulada em 2022 seja ainda menor do que a do ano passado, a tendência mostra que pode vir a suplantar, até Dezembro, os valores de 2021. Com, efeito, confrontando a mortalidade de ambos os anos até finais de Fevereiro, o ano de 2021 apresentava então um diferencial a rondar os 10 mil óbitos (32.433 vs. 22.429), mas agora, em meados de Junho, a diferença cifra-se apenas em 4.336 óbitos (62.639 vs. 58.303).

  • Um (inexplicado) ‘morticínio’ nunca visto em Junho

    Um (inexplicado) ‘morticínio’ nunca visto em Junho

    Mesmo em 2020 e em 2021, em plena pandemia, Junho foi mês ameno, tal como é norma nos outros anos em que a transição da Primavera para o Verão se mostra mais aprazível para se manterem as vidas. Mas este ano sucedem-se os dias com mais de 300 óbitos, e já se chegou mesmo aos 362 em apenas 24 horas. O excesso de mortalidade nos mais idosos chega a atingir os 42%.


    Este ano, nos primeiros 10 dias de Junho – um mês caracterizado por um reduzido nível de mortalidade – registaram-se 684 óbitos em excesso face à média do último quinquénio (2017-2021), que inclui os dois primeiros anos da pandemia.

    De acordo com a análise do PÁGINA UM aos dados do Sistema de Informação dos Certificados de Óbitos (SICO), entre os dias 1 e 10 de Junho contabilizaram-se 3.390 mortes por todas as causas, quando a média (2017-2021) se situa nos 2.706. Ou seja, um aumento global de 25%.

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    Este acréscimo, da ordem dos 68 óbitos por dia, não é justificável apenas pela covid-19, mesmo se Portugal atravessa, oficialmente, um estranhíssimo recrudescimento da pandemia, porquanto apresenta uma taxa de mortalidade que é 17 vezes superior à média mundial, e não encontra paralelo a nível europeu. Nos últimos dados semanais, apenas até ao dia 6 de Junho, a DGS informou que a covid-19 foi responsável por aproximadamente 42 óbitos diários, dos quais 33 de pessoas com mais de 80 anos.

    Pela primeira vez desde que existem registos diários, não houve ainda qualquer dia de Junho deste ano abaixo dos 300 óbitos. Aliás, em anos anteriores, raros foram os dias acima dessa fasquia. Por exemplo, todos os dias da primeira década de Junho dos anos de 2010, 2011, 2012, 2014, 2015, 2017 e até de 2021 nunca ultrapassaram os 300 óbitos.

    Mortalidade total em Portugal nos primeiros 10 dias (primeira década) de Junho entre 2009 e 2022. Fonte: SICO.

    A mortalidade nesse período, entre os anos de 2009 e 2021, situou-se entre os 2.387 óbitos (em 2011) e os 2.840 (2016). Até este ano, o valor máximo diário tinha sido registado em 5 de Junho de 2018, com 314 mortes. Na passada quarta-feira, dia 8, contabilizaram-se 362 mortes.

    Este excesso de mortalidade está, porém, exclusivamente concentrado na população mais idosa, a partir dos 65 anos, e sobretudo nos maiores de 85 anos, que têm sido continuamente flagelados desde o início da pandemia.

    Segundo a análise do PÁGINA UM, a mortalidade nos maiores de 85 anos registou, nos primeiros 10 dias de Junho, um aumento de 42% face à média do último quinquénio – ou seja, morreram 1.540 pessoas, quando a média se situava nos 1.085. Esta situação mostra-se ainda mais assombrosa tendo em conta a “sangria” já decorrente de dois anos de pandemia, em que este grupo etário foi o mais flagelado.

    Mortalidade total em Portugal nos primeiros 10 dias (primeira década) de Junho entre 2017 e 2022 nos grupos etários dos maiores de 55 anos. Fonte: SICO.

    A faixa etária imediatamente anterior – dos 75 aos 84 anos – também regista uma subida inopinada, da ordem dos 21%: a média do último quinquénio era de 797; este ano subiu para os 968.

    No caso do grupo dos 65 aos 74 anos, o aumento foi de quase 18%, tendo morrido 476 pessoas, o que confronta com os 404 óbitos em média entre 2017 e 2021.

    Nos menores de 65 anos não se observa qualquer variação de relevo, registando-se até, na generalidade dos grupos etários, valores mais baixos do que a média. A excepção refere-se ao grupo dos 35 aos 44 anos (mais 8,8% do que a média), mas dentro do intervalo expectável para esta época do ano.

    As autoridades de Saúde mantém um silêncio activo sobre esta matéria.

  • Estado compra 21 milhões de euros em antivirais ‘promovidos’ por Filipe Froes

    Estado compra 21 milhões de euros em antivirais ‘promovidos’ por Filipe Froes

    O PÁGINA UM confirmou hoje que os antivirais, que tiveram aprovação em tempo recorde, já foram adquiridos para integrar a Reserva Estratégica de Medicamentos. Custo de cada tratamento, para doentes ainda com sintomas ligeiros ou moderados, podem ascender aos 500 euros. Mas as polémicas não se restringem aos custos.


    O Governo decidiu comprar cerca de 21 milhões de euros em antivirais contra a covid-19 às farmacêuticas Pfizer e o Merck Sharpe & Dohme (MSD), destinadas a doentes considerados vulneráveis, mas ainda com sintomas ligeiros ou moderados.

    Nos Estados Unidos, onde sobretudo o antiviral da Pfizer – o Paxlovid – está a ser mais usado, têm sido reportados casos de doentes que, após o tratamento, voltam a ter covid-19 com sintomas graves.

    A notícia foi esta tarde confirmada ao PÁGINA UM pela Direcção-Geral da Saúde (DGS), e surge após Graça Freitas ter homologado uma nova norma terapêutica, no passado dia 28 de Maio, que incluiu, pela primeira vez, a adopção conjunta dos fármacos irmatrelvir e ritonavir (sob a marca Paxlovid, da Pfizer) e do fármaco molnupiravir (sob a marca Lagevrio, da MSD).

    Paxlovid, da Pfizer. A farmacêutica norte-americana prevê facturar, até ao final do ano, 20 mil milhões de euros com este fármaco.

    A nova norma terapêutica (Norma 005/2022) foi elaborada por uma equipa de consultores onde se destaca o pneumologista Filipe Froes, um dos médicos com maiores relações comerciais com a Pfizer e a MSD. Na segunda semana de Maio, Froes desdobrou-se publicamente em declarações elogiosas a favor dos antivirais e anticorpos monoclonais para tratamento da covid-19. A inclusão destes fármacos na norma tornou, na prática, obrigatória a sua aquisição pelo Estado.

    Estes medicamentos – cuja rapidez na aprovação por parte dos reguladores causa espanto, apesar das dúvidas da sua eficácia e das notícias sobre os efeitos secundários – têm sido, claramente, uma aposta de marketing das farmacêuticas nesta fase da pandemia: na generalidade, destinam-se a doentes com sintomas ligeiros a moderados, numa altura em que a Omicron, no caso português, somente causa a hospitalização de 0,2% dos casos positivos.

    Como cada tratamento poderá vir a custar cerca de 500 euros, fácil se conclui que as farmacêuticas ficam com os louros e com o dinheiro mesmo se a eficácia dos medicamentos for idêntica à de um placebo. E isto já para não falar nos problemas já anotados, sobretudo nos Estados Unidos, onde o seu uso, promovido por Joe Biden, se tem generalizado.

    O elevado preço destes fármacos também tem sido alvo de fortes críticas,

    Filipe Froes,o principal promotor dos antivirais, também elaborou a norma que “forçou” a aquisição dos antivirais.

    Além disso, por exemplo, no caso do Paxlovid, as interacções medicamentosas que desaconselhavam o seu uso (mais de uma centena) podem restringir a sua aplicação prática.

    As aquisições da DGS, que ainda não constam no Portal Base, foram realizadas no âmbito da criação da “Reserva Estratégica de Medicamentos”.

    Constituída em 2020, no contexto da pandemia, essa reserva é constituída, segundo o gabinete de comunicação da DGS, por “medicamentos, equipamentos de proteção individual e outros produtos de saúde, os quais foram sendo disponibilizados aos serviços de saúde de acordo com as necessidades, privilegiando os princípios da eficácia financeira, adaptabilidade, bom uso e eficiência dos artigos que a constituem, evitando dispersão e desperdício desnecessários.”

    Numa parte dos casos, como sucedeu com o antiviral remdesivir, da Gilead, que se mostrou pouco eficaz – mas que ainda integra a Norma 005/2022, não sendo coincidência Filipe Froes manter-se como consultor daquela farmacêutica norte-americana especificamente para este fármaco –, Portugal foi obrigado a fazer as compras, porque a contratualização foi centralizada pela Comissão Europeia. Com o remedesivir, a DGS gastou também quase 20 milhões de euros no final de 2020.

    Noutros casos, foi realizada através de “acordos bilaterais com as empresas, tendo sido a aquisição de antivirais uma das recentes aquisições realizadas”, adiantou a DGS ao PÁGINA UM.

    Embora a DGS nada refira sobre compra de anticorpos monoclonais – que são novos fármacos destinados a doentes com fraca imunidade –, terão também já sido adquiridas doses de Ronapreve, produzido pelas farmacêuticas Roche e Regeneron, uma vez que o fármaco consta como integrado na Reserva Estratégica de Medicamentos pelo Infarmed. Ainda em análise, também para compra, estarão os anticorpos monoclonais da GlaxoSmithKline (Xevudy), da AstraZeneca (Evusheld) e da Cektrion HealthCare (Regkirona).

    Destaque-se que, de acordo com o site Worldometers, a mortalidade atribuída à covid-19 atingiu, no passado dia 8 de Junho, o valor mais baixo desde 21 de Março de 2020, no início da pandemia. Anteontem, a nível mundial contabilizaram-se 1.281 óbitos (média móvel de 7 dias), o que contrasta com o máximo deste ano nos 10.952 mortes, ocorrido em 9 de Fevereiro. O valor máximo durante a pandemia verificou-se em 27 de Janeiro de 2021 com 14.723 óbitos, ou seja, o valor mais recente representa 8,7% do pico.