Categoria: Exame

  • ESCÂNDALO: Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 funcionou à margem da lei

    ESCÂNDALO: Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 funcionou à margem da lei

    Durante meses, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) recusou ao PÁGINA UM facultar as actas das reuniões da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19, formada por peritos independentes, que determinaram as normas para a inoculação, incluindo em crianças e adolescentes, onde não terá existido unanimidade. O Tribunal Administrativo de Lisboa intimou agora a DGS a entregar ao PÁGINA UM essa actas, mas a entidade dirigida por Graça Freitas, vem agora dizer que nunca foram feitas. Mas adianta que as vai fazer a partir de agora. Sonegação ou apenas ilegalidade, eis a questão que se coloca. Nenhum membro da CTVC quis esclarecer o PÁGINA UM sobre se houve actas ou como eram, afinal, elaborados e aprovados os polémicos pareceres.


    O Tribunal Administrativo de Lisboa intimou o Ministério da Saúde a entregar ao PÁGINA UM as actas das reuniões da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), mas a Direcção-Geral da Saúde diz agora que “não existem actas das reuniões”.

    Ao longo dos meses em que o PÁGINA UM solicitou a consulta a essa documentação, o gabinete de Graça Freitas nunca confessou que a CTVC – a comissão consultiva criada por despacho de 4 Novembro de 2020, e posteriormente alterado em Julho e em Dezembro do ano passado – não se reunia nem funcionava de acordo com a lei. Nem a DGS admitiu tal situação no decurso de uma queixa junto da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) nem durante o processo judicial que correu no Tribunal Administrativo de Lisboa, cuja sentença foi concluída em 30 de Setembro passado.

    Ilegalidade ou crime? CTVC nunca teve actas ou a DGS está a sonegar as actas?

    Na verdade, Graça Freitas até admitia mais do que implicitamente a existência dessas actas quando em meados de Março passado o PÁGINA UM consultara os pareceres da CTVC nas instalações da DGS, após um parecer da CADA.

    Na missiva enviada pela jurista Isabel Alves Pires salientava-se que “por despacho da Senhora Diretora-Geral da Saúde, datado de 18 de Março de 2022, foi solicitada apreciação jurídica sobre as duas questões requeridas” pelo PÁGINA UM, a saber: a identificação dos membros que votaram contra e se abstiveram face ao parecer (homologado em 28/07/2021) relativo à vacinação contra a covid-19 em adolescentes, e o mesmo em relação ao parecer sobre a mesma matéria, homologado em 8 de Agosto de 2021.

    Esse parecer nunca foi comunicado ao PÁGINA UM, razão pela qual o PÁGINA UM apresentou o caso ao Tribunal Administrativo de Lisboa. Mesmo no âmbito do processo judicial no Tribunal Administrativo, que se iniciou em 27 de Maio, a DGS alegou que não havia actas.

    Admitindo agora que afinal nunca foram exaradas quaisquer actas da CTVC, fica em causa a própria legalidade daqueles pareceres que apenas contêm a assinatura de Valter Fonseca, então director do Departamento de Qualidade da Saúde na DGS, e a homologação de Graça Freitas. E nem sequer se consegue conhecer a identidade dos membros da CTVC que, em alguns pareceres, votaram contra nem quais as justificações para esse sentido de voto.

    Graça Freitas homologou pareceres de uma comissão consultiva que funcionou à margem da lei?

    Recorde-se que, no âmbito da estratégia do combate à pandemia, a DGS justificou a implementação do programa de vacinação em adolescentes, no Verão de 2021, com base em dois pareceres polémicos que mereceram mesmo a não concordância de cinco dos membros da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC). Esta situação foi inédita em todos os outros 21 pareceres.

    Na totalidade dos 23 pareceres feitos até ao primeiro trimestre deste ano, apenas outros dois não mereceram unanimidade, mas apenas por um dos membros, cada: o primeiro, referente à vacinação de maiores de 80 anos; o segundo, sobre a co-administração das vacinas contra a covid-19 e a gripe.

    Destaque-se que as discordâncias nos dois pareceres sobre vacinação de adolescentes, datados em 28 de Julho e em 8 de Agosto do ano passado, foram sempre omitidas pela DGS. Relembre-se que todos os membros, com funções consultivas e publicamente pró-vacinas, foram escolhidos a dedo pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas. O conteúdo destes pareceres nunca constaram da informação então dada aos pais em 2021 com vista ao consentimento informado. Ou seja, os pareceres foram “vendidos” à opinião pública como se houvesse consenso entre peritos. Nunca houve.

    Dossier dos pareceres da CTVC consultados pelo PÁGINA UM em Março. A DGS sempre recusou revelar as actas. Agora, intimada pelo Tribunal Administrativo, diz que afinal nunca houve actas, mas que a CTVC vai agora começar a fazê-las.

    Além da questão da transparência em matéria de grande sensibilidade pública, a ilegalidade cometida pela DGS com a inexistência de actas da CTVC fica patente pela simples leitura do Código do Procedimento Administrativo, que determina que os organismos da Administração Pública, incluindo comissões consultivas ad hoc, devem lavrar em cada reunião uma acta que “contém um resumo de tudo o que nela tenha ocorrido e seja relevante para o conhecimento e a apreciação da legalidade das deliberações tomadas, designadamente a data e o local da reunião, a ordem do dia, os membros presentes, os assuntos apreciados, as deliberações tomadas, a forma e o resultado das respetivas votações e as decisões do presidente.“

    O diploma prevê que essas actas sejam “ submetidas à aprovação dos membros no final da respetiva reunião ou no início da reunião seguinte, sendo assinadas, após a aprovação, pelo presidente e pelo secretário”, acrescentando ainda que “o conjunto das atas é autuado e paginado de modo a facilitar a sucessiva inclusão das novas atas e a impedir o seu extravio.” E conclui, por fim, que “as deliberações dos órgãos colegiais só se tornam eficazes depois de aprovadas as respetivas atas ou depois de assinadas as minutas e a eficácia das deliberações constantes da minuta cessa se a ata da mesma reunião não as reproduzir.”

    Por esses motivos, Paulo Morais, presidente da Frente Cívica, diz que “a CTVC não pode deixar de apresentar as actas das reuniões que fez”, acrescentando ter a obrigação de “dar conhecimento ao público das deliberações que tomou.” Para este professor universitário e antigo candidato à Presidência da República, estamos perante uma de duas situações. “ou a DGS está a sonegar informação, o que é inaceitável; ou então é porque nunca houve reuniões.”. “Ora, num estado democrático é inaceitável que se esteja a sonegar informação”, conclui.

    A eventualidade de se estar perante a sonegação de actas com matérias sensíveis – por revelarem detalhes sobre algumas polémicas decisões, que poderiam até ter consequências legais e penais futuras para os seus membros – é, na verdade, uma das hipóteses.

    Ainda hoje, a DGS comunicou ao Tribunal Administrativo de Lisboa que afinal não existem actas, e por isso não as disponibiliza ao PÁGINA UM, mas sabendo da ilegalidade deste procedimento, acaba de informar a juíza do processo “que, com a não prorrogação do estado de alerta em 30-09-2022, será assegurada e garantida a produção das atas das reuniões ocorridas após esta data.”

    Extracto do requerimento (completo aqui) entregue hoje pela DGS ao Tribunal Administrativo alegando que não existem actas, mas que “será assegurada e garantida a produção de atas das reunião ocorridas” a partir de 30 de Setembro deste ano.

    Saliente-se que os diplomas do estado de emergência e do estado de alerta nunca estabeleceram que organismos públicos ou comissões consultivas estivessem isentos de elaborar actas para ficarem expressas as suas decisões. Ou seja, se nunca houve actas – e vai passar a haver a partir deste mês, como afirma agora a DGS –, então o organismo liderado por Graça Freitas assume que, pelo menos, teve uma comissão com a relevância política, pública e mediática (a CTVC) a funcionar completamente à margem da lei.

    O PÁGINA UM enviou questões à quase totalidade dos membros da CTVC, questionando-se se confirmavam a inexistência de actas e se tinham mesmo votados os pareceres em reuniões. Contudo, Manuel Carmo-Gomes, Ana Correia, António Sarmento, Fernando Rodrigues, João Pedro Rocha, Luís Graça, Luísa Rocha Vaz, Raquel Guiomar Moreira e Válter Fonseca – este presidente da CTVC – não responderam. Ou seja, oito membros da CTVC não estabeleceram se a DGS diz a verdade ou mente.

    O Ministério da Saúde também não deu esclarecimentos sobre esta matéria.


    N.D. O PÁGINA UM considera lamentável e intolerável esta postura da Direcção-Geral da Saúde em matéria de tamanha sensibilidade e gravidade. Tomaremos as diligências no sentido de as autoridades judiciais apurarem se houve uma ilegalidade – ausência de actas – ou um acto criminal – sonegação de informação.

  • Raclac: com luvas (de nitrilo) lucrou em 2020 tanto como em 42 anos

    Raclac: com luvas (de nitrilo) lucrou em 2020 tanto como em 42 anos

    Uma empresa de Vila Nova de Famalicão prometeu, patrioticamente, no início da pandemia, não exportar luvas de nitrilo, para assim satisfazer as necessidades do mercado nacional. Poucos meses depois, tanto esta como outras empresas deixavam concursos públicos vazios, mas estavam sempre dispostas a vender por ajuste directo, inflacionando os preços em mais de 400%, mesmo com a procura a subir apenas pouco mais de 10%. O Estado nada interferiu nesta negociata que fez com que a Raclac lucrasse 14 milhões de euros em 2020, um montante 42 vezes superior ao alcançado no ano anterior. Esta é a primeira parte da investigação do PÁGINA UM sobre o LUVASGATE.


    “Nesta altura temos obrigação de proteger os nossos. O negócio é secundário e há um mês e meio que parámos a exportação”. Estas foram, curiosamente, no dia 1 de Abril de 2020, as palavras empenhadas em prol de um desígnio nacional do CEO da Raclac, Pedro Miguel Costa.

    No início da pandemia, a empresa de Vila Nova de Famalicão, produtora de descartáveis hospitalares, tinha acabado de concluir uma unidade de produção de luvas de nitrilo, com um apoio comunitário do FEDER da ordem dos 5,5 milhões de euros, contando também com a participação dos investimentos de uma private equity, a Vallis Capital Partners, que em 2017 comprou metade da Raclac. Esta empresa de gestão de activos é presidida por Eduardo Rocha, ex-administrador financeiro da Mota-Engil.

    Para suprir as necessidades nacionais em luvas de nitrilo – de uso único em actos médicos e de enfermagem –, a empresa famalicense ter-se-á se comprometido, através de um contrato com a central de compras do Sistema Nacional de Saúde, a fornecer exclusivamente para o mercado nacional. Não exportaria, prometeu o CEO da empresa. E Portugal não teria necessidade de importar tantas luvas de nitrilo da China.

    Foi um acto patriótico? Não tanto assim.

    Vejamos…

    Antes da pandemia, a Raclac, tal como outras empresas, já vendia luvas de nitrilo aos hospitais portugueses. Engalfinhavam-se em concursos públicos para apresentar a melhor oferta. Por exemplo, em Maio de 2017, a empresa de Famalicão venceu oito concorrentes para um contrato de quase 10 milhões de luvas de nitrilo com o Centro Hospitalar de Lisboa Norte. Aqui a Raclac ganhou um contrato de 206.468 euros, pedindo 2,094 cêntimos por luva.

    Mesmo nas primeiras semanas da pandemia, a Raclac (tal como outras empresas do género) continuou a praticar preços em linha com o habitual, mesmo quando havia urgência. Por exemplo, num contrato já por ajuste directo com a Direcção-Geral da Saúde em 18 de Março de 2020, no valor global de 1.957.896 euros, a Raclac não especulou. Entre máscaras, fatos de protecção integral e toucas, vendeu um milhão de luvas de vinilo por apenas 1,9 cêntimos cada. Recebeu assim, pelas luvas, apenas 19.000 euros.

    Raclac, criada em 2007, operacionalizou uma fábrica automatizada de luvas de nitrilo em Julho de 2020, obtendo financiamento comunitário de 5,5 milhões de euros.

    Mas tudo viria a mudar com o decurso dos meses do primeiro ano da pandemia. Por um lado, a Raclac começou a “coleccionar” contratos por ajuste directo, justificados pela emergência da covid-19.

    Não havendo na maior parte dos casos a redução a escrito, conforme consulta no Portal Base, o preço unitário e a quantidade ficou “à discrição”. Houve contratos de mais de 850 mil euros em luvas de nitrilo que nem sequer foram reduzidos a escrito, como sucedeu num ajuste directo em Maio de 2021 feito pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo.

    Porém, em alguns casos – vá-se lá saber o motivo –, o preço unitário surge em contratos por ajuste directo. E aí fica-se com a verdadeira noção da brutal dimensão da especulação e, eventualmente, de outros fenómenos menos transparentes.

    Por exemplo, em 3 de Julho de 2020, a Raclac conseguiu vender 185.350 euros de luvas de nitrilo por ajuste directo ao Centro Hospitalar de Lisboa Norte (que integra o Hospital de Santa Maria). No início da pandemia, esse montante daria para adquirir quase 9,8 milhões de luvas, considerando o preço unitário anterior de 1,9 cêntimos.

    Porém, os “tempos” já eram outros: o da ganância. E a Raclac, que em Abril desse ano garantia que “o negócio era secundário”, quase sextuplicou o preço, aplicando um preço unitário de 11 cêntimos. Deste modo, a empresa famalicense entregou apenas um pouco menos de 1,7 milhões de luvas.

    Nos restantes contratos detectados pelo PÁGINA UM nos anos de 2020 e 2021, e não apenas os referentes à Raclac, os preços estiveram quase sempre entre os 11 e os 12 cêntimos por luva.

    Pedro Miguel Costa, CEO da Raclac, prometeu “proteger os nossos”. E depois aumentou em mais de 400% o preço das luvas de nitrilo.

    Poder-se-ia pensar que a procura, decorrente da pandemia, justificasse esta escalada de preços nas luvas, mas analisando as compras e consumos do Centro Hospitalar de São João, tal não se verifica. Com efeito, empregando mais de 6.500 funcionários, dos quais cerca de mil médicos e 2.500 enfermeiros, este centro hospitalar do Porto – que foi um dos principais clientes da Raclac – tinha consumido 18.073.322 luvas de nitrilo em 2019, aumentando para 19.110.645 de unidades em 2020 e para 19.448.235 de unidades em 2021.

    Se considerarmos o biénio 2018-2019, o crescimento de consumo de luvas foi de 11% nos dois primeiros anos da pandemia, mas o preço unitário aumentou mais de 400%! Não há lei da Economia que explique tamanho desfasamento. Excepto se se acrescentar que não houve qualquer controlo de custos, nem regulação de preços nem transparência nos contratos. Pediu-se muita coisa aos portugueses, muitas empresas foram obrigadas a encerrar actividade para o bem comum, mas enquanto isso houve quem lucrasse, e muito, sem controlo.

    Fonte oficial do CHSJ disse ao PÁGINA UM que foi a “instabilidade sistemática no fornecimento de bens” que justificou a opção pelos ajustes directos na compra de luvas de nitrilo, embora garanta que, “de forma permanente e sistemática”, houve sempre “consulta ao mercado tendo sempre procedido à adjudicação com base no menor preço e/ou na capacidade de entrega imediata, dada a urgência imperiosa deste bem para proteção dos profissionais de saúde e dos doentes com covid 19.” Uma situação incompreensível, tendo em consideração que a unidade fabril da Raclac garantia uma produção de 765 milhões de luvas por ano, segundo dados da própria empresa, divulgados em 2018.

    Hospital de São João aumentou consumo de luvas de nitrilo em 11%, mas preços mais que quintuplicaram.

    No entanto, apesar de assegurar que “este trabalho” de consulta prévia se encontra “profundamente documentado no Serviço de Aprovisionamento, de forma transparente – quem foi contactado, que preços apresentava, qual a quantidade que possuía para entrega” –, o CHSJ não satisfez ainda um pedido do PÁGINA UM para facultar essa documentação. De igual modo, o CHSJ não indicou os montantes globais gastos em luvas de nitrilo entre 2017 e 2022, conforme pedido pelo PÁGINA UM, para se calcular os preços unitários em cada ano.

    O CHSJ referiu ainda que a aquisição de luvas de nitrilo ficou bastante condicionada ao longo da pandemia, porque sempre que se tentou lançar concursos públicos, estes acabavam vazios, como sucedeu em Dezembro de 2020. Actualmente, os preços baixaram com o fim, mais ou menos oficial, da pandemia, para valores próximos dos 2 cêntimos por unidade.

    Não sendo o único caso de enriquecimento repentino e absurdo à conta da pandemia, os benefícios da Raclac com os negócios de descartáveis hospitalares é um paradigma do descontrolo na gestão dos dinheiros públicos na área da Saúde desde 2020.

    Antes da pandemia, a empresa nortenha tinha uma situação razoável para pequena e média empresa (PME) em fase de crescimento sustentado. Em 2017 facturou, segundo a imprensa local, cerca de 10,5 milhões de euros. Dois anos mais tarde, em vésperas da pandemia, a empresa terminou o ano (2019) com receitas da ordem dos 12,5 milhões de euros e um lucro de 330.668 euros. Não era mau, embora sem deslumbrar em demasia.

    Pandemia, mais ajustes directos, mais muitas luvas entregues a torto e a direito, e a preços exorbitantes, e 2020 transformou-se num jackpot para a Raclac. A facturação subiu para os 51,8 milhões de euros e os lucros… bem, os lucros tornaram-se elásticos e foram catapultados para os 14.047.527 euros.

    Contas feitas, os lucros do ano de 2020 da Raclac valeram mais de 42 vezes os lucros do ano anterior, muito por conta das luvas de nitrilo e dos preços especulativos do material descartável de uso hospitalar.

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    Perante tão lucrativa avalanche destes resultados, parecerá quase irrelevante referir que, por força do desempenho industrial e comercial, os quatro administradores da Raclac fizeram subir os seus salários: em 2019 tinha recebido um total de 178 mil euros, passando para os 268 mil euros em 2020. No ano passado aumentaram os seus salários para 351 mil euros.

    Em todo o caso, e como o mercado se foi tornando ainda mais concorrencial – apesar dos ajustes directos terem feito “escola” ao longo da pandemia –, com a entrada de mais empresas a comercializarem estes produtos, a Raclac não repetiu em 2021 o “euromilhões” de 2020. O relatório e contas do ano passado desta empresa, consultado pelo PÁGINA UM, revela uma facturação já só de 17 milhões de euros.

    E 2021 até poderia ter ficado no vermelho para a Raclac, porque os custos operacionais, as depreciações e os juros “sugaram” todas as receitas e muito mais. Mas uma (criativa mas legal) operação contabilística e fiscal permitiu transformar um prejuízo de quase 140 mil euros num resultado positivo de 692 mil euros, por força do recebimento de impostos diferidos no valor de 830 mil euros.

    A Raclac refuta qualquer acusação de ter praticado preços especulativos, relembrando que, em Abril de 2020, após acusações no programa Sexta à 9 (RTP), solicitaram uma auditoria à ASAE, “não resultando desse processo a identificação de qualquer política especulativa ou não conformidade com o ordenamento em vigor durante a pandemia em termos de pricing e margens”, segundo a empresa. E informam ainda que, por causa desta reportagem, apresentaram “queixa contra terceiros junto do Ministério Público”.

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    A empresa justifica o aumento do preço das luvas por não ter sido possível automatizar a produção pela urgência em dar resposta à procura, e daí ter sido necessário contratar “mais de 200 trabalhadores temporários”, além da “escalada dos preços das matérias-primas e dos produtos” para o fabrico. Pedro Brandão, administrador financeiro desta empresa, diz que “vimos crescer [os preços] em alguns casos” das matérias-primas e produtos “quatro ou cinco vezes o seu valor habitual”.

    Convém, no entanto, referir que essas justificações não encontram sustentação nas contas da empresa ao nível das receitas e dos custos. Com efeito, sendo certo que entre 2019 e 2020, a Raclac quase duplicou os custos com pessoal (passando de 797 mil para 1,5 milhões de euros) e os custos de matérias-primas e produtos subiram de 10,5 milhões para 24,4 milhões de euros, a variação das receitas mais do que encaixaram tudo isto. Em vendas, o ano de 2019 tinha facturado 12,5 milhões de euros; e um ano depois atingiu 51,8 milhões de euros, ou seja, uma variação de 39,3 milhões de euros. A margem operacional da empresa melhorou extraordinariamente, de cerca de 6% em 2019 para 37% em 2020. Isto é, sextuplicou. E por uma razão simples: vendeu mais mas vendeu muitíssimo mais caro.

    Entretanto, o Ministério da Saúde não manifestou disponibilidade para comentar o modus operandi da aquisição de material descartável pelas unidades do Serviço Nacional de Saúde durante a pandemia.

  • Sentença histórica do Tribunal Administrativo de Lisboa obriga Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos a mostrarem contas

    Sentença histórica do Tribunal Administrativo de Lisboa obriga Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos a mostrarem contas

    Foram meses de pedidos recusados, houve um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) ignorado e muita argumentação falaciosa. As Ordens de Miguel Guimarães e de Hélder Mota Filipe saíram derrotadas em toda a linha e foram intimadas a entregar ao PÁGINA UM todos os documentos operacionais e contabilísticos da campanha “Todos por Quem Cuida”, que angariou 1,4 milhões de euros, mas da qual se desconhece detalhes de quem beneficiou. Conheça aqui também todas as peças processuais relevantes desta “batalha jurídica” pela transparência promovida pelo PÁGINA UM, com o apoio dos seus leitores através do seu FUNDO JURÍDICO.


    A Ordem dos Médicos e a Ordem dos Farmacêuticos tentaram tudo; mesmo tudo. Todas as armas e todos argumentos. O bastonário dos médicos, Miguel Guimarães, nem se esqueceu de informar o Tribunal Administrativo de Lisboa que apresentara uma queixa-crime contra o director do PÁGINA UM em Fevereiro passado, como se isso fosse relevante para o caso em análise. E a Ordem dos Farmacêuticos alertou que a “prestação da informação (…) poder[ia] até servir fins menos idóneos”, como se um órgão de comunicação social regulado se prestasse a torpes fins só por querer analisar documentos.

    Porém, de nada lhes valeu. A sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, com data de 14 de Outubro, é taxativa: as duas Ordens foram mesmo intimadas a, “no prazo de 10 dias, disponibilizarem ao Requerente [Pedro Almeida Vieira] os documentos administrativos, incluindo de índole contabilística e operacional, relativos a todas as ações desenvolvidas no âmbito da campanha ‘Todos por Quem Cuida’, expurgados da informação relativa à matéria reservada. As duas Ordens foram também condenadas a pagar as custas processuais.

    Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos pediram dinheiro e apoio aos cidadãos e empresas para apoiarem entidades durante a pandemia. Angariaram 1,4 milhões de euros mas, na hora de prestar contas, fecharam portas. Tribunal diz que têm de permitir consulta.

    Há dois anos, Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos, com o apoio da indústria farmacêutica, lançaram uma campanha mediática, recorrendo a figuras públicas, para angariarem dinheiro e género para apoiar instituições que lutavam contra a covid-19.

    Oficialmente, as duas entidades terão arrecadado mais de 1,4 milhões de euros, que envolveu um polémico donativo de 380 mil euros da Merck S.A. e mais 665 mil euros da Apifarma. Na hora de prestar contas, até por serem entidades com deveres similares à Administração Pública, fecharam-se em copas quando o PÁGINA UM pediu para consultar, em detalhe, os documentos operacionais e contabilísticos, de modo a avaliar a boa gestão da campanha.

    Mesmo depois da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) dar razão ao PÁGINA UM em finais de Abril, tanto o bastonário dos Médicos, Miguel Guimarães, como a então bastonária dos farmacêuticos, Ana Paula Martins (actual alto quadro da farmacêutica Gilead) mantiveram a recusa, obrigando assim o PÁGINA UM a entrar com um processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa em 23 de Maio passado.

    Ana Paula Martins, antiga bastonária da Ordem dos Farmacêuticos, e Miguel Guimarães, bastonário da Ordem dos Médicos (na entrega dos Prémios Almofariz 2020), recusaram acesso a documentos administrativos de campanha milionária.

    Apesar de ser um processo jurídico urgente, os meses seguintes serviram para as duas Ordens esgrimirem argumentos contra as pretensões do PÁGINA UM, que serviram sobretudo, numa primeira fase, para questionar a idoneidade e intenções do seu director, conforme se poderá verificar pela consulta dos vários requerimentos que se apresentaram, e depois em argumentar que a documentação era demasiado extensa e continha dados nominativos insusceptíveis de serem disponibilizados.

    Em tudo, a juíza Márcia Sofia Andrade deu razão às legítimas pretensões do PÁGINA UM, recusando todas os argumentos da Ordem dos Médicos e dos Farmacêuticos.

    Com efeito, a juíza relembrou que a jurisprudência dos tribunais superiores “tem vindo a interpretar restritivamente a noção de documento nominativo” quando estão em causa “o exercício de funções públicas”, ou seja, apenas deveriam ser protegidos se contivessem “dados pessoais que revelem a origem étnica, as opiniões políticas, as convicções religiosas ou filosóficas, a filiação sindical, dados genéticos, biométricos ou relativos à saúde, ou dados relativos à intimidade da vida privada, à visa sexual ou à orientação sexual de uma pessoa”. Nessa medida, a juíza considera que “o nome e IBAN das pessoas e entidades que fizeram doações não configura informação nominativa no sentido próprio”.

    Mas a juíza vai mais longe, e acrescenta que “sempre se imporia direito de acesso do Requerente [director do PÁGINA UM] aos documentos solicitados tendo em conta a proteção de tais dados, no âmbito de um juízo ponderativo de proporcionalidade, atendendo ao direito de acesso a documentos administrativos (…), bem como a liberdade de imprensa e a liberdade de informação”, remetendo para artigos da Constituição Portuguesa.

    Quanto ao argumento da Ordem dos Farmacêuticos – defendida pela sociedade de advogados PMLJ – de que seria impossível expurgar os dados relativos a suposta matéria reservada e de que os documentos estariam dispersos, a juíza Márcia Sofia Andrade diz que “essa informação não se mostra consentânea” com aquilo que fora anteriormente alegado.

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    Desconhece-se (ainda) para onde foram os donativos e géneros recolhidos por esta campanha.

    De facto, apesar de a Ordem dos Farmacêuticos dizer que havia documentação espalhada em vários computadores, mesmo de advogados – que beneficiam de sigilo profissional –, e que desconhecia a quantidade total, também adiantava que estava a ser realizada uma auditoria à campanha. A Ordem dos Farmacêuticos – agora liderada por Hélder Mota Filipe, que foi também dirigente do Infarmed durante 11 anos (2005-2016) – pretendia que, no máximo, o PÁGINA UM tivesse acesso apenas ao relatório da auditoria após ser concluído.

    Ora, para a juíza, “esse argumento [mostrava-se] contraditório, por um lado, porque a Requerida [Ordem dos Farmacêuticos] aduziu desconhecer ao certo a quantidade de documentos necessários para cumprir a pretensão do Requerente [director do PÁGINA UM], e que os mesmos se encontram dispersos por várias entidades, porém, alegou que fazem parte do objeto da auditoria, o que significa que os documentos se encontram reunidos e são possíveis de quantificar”.

    E a juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa acrescenta ainda “que também não se afigura congruente” que a Ordem dos Farmacêuticos assevere “que a informação pretendida está sujeita às restrições de acesso, mas com os resultados da auditoria o Requerente vai poder ver a sua pretensão satisfeita”.

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    Esta é a terceira sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa inteiramente favorável ao PÁGINA UM em prol da maior transparência das entidades públicas.

    Aliás, outro argumento rechaçado pela magistrada refere-se à acusação da Ordem dos Farmacêuticos de que o PÁGINA UM poderia usar a informação recolhida sobre a gestão dos fundos da campanha “Todos por Quem Cuida” para “servir fins menos idóneos”. A juíza assegura que a Ordem dos Farmacêuticos “não concretizou em que se traduzem tais fins”, recordando que esse “ónus […] sobre si impende – de alegar e provar os factos que lhe interessam”.

    A Ordem dos Médicos, que teve estratégia ligeiramente distinta – mas similar no propósito de manter um véu escuro sobre a campanha que envolveu 1,4 milhões de euros –, também viu derrocar toda a sua argumentação. O bastonário Miguel Guimarães defendia que o pedido do PÁGINA UM tinha um “carácter manifestamente abusivo”, mas a juíza é concisa em desmontar esta tese: “não existem razões para coartar a regra geral do livre acesso a documentos administrativos”.

    Tanto a Ordem dos Médicos como a Ordem dos Farmacêuticos ainda podem recorrer desta sentença para o Tribunal Central Administrativo do Sul, como já fez a primeira entidade no caso dos pareceres técnicos, cuja sentença em primeira instância lhe foi também desfavorável.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM está envolvido em 13 processos de intimação, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 11.131 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Na secção TRANSPARÊNCIA começamos a divulgar todas as peças processuais dos processos. em curso no Tribunal Administrativo. Este processo específico pode ser consultado aqui.

  • Contratos da Pfizer: um nó (cada vez mais) górdio para a Comissão Europeia

    Contratos da Pfizer: um nó (cada vez mais) górdio para a Comissão Europeia

    Depois da Provedora de Justiça Europeia e do Tribunal de Contas Europeu, foi a vez da Procuradoria Europeia se pôr em campo para investigar a compra das vacinas contra a covid-19 pela Comissão Europeia. Mensagens e telefonemas feitos por telemóvel com o presidente-executivo da Pfizer colocaram Ursula von der Leyen no centro da polémica, que recusa divulgar as SMS trocadas com Albert Bourla. Não é a primeira vez que a alemã se vê no centro de uma polémica envolvendo um contrato milionário. Quando era ministra da Defesa da Alemanha também surgiram suspeitas, mas von der Leyen seria ilibada de responsabilidades em Junho de 2020.


    Here I go again! Aqui vou eu outra vez!. Deve ter sido isto, ou coisa parecida, que a presidente da Comissão Europeia pensou quando, na semana passada, a Procuradoria Europeia anunciou que está a investigar os contratos secretos celebrados com a farmacêutica Pfizer.

    A investigação em curso anunciada por aquela instituição europeia não nomeia as pessoas cujas ações serão escrutinadas. Contudo, o nome de Ursula von Der Leyen não deve escapar; tem sido ela a aparecer no centro da polémica, por dúvidas sobre se esteve directamente envolvida nas negociações de um contrato multimilionário com a Pfizer. Ao todo, sabe-se, a Comissão Europeia comprou 4,6 mil milhões de doses de vacinas contras a covid-19, gastando já 71 mil milhões de euros.

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    O cerco em torno da Comissão Europeia começa agora a apertar para apurar como foram negociados os contratos, e porque são os países-membro da Europa obrigados a comprar vacinas que cobrem várias vezes as necessidades.

    Mas a polémica em torno da compra das vacinas à Pfizer já vem de longe, com vários desenvolvimentos de relevo.

    Em Abril de 2021, a presidente da Comissão Europeia afirmou, numa entrevista ao New York Times, que trocou mensagens de texto (SMS) e telefonemas com o presidente-executivo da Pfizer, Albert Bourla, durante um mês, numa altura em que estava a ser negociado um grande contrato com a farmacêutica.

    O contrato efetuado naquela altura tornou a União Europeia o maior cliente da Pfizer até então. Em causa estava a compra de 1,8 mil milhões de doses da nova vacina desenvolvida pela Pfizer em conjunto com a alemã BioNTech.

    O jornalista Alexander Fanta, do jornal digital alemão Netzpolitik.org, pediu o acesso às SMS ao abrigo da lei de acesso a informação. Mas a Comissão Europeia indicou que já não tinha as mensagens.

    Emily O’Reilly, provedora da Justiça Europeia

    Contudo, em Janeiro deste ano, a provedora de Justiça da União Europeia (UE), Emily O’Reilly, acusou a Comissão Europeia de má administração por falhar em entregar as mensagens de texto trocadas entre Ursula Von der Leyen e o CEO da Pfizer. E exigiu à Comissão que procurasse melhor as SMS. Em todo o caso, o inquérito foi encerrado em Julho passado, sem a Comissão ter entregado as mensagens, não apagando assim as suspeitas, pelo contrário.

    Num duro comunicado, a Provedora de Justiça Europeia considerou que o inquérito “sobre a forma como a Comissão (Europeia) tratou um pedido de mensagens de texto entre a sua presidente e o CEO de uma empresa farmacêutica é um alerta para todas as instituições da União Europeia no sentido de garantir a responsabilização numa era de mensagens instantâneas”.

    Salientou que “um ano após o pedido inicial de um jornalista, a Comissão (Europeia) ainda não esclareceu se existem mensagens relatadas que dizem respeito a grandes acordos de aquisição de vacinas e se o público tem direito a vê-las”.

    O’Reilly foi bastante assertiva sobre a actuação da Comissão Europeia, censurando o mau exemplo que foi dado ao longo do processo. “A resposta da Comissão às minhas perguntas não esclareceu a questão básica de saber se as mensagens de texto existem, nem clarificou como a Comissão responderia a um pedido específico de outras mensagens de texto”, disse a provedora, citada no mesmo comunicado.

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    E aproveitou para dar mais raspanetes: “O tratamento deste pedido de acesso a documentos deixa a lamentável impressão de uma instituição da União Europeia que não está disponível em assuntos de interesse público significativo”.

    Outro desenvolvimento importante no caso da compra das vacinas à Pfizer ocorreu no mês passado. O Tribunal de Contas Europeu publicou um relatório onde afirmou que a Comissão Europeia também recusou divulgar detalhes do papel de Ursula von der Leyen nas negociações com a Pfizer.

    O Tribunal de Contas descobriu que o contrato gigantesco com a Pfizer, assinado em Maio de 2021, foi feito à revelia dos procedimentos habituais. Para os restantes contratos de compras de vacinas com as outras farmacêuticas, o procedimento foi seguido.

    Segundo informação oficial, é a Comissão que, “a par de uma equipa de negociação conjunta, conduz as negociações com os fornecedores de vacinas”, acrescentando que “os membros da equipa de negociação conjunta — em representação de sete Estados-Membros — são nomeados por um Comité Diretor”. É este Comité que “discute e analisa todos os aspetos dos contratos ao abrigo do acordo prévio de aquisição (APA) antes da assinatura”. E todos os Estados-Membros da União Europeia “estão representados neste comité, que se reúne semanalmente”. 

    Tony Murphy, presidente do Tribunal de Contas Europeu

    Estranhamente, no caso do grande contrato feito com a Pfizer, foi a própria Ursula von der Leyen que levou a cabo as negociações iniciais, em Março de 2021. No mês seguinte, ela levou os resultados das negociações ao Conselho Director. Uma reunião planeada para 2022, que iria reunir assessores científicos para debater a estratégia de vacinas da União Europeia, nunca aconteceu, segundo o relatório do Tribunal de Contas.

    Também contrariando os procedimentos habituais, a Comissão Europeia recusou fornecer documentos e informações sobre as negociações com a Pfizer, como actas de reuniões e condições negociadas. Um auditor que ajudou a liderar a investigação admitiu ao jornal Politico que a recusa da Comissão em divulgar informações era altamente incomum. “Isso quase nunca acontece. Não é uma situação que normalmente enfrentamos no tribunal”, disse o auditor, que pediu anonimato.

    Há mais de um ano que eurodeputados, instituições europeias e membros da sociedade civil pedem o acesso aos contratos secretos negociados com a Pfizer.

    Na semana passada, as suspeitas em torno dos contratos com esta farmacêutica alemã – que tem ultrapassado a Moderna, a Janssen e a AstraZeneca no chorudo negócio das vacinas contra a covid-19 – aumentaram com a entrada em cena da Procuradoria Europeia. Na sequência deste anúncio, a presidente da Comissão Especial sobre a pandemia de covid-19 no Parlamento Europeu, Kathleen van Brempt, surpreendeu os seus colegas com declarações no Twitter, questionando, pela primeira vez, os contratos feitos com a Pfizer e o volume de vacinas compradas, bem como o montante pago pela União Europeia.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia

    Apesar disso, a farmacêutica norte-americana nega qualquer irregularidade nas negociações. No passado dia 10, a presidente da International Development Markets da Pfizer, Janine Small, afirmou que o contrato para a venda de 1,8 mil milhões de doses não foi acordado através de SMS. “Posso dizer categoricamente que não foi o caso”, afirmou este alto quadro da farmacêutica norte-americana numa inquirição no Parlamento Europeu da Comissão Especial sobre a pandemia de covid-19, citada pela Reuters. Recorde-se que Janine Small admitiu também, nesse dia, que não tinham sido testados, nos ensaios clínicos antes da aprovação das vacinas, qualquer alegado efeito de redução da transmissibilidade nos vacinados, algo que esteve na base da introdução do certificado digital.

    Certo é que, mais do que a Comissão Europeia, a própria presidente da instituição tem sido o rosto das políticas drásticas que a União Europeia adoptou na gestão da pandemia, incluindo a maior operação de segregação registada desde a Segunda Guerra Mundial. Com efeito, o certificado digital serviu como “arma” para pressionar os europeus a tomarem várias doses de vacinas contra a covid-19.

    Ursula von der Leyen foi uma das muitas responsáveis da Comissão Europeia, sendo acompanhada pelos líderes dos diferentes países europeus, a falar em “pandemia de não-vacinados”, instigando as pessoas a vacinarem-se. Como se foi confirmando ao longo de 2021, e sobretudo depois do surgimento da variante Ómicron, a transmissão da infecção ocorre tanto entre vacinados como não-vacinados. Mesmo assim, a Comissão Europeia prolongou a validade do certificado digital até Junho de 2023, embora actualmente o seu uso esteja virtualmente suspenso.

    Albert Bourla, presidente-executivo da Pfizer

    Não é a primeira vez que Ursula von de Leyen surge numa polémica de contratos milionários opacos envolvendo mensagens e chamadas por telemóvel. A actual presidente da Comissão Europeia foi investigada quando era ministra da Defesa da Alemanha, entre 2013 e 2019. Ursula von der Leyen acabou por ser ilibada no chamado “Caso do Consultor”, em Junho de 2020, mas também aqui houve telefones à mistura.

    Os partidos então no Governo na Alemanha acabaram por absolver a agora presidente da Comissão Europeia no escândalo sobre a contratação milionária de consultores externos, sem a devida fiscalização e escrutínio. A absolvição surgiu num relatório que resultou de uma Comissão Especial parlamentar que investigou o caso. Em todo o caso, Ursula von der Leyen admitiu, naquela Comissão, que “erros foram cometidos” na contratação de consultores, segundo o Politico.

    As principais críticas não se dirigiram à contratação de consultadoria externa, mas ao método. Durante a investigação, Ursula von der Leyen foi criticada porque os dados de dois telemóveis oficiais, que utilizou durante o tempo em que foi ministra da Defesa, foram apagados. Esses dados poderiam ser prova na investigação.

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    Sobre o assunto, von der Leyen disse, numa entrevista ao Spiegel que terá entregado os dois telemóveis e acrescentou que não foi responsável por qualquer acto de eliminação de dados. “Terá de perguntar o que lhes aconteceu. Os equipamentos pertencem ao Ministério e tinham de ser devolvidos”, afirmou.

    Mas a procissão para esclarecer as dúvidas em torno dos contratos assinados com a Pfizer ainda estará agora no adro, somando-se ainda a gestão política da Comissão von der Leyen na guerra da Ucrânia e o método para suprir a crise energética e a subida vertiginosa da inflação no espaço comunitário. Do sucesso desta estratégia depende o seu futuro político, até porque tem colocado “todas as fichas” na derrota da Rússia.

    No seu recente discurso anual, no dia 14 de setembro, Ursula von der Leyen frisou que a Europa tem estado do lado da Ucrânia desde o primeiro dia “com armas”, “com fundos” e com “as sanções mais duras [aplicadas à Rússia] que o Mundo já viu”. Disse que a Europa ficará do lado da Ucrânia “o tempo que for preciso”, sinalizando um Inverno duro para os europeus.

  • Covid-19: Portugal gasta 500 milhões de euros em vacinas, mas contratos deixaram de ser públicos

    Covid-19: Portugal gasta 500 milhões de euros em vacinas, mas contratos deixaram de ser públicos

    A Direcção Geral da Saúde já comprou cerca de 33 milhões de doses de vacinas contra a covid-19, se se incluírem as doações para países terceiros. Mas a transparência destas massivas compras é inexistente: no Portal Base somente constam os primeiros quatro contratos (dois da Pfizer e dois da Moderna), mas com pouca ou nenhuma informação relevante, porque se remete para os obscuros Acordos de Aquisição (APA) da Comissão Europeia, que agora estão em investigação pela Procuradoria Europeia. O PÁGINA UM também revela os contornos das compras da Direcção-Geral da Saúde financiadas a 100% pela União Europeia, que mostram que a Pfizer tem ficado com a “fatia de leão”. Também os detalhes destas compras são desconhecidos.


    O Estado português já terá gastado 500 milhões de euros na compra de mais de 33 milhões de doses de vacinas contra a covid-19, mas somente se encontram disponíveis no Portal Base quatro contratos (dois da Pfizer e dois da Moderna), todos anteriores a Fevereiro de 2021, no valor de cerca de 135 milhões de euros.

    O secretismo da aquisição nacional de vacinas segue a linha dos designados Acordos de Aquisição (APA), estabelecidos pela Comissão Europeia e as farmacêuticas, e que agora atinge um ponto alto de desconfiança com o anúncio ontem da abertura de uma investigação pela Procuradoria Europeia.

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    De acordo com a análise dos dados da Direcção-Geral da Saúde sobre a evolução do programa de vacinação ao longo das várias fases da vacinação – por idade e tipologia – até 10 de Outubro terão sido já administradas pelo menos 26 milhões de doses, das quais quase 19 milhões na primeira fase de vacinação. O reforço vacinal com pelo menos uma dose, sobretudo ao longo deste ano, totalizou cerca de 6,9 milhões de doses. No reforço sazonal, actualmente em curso, terão sido já injectadas quase 817 mil pessoas, sobretudo com mais de 65 anos.

    Esta quantidade de vacinas, estimada pelo PÁGINA UM – uma vez que a DGS apenas divulga a percentagem de vacinação por grupo etário – é ligeiramente superior ao número de doses indicada pelo Infarmed no último relatório da farmacovigilância, que tem dados apenas até finais de Setembro. O regulador aponta para a administração, até 30 de Setembro passado, de um total de 25.600.892 doses.

    Estes valores têm de ter incluídas as compras para as doações a países terceiros. Até Fevereiro deste ano, o Governo anunciou ter já doado sete milhões de doses de vacinas a países terceiros, sobretudo dos PALOP.

    Número de doses administradas em Portugal até 10 de Outubro de 2020. Fonte: DGS (% de população vacinada) e INE (estimativa da população em 2020). Cálculos: PÁGINA UM. Nota: Considerou-se duas doses por pessoa na vacinação primária e apenas uma dose no reforço, uma vez que se ignora quantas pessoas tomaram mais do que um reforço.

    Apesar do Portal Base obrigar a incluir todos os contratos públicos, nunca mais foram colocadas as compras de vacinas contra a covid-19 a partir de início de Fevereiro do ano passado. Os dois (curtos) contratos entre a Pfizer e a DGS, decorrentes dos APA, assinados em 9 de Dezembro de 2020 e em 18 de Janeiro do ano passado visaram a aquisição de 4.440.804 e 2.220.596 doses, respectivamente.

    O primeiro lote ficou ao preço unitário de 12 euros, mas o segundo já subiu para 15,5 euros. Assim, por estas duas compras à Pfizer, a DGS pagou 54.489.660 euros pelo primeiro contrato e 34.419.238 euros pelo segundo.

    Os outros dois contratos que constam no Portal Base foram com a Moderna, não constando sequer o número de doses nem o preço unitário, apenas mencionando o valor total da aquisição. Ambos os contratos foram assinados pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas, em 29 de Dezembro de 2020, a um preço de 27.247.155 euros e de 18.780.000 euros. É uma completa anormalidade a existência de contratos públicos desta natureza e dimensão sem qualquer informação nem detalhe.

    A farmacêutica norte-americana Pfizer tem sido a preferida nas compras de vacinas contra a covid-19 pelo Estado português. Os contratos não são conhecidos desde Janeiro de 2021.

    Deste modo, somente são conhecidos os contratos relativos a compras de vacinas no valor de cerca de 135 milhões de euros, embora sem grandes detalhes.

    Com efeito, estes quatro contratos estão enquadrados no chamado Acordo Global de Compra (Advanced Purchase Agreement) assinado entre a Comissão Europeia e as diversas farmacêuticas. A partir desse acordo, cada país ficou apenas incumbido de indicar as doses e os prazos de entregas, mas sem a inclusão de quaisquer cláusulas de responsabilidade civil para as empresas produtoras das vacinas. Ou seja, em caso de problemas, as farmacêuticas descartam-se do pagamento de indemnizações.

    A mesma desresponsabilização sucederá com os diversos Estados da União Europeia, como Portugal. Independentemente das pressões sociais e políticas, sendo a vacinação voluntária e havendo um consentimento informado oral, assume-se que as pessoas vacinadas e os pais dos menores assumiram os riscos, pelo que quaisquer danos físicos ou não-patrimoniais nunca serão, em princípio, garantidos pelo Estado nem pelas farmacêuticas.

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    Nos dois contratos com Pfizer/BioNTech expostos no Portal Base, ficou assumido que “as circunstâncias de emergência” implicavam que o Estado português “reconhecia que a vacina, e os materiais relacionados com as vacinas, e seus compostos e materiais constituintes, estão a ser desenvolvidos rapidamente”. E, por esse motivo, “o Estado Membro Participante [o Estado português, neste caso] reconhece ainda que os efeitos a longo-prazo e a eficácia da vacina não são actualmente conhecidos.”

    Esta autêntica cláusula de exclusão de responsabilidades também se reforça na cláusula que refere que “o Estado Membro Participante reconhece que a vacina não deve ser serializada.”

    Por lei, todos os contrato já deveriam constar do Portal BASE, mas o Ministério da Saúde não explica a razão pela qual não foram ainda enviados mais contratos para registo ao Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC), a entidade gestora daquela base de dados da contratação pública.

    O PÁGINA UM apenas encontrou, através da consulta a documentação solicitada ao Compete 2020, duas referências sobre compras de vacinas pelo Governo, por via de candidatura a programas da União Europeia para financiamento a 100%. A Autoridade Central do Sistema de Saúde (ACSS) obteve um financiamento de 11.209.000 euros em Outubro do ano passado para a compra de vacinas, mas que estranhamente acabou por ser destinado, na verdade, a financiar a DGS a comprar vacinas contra a covid-19.

    Graça Freitas, directora-geral da Saúde, não coloca contratos da compra de vacinas contra a covid-19 no Portal Base.

    Por sua vez, a DGS obteve um apoio comunitário, também através do Compete 2020, da ordem dos 191 milhões de euros para compra de 12.975.027 doses. Estas compras específicas foram sendo realizadas sobretudo a partir de Junho de 2021, em vários lotes. E percebe-se que a Pfizer passou a ser a farmacêutica preferida.

    Com efeito, entre a documentação consultada pelo PÁGINA UM conta-se a referência a 132 compras àquela farmacêutica norte-americana num valor global da ordem dos 130 milhões de euros, enquanto a Moderna registou 17 vendas com um montante acima dos 50 milhões. A AstraZeneca e a Janssen – que não usam a tecnologia mRNA – ficaram com fatias minúsculas deste colossal bolo: apenas conseguiram vender vacinas em montantes da ordem dos dois milhões de euros. O custo unitário médio foi de 14,7 euros.

    Mas estas compras da DGS financiadas pela União Europeia – que nem sequer ainda foram auditadas pelo Compete 2020, segundo apurou o PÁGINA UM – representam pouco mais de um terço do total de vacinas administradas.

    Presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, fez vários acordos com farmacêuticas, mesmo antes de estar provada a sua eficácia, como sucedeu coma Curevac em 16 de Novembro de 2020.

    E, em todo o caso, até estas compras se mantêm no segredo dos deuses, desconhecendo-se os compromissos já assumidos com as farmacêuticas numa altura em que a covid-19 se tornou endémica. Tanto em Portugal como nos outros países da União Europeia, sobretudo porque as compras foram negociadas directamente entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas.

    Aliás, nos APA chegou-se mesmo a prometer compras de vacinas a farmacêuticas que nunca as conseguiram concluir, como sucedeu com a do consórcio da Sanofi e da GlaxoSmithKline e com a da Curevac. No primeiro caso, estava já prometida a compra pela Comissão Europeia de até 300 milhões de doses da vacina, enquanto para a vacina da Curevac ficou prevista a aquisição inicial de 225 milhões de doses, bem como a opção de se requerer 180 milhões de doses suplementares se ficasse comprovada a segurança e a eficácia de uma vacina contra a covid-19.

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    Este modelo seguido pela Comissão Europeia mostra bem como os negócios das farmacêuticas floresceram ao longo da pandemia, mesmo quando nada garantia que houvesse sucesso na produção de vacinas seguras e eficazes. Por exemplo, a Curevac, uma farmacêutica alemã, obteve 80 milhões de euros de financiamento da União Europeia e um empréstimo de 75 milhões do Banco Europeu de Investimento, além da entrada no capital da KfW, um banco estatal, que injectou 300 milhões de euros para ficar com cerca de um quarto do capital social.

    Em Agosto de 2020, a Curevac entrou no Nasdaq, através de uma oferta pública inicial (IPO), conseguindo ainda mais 213 milhões de dólares para se financiar. Começou com uma cotação de 46,55 dólares, chegou a atingir os 116,94 dólares em 1 de Abril de 2021, fruto da especulação e da promessa de contratos. Com o completo insucesso da sua vacina contra a covid-19, começou a despencar. Fechou a sessão de ontem a valer apenas 7,52 dólares, uma descida de quase 94% face ao seu máximo histórico.

  • Fact-checkers inflamam ânimos em tentativa de minimização do #pfizergate

    Fact-checkers inflamam ânimos em tentativa de minimização do #pfizergate

    Os certificados digitais ainda estão tecnicamente activos, e durante mais de um ano constituíram uma segregação nunca vista depois da II Guerra Mundial. Na base dessa imposição, esteve sempre a ideia de que os vacinados protegiam os outros de serem por eles infectados, mesmo se os surtos da Ómicron confirmaram o que há muito se sabia: a imunidade de grupo era uma quimera. Um alto quadro da Pfizer veio agora alegar que não foi estudado inicialmente se a vacina evitava a transmissão, mas a posição desta farmacêutica norte-americana sempre foi dúbia, nunca negando a base com que os governantes impuseram o certificado digital. A celeuma aumentou nos últimos dias quando fact-checkers como os da Associated Press e da Reuters vieram tentar ilibar a Pfizer.


    Afinal, a Pfizer mentiu ou não sobre a sua vacina?

    Grandes empresas de media, como a Reuters e a Associated Press (AP), tentaram, nos últimos dias, pôr água na fervura na polémica sobre a real eficácia da vacina da Pfizer contra a covid-19 em impedir a transmissão do vírus. Mas o resultado não foi o esperado, pois conseguiram inflamar ainda mais a revolta, visível em comentários e artigos dentro e fora das redes sociais.

    Numa análise feita pelo PÁGINA UM, nos últimos dois anos, tanto a Pfizer, como governantes, políticos, jornalistas e “especialistas” induziram a população a acreditar que a vacina contra a covid-19 impedia a transmissão. Foi com base nessa ideia, que foi amplamente espalhada, que foi criada a maior operação de discriminação e segregação da história moderna, governos violaram a Lei e houve graves atropelos aos direitos humanos e civis em diversas regiões do globo, incluindo na Europa.

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    Dose da vacina da Pfizer/BioNTech.

    Se foi por acaso ou não, o que é certo é que se alguém quiser processar a Pfizer por ter “mentido” sobre a sua vacina proteger contra a transmissão do SARS-CoV-2, não vai encontrar apoio na declaração de aprovação preliminar da vacina.

    Ou seja, tecnicamente, aquando da autorização de emergência concedida à vacina, em dezembro de 2020, pelo regulador norte-americano, a Food and Drug Administration (FDA), foi referido explicitamente que não havia provas de que a vacina conseguia impedir a transmissão do vírus. Mas isso significa que a Pfizer não mentiu?

    Tecnicamente, olhando apenas para essa comunicação do regulador norte-americano, não mentiu. Mas a verdade é que, poucos dias depois, o presidente-executivo da Pfizer, Albert Bourla, foi muito claro ao afirmar em entrevista à estação de televisão norte-americana CNBC que a vacina deve ser tomada para “proteger os outros”, sugerindo que os vacinados não iriam contagiar outras pessoas. E ainda afirmou: “confie na Ciência”.

    Janine Small substituiu o presidente-executivo da Pfizer, Albert Bourla, na audição na Comissão Especial sobre a pandemia de covid-19 no Parlamento Europeu.

    Ora, não foi apenas Bourla a semear a ideia de que a vacina impedia o contágio. Governantes, autoridades de saúde, “especialistas”, médicos, jornalistas, figuras públicas, todos afirmaram que a vacina parava o vírus e que os não vacinados é que iriam transmitir o vírus a outros.

    Mas comecemos pelo início. Vários órgãos de comunicação social, incluindo agências noticiosas como a Reuters e a Associated Press (AP), apressaram-se, nos últimos dias, a classificar como erróneo (misleading, em inglês) afirmar que a Pfizer mentiu sobre a sua vacina proteger contra a transmissão do vírus SARS-CoV-2.

    As empresas de media referiam-se à polémica que estalou na semana passada, depois de uma responsável da farmacêutica, Janine Small, ter respondido a um eurodeputado, numa audição no Parlamento Europeu, que a Pfizer não testou a sua vacina para ver se impedia a transmissão antes de submeter o pedido de autorização para uso de emergência do fármaco junto do regulador americano.

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    As ondas de choque geradas pela afirmação propagaram-se rapidamente como tsunamis, incluindo nas redes sociais. A rapidez com que as empresas de media ou “verificadores de factos” – que se articulam com as empresas que operam redes sociais – vieram tentar pôr água na fervura, não parece estar a funcionar. A Reuters noticiou mesmo que a vacina da Pfizer realmente “diminuía a transmissão nas primeiras variantes” do SARS-CoV-2.

    Mas a tentativa de empresas como a Reuters e a AP em diminuírem a importância da afirmação de Janine Small, acabou por enfurecer ainda mais os que já estavam zangados e provocou uma onda maior de revolta, visível na inundação das redes sociais nos muitos posts e vídeos. Entre os comentários, há acusações de que empresas de media estão a querer branquear o tema e ajudar a Pfizer.

    Nos vídeos partilhados encontram-se excertos de entrevistas do presidente executivo da Pfizer, Albert Bourla, onde este afirma que os dados apontavam que a vacina é eficaz a travar a transmissão do vírus e que a vacina deve ser tomada porque “protege os outros”, indicando que quem se vacina não passa o vírus a outras pessoas.

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    Afinal, quem tem razão: empresas como a Reuters e a AP e restantes “verificadores de factos” ou as pessoas que em todo mundo se sentem traídas pela Pfizer e por governantes e autoridades de saúde e especialistas?

    Certo é que muitas pessoas que se vacinaram, fizeram-no com a convicção de que estavam a proteger-se, mas também contribuíam para evitar transmitir o vírus às restantes pessoas. Era um acto de cidadania, de responsabilidade social. Um dever cívico. E quem assim não agisse seria malvisto do ponto de vista social. Outras pessoas vacinaram-se porque foram forçadas, de modo a poderem trabalhar livremente, ir à universidade, a entrar em espectáculos ou restaurantes, a viajar. Em diversos países, quem não estava vacinado nem sequer podia entrar em transportes públicos.

    Na Europa e outras regiões do globo foi-se instalando um “apartheid”, que retirou (e ainda retira) direitos a quem não tomava as doses da vacina. Em países como a Austrália, Canadá e Nova Zelândia a violação de direitos humanos e civis foi (ainda é) extremamente severa, só ultrapassados pela gestão da pandemia na China – uma ditadura.

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    Na Europa, foi criado o polémico “passaporte covid” ou “certificado digital” (nome adotado em Portugal), inicialmente apenas para controlo em aeroportos, mas que começou a ser abusivamente usado como um “cartão de acesso” dos cidadãos no próprio país.

    O certificado digital, aprovado em 14 de Junho de 2021 pela Comissão Europeia, foi a maior operação de segregação e discriminação da história moderna. Na sua base, estava a “crença” de que as vacinas impediam a transmissão do SARS-CoV-2. E assim se criaram mitos, como aquele de que existia “uma pandemia de não vacinados”, o que era falso, dado que os vacinados também propagavam o vírus.

    Voltando à pergunta, afinal a Pfizer mentiu ou não? Comecemos pelo anúncio da FDA sobre a concessão de autorização para uso de emergência da vacina da Pfizer/BioNTech. Foi a 11 de Dezembro de 2020 e no comunicado podia ler-se: “Nesta altura, não há dados disponíveis para determinar sobre quanto tempo a vacina vai oferecer protecção, nem existem provas de que a vacina previne a transmissão do SARS-CoV-2 de pessoa para pessoa”. Se quisermos ser incorrectos e dar informação parcial, então pegamos apenas neste comunicado e assim os “verificadores de factos” estão certos: a Pfizer não mentiu.

    Notícia de 11 de Março de 2021 da Reuters, referindo que a vacina da Pfizer prevenia a transmissão por assintomáticos.

    Mas, a verdade está nos detalhes. Se se quiser ser correto e fornecer a informação de modo imparcial e completa, então há que pegar também em declarações do CEO da Pfizer, de autoridades, de governantes, de “especialistas”, de jornalistas que incutiram na população a ideia de que a vacina da Pfizer parava a transmissão do vírus.

    Porque, na realidade, as pessoas não leem habitualmente comunicados da Pfizer ou da FDA. As pessoas leem e ouvem as declarações de “figuras da autoridade” na televisão, nas rádios, na Internet e na imprensa.

    Começando então pela própria Reuters, e pelo dia 11 de Março de 2021. Nesse dia, a agência publicou uma notícia que foi massificada para todos os media. O título da notícia é o seguinte: “Pfizer/BioNTech dizem que dados sugerem que a vacina é 94% eficaz a prevenir infeção em assintomáticos”. No primeiro parágrafo da notícia pode ler-se: “A Pfizer Inc e a BioNTech SE disseram na quinta-feira que dados reais de Israel sugerem que a sua vacina contra o covid-19 é 94% eficaz na prevenção de infeções em assintomáticos, o que significa que pode reduzir significativamente a transmissão (do SARS-CoV-2)”.

    Ou seja, a mesma Reuters que agora diz que a Pfizer não disse que a sua vacina impedia a transmissão do vírus publicou uma notícia pouco depois da aprovação preliminar do fármaco pela FDA a dizer que … a Pfizer sugere que a sua vacina impede a transmissão.

    Esta notícia é relevante mas não é a única prova de que foi disseminada a ideia pela população de que a vacina da Pfizer contra a covid-19 impedia a infecção e a transmissão do vírus a outras pessoas. O próprio presidente-executivo da farmacêutica, Albert Bourla, afirmou em diversas entrevistas, nos últimos dois anos, que a vacina servia para proteger “os outros”, ou seja, que os vacinados não iriam passar o vírus a outras pessoas.

    No dia 14 de dezembro de 2020, poucos dias após a aprovação preliminar da vacina, Bourla afirmou numa entrevista à CNBC: “Repito, mais uma vez, que esta escolha de não se vacinar não vai afectar apenas a sua saúde e a sua vida; vai afectar as vidas de outros e provavelmente as vidas das pessoas que mais ama, que são as pessoas que normalmente está mais em contacto”. E adiantou: “por isso, confie na ciência”.

    A 25 de fevereiro de 2021, Bourla disse à NBC: “Tenho quase a certeza – mas os dados terão de confirmar – que vamos ter também um alto grau de proteção contra a transmissão”. E remeteu para os estudos que estavam a realizar, incluindo o que foi feito em Israel e noticiado, nomeadamente pela Reuters.

    As declarações de Bourla no sentido que quem se vacinasse iria proteger “os outros” (sugerindo que não iria ser passado o vírus a outros) sucederam-se nos últimos dois anos. Ainda em maio deste ano, o CEO da Pfizer sentou-se para uma entrevista a Klaus Schwab, fundador e presidente do Fórum Económico Mundial, em Davos.

    Questionado sobre o que diria às pessoas que não se quiserem vacinar porque existem já alguns fármacos para alegadamente ajudar a diminuir os sintomas de covid-19, Bourla foi claro. “O objetivo não é que fique doente e se trate. O objetivo é prevenir que não adoeça e isso vai maximizar as hipóteses de ficar bem e vai maximizar as hipóteses de as pessoas que você ama não ficarem infectadas.” E prosseguiu: “você não se vacina apenas por você, vacina-se para proteger a sociedade e sobretudo para proteger aqueles que mais ama”.

    Em 8 de Março de 2021, Graça Freitas falava da importância da vacinação para não permitir a transmissão do SARS-CoV-2 entre pessoas.

    Não foi apenas o CEO da Pfizer a induzir a população em erro. Em Portugal há muitos exemplos. No dia 8 de Março de 2021, a directora-geral da Saúde, Graça Freitas protagonizou um vídeo para promover a vacinação contra a covid. O vídeo foi amplamente divulgado, incluindo na Internet e redes sociais. Graça Freitas afirmava que a vacina tinha duas vantagens: uma para “o próprio”, porque a vacina “protege contra a doença e complicações”; e a segunda vantagem era “para todos, para a comunidade”, uma vez que “esta protecção que uns dão aos outros chama-se imunidade de grupo”.

    E a directora-geral da Saúde explicava o seu raciocínio: “Quanto mais pessoas estiverem vacinadas, menos pessoas o vírus tem para infectar, menos velocidade tem de propagação”. Mais uma vez, a ideia que ficou é que quem se vacinasse não seria infectado com o vírus e também ficariam protegidos os outros, que não apanhariam a doença de vacinados.

    O neurologista e investidor Michael Burry insurgiu-se contra a Associated Press por “proteger” a Pfizer.

    Em Portugal, jornalistas, médicos e “especialistas” espalharam a ideia de que as vacinas impediam a transmissão, incluindo o conhecido Filipe Froes, consultor da Direcção-Geral da Saúde e da Pfizer, bem como de outras farmacêuticas.

    Mas, lamentavelmente, o rol de personalidades que induziram em erro a população inclui: o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden; Bill Gates; Anthony Fauci (epidemiologista-chefe nos Estados Unidos), Rochelle Walensky, diretora do regulador norte-americano da saúde, a Centers for Disease Control and Prevention (CDC), entre muitos outros.

    Em todo mundo instalou-se um clima de segregação e perseguição de pessoas que optaram por não se vacinar. Foi divulgada informação falsa sobre os não vacinados.

    Compreende-se a revolta que existe hoje na população. Talvez a melhor análise da situação foi feita por Michael Burry, investidor e médico, famoso pela fortuna que conseguiu por prever a crise financeira de 2008, retratada no filme “The Big Short“.

    Comentando um tweet da AP, que afirmava que a Pfizer não mentiu sobre a sua vacina, Burry escreveu: “A AP a dar cobertura, como de costume”. “Mas o problema não é a Pfizer. Todos os cientistas sabiam desde o início que a vacina não impedia a transmissão. Era de senso comum. E ainda assim o Governo mentiu, os vossos médicos mentiram, a vossa escola mentiu. E colocaram-vos sob o seu controlo”. E incitava por fim: “Da próxima vez, lutem”.

  • Covid-19: União Europeia (finalmente) investiga compra de vacinas e discursos oficiais mudam de tom

    Covid-19: União Europeia (finalmente) investiga compra de vacinas e discursos oficiais mudam de tom

    Em apenas uma semana, a Europa acordou para a necessidade de saber, afinal, o que se passou com a compra de vacinas contra a covid-19. A Procuradoria Europeia anunciou que tem em curso uma investigação à compra das vacinas. O anúncio surgiu numa semana polémica na Comissão Especial sobre a pandemia da covid-19, no Parlamento Europeu. Hoje, a presidente desta Comissão surpreendeu muitos eurodeputados com declarações no Twitter a defender a investigação à compra das vacinas e a questionar o secretismo em torno dos contratos com a Pfizer.


    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, está debaixo de fogo devido a suspeitas relativamente aos contratos secretos de compra de vacinas contra a Covid-19 à farmacêutica norte-americana Pfizer.

    Há mais de um ano que eurodeputados, instituições europeias e membros da sociedade civil pedem o acesso aos contratos secretos negociados por Ursula von der Leyen com o presidente executivo da Pfizer, Albert Bourla.

    Ursula von der Leyen entregou o prémio de liderança do Atlantic Council a Albert Bourla, CEO da Pfizer, em Novembro de 2021.

    Os últimos dias representaram um ponto de viragem que pode trazer dissabores a von der Leyen mas maior transparência ao processo de compra das vacinas. A Procuradoria Europeia anunciou ontem estar a investigar a compra de vacinas pela União Europeia.

    E, hoje, Kathleen van Brempt, presidente da Comissão Especial sobre a pandemia da covid-19 no Parlamento Europeu, surpreendeu com declarações no Twitter, questionando, pela primeira vez, os contratos feitos com a Pfizer e o volume de vacinas compradas, bem como o montante pago pela União Europeia.

    Estes desenvolvimentos dos últimos dois dias surgem após uma semana explosiva no que toca ao tema das vacinas contra a covid-19, e sobretudo em relação aos contornos das compras lideradas pela Comissão Europeia, que já atingiram os 4,6 mil milhões de doses por 71 mil milhões de euros, mais de um terço do produto interno bruto português em 2021.

    Primeiro, foi uma responsável da gigante farmacêutica norte-americana Pfizer que admitiu, perante deputados do Parlamento Europeu, que a sua vacina não foi testada para se saber se impedia a transmissão do SARS-COV-2.

    As ondas de choque que as declarações desta responsável da Pfizer geraram foram gigantescas e a revolta, tanto de vacinados como de não vacinados, inundou as redes sociais.

    Entretanto, vários media tradicionais, incluindo a Reuters e a Associated Press, apressaram-se a garantir que a Pfizer nunca tinha prometido que a sua vacina impedia a infecção e o contágio, apesar de existirem ensaios clínicos pagos pela Pfizer que garantem que a vacina prevenia a transmissão do vírus.

    Em Portugal, o pneumologista Filipe Froes, um dos mais destacados consultores da Direcção-Geral da Saúde e também da Pfizer (entre outras farmacêuticas), sempre defendeu que a vacina contra a covid-19 reduzia a transmissibilidade em caso de infecção. Em Janeiro deste ano, em declarações à TSF, Froes garantiu que “quem tem o esquema vacinal completo e com dose de reforço, tem um risco de infeção e de transmissão praticamente nulo. Não se pode dizer que seja zero, mas o risco é praticamente nulo.”

    Recorde-se que, com base na garantia de que as vacinas impediam a infecção e o contágio, foi imposto o chamado “certificado digital” ou “passaporte sanitário”, criando-se a maior operação de segregação da população da História moderna. Além disso, foi por uma suposta maior transmissibilidade dos não-vacinados que responsáveis políticos contribuíram para espalhar a estigmatização sobre quem voluntariamente optava por não se vacinar. Em 29 de Julho do ano passado, o presidente norte-americano Joe Biden falava de uma “pandemia de não-vacinados“. E Ursula von der Leyen veio apelar, em 23 de Novembro passado, para que os cidadãos se vacinassem ou recebessem um reforço por se estar perante uma “pandemia de não-vacinados“.

    Após a audição da responsável da Pfizer nesta semana, eurodeputados sugeriram, numa conferência de imprensa, que fosse constituída uma comissão de inquérito sobre a covid-19, acusando a Comissão Especial sobre o tema, que decorre no Parlamento Europeu, de ser uma espécie de farsa. Os eurodeputados denunciariam ainda que continuam a ser secretos os dados sobre a negociação da compra de vacinas por parte da presidente da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen.

    Janine Small, presidente da divisão de mercados internacionais desenvolvidos, da Pfizer, na audição na Comissão Especial sobre a pandemia da covid-19 no Parlamento Europeu, no dia 10 de Outubro.

    Por coincidência, seguiu-se um outro anúncio de relevo: a Procuradoria Europeia anunciou ontem que está a investigar a compra de vacinas contra a Covid-19 pela União Europeia. Esta entidade independente da União Europeia anunciou, numa “rara confirmação”, segundo as suas palavras, que a investigação “surge na sequência da existência de um interesse público elevado”. O comunicado da Procuradoria Europeia adianta que “não serão tornados públicos mais detalhes nesta fase”.

    Foi no seguimento deste comunicado da Procuradoria Europeia, que a presidente da Comissão Especial sobre a pandemia da covid-19 no Parlamento Europeu, a belga Kathleen van Brempt, publicou uma declaração no Twitter, o que surpreendeu muitos dos seus colegas eurodeputados. Brempt escreveu a propósito do anúncio da Procuradoria Europeia que “a Comissão COVI vai acompanhar este caso com grande atenção”.

    “Vários aspectos do terceiro contrato com a Pfizer, merecem ser escrutinados, as mensagens de texto entre a presidente da Comissão Europeia [e o CEO da Pfizer, Albert Bourla] e o facto de não haver nenhum documento sobre as negociações preliminares [entre os dois]”, escreveu ainda.

    E defendeu ainda que “precisamos saber a razão de o maior contrato ser o menos transparente; Precisamos compreender a razão para a União Europeia ser obrigada a comprar 1,8 mil milhões de vacinas da Pfizer/BioNTech, independentemente das necessidades, independente de haver novos e melhores players a entrar no mercado”.

    Conferência de imprensa de 11 de Outubro de eurodeputados que contestam a falta de transparência dos contratos de compra de vacinas contra a covid-19.

    No seu tweet, Kathleen van Brempt lembrou que, “muitos dos contratos feitos pela União Europeia reservam o ‘direito’ a comprar mas no contrato com a Pfizer temos a ‘obrigação’ de comprar”. “Porque nos desviámos do procedimento normal para um contrato que cobre muitas vezes as nossas necessidades, durante um período em que todos deveriam estar já vacinados (2022 e 2023)”, questionou.

    Cristian Terhes, o eurodeputado que desde há cerca de um ano tem lutado, junto com outros eurodeputados, por maior transparência sobre os contratos de compra de vacinas, comentou entretanto as declarações de van Brempt. “O que é dito pela presidente da Comissão COVI representa uma mudança de paradigma da Comissão (Especial sobre covid), porque, até agora, a Comissão comportou-se como se o seu objetivo fosse pedir desculpas a Ursula von der Leyen pela forma fraudulenta como assinou contratos com as empresas de vacinas”, salientou o eurodeputado romeno. “Agora, a presidente admite que existe um problema com a falta de transparência dos contratos, bem como com a forma e finalidade de compra das vacinas”, frisou na sua conta na rede social Facebook.

    O eurodeputado não tem sido, aliás, brando com a presidente da Comissão Europeia e, desta vez, pediu a sua demissão imediata. “Quando, há um ano atrás, comecei a falar com os meus colegas sobre a não transparência dos contratos e outros abusos cometidos por Ursula von der Leyen, muitos me disseram que não poderíamos fazer muito, porque era só conversa, porque estávamos a lidar com o melhor da União Europeia e assim por diante, desculpas atrás de desculpas para não fazer nada”, relembrou.

    Sede da Procuradoria Europeia no Luxemburgo.

    O eurodeputado prosseguiu indicando que “hoje, todos reconhecem que existe um problema com a não-publicação integral dos contratos”, e destacou uma grande mundança: “de segunda-feira, 10.10.2022, até hoje, 15.10.2022, tudo o que foi afirmado sobre estas vacinas mudou drasticamente”.

    Isto porque, recordou Cristian Tehres, “a Pfizer admitiu oficialmente, quando questionada pelo colega Rob Ross, que não testou realmente a vacina para ver se ela impede a transmissão do vírus”, acrescentando que, “mais tarde, isto foi também reconhecido por um representante da Comissão Europeia numa pergunta que lhe fiz”.

    O eurodeputado garantiu que vai continuar a pressão: “obviamente, não vamos parar até descobrirmos a verdade, toda a verdade! Até lá, Ursula von der Leyen deve demitir-se e colocar-se à disposição dos organismos europeus de investigação criminal”. E terminou o seu post com os hashtags #UrsulaMustResign #UrsulaMustGo.

    O romeno Cristian Terhes e o croata Mislav Kolakusic são os eurodeputados responsáveis pela criação da Comissão Conjunta COVID com a Comissão de Controlo Orçamental.

    Este eurodeputado está a preparar, juntamente com o eurodeputado croata Mislav Kolakusic, a Comissão Conjunta COVID com a Comissão de Controlo Orçamental (CONT), na qual será analisado o relatório do Tribunal de Contas da UE sobre como as vacinas foram compradas.

    Segundo este relatório, até Novembro de 2021 a Comissão Europeia comprou, em nome dos Estados, 4,6 mil milhões de doses de vacina por 71 mil milhões de euros. Tehers comentou que “a quantidade é enorme, assim como o valor comprado”. Com efeito, sendo a população da União Europeia de 447 milhões de habitantes, a Comissão Europeia comprou vacinas suficientes para nove doses por pessoa, incluindo crianças.

  • Recusa de numerário: ASAE e Banco de Portugal assumem existência de ilegalidade mas lei não prevê multas

    Recusa de numerário: ASAE e Banco de Portugal assumem existência de ilegalidade mas lei não prevê multas

    É ilegal, mas nenhum regulador consegue multar ou aplicar sanções aos estabelecimentos comerciais que recusarem aceitar dinheiro físico como meio de pagamento. Só uma mudança na lei pode travar a discriminação dos consumidores e travar os infractores. Banco de Portugal diz que vai esperar por mudanças a nível europeu.


    O caso é insólito. Os reguladores confirmam que recusar aceitar dinheiro como meio de pagamento é ilegal. Mas nem a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) nem o Banco de Portugal dispõem de base legal para multar os comerciantes que cometem esta ilegalidade. Também não podem levantar processos de contraordenação. Isto porque a lei não impõe quaisquer coimas ou outro tipo de sanções sempre que uma entidade não aceita notas e moedas para pagamentos de bens e serviços.

    Numa altura em que já há (embora poucos) estabelecimentos que recusam aceitar numerário como é o caso do Time Out Market Lisboa , os reguladores estão de mãos atadas e não podem actuar para proteger os consumidores. Só uma alteração da legislação pode acabar com a discriminação em relação aos consumidores mais vulneráveis e sem acesso a meios de pagamento digitais.

    man in chair with table beside coffee

    A “moda” ainda muito recente de se recusar notas e moedas de euro, além de ser ilegal, constitui um acto discriminatório, já que os consumidores sem acesso a meios de pagamento digitais são excluídos.

    A ASAE confirma a ilegalidade da prática. Mas não tem como agir. Em resposta a questões do PÁGINA UM, a ASAE afirmou que, salvo as excepções previstas na lei, “o operador económico não poderá recusar aceitar o pagamento em numerário, porque, em boa verdade, tais situações carecem de cobertura legal que a justifique e fundamente”.

    “Todavia, e não obstante a obrigação que recaiu sobre os operadores económicos, caso estes recusem aceitar pagamentos em numerário, o legislador não previu norma punitiva, pelo que se entende que tal prática não configura uma contraordenação, em virtude de falta de disposição legal que a tipifique enquanto tal”, adiantou.

    Segundo o Banco de Portugal, a tendência adoptada por alguns lojistas é proibida, sendo obrigatória a aceitação de notas e moedas de euro para pagamentos. De acordo com o regulador, “as moedas correntes têm curso legal em toda a área do euro, ou seja, têm de ser aceites como meio de pagamento, pelo seu valor nominal (isto é, pelo valor inscrito na moeda), em todos os países que fazem parte desta área, independentemente de onde tenham sido emitidas”.

    O Time Out Market Lisboa recusa aceitar dinheiro físico

    Contudo, os reguladores apontam existir uma lacuna na lei, a qual não prevê punições para os infractores. O legislador não ponderou que um dia haveria o caso de alguém recusar numerário.

    A situação é crítica para muitos consumidores. O numerário (notas e moedas) continua a ser o meio de pagamento mais usado em Portugal.

    A ASAE lembrou, citando a lei, que, em Portugal, pode ser recusado dinheiro como meio de pagamento apenas se as recusas forem “fundadas na boa-fé”, por exemplo, “em caso de desproporcionalidade entre o valor da nota apresentada pelo devedor relativamente ao montante devido ao credor do pagamento ou mediante acordo das partes em usar outro meio de pagamento” .

    Também “ninguém é obrigado a aceitar, num único pagamento, mais de 50 moedas de euro correntes, com excepção do Estado”. A lei também estipula “uma punição para a realização de transações em numerário que excedam os limites legalmente previstos”.

    person holding brown leather card wallet

    A ASAE frisou que, por outro lado, segundo a Lei de Defesa dos Consumidores, “não existe qualquer ofensa aos direitos dos consumidores, nos casos de não aceitação de pagamentos em cartão ou que só aceitam esta forma de pagamento quando estão em causa determinados valores, desde que se encontre publicitado no estabelecimento, de forma clara, objetiva e adequada”.

    Questionado sobre se o Banco de Portugal admite corrigir a situação para fazer prevalecer a lei, a instituição liderada por Mário Centeno afirmou que vai aguardar que sejam tomadas decisões a nível da União Europeia, numa altura em que avançam os esforços para o lançamento do euro digital.

    Em resposta a perguntas do PÁGINA UM, o Banco de Portugal esclareceu que “tal como referido no Relatório sobre Emissão Monetária de 2021, estão em curso trabalhos a nível europeu que permitam endereçar esta questão da forma mais harmonizada possível entre os vários bancos centrais da área do euro”.

    Mário Centeno, governador do Banco de Portugal

    Disse ainda que “para além disso, a Comissão Europeia, através de um grupo de trabalho dedicado ao curso legal do numerário integrando representantes dos vários Estados Membros, encontra-se a avaliar a necessidade de introduzir alterações no atual regime legal”.

    No mesmo Relatório, o banco central destaca que “o numerário constitui a única forma de dinheiro público a que todos, mesmo os que não utilizam serviços bancários, podem aceder diretamente” pelo que “é, por conseguinte, determinante para a inclusão financeira”.

    Deste modo, “as notas e moedas continuam a desempenhar um papel crucial na área do euro: embora a sua utilização como meio de pagamento tenha diminuído durante a pandemia, a procura por numerário tem aumentado”.

    No final de 2021, as notas e moedas de euro em circulação somavam 1.576 mil milhões de euros, segundo o supervisor financeiro. No final de 2019, antes da pandemia, esse valor era de 1.323 mil milhões de euros, “ou seja, em dois anos registou-se um aumento de 19%”.

    woman holding magnetic card

    O banco central diz ainda que “esta evolução constitui um indício inquestionável de que, apesar da crescente digitalização da atividade económica, o dinheiro físico continuará a desempenhar um papel importante no futuro, pelo que se impõe continuar a garantir o acesso e a aceitação generalizada do numerário, a par do desenvolvimento de notas inovadoras e sustentáveis”.

    O PÁGINA UM questionou também o Ministério das Finanças sobre se Governo admite adoptar medidas, nomeadamente de proteção ao consumidor, mas não recebeu resposta até à hora de publicação deste artigo.

    Segundo uma recomendação divulgada pela DECO – Associação de Defesa do Consumidor, “é essencial garantir que numa economia cada vez mais digital, os consumidores dependentes de dinheiro físico não sejam excluídos e que o direito de escolha sobre o meio de pagamento a utilizar seja uma decisão individual, baseada em informação clara e adequado à sua realidade”.

  • Exclusivo P1: A Manuel Pizarro Consultadoria vai vender loja… a Manuel Pizarro

    Exclusivo P1: A Manuel Pizarro Consultadoria vai vender loja… a Manuel Pizarro


    Ficará tudo em casa. Ou perto de casa. A loja adquirida em 2020 pela empresa do ministro da Saúde, na freguesia portuense de Ramalde, vai ser comprada agora pelo próprio Manuel Pizarro. A informação foi revelada esta sexta-feira pelo gabinete do Ministério da Saúde ao PÁGINA UM, após vários dias de insistência.

    “O comprador será o próprio Manuel Pizarro, por ser a solução que permite, de forma mais célere, concretizar a venda e dissolver a empresa”, diz fonte oficial do Ministério da Saúde. Sem resposta ficam, contudo, várias questões pertinentes em redor da aquisição desta loja com 51,20 metros quadrados, e não de 31,80 metros quadrados como consta no esclarecimento revelado à imprensa pelo gabinete de Manuel Pizarro durantee sta semana.

    Prédio onde se localiza a loja comprada pela Manuel Pizarro Consultadoria em 2020,. Manuel Pizarro vai comprar a si próprio.

    Recorde-se que o imóvel em causa localiza-se no número 360 da Avenida das Congostas, na freguesia de Ramalde, a poucos metros da residênca oficial do ministro da Saúde na cidade do Porto. Nos últimos dois anos, esta zona do Porto beneficiou de uma forte valorização, com preços por metro quadrado a superarem os mil euros.

    Nessa medida, vender a loja a um terceiro com demasiada rapidez poderia ser um mau negócio pessoal para o ministro. A venda do imóvel é fundamental para dissolver uma empresa que necessita de realizar uma liquidação integral dos seus activos, ou seja, que tudo fique sob a forma de dinheiro corrente para que sejam cobertos eventuais passivos e depois distribuído o remanescente pelos sócios.

    O ministro da Saúde não revela a quem foi feita a compra em 2020, nem o mês da sua concretização, nem o valor em causa. Nem qual o valor da venda a si próprio. O PÁGINA UM fez no dia 4 de Outubro um pedido de consulta do registo predial permanente da fracção em posse da Manuel Pizarro Consultadoria, para conhecer o histórico das transacções, mas o Instituto dos Registos e do Notariado (INR) não concedeu acesso ao fim de três dias. O tempo de resposta é de dois dias, conforme se refere no recibo do pedido.

    Embora as transacções não sejam assim (ainda) públicas, a loja consta no activio da Manuel Pizarro Consultadoria como valendo cerca de 35 mil euros. Nos últimos dois anos, esta zona do Porto beneficiou de uma forte valorização, com os preços por metro quadrado a superarem os mil euros.

  • Ucrânia: CNN Portugal usou mesmo imagens falsas

    Ucrânia: CNN Portugal usou mesmo imagens falsas

    Já se sabia, mas fica assim preto no branco: a CNN Portugal interrompeu, na madrugada do dia 24 de Fevereiro, o enviado especial a Kiev, Filipe Caetano – seu editor de negócios estrangeiros e então membro do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas –, para transmitir imagens falsas. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social provou tudo e quis inicialmente obrigar o canal da Media Capital a pedir desculpa. Mas acabou por ser mais benevolente: a CNN Portugal só levou uma recomendação. Pede desculpa se quiser. Até agora, não quis.


    Confirma-se. Agora é mesmo oficial. A CNN Portugal utilizou, na madrugada do passado dia 24 de Fevereiro, imagens falsas, retiradas de um jogo de computador, com “mísseis a rasgar o céu” à noite, fazendo crer aos telespectadores que se tratavam dos primeiros momentos dos ataques da Rússia à Ucrânia.

    O pivot da emissão, o jornalista Cláudio Carvalho, na emissão da madrugada (4:10 horas) corroborara então a “veracidade” (agora falsa) das ditas: “E são imagens, de facto, impressionantes, do início desta invasão, ou deste ataque – utilizando uma expressão que está a ser usada pela Casa Branca –, este ataque por parte das forças russas ao território ucraniano. Vincando ser “possível ver e ouvir” os mísseis. Afinal, eram simplesmente imagens manipuladas do jogo War Thunder,

    Durante cerca de um minuto, a CNN Portugal revelou imagens “impressionantes”, nas palavras do jornalista Cláudio Carvalho, dos primeiros ataques da Rússia à Ucrânia. Afinal, eram de um jogo de computador.

    Esta é a conclusão da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), através de uma deliberação aprovada em 7 de Setembro, mas só ontem revelada no site daquela entidade. A ERC fala taxativamente de se estar perante “uma violação grosseira [por parte da CNN Portugal] do dever de assegurar o rigor informativo”. Contudo, após uma audiência prévia concedida ao canal, decidiu não obrigar a CNN Portugal a confessar que fez desinformação junto dos seus leitores.

    Mas o canal televisivo leva apenas um “puxão de orelhas” da ERC, mas leve: uma recomendação para “assumir o seu erro cometido perante o seu público”. Ou seja, não é obrigado a fazer nada.

    Em todo o caso, a CNN Portugal não se livra da censura por parte do regulador. A deliberação da ERC é, nesse aspecto, taxativa: o canal veiculou conteúdos passíveis de serem classificadas de fake news, algo que, aliás, já se sabia através de uma análise no próprio dia de início das hostilidades, através do fact checker Full Fact.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Embora faça apenas uma recomendação para que a CNN Portugal assuma “o seu erro perante o seu público”, a ERC lança na sua deliberação vários recados muito comprometedores para a chamada imprensa mainstream: “é essencial que, no ambiente atual em que prolifera a desinformação, os media noticiosos ditos tradicionais garantam uma informação rigorosa e pugnem por alcançar a máxima credibilidade junto do público”. A deliberação salienta ainda que a imprensa tradicional deve “posicionar-se como portos seguros onde se encontra informação de qualidade.”

    Curiosamente, o então enviado especial da CNN Portugal à Ucrânia – e que foi mesmo interrompido pelo pivot para serem emitidas as imagens falsas – era o jornalista Filipe Caetano, editor de negócios estrangeiros do canal. Caetano era, à data, membro do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas. Esta entidade não se debruçou sobre esta matéria.

    A leitura desta deliberação da ERC permite também conhecer as diversas tentativas da CNN Portugal em desvalorizar a colocação de imagens completamente falsas em antena.

    No processo, o regulador revela que enviou ao canal um projecto de decisão em finais de Maio passado, tendo o canal televisivo da Media Capital reconhecido que o “vídeo em questão não [era] real”, mas considerando que o “vídeo não é em si a notícia, sendo antes um elemento visual de corroboração das demais fontes disponíveis”. E assumia que, enfim, a “exibição de vídeo não distorceu o retrato da realidade factual, uma vez que efectivamente a Ucrânia tinha sido invadida”.

    Editor dos negócios estrangeiros da CNN Portugal, Filipe Caetano, então membro do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, foi interrompido pelo pivot, para serem emitidas “imagens novas que nos acabam de chegar”. Eram falsas, afinal.

    Mais curiosa ainda se mostra a argumentação do canal televisivo de se ter usado uma “fonte incorrecta para corroborar informação correcta”. A CNN Portugal diz mesmo que as imagens de computador exibidas têm “uma semelhança evidente com imagens reais” sobre “o funcionamento do sistema de defesa antiaéreo ucraniano”.

    E perante a sugestão do projecto de decisão da ERC de ser obrigatório a assumpção pública da emissão de imagens falsas, a CNN Portugal manifestou que isso seria “excessivamente contundente” e que até poderia “inclusivamente ser contraproducente para os fins que lhe parecem estar subjacentes – o reforço da confiança nos media tradicionais”. Ou seja, a CNN Portugal achou que seria melhor não assumir um erro para assim escapar ao juízo dos telespectadores.

    No âmbito da audiência prévia, em 27 de Julho passado também foi ouvido o director executivo da CNN Portugal, Frederico Roque de Pinho, que acabou por revelar a fonte das imagens falsas: a NEXTA, por ele classificada como “uma televisão digital” e “uma fonte independente com sede na Polónia”. Contudo, na verdade, a NEXTA é um canal de um exilado bielorusso que usa apenas as redes sociais para difundir informações, como o YouTube, Telegram, Instagram e VKontakte (o “Facebook russo”).

    Um jogo de computador serviu para a CNN Portugal “mostrar” imagens do início da invasão da Ucrânia.

    Nesse aspecto, a própria ERC aceitou a tese de que “não foi a CNN Portugal que retirou o vídeo das redes sociais ou de plataformas de partilhas de vídeos”; foi sim a NEXTA que o facultou. Aqui o regulador aparenta não ter aprofundado o método de trabalho daquele canal bielorusso.

    Com efeito, a NEXTA somente divulga informação via redes sociais, pelo que, a existir cedência, esta é feita de forma passiva, tendo os utilizadores que descarregar os vídeos. O PÁGINA UM conferiu os quatro vídeos deste canal com data de 24 de Fevereiro e, apesar de um deles possuir imagens nocturnas supostamente de mísseis, nenhum integra as imagens transmitidas pela CNN Portugal.

    Por outro lado, não existem dúvidas de que o vídeo transmitido pela CNN Portugal na madrugada de 24 de Fevereiro é exactamente igual, incluindo o som, àquele colocado na plataforma do Youtube em 15 de Dezembro do ano passado, portanto, antes da invasão da Ucrânia.  

    O canal NEXTA, que a CNN Portugal diz agora ser a fonte das “imagens falsas”, tem quatro vídeos do dia 24 de Fevereiro. Um desses vídeos integra imagens nocturnas com supostos mísseis, mas não as imagens do jogo de computador.

    Aliás, sobre a não referência à NEXTA aquando da emissão das imagens, Roque de Pinho deu, em sede de audiência prévia, uma explicação muito sui generis: “Nós consideramos que ali, de facto, desinformação não existe. Existe um conteúdo vídeo de facto errado. Na CNN há uma regra que denota maior credibilidade, até em relação à concorrência, que nós regra geral temos também no ecrã a fonte, ou seja, a origem das imagens, e neste caso, salvo erro, não estava lá, e é a NEXTA. Portanto há aqui esse lapso.”

    Sobre a possibilidade de um mea culpa, Roque de Pinho remeteu apenas a possibilidade de abordar a questão do programa “Fontes bem informadas”, aos sábados naquele canal, mas nem isso ainda foi feito. E nem vai precisar, tendo em conta que a ERC decidiu alterar o projecto de deliberação inicial – uma decisão individualizada vinculativa –, porquanto a CNN Portugal reconheceu, durante a instrução do procedimento administrativo, o erro e mostrou, segundo a ERC, “abertura, lisura e transparência”.