No início da pandemia, um mastodôntico Estado com quase nove séculos de História não conseguiu reunir logística suficiente para garantir o suprimento de equipamentos e produtos para contrariar os fenómenos de especulação e disrupção do mercado. Preferiu receber de braços abertos quem se predispusesse a dar uma “ajudinha” para encontrar materiais e produtos, mesmo que custassem os “olhos da cara” aos contribuintes. Até a Colunex, uma empresa de colchões, decidiu “auxiliar” o Estado nesse desígnio. Acabou a facturar 1,3 milhões de euros em máscaras. Em apenas uma semana. Tudo por ajuste directo e sem se conhecer sequer o preço unitário.
Apesar de ser uma das mais icónicas marcas de colchões, a Colunex nunca vendeu uma só unidade deste produto a qualquer entidade pública, incluindo hospitais. Nem um sobre-colchão, nem uma almofada, nem um jogo de lençóis, nem uma cama articulada, nem um sommier ou um estrado, nem um banco ou uma poltrona, nem sequer uma mesinha de cabeceira. Nada.
Tudo mudou com a pandemia. Mas não porque o fluxo de doentes nos hospitais justiçasse a compra de mais camas e colchões – na verdade, os internamentos totais reduziram-se, como o PÁGINA UM já revelou – ou que os produtos da Colunex tivessem tido alguma recomendação especial numa das muitas normas relacionadas com a covid-19 da Direcção-Geral da Saúde, por indicação dos seus consultores. Nada disso. Desde Março de 2020, mês oficial da chegada do SARS-CoV-2 a Portugal, a Colunex vendeu zero colchões ao Estado, tanto quanto os que vendera desde que o Portal Base elenca todos os contratos públicos, há mais de uma década.
Porém, vendeu algo que passou a ser corriqueiro ao longo da pandemia para qualquer empresa, desde as multinacionais até às de vão-de-escada: máscaras.
Não se sabe quantas foram; terão sido muitas. Mas sabe-se quanto o Estado gastou com a compra de máscaras à Colunex. E não se sabe as quantidades, porque tudo foi por ajuste directo com competente direito a nada ficar escrito, sempre invocando a famigerada alínea c do número 2 do artigo 95º do Código dos Contratos Públicos: ”por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade, é necessário dar imediata execução ao contrato”. Portanto, nada se sabe sobre as quantidades nem sobre o preço unitário se sabe. Somente se sabe aquilo que saiu dos cofres dos hospitais, ou seja, do Estado; isto é, dos contribuintes.
Foi tudo muito repentino, diga-se. Em apenas uma semana, com sábado e domingo de permeio, entre 25 de Março e 1 de Abril de 2020, a Colunex teve artes e virtudes de garantir seis contratos com hospitais, quatro dos quais de três unidades da região do Porto, pelo valor total de 1,3 milhões de euros. Ou, para se ser mais preciso, 1.304.025 euros.
A Colunex, fundada em 1986, tem sede numa freguesia de Paredes, tendo oito lojas espalhadas sobretudo por centros comerciais de grande dimensão.
Depois dessa data, pelo menos que conste do Portal Base, nada mais a Colunex vendeu deste ou de qualquer outro produto. Foi um negócio repentino. E assim veio, e assim foi. Um negócio que se assemelhou ao tempo de vida de uma borboleta adulta. Mas um negócio tão “belo” como alguns destes insectos.
O primeiro contrato da Colunex foi estabelecido com o Centro Hospitalar Universitário do Porto, no dia 25 de Março, por 78.000 euros. Com a mesma data surge um segundo contrato com a mesma unidade de saúde – que integra Hospital Santo António, o Centro Materno Infantil do Norte, o Centro de Genética Médica e o Centro Integrado de Cirurgia de Ambulatório – por 124.200 euros.
Este contrato foi para aquecer. No dia seguinte terá sido um dia de festa na Colunex. O Centro Hospitalar Universitário de São João – cujo presidente do conselho de administração era o agora director executivo do Serviço Nacional de Saúde, Fernando Araújo – comprou à empresa de colchões 587.325 euros em máscaras. Ao preço unitário agora praticado, apenas 2 cêntimos por unidade, teria dado para adquirir 29.366.250 máscaras – ou seja, para mascarar quase três vezes a população portuguesa inteira, mas naquela altura vendia-se ao preço que se queria e nem se regateava.
Fernando Araújo, então presidente do Conselho de Administração do Hospital de São João, autorizou a compra de quase 600 mil euros em máscaras, sem contrato escrito, e sem se saber o preço unitário. Eis o resultado da oferta de ajuda feita pela Colunex.
No mesmo dia, a Colunex obteve mais um contrato nas redondezas: vendeu 222.500 euros de mais umas quantas máscaras à Unidade Local de Saúde de Matosinhos, que gere o Hospital Pedro Hispano. Este contrato demorou bastante a aparecer no Portal Base: somente surgiu a partir de 8 de Fevereiro do ano passado.
A 27 de Março surge o único contrato de máscaras fora da região nortenha: o Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira decidiu comprar à Colunex 76.000 euros deste equipamento facial.
Por fim, com um fim-de-semana pelo meio, esta incursão da Colunex com o mundo das máscaras terminou num contrato a 1 de Abril de 2020 com o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa. O preço total: 216.000 euros.
A administração da Colunex não quis esclarecer o PÁGINA UM sobre os meandros destes fugazes contratos nem dos lucros. Tão-pouco houve comentários dos responsáveis da Unidade de Saúde Local de Matosinhos, a segunda entidade pública com valores mais elevados de compras de máscaras à empresa de colchões.
Quanto ao Centro Hospitalar Universitário de São João, a assessoria de imprensa justifica o recurso a esta e outras empresas que não costumavam vender produtos de uso hospitalar por causa de “quebras nas cadeias logísticas de material de consumo clínico, tendo estado em risco iminente, e por diversas vezes, incapacidade de proteção dos profissionais de saúde para a prestação de cuidados a doentes com covid-19”.
E explica que “a comunidade civil (pessoas e empresas), ao ter conhecimento desta tremenda dificuldade, manifestaram junto dos hospitais diversas formas de ajuda, sem as quais não teria sido possível cumprir a nossa missão.”, acrescentando que “foi o caso da empresa Colunex Portuguesa S.A., que entrou em contacto com quatro hospitais da região Norte, tendo disponibilizado a sua logística para o transporte para Portugal de máscaras de proteção à covid-19, de forma a evitar rotura destes bens essenciais, pois na altura não existia oferta no mercado”.
Este centro hospitalar do Porto diz ainda que “as quantidades de máscaras cirúrgicas e FFP2 entregues às quatro unidades hospitalares terão sido similares, bem como iguais os preços unitários”. Contudo, não adiantou qual foi o preço unitário. Está no “segredo dos deuses”, como estranhamente se tornou norma durante a pandemia.
O ano de 2022 já não é atípico, porque sucedeu a dois completamente anormais por causa da pandemia. Mas assacar responsabilidades somente ao SARS-CoV-2 ou a factores meteorológicos parece cada vez fazer menos sentido. Com vacinas disponíveis e uma variante menos letal (Ómicron), acabou por se morrer este ano muito mais por covid-19 do que em 2020, sem vacinas e com escassa imunidade natural. Mas pior ainda: o excesso de mortalidade não-covid, que já tinha sido elevada nos primeiros 10 meses de 2020, regressou agora em grande força este ano. Explicações oficiais? Não há. O Ministério da Saúde diz estar em estudos; e, enquanto isso, vai “lutando” no Tribunal Administrativo para convencer os juízes a não conceder o direito à informação pelo PÁGINA UM.
Apesar de pouco detalhados, os dados oficiais do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) não enganam e mostram um cenário aterrador: apesar da mortalidade total no ano passado ser ainda ligeiramente superior à do ano corrente (uma diferença de apenas 1.013 óbitos entre 1 de Janeiro e 31 de Outubro), o excesso de mortalidade não-covid disparou e está em níveis absurdamente elevados.
A análise do PÁGINA UM mostra que, se se descontar ao total os óbitos oficiais da covid-19 em períodos homólogos dos três anos da pandemia (meses de Janeiro a Outubro), o ano de 2020 surge ainda como aquele que apresenta uma maior mortalidade atribuída a outras causas, embora 2022 esteja a uma pequena distância.
Contudo, aquilo que mais surpreende pela dimensão catastrófica surge quando se compara os anos de 2021 – onde se registou um pico de mortalidade por covid-19 em Janeiro e Fevereiro – e de 2022 – marcada pela dominância da variante Ómicron, muito menos letal, e com parte substancial da população com vacinação contra a covid-19 completa e com vários reforços.
De facto, o ano de 2021 ainda tem mais mortes totais, mas quando se descontam os óbitos por covid-19, ressalta um quadro negro de excesso de mortalidade não-covid ao longo do presente ano: mais que decuplica. Ou seja, aumenta quase 1.000%. Mais chocante do que este espantoso incremento é a inércia do Governo em apurar as causas, sobretudo sabendo-se de o presente ano estar a ser o terceiro consecutivo com mortalidade excessiva. Portanto, já não são apenas os mais vulneráveis a “partirem”; é também, e muito, quem não deveria deixar esta vida tão cedo.
Analisar os três anos em detalhe ajuda a contextualizar o problema.
No primeiro ano da pandemia, entre Janeiro e Outubro, os dados oficiais contabilizam a morte de um total de 98.837 pessoas, das quais 2.544 atribuídas à covid-19, significando assim que por outras doenças se registaram-se 96.293 óbitos. Deste modo, face à média do período homólogo (Janeiro a Outubro) do quinquénio anterior à pandemia (2015-2019), o ano de 2020 teve então um excesso total de 7.095 óbitos, mas que descia para os 4.551 se descontadas as mortes por covid-19. Ou seja, este último valor era o excesso não-covid.
O ano de 2021 começou com uma inusitada mortandade, fruto de surtos agressivos de covid-19, de uma intensa vaga de frio e do colapso das unidades do Serviço Nacional de Saúde. Só no mês de Janeiro do ano passado morreram 19.649 pessoas, quando a média do período homólogo do quinquénio anterior à pandemia (2015-2019) era de 12.561 óbitos. A mortalidade ao longo do ano passado manteve-se sempre elevada, apesar do programa vacinal contra a covid-19. Entre Janeiro e Outubro acabaram por falecer um total de 103.334 pessoas, das quais 11.190 atribuídas à covid-19.
Deste modo, o excesso não-covid foi assim de apenas 402 – ou seja, uma descida substancial face ao ano anterior. Note-se, contudo, que subsistem sérias dúvidas sobre a mortalidade atribuída à covid-19, tanto mais que, de acordo com a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, cerca de um terço das mortes atribuídas a esta doença ocorreram fora de unidades de saúde.
Óbitos no período Janeiro-Outubro desde 2015 até 2022 por causas diversas, por covid-19 e excesso de mortalidade não-covid-19 face à média (2015-2019) em Portugal. Fonte: SICO.
Em todo o caso, o excesso global da mortalidade total em 2021, até finais de Outubro, foi elevadíssimo: mais 11.592 óbitos acima da média do período homólogo, ou seja, um acréscimo de 12,6%.
Já o ano de 2022 não surpreende somente pelo elevado número de mortes por todas as causas, mas sobretudo por se verificar tanto na covid-19 – com uma variante menos agressiva a afectar população vulnerável praticamente toda vacinada e já com largas franjas com imunidade natural – como em causas não-covid. Até finais de Outubro, dos 102.321 óbitos contabilizados, 6.252 foram atribuídos à covid-19 – pouco mais de metade (56%) dos de 2021, mas 146% a mais do que em 2020, quando então não havia sequer vacinas e a população estava naive perante o SARS-CoV-2.
Saliente-se que nesta comparação deve ser considerado que a covid-19 causou a primeira morte em Março de 2020; porém, mesmo assim era suposto que uma vacina, que chegou ser anunciada como tendo uma eficácia quase total, registasse um impacte muito mais positivo na redução da mortalidade por covid-19 em 2021 e 2022.
Mas mesmo morrendo mais pessoas do que seria expectável por covid-19, são as mortes não-covid-19 que merecem explicações oficiais, que invoquem mais do que um Verão de temperaturas quentes e uma Primavera mais primaveril.
Com efeito, uma das tónicas mais marcantes de 2022 tem sido o sistemático excesso de mortalidade, persistente e não conjuntural, como sucede com as ondas de calor. Este ano, até Julho, todos os meses ultrapassaram os 10 mil óbitos. Os três últimos meses foram mais amenos – Agosto com 9.305 óbitos; Setembro com 8.751 e Outubro com 9.489 –, mas sempre com valores acima do ano passado e da generalidade dos anos anteriores. Considerando a média no quinquénio anterior à pandemia (2015-2019), entre Janeiro e Outubro, o excesso não-covid é de 4.327 óbitos.
E assim, mesmo que o ano de 2022 acabe com valores abaixo de 2021, a actual situação demonstra estarmos a passar por um estado extremamente periclitante da saúde pública. Três anos de excesso de mortalidade ininterrupta. Vai durar? Se enterrarmos a cabeça na areia, sim…
A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) não queria revelar nomes das entidades e pessoas envolvidas em processos de fiscalização, alguns politicamente sensíveis, alegando sempre que estavam em causa dados nominativos protegidos pelo Regulamento Geral de Protecção de Dados. Após uma “luta” do PÁGINA UM de mais de seis meses, o Tribunal Administrativo de Lisboa faz mais uma sentença em prol da transparência da Administração Pública. Finalmente, vai saber-se como a IGAS desenvolveu os prometidos processos contra Filipe Froes e António Morais, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, devido às suas ligações com as farmacêuticas.
Mais uma vitória para a transparência da Administração Pública. O Tribunal Administrativo de Lisboa intimou o inspector-geral das Actividades em Saúde, Carlos Carapeto, a entregar ao PÁGINA UM os processos integrais, sem quaisquer rasuras nem expurgos, que tenham sido levantados por aquela entidade pública desde 2018, aos médicos suspeitos de violarem o regime jurídico das incompatibilidades, designadamente por via de ligações comerciais com farmacêuticas.
A decisão saiu de uma sentença na sexta-feira passada, e que será comunicada esta semana à IGAS, que tem um prazo de 10 dias para a cumprir, sob pena de “poder vir a ser condenado no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.” A IGAS pode, contudo, ainda recorrer da sentença, o que constituiria um sinal de adiamento ao necessário processo de transparência em curso.
Carlos Carapeto, inspector-geral das Actividades em Saúde
No lote de processos inspectivos a que o PÁGINA UM pretende aceder, num total superior a três dezenas, estarão incluídos os alegados processos anunciados contra os pneumologistas Filipe Froes e António Morais – actual presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia – para apurar se as relações que mantêm com farmacêuticas estão dentro da lei.
Recorde-se que Filipe Froes – bastante mediático durante a pandemia e grande defensor da vacinação universal contra a covid-19, do uso de certificados digitais como passaporte sanitário e da compra pelo Estado de polémicos antivirais (Velklury, da Gilead, e Paxlovid, da Pfizer) – é consultor da Direcção-Geral da Saúde e um dos médicos portugueses com maiores ligações comerciais com as farmacêuticas, tendo recebido quase 450 mil euros deste sector na última década.
A IGAS anunciou em Novembro de 2021 a abertura de um “processo de averiguação“, mas até agora não são conhecidas quaisquer conclusões e muito menos as eventuais diligências tomadas por aquela entidade para o apuramento da verdade.
Exemplo de uma página de um processo “rasurado” pela IGAS por suposta existência de dados nominativos, impossibilitando o acesso a qualquer informação relevante.
Já António Morais, que preside à Sociedade Portuguesa de Pneumologia desde 2019, entidade que beneficia de generosos donativos e patrocínios das farmacêuticas, foi consultor da Direcção-Geral da Saúde (no Programa Nacional de Doenças Respiratórias e membro da Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde do Infarmed. Desta última entidade foi afastado em 7 de Julho passado, após notícias do PÁGINA UM, e a IGAS confirmou também que lhe instaurara um processo de contra-ordenação.
A sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, da autoria da juíza Joana Ferreira Águeda, será em princípio o culminar de uma longa e exasperante tentativa da Inspecção-Geral da Saúde – tutelada pelo Ministério da Saúde – em esconder detalhes dos seus processos de fiscalização, alguns dos quais politicamente sensíveis.
Com efeito, o PÁGINA UM começou, primeiro, por pedir de forma informal, em 19 de Abril passado, que o inspector-geral da IGAS, Carlos Carapeto, “informasse se têm sido desenvolvidas por rotina verificações sobre se membros de corpos sociais das sociedades médicas que sejam também consultores daquelas entidades estão em violação do preceituado por lei, designadamente saber se essas sociedades médicas receberam em média mais de 50 mil euros por ano no quinquénio anterior.”
Pedia-se também à IGAS que, caso existissem relatórios sobre estas matérias, fosse dada permissão de acesso.
Mas como a IGAS apenas remeteu informação genérica sobre a sua acção fiscalizadora das incompatibilidades, o PÁGINA UM solicitou formalmente um pedido de acesso a documentos administrativos, que não obteve resposta. Somente após um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, em 15 de Junho, a IGAS reagiria, mas fora do prazo, dizendo que fora decidido disponibilizar a informação mas com “expurgo de matéria reservada”, pelo que seria necessário um prazo mais alargado para ser satisfeito o pedido.
Filipe Froes é um dos médicos portugueses com maiores ligações à indústria farmacêutica, mas mantém-se como consultor da DGS e beneficia de palco mediático como suposto especialista independente.
Nessa medida, e porque aceitar as condições da IGAS determinaria voltar à “estaca zero”, o PÁGINA UM decidiu apresentar um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa no passado dia 1 de Agosto.
Ao longo de mais de dois meses e meio, em sede de processo administrativo, a IGAS tudo tentaria para não disponibilizar os documentos integrais, chegando até a enviar mais de cinco mil páginas dos 34 processos instaurados desde 2018 com todos os nomes “escondidos” a tinta branca, primeiro, e preta, depois.
Ou seja, nos processos não eram identificadas as pessoas ou entidades fiscalizadas e mesmo até os nomes dos inspectores da IGAS eram ocultados. Assim, em termos práticos, o PÁGINA UM não conseguia sequer identificar com segurança se, no meio daqueles processos, constavam os relacionados com Filipe Froes e António Morais.
Primeira página da sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa que deu razão ao PÁGINA UM contra a IGAS.
Agora, a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa explicita que a IGAS tem um “prazo de 10 dias (…) desde o trânsito em julgado” para permitir ao PÁGINA UM “a consulta dos processos em causa, com os nomes dos inspetores, membros da entidade requerida, e/ou gestores de contratos públicos, envolvidos”.
E diz também que a IGAS deve informar o PÁGINA UM sobre “se existe, ou não, qualquer determinação e/ou processo que vise o Senhor António Manuel Martins de Morais”, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.
Mas um dos aspectos mais clarificadores desta sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa – e que se revela da maior importância em processos similares – acaba por ser a magna questão da legalidade de a Administração Pública poder “apagar” os nomes dos funcionários públicos ou das pessoas fiscalizadas no âmbito de actos públicos em documentos administrativos.
Em suma, saber-se se a simples divulgação dos nomes e elementos pessoais, per si, são considerados dados nominativos susceptíveis de serem ocultados por razão do famigerado Regulamento Geral de Protecção de Dados. A alegada existência de nomes de funcionários públicos no exercício de funções tem sido um dos argumentos genericamente usado pelas entidades públicas para não cederem documentos administrativos ou “limparem” o rasto dos responsáveis por determinadas decisões, algo que não se encontra plasmado naquele regulamento, onde se explicita que a protecção se refere a dados que possam, revelar aspectos da intimidade das pessoas.
Na sua sentença, a juíza Joana Ferreira Águeda defende que “as informações requeridas, relativas aos nomes dos inspetores, membros da entidade requerida, e/ ou gestores de contratos públicos, pedidas com um fundamento claro e atendível de apreciação da legalidade e transparência da atuação administrativa em termos relativos nesse âmbito, não configuram manifestamente dados pessoais, pelo que não podem gozar do regime de proteção de dados pessoais, pois que se está em presença de meras questões relativas à tramitação/ decisão, no exercício das respetivas funções/ atribuições (…), e no contexto de um sistema público no domínio das atividades em saúde, sendo, por isso, questões de contornos públicos, não se podendo consubstanciar como documentos de natureza nominativa, desde logo se pensarmos nos princípios gerais contidos no Código do Procedimento Administrativo em matéria de isenção, de transparência e de publicidade da atuação da Administração.”
António Morais, ao centro, numa foto durante a cerimónia de posse como presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia em Janeiro de 2019.
Alegando que “no exercício de funções públicas a regra é a publicação dos atos de nomeação”, a magistrada acrescenta ainda que “a circunstância de a tramitação/ decisão nos processos em causa provir de atos vinculados e não discricionários da Administração, só pode reforçar o entendimento que aqui se defende, e não o contrário”, concluindo assim que “existe direito de acesso à informação requerida, o que determina que a mesma deve ser prestada.”
N.D. Em virtude das notícias que denunciavam as relações promíscuas entre a Sociedade Portuguesa de Pneumologia e as farmacêuticas (muitas das quais com interesses directos na pandemia), António Morais apresentou queixas contra o director do PÁGINA UM na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ). Estas duas entidades, sem permitirem uma defesa cabal ao PÁGINA UM, tiveram o desplante de exarem uma deliberação e um parecer onde vergonhosamente censuraram e criticaram o nosso trabalho de investigação jornalística. Esta sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa demonstra, aqui e agora, o que é fazer jornalismo de investigação. E esta sentença também qualifica assim os actos das pessoas que conjunturalmente fazem parte da ERC e da CCPJ, porquanto, de forma objectiva, quiseram ser parte activa e empenhada de uma tentativa de descredibilização do jornalismo independente e assertivo do PÁGINA UM. Malsucedidos foram. E continuarão a ser.
Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM está envolvido em 13 processos de intimação, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 11.653 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido.
Na secção TRANSPARÊNCIA começámos a divulgar todas as peças principais dos processos em curso no Tribunal Administrativo. Este processo específico da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde pode ser consultado aqui.
Ferramentas da Psicologia Comportamental e técnicas de supressão e controlo de informação têm estado a ser usadas, nos últimos dois anos, para gerar uma maior concentração de poder político e económico, num ataque à democracia que está em curso. Esta é uma das conclusões de cientistas e especialistas que participaram no Congresso Internacional sobre a Gestão da Pandemia, que decorreu em Fátima entre sexta-feira e hoje. A supressão de informação, acusam, está a servir para ajudar a concentrar mais poder em políticos e interesses económicos, salientando que, agora, a Medicina Baseada na Evidência foi substituída pela Medicina Baseada em Políticas. E avisaram também que, desde 2020, se registam “níveis de propaganda sem precedentes”, com “desenvolvimentos alarmantes” para a democracia.
Foi um retrato negro o traçado no terceiro e último dia do Congresso Internacional sobre Gestão da Pandemia, que decorreu em Fátima, desde sexta-feira. Cientistas, médicos e outros especialistas –muitos dos quais se queixam de ter sofrido censura durante a pandemia – alertaram para a forma como os últimos dois anos e meio trouxeram uma nova era em que a Ciência passou a ser usada como arma. E dizem ainda que, a par da censura de informação, muitos homens e mulheres da Ciência acabaram por aceitar servir políticos e indústrias para concentrarem um maior poder.
Patrick Fagan, um conhecido especialista comportamental com obra publicada, não tem dúvidas sobre terem sido aplicadas técnicas de psicologia para manipular e condicionar o comportamento da população, para um reforço do poder político e económico durante a pandemia, tendo a ajuda da comunicação social.
Este especialista disse ser evidente uma mudança, a partir de 2020, de uma sociedade democrática – em que os políticos aplicavam a vontade dos cidadãos – para uma sociedade em que os políticos alteram agora a vontade dos cidadãos para que estes aceitem as suas políticas. “A ciência comportamental foi instrumentalizada”, assegura.
Segundo Fagan, durante a pandemia de covid-19, várias técnicas de psicologia comportamental foram usadas, incluindo o exacerbamento do medo ou a “programação” da população para aceitar certas medidas. Entre estas estão os casos de os políticos negarem medidas se determinadas circunstâncias não ocorressem, mas acabarem por as aplicar, ou então alargarem medidas definidas para um fim, para outros que não estavam inicialmente previstos – como sucedeu com o certificado digital. “Foi como um sapo que foi sendo cozido vivo”, explicou Fagan.
Várias medidas foram assim sendo aplicadas de forma gradual, para levar a cabo intenções políticas. A técnica da negação inicial – introduzindo um conceito junto da população para a preparar – foi também utilizada no caso da vacinação: inicialmente, foi negado que seria obrigatória; depois, em alguns países, passou a ser obrigatória, ou então quem optasse por não se vacinar acabou a sofrer censura social ou dificuldades em aceder a determinados locais, mesmo no espaço doméstico.
Patrick Fagan, cientista comportamental.
Fagan explicou também como tantas pessoas foram conduzidas a aceitar políticas, mesmo que irracionais ou ilegais, com base no medo e em técnicas científicas que levam facilmente os indivíduos a seguirem uma ideia de comportamento de grupo. O cientista detalhou que isso ocorreu mesmo em pessoas inteligentes e cultas, que cederam às diferentes formas de pressão e manipulação psicológicas utilizadas.
Já a psicóloga Joana Amaral Dias, também presente em Fátima, defendeu que parte da população esteve e está sob hipnose coletiva. “As pessoas estão mesmerizadas“, afirmou na sua apresentação, lembrando a estratégia de incutir medo na população desenhada por uma task force de medidas comportamentais que assessorou a Direcção-Geral da Saúde na pandemia, e cujos documentos estiveram disponíveis online, e acabaram depois por ser retirados.
Relacionado com a psicologias, também especialistas presentes no congresso denunciaram graves atropelos e violações da ética médica desde 2020. “A Medicina Baseada na Evidência foi substituída por uma Medicina Baseada em Políticas”, avisou Alexandra Henrion Caude, geneticista, directora de Investigação do Instituto Nacional Francês de Saúde (Inserm). Com um pós-doutoramento concluído na Harvard Medical School, Caude tem conduzido, durante mais de 20 anos, investigação centrada na forma como as sugestões ambientais são traduzidas em informação genética, especificamente em doenças genéticas raras em crianças.
Na sua apresentação, a geneticista francesa acusou que foram desrespeitadas boas práticas científicas e cometidas graves violações de ética médica, que incluiu vacinação sem o devido consentimento do paciente ou administração deste medicamento de uma forma obrigatória, sabendo-se que podem causar reacções adversas, e cujos efeitos no longo prazo são ainda desconhecidos.
Alexandra Henrion Caude, geneticista, directora de Investigação no Instituto Nacional Francês de Saúde.
Outro dos temas abordados foi a criação de uma “indústria” de combate à (alegada) desinformação, e que se transformou numa arma que serviu para suprimir visões divergentes das do poder político e económico.
“Tem havido desde 2020 uma tremenda concentração do poder e um ataque à democracia”, defendeu Piers Robinson, cientista político e co-diretor da Organização de Estudos de Propaganda.
Para este especialista britânico em media, desde 2020 registaram-se “níveis sem precedentes de propaganda”, com recurso, inclusive, a ferramentas de coacção e de “assassinato de carácter e difamação de todos os que contrariaram ou questionaram” a gestão da pandemia,
“Tem-se assistido nesta pandemia a níveis de propaganda sem precedentes, envolvendo não apenas a sua promoção, mas também o silenciamento do debate, pela via da censura, da difamação e da pressão coerciva”, disse Robinson. “Há indicações de que os desenvolvimentos legislativos em torno da definição de online harm [informação online que pode causar prejuízo] e a ascenção de uma indústria de anti-desinformação vai efetivamente constituir um nível de controlo em esferas públicas anteriormente democráticas”, acrescentou.
Este cientista político alertou ainda que estas tendências têm de ser “compreendidas no contexto de estruturas emergentes – como a agenda de resposta e prevenção de pandemias – a um nível global e associadas a uma concentração de poder político e económico”.
No caso da difamação e assassinato de carácter, Piers Robinson deu o exemplo dos epidemiologistas que dinamizaram e assinaram a Declaração de Great Barrington, que foram alvo de difamação e perseguição por questionarem e se oporem a medidas adoptadas por governos e autoridades na gestão da pandemia. Entre os epidemiologistas que encabeçaram esse movimento estavam Jay Bhattacharya (Universidade de Stanford), Sunetra Gupta (Universidade de Oxford) e Martin Kulldorff (Universidade de Harvard), que foram censurados e alvo de censura mediática.
Piers Robinson, cientista político.
Robinson considerou ainda que a indústria de fact-checkers – que não são independentes, por estarem dependentes de orientações sobre as matérias sobre as quais escrevem e dependem financeiramente – está a servir para reforçar ainda mais a concentração de poder que tem ocorrido desde 2020. Segundo este especialista, esta “indústria dos verificadores de factos” está a servir para eliminar opiniões e informações verdadeiras.
Piers Robinson lamenta também que a criação de legislação – supostamente para combater a desinformação –, como a lei dos Serviços Digitais na União Europeia, possa vir a eliminar informação verdadeira que acaba por ser “eliminada” por não beneficiar políticos e autoridades.
E criticou ainda que muitos media mainstream têm sido usados para espalhar medo, aumentar falsamente a percepção de ameaças e ajudar ao assassinato de carácter e difamação de todos os que contradigam aquilo que governos e autoridades desejam.
E também a eliminar “temas delicados” do contacto do público,
Aliás, o PÁGINA UM constatou que nenhum órgão de comunicação social da denominada imprensa mainstream fez a cobertura noticiosa deste congresso, apesar de terem participado diversos cientistas e médicos nacionais – entre os quais os ex-bastonários Germano de Sousa e José Manuel Silva, e ainda Fernando Nobre, presidente da AMI, e Joaquim Couto, ex-presidente da autarquia de Santo Tirso – e especialistas internacionais, incluindo mesmo Michael Levitt, galardoado como Prémio Nobel da Química em 2013.
Nota: 03/11/2022 – Germano de Sousa não esteve presente à última hora por motivos de saúde.
Prémio Nobel da Química de 2013, Michael Levitt é um dos cientistas que marcam presença no Congresso Internacional sobre a Gestão da Pandemia que decorre entre os dias 28 e 31 deste mês, em Fátima. O bioquímico britânico tem vindo a denunciar, desde 2020, as muitas tentativas para descredibilizar cientistas que apenas tentavam tirar conclusões com base em dados e evidências científicas. A criação de uma indústria de “prevenção de pandemias”, que está em marcha e que absorve já milhares de milhões de euros, foi um dos alertas deixados por outro especialista de renome presente neste evento, David Bell. Entre os participantes nacionais neste congresso, destaque para dois antigos bastonários da Ordem dos Médicos, Germano de Sousa e José Manuel Silva, a psicóloga e ex-deputada Joana Amaral Dias e o fundador da AMI, Fernando Nobre.
“Na Ciência, a verdade prevalece sempre, mesmo que demore anos ou décadas”. Estas foram as palavras de Michael Levitt no primeiro dia do Congresso Internacional sobre a Gestão da Pandema / Saúde que decorre desde ontem em Fátima. O Prémio Nobel da Química de 2013 acusa que, durante a pandemia, houve “muita oposição à ciência aberta, muitas tentativas de descredibilizar cientistas que estão apenas a analisar os dados, tal como eu fiz”.
Levitt foi um dos muitos cientistas conceituados a nível mundial que foi alvo de censura desde 2020, chegando a ser desconvidado da primeira Conferência Internacional de BioDesign, a qual se baseava precisamente no trabalho que o próprio cientista desenvolveu. Mas Levitt manteve sempre a sua posição, de que estava a ser exacerbado o nível de perigosidade da covid-19.
Michael Levitt na cerimónia de entrega do Prémio Nobel, em 2013
Hoje, sabe-se que a doença afecta sobretudo as camadas mais idosas da população e que a sua taxa de letalidade média é de 0,035% abaixo dos 60 anos, segundo um artigo científico de vários cientistas, incluindo John Ioannidis, o epidemiologista mais citado a nível mundial. Este artigo veio, aliás, revelar a baixíssima letalidade na população jovem: de 0,0003% nos menores de 19 anos, de 0,003% entre os 20 e os 29 anos, de 0,011% entre os 30 e os 39 years, de 0,035% entre os 40 e os 49 anos, e de 0,129% entre os 50 e os 60 anos.
Note-se que até John Ioannidis, o mais citado epidemiologista mundial, com um h-index do Scopus de 176, também foi alvo de censura e perseguição quando questionou a eficácia das medidas de confinamento, que, entretanto, diversos estudos confirmaram terem causado maiores danos na população do que proveitos ao longo da pandemia.
Na sua apresentação no congresso, feita por videoconferência, Michael Levitt destacou que, durante a pandemia, “alguns países tiveram uma mortalidade abaixo do que é habitual” – incluindo a Suécia, Dinamarca, Noruega, Islândia, Austrália, Coreia do Sul e Nova Zelândia.
Michael Levitt numa entrevista em sua casa após o anúncio da atribuição do Prémio Nobel da Química, em 2013. (Foto: Linda A. Cicero/ Universidade de Stanford)
No caso da Europa, Levitt salientou que, nos países onde se verificou um excesso de mortalidade, “foi sobretudo na faixa etária acima dos 65 anos”.
Nos diversos gráficos que disponibilizou na sua apresentação, ficou patente que, entre 2020 e 2022, as mortes em excesso nas pessoas com idade superior a 65 anos foi de 616 mil, enquanto nos restantes rondou os 94 mil.
Apontou que o cenário foi diferente nos Estados Unidos, onde se registou, comparativamente, uma mortalidade mais elevada entre as camadas mais jovens. Naquele país, os óbitos entre os maiores de 65 anos totalizaram as 730 mil, e entre os menores de 65 anos rondaram as 390 mil – cerca de quatro vezes mais do que no Velho Continente.
José Manuel Silva, antigo bastonário da Ordem dos Médicos (2011-2017) e actual presidente da Câmara Municipal de Coimbra.
O congresso, que decorre até este domingo, contou ainda, no primeiro dia, com a participação de David Bell, um destacado médico clínico e de saúde pública norte-americano, doutorado em saúde populacional.
Este médico, que coordenou a estratégia de diagnóstico da malária com a Organização Mundial de Saúde (OMS), acredita estar a desenvolver-se uma “indústria de pandemias”, a qual “está a ganhar muito dinheiro com base em falácias”.
Para Bell, estas falácias são as teorias falsas de que “as pandemias se estão a tornar cada vez mais frequentes” e que “a interação entre humanos e animais selvagens está a aumentar”.
“Nos últimos 20 anos, houve uma grande mudança no financiamento da OMS, que passou de ser maioritariamente de países-membros para financiadores privados, que dão dinheiro para ser alocado numa determinada doença”, frisou Bell.
“Dizem-nos que há cada vez mais ameaças à saúde pública e que precisam de mais dinheiro”, disse ainda, referindo-se ao acordo Pandemic Preparedness and Response, liderado pela OMS, cujo objectivo é, alegadamente, prevenir e combater eventuais pandemias futuras. Este acordo e outros planos de prevenção de pandemias, irão absorver milhares de milhões de euros.
Este congresso, que vai contar ainda com a participação de muitos outros cientistas e especialistas nacionais e internacionais, foi organizado por Marta Gameiro, médica dentista, e financiado integralmente por donativos particulares, através de uma campanha de angariação de fundos.
A lista de especialistas portugueses com presença confirmada no evento inclui dois antigos bastonários da Ordem dos Médicos – Germano de Sousa e José Manuel Silva -, a psicóloga e ex-deputada Joana Amaral Dias e o médico e fundador da AMI – Assistência Médica Internacional, Fernando Nobre.
Germano de Sousa, antigo Bastonário da Ordem dos Médicos e fundador do Grupo Germano de Sousa, que opera uma vasta rede de laboratórios.
O primeiro dia do congresso teve como mote Confinamentos e Medidas Draconianas de Saúde Pública: o outro lado. Em análise estiveram as restrições impostas em nome da luta contra o vírus, os seus efeitos colaterais a nível global e a conduta da OMS durante a pandemia.
As terapêuticas potencialmente eficazes no tratamento da covid-19 e o estado actual do Serviço Nacional de Saúde foram os temas de discussão no segundo dia do congresso.
No último dia do evento será abordado o tema da saúde mental durante a pandemia, as vacinas contra a covid-19 e a controversa tecnologia de mRNA.
O congresso é gratuito e poderá ser acompanhado em directo através do site oficial.
Texto editado por Elisabete Tavares
Nota: 03/11/2022 – Germano de Sousa não esteve presente à última hora por motivos de saúde.
A proposta da Comissão Europeia para a criação de uma nova legislação para o setor dos media apresenta-se como benigna, visando a proteção da liberdade de imprensa e a salvaguarda do pluralismo. Mas a proposta, que terá ainda de ser aprovada pelos Estados-Membros e o Parlamento Europeu, está a levar alguns a torcerem o nariz. Entre os receios que existem, surge à cabeça a possível tentativa de Bruxelas de querer, com as novas regras, reforçar o seu poder e obter controlo sobre o setor da comunicação social. A Comissão Europeia negou que tenha essa intenção. Mas, apesar de a proposta ter recebido muitos elogios, as dúvidas sobre as reais intenções de Bruxelas persistem.
“De boas intenções está o Inferno cheio”. É este ditado que vem à memória quando se ouvem algumas críticas sobre a nova regulação que pode vir a ser adotada para os media europeus.
As novas regras para o setor dos media propostas pela Comissão Europeia deixam dúvidas, incluindo sobre se se trata de uma tentativa de Bruxelas de obter poder para controlar o setor.
A proposta da nova legislação denominada “European Media Freedom Act” (EMFA) foi apresentada no dia 16 de Setembro e já mereceu muitos elogios mas também críticas. Sobretudo, fica no ar a questão sobre quais são as reais intenções da Comissão Europeia com este novo pacote legislativo para regular um setor tão crítico e fundamental para a democracia.
Segundo a Comissão Europeia, “o objetivo da Lei Europeia da Liberdade dos Meios de Comunicação é proteger o pluralismo e a independência dos meios de comunicação social no mercado único da União Europeia, onde os meios de comunicação social podem operar mais facilmente além-fronteiras sem interferências indevidas”.
A Comissão considera que “as questões relacionadas com os meios de comunicação social têm sido tradicionalmente da competência dos Estados-Membros, mas tal é a ameaça à liberdade dos meios de comunicação social que se tornou necessária uma acção à escala da União Europeia para proteger os valores democráticos”.
A proposta de nova legislação visa responder a sinais de ameaças à liberdade de imprensa em países como a Hungria e a Polónia, e pressões sobre jornalistas em países como Malta, Grécia e Eslovénia. A iniciativa vem complementar a recomendação recentemente aprovada sobre a proteção, segurança e capacitação dos jornalistas e a diretiva para proteger os jornalistas e os defensores dos direitos de litígios abusivos (pacote anti-SLAPP).
Segundo a Comissão, “os quatro principais pilares da EMFA são: salvaguardar a prestação independente de serviços de comunicação social no mercado interno; reforçar a cooperação regulamentar e a convergência; assegurar um mercado funcional dos serviços de comunicação social; assegurar uma alocação transparente e justa dos recursos económicos”.
A proposta, que vem acompanhada ainda de um pacote de “Recomendações” sobre “boas práticas”, coloca na mesa a criação de um regulador europeu para o setor. O “European Board for Media Services” (Conselho Europeu de Serviços de Media) composto pelos reguladores nacionais do setor.
Este regulador, a ser criado, irá garantir a implementação e cumprimento das novas regras europeias e opinar sobre operações de concentração entre empresas de media no espaço europeu. Mas também vai ter um papel “específico na luta contra a desinformação, incluindo interferência externa e manipulação de informação”.
Para ser adotada, a nova legislação terá de ser aprovada pelo Parlamento Europeu e ter luz verde do Conselho Europeu.
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia
Apesar das publicitadas boas intenções deste “European Media Freedom Act” há quem desconfie que a Comissão Europeia possa pretender ter controlo sobre o setor dos media e o jornalismo produzido no espaço europeu.
Para a Civil Liberties Union for Europe, a proposta da Comissão Europeia, “na sua forma atual, não aborda adequadamente os problemas mais prementes, incluindo ameaças crescentes à independência das autoridades nacionais de media e emissoras públicas, a falta de um banco de dados transparente e disponível ao público sobre a propriedade da media e o papel dos auxílios estatais tóxicos e subsídios estatais”.
Para empresas do setor, as novas regras cheiram a possível intromissão no setor por parte dos políticos e burocratas de Bruxelas. “Os reguladores de mídia agora podem interferir na imprensa livre, enquanto os editores estão afastados de suas próprias publicações”, disse Ilias Konteas, diretor executivo da European Magazine Media Association e da European Newspaper Publishers Association ao jornal Politico.
Num comunicado conjunto, um grupo alargado de organizações europeias pela defesa da liberdade de imprensa e dos direitos humanos – incluindo o Centro Europeu para a Liberdade de Imprensa e dos Media e a Federação Europeia de Jornalistas – , considerou que a iniciativa legislativa é bem-vinda.
Contudo, alertaram que “para que o EMFA se torne eficaz na luta pela garantia do pluralismo dos meios de comunicação social, pela proteção dos direitos dos jornalistas e pela independência editorial do impacto dos interesses comerciais e políticos instalados, deve reforçar os esforços para aumentar a transparência na propriedade dos meios de comunicação social”.
Segundo as mesmas organizações, o EMFA deve prever “regras para reger todas as relações financeiras entre o Estado e os meios de comunicação social [para além da publicidade] e “garantir a independência dos reguladores nacionais, bem como a independência do Conselho Europeu dos Serviços aos Meios de Comunicação Social”. Defenderam ainda que a iniciativa deve “proteger totalmente os jornalistas de todas as formas de vigilância [além de spyware]”.
O comissário do Mercado Interno, Thierry Breton, afirmou numa conferência de imprensa – citado pelo Politico – que não houve “absolutamente nenhuma tentativa da Comissão de ter poder” sobre os media.
Por outro lado, as novas regras visam endereçar a questão dos conteúdos noticiosos divulgados nas redes sociais, incluindo notícias que são eliminadas por irem contra as normas impostas por cada plataforma, como o Facebook e o Twitter.
Tendo como base a “Lei dos Serviços Digitais”, o EMFA inclui salvaguardas contra a remoção injustificada de conteúdos noticiosos.
“Nos casos que não envolvam riscos sistémicos, como a desinformação, as grandes plataformas online que pretendam remover certos conteúdos legais de media considerados contrários às políticas da plataforma terão de informar os órgãos de comunicação social sobre as razões” antes de as retirar.
Além disso, “quaisquer reclamações apresentadas por órgãos de comunicação social terão de ser processadas com prioridade por essas plataformas”.
“A referência explícita no EMFA à “Journalism Trust Initiative (JTI)” como um standard de auto-regulação que permite que os media se identifiquem como tal em plataformas online, beneficiando de proteção específica face às operações de moderação das plataformas, é um passo importante”, apontou a RSR num comunicado.
Mas ressalvou que os critérios para definir as entidades que são classificadas como “media” não são satisfatórios atualmente. “Se a auto-declaração como um órgão de comunicação social for suficiente para gozar de proteção, então este mecanismo corre o risco de dificultar os esforços que as plataformas devem empreender para combater a desinformação”, avisou.
Certo é que, notícias verdadeiras têm sido classificadas como “desinformação” devido a erros cometidos por verificadores de factos, os quais operam em parceria com as plataformas de redes sociais, enquanto notícias falsas ou com graves erros escapam a qualquer tipo de escrutínio.
Nem só de uvas se faz vinho, já diz o dichote. E durante a pandemia, nem só de bebidas viveu uma conhecida empresa vinícola da Bairrada. Localizada na Anadia, a Caves da Montanha nunca conseguira vender uma garrafa a qualquer entidade pública, mas soube aproveitar a “onda” e fartou-se de vender máscaras e autotestes, incluindo ao Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, que gere o hospital de Santa Maria. No total foram seis contratos públicos, cinco dos quais por ajuste directo, num total de 340 mil euros. Ninguém explica como empresas sem experiência no sector conseguiram, de repente, convites directos para contratos. Esta é a terceira parte da investigação do PÁGINA UM sobre o LUVASGATE (que não inclui apenas luvas de nitrilo).
“Mais do que bebidas, produzimos momentos de prazer. Esperemos que gostem!” – esta é a divisa da Caves da Montanha, empresa familiar da Anadia fundada em 1943, que já vai na quarta geração. No site da empresa diz-se que está “focada na produção, comercialização e distribuição de bebidas”, sendo “líder da produção de espumantes Bairrada”.
E assim, a acreditar nas palavras da empresa, pela “dedicação e paixão” que metem naquilo que fazem, mostra-se “fácil de entender o motivo pelos qual as pessoas se deixam seduzir tão facilmente pelos nossos espumantes”. Imaginar-se-ia, por isso, que o próprio Estado e entidades públicas tivessem andado a comprar paletes de bebidas comercializadas pela Caves da Montanha, nem que fosse pela Passagem do Ano ou para acompanhar um repasto de leitão à Bairrada.
Mas não. Nada disso.
Depois dos tempos da actriz Soraia Chaves a promover os seus espumantes…
Nunca a Caves da Montanha vendeu ao Estado, ou às autarquias, à Administração Pública, ou outro qualquer ente público uma garrafa que fosse das 14 marcas que comercializa de espumante; nem uma só garrafa das sete marcas de champagne; nem uma só garrafa das 24 marcas de vinho tinto, branco e rosé; nem uma só garrafa das 10 marcas de licores (incluindo groselha); nem uma só garrafa das quatro marcas de aguardente (incluindo bagaceira); nem uma só garrafa de 11 marcas de spirit (incluindo absinto e rum); nem uma só garrafa de água da marca Voss (originária da Noruega a 3,5 euros meio litro). Nem uma para amostra.
Porém, a pandemia teve o condão de fazer com que até os empresários do ramo vinícola pudessem experimentar voos nunca conseguidos antes, e sobretudo em negócios que nunca se imaginariam possíveis.
Por isso, só por uma rebuscada associação, sabendo-se que muitos crimes são cometidos sob efeito do álcool, se poderia imaginar ver em 26 de Novembro de 2020 a Caves da Montanha a vender à Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais “material de protecção individual no âmbito do plano de contingência para o novo coronavírus-covid 19 do hospital prisional”. Valor do contrato: 25.500 euros, por ajuste directo.
… a Caves da Montanha passou a usar narinas e zaragatoas para promover a sua nova linha de negócio.
Como o contrato não foi reduzido a escrito, ignora-se as quantidades e produtos, sabendo-se apenas que o valor em causa daria para comprar cerca de 1.400 garrafas de Espumante Montanha Real Grande Reserva 2010 Branco Bruto, que no mercado se encontra a 17,9 euros.
A este primeiro contrato, de material não especificado, seguiu-se outro em Fevereiro do ano passado, desta vez uma venda de 43.500 euros de máscaras FFP2 para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Foi também um contrato sem redução a escrito, pelo que se ignora igualmente a quantidade e o preço unitário, assim tendo sido realizado por “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade”. Isto apesar da pandemia já então durar há quase um ano.
Quem vende máscaras – ficou a saber-se durante esta pandemia –, também consegue comercializar todo o “pacote” associado. E assim o terceiro contrato público da Caves da Montanha foi de “testes profissionais nasofaríngeos”, comprados pelo município de Leiria. Valor do contrato: 25.000 euros, que se concretizou em Maio. Não se sabe a quantidade de testes, embora o Portal Base indique que o contrato foi cumprido integralmente um dia após ser assumido pelas partes.
No quarto contrato, a Caves da Montanha chegou finalmente a um hospital – e dos grandes. O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte – que integra os hospitais de Santa Maria e Pulido Valente – lançou um raro concurso público, tendo a empresa vinícola da Bairrada apresentado o melhor valor face às outras 15 propostas, grande parte das quais apresentada por empresas do sector de produtos hospitalares e de saúde. Por cada um dos 80.000 testes, a Caves da Montanha cobrou 1,885 euros, mesmo assim um valor cerca de 60% acima do actual preço de mercado.
Se teve ou não pouco lucro neste negócio, ignora-se, mas, em todo o caso, a Caves da Montanha conseguiu que as portas em Lisboa se reabrissem pouco mais tarde. O mesmo centro hospitalar adquiriu à empresa vínicola da Bairrada mais autotestes, por duas vezes já este ano: em 20 de Janeiro, por 57.681 euros, e em 28 de Junho, por 37.700 euros. Em ambos os contratos a compra por ajuste directo foi justificada, mais uma vez, “por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade”.
Sobre estes contratos, com o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, o PÁGINA UM solicitou esclarecimentos à sua administração, presidida por Daniel Ferro, mas não obteve qualquer resposta.
Administração do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte não explica as razões da selecção de uma empresa vinícola para a compra de testes de detecção do SARS-CoV-2.
Não explicando como estabeleceu parcerias com estas entidades públicas para vendas por ajuste directo, a Caves da Montanha diz apenas que a empresa, “fruto da sua experiência e contactos comerciais, garantiu a representação para Portugal de uma das principais marcas internacionais neste sector [materiais como autotestes e máscaras], conseguindo apresentar ao mercado preços mais competitivos, face aos valores apresentados por outras entidades e prazos de entrega mais reduzidos.”
E também não esclarece se o negócio deste tipo de produtos veio para ficar, sendo certo que o PÁGINA UM teve conhecimento de várias vendas feitas a supermercados ainda ao longo deste ano, quer de máscaras cirúrgicas quer de autotestes.
A empresa mantém ainda operacional uma loja virtual, disponibilizando álcool gel, autotestes e máscaras. Neste último caso, já bem baratinhas: passe a publicidade, uma caixa de 50 unidades fica agora a 1,99 euros, ou seja, quatro cêntimos cada… Nas farmácias ainda estão ainda a 7,5 euros a caixa de meia centena.
Uma empresa da freguesia de Milheirós, no concelho da Maia, com uma experiência de 40 anos a reparar automóveis, passou em três tempos a entregar muitos milhões de luvas de nitrilo a hospitais, facturando, em ajustes directos, mais de 1,5 milhões de euros. Tudo parece legal, e sempre justificável com a urgência da pandemia, mas já se mostra anormal a facilidade com que as administrações hospitalares fizeram ajustes directos sem contrato escrito de produtos que, sem justificação económica plausível, quadruplicaram de preço. Esta é a segunda parte da investigação do PÁGINA UM sobre o LUVASGATE.
Saberá bem a uma empresa com quatro décadas de existência ver as portas do Estado abrirem-se. Em 2 de Março de 2020, a Escape Forte Lda. – com oficinas numa freguesia da Maia e outra de Vila do Conde – teve o seu primeiro contrato público: a reparação do motor de uma ambulância do Instituto Nacional de Emergência Médica. Custo do serviço: 7.261 euros, acrescidos de 76 cêntimos. Ajuste directo, como se compreenderá numa urgência.
A partir dessa “encomenda”, a vida começou a correr melhor à gerência da Escape Forte. Não que passassem a vender a instituições públicas mais serviços de reparação, descarbonização e reconstrução de filtros de partículas ou de substituição de catalisadores – o seu forte, ou, se se quiser, o seu core business. Nada disso. A visita por razões mecânicas do INEM foi pontual. Isolada.
Sede da Escape Forte é uma oficina em Milheirós, no concelho da Maia.
Mas há mistérios na vida das empresas, que não são fáceis de prever, mesmo em Março de 2020, quando já se estava a anunciar a pandemia por terras portuguesas. Não se sabendo se houve qualquer associação, porque ninguém a admite, certo é que quatro meses após este conserto da ambulância do INEM, a Escape Forte estava a ter a sua segunda experiência com entidades da área da saúde: entrava portões dentro no Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira, para cumprir um contrato de venda de luvas de nitrilo.
Era o dia 2 de Julho e o contrato com o Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga (CHEDV) – que gere os hospitais de Santa Maria da Feira, Oliveira de Azeméis e São João da Madeira – não era pequeno: quase 850 mil luvas de nitrilo no valor de 80.820 euros. Preço por luva: 9,58 cêntimos, mais de quatro vezes o valor unitário no início da pandemia. Ajuste directo sem necessidade de redução a escrito, por alegados “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”.
Esse contrato foi, curiosamente, aprovado pela administração do CHEDV no mesmo dia em que a Escape Forte fez a alteração do seu objecto social, passando a partir daí a ser também uma empresa de “comércio por grosso de produtos farmacêuticos, comércio por grosso de produtos de proteção individual e material hospitalar”, e ainda de “produção e fabrico de produtos de proteção individual e material hospitalar (EPI)”.
Nada mau, portanto: no primeiro dia em que passou a poder vender luvas de nitrilo, conseguiu mesmo vender luvas de nitrilo.
E não parou por aí.
Pouco mais de um mês depois, em 6 de Agosto, novo contrato. Ajuste directo, claro. Para a mesma entidade pública. Mais substancial: 108.658 euros. O preço reduziu um pouquinho: 8,98 cêntimos por unidade, pelo que, nos meses seguintes, a Escape Forte foi ao Hospital de São Sebastião fazer entregas de 1.210.000 luvas de nitrilo.
Ganhou-lhe o gosto, o hospital de Santa Maria da Feira, porque ainda nesse ano, em 3 de Novembro, saiu um terceiro contrato com a Escape Forte, que se comprometeu, a troco de 142.400 euros, a entregar esterilizadas mais cerca de 1,5 milhões luvas de nitrilo, a um preço unitário de 9,58 cêntimos. Também novamente por ajuste directo e sem contrato escrito.
Como não há três sem quatro, em Janeiro de 2021, lá veio a administração do CHEDV concordar com mais um contrato por ajuste directo com a Escape Forte. E bem forte, porque foi por um montante superior a metade da facturação que esta empresa tinha tido em 2019 a prestar serviços com filtros de partículas e catalisadores.
Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira, comprou nove milhões de luvas de nitrilo à Escape Forte.
Neste quarto contrato, o Hospital de São Sebastião comprou à empresa da Maia, desta vez, luvas num montante total de 557.600 euros, o que significa que foram entregues 5,44 milhões de unidades. O preço de cada luva subiu para os 10,25 cêntimos, mais de cinco vezes superior ao valor imediatamente anterior à pandemia.
No total, a Escape Forte conseguiu em sete meses, sempre por ajuste directo com a administração do Hospital de São Sebastião, contratos no valor de quase 890 mil euros para a entrega de nove milhões de luvas de nitrilo. Esta unidade hospitalar tem cerca de mil funcionários, incluindo serviços técnicos e administrativos. Em Setembro passado, os três hospitais do CHEDV contava com 2.415 funcionários, dos quais 505 médicos (incluindo internos) e 779 enfermeiros.
Mas não foi apenas o CHEDV que se abriu ao Escape Forte. O Hospital Distrital da Figueira da Foz pagou 95.950 euros por um número indeterminado de luvas, em contrato por ajuste directo sem redução a escrito feito em Outubro de 2020.
Em 20 de Janeiro do ano passado, o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) decidiu que a empresa da Maia seria a mais ajustada para ser a receptora de 522.650 euros de dinheiro público em troca de um número indeterminado de luvas, cujo número se desconhecer por também não haver contrato reduzido a escrito nem a administração daquela unidade do SNS os ter desejado revelar.
Rui Lopes, gerente da Escape Forte.
Certo é que, apesar da concorrência num mercado com empresas detentora de larga experiência no sector, o sucesso repentino da Escape Forte na venda de luvas de nitrilo levou o seu gerente, Rui Lopes a criar ainda em 2020 outras empresa, a Be Epic Pharma, com um capital social de 5.000 euros, alargando a actividade para outros materiais e produtos descartáveis na área da saúde.
Esta nova empresa, sem loja física e sem sequer indicar preço no respectivo site, foi constituída em 19 de Agosto daquele ano, e até final de Dezembro encaixou seis contratos com entidades públicas: um com a Administração Regional de Saúde do Algarve (50.600 euros), outro com o município de Albergaria-a-Velha (12.140 euros) e quatro com a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (no valor global de 149.900 euros).
No ano seguinte, em 2021, a Be Epic Pharma apenas fez três contratos públicos. Um com o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (157.000 euros), outro com a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (33.800 euros) e um terceiro com o Hospital da Horta (21.726 euros).
Este ano, a empresa associada à Escape Forte conta já com cinco contratos, sendo dois com a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (55.000 euros, no total), um com o Serviço Regional de Protecção Civil da Madeira (46.165 euros), um com o Hospital de Ponta Delgada (13.200 euros) e um com o Centro Hospitalar Barreiro-Montijo (1.350 euros). Apenas estes dois últimos contratos foram firmados por concurso público; todos os outros foram por ajuste directo ou mera consulta prévia.
Para explicar como conseguiu estabelecer-se tão rapidamente neste mercado, a Escape Forte mostrou-se parca em explicações, através de Rui Pinto, que se assumiu como representante de Rui Lopes, apresentado como “Administrador do Grupo Escape Forte”. A empresa Escape Forte, diga-se, é uma simples sociedade por quota unipessoal, com um capital social de 5.000 euros. Tem assim gerentes, pois só há administradores em sociedades anónimas. Além disso, não existe uma holding nem grupo económico.
Aspecto de uma das oficinas da Escape Forte.
Independentemente desta frivolidade, sobre as questões colocadas pelo PÁGINA UM sobre como se iniciaram e frutificaram os negócios das luvas de nitrilo, que contactos tinham ou estabeleceram com os hospitais (sobretudo o CHEDV), como adquiriam os produtos que vendiam e os preços praticados, o representante da empresa diz que, além dos dados constantes no Portal Base, “toda e qualquer informação está protegida pelo sigilo contratual previsto no Código dos Contratos Públicos, entre a entidade adjudicante e o adjudicatário, estando a Escape Forte e os seus profissionais, vinculados ao mesmo.”
Em todo o caso, Rui Pinto adianta que as mercadorias vendidas pela Escape Forte provieram de “algumas operações de importação e fornecimento de material de combate à pandemia, quer a entidades públicas, quer privadas”. E diz ainda que a empresa cumpriu a legislação em vigor, designadamente o “Despacho 4699/2020 de 18 de abril, que limitava as margens de lucro nos produtos necessários ao combate à pandemia”, além de ter pautado a sua conduta pelo “bom senso comercial e pessoal.”
Sendo certo que a Escape Forte não teve um desempenho que se aproxime da Raclac – também alvo da investigação do PÁGINA UM –, uma vez que não é produtora de luvas de nitrilo (as margens operacionais são assim mais baixas), não se pode dizer que a empresa de filtros de partículas da Maia se tenha saído mal nos últimos dois anos. Face a 2019 – antes da pandemia –, os nove empregados (com um salário de mil euros) conseguiram uma facturação de 901 mil euros e um lucro de 31 mil euros.
Com a pandemia a “desviar” a actividade da empresa para a venda de luvas de nitrilo, a facturação da Escape Forte em 2020 ultrapassou os 1,7 milhões de euros e o lucro subiu para os 82 mil euros. E isto com apenas dois empregados, deduzindo-se assim que a empresa tenha suspendido grande parte da sua actividade normal nas oficinas por via dos lockdowns.
No ano passado, o volume de negócios ainda aumentou mais, para cima dos 2,25 milhões de euros, com os lucros a aproximarem-se dos 147 mil euros. O número de empregados aumentou para os 13, significando assim que a Escape Forte retomou também a sua actividade original, mantendo forte a venda de luvas de nitrilo.
A estes resultados da Escape Forte em 2021 devem acrescentar-se os da Be Epic Pharma. Nesse ano, a novel empresa registou uma facturação de cerca de 1,76 milhões de euros e um lucro de 82 mil euros, fruto do trabalho de apenas duas pessoas.
Mas, enfim, porque motivo foi a Escape Forte, que nunca tivera qualquer experiência com luvas de nitrilo ou equipamentos de protecção individual, escolhida por hospitais e outros entes públicos?
O PÁGINA UM perguntou a três dos hospitais que lhes fizeram compras: Hospital da Figueira da Foz, Centro Hospitalar do Algarve e o CHEDV, que foi o melhor cliente da Escape Forte.
Anúncio da Escape Forte no Facebook: “vai ficar tudo bem!” Para a empresa de reparação automóvel, ficou…
Ilda Geraldo, do gabinete de relações públicas do CHEDV, diz que “tivemos conhecimento da disponibilidade de oferta destes produtos por parte da empresa [Escape Forte] através de comunicações que chegaram ao conhecimento do Serviço de Compras da instituição.
Aquela responsável alega que, “quando se iniciou a relação” com a Escape Forte, “o mercado era altamente deficitário em termos de resposta face às necessidades de aquisição, acrescentando que “a credibilidade da empresa foi aferida através da validação das luvas a fornecer pela Comissão Técnica da instituição, constituída por profissionais de saúde habilitados para o efeito.”
E não se diga que o CHEDV esteja arrependido. “Numa altura em que era frequente o não cumprimento dos prazos de entrega de material, esta foi uma das empresas mais cumpridoras, deslocando-se ao hospital sempre que necessário”, refere Ilda Geraldo, informando que “não foi registada qualquer queixa da qualidade das luvas por parte dos serviços utilizadores.” Caso a Escape Forte “decida concorrer e cumprir o estabelecido no Código dos Contratos Públicos para o tipo de procedimentos a desenvolver, nomeadamente, concursos públicos”, o CHEDV “poderá vir a adquirir[-lhe] mais luvas ou outros materiais”, adianta.
Escape Forte: das feiras de reparação automóvel até à venda de luvas de nitrilo., bastou uma pandemia temperada por ajustes directos.
Mais a sul, o gabinete de comunicação do CHUA disse apenas ao PÁGINA UM que as aquisições de louvas de nitrilo à Escape Forte foram feitas “como último recurso, porquanto, devido à pandemia”, uma outra empresa que tinha ganhado uma adjudicação “no âmbito de um concurso realizado ao abrigo do acordo quadro, não conseguiu garantir o fornecimento”.
E acrescenta ainda que “na falta de fornecimento por parte dessa empresa, não se encontrou mais nenhuma outra no mercado [a não ser a Escape Forte] que comercializasse este material e que garantisse as entregas atempadamente.”
Tudo, portanto, perfeito… E normal, cada vez mais normal, em Portugal.
Afinal, Portugal terá já gastado mais de 660 milhões de euros (e não 500 milhões) em vacinas contra a covid-19. Embora o Ministério da Saúde remeta para a Direcção-Geral da Saúde a divulgação dos contratos, assume que foram compradas 45 milhões de doses desde finais de 2020. Contas feitas, entre vacinas tomadas, doadas e revendidas, o stock actual é de 9,5 milhões de doses que valerão pelo menos 140 milhões de euros. Entretanto, com a previsível redução do “consumo”, a Pfizer prepara-se para quadruplicar o preço das vacinas para o próximo ano. O negócio tem de continuar.
Desde Dezembro de 2020, Portugal já comprou quase 45 milhões de vacinas contra a covid-19 e tem um stock actual de cerca de 9,5 milhões de doses, mesmo se a adesão da população aos reforços esteja a ficar muito aquém das expectativas. Quase todos os contratos relativos a essas compras ainda não constam do Portal Base de contratação pública, sem que a Direcção-Geral da Saúde dê qualquer explicação.
O número total de doses já adquiridas pelo Estado português foi transmitida esta semana ao PÁGINA UM por fonte oficial do Ministério da Saúde, que indicou que até ao dia 14 deste mês, “Portugal recebeu 44,9 milhões de vacinas”, tendo doado 7,8 milhões de doses, sobretudo aos PALOP, e revendido 2,6 milhões de doses.
O Ministério da Saúde acrescenta ainda que “até 17 de Outubro foram administradas cerca de 25 milhões de vacinas”, pelo que restam assim 9,5 milhões de doses em armazém. O número de vacinas administradas fica, porém, aquém do número estimado esta semana pelo PÁGINA UM (quase 26,8 milhões de vacinas administradas), calculado em função da cobertura vacinal por grupo etário indicada semanalmente pela DGS. O site Ou World in Data aponta para a administração de 25.965.516 doses em Portugal até 14 de Outubro.
Deste modo, considerando um custo médio unitário de 14,7 euros – valor dos lotes financiados pela União Europeia através do Compete 2020 –, Portugal já terá afinal despendido cerca de 660 milhões de euros em vacinas contra a covid-19, e o stock actual (9,5 milhões de doses) terá um valor de quase 140 milhões de euros. Na semana passada, o PÁGINA UM tinha avançado que teria sido gastos 500 milhões de euros, mas desconhecia ainda a quantidades de doses em stock agora confirmado pelo Ministério da Saúde.
A questão, neste momento, é saber se a procura por vacinas contra a covid-19 justificara a compra de tantas doses, quando se observa a nível mundial uma redução da adesão sobretudo nas idades mais jovens na toma de reforços.
Em Portugal, a campanha de reforço em curso – denominada de “sazonal”, embora seja a quarta ou quinta dose para a maioria dos casos – foi iniciada na primeira quinzena de Setembro, foram “alcançadas”, por agora, pouco mais de um milhão de pessoas.
De acordo com os dados ontem divulgados pela DGS, 60% dos maiores de 80 anos tinham recebido esse reforço, sendo que essa taxa descia para os 30% no grupo etário dos 65 aos 79 anos. Essas percentagens representam cerca de 407 mil e 485 mil pessoas, respectivamente. Abaixo dos 65 anos, a DGS diz que tomaram reforço sazonal 5% das pessoas com idades entre os 50 e 64 anos e 1% das pessoas com idades entre os 25 e os 49 anos, ou seja, um total de pouco mais de 140 mil pessoas.
Embora o coordenador do programa de vacinação, Penha Gonçalves tenha adiantado, anteontem, ao Público que 1,27 milhões de pessoas acima dos 60 anos tinha tomado já dose de reforço, e que “a vacinação está a decorrer dentro daquilo que está planeado”, as expectativas de se repetir um ritmo similar ao ano passado – que incluiu a vacinação de jovens e de crianças – parecem baixas.
Sendo certo que entre 3 de Setembro e 14 de Outubro deste ano se vacinaram, de acordo com o OurWorldinData, quase tantas pessoas como em período homólogo do ano passado (1.052.968 pessoas vs. 1.070.286), até agora, nesta fase, foram abrangidas sobretudo os mais idosos, incluindo os residentes em lares. Porém, enquanto ao longo do Outono de 2021 e Inverno de 2021-2022, houve uma grande adesão da população portuguesa – entre Setembro do ano passado e Março deste ano foram administradas quase 8,5 milhões de doses –, incluindo de adolescentes e jovens adultos, agora não parece ser muito previsível a repetição desse fenómeno.
Com efeito, face à vacinação primária – que a DGS garante ter sido de 100% acima dos 25 anos e de 98% entre os 12 e os 24 anos –, a adesão ao primeiro reforço foi bastante mais baixa, sobretudo abaixo dos 50 anos. Entre os 25 e os 49 anos foi de 68% e entre os 18 e os 24 anos apenas de 55%. A DGS não recomendou, ao longo dos primeiros nove meses de 2022, o reforço para os menores de idade. Recuperou recentemente o apelo, através de declarações de Graça Freitas, embora sem a existência de uma justificação científica.
Esta tendência de recusa dos reforços estará também relacionada com a percepção de um muito menor risco da Ómicron – que já atingiu quase metade da população portuguesa este ano, atendendo aos casos positivos acumulados –, que tem efectivamente uma taxa de hospitalização e de letalidade muitíssimo mais baixa do que as variantes anteriores. Além disso, a confirmação de que a imunidade natural dá garantias fortes de protecção, sobretudo às pessoas mais novas e saudáveis, pode ainda afastar mais as pessoas de optarem pelo reforço vacinal.
Além disso, a falta de transparência – e mesmo obscurantismo – em redor das vacinas tem resultado num aumento da desconfiança alimentada pela “fadiga vacinal”. Aliás, existe um receio de que, com tanta pressão para se vacinar contra a covid-19, as pessoas mais vulneráveis à gripe possam até recusar a vacina contra esta doença.
Em Portugal também não tem ajudado a postura das autoridades de Saúde, que aparentam estar sobretudo a defender os interesses das farmacêuticas e a proteger decisões políticas polémicas. Recorde-se, por exemplo, que o Infarmed continua a recusar o acesso ao Portal RAM, que cataloga os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19, estando o processo de intimação ainda a decorrer no Tribunal Administrativo, por iniciativa do PÁGINA UM.
Entretanto, esta semana soube-se que a Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 terá funcionado à margem da lei, sem sequer registar a sua actividade em actas, como agora alega a Direcção-Geral da Saúde, que poderá também estar, na verdade, a sonegar informação comprometedora.
Neste cenário, as farmacêuticas preparam já uma eventual descida do “consumo” para não perderem uma “receita” comercial de sucesso. Na sexta-feira passada, a agência Reuters anunciou que a Pfizer tem um plano para quadruplicar o preço nos Estados Unidos a partir do próximo ano, para valores entre os 110 e os 130 dólares por dose. Esta decisão, que deverá ser acompanhada pelas outras farmacêuticas, terá um impacte favorável das receitas da Pfizer de até três mil milhões de dólares por ano, segundo analistas.
A Direcção-Geral da Saúde (DGS) escreveu ao PÁGINA UM para informar “sobre os motivos para a inexistência de actas formais das reuniões da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19”. Graça Freitas diz, desta vez, que havia “urgência para salvar vidas”, pelo que não houve tempo para actas mas apenas para pareceres, que, diga-se, não identificam sequer quem votou contra. A DGS não quantifica quantas vidas se perderiam se as actas – obrigatórias por lei e que revelariam o debate científico entre os membros – fossem escritas e divulgadas. O PÁGINA UM vai pedir ao Ministério Público que apure se Graça Freitas está a dizer a verdade ou se procura sonegar informação comprometedora, depois de uma sentença do Tribunal Administrativo a ter intimado a mostrar as actas ao PÁGINA UM
A Direcção-Geral da Saúde justifica que foi por causa das “circunstâncias de elevada pressão sobre os serviços de saúde e urgência para salvar vidas” que não se mostrou possível “elaborar as actas formais das reuniões” da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC).
Esta comissão consultiva, criada em Novembro de 2020, conta com 13 membros efectivos, peritos supostamente independentes, a que acrescem 16 membros consultivos. Aparentemente, nenhum terá tido tempo ou disponibilidade – à conta de salvar vidas – para escrever e aprovar actas onde, por exemplo, ficasse expresso quem foram os membros que, por exemplo, votaram contra o processo de vacinação dos adolescentes e das crianças aquando da discussão destas questões em Agosto e Dezembro de 2020, respectivamente.
Graça Freitas diz agora que não há actas da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19: um acto ilegal, se for verdade; um crime, se for mentira.
Recorde-se que a CTVC tem como funções a elaboração de pareceres técnicos sobre as vacinas contra a covid-19 e as estratégias de vacinação, de recomendações sobre os grupos-alvo da vacinação COVID-19 e a sua priorização, bem como apresentar propostas e acompanhar o desenvolvimento de estudos sobre os programas vacinais e ainda pronunciar-se sobre necessidade de formação.
Na carta hoje recebida pelo PÁGINA UM, Graça Freitas diz que “face à urgência na tomada de decisões fundamentadas e fundamentais que permitissem a célere implementação do processo de vacinação da população residente em Portugal, e a redução do consequente impacte da infecção na saúde dos cidadãos, todos os esforços foram alocados para assegurar a atempada fundamentação técnico-científica e ética das decisões e a sua rápida implementação, através da elaboração e atualização de Normas da DGS”.
Mas agora, acrescenta, parece que haverá tempo ao fim de dois anos de existência da CTVC. Graça Freitas assegura que “com a não prorrogação do estado de alerta a 30 de setembro de 2020, bem como com a cessação da vigência de diversos decretos-leis e resoluções aprovadas no âmbito da pandemia, será assegurada a elaboração das atrás das reuniões ocorridas após aquela data”.
Dossier dos pareceres da CTVC consultados pelo PÁGINA UM em Março. A DGS sempre recusou revelar as actas. Agora, intimada pelo Tribunal Administrativo, diz que afinal nunca houve actas, mas que a CTVC vai agora começar a fazê-las.
Destaque-se, contudo, que nenhum decreto-lei nem nenhuma resolução aprovada no âmbito da pandemia permitia que uma comissão consultiva como a CTVC não tivesse de elaborar actas, até por não ser algo que exigisse um dispêndio de tempo e de recursos relevante.
Apesar da obrigatoriedade legal, e de não existir qualquer regime de excepção – e ser crucial conhecer a fundamentação técnica e científica de cada um dos membros, no pressuposto de que todos pugnavam apenas por princípios éticos e científicos, e não de outra natureza, mormente comerciais –, em mais de duas dezenas de pareceres não terão sido assim, alegadamente, elaboradas actas. Ou então está-se perante falsas declarações agora que o Ministério da Saúde foi intimado pelo PÁGINA UM a disponibilizar as actas.
Esta situação mostra-se ainda mais anormal por terem sido indicados, dentro do grupo, um coordenador – Válter Fonseca, então director do Departamento de Qualidade da Saúde da DGS – e um coordenador-adjunto, Luís Graça. Este médico imunologista – que não andou a salvar vidas nos hospitais –, porquanto é investigador do Instituto de Medicina Molecular na área da regulação de linfócitos, acumula ainda a presidência da Sociedade das Ciências Médicas de Lisboa.
Esta entidade é sobretudo conhecida por promover os Prémio Pfizer, que distingue anualmente investigação médica com uma recompensa monetária de 60 mil euros por ano. Além disso, Luís Graça tem tido, a título pessoal, ao longo dos últimos anos, diversas ligações a outras farmacêuticas com interesses nas vacinas, como a AstraZeneca. Da farmacêutica anglo-sueca recebeu oficialmente 3.050 euros nos últimos dois anos. Aparentemente, Luís Graça – que não respondeu às questões do PÁGINA UM – não teve assim tempo disponível para escrever uma acta sequer relativa a uma comissão consultiva para a qual não foi compelido a aceitar.
Também nenhum outro membro da CTVC terá tido tempo para escrever actas nem a responder às questões do PÁGINA UM.
Luís Graça (à esquerda), coordenador-adjunto da CTVC, não teve tempo para elaborar actas, mas teve tempo para conversas amigáveis com Paulo Couto Ferreira, relações públicas da Pfizer, em Novembro de 2021. E também para colaborar com a AstraZeneca por diversas vezes em 2021 e 2022.
Recorde-se que a justificação da directora-geral da Saúde sobre a inexistência de actas desta importante comissão científica – que a confirmar-se significa que a sua “ciência” da CTVC se sustenta em coisa nenhuma – surge depois de largos meses sem que esta responsável manifestasse essa situação. Pelo contrário.
Em Março passado, o gabinete jurídico da DGS informou o PÁGINA UM que “por despacho da Senhora Diretora-Geral da Saúde, datado de 18 de Março de 2022, foi solicitada apreciação jurídica sobre as duas questões requeridas” pelo PÁGINA UM, a saber: a identificação dos membros que votaram contra e se abstiveram face ao parecer (homologado em 28/07/2021) relativo à vacinação contra a covid-19 em adolescentes, e o mesmo em relação ao parecer sobre a mesma matéria, homologado em 8 de Agosto de 2021. Ora, apesar desse parecer nunca ter sido enviado ao PÁGINA UM, pressupunha que existia um documento oficial onde constavam as orientações de voto e a sua justificação. Ou seja, uma acta.
Também num processo levantado pela Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, Graça Freitas nunca alegou que as actas não existiam. E nem mesmo nas diversas intervenções no processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, do qual o Ministério da Saúde era réu, foi suscitada a inexistência de actas. Só agora que uma juíza sentenciou a obrigatoriedade de entrega, sob risco de multa, vem a DGS dizer que não há actas… porque se esteve sempre a salvar vidas.
O PÁGINA UM vai solicitar ao Ministério Público diligências para apurar se as actas não existem mesmo ou se estão a ser sonegadas ou mesmo eliminadas.
N.D. Todas as diligência do PÁGINA UM nos processos entrados no Tribunal Administrativo, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM está envolvido em 13 processos de intimação, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 11.131 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Na secção TRANSPARÊNCIA começamos a divulgar todas as peças processuais dos processos. em curso no Tribunal Administrativo. Este processo específico pode ser consultado aqui.