Categoria: Exame

  • ‘Rigor informativo de uma notícia não assenta exclusivamente na veracidade’, defende SIC para justificar imagens falsas

    ‘Rigor informativo de uma notícia não assenta exclusivamente na veracidade’, defende SIC para justificar imagens falsas

    Já são três as deliberações, envolvendo quatro canais televisivos. A Guerra da Ucrânia tem sido o palco para absurdos e propaganda dos media mainstream portugueses, incluindo uso de imagens de videojogos para retratar a suposta realidade. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social lança farpas às televisões, mas para estas parece estar tudo bem. A SIC até defende que se pode ser rigoroso mesmo com imagens falsas.


    Depois da CNN Portugal, agora foi a vez da SIC, da SIC Notícias e da RTP levarem um “puxão de orelhas” da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), através de duas deliberações distintas, por terem transmitido imagens falsas sobre a guerra na Ucrânia.

    No caso da SIC e da SIC Notícias, a ERC deliberou sobre uma queixa contra os canais de televisão do grupo Impresa devido à transmissão de uma “peça sobre um piloto ucraniano apelidado de ‘Fantasma de Kiev’”. Os dois canais televisivos abordaram, no passado dia 25 de Fevereiro, a história de “um piloto ucraniano, apelidado de ‘Fantasma de Kiev’, que alegadamente abatera vários caças russos”. As imagens usadas para ilustrar as notícias não eram reais, antes eram imagens de um jogo de vídeo de simulador de voo. E o “Fantasma de Kiev” era um verdadeiro fantasma: nunca ninguém o vira.

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    Na verdade, a ERC confirma o teor da queixa: as imagens transmitidas foram retiradas de “um vídeo de YouTube, [o] que demonstra que as peças (…) não reproduzem o atual conflito”. Embora o regulador esclareça na deliberação que este vídeo já não se encontra acessível, “antes da sua remoção foi possível identificar a peça em causa e apreender os fundamentos da presente participação”.

    No caso da RTP, a queixa feita junto da ERC diz respeito a uma peça emitida a 1 de Março sobre a “utilização de cocktails Molotov por civis ucranianos contra carros de combate russos”. Também as imagens eram falsas, por não retratarem a realidade então vigente. Segundo o denunciante, as imagens eram iguais às de um vídeo de YouTube, onde se exibiam imagens de um conflito anterior, de 2014, e não as do actual conflito. De facto, as imagens retratam as manifestações na Praça Maidan em 24 de Fevereiro de 2014, um conflito interno que viria a depois derrubar um governo ucraniano pró-russo.

    Deste modo, em ambos os casos, a ERC não tem dúvidas em garantir que foram difundidas imagens falsas, considerando que “a utilização destas imagens põe em causa o rigor informativo”. Recorde-se que o regulador também já detectara o uso de imagens falsas na CNN envolvendo também o uso de imagens de um videojogo.

    SIC e SIC Notícias divulgaram propaganda ucraniana, através de uma história inverídica e com imagens de um videojogo.

    Assim, o regulador deu “por verificado que a RTP, na emissão de 1 de março de 2022, exibiu imagens de um conflito de 2014, publicadas no Youtube há vários anos, referindo-se às mesmas como imagens do atual conflito na Ucrânia, induzindo os telespetadores em erro quanto à sua atualidade e proveniência”.

    Na análise que fez, a ERC nota que as imagens em causa foram “transmitidas no final da reportagem, por 40 segundos, sem qualquer relato jornalístico sobreposto, apenas se ouvindo o som das explosões”, ou seja, “durante 40 segundos aquele vídeo é verdadeiramente a notícia e o telespectador médio considerará, necessariamente, que são imagens atuais, o que não é o caso”.

    Em sua defesa, a RTP alegou que a ERC não teve em conta “convenções mais correntes e comummente aceites no jornalismo televisivo em todo o mundo no que respeita à distinção entre imagens notícia e imagens meramente ilustrativas”, e argumentou que “nem todas as imagens são notícia”.

    Quanto à SIC, na sua deliberação final, a ERC dá “por verificado que a peça transmitida pela SIC e SIC Notícias utilizou imagens de um jogo de vídeo de simulador de voo para retratar o atual conflito na Ucrânia”. Conclui ainda que “a utilização destas imagens põe em causa o rigor informativo da peça jornalística, imposto” pela Lei da Televisão de Serviços Audiovisuais a Pedido.

    Na deliberação, a ERC considera “que é essencial que, no ambiente atual em que prolifera a desinformação, os media noticiosos ditos tradicionais garantam uma informação rigorosa e pugnem por alcançar a máxima credibilidade junto do público”. Diz também que os media mainstream “devem posicionar-se como portos seguros onde se encontra informação de qualidade”.

    O regulador decidiu “instar a SIC e a SIC Notícias a respeitarem o rigor informativo, sobretudo na cobertura noticiosa de guerra e conflitos armados, devendo assegurar a idoneidade e a atualidade de imagens ou discursos provenientes de fontes de informação oficiais e não oficiais, de forma a não veicularem conteúdos de desinformação ou propaganda”.

    Aliás, com base já nas três deliberações sobre má conduta de quatro canais televisivos (CNN Portugal, RTP, SIC e SIC Notícias), a ERC aproveitou para divulgar novamente a sua directiva sobre cobertura informativa televisiva de guerras e conflitos armados, aprovada em Agosto passado,

    Imagens de Fevereiro de 2014 na Praça Maidan, em Kiev, foram transmitidas pela RTP como se fossem de 2022.

    O regulador ainda decidiu “recomendar à SIC e à SIC Notícias que, nos fact-checks que realizem sobre conteúdos que também divulgaram, assumam o facto de também terem transmitido informação incorreta, reconhecendo o seu erro perante o público”. Isto porque a SIC Notícias, em parceria com o Polígrafo, até acabou por desmentir a história do “Fantasma de Kiev”, mas somente 20 dias depois e nunca revelando que também cometera esse erro, e que não tinha sido algo apenas das redes sociais.

    Na verdade, o mais curioso nestes dois processos acaba por ser os argumentos defendidos pelos canais televisivos.

    Por exemplo, notificada a pronunciar-se sobre as imagens falsas, a SIC admite-as, mas ainda argumentou que, “aquando da elaboração da peça, foram respeitados os deveres” jornalísticos. A SIC defende mesmo que “o rigor informativo de uma notícia não assenta exclusivamente na veracidade, o modo de construção da notícia respeitou os padrões de exigência e rigor jornalístico – ainda que se tenha vindo a provar que as imagens não eram reais – não só por a notícia ter sido apresentada de modo dubitativo, ou pelo menos não confirmado, mas outrossim por se tratar de uma notícia amplamente difundida, em particular por fontes oficiais ucranianas”.

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    A estação de televisão justificou o erro na difusão da notícia com o facto de estar no início do conflito. Explicou que a “notícia surgiu na sequência da publicação online do vídeo em causa”, a par “de fotografias de um piloto ucraniano – publicadas em 2019 pelo Ministério da Defesa ucraniano –, com a indicação de que um piloto ucraniano teria abatido sete caças russos”. E culpa as redes sociais, destacando que a “informação” foi “difundida, nas redes sociais, por várias contas ucranianas, assim como por órgãos informativos tidos por fidedignos”.

    Mas a SIC admitiu que “como se veio a perceber dias depois […] as imagens e a notícia foram veiculadas no âmbito da guerra de propaganda em curso nas redes sociais, utilizando imagens de um simulador de voo e imagens de um piloto ucraniano, de 2019”.

    Mas estes argumentos não foram acolhidos pela ERC, que enfatizou, na sua deliberação, que “a exibição de imagens virtuais como sendo imagens reais não configura um ‘modo dubitativo’ [como alegou a SIC], mas antes uma violação grosseira do dever de assegurar o rigor informativo”.

    O regulador salientou ainda que “o dever de rigor informativo impõe a verificação da autenticidade das imagens exibidas, de forma a detetar imagens virtuais, manipuladas digitalmente, etc.”, sustentando ser “necessário exercer um especial cuidado na utilização de imagens retiradas de redes sociais, nomeadamente através da confirmação da sua veracidade, sob pena de a sua exibição configurar desinformação”.

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    Sobre a alegação da SIC, de que a notícia foi desmentida, tendo o programa ‘Polígrafo SIC’ abordado o assunto no dia 14 de março, a ERC discorda que se trate de uma rectificação.

    “Tendo sido visionado o programa ‘Polígrafo SIC’, verifica-se que, de facto, a história foi desmentida”, salienta o regulador, relembrando, porém, que a SIC não aproveitou a oportunidade para referir que aquelas imagens tinham também sido transmitidas naquele canal. “Na verdade, não procedeu à devida retificação da sua notícia”, conclui a entidade presidida pelo juiz conselheiro Sebastião Póvoas.

    Quanto à alegação dos canais da Imprensa de a sua peça ter sido apresentada em tom dubitativo, o regulador entende que “perante as dúvidas existentes quanto a veracidade da história e daquelas imagens, deveria a SIC ter refletido sobre a pertinência de contar aquela história”.

    Para a ERC, com a difusão daquela notícia falsa, “a SIC acaba por aderir à propaganda ucraniana”. E frisa que “não parece, assim, que fosse necessário um trabalho jornalístico minucioso para verificar que se tratava de imagens de um simulador de jogo, e não imagens reais”.

    Saliente-se, contudo, que apesar de ter esse poder, a ERC não obrigou a SIC, a SIC Notícias e a RTP, tal como já sucedera com a CNN Portugal, a pedirem desculpas aos telespectadores.

  • Juíza quer ver com os próprios olhos se o Instituto Superior Técnico tem um “esboço embrionário” ou uma desculpa esfarrapada

    Juíza quer ver com os próprios olhos se o Instituto Superior Técnico tem um “esboço embrionário” ou uma desculpa esfarrapada

    Assumindo a sua “autoridade científica”, o Instituto Superior Técnico começou, primeiro de forma sobranceira, a recusar ao PÁGINA UM o acesso a um relatório alarmista sobre a covid-19 disponibilizado à Lusa. Intimado através do Tribunal Administrativo de Lisboa, a instituição tem alegado que só fez um “esboço embrionário”. A juíza quer saber se é verdade. E obrigou esta entidade universitária presidida pelo catedrático Rogério Colaço a entregar-lhe o documento, em envelope lacrado, para o analisar.


    A juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa, Telma Nogueira, exige ver o alegado estudo do Instituto Superior Técnico divulgado pela imprensa em finais de Julho que estimava a ocorrência de centenas de mortes por causa das festas populares e festivais de música em Junho passado, numa altura em que, na verdade, se observou uma tendência de redução significativa de casos positivos.

    Em causa estão as estimativas e análises sobre a pandemia elaboradas pelo Instituto Superior Técnico desde Junho de 2021, em parceria com a Ordem dos Médicos, que inclui aquele que se debruçou sobre os efeitos das festividades de Junho, mas que agora a instituição universitária diz não ser, afinal, um relatório, apesar de a agência Lusa ter garantido ao PÁGINA UM que assim é. As estimativas apontavam para a ocorrência da “morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados [sic] às festas populares de junho”.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes, na sede da Ordem dos Médicos, em Julho do ano passado, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico diz que não houve um acordo escrito desta parceria. O Tribunal Administrativo decidirá se obriga ou não uma instituição pública a ceder dados científicos para validação pública.

    Durante o processo judicial no Tribunal Administrativo, o Instituto Superior começou por defender que não tem o dever de disponibilizar os documentos ao PÁGINA UM – incluindo os dados em bruto e a metodologia – por se estar perante um “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”.

    Já na semana passada, o Instituto Superior Técnico veio argumentar, também em sede do processo de intimação instaurado pelo PÁGINA UM, dizendo que “o requerido [IST] nunca negou ter elaborado um ensaio, apenas afirmou que não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso que era um esboço”. E dizia ainda que a pretensão do PÁGINA UM “já se encontra satisfeita”, alegando que “o conteúdo do esboço foi dado a conhecer ao requerente [director do PÁGINA UM] assim que foi solicitado”.

    A instituição universitária presidida pelo catedrático Rogério Colaço argumentava, por fim, que “não se vislumbra também qual a utilidade que um documento incompleto, ou seja, por concluir, possa ter para o requerente [PÁGINA UM], pois tratando-se de um ensaio de projeção/ estimativa, pode não conter informações exatas e precisas, para que o requerente como jornalista possa depois difundir, podendo até sugestionar interpretações contrárias à verdadeira pretensão.”

    Lusa noticiou as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o impacte das festividades em Junho na transmissão e mortes por covid-19. Instituição universitária, que faz Ciência, quer convencer o Tribunal que aquilo que fez não foi um estudo, mas apenas “um esboço embrionário”. Ou uma “mera abordagem embrionária”, como agora esclarece.

    Mas agora a juíza Telma Nogueira quer mesmo saber se o Instituto Superior Técnico está a contar a verdade. No seu despacho, e “com vista a apurar se o documento em causa nos autos constitui um ‘esboço’ conforme alegado”, a juíza ordena que o Instituto Superior Técnico entregue, num prazo de 10 dias, “o referido documento que designa de ‘esboço’, em envelope lacrado” e dentro de outro envelope. A juíza dá a alternativa desse documento chegar ao Tribunal em mão ou via correio postal.

    Se o Instituto Superior Técnico conseguir convencer a juíza de que o documento em causa é um esboço – por exemplo, um guardanapo de papel com meros tópicos rascunhados é considerado um “esboço” –, a lei não o obriga a cedê-lo para consulta, mas ficará assim patente que a imprensa mainstream divulgou informação imprecisa, incompleta e errada, com a agravante de lhe chamar relatório. Se o documento estiver minimamente estruturado, então a equipa liderada pelo matemático Henrique Oliveira, e supervisionada pelo próprio presidente da instituição, poderá ser escrutinada sob o ponto de vista científico.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico.

    Relembre-se que o PÁGINA UM viu-se na necessidade de recorrer às instâncias judiciais perante a recusa expressa do Instituto Superior Técnico – incluindo do seu presidente, Rogério Colaço – em ceder tanto esse como os restantes relatórios elaborados desde Junho do ano passado em parceria com a Ordem dos Médicos.

    O PÁGINA UM também viu recusado o pedido de acesso aos dados brutos e à metodologia estatística usada. O PÁGINA UM não fez mais do que pedir elementos essenciais comummente usados em instituições académicas para validação científica – aliás, esta é uma prática pacífica e aceite com respeito mútuo pelo requerido e pelo requerente em meios universitários.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM, contando com o FUNDO JURÍDICO, está envolvido em 13 processos de intimação junto do Tribunal Administrativo, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 12.025 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Covid-19: Assintomáticos infectam 30% menos e originam três vezes mais casos sem gravidade, diz estudo norueguês

    Covid-19: Assintomáticos infectam 30% menos e originam três vezes mais casos sem gravidade, diz estudo norueguês

    Em artigo científico publicado ontem em prestigiada revista científica, investigadores do Instituto Norueguês de Saúde Pública concluíram que pessoas sem sintomas transmitem muito menos o SARS-CoV-2. Além disso, quando ocorre contágio nestas circunstâncias, a probabilidade de originar formas de doença menos grave (assintomáticos) é três vezes superior. O estudo norueguês revelou também que os casos assintomáticos eram, em média, mais frequentes nas faixas etárias jovens, em homens e em pessoas com menos doses de vacina em comparação com os casos sintomáticos.


    As pessoas infectadas pelo vírus SARS-CoV-2 que não apresentam sintomas transmitem quase 30% menos o vírus do que os sintomáticos, revelou ontem um artigo científico publicado na prestigiada revista BMC Medicine, pertencente à Springer Nature, que também edita a Nature. Os investigadores noruegueses – que analisaram mais de 27 mil casos positivos de covid-19 em Oslo entre Setembro de 2020 e Agosto de 2021 – revelam ainda que as pessoas contagiadas por assintomáticos tiveram três vezes maior probabilidade de também serem assintomáticas em comparação com a transmissão por um sintomático.

    Estas conclusões são extremamente importantes, uma vez que apontam para um menor nível de perigosidade do vírus no contágio por pessoas sem sintomas, pondo também em causa parte das medidas não-farmacológicas. Recorde-se que a maioria das autoridades de saúde chegaram a decretar o confinamento de pessoas com “contactos de risco” mesmo sem sintomas de covid-19.

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    Como o risco de transmissão era menor, mas mesmo existindo, as consequências eram menores, o confinamento aparenta não ter sido a melhor opção do ponto de vista da saúde pública. Ou seja, se houvesse maior transmissão por assintomáticos, que originam um maior rácio de infecções assintomáticas – em comparação com a transmissão por sintomáticos –, haveria, certamente, uma maior percentagem de pessoas a não desenvolverem formas graves de doença e a criarem assim imunidade natural útil para enfrentar posteriores infecções por sintomáticos.    

    A este respeito, o artigo, publicado já depois de revisto por pares (peer review), intitulado “Lower transmissibility of SARS-CoV-2 among asymptomatic cases” (em tradução livre, Menor transmissibilidade do SARS-CoV-2 entre casos assintomáticos) diz claramente que os “casos sintomáticos espalham o vírus em maior medida do que os assintomáticos, e que os infeciosos são mais propensos a serem assintomáticos se o seu infecioso assumido fosse assintomático”.

    Estudo foi ontem publicado na revista BMC Medicine.

    Os autores deste estudo – Fredrik Methi e Elisabeth Henie Madslien, ambos consultores do Instituto Norueguês de Saúde Pública – basearam a sua pesquisa em dados de rastreio de contactos na capital norueguesa, estimando “a dinâmica de transmissão e susceptibilidade entre casos sintomáticos e assintomáticos e os seus contactos identificados” a partir de 27.473 casos positivos e 164.153 contactos próximos.

    E estimaram, com rigor, que a taxa de ataque secundário (SAR) era 28% mais baixa por exposição assintomática em comparação com a exposição sintomática. Com efeito, no caso dos assintomáticos a taxa era de apenas 13%, valor que contrastava com os 18% no caso dos sintomáticos.

    Esse aspecto nem era o mais relevante. “As pessoas infectadas por pessoas assintomáticas eram quase três vezes mais propensos a serem [também] assintomáticas em comparação com as infetadas por casos sintomáticos”, adiantam os investigadores noruegueses.

    Por outro lado, os investigadores descobriram que, estranhamente, as pessoas com sintomas tinham mais doses de vacinas do que as pessoas sem sintomas – algo que entra em contradição com a propalada eficácia das vacinas na redução das formas graves de doença –, acrescentando assim que “os casos assintomáticos eram, em média, mais jovens e maioritariamente do sexo masculino.

    Os autores referem que “existem várias razões para os casos assintomáticos poderem ser menos transmissíveis do que os sintomáticos”, apontando “a falta de tosse, espirros e outros sintomas respiratórios [que] podem reduzir a disseminação de gotículas respiratórias”, além da existência de “diferenças na carga viral e excreção viral entre [esses] dois grupos”.

    No entanto, salientam que “até agora, a literatura [científica] sobre a relação entre carga viral e gravidade da doença é inconclusiva. E dizem ainda que “pode haver diferenças nos padrões comportamentais de pessoas sintomáticas e assintomáticas”, embora acrescentem que, em Oslo, não as encontraram.

  • Instituto Superior Técnico já diz agora que o seu “esboço” que associou mortes às festividades de Junho “pode não conter informações exactas e precisas”

    Instituto Superior Técnico já diz agora que o seu “esboço” que associou mortes às festividades de Junho “pode não conter informações exactas e precisas”

    Desde Junho de 2021, o Instituto Superior Técnico, investido da sua autoridade científica, elaborou relatórios sobre pandemia em parceria com a Ordem dos Médicos. No último estudo conhecido, divulgado há pouco mais de dois meses pela imprensa, atribuía directamente às festas populares e aos concertos em Junho várias centenas de mortes por covid-19, numa altura em que os casos positivos até apresentavam, afinal, forte tendência decrescente. Perante a recusa em ceder a informação, o PÁGINA UM apresentou um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa. Independentemente do seu resultado prático – acesso à informação –, este processo acaba por ser revelador de uma certa forma de “fazer” Ciência em Portugal, e da postura dos denominados “peritos”.


    Em processo que corre no Tribunal Administrativo de Lisboa (TAL) – intentado pelo PÁGINA UM para aceder a um alegado estudo (incluindo dados numéricos e metodologia) que associava as festas populares de Junho passado a um incremento directo de mortes por covid-19 –, o Instituto Superior Técnico (IST) veio agora reinterpretar o significado de “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”, conceito que usara inicialmente para classificar um relatório profusamente divulgado pela imprensa em final de Julho.

    A notícia original foi elaborada pela agência Lusa – que garantiu ao PÁGINA UM que “o relatório (…) existe, naturalmente, caso contrário (…) não teria feito notícia” – e reproduzido então por mais de uma dezena de órgãos de comunicação social de âmbito nacional.

    Relembre-se que o PÁGINA UM viu-se na necessidade de recorrer às instâncias judiciais perante a recusa expressa do Instituto Superior Técnico – incluindo do seu presidente, Rogério Colaço – em ceder tanto esse como os restantes relatórios elaborados desde Junho do ano passado em parceria com a Ordem dos Médicos. O PÁGINA UM também viu recusado o pedido de acesso aos dados brutos e à metodologia estatística usada. Saliente-se que o PÁGINA UM não fez mais do que pedir elementos essenciais comummente usados em instituições académicas para validação científica – aliás, esta é uma prática pacífica e aceite com respeito mútuo pelo requerido e pelo requerente.

    Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes, na sede da Ordem dos Médicos, em Julho do ano passado, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico diz que não houve um acordo escrito desta parceria. O Tribunal Administrativo decidirá se obriga ou não uma instituição pública a ceder dados científicos para validação pública.

    Numa alegação entregue na passada quarta-feira no TAL, a advogada mandatada por Rogério Colaço veio agora dizer que “o requerido [IST] nunca negou ter elaborado um ensaio, apenas afirmou que não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso que era um esboço”. E diz ainda que a pretensão do PÁGINA UM “já se encontra satisfeita”, alegando que “o conteúdo do esboço foi dado a conhecer ao requerente [PÁGINA UM] assim que foi solicitado”.

    Saliente-se, porém, que o PÁGINA UM apenas recebeu de um dos investigadores do Instituto Superior Técnico uma explicação vaga sobre a suposta metodologia, mas nunca lhe foi remetido qualquer parte do alegado relatório escrito – que chegou mesmo a merecer citações expressas no take da Lusa, difundido pela restante imprensa – nem qualquer ficheiro com dados numéricos que possibilitasse qualquer conclusão.

    De acordo com a notícia da Lusa, de 28 de Julho passado – que continha sete citações expressas (vd. em baixo) do suposto relatório –, os peritos do Instituto Superior Técnico – supervisionados pelo próprio presidente – apontavam, entre outros aspectos, para a ocorrência da “morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados [sic] às festas populares de junho”.

    Lusa noticiou as conclusões de um estudo do Instituto Superior Técnico sobre o impacte das festividades em Junho na transmissão e mortes por covid-19. Instituição universitária, que faz Ciência, quer convencer o Tribunal que aquilo que fez não foi um estudo, mas apenas “um esboço embrionário”. Ou uma “mera abordagem embrionária”, como agora esclarece.

    Sucede, porém, que na realidade ao longo do mês de Junho se registou uma redução sistemática do número de casos positivos e de mortes atribuídas à covid-19, tornando paradoxal, e pouco sustentável cientificamente, que as festividades tivessem tido um impacte agravante. Ou seja, o levantamento das restrições e a maior proximidade física das pessoas sem máscara não foi acompanhada de um acréscimo de casos nem de óbitos.

    Foi exactamente para averiguar o cumprimento de preceitos de rigor científico que o PÁGINA UM pretendeu aceder ao suposto relatório do Instituto Superior Técnico, que a Lusa diz existir, e que a instituição universitária pública esclarece agora que “não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso (…) era um esboço”.

    Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico.

    No entanto, esboço ou qualquer outra coisa que seja, certo é que o Instituto Superior Técnico nunca veio a público negar a validade das notícias da Lusa e dos outros órgãos de comunicação social, mesmo se agora a sua advogada garanta que desconhece como aquele (esboço ou relatório) “chegou à comunicação social”.

    Convém, aliás, notar que, na troca de e-mails no final de Julho passado entre o PÁGINA UM e o investigador Henrique Oliveira – coordenador da equipa de peritos do Instituto Superior Técnico –, aquele matemático não ignorava, pelo contrário, a repercussão mediática daquele esboço ou relatório.

    Com efeito, argumentando que toda a equipa estava de férias – e que ele era “o único do grupo de trabalho mandatado a falar sobre esses assuntos de análise” –, Henrique Oliveira fez mesmo gala de ter recusado “diversos convites” da imprensa, “nomeadamente de três televisões nacionais para falar sobre o assunto”. E a sua recusa para falar às televisões não fora por não reconhecer o relatório – ou por não o considerar válido ou validado –, mas sim porque, adiantava ao PÁGINA UM, “entrei de férias e as férias são, digamos, pouco científicas”.

    Resposta de Henrique Oliveira em 29 de Julho ao PÁGINA UM, em que informa ter recusado convites para falar com três televisões nacionais por estar de férias, nunca se demarcando da divulgação de informação não autorizada ou não validada cientificamente pela instituição universitária.

    Acrescente-se também que o PÁGINA UM seguiu o conselho de Henrique Oliveira e pediu o relatório e os dados em bruto ao gabinete de imprensa do Instituto Superior Técnico, mas este não foi satisfeito. Essa recusa seria mesmo reiterada por Rogério Colaço por mensagem enviada do seu telemóvel. Um posterior pedido formal, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, nem mereceu resposta, razão pela qual o PÁGINA UM fez entrar um processo de intimação junto do TAL.

    Mas agora o Instituto Superior Técnico ainda defende que, independentemente da classificação do documento em causa – relatório, ensaio, esboço ou outro qualquer termo –, o PÁGINA UM não deve ter acesso. “Considerando o princípio da proporcionalidade, salvo melhor opinião, não nos parece que o direito à informação do requerente [PÁGINA UM] se revele suficientemente relevante para justificar o acesso a um documento em estado embrionário, um estudo sem estar concluído”, acrescenta a defensora do Instituto Superior Técnico.

    Um relatório anterior do Instituto Superior Técnico alertava que haveria um aumento das infecções com as festividades, mas tal não sucedeu. O suposto relatório de finais de Julho pretendia convencer o público que afinal as previsões estavam quase certas. Mas, na hora de mostrar a base científica dessas conclusões, a instituição universitário optou por recusar essa validação externa. As festas populares em Lisboa este ano tiveram grande fluxo, sem máscaras, mas os casos positivos de covid-19 regrediram face a Maio.

    E conclui ainda que “não se vislumbra também qual a utilidade que um documento incompleto, ou seja, por concluir, possa ter para o requerente [PÁGINA UM], pois tratando-se de um ensaio de projeção/ estimativa, pode não conter informações exatas e precisas, para que o requerente como jornalista possa depois difundir, podendo até sugestionar interpretações contrárias à verdadeira pretensão.”

    Saliente-se que a única pretensão do PÁGINA UM, neste caso, é analisar a qualidade da produção científica do Instituto Superior Técnico que, em articulação com a Ordem dos Médicos, ao longo dos meses apresentou e divulgou estudos sobre a pandemia. E sobretudo perceber se esta instituição científica fez algo para evitar que o seu nome fosse usado mediaticamente para transmitir informação errada ou inexacta, tanto mais que é o próprio Instituto Superior Técnico que admite que o seu (assim classificado) “ensaio de projeção/ estimativa” afinal “pode não conter informações exatas e precisas”.

    Em Março passado, Henrique Oliveira, que é professor do Departamento de Matemática do Instituto Superior Técnico, zurziu no relatório semanal da Direcção-Geral da Saúde, dizendo que era pobre. Em declarações à CNN Portugal disse mesmo que tinha “muito pouca qualidade, nebuloso mesmo”, e que, “como matemático, não hesitaria em chumbar um aluno que me apresentasse um relatório destes”. Sobre os relatórios do próprio Henrique Oliveira, em breve o PÁGINA UM saberá da sua qualidade, se a sentença do Tribunal for favorável a esse conhecimento público.


    Citações (entre aspas) do (suposto) relatório do Instituto Superior Técnico transcritas pela Lusa no take de 28 de Julho passado, que comprovam a existência de um relatório escrito, ou então estaremos perante uma “fraude” (transcrição de citações de um estudo inexistente). A Lusa recusou mostrar prova da existência do relatório, mas garante que existe. O PÁGINA UM apresenta as citações retiradas do artigo publicado pelo Diário de Noticias de 28 de Julho que transcreve o take da Lusa.

    1 – “Se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil

    2 – “não teriam impacto económico

    3 – “os seus efeitos seriam cumulativamente menores e a descida seria mais cedo e mais rápida

    4 – “O efeito aqui é mais lento e menor do que o efeito das medidas gerais, pois afeta diretamente população mais jovem, mas leva a contágios em cascata que acabam por vitimar os mais suscetíveis a doença grave

    5 – “uma possível correlação com vagas de calor

    6 – “com tendência de atingirmos os valores mais baixos de 2022

    7 – “ter excesso de confiança é o risco que Portugal corre


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM, contando com o FUNDO JURÍDICO, está envolvido em 13 processos de intimação junto do Tribunal Administrativo, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 12.025 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido. O PÁGINA UM considera que os processos, quer sejam favoráveis quer desfavoráveis, servem de barómetro à Democracia (e à transparência da Administração Pública) e ao cabal acesso à informação pelos cidadãos, em geral, e pelos jornalistas em particular, atendíveis os direitos expressamente consagrados na Constituição e na Lei da Imprensa.

  • Colunex: a empresa de colchões foi dar uma “ajudinha” aos hospitais e facturou 1,3 milhões de euros numa semana

    Colunex: a empresa de colchões foi dar uma “ajudinha” aos hospitais e facturou 1,3 milhões de euros numa semana

    No início da pandemia, um mastodôntico Estado com quase nove séculos de História não conseguiu reunir logística suficiente para garantir o suprimento de equipamentos e produtos para contrariar os fenómenos de especulação e disrupção do mercado. Preferiu receber de braços abertos quem se predispusesse a dar uma “ajudinha” para encontrar materiais e produtos, mesmo que custassem os “olhos da cara” aos contribuintes. Até a Colunex, uma empresa de colchões, decidiu “auxiliar” o Estado nesse desígnio. Acabou a facturar 1,3 milhões de euros em máscaras. Em apenas uma semana. Tudo por ajuste directo e sem se conhecer sequer o preço unitário.


    Apesar de ser uma das mais icónicas marcas de colchões, a Colunex nunca vendeu uma só unidade deste produto a qualquer entidade pública, incluindo hospitais. Nem um sobre-colchão, nem uma almofada, nem um jogo de lençóis, nem uma cama articulada, nem um sommier ou um estrado, nem um banco ou uma poltrona, nem sequer uma mesinha de cabeceira. Nada.

    Tudo mudou com a pandemia. Mas não porque o fluxo de doentes nos hospitais justiçasse a compra de mais camas e colchões – na verdade, os internamentos totais reduziram-se, como o PÁGINA UM já revelou – ou que os produtos da Colunex tivessem tido alguma recomendação especial numa das muitas normas relacionadas com a covid-19 da Direcção-Geral da Saúde, por indicação dos seus consultores. Nada disso. Desde Março de 2020, mês oficial da chegada do SARS-CoV-2 a Portugal, a Colunex vendeu zero colchões ao Estado, tanto quanto os que vendera desde que o Portal Base elenca todos os contratos públicos, há mais de uma década.

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    Porém, vendeu algo que passou a ser corriqueiro ao longo da pandemia para qualquer empresa, desde as multinacionais até às de vão-de-escada: máscaras.

    Não se sabe quantas foram; terão sido muitas. Mas sabe-se quanto o Estado gastou com a compra de máscaras à Colunex. E não se sabe as quantidades, porque tudo foi por ajuste directo com competente direito a nada ficar escrito, sempre invocando a famigerada alínea c do número 2 do artigo 95º do Código dos Contratos Públicos: ”por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade, é necessário dar imediata execução ao contrato”. Portanto, nada se sabe sobre as quantidades nem sobre o preço unitário se sabe. Somente se sabe aquilo que saiu dos cofres dos hospitais, ou seja, do Estado; isto é, dos contribuintes.

    Foi tudo muito repentino, diga-se. Em apenas uma semana, com sábado e domingo de permeio, entre 25 de Março e 1 de Abril de 2020, a Colunex teve artes e virtudes de garantir seis contratos com hospitais, quatro dos quais de três unidades da região do Porto, pelo valor total de 1,3 milhões de euros. Ou, para se ser mais preciso, 1.304.025 euros.

    A Colunex, fundada em 1986, tem sede numa freguesia de Paredes, tendo oito lojas espalhadas sobretudo por centros comerciais de grande dimensão.

    Depois dessa data, pelo menos que conste do Portal Base, nada mais a Colunex vendeu deste ou de qualquer outro produto. Foi um negócio repentino. E assim veio, e assim foi. Um negócio que se assemelhou ao tempo de vida de uma borboleta adulta. Mas um negócio tão “belo” como alguns destes insectos.

    O primeiro contrato da Colunex foi estabelecido com o Centro Hospitalar Universitário do Porto, no dia 25 de Março, por 78.000 euros. Com a mesma data surge um segundo contrato com a mesma unidade de saúde – que integra Hospital Santo António, o Centro Materno Infantil do Norte, o Centro de Genética Médica e o Centro Integrado de Cirurgia de Ambulatório – por 124.200 euros.

    Este contrato foi para aquecer. No dia seguinte terá sido um dia de festa na Colunex. O Centro Hospitalar Universitário de São João – cujo presidente do conselho de administração era o agora director executivo do Serviço Nacional de Saúde, Fernando Araújo – comprou à empresa de colchões 587.325 euros em máscaras. Ao preço unitário agora praticado, apenas 2 cêntimos por unidade, teria dado para adquirir 29.366.250 máscaras – ou seja, para mascarar quase três vezes a população portuguesa inteira, mas naquela altura vendia-se ao preço que se queria e nem se regateava.  

    Fernando Araújo, então presidente do Conselho de Administração do Hospital de São João, autorizou a compra de quase 600 mil euros em máscaras, sem contrato escrito, e sem se saber o preço unitário. Eis o resultado da oferta de ajuda feita pela Colunex.

    No mesmo dia, a Colunex obteve mais um contrato nas redondezas: vendeu 222.500 euros de mais umas quantas máscaras à Unidade Local de Saúde de Matosinhos, que gere o Hospital Pedro Hispano. Este contrato demorou bastante a aparecer no Portal Base: somente surgiu a partir de 8 de Fevereiro do ano passado.

    A 27 de Março surge o único contrato de máscaras fora da região nortenha: o Hospital de Santo Espírito da Ilha Terceira decidiu comprar à Colunex 76.000 euros deste equipamento facial.

    Por fim, com um fim-de-semana pelo meio, esta incursão da Colunex com o mundo das máscaras terminou num contrato a 1 de Abril de 2020 com o Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa. O preço total: 216.000 euros.

    A administração da Colunex não quis esclarecer o PÁGINA UM sobre os meandros destes fugazes contratos nem dos lucros. Tão-pouco houve comentários dos responsáveis da Unidade de Saúde Local de Matosinhos, a segunda entidade pública com valores mais elevados de compras de máscaras à empresa de colchões.

    Quanto ao Centro Hospitalar Universitário de São João, a assessoria de imprensa justifica o recurso a esta e outras empresas que não costumavam vender produtos de uso hospitalar por causa de “quebras nas cadeias logísticas de material de consumo clínico, tendo estado em risco iminente, e por diversas vezes, incapacidade de proteção dos profissionais de saúde para a prestação de cuidados a doentes com covid-19”.

    E explica que “a comunidade civil (pessoas e empresas), ao ter conhecimento desta tremenda dificuldade, manifestaram junto dos hospitais diversas formas de ajuda, sem as quais não teria sido possível cumprir a nossa missão.”, acrescentando que “foi o caso da empresa Colunex Portuguesa S.A., que entrou em contacto com quatro hospitais da região Norte, tendo disponibilizado a sua logística para o transporte para Portugal de máscaras de proteção à covid-19, de forma a evitar rotura destes bens essenciais, pois na altura não existia oferta no mercado”.

    Este centro hospitalar do Porto diz ainda que “as quantidades de máscaras cirúrgicas e FFP2 entregues às quatro unidades hospitalares terão sido similares, bem como iguais os preços unitários”. Contudo, não adiantou qual foi o preço unitário. Está no “segredo dos deuses”, como estranhamente se tornou norma durante a pandemia.

  • Excesso de mortalidade não-covid disparou: este ano é mais de 10 vezes superior a 2021

    Excesso de mortalidade não-covid disparou: este ano é mais de 10 vezes superior a 2021

    O ano de 2022 já não é atípico, porque sucedeu a dois completamente anormais por causa da pandemia. Mas assacar responsabilidades somente ao SARS-CoV-2 ou a factores meteorológicos parece cada vez fazer menos sentido. Com vacinas disponíveis e uma variante menos letal (Ómicron), acabou por se morrer este ano muito mais por covid-19 do que em 2020, sem vacinas e com escassa imunidade natural. Mas pior ainda: o excesso de mortalidade não-covid, que já tinha sido elevada nos primeiros 10 meses de 2020, regressou agora em grande força este ano. Explicações oficiais? Não há. O Ministério da Saúde diz estar em estudos; e, enquanto isso, vai “lutando” no Tribunal Administrativo para convencer os juízes a não conceder o direito à informação pelo PÁGINA UM.


    Apesar de pouco detalhados, os dados oficiais do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) não enganam e mostram um cenário aterrador: apesar da mortalidade total no ano passado ser ainda ligeiramente superior à do ano corrente (uma diferença de apenas 1.013 óbitos entre 1 de Janeiro e 31 de Outubro), o excesso de mortalidade não-covid disparou e está em níveis absurdamente elevados.

    A análise do PÁGINA UM mostra que, se se descontar ao total os óbitos oficiais da covid-19 em períodos homólogos dos três anos da pandemia (meses de Janeiro a Outubro), o ano de 2020 surge ainda como aquele que apresenta uma maior mortalidade atribuída a outras causas, embora 2022 esteja a uma pequena distância.

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    Contudo, aquilo que mais surpreende pela dimensão catastrófica surge quando se compara os anos de 2021 – onde se registou um pico de mortalidade por covid-19 em Janeiro e Fevereiro – e de 2022 – marcada pela dominância da variante Ómicron, muito menos letal, e com parte substancial da população com vacinação contra a covid-19 completa e com vários reforços.

    De facto, o ano de 2021 ainda tem mais mortes totais, mas quando se descontam os óbitos por covid-19, ressalta um quadro negro de excesso de mortalidade não-covid ao longo do presente ano: mais que decuplica. Ou seja, aumenta quase 1.000%. Mais chocante do que este espantoso incremento é a inércia do Governo em apurar as causas, sobretudo sabendo-se de o presente ano estar a ser o terceiro consecutivo com mortalidade excessiva. Portanto, já não são apenas os mais vulneráveis a “partirem”; é também, e muito, quem não deveria deixar esta vida tão cedo.

    Analisar os três anos em detalhe ajuda a contextualizar o problema.

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    No primeiro ano da pandemia, entre Janeiro e Outubro, os dados oficiais contabilizam a morte de um total de 98.837 pessoas, das quais 2.544 atribuídas à covid-19, significando assim que por outras doenças se registaram-se 96.293 óbitos. Deste modo, face à média do período homólogo (Janeiro a Outubro) do quinquénio anterior à pandemia (2015-2019), o ano de 2020 teve então um excesso total de 7.095 óbitos, mas que descia para os 4.551 se descontadas as mortes por covid-19. Ou seja, este último valor era o excesso não-covid.

    O ano de 2021 começou com uma inusitada mortandade, fruto de surtos agressivos de covid-19, de uma intensa vaga de frio e do colapso das unidades do Serviço Nacional de Saúde. Só no mês de Janeiro do ano passado morreram 19.649 pessoas, quando a média do período homólogo do quinquénio anterior à pandemia (2015-2019) era de 12.561 óbitos. A mortalidade ao longo do ano passado manteve-se sempre elevada, apesar do programa vacinal contra a covid-19. Entre Janeiro e Outubro acabaram por falecer um total de 103.334 pessoas, das quais 11.190 atribuídas à covid-19.

    Deste modo, o excesso não-covid foi assim de apenas 402 – ou seja, uma descida substancial face ao ano anterior. Note-se, contudo, que subsistem sérias dúvidas sobre a mortalidade atribuída à covid-19, tanto mais que, de acordo com a base de dados da Morbilidade e Mortalidade Hospitalar, cerca de um terço das mortes atribuídas a esta doença ocorreram fora de unidades de saúde.

    Óbitos no período Janeiro-Outubro desde 2015 até 2022 por causas diversas, por covid-19 e excesso de mortalidade não-covid-19 face à média (2015-2019) em Portugal. Fonte: SICO.

    Em todo o caso, o excesso global da mortalidade total em 2021, até finais de Outubro, foi elevadíssimo: mais 11.592 óbitos acima da média do período homólogo, ou seja, um acréscimo de 12,6%.

    Já o ano de 2022 não surpreende somente pelo elevado número de mortes por todas as causas, mas sobretudo por se verificar tanto na covid-19 – com uma variante menos agressiva a afectar população vulnerável praticamente toda vacinada e já com largas franjas com imunidade natural – como em causas não-covid. Até finais de Outubro, dos 102.321 óbitos contabilizados, 6.252 foram atribuídos à covid-19 – pouco mais de metade (56%) dos de 2021, mas 146% a mais do que em 2020, quando então não havia sequer vacinas e a população estava naive perante o SARS-CoV-2.

    Saliente-se que nesta comparação deve ser considerado que a covid-19 causou a primeira morte em Março de 2020; porém, mesmo assim era suposto que uma vacina, que chegou ser anunciada como tendo uma eficácia quase total, registasse um impacte muito mais positivo na redução da mortalidade por covid-19 em 2021 e 2022.

    Mas mesmo morrendo mais pessoas do que seria expectável por covid-19, são as mortes não-covid-19 que merecem explicações oficiais, que invoquem mais do que um Verão de temperaturas quentes e uma Primavera mais primaveril.

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    Com efeito, uma das tónicas mais marcantes de 2022 tem sido o sistemático excesso de mortalidade, persistente e não conjuntural, como sucede com as ondas de calor. Este ano, até Julho, todos os meses ultrapassaram os 10 mil óbitos. Os três últimos meses foram mais amenos – Agosto com 9.305 óbitos; Setembro com 8.751 e Outubro com 9.489 –, mas sempre com valores acima do ano passado e da generalidade dos anos anteriores. Considerando a média no quinquénio anterior à pandemia (2015-2019), entre Janeiro e Outubro, o excesso não-covid é de 4.327 óbitos.

    E assim, mesmo que o ano de 2022 acabe com valores abaixo de 2021, a actual situação demonstra estarmos a passar por um estado extremamente periclitante da saúde pública. Três anos de excesso de mortalidade ininterrupta. Vai durar? Se enterrarmos a cabeça na areia, sim…

  • Sentença: Tribunal Administrativo de Lisboa exige que Inspecção-Geral das Actividades em Saúde mostre processos sem esconder nada

    Sentença: Tribunal Administrativo de Lisboa exige que Inspecção-Geral das Actividades em Saúde mostre processos sem esconder nada

    A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) não queria revelar nomes das entidades e pessoas envolvidas em processos de fiscalização, alguns politicamente sensíveis, alegando sempre que estavam em causa dados nominativos protegidos pelo Regulamento Geral de Protecção de Dados. Após uma “luta” do PÁGINA UM de mais de seis meses, o Tribunal Administrativo de Lisboa faz mais uma sentença em prol da transparência da Administração Pública. Finalmente, vai saber-se como a IGAS desenvolveu os prometidos processos contra Filipe Froes e António Morais, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, devido às suas ligações com as farmacêuticas.


    Mais uma vitória para a transparência da Administração Pública. O Tribunal Administrativo de Lisboa intimou o inspector-geral das Actividades em Saúde, Carlos Carapeto, a entregar ao PÁGINA UM os processos integrais, sem quaisquer rasuras nem expurgos, que tenham sido levantados por aquela entidade pública desde 2018, aos médicos suspeitos de violarem o regime jurídico das incompatibilidades, designadamente por via de ligações comerciais com farmacêuticas.

    A decisão saiu de uma sentença na sexta-feira passada, e que será comunicada esta semana à IGAS, que tem um prazo de 10 dias para a cumprir, sob pena de “poder vir a ser condenado no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória.” A IGAS pode, contudo, ainda recorrer da sentença, o que constituiria um sinal de adiamento ao necessário processo de transparência em curso.

    Carlos Carapeto, inspector-geral das Actividades em Saúde

    No lote de processos inspectivos a que o PÁGINA UM pretende aceder, num total superior a três dezenas, estarão incluídos os alegados processos anunciados contra os pneumologistas Filipe Froes e António Morais – actual presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia – para apurar se as relações que mantêm com farmacêuticas estão dentro da lei.

    Recorde-se que Filipe Froes – bastante mediático durante a pandemia e grande defensor da vacinação universal contra a covid-19, do uso de certificados digitais como passaporte sanitário e da compra pelo Estado de polémicos antivirais (Velklury, da Gilead, e Paxlovid, da Pfizer) – é consultor da Direcção-Geral da Saúde e um dos médicos portugueses com maiores ligações comerciais com as farmacêuticas, tendo recebido quase 450 mil euros deste sector na última década.

    A IGAS anunciou em Novembro de 2021 a abertura de um “processo de averiguação“, mas até agora não são conhecidas quaisquer conclusões e muito menos as eventuais diligências tomadas por aquela entidade para o apuramento da verdade.

    Exemplo de uma página de um processo “rasurado” pela IGAS por suposta existência de dados nominativos, impossibilitando o acesso a qualquer informação relevante.

    Já António Morais, que preside à Sociedade Portuguesa de Pneumologia desde 2019, entidade que beneficia de generosos donativos e patrocínios das farmacêuticas, foi consultor da Direcção-Geral da Saúde (no Programa Nacional de Doenças Respiratórias e membro da Comissão de Avaliação de Tecnologias de Saúde do Infarmed. Desta última entidade foi afastado em 7 de Julho passado, após notícias do PÁGINA UM, e a IGAS confirmou também que lhe instaurara um processo de contra-ordenação.

    A sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, da autoria da juíza Joana Ferreira Águeda, será em princípio o culminar de uma longa e exasperante tentativa da Inspecção-Geral da Saúde – tutelada pelo Ministério da Saúde – em esconder detalhes dos seus processos de fiscalização, alguns dos quais politicamente sensíveis.

    Com efeito, o PÁGINA UM começou, primeiro, por pedir de forma informal, em 19 de Abril passado, que o inspector-geral da IGAS, Carlos Carapeto, “informasse se têm sido desenvolvidas por rotina verificações sobre se membros de corpos sociais das sociedades médicas que sejam também consultores daquelas entidades estão em violação do preceituado por lei, designadamente saber se essas sociedades médicas receberam em média mais de 50 mil euros por ano no quinquénio anterior.”

    Pedia-se também à IGAS que, caso existissem relatórios sobre estas matérias, fosse dada permissão de acesso.

    Mas como a IGAS apenas remeteu informação genérica sobre a sua acção fiscalizadora das incompatibilidades, o PÁGINA UM solicitou formalmente um pedido de acesso a documentos administrativos, que não obteve resposta. Somente após um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos, em 15 de Junho, a IGAS reagiria, mas fora do prazo, dizendo que fora decidido disponibilizar a informação mas com “expurgo de matéria reservada”, pelo que seria necessário um prazo mais alargado para ser satisfeito o pedido.

    Filipe Froes é um dos médicos portugueses com maiores ligações à indústria farmacêutica, mas mantém-se como consultor da DGS e beneficia de palco mediático como suposto especialista independente.

    Nessa medida, e porque aceitar as condições da IGAS determinaria voltar à “estaca zero”, o PÁGINA UM decidiu apresentar um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa no passado dia 1 de Agosto.

    Ao longo de mais de dois meses e meio, em sede de processo administrativo, a IGAS tudo tentaria para não disponibilizar os documentos integrais, chegando até a enviar mais de cinco mil páginas dos 34 processos instaurados desde 2018 com todos os nomes “escondidos” a tinta branca, primeiro, e preta, depois.

    Ou seja, nos processos não eram identificadas as pessoas ou entidades fiscalizadas e mesmo até os nomes dos inspectores da IGAS eram ocultados. Assim, em termos práticos, o PÁGINA UM não conseguia sequer identificar com segurança se, no meio daqueles processos, constavam os relacionados com Filipe Froes e António Morais.

    Primeira página da sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa que deu razão ao PÁGINA UM contra a IGAS.

    Agora, a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa explicita que a IGAS tem um “prazo de 10 dias (…) desde o trânsito em julgado” para permitir ao PÁGINA UM “a consulta dos processos em causa, com os nomes dos inspetores, membros da entidade requerida, e/ou gestores de contratos públicos, envolvidos”.

    E diz também que a IGAS deve informar o PÁGINA UM sobre “se existe, ou não, qualquer determinação e/ou processo que vise o Senhor António Manuel Martins de Morais”, presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia.

    Mas um dos aspectos mais clarificadores desta sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa – e que se revela da maior importância em processos similares – acaba por ser a magna questão da legalidade de a Administração Pública poder “apagar” os nomes dos funcionários públicos ou das pessoas fiscalizadas no âmbito de actos públicos em documentos administrativos.

    Em suma, saber-se se a simples divulgação dos nomes e elementos pessoais, per si, são considerados dados nominativos susceptíveis de serem ocultados por razão do famigerado Regulamento Geral de Protecção de Dados. A alegada existência de nomes de funcionários públicos no exercício de funções tem sido um dos argumentos genericamente usado pelas entidades públicas para não cederem documentos administrativos ou “limparem” o rasto dos responsáveis por determinadas decisões, algo que não se encontra plasmado naquele regulamento, onde se explicita que a protecção se refere a dados que possam, revelar aspectos da intimidade das pessoas.

    Na sua sentença, a juíza Joana Ferreira Águeda defende que “as informações requeridas, relativas aos nomes dos inspetores, membros da entidade requerida, e/ ou gestores de contratos públicos, pedidas com um fundamento claro e atendível de apreciação da legalidade e transparência da atuação administrativa em termos relativos nesse âmbito, não configuram manifestamente dados pessoais, pelo que não podem gozar do regime de proteção de dados pessoais, pois que se está em presença de meras questões relativas à tramitação/ decisão, no exercício das respetivas funções/ atribuições (…), e no contexto de um sistema público no domínio das atividades em saúde, sendo, por isso, questões de contornos públicos, não se podendo consubstanciar como documentos de natureza nominativa, desde logo se pensarmos nos princípios gerais contidos no Código do Procedimento Administrativo em matéria de isenção, de transparência e de publicidade da atuação da Administração.”

    António Morais, ao centro, numa foto durante a cerimónia de posse como presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia em Janeiro de 2019.

    Alegando que “no exercício de funções públicas a regra é a publicação dos atos de nomeação”, a magistrada acrescenta ainda que “a circunstância de a tramitação/ decisão nos processos em causa provir de atos vinculados e não discricionários da Administração, só pode reforçar o entendimento que aqui se defende, e não o contrário”, concluindo assim que “existe direito de acesso à informação requerida, o que determina que a mesma deve ser prestada.”


    N.D. Em virtude das notícias que denunciavam as relações promíscuas entre a Sociedade Portuguesa de Pneumologia e as farmacêuticas (muitas das quais com interesses directos na pandemia), António Morais apresentou queixas contra o director do PÁGINA UM na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) e na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ). Estas duas entidades, sem permitirem uma defesa cabal ao PÁGINA UM, tiveram o desplante de exarem uma deliberação e um parecer onde vergonhosamente censuraram e criticaram o nosso trabalho de investigação jornalística. Esta sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa demonstra, aqui e agora, o que é fazer jornalismo de investigação. E esta sentença também qualifica assim os actos das pessoas que conjunturalmente fazem parte da ERC e da CCPJ, porquanto, de forma objectiva, quiseram ser parte activa e empenhada de uma tentativa de descredibilização do jornalismo independente e assertivo do PÁGINA UM. Malsucedidos foram. E continuarão a ser.


    Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Até ao momento, o PÁGINA UM está envolvido em 13 processos de intimação, quatro dos quais em segunda instância, e ainda em duas providências cautelares. Até ao momento foram angariados 11.653 euros, um montante que começa a ser escasso face à dimensão e custos envolvidos nos processos. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido.

    Na secção TRANSPARÊNCIA começámos a divulgar todas as peças principais dos processos em curso no Tribunal Administrativo. Este processo específico da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde pode ser consultado aqui.

  • Serão agora a Ciência e a Censura as novas armas políticas em democracia?

    Serão agora a Ciência e a Censura as novas armas políticas em democracia?

    Ferramentas da Psicologia Comportamental e técnicas de supressão e controlo de informação têm estado a ser usadas, nos últimos dois anos, para gerar uma maior concentração de poder político e económico, num ataque à democracia que está em curso. Esta é uma das conclusões de cientistas e especialistas que participaram no Congresso Internacional sobre a Gestão da Pandemia, que decorreu em Fátima entre sexta-feira e hoje. A supressão de informação, acusam, está a servir para ajudar a concentrar mais poder em políticos e interesses económicos, salientando que, agora, a Medicina Baseada na Evidência foi substituída pela Medicina Baseada em Políticas. E avisaram também que, desde 2020, se registam “níveis de propaganda sem precedentes”, com “desenvolvimentos alarmantes” para a democracia.


    Foi um retrato negro o traçado no terceiro e último dia do Congresso Internacional sobre Gestão da Pandemia, que decorreu em Fátima, desde sexta-feira. Cientistas, médicos e outros especialistas –muitos dos quais se queixam de ter sofrido censura durante a pandemia – alertaram para a forma como os últimos dois anos e meio trouxeram uma nova era em que a Ciência passou a ser usada como arma. E dizem ainda que, a par da censura de informação, muitos homens e mulheres da Ciência acabaram por aceitar servir políticos e indústrias para concentrarem um maior poder.

    Patrick Fagan, um conhecido especialista comportamental com obra publicada, não tem dúvidas sobre terem sido aplicadas técnicas de psicologia para manipular e condicionar o comportamento da população, para um reforço do poder político e económico durante a pandemia, tendo a ajuda da comunicação social.

    Este especialista disse ser evidente uma mudança, a partir de 2020, de uma sociedade democrática – em que os políticos aplicavam a vontade dos cidadãos – para uma sociedade em que os políticos alteram agora a vontade dos cidadãos para que estes aceitem as suas políticas. “A ciência comportamental foi instrumentalizada”, assegura.

    Segundo Fagan, durante a pandemia de covid-19, várias técnicas de psicologia comportamental foram usadas, incluindo o exacerbamento do medo ou a “programação” da população para aceitar certas medidas. Entre estas estão os casos de os políticos negarem medidas se determinadas circunstâncias não ocorressem, mas acabarem por as aplicar, ou então alargarem medidas definidas para um fim, para outros que não estavam inicialmente previstos – como sucedeu com o certificado digital. “Foi como um sapo que foi sendo cozido vivo”, explicou Fagan.

    Várias medidas foram assim sendo aplicadas de forma gradual, para levar a cabo intenções políticas. A técnica da negação inicial – introduzindo um conceito junto da população para a preparar – foi também utilizada no caso da vacinação: inicialmente, foi negado que seria obrigatória; depois, em alguns países, passou a ser obrigatória, ou então quem optasse por não se vacinar acabou a sofrer censura social ou dificuldades em aceder a determinados locais, mesmo no espaço doméstico.

    Patrick Fagan, cientista comportamental.

    Fagan explicou também como tantas pessoas foram conduzidas a aceitar políticas, mesmo que irracionais ou ilegais, com base no medo e em técnicas científicas que levam facilmente os indivíduos a seguirem uma ideia de comportamento de grupo. O cientista detalhou que isso ocorreu mesmo em pessoas inteligentes e cultas, que cederam às diferentes formas de pressão e manipulação psicológicas utilizadas.

    Já a psicóloga Joana Amaral Dias, também presente em Fátima, defendeu que parte da população esteve e está sob hipnose coletiva. “As pessoas estão mesmerizadas“, afirmou na sua apresentação, lembrando a estratégia de incutir medo na população desenhada por uma task force de medidas comportamentais que assessorou a Direcção-Geral da Saúde na pandemia, e cujos documentos estiveram disponíveis online, e acabaram depois por ser retirados.

    Relacionado com a psicologias, também especialistas presentes no congresso denunciaram graves atropelos e violações da ética médica desde 2020. “A Medicina Baseada na Evidência foi substituída por uma Medicina Baseada em Políticas”, avisou Alexandra Henrion Caude, geneticista, directora de Investigação do Instituto Nacional Francês de Saúde (Inserm). Com um pós-doutoramento concluído na Harvard Medical School, Caude tem conduzido, durante mais de 20 anos, investigação centrada na forma como as sugestões ambientais são traduzidas em informação genética, especificamente em doenças genéticas raras em crianças.

    Na sua apresentação, a geneticista francesa acusou que foram desrespeitadas boas práticas científicas e cometidas graves violações de ética médica, que incluiu vacinação sem o devido consentimento do paciente ou administração deste medicamento de uma forma obrigatória, sabendo-se que podem causar reacções adversas, e cujos efeitos no longo prazo são ainda desconhecidos.

    Alexandra Henrion Caude, geneticista, directora de Investigação no Instituto Nacional Francês de Saúde.

    Outro dos temas abordados foi a criação de uma “indústria” de combate à (alegada) desinformação, e que se transformou numa arma que serviu para suprimir visões divergentes das do poder político e económico.

    “Tem havido desde 2020 uma tremenda concentração do poder e um ataque à democracia”, defendeu Piers Robinson, cientista político e co-diretor da Organização de Estudos de Propaganda.

    Para este especialista britânico em media, desde 2020 registaram-se “níveis sem precedentes de propaganda”, com recurso, inclusive, a ferramentas de coacção e de “assassinato de carácter e difamação de todos os que contrariaram ou questionaram” a gestão da pandemia,

    “Tem-se assistido nesta pandemia a níveis de propaganda sem precedentes, envolvendo não apenas a sua promoção, mas também o silenciamento do debate, pela via da censura, da difamação e da pressão coerciva”, disse Robinson. “Há indicações de que os desenvolvimentos legislativos em torno da definição de online harm [informação online que pode causar prejuízo] e a ascenção de uma indústria de anti-desinformação vai efetivamente constituir um nível de controlo em esferas públicas anteriormente democráticas”, acrescentou.

    Este cientista político alertou ainda que estas tendências têm de ser “compreendidas no contexto de estruturas emergentes – como a agenda de resposta e prevenção de pandemias – a um nível global e associadas a uma concentração de poder político e económico”.

    No caso da difamação e assassinato de carácter, Piers Robinson deu o exemplo dos epidemiologistas que dinamizaram e assinaram a Declaração de Great Barrington, que foram alvo de difamação e perseguição por questionarem e se oporem a medidas adoptadas por governos e autoridades na gestão da pandemia. Entre os epidemiologistas que encabeçaram esse movimento estavam Jay Bhattacharya (Universidade de Stanford), Sunetra Gupta (Universidade de Oxford) e Martin Kulldorff (Universidade de Harvard), que foram censurados e alvo de censura mediática.

    Piers Robinson, cientista político.

    Robinson considerou ainda que a indústria de fact-checkers – que não são independentes, por estarem dependentes de orientações sobre as matérias sobre as quais escrevem e dependem financeiramente – está a servir para reforçar ainda mais a concentração de poder que tem ocorrido desde 2020. Segundo este especialista, esta “indústria dos verificadores de factos” está a servir para eliminar opiniões e informações verdadeiras.

    Piers Robinson lamenta também que a criação de legislação – supostamente para combater a desinformação –, como a lei dos Serviços Digitais na União Europeia, possa vir a eliminar informação verdadeira que acaba por ser “eliminada” por não beneficiar políticos e autoridades.

    E criticou ainda que muitos media mainstream têm sido usados para espalhar medo, aumentar falsamente a percepção de ameaças e ajudar ao assassinato de carácter e difamação de todos os que contradigam aquilo que governos e autoridades desejam.

    E também a eliminar “temas delicados” do contacto do público,

    Aliás, o PÁGINA UM constatou que nenhum órgão de comunicação social da denominada imprensa mainstream fez a cobertura noticiosa deste congresso, apesar de terem participado diversos cientistas e médicos nacionais – entre os quais os ex-bastonários Germano de Sousa e José Manuel Silva, e ainda Fernando Nobre, presidente da AMI, e Joaquim Couto, ex-presidente da autarquia de Santo Tirso – e especialistas internacionais, incluindo mesmo Michael Levitt, galardoado como Prémio Nobel da Química em 2013.

    Nota: 03/11/2022 – Germano de Sousa não esteve presente à última hora por motivos de saúde.

  • Michael Levitt avisa: “Na Ciência, a verdade prevalece sempre”

    Michael Levitt avisa: “Na Ciência, a verdade prevalece sempre”

    Prémio Nobel da Química de 2013, Michael Levitt é um dos cientistas que marcam presença no Congresso Internacional sobre a Gestão da Pandemia que decorre entre os dias 28 e 31 deste mês, em Fátima. O bioquímico britânico tem vindo a denunciar, desde 2020, as muitas tentativas para descredibilizar cientistas que apenas tentavam tirar conclusões com base em dados e evidências científicas. A criação de uma indústria de “prevenção de pandemias”, que está em marcha e que absorve já milhares de milhões de euros, foi um dos alertas deixados por outro especialista de renome presente neste evento, David Bell. Entre os participantes nacionais neste congresso, destaque para dois antigos bastonários da Ordem dos Médicos, Germano de Sousa e José Manuel Silva, a psicóloga e ex-deputada Joana Amaral Dias e o fundador da AMI, Fernando Nobre.


    “Na Ciência, a verdade prevalece sempre, mesmo que demore anos ou décadas”. Estas foram as palavras de Michael Levitt no primeiro dia do Congresso Internacional sobre a Gestão da Pandema / Saúde que decorre desde ontem em Fátima. O Prémio Nobel da Química de 2013 acusa que, durante a pandemia, houve “muita oposição à ciência aberta, muitas tentativas de descredibilizar cientistas que estão apenas a analisar os dados, tal como eu fiz”.

    Levitt foi um dos muitos cientistas conceituados a nível mundial que foi alvo de censura desde 2020, chegando a ser desconvidado da primeira Conferência Internacional de BioDesign, a qual se baseava precisamente no trabalho que o próprio cientista desenvolveu. Mas Levitt manteve sempre a sua posição, de que estava a ser exacerbado o nível de perigosidade da covid-19.

    Michael Levitt na cerimónia de entrega do Prémio Nobel, em 2013

    Hoje, sabe-se que a doença afecta sobretudo as camadas mais idosas da população e que a sua taxa de letalidade média é de 0,035% abaixo dos 60 anos, segundo um artigo científico de vários cientistas, incluindo John Ioannidis, o epidemiologista mais citado a nível mundial. Este artigo veio, aliás, revelar a baixíssima letalidade na população jovem: de 0,0003% nos menores de 19 anos, de 0,003% entre os 20 e os 29 anos, de 0,011% entre os 30 e os 39 years, de 0,035% entre os 40 e os 49 anos, e de 0,129% entre os 50 e os 60 anos.

    Note-se que até John Ioannidis, o mais citado epidemiologista mundial, com um h-index do Scopus de 176, também foi alvo de censura e perseguição quando questionou a eficácia das medidas de confinamento, que, entretanto, diversos estudos confirmaram terem causado maiores danos na população do que proveitos ao longo da pandemia.

    Na sua apresentação no congresso, feita por videoconferência, Michael Levitt destacou que, durante a pandemia, “alguns países tiveram uma mortalidade abaixo do que é habitual” – incluindo a Suécia, Dinamarca, Noruega, Islândia, Austrália, Coreia do Sul e Nova Zelândia.

    Michael Levitt numa entrevista em sua casa após o anúncio da atribuição do Prémio Nobel da Química, em 2013.
    (Foto: Linda A. Cicero/ Universidade de Stanford)

    No caso da Europa, Levitt salientou que, nos países onde se verificou um excesso de mortalidade, “foi sobretudo na faixa etária acima dos 65 anos”.

    Nos diversos gráficos que disponibilizou na sua apresentação, ficou patente que, entre 2020 e 2022, as mortes em excesso nas pessoas com idade superior a 65 anos foi de 616 mil, enquanto nos restantes rondou os 94 mil.

    Apontou que o cenário foi diferente nos Estados Unidos, onde se registou, comparativamente, uma mortalidade mais elevada entre as camadas mais jovens. Naquele país, os óbitos entre os maiores de 65 anos totalizaram as 730 mil, e entre os menores de 65 anos rondaram as 390 mil – cerca de quatro vezes mais do que no Velho Continente.

    José Manuel Silva, antigo bastonário da Ordem dos Médicos (2011-2017) e actual presidente da Câmara Municipal de Coimbra.

    O congresso, que decorre até este domingo, contou ainda, no primeiro dia, com a participação de David Bell, um destacado médico clínico e de saúde pública norte-americano, doutorado em saúde populacional.

    Este médico, que coordenou a estratégia de diagnóstico da malária com a Organização Mundial de Saúde (OMS), acredita estar a desenvolver-se uma “indústria de pandemias”, a qual “está a ganhar muito dinheiro com base em falácias”.

    Para Bell, estas falácias são as teorias falsas de que “as pandemias se estão a tornar cada vez mais frequentes” e que “a interação entre humanos e animais selvagens está a aumentar”.

    “Nos últimos 20 anos, houve uma grande mudança no financiamento da OMS, que passou de ser maioritariamente de países-membros para financiadores privados, que dão dinheiro para ser alocado numa determinada doença”, frisou Bell.

    “Dizem-nos que há cada vez mais ameaças à saúde pública e que precisam de mais dinheiro”, disse ainda, referindo-se ao acordo Pandemic Preparedness and Response, liderado pela OMS, cujo objectivo é, alegadamente, prevenir e combater eventuais pandemias futuras. Este acordo e outros planos de prevenção de pandemias, irão absorver milhares de milhões de euros.  

    Este congresso, que vai contar ainda com a participação de muitos outros cientistas e especialistas nacionais e internacionais, foi organizado por Marta Gameiro, médica dentista, e financiado integralmente por donativos particulares, através de uma campanha de angariação de fundos.

    A lista de especialistas portugueses com presença confirmada no evento inclui dois antigos bastonários da Ordem dos Médicos –  Germano de Sousa e José Manuel Silva -, a psicóloga e ex-deputada Joana Amaral Dias e o médico e fundador da AMI – Assistência Médica Internacional, Fernando Nobre.

    Germano de Sousa, antigo Bastonário da Ordem dos Médicos e fundador do Grupo Germano de Sousa,
    que opera uma vasta rede de laboratórios.

    O primeiro dia do congresso teve como mote Confinamentos e Medidas Draconianas de Saúde Pública: o outro lado. Em análise estiveram as restrições impostas em nome da luta contra o vírus, os seus efeitos colaterais a nível global e a conduta da OMS durante a pandemia.

    As terapêuticas potencialmente eficazes no tratamento da covid-19 e o estado actual do Serviço Nacional de Saúde foram os temas de discussão no segundo dia do congresso.

    No último dia do evento será abordado o tema da saúde mental durante a pandemia, as vacinas contra a covid-19 e a controversa tecnologia de mRNA.

    O congresso é gratuito e poderá ser acompanhado em directo através do site oficial.

    Texto editado por Elisabete Tavares

    Nota: 03/11/2022 – Germano de Sousa não esteve presente à última hora por motivos de saúde.

  • Comissão Europeia e imprensa: entre a protecção e o controlo

    Comissão Europeia e imprensa: entre a protecção e o controlo

    A proposta da Comissão Europeia para a criação de uma nova legislação para o setor dos media apresenta-se como benigna, visando a proteção da liberdade de imprensa e a salvaguarda do pluralismo. Mas a proposta, que terá ainda de ser aprovada pelos Estados-Membros e o Parlamento Europeu, está a levar alguns a torcerem o nariz. Entre os receios que existem, surge à cabeça a possível tentativa de Bruxelas de querer, com as novas regras, reforçar o seu poder e obter controlo sobre o setor da comunicação social. A Comissão Europeia negou que tenha essa intenção. Mas, apesar de a proposta ter recebido muitos elogios, as dúvidas sobre as reais intenções de Bruxelas persistem.


    “De boas intenções está o Inferno cheio”. É este ditado que vem à memória quando se ouvem algumas críticas sobre a nova regulação que pode vir a ser adotada para os media europeus.

    As novas regras para o setor dos media propostas pela Comissão Europeia deixam dúvidas, incluindo sobre se se trata de uma tentativa de Bruxelas de obter poder para controlar o setor.

    A proposta da nova legislação denominada “European Media Freedom Act” (EMFA) foi apresentada no dia 16 de Setembro e já mereceu muitos elogios mas também críticas. Sobretudo, fica no ar a questão sobre quais são as reais intenções da Comissão Europeia com este novo pacote legislativo para regular um setor tão crítico e fundamental para a democracia.

    Segundo a Comissão Europeia, “o objetivo da Lei Europeia da Liberdade dos Meios de Comunicação é proteger o pluralismo e a independência dos meios de comunicação social no mercado único da União Europeia, onde os meios de comunicação social podem operar mais facilmente além-fronteiras sem interferências indevidas”.

    A Comissão considera que “as questões relacionadas com os meios de comunicação social têm sido tradicionalmente da competência dos Estados-Membros, mas tal é a ameaça à liberdade dos meios de comunicação social que se tornou necessária uma acção à escala da União Europeia para proteger os valores democráticos”.

    A proposta de nova legislação visa responder a sinais de ameaças à liberdade de imprensa em países como a Hungria e a Polónia, e pressões sobre jornalistas em países como Malta, Grécia e Eslovénia. A iniciativa vem complementar a recomendação recentemente aprovada sobre a proteção, segurança e capacitação dos jornalistas e a diretiva para proteger os jornalistas e os defensores dos direitos de litígios abusivos (pacote anti-SLAPP).

    Segundo a Comissão, “os quatro principais pilares da EMFA são: salvaguardar a prestação independente de serviços de comunicação social no mercado interno; reforçar a cooperação regulamentar e a convergência; assegurar um mercado funcional dos serviços de comunicação social; assegurar uma alocação transparente e justa dos recursos económicos”.

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    A proposta, que vem acompanhada ainda de um pacote de “Recomendações” sobre “boas práticas”, coloca na mesa a criação de um regulador europeu para o setor. O “European Board for Media Services” (Conselho Europeu de Serviços de Media) composto pelos reguladores nacionais do setor.

    Este regulador, a ser criado, irá garantir a implementação e cumprimento das novas regras europeias e opinar sobre operações de concentração entre empresas de media no espaço europeu. Mas também vai ter um papel “específico na luta contra a desinformação, incluindo interferência externa e manipulação de informação”.

    Para ser adotada, a nova legislação terá de ser aprovada pelo Parlamento Europeu e ter luz verde do Conselho Europeu.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia

    Apesar das publicitadas boas intenções deste “European Media Freedom Act” há quem desconfie que a Comissão Europeia possa pretender ter controlo sobre o setor dos media e o jornalismo produzido no espaço europeu.

    Para a Civil Liberties Union for Europe, a proposta da Comissão Europeia, “na sua forma atual, não aborda adequadamente os problemas mais prementes, incluindo ameaças crescentes à independência das autoridades nacionais de media e emissoras públicas, a falta de um banco de dados transparente e disponível ao público sobre a propriedade da media e o papel dos auxílios estatais tóxicos e subsídios estatais”.

    Para empresas do setor, as novas regras cheiram a possível intromissão no setor por parte dos políticos e burocratas de Bruxelas. “Os reguladores de mídia agora podem interferir na imprensa livre, enquanto os editores estão afastados de suas próprias publicações”, disse Ilias Konteas, diretor executivo da European Magazine Media Association e da European Newspaper Publishers Association ao jornal Politico.

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    Num comunicado conjunto, um grupo alargado de organizações europeias pela defesa da liberdade de imprensa e dos direitos humanos – incluindo o Centro Europeu para a Liberdade de Imprensa e dos Media e a Federação Europeia de Jornalistas – , considerou que a iniciativa legislativa é bem-vinda.

    Contudo, alertaram que “para que o EMFA se torne eficaz na luta pela garantia do pluralismo dos meios de comunicação social, pela proteção dos direitos dos jornalistas e pela independência editorial do impacto dos interesses comerciais e políticos instalados, deve reforçar os esforços para aumentar a transparência na propriedade dos meios de comunicação social”.

    Segundo as mesmas organizações, o EMFA deve prever “regras para reger todas as relações financeiras entre o Estado e os meios de comunicação social [para além da publicidade] e “garantir a independência dos reguladores nacionais, bem como a independência do Conselho Europeu dos Serviços aos Meios de Comunicação Social”. Defenderam ainda que a iniciativa deve “proteger totalmente os jornalistas de todas as formas de vigilância [além de spyware]”.

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    O comissário do Mercado Interno, Thierry Breton, afirmou numa conferência de imprensa – citado pelo Politico – que não houve “absolutamente nenhuma tentativa da Comissão de ter poder” sobre os media.

    Por outro lado, as novas regras visam endereçar a questão dos conteúdos noticiosos divulgados nas redes sociais, incluindo notícias que são eliminadas por irem contra as normas impostas por cada plataforma, como o Facebook e o Twitter.

    Tendo como base a “Lei dos Serviços Digitais”, o EMFA inclui salvaguardas contra a remoção injustificada de conteúdos noticiosos.

    “Nos casos que não envolvam riscos sistémicos, como a desinformação, as grandes plataformas online que pretendam remover certos conteúdos legais de media considerados contrários às políticas da plataforma terão de informar os órgãos de comunicação social sobre as razões” antes de as retirar.

    Além disso, “quaisquer reclamações apresentadas por órgãos de comunicação social terão de ser processadas com prioridade por essas plataformas”.

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    Para a Repórteres sem Fronteiras (RSF), a iniciativa é bem-vinda mas precisa de uns “retoques”.

    “A referência explícita no EMFA à “Journalism Trust Initiative (JTI)” como um standard de auto-regulação que permite que os media se identifiquem como tal em plataformas online, beneficiando de proteção específica face às operações de moderação das plataformas, é um passo importante”, apontou a RSR num comunicado.

    Mas ressalvou que os critérios para definir as entidades que são classificadas como “media” não são satisfatórios atualmente. “Se a auto-declaração como um órgão de comunicação social for suficiente para gozar de proteção, então este mecanismo corre o risco de dificultar os esforços que as plataformas devem empreender para combater a desinformação”, avisou.

    Certo é que, notícias verdadeiras têm sido classificadas como “desinformação” devido a erros cometidos por verificadores de factos, os quais operam em parceria com as plataformas de redes sociais, enquanto notícias falsas ou com graves erros escapam a qualquer tipo de escrutínio.