Categoria: Economia

  • Caves da Montanha: dos zero euros de espumante até aos 340 mil euros em testes e máscaras

    Caves da Montanha: dos zero euros de espumante até aos 340 mil euros em testes e máscaras

    Nem só de uvas se faz vinho, já diz o dichote. E durante a pandemia, nem só de bebidas viveu uma conhecida empresa vinícola da Bairrada. Localizada na Anadia, a Caves da Montanha nunca conseguira vender uma garrafa a qualquer entidade pública, mas soube aproveitar a “onda” e fartou-se de vender máscaras e autotestes, incluindo ao Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, que gere o hospital de Santa Maria. No total foram seis contratos públicos, cinco dos quais por ajuste directo, num total de 340 mil euros. Ninguém explica como empresas sem experiência no sector conseguiram, de repente, convites directos para contratos. Esta é a terceira parte da investigação do PÁGINA UM sobre o LUVASGATE (que não inclui apenas luvas de nitrilo).


    “Mais do que bebidas, produzimos momentos de prazer. Esperemos que gostem!” – esta é a divisa da Caves da Montanha, empresa familiar da Anadia fundada em 1943, que já vai na quarta geração. No site da empresa diz-se que está “focada na produção, comercialização e distribuição de bebidas”, sendo “líder da produção de espumantes Bairrada”.

    E assim, a acreditar nas palavras da empresa, pela “dedicação e paixão” que metem naquilo que fazem, mostra-se “fácil de entender o motivo pelos qual as pessoas se deixam seduzir tão facilmente pelos nossos espumantes”. Imaginar-se-ia, por isso, que o próprio Estado e entidades públicas tivessem andado a comprar paletes de bebidas comercializadas pela Caves da Montanha, nem que fosse pela Passagem do Ano ou para acompanhar um repasto de leitão à Bairrada.

    Mas não. Nada disso.

    Depois dos tempos da actriz Soraia Chaves a promover os seus espumantes…

    Nunca a Caves da Montanha vendeu ao Estado, ou às autarquias, à Administração Pública, ou outro qualquer ente público uma garrafa que fosse das 14 marcas que comercializa de espumante; nem uma só garrafa das sete marcas de champagne; nem uma só garrafa das 24 marcas de vinho tinto, branco e rosé; nem uma só garrafa das 10 marcas de licores (incluindo groselha); nem uma só garrafa das quatro marcas de aguardente (incluindo bagaceira); nem uma só garrafa de 11 marcas de spirit (incluindo absinto e rum); nem uma só garrafa de água da marca Voss (originária da Noruega a 3,5 euros meio litro). Nem uma para amostra.

    Porém, a pandemia teve o condão de fazer com que até os empresários do ramo vinícola pudessem experimentar voos nunca conseguidos antes, e sobretudo em negócios que nunca se imaginariam possíveis.

    Por isso, só por uma rebuscada associação, sabendo-se que muitos crimes são cometidos sob efeito do álcool, se poderia imaginar ver em 26 de Novembro de 2020 a Caves da Montanha a vender à Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais “material de protecção individual no âmbito do plano de contingência para o novo coronavírus-covid 19 do hospital prisional”. Valor do contrato: 25.500 euros, por ajuste directo.

    … a Caves da Montanha passou a usar narinas e zaragatoas para promover a sua nova linha de negócio.

    Como o contrato não foi reduzido a escrito, ignora-se as quantidades e produtos, sabendo-se apenas que o valor em causa daria para comprar cerca de 1.400 garrafas de Espumante Montanha Real Grande Reserva 2010 Branco Bruto, que no mercado se encontra a 17,9 euros.

    A este primeiro contrato, de material não especificado, seguiu-se outro em Fevereiro do ano passado, desta vez uma venda de 43.500 euros de máscaras FFP2 para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.

    Foi também um contrato sem redução a escrito, pelo que se ignora igualmente a quantidade e o preço unitário, assim tendo sido realizado por “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade”. Isto apesar da pandemia já então durar há quase um ano.

    Quem vende máscaras – ficou a saber-se durante esta pandemia –, também consegue comercializar todo o “pacote” associado. E assim o terceiro contrato público da Caves da Montanha foi de “testes profissionais nasofaríngeos”, comprados pelo município de Leiria. Valor do contrato: 25.000 euros, que se concretizou em Maio. Não se sabe a quantidade de testes, embora o Portal Base indique que o contrato foi cumprido integralmente um dia após ser assumido pelas partes.

    No quarto contrato, a Caves da Montanha chegou finalmente a um hospital – e dos grandes. O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte – que integra os hospitais de Santa Maria e Pulido Valente – lançou um raro concurso público, tendo a empresa vinícola da Bairrada apresentado o melhor valor face às outras 15 propostas, grande parte das quais apresentada por empresas do sector de produtos hospitalares e de saúde. Por cada um dos 80.000 testes, a Caves da Montanha cobrou 1,885 euros, mesmo assim um valor cerca de 60% acima do actual preço de mercado.

    Se teve ou não pouco lucro neste negócio, ignora-se, mas, em todo o caso, a Caves da Montanha conseguiu que as portas em Lisboa se reabrissem pouco mais tarde. O mesmo centro hospitalar adquiriu à empresa vínicola da Bairrada mais autotestes, por duas vezes já este ano: em 20 de Janeiro, por 57.681 euros, e em 28 de Junho, por 37.700 euros. Em ambos os contratos a compra por ajuste directo foi justificada, mais uma vez, “por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade”.

    Sobre estes contratos, com o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, o PÁGINA UM solicitou esclarecimentos à sua administração, presidida por Daniel Ferro, mas não obteve qualquer resposta.

    Administração do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte não explica as razões da selecção de uma empresa vinícola para a compra de testes de detecção do SARS-CoV-2.

    Não explicando como estabeleceu parcerias com estas entidades públicas para vendas por ajuste directo, a Caves da Montanha diz apenas que a empresa, “fruto da sua experiência e contactos comerciais, garantiu a representação para Portugal de uma das principais marcas internacionais neste sector [materiais como autotestes e máscaras], conseguindo apresentar ao mercado preços mais competitivos, face aos valores apresentados por outras entidades e prazos de entrega mais reduzidos.”

    E também não esclarece se o negócio deste tipo de produtos veio para ficar, sendo certo que o PÁGINA UM teve conhecimento de várias vendas feitas a supermercados ainda ao longo deste ano, quer de máscaras cirúrgicas quer de autotestes.

    A empresa mantém ainda operacional uma loja virtual, disponibilizando álcool gel, autotestes e máscaras. Neste último caso, já bem baratinhas: passe a publicidade, uma caixa de 50 unidades fica agora a 1,99 euros, ou seja, quatro cêntimos cada… Nas farmácias ainda estão ainda a 7,5 euros a caixa de meia centena.


    Leia a primeira parte desta investigação PÁGINA UM – Raclac: com luvas (de nitrilo) lucrou em 2020 tanto como em 42 anos

    Leia a segunda parte desta investigação PÁGINA UM – Escape Forte: a extraordinária história dos milionários ajustes directos de uma oficina automóvel

  • Escape Forte: a extraordinária história dos milionários ajustes directos de uma oficina automóvel

    Escape Forte: a extraordinária história dos milionários ajustes directos de uma oficina automóvel

    Uma empresa da freguesia de Milheirós, no concelho da Maia, com uma experiência de 40 anos a reparar automóveis, passou em três tempos a entregar muitos milhões de luvas de nitrilo a hospitais, facturando, em ajustes directos, mais de 1,5 milhões de euros. Tudo parece legal, e sempre justificável com a urgência da pandemia, mas já se mostra anormal a facilidade com que as administrações hospitalares fizeram ajustes directos sem contrato escrito de produtos que, sem justificação económica plausível, quadruplicaram de preço. Esta é a segunda parte da investigação do PÁGINA UM sobre o LUVASGATE.


    Saberá bem a uma empresa com quatro décadas de existência ver as portas do Estado abrirem-se. Em 2 de Março de 2020, a Escape Forte Lda. – com oficinas numa freguesia da Maia e outra de Vila do Conde – teve o seu primeiro contrato público: a reparação do motor de uma ambulância do Instituto Nacional de Emergência Médica. Custo do serviço: 7.261 euros, acrescidos de 76 cêntimos. Ajuste directo, como se compreenderá numa urgência.

    A partir dessa “encomenda”, a vida começou a correr melhor à gerência da Escape Forte. Não que passassem a vender a instituições públicas mais serviços de reparação, descarbonização e reconstrução de filtros de partículas ou de substituição de catalisadores – o seu forte, ou, se se quiser, o seu core business. Nada disso. A visita por razões mecânicas do INEM foi pontual. Isolada.

    Sede da Escape Forte é uma oficina em Milheirós, no concelho da Maia.

    Mas há mistérios na vida das empresas, que não são fáceis de prever, mesmo em Março de 2020, quando já se estava a anunciar a pandemia por terras portuguesas. Não se sabendo se houve qualquer associação, porque ninguém a admite, certo é que quatro meses após este conserto da ambulância do INEM, a Escape Forte estava a ter a sua segunda experiência com entidades da área da saúde: entrava portões dentro no Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira, para cumprir um contrato de venda de luvas de nitrilo.

    Era o dia 2 de Julho e o contrato com o Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga (CHEDV) – que gere os hospitais de Santa Maria da Feira, Oliveira de Azeméis e São João da Madeira – não era pequeno: quase 850 mil luvas de nitrilo no valor de 80.820 euros. Preço por luva: 9,58 cêntimos, mais de quatro vezes o valor unitário no início da pandemia. Ajuste directo sem necessidade de redução a escrito, por alegados “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”.

    Esse contrato foi, curiosamente, aprovado pela administração do CHEDV no mesmo dia em que a Escape Forte fez a alteração do seu objecto social, passando a partir daí a ser também uma empresa de “comércio por grosso de produtos farmacêuticos, comércio por grosso de produtos de proteção individual e material hospitalar”, e ainda de “produção e fabrico de produtos de proteção individual e material hospitalar (EPI)”.

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    Nada mau, portanto: no primeiro dia em que passou a poder vender luvas de nitrilo, conseguiu mesmo vender luvas de nitrilo.

    E não parou por aí.

    Pouco mais de um mês depois, em 6 de Agosto, novo contrato. Ajuste directo, claro. Para a mesma entidade pública. Mais substancial: 108.658 euros. O preço reduziu um pouquinho: 8,98 cêntimos por unidade, pelo que, nos meses seguintes, a Escape Forte foi ao Hospital de São Sebastião fazer entregas de 1.210.000 luvas de nitrilo.

    Ganhou-lhe o gosto, o hospital de Santa Maria da Feira, porque ainda nesse ano, em 3 de Novembro, saiu um terceiro contrato com a Escape Forte, que se comprometeu, a troco de 142.400 euros, a entregar esterilizadas mais cerca de 1,5 milhões luvas de nitrilo, a um preço unitário de 9,58 cêntimos. Também novamente por ajuste directo e sem contrato escrito.

    Como não há três sem quatro, em Janeiro de 2021, lá veio a administração do CHEDV concordar com mais um contrato por ajuste directo com a Escape Forte. E bem forte, porque foi por um montante superior a metade da facturação que esta empresa tinha tido em 2019 a prestar serviços com filtros de partículas e catalisadores.

    Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira, comprou nove milhões de luvas de nitrilo à Escape Forte.

    Neste quarto contrato, o Hospital de São Sebastião comprou à empresa da Maia, desta vez, luvas num montante total de 557.600 euros, o que significa que foram entregues 5,44 milhões de unidades. O preço de cada luva subiu para os 10,25 cêntimos, mais de cinco vezes superior ao valor imediatamente anterior à pandemia.

    No total, a Escape Forte conseguiu em sete meses, sempre por ajuste directo com a administração do Hospital de São Sebastião, contratos no valor de quase 890 mil euros para a entrega de nove milhões de luvas de nitrilo. Esta unidade hospitalar tem cerca de mil funcionários, incluindo serviços técnicos e administrativos. Em Setembro passado, os três hospitais do CHEDV contava com 2.415 funcionários, dos quais 505 médicos (incluindo internos) e 779 enfermeiros.

    Mas não foi apenas o CHEDV que se abriu ao Escape Forte. O Hospital Distrital da Figueira da Foz pagou 95.950 euros por um número indeterminado de luvas, em contrato por ajuste directo sem redução a escrito feito em Outubro de 2020.

    Em 20 de Janeiro do ano passado, o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) decidiu que a empresa da Maia seria a mais ajustada para ser a receptora de 522.650 euros de dinheiro público em troca de um número indeterminado de luvas, cujo número se desconhecer por também não haver contrato reduzido a escrito nem a administração daquela unidade do SNS os ter desejado revelar.

    Rui Lopes, gerente da Escape Forte.

    Certo é que, apesar da concorrência num mercado com empresas detentora de larga experiência no sector, o sucesso repentino da Escape Forte na venda de luvas de nitrilo levou o seu gerente, Rui Lopes a criar ainda em 2020 outras empresa, a Be Epic Pharma, com um capital social de 5.000 euros, alargando a actividade para outros materiais e produtos descartáveis na área da saúde.

    Esta nova empresa, sem loja física e sem sequer indicar preço no respectivo site, foi constituída em 19 de Agosto daquele ano, e até final de Dezembro encaixou seis contratos com entidades públicas: um com a Administração Regional de Saúde do Algarve (50.600 euros), outro com o município de Albergaria-a-Velha (12.140 euros) e quatro com a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (no valor global de 149.900 euros).

    No ano seguinte, em 2021, a Be Epic Pharma apenas fez três contratos públicos. Um com o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (157.000 euros), outro com a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (33.800 euros) e um terceiro com o Hospital da Horta (21.726 euros).

    Este ano, a empresa associada à Escape Forte conta já com cinco contratos, sendo dois com a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (55.000 euros, no total), um com o Serviço Regional de Protecção Civil da Madeira (46.165 euros), um com o Hospital de Ponta Delgada (13.200 euros) e um com o Centro Hospitalar Barreiro-Montijo (1.350 euros). Apenas estes dois últimos contratos foram firmados por concurso público; todos os outros foram por ajuste directo ou mera consulta prévia.

    Para explicar como conseguiu estabelecer-se tão rapidamente neste mercado, a Escape Forte mostrou-se parca em explicações, através de Rui Pinto, que se assumiu como representante de Rui Lopes, apresentado como “Administrador do Grupo Escape Forte”. A empresa Escape Forte, diga-se, é uma simples sociedade por quota unipessoal, com um capital social de 5.000 euros. Tem assim gerentes, pois só há administradores em sociedades anónimas. Além disso, não existe uma holding nem grupo económico.

    Aspecto de uma das oficinas da Escape Forte.

    Independentemente desta frivolidade, sobre as questões colocadas pelo PÁGINA UM sobre como se iniciaram e frutificaram os negócios das luvas de nitrilo, que contactos tinham ou estabeleceram com os hospitais (sobretudo o CHEDV), como adquiriam os produtos que vendiam e os preços praticados, o representante da empresa diz que, além dos dados constantes no Portal Base, “toda e qualquer informação está protegida pelo sigilo contratual previsto no Código dos Contratos Públicos, entre a entidade adjudicante e o adjudicatário, estando a Escape Forte e os seus profissionais, vinculados ao mesmo.”

    Em todo o caso, Rui Pinto adianta que as mercadorias vendidas pela Escape Forte provieram de “algumas operações de importação e fornecimento de material de combate à pandemia, quer a entidades públicas, quer privadas”. E diz ainda que a empresa cumpriu a legislação em vigor, designadamente o “Despacho 4699/2020 de 18 de abril, que limitava as margens de lucro nos produtos necessários ao combate à pandemia”, além de ter pautado a sua conduta pelo “bom senso comercial e pessoal.”

    Sendo certo que a Escape Forte não teve um desempenho que se aproxime da Raclac – também alvo da investigação do PÁGINA UM –, uma vez que não é produtora de luvas de nitrilo (as margens operacionais são assim mais baixas), não se pode dizer que a empresa de filtros de partículas da Maia se tenha saído mal nos últimos dois anos. Face a 2019 – antes da pandemia –, os nove empregados (com um salário de mil euros) conseguiram uma facturação de 901 mil euros e um lucro de 31 mil euros.

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    Com a pandemia a “desviar” a actividade da empresa para a venda de luvas de nitrilo, a facturação da Escape Forte em 2020 ultrapassou os 1,7 milhões de euros e o lucro subiu para os 82 mil euros. E isto com apenas dois empregados, deduzindo-se assim que a empresa tenha suspendido grande parte da sua actividade normal nas oficinas por via dos lockdowns.

    No ano passado, o volume de negócios ainda aumentou mais, para cima dos 2,25 milhões de euros, com os lucros a aproximarem-se dos 147 mil euros. O número de empregados aumentou para os 13, significando assim que a Escape Forte retomou também a sua actividade original, mantendo forte a venda de luvas de nitrilo.

    A estes resultados da Escape Forte em 2021 devem acrescentar-se os da Be Epic Pharma. Nesse ano, a novel empresa registou uma facturação de cerca de 1,76 milhões de euros e um lucro de 82 mil euros, fruto do trabalho de apenas duas pessoas.

    Mas, enfim, porque motivo foi a Escape Forte, que nunca tivera qualquer experiência com luvas de nitrilo ou equipamentos de protecção individual, escolhida por hospitais e outros entes públicos?

    O PÁGINA UM perguntou a três dos hospitais que lhes fizeram compras: Hospital da Figueira da Foz, Centro Hospitalar do Algarve e o CHEDV, que foi o melhor cliente da Escape Forte.

    Anúncio da Escape Forte no Facebook: “vai ficar tudo bem!” Para a empresa de reparação automóvel, ficou…

    Ilda Geraldo, do gabinete de relações públicas do CHEDV, diz que “tivemos conhecimento da disponibilidade de oferta destes produtos por parte da empresa [Escape Forte] através de comunicações que chegaram ao conhecimento do Serviço de Compras da instituição.

    Aquela responsável alega que, “quando se iniciou a relação” com a Escape Forte, “o mercado era altamente deficitário em termos de resposta face às necessidades de aquisição, acrescentando que “a credibilidade da empresa foi aferida através da validação das luvas a fornecer pela Comissão Técnica da instituição, constituída por profissionais de saúde habilitados para o efeito.”

    E não se diga que o CHEDV esteja arrependido. “Numa altura em que era frequente o não cumprimento dos prazos de entrega de material, esta foi uma das empresas mais cumpridoras, deslocando-se ao hospital sempre que necessário”, refere Ilda Geraldo, informando que “não foi registada qualquer queixa da qualidade das luvas por parte dos serviços utilizadores.” Caso a Escape Forte “decida concorrer e cumprir o estabelecido no Código dos Contratos Públicos para o tipo de procedimentos a desenvolver, nomeadamente, concursos públicos”, o CHEDV “poderá vir a adquirir[-lhe] mais luvas ou outros materiais”, adianta.

    Escape Forte: das feiras de reparação automóvel até à venda de luvas de nitrilo., bastou uma pandemia temperada por ajustes directos.

    Mais a sul, o gabinete de comunicação do CHUA disse apenas ao PÁGINA UM que as aquisições de louvas de nitrilo à Escape Forte foram feitas “como último recurso, porquanto, devido à pandemia”, uma outra empresa que tinha ganhado uma adjudicação “no âmbito de um concurso realizado ao abrigo do acordo quadro, não conseguiu garantir o fornecimento”.

    E acrescenta ainda que “na falta de fornecimento por parte dessa empresa, não se encontrou mais nenhuma outra no mercado [a não ser a Escape Forte] que comercializasse este material e que garantisse as entregas atempadamente.”

    Tudo, portanto, perfeito… E normal, cada vez mais normal, em Portugal.


    Leia a primeira parte desta investigação PÁGINA UM: Raclac: com luvas (de nitrilo) lucrou em 2020 tanto como em 42 anos

  • Raclac: com luvas (de nitrilo) lucrou em 2020 tanto como em 42 anos

    Raclac: com luvas (de nitrilo) lucrou em 2020 tanto como em 42 anos

    Uma empresa de Vila Nova de Famalicão prometeu, patrioticamente, no início da pandemia, não exportar luvas de nitrilo, para assim satisfazer as necessidades do mercado nacional. Poucos meses depois, tanto esta como outras empresas deixavam concursos públicos vazios, mas estavam sempre dispostas a vender por ajuste directo, inflacionando os preços em mais de 400%, mesmo com a procura a subir apenas pouco mais de 10%. O Estado nada interferiu nesta negociata que fez com que a Raclac lucrasse 14 milhões de euros em 2020, um montante 42 vezes superior ao alcançado no ano anterior. Esta é a primeira parte da investigação do PÁGINA UM sobre o LUVASGATE.


    “Nesta altura temos obrigação de proteger os nossos. O negócio é secundário e há um mês e meio que parámos a exportação”. Estas foram, curiosamente, no dia 1 de Abril de 2020, as palavras empenhadas em prol de um desígnio nacional do CEO da Raclac, Pedro Miguel Costa.

    No início da pandemia, a empresa de Vila Nova de Famalicão, produtora de descartáveis hospitalares, tinha acabado de concluir uma unidade de produção de luvas de nitrilo, com um apoio comunitário do FEDER da ordem dos 5,5 milhões de euros, contando também com a participação dos investimentos de uma private equity, a Vallis Capital Partners, que em 2017 comprou metade da Raclac. Esta empresa de gestão de activos é presidida por Eduardo Rocha, ex-administrador financeiro da Mota-Engil.

    Para suprir as necessidades nacionais em luvas de nitrilo – de uso único em actos médicos e de enfermagem –, a empresa famalicense ter-se-á se comprometido, através de um contrato com a central de compras do Sistema Nacional de Saúde, a fornecer exclusivamente para o mercado nacional. Não exportaria, prometeu o CEO da empresa. E Portugal não teria necessidade de importar tantas luvas de nitrilo da China.

    Foi um acto patriótico? Não tanto assim.

    Vejamos…

    Antes da pandemia, a Raclac, tal como outras empresas, já vendia luvas de nitrilo aos hospitais portugueses. Engalfinhavam-se em concursos públicos para apresentar a melhor oferta. Por exemplo, em Maio de 2017, a empresa de Famalicão venceu oito concorrentes para um contrato de quase 10 milhões de luvas de nitrilo com o Centro Hospitalar de Lisboa Norte. Aqui a Raclac ganhou um contrato de 206.468 euros, pedindo 2,094 cêntimos por luva.

    Mesmo nas primeiras semanas da pandemia, a Raclac (tal como outras empresas do género) continuou a praticar preços em linha com o habitual, mesmo quando havia urgência. Por exemplo, num contrato já por ajuste directo com a Direcção-Geral da Saúde em 18 de Março de 2020, no valor global de 1.957.896 euros, a Raclac não especulou. Entre máscaras, fatos de protecção integral e toucas, vendeu um milhão de luvas de vinilo por apenas 1,9 cêntimos cada. Recebeu assim, pelas luvas, apenas 19.000 euros.

    Raclac, criada em 2007, operacionalizou uma fábrica automatizada de luvas de nitrilo em Julho de 2020, obtendo financiamento comunitário de 5,5 milhões de euros.

    Mas tudo viria a mudar com o decurso dos meses do primeiro ano da pandemia. Por um lado, a Raclac começou a “coleccionar” contratos por ajuste directo, justificados pela emergência da covid-19.

    Não havendo na maior parte dos casos a redução a escrito, conforme consulta no Portal Base, o preço unitário e a quantidade ficou “à discrição”. Houve contratos de mais de 850 mil euros em luvas de nitrilo que nem sequer foram reduzidos a escrito, como sucedeu num ajuste directo em Maio de 2021 feito pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo.

    Porém, em alguns casos – vá-se lá saber o motivo –, o preço unitário surge em contratos por ajuste directo. E aí fica-se com a verdadeira noção da brutal dimensão da especulação e, eventualmente, de outros fenómenos menos transparentes.

    Por exemplo, em 3 de Julho de 2020, a Raclac conseguiu vender 185.350 euros de luvas de nitrilo por ajuste directo ao Centro Hospitalar de Lisboa Norte (que integra o Hospital de Santa Maria). No início da pandemia, esse montante daria para adquirir quase 9,8 milhões de luvas, considerando o preço unitário anterior de 1,9 cêntimos.

    Porém, os “tempos” já eram outros: o da ganância. E a Raclac, que em Abril desse ano garantia que “o negócio era secundário”, quase sextuplicou o preço, aplicando um preço unitário de 11 cêntimos. Deste modo, a empresa famalicense entregou apenas um pouco menos de 1,7 milhões de luvas.

    Nos restantes contratos detectados pelo PÁGINA UM nos anos de 2020 e 2021, e não apenas os referentes à Raclac, os preços estiveram quase sempre entre os 11 e os 12 cêntimos por luva.

    Pedro Miguel Costa, CEO da Raclac, prometeu “proteger os nossos”. E depois aumentou em mais de 400% o preço das luvas de nitrilo.

    Poder-se-ia pensar que a procura, decorrente da pandemia, justificasse esta escalada de preços nas luvas, mas analisando as compras e consumos do Centro Hospitalar de São João, tal não se verifica. Com efeito, empregando mais de 6.500 funcionários, dos quais cerca de mil médicos e 2.500 enfermeiros, este centro hospitalar do Porto – que foi um dos principais clientes da Raclac – tinha consumido 18.073.322 luvas de nitrilo em 2019, aumentando para 19.110.645 de unidades em 2020 e para 19.448.235 de unidades em 2021.

    Se considerarmos o biénio 2018-2019, o crescimento de consumo de luvas foi de 11% nos dois primeiros anos da pandemia, mas o preço unitário aumentou mais de 400%! Não há lei da Economia que explique tamanho desfasamento. Excepto se se acrescentar que não houve qualquer controlo de custos, nem regulação de preços nem transparência nos contratos. Pediu-se muita coisa aos portugueses, muitas empresas foram obrigadas a encerrar actividade para o bem comum, mas enquanto isso houve quem lucrasse, e muito, sem controlo.

    Fonte oficial do CHSJ disse ao PÁGINA UM que foi a “instabilidade sistemática no fornecimento de bens” que justificou a opção pelos ajustes directos na compra de luvas de nitrilo, embora garanta que, “de forma permanente e sistemática”, houve sempre “consulta ao mercado tendo sempre procedido à adjudicação com base no menor preço e/ou na capacidade de entrega imediata, dada a urgência imperiosa deste bem para proteção dos profissionais de saúde e dos doentes com covid 19.” Uma situação incompreensível, tendo em consideração que a unidade fabril da Raclac garantia uma produção de 765 milhões de luvas por ano, segundo dados da própria empresa, divulgados em 2018.

    Hospital de São João aumentou consumo de luvas de nitrilo em 11%, mas preços mais que quintuplicaram.

    No entanto, apesar de assegurar que “este trabalho” de consulta prévia se encontra “profundamente documentado no Serviço de Aprovisionamento, de forma transparente – quem foi contactado, que preços apresentava, qual a quantidade que possuía para entrega” –, o CHSJ não satisfez ainda um pedido do PÁGINA UM para facultar essa documentação. De igual modo, o CHSJ não indicou os montantes globais gastos em luvas de nitrilo entre 2017 e 2022, conforme pedido pelo PÁGINA UM, para se calcular os preços unitários em cada ano.

    O CHSJ referiu ainda que a aquisição de luvas de nitrilo ficou bastante condicionada ao longo da pandemia, porque sempre que se tentou lançar concursos públicos, estes acabavam vazios, como sucedeu em Dezembro de 2020. Actualmente, os preços baixaram com o fim, mais ou menos oficial, da pandemia, para valores próximos dos 2 cêntimos por unidade.

    Não sendo o único caso de enriquecimento repentino e absurdo à conta da pandemia, os benefícios da Raclac com os negócios de descartáveis hospitalares é um paradigma do descontrolo na gestão dos dinheiros públicos na área da Saúde desde 2020.

    Antes da pandemia, a empresa nortenha tinha uma situação razoável para pequena e média empresa (PME) em fase de crescimento sustentado. Em 2017 facturou, segundo a imprensa local, cerca de 10,5 milhões de euros. Dois anos mais tarde, em vésperas da pandemia, a empresa terminou o ano (2019) com receitas da ordem dos 12,5 milhões de euros e um lucro de 330.668 euros. Não era mau, embora sem deslumbrar em demasia.

    Pandemia, mais ajustes directos, mais muitas luvas entregues a torto e a direito, e a preços exorbitantes, e 2020 transformou-se num jackpot para a Raclac. A facturação subiu para os 51,8 milhões de euros e os lucros… bem, os lucros tornaram-se elásticos e foram catapultados para os 14.047.527 euros.

    Contas feitas, os lucros do ano de 2020 da Raclac valeram mais de 42 vezes os lucros do ano anterior, muito por conta das luvas de nitrilo e dos preços especulativos do material descartável de uso hospitalar.

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    Perante tão lucrativa avalanche destes resultados, parecerá quase irrelevante referir que, por força do desempenho industrial e comercial, os quatro administradores da Raclac fizeram subir os seus salários: em 2019 tinha recebido um total de 178 mil euros, passando para os 268 mil euros em 2020. No ano passado aumentaram os seus salários para 351 mil euros.

    Em todo o caso, e como o mercado se foi tornando ainda mais concorrencial – apesar dos ajustes directos terem feito “escola” ao longo da pandemia –, com a entrada de mais empresas a comercializarem estes produtos, a Raclac não repetiu em 2021 o “euromilhões” de 2020. O relatório e contas do ano passado desta empresa, consultado pelo PÁGINA UM, revela uma facturação já só de 17 milhões de euros.

    E 2021 até poderia ter ficado no vermelho para a Raclac, porque os custos operacionais, as depreciações e os juros “sugaram” todas as receitas e muito mais. Mas uma (criativa mas legal) operação contabilística e fiscal permitiu transformar um prejuízo de quase 140 mil euros num resultado positivo de 692 mil euros, por força do recebimento de impostos diferidos no valor de 830 mil euros.

    A Raclac refuta qualquer acusação de ter praticado preços especulativos, relembrando que, em Abril de 2020, após acusações no programa Sexta à 9 (RTP), solicitaram uma auditoria à ASAE, “não resultando desse processo a identificação de qualquer política especulativa ou não conformidade com o ordenamento em vigor durante a pandemia em termos de pricing e margens”, segundo a empresa. E informam ainda que, por causa desta reportagem, apresentaram “queixa contra terceiros junto do Ministério Público”.

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    A empresa justifica o aumento do preço das luvas por não ter sido possível automatizar a produção pela urgência em dar resposta à procura, e daí ter sido necessário contratar “mais de 200 trabalhadores temporários”, além da “escalada dos preços das matérias-primas e dos produtos” para o fabrico. Pedro Brandão, administrador financeiro desta empresa, diz que “vimos crescer [os preços] em alguns casos” das matérias-primas e produtos “quatro ou cinco vezes o seu valor habitual”.

    Convém, no entanto, referir que essas justificações não encontram sustentação nas contas da empresa ao nível das receitas e dos custos. Com efeito, sendo certo que entre 2019 e 2020, a Raclac quase duplicou os custos com pessoal (passando de 797 mil para 1,5 milhões de euros) e os custos de matérias-primas e produtos subiram de 10,5 milhões para 24,4 milhões de euros, a variação das receitas mais do que encaixaram tudo isto. Em vendas, o ano de 2019 tinha facturado 12,5 milhões de euros; e um ano depois atingiu 51,8 milhões de euros, ou seja, uma variação de 39,3 milhões de euros. A margem operacional da empresa melhorou extraordinariamente, de cerca de 6% em 2019 para 37% em 2020. Isto é, sextuplicou. E por uma razão simples: vendeu mais mas vendeu muitíssimo mais caro.

    Entretanto, o Ministério da Saúde não manifestou disponibilidade para comentar o modus operandi da aquisição de material descartável pelas unidades do Serviço Nacional de Saúde durante a pandemia.

  • Contratos da Pfizer: um nó (cada vez mais) górdio para a Comissão Europeia

    Contratos da Pfizer: um nó (cada vez mais) górdio para a Comissão Europeia

    Depois da Provedora de Justiça Europeia e do Tribunal de Contas Europeu, foi a vez da Procuradoria Europeia se pôr em campo para investigar a compra das vacinas contra a covid-19 pela Comissão Europeia. Mensagens e telefonemas feitos por telemóvel com o presidente-executivo da Pfizer colocaram Ursula von der Leyen no centro da polémica, que recusa divulgar as SMS trocadas com Albert Bourla. Não é a primeira vez que a alemã se vê no centro de uma polémica envolvendo um contrato milionário. Quando era ministra da Defesa da Alemanha também surgiram suspeitas, mas von der Leyen seria ilibada de responsabilidades em Junho de 2020.


    Here I go again! Aqui vou eu outra vez!. Deve ter sido isto, ou coisa parecida, que a presidente da Comissão Europeia pensou quando, na semana passada, a Procuradoria Europeia anunciou que está a investigar os contratos secretos celebrados com a farmacêutica Pfizer.

    A investigação em curso anunciada por aquela instituição europeia não nomeia as pessoas cujas ações serão escrutinadas. Contudo, o nome de Ursula von Der Leyen não deve escapar; tem sido ela a aparecer no centro da polémica, por dúvidas sobre se esteve directamente envolvida nas negociações de um contrato multimilionário com a Pfizer. Ao todo, sabe-se, a Comissão Europeia comprou 4,6 mil milhões de doses de vacinas contras a covid-19, gastando já 71 mil milhões de euros.

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    O cerco em torno da Comissão Europeia começa agora a apertar para apurar como foram negociados os contratos, e porque são os países-membro da Europa obrigados a comprar vacinas que cobrem várias vezes as necessidades.

    Mas a polémica em torno da compra das vacinas à Pfizer já vem de longe, com vários desenvolvimentos de relevo.

    Em Abril de 2021, a presidente da Comissão Europeia afirmou, numa entrevista ao New York Times, que trocou mensagens de texto (SMS) e telefonemas com o presidente-executivo da Pfizer, Albert Bourla, durante um mês, numa altura em que estava a ser negociado um grande contrato com a farmacêutica.

    O contrato efetuado naquela altura tornou a União Europeia o maior cliente da Pfizer até então. Em causa estava a compra de 1,8 mil milhões de doses da nova vacina desenvolvida pela Pfizer em conjunto com a alemã BioNTech.

    O jornalista Alexander Fanta, do jornal digital alemão Netzpolitik.org, pediu o acesso às SMS ao abrigo da lei de acesso a informação. Mas a Comissão Europeia indicou que já não tinha as mensagens.

    Emily O’Reilly, provedora da Justiça Europeia

    Contudo, em Janeiro deste ano, a provedora de Justiça da União Europeia (UE), Emily O’Reilly, acusou a Comissão Europeia de má administração por falhar em entregar as mensagens de texto trocadas entre Ursula Von der Leyen e o CEO da Pfizer. E exigiu à Comissão que procurasse melhor as SMS. Em todo o caso, o inquérito foi encerrado em Julho passado, sem a Comissão ter entregado as mensagens, não apagando assim as suspeitas, pelo contrário.

    Num duro comunicado, a Provedora de Justiça Europeia considerou que o inquérito “sobre a forma como a Comissão (Europeia) tratou um pedido de mensagens de texto entre a sua presidente e o CEO de uma empresa farmacêutica é um alerta para todas as instituições da União Europeia no sentido de garantir a responsabilização numa era de mensagens instantâneas”.

    Salientou que “um ano após o pedido inicial de um jornalista, a Comissão (Europeia) ainda não esclareceu se existem mensagens relatadas que dizem respeito a grandes acordos de aquisição de vacinas e se o público tem direito a vê-las”.

    O’Reilly foi bastante assertiva sobre a actuação da Comissão Europeia, censurando o mau exemplo que foi dado ao longo do processo. “A resposta da Comissão às minhas perguntas não esclareceu a questão básica de saber se as mensagens de texto existem, nem clarificou como a Comissão responderia a um pedido específico de outras mensagens de texto”, disse a provedora, citada no mesmo comunicado.

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    E aproveitou para dar mais raspanetes: “O tratamento deste pedido de acesso a documentos deixa a lamentável impressão de uma instituição da União Europeia que não está disponível em assuntos de interesse público significativo”.

    Outro desenvolvimento importante no caso da compra das vacinas à Pfizer ocorreu no mês passado. O Tribunal de Contas Europeu publicou um relatório onde afirmou que a Comissão Europeia também recusou divulgar detalhes do papel de Ursula von der Leyen nas negociações com a Pfizer.

    O Tribunal de Contas descobriu que o contrato gigantesco com a Pfizer, assinado em Maio de 2021, foi feito à revelia dos procedimentos habituais. Para os restantes contratos de compras de vacinas com as outras farmacêuticas, o procedimento foi seguido.

    Segundo informação oficial, é a Comissão que, “a par de uma equipa de negociação conjunta, conduz as negociações com os fornecedores de vacinas”, acrescentando que “os membros da equipa de negociação conjunta — em representação de sete Estados-Membros — são nomeados por um Comité Diretor”. É este Comité que “discute e analisa todos os aspetos dos contratos ao abrigo do acordo prévio de aquisição (APA) antes da assinatura”. E todos os Estados-Membros da União Europeia “estão representados neste comité, que se reúne semanalmente”. 

    Tony Murphy, presidente do Tribunal de Contas Europeu

    Estranhamente, no caso do grande contrato feito com a Pfizer, foi a própria Ursula von der Leyen que levou a cabo as negociações iniciais, em Março de 2021. No mês seguinte, ela levou os resultados das negociações ao Conselho Director. Uma reunião planeada para 2022, que iria reunir assessores científicos para debater a estratégia de vacinas da União Europeia, nunca aconteceu, segundo o relatório do Tribunal de Contas.

    Também contrariando os procedimentos habituais, a Comissão Europeia recusou fornecer documentos e informações sobre as negociações com a Pfizer, como actas de reuniões e condições negociadas. Um auditor que ajudou a liderar a investigação admitiu ao jornal Politico que a recusa da Comissão em divulgar informações era altamente incomum. “Isso quase nunca acontece. Não é uma situação que normalmente enfrentamos no tribunal”, disse o auditor, que pediu anonimato.

    Há mais de um ano que eurodeputados, instituições europeias e membros da sociedade civil pedem o acesso aos contratos secretos negociados com a Pfizer.

    Na semana passada, as suspeitas em torno dos contratos com esta farmacêutica alemã – que tem ultrapassado a Moderna, a Janssen e a AstraZeneca no chorudo negócio das vacinas contra a covid-19 – aumentaram com a entrada em cena da Procuradoria Europeia. Na sequência deste anúncio, a presidente da Comissão Especial sobre a pandemia de covid-19 no Parlamento Europeu, Kathleen van Brempt, surpreendeu os seus colegas com declarações no Twitter, questionando, pela primeira vez, os contratos feitos com a Pfizer e o volume de vacinas compradas, bem como o montante pago pela União Europeia.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia

    Apesar disso, a farmacêutica norte-americana nega qualquer irregularidade nas negociações. No passado dia 10, a presidente da International Development Markets da Pfizer, Janine Small, afirmou que o contrato para a venda de 1,8 mil milhões de doses não foi acordado através de SMS. “Posso dizer categoricamente que não foi o caso”, afirmou este alto quadro da farmacêutica norte-americana numa inquirição no Parlamento Europeu da Comissão Especial sobre a pandemia de covid-19, citada pela Reuters. Recorde-se que Janine Small admitiu também, nesse dia, que não tinham sido testados, nos ensaios clínicos antes da aprovação das vacinas, qualquer alegado efeito de redução da transmissibilidade nos vacinados, algo que esteve na base da introdução do certificado digital.

    Certo é que, mais do que a Comissão Europeia, a própria presidente da instituição tem sido o rosto das políticas drásticas que a União Europeia adoptou na gestão da pandemia, incluindo a maior operação de segregação registada desde a Segunda Guerra Mundial. Com efeito, o certificado digital serviu como “arma” para pressionar os europeus a tomarem várias doses de vacinas contra a covid-19.

    Ursula von der Leyen foi uma das muitas responsáveis da Comissão Europeia, sendo acompanhada pelos líderes dos diferentes países europeus, a falar em “pandemia de não-vacinados”, instigando as pessoas a vacinarem-se. Como se foi confirmando ao longo de 2021, e sobretudo depois do surgimento da variante Ómicron, a transmissão da infecção ocorre tanto entre vacinados como não-vacinados. Mesmo assim, a Comissão Europeia prolongou a validade do certificado digital até Junho de 2023, embora actualmente o seu uso esteja virtualmente suspenso.

    Albert Bourla, presidente-executivo da Pfizer

    Não é a primeira vez que Ursula von de Leyen surge numa polémica de contratos milionários opacos envolvendo mensagens e chamadas por telemóvel. A actual presidente da Comissão Europeia foi investigada quando era ministra da Defesa da Alemanha, entre 2013 e 2019. Ursula von der Leyen acabou por ser ilibada no chamado “Caso do Consultor”, em Junho de 2020, mas também aqui houve telefones à mistura.

    Os partidos então no Governo na Alemanha acabaram por absolver a agora presidente da Comissão Europeia no escândalo sobre a contratação milionária de consultores externos, sem a devida fiscalização e escrutínio. A absolvição surgiu num relatório que resultou de uma Comissão Especial parlamentar que investigou o caso. Em todo o caso, Ursula von der Leyen admitiu, naquela Comissão, que “erros foram cometidos” na contratação de consultores, segundo o Politico.

    As principais críticas não se dirigiram à contratação de consultadoria externa, mas ao método. Durante a investigação, Ursula von der Leyen foi criticada porque os dados de dois telemóveis oficiais, que utilizou durante o tempo em que foi ministra da Defesa, foram apagados. Esses dados poderiam ser prova na investigação.

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    Sobre o assunto, von der Leyen disse, numa entrevista ao Spiegel que terá entregado os dois telemóveis e acrescentou que não foi responsável por qualquer acto de eliminação de dados. “Terá de perguntar o que lhes aconteceu. Os equipamentos pertencem ao Ministério e tinham de ser devolvidos”, afirmou.

    Mas a procissão para esclarecer as dúvidas em torno dos contratos assinados com a Pfizer ainda estará agora no adro, somando-se ainda a gestão política da Comissão von der Leyen na guerra da Ucrânia e o método para suprir a crise energética e a subida vertiginosa da inflação no espaço comunitário. Do sucesso desta estratégia depende o seu futuro político, até porque tem colocado “todas as fichas” na derrota da Rússia.

    No seu recente discurso anual, no dia 14 de setembro, Ursula von der Leyen frisou que a Europa tem estado do lado da Ucrânia desde o primeiro dia “com armas”, “com fundos” e com “as sanções mais duras [aplicadas à Rússia] que o Mundo já viu”. Disse que a Europa ficará do lado da Ucrânia “o tempo que for preciso”, sinalizando um Inverno duro para os europeus.

  • Recusa de numerário: ASAE e Banco de Portugal assumem existência de ilegalidade mas lei não prevê multas

    Recusa de numerário: ASAE e Banco de Portugal assumem existência de ilegalidade mas lei não prevê multas

    É ilegal, mas nenhum regulador consegue multar ou aplicar sanções aos estabelecimentos comerciais que recusarem aceitar dinheiro físico como meio de pagamento. Só uma mudança na lei pode travar a discriminação dos consumidores e travar os infractores. Banco de Portugal diz que vai esperar por mudanças a nível europeu.


    O caso é insólito. Os reguladores confirmam que recusar aceitar dinheiro como meio de pagamento é ilegal. Mas nem a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) nem o Banco de Portugal dispõem de base legal para multar os comerciantes que cometem esta ilegalidade. Também não podem levantar processos de contraordenação. Isto porque a lei não impõe quaisquer coimas ou outro tipo de sanções sempre que uma entidade não aceita notas e moedas para pagamentos de bens e serviços.

    Numa altura em que já há (embora poucos) estabelecimentos que recusam aceitar numerário como é o caso do Time Out Market Lisboa , os reguladores estão de mãos atadas e não podem actuar para proteger os consumidores. Só uma alteração da legislação pode acabar com a discriminação em relação aos consumidores mais vulneráveis e sem acesso a meios de pagamento digitais.

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    A “moda” ainda muito recente de se recusar notas e moedas de euro, além de ser ilegal, constitui um acto discriminatório, já que os consumidores sem acesso a meios de pagamento digitais são excluídos.

    A ASAE confirma a ilegalidade da prática. Mas não tem como agir. Em resposta a questões do PÁGINA UM, a ASAE afirmou que, salvo as excepções previstas na lei, “o operador económico não poderá recusar aceitar o pagamento em numerário, porque, em boa verdade, tais situações carecem de cobertura legal que a justifique e fundamente”.

    “Todavia, e não obstante a obrigação que recaiu sobre os operadores económicos, caso estes recusem aceitar pagamentos em numerário, o legislador não previu norma punitiva, pelo que se entende que tal prática não configura uma contraordenação, em virtude de falta de disposição legal que a tipifique enquanto tal”, adiantou.

    Segundo o Banco de Portugal, a tendência adoptada por alguns lojistas é proibida, sendo obrigatória a aceitação de notas e moedas de euro para pagamentos. De acordo com o regulador, “as moedas correntes têm curso legal em toda a área do euro, ou seja, têm de ser aceites como meio de pagamento, pelo seu valor nominal (isto é, pelo valor inscrito na moeda), em todos os países que fazem parte desta área, independentemente de onde tenham sido emitidas”.

    O Time Out Market Lisboa recusa aceitar dinheiro físico

    Contudo, os reguladores apontam existir uma lacuna na lei, a qual não prevê punições para os infractores. O legislador não ponderou que um dia haveria o caso de alguém recusar numerário.

    A situação é crítica para muitos consumidores. O numerário (notas e moedas) continua a ser o meio de pagamento mais usado em Portugal.

    A ASAE lembrou, citando a lei, que, em Portugal, pode ser recusado dinheiro como meio de pagamento apenas se as recusas forem “fundadas na boa-fé”, por exemplo, “em caso de desproporcionalidade entre o valor da nota apresentada pelo devedor relativamente ao montante devido ao credor do pagamento ou mediante acordo das partes em usar outro meio de pagamento” .

    Também “ninguém é obrigado a aceitar, num único pagamento, mais de 50 moedas de euro correntes, com excepção do Estado”. A lei também estipula “uma punição para a realização de transações em numerário que excedam os limites legalmente previstos”.

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    A ASAE frisou que, por outro lado, segundo a Lei de Defesa dos Consumidores, “não existe qualquer ofensa aos direitos dos consumidores, nos casos de não aceitação de pagamentos em cartão ou que só aceitam esta forma de pagamento quando estão em causa determinados valores, desde que se encontre publicitado no estabelecimento, de forma clara, objetiva e adequada”.

    Questionado sobre se o Banco de Portugal admite corrigir a situação para fazer prevalecer a lei, a instituição liderada por Mário Centeno afirmou que vai aguardar que sejam tomadas decisões a nível da União Europeia, numa altura em que avançam os esforços para o lançamento do euro digital.

    Em resposta a perguntas do PÁGINA UM, o Banco de Portugal esclareceu que “tal como referido no Relatório sobre Emissão Monetária de 2021, estão em curso trabalhos a nível europeu que permitam endereçar esta questão da forma mais harmonizada possível entre os vários bancos centrais da área do euro”.

    Mário Centeno, governador do Banco de Portugal

    Disse ainda que “para além disso, a Comissão Europeia, através de um grupo de trabalho dedicado ao curso legal do numerário integrando representantes dos vários Estados Membros, encontra-se a avaliar a necessidade de introduzir alterações no atual regime legal”.

    No mesmo Relatório, o banco central destaca que “o numerário constitui a única forma de dinheiro público a que todos, mesmo os que não utilizam serviços bancários, podem aceder diretamente” pelo que “é, por conseguinte, determinante para a inclusão financeira”.

    Deste modo, “as notas e moedas continuam a desempenhar um papel crucial na área do euro: embora a sua utilização como meio de pagamento tenha diminuído durante a pandemia, a procura por numerário tem aumentado”.

    No final de 2021, as notas e moedas de euro em circulação somavam 1.576 mil milhões de euros, segundo o supervisor financeiro. No final de 2019, antes da pandemia, esse valor era de 1.323 mil milhões de euros, “ou seja, em dois anos registou-se um aumento de 19%”.

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    O banco central diz ainda que “esta evolução constitui um indício inquestionável de que, apesar da crescente digitalização da atividade económica, o dinheiro físico continuará a desempenhar um papel importante no futuro, pelo que se impõe continuar a garantir o acesso e a aceitação generalizada do numerário, a par do desenvolvimento de notas inovadoras e sustentáveis”.

    O PÁGINA UM questionou também o Ministério das Finanças sobre se Governo admite adoptar medidas, nomeadamente de proteção ao consumidor, mas não recebeu resposta até à hora de publicação deste artigo.

    Segundo uma recomendação divulgada pela DECO – Associação de Defesa do Consumidor, “é essencial garantir que numa economia cada vez mais digital, os consumidores dependentes de dinheiro físico não sejam excluídos e que o direito de escolha sobre o meio de pagamento a utilizar seja uma decisão individual, baseada em informação clara e adequado à sua realidade”.

  • Banco de Portugal paga 580 milhões de euros para emprestar dinheiro: saiba como

    Banco de Portugal paga 580 milhões de euros para emprestar dinheiro: saiba como

    Os bancos receberam um “incentivo” extra desde meados de 2020 para pedirem dinheiro emprestado ao Banco Central. Agora, os bancos estão a usar esses empréstimos para os depositarem e arrecadarem lucros sem risco, aproveitando a subida das taxas de juro. No total, somando o “incentivo” dado pelo BCE e os juros que ganharão com o depósito do dinheiro, os bancos em Portugal deverão ter nos cofres um lucro extra estimado de mais de 830 milhões de euros em três anos. Em contrapartida, e por causa deste modelo desenhado pelo BCE, os lucros do Banco de Portugal e os dividendos recebidos pelo Estado levaram um tombo.


    O Banco de Portugal pagou um total de 580 milhões de euros de juros aos bancos para pedirem dinheiro emprestado ao Banco Central Europeu (BCE), através de um programa de financiamento de prazo alargado conhecido por TLTRO III, em 2020 e 2021. O “incentivo” extra, concedido aos bancos para se financiarem a partir de Junho de 2020, durou até Junho deste ano, e consistia na aplicação de uma taxa de juro negativa de 1% aos empréstimos.

    Antes deste período, a taxa aplicável era igual à taxa de depósito (- 0,5%). Com a crise provocada pelos confinamentos e fecho de atividades em 2020 – medidas drásticas adoptadas por governos na Europa –, o BCE decidiu acenar com esse “brinde” aos bancos na condição destes emprestarem dinheiro às empresas.

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    O valor total de juros pagos pelo Banco de Portugal aos bancos será, contudo, ainda superior, já que falta incorporar os juros pagos na primeira metade deste ano. Só o Millennium bcp já recebeu, no primeiro semestre, 40 milhões de euros em juros relativos àquelas operações. No final de Junho, este banco detinha 8,1 mil milhões de euros de financiamento deste programa do BCE.

    Por sua vez, a Caixa Geral de Depósitos (CGD) arrecadou já 29 milhões de euros em juros do BCE via Banco de Portugal entre Janeiro e Junho deste ano, detendo 5,8 mil milhões deste tipo de financiamento no final do primeiro semestre.

    Para já, sabe-se que os juros pagos aos bancos em território nacional, através deste programa do BCE, entre 2020 e o final de 2021 tiveram um impacto total de 359 milhões de euros na margem de juros do Banco de Portugal. Em consequência, o banco central português lucrou menos nos últimos dois anos, diminuindo assim o montante que entregou ao Estado na forma de dividendos. A entidade liderada por Mário Centeno lucrou 535 milhões de euros em 2020, face a 759 milhões de euros no ano anterior, ou seja, uma diminuição de 224 milhões (menos 40%).

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    Em 2021, o lucro voltou a descer, encolhendo para 508 milhões de euros, isto é, menos 5% do que em 2020. Assim, sob a forma de dividendo, Centeno entregou ao Estado 428 milhões de euros referentes a 2020 e 406 milhões de euros relativos a 2021. O Banco de Portugal tinha entregado ao Estado 607 milhões de euros de dividendos no exercício de 2019.

    Em linguagem extremamente hermética, o Banco de Portugal acaba por admitir o peso bastante negativo nos seus lucros pelas condições do programa desenhado pelo BCE com as operações TLTRO. No seu Relatório de Actividade e Contas de 2020 diz apenas que “a redução da margem de juros em 2020 é principalmente justificada pelo aumento dos juros a pagar associados a operações de refinanciamento de prazo alargado (em 153 milhões de euros), os quais se referem, em grande parte, a operações TLTRO III (com um total de 194 milhões de euros de juros em 2020)”. E acrescenta ainda que “o aumento dos juros destas operações (em 175 milhões de euros) deveu-se ao acréscimo significativo do seu volume, aliado à bonificação da respetiva taxa de juro no segundo semestre de 2020 decidida pelo BCE”.

    No exercício seguinte, relativo a 2021, reforçou-se a tendência negativa com a mesma linguagem tecnocrata. “A redução da margem de juros em 2021 foi principalmente justificada pelo aumento dos juros a pagar associados a operações de refinanciamento de prazo alargado (+184 milhões de euros), maioritariamente explicado pelo aumento dos juros associados a operações TLTRO III (+210 milhões de euros)”, indicou o Banco de Portugal no Relatório e Contas de 2021.

    Mário Centeno, governador do Banco de Portugal

    E justificava os elevados juros pagos por estas operações, num total de 385 milhões de euros em 2021, “pelo acréscimo significativo do seu volume e pela manutenção, ao longo de todo o ano de 2021, da bonificação da taxa de juro (em -50 pontos base) (iniciada no segundo semestre de 2020), em resultado da extensão desta bonificação até junho de 2022”.

    As condições já inicialmente bastante favoráveis para a banca levaram a uma “corrida” a este tipo de empréstimos. Em 2020, em Portugal, os bancos pediram emprestado 29,5 mil milhões de euros via TLTRO III, aumentando para 32 mil milhões de euros o montante de financiamento de prazo alargado registado no balanço do Banco de Portugal. No final de 2021, o recurso às TLTRO III totalizava já 41,6 mil milhões de euros.

    Este programa programa teve, aliás, uma grande adesão de toda a banca da Zona Euro. No total do Eurossistema, os montantes relativos às TLTRO III ascenderam a 2.198 mil milhões de euros no final do ano passado, mais 550 mil milhões de euros do que em Dezembro de 2020.

    Em Junho passado, os bancos europeus acabaram por apenas reembolsar 74 mil milhões de euros de TLTRO III, menos do que o esperado, confirmando que estão a aproveitar a subida das taxas de juro para lucrarem com o depósito das verbas emprestadas pelos contribuintes europeus via BCE.

    Com efeito, os bancos poderiam ter começado a reembolsar os empréstimos em Junho deste ano, logo após o término do “incentivo”. Porém, como o BCE decidiu começar a subir as taxas de juro antes do previsto, os bancos viram aqui uma oportunidade para um lucro fácil, depositando junto do BCE o dinheiro que tinham pedido emprestado, e arrecadando assim os juros.

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    Esta “falha” nas previsões do BCE em relação ao calendário de subida das taxas de juro na Zona Euro tem estado assim a ser aproveitada, segundo analistas, para lucros sem esforço por parte da banca.

    Assim, se confirmar a previsão do Morgan Stanley, os bancos em Portugal terão previsivelmente um lucro extra de até 250 milhões de euros só com a arbitragem entre a taxa de depósito e a taxa aplicada aos empréstimos que obtiveram via TLTRO III.

    Este banco de investimento norte-americano estimou, recentemente, que se o BCE subisse a sua taxa de depósito para 0,75% até ao final de 2022 – o que fez agressivamente na passada quinta-feira –, uma instituição bancária que tivesse subscrito um financiamento via TLTRO em Junho de 2020 registaria uma margem de lucro de 0,6% sobre o dinheiro que detivesse até Junho de 2023, mês em que terá de reembolsar todo o empréstimo.

    O Morgan Stanley estima, segundo o Financial Times, que o lucro extra máximo que os bancos europeus vão ter apenas com este “esquema” – arbitragem entre taxa das TLTRO III e taxa de juro de depósito – será de 24 mil milhões de euros, ou seja, cerca de 12% da riqueza anual produzida em Portugal.

  • Falha do Banco Central Europeu dá cheque milionário à banca portuguesa

    Falha do Banco Central Europeu dá cheque milionário à banca portuguesa

    Um erro do Banco Central Europeu, no desenho de uma operação de financiamento aos bancos, resultará numa “prenda” estimada de até 250 milhões de euros de lucro extra para a banca em Portugal. O valor deste lucro que vai cair no colo dos bancos dependerá da evolução das taxas de juro e das condições de financiamento aos bancos. Estima-se que só os cinco maiores bancos em Portugal encaixem até 206 milhões de euros de lucro fácil obtido com o depósito de dinheiro dos contribuintes junto do banco central.


    O objetivo era, em plena epidemia, convencer os bancos a emprestar dinheiro às empresas e injetar dinheiro na economia. O Banco Central Europeu (BCE) decidiu passar a pagar aos bancos para se financiarem junto da instituição liderada por Christine Lagarde, com a condição de continuarem a emprestar dinheiro durante a crise.

    A taxa de 1% negativa garantia, na visão do BCE, que os bancos teriam um incentivo para aceitarem financiar-se na denominada terceira série de operações de refinanciamento de prazo alargado direccionadas – ou TLTRO III (Targeted Longer-Term Refinancing Operations). O BCE lançou a operação de TLTRO em setembro de 2019 e, inicialmente, a taxa da operação era igual à de depósito, de -0,5%.

    Em junho passado, o BCE retirou o incentivo e repôs a taxa de financiamento igual à da taxa de depósito. Em junho, os bancos poderiam iniciar o reembolso do financiamento, até porque tinha desaparecido o incentivo. Mas os bancos travaram a fundo.

    É que o BCE errou. Previu uma subida das taxas de juro apenas em 2023. Mas as medidas polémicas e drásticas adotadas por governos europeus, incluindo o português, para lidarem com a epidemia – nomeadamente confinamentos e fecho de atividades – levaram a um desastre económico, que foi agravado pelas consequências provocadas pela guerra na Ucrânia. A inflação disparou, como previam já economistas em 2020. Em resultado, o BCE decidiu começar a subir as taxas de juro mais cedo.

    Christine Lagarde, presidente do Banco Central Europeu

    Os bancos perceberam que conseguem lucrar com esta ‘falha’ do BCE. Com a subida da taxa de depósito, calcularam que podem usar os fundos de contribuintes europeus (TLTRO) para os depositar junto do BCE. Isto porque a taxa dos financiamentos é calculada como uma média ao longo de vida útil de três anos dos empréstimos.

    A arbitragem que os bancos fazem entre a taxa de juro média da TLTRO III e a taxa de depósito no BCE, gera um lucro chorudo, sem espinhas.

    Os bancos podem devolver o dinheiro antecipadamente a cada três meses. Em junho, foram reembolsados antecipadamente 74 mil milhões de euros, muito abaixo do previsto, a espelhar o facto de as taxas de juro estarem a subir, noticiou o Financial Times.

    O banco de investimento Morgan Stanley prevê que os bancos europeus podem lucrar entre 4,0 mil milhões de euros e 24,0 mil milhões de euros de lucro extra ao depositar os empréstimos baratos do BCE junto do banco central, desde o mês de junho de 2022 até ao final da operação de refinanciamento em dezembro de 2024.

    A estimativa depende da velocidade a que o BCE suba as taxas de juro nos próximos meses, segundo o Morgan Stanley, citado pelo Financial Times. 

    Mas uma fonte conhecedora do assunto, garantiu ao FT que o valor a lucrar pelos bancos deverá ser inferior ao valor máximo estimado pelo Morgan Stanley.

    Mário Centeno, governador do Banco de Portugal

    Banca em Portugal com 41,5 mil milhões nas mãos

    No balanço do Banco de Portugal, “as TLTRO III apresentaram um crescimento significativo (em 2021) face a 2020, passando a 41 587 milhões de euros a 31 de dezembro de 2021”, refere a entidade liderada por Mário Centeno, no seu Relatório de Atividade e Contas relativo ao ano passado.

    Tratou-se de “aumento de 9523 milhões de euros”, que corresponde a um crescimento de 30%, “corroborando a trajetória de crescimento do ano anterior”, adianta o Relatório. E recorda que “estas operações iniciaram-se em 2019 e têm a maturidade a 3 anos com opção de reembolso antecipado ao fim de dois anos”.

    O Morgan Stanley calcula que, se o BCE subir a sua taxa de depósito para 0,75% até ao final de 2022 – o que já o fez ontem -, um banco que tenha subscrito um financiamento via TLTRO em junho de 2020 deverá registar uma margem de lucro de 0,6% sobre o dinheiro que detém até à altura em que o terá de reembolsar, em junho de 2023. Ora, o BCE anunciou ontem a subida da taxa de depósito para 0,75%.

    No limite, os bancos em Portugal terão um lucro extra de até 250 milhões de euros, tendo por base o montante de financiamentos via TLTRO registados no balanço do Banco de Portugal no final de 2021. Mas só os bancos saberão, ao certo, quanto irão ter de lucro fácil. É que depende das datas de recurso ao financiamento e dos montantes obtidos.

    O Millennium bcp é o banco que tem o maior lucro extra estimado com o financiamento via TLTRO III

    Partindo da estimativa do Morgan Stanley, ao Millennium bcp, o maior banco privado em Portugal, no máximo, caberá ao banco um lucro de 48,9 milhões de euros. O banco afirmou no seu Relatório e Contas do primeiro semestre deste ano, que reforçou o financiamento via TLTRO III, o que lhe permitiu aumentar a margem financeira na primeira metade deste ano.

    Segundo o mesmo Relatório, registou-se na margem financeira do banco “um  impacto marginalmente positivo resultante do financiamento adicional obtido junto do BCE, na sequência da decisão do Banco de elevar a sua participação na nova operação de  refinanciamento de prazo alargado direcionada (TLTRO III) para 8.150 milhões de euros, em março de 2021, beneficiando de uma remuneração baseada numa taxa de juro negativa mais favorável”.

    No caso do Banco BPI, “tem atualmente cerca de 4,9 mil milhões de euros de TLTRO”, disse fonte oficial do banco detido pelo espanhol Caixabank. Calcula-se que os ganhos estimados do banco chegarão até aos 29,4 milhões de euros.

    A Caixa Geral de Depósitos (CGD) adiantou ao Página Um que “os montantes de financiamento da CGD via TLTRO-III foram de 1000 milhões de euros em junho de 2020, 2.500 milhões de euros em março de 2021 e 2.300 milhões de euros em junho de 2021”. O cálculo de possíveis ganhos resulta num lucro extra de até 34,8 milhões de euros para o banco estatal.

    “Os impactos da manutenção do TLTRO-III dependerão da evolução das condições aplicáveis, pelo que só serão determinados com o reembolso do financiamento”, afirmou a mesma fonte oficial da Caixa.

    O Novo Banco detinha no final de junho deste ano 7,954 mil milhões de euros em TLTRO. O ganho possível ascende no máximo a 47,7 milhões de euros.

    Quanto ao Santander, “o financiamento obtido junto do BCE, no montante de 7,5 mil milhões de euros, manteve-se exclusivamente em operações de longo prazo e integralmente através do TLTRO III”, segundo o comunicado de imprensa do banco com as contas do primeiro semestre deste ano. Este montante corresponde a um ganho estimado de até 45 milhões de euros.

    Não foi possível obter comentários do BCP e Santander Portugal.

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    Um programa de financiamento para a economia?

    Para Filipe Garcia, economista da IMF – Informação de Mercados Financeiros, “a manutenção do programa TLTRO III, pode ser vista como, ao mesmo tempo, uma ajuda à economia e aos bancos”. Isto porque, a seu ver, “pode auxiliar a economia porque cria condições para que sejam concedidos empréstimos a taxas mais baixas, ainda que esteja do lado dos bancos essa decisão”.

    Para os bancos, apontou que “o facto de se endividarem a uma taxa abaixo da que podem aplicar sem risco junto do BCE (ou a taxas mais altas junto de outras contrapartes), permite remunerar a liquidez excedentária”.

    Filipe Garcia, economista da IMF

    Lembrou que o BCE em Maio “tinha dado a entender que iria subir taxas a uma velocidade mais lenta, creio que para ancorar as expectativas numa fase em que ainda não era certo que a inflação continuasse a subir”.

    Agora, “o BCE parece estar a agir de outra forma, aproveitando a janela de oportunidade da inflação alta e abertura do público e governos para subir as taxas para níveis mais ‘normais’, enquanto a economia não desacelera de forma séria”.

    “Só assim se compreende que o BCE tenha ontem subido as taxas numa magnitude recorde, mas ao mesmo tempo tenha reconhecido que o PIB até poderá contrair em 2023”, frisou Filipe Garcia.

    Maria Vinuela, analista sénior da Moody’s e responsável pela avaliação dos bancos portugueses, espera que “os bancos europeus mantenham a maior parte de seus empréstimos sob TLTRO do BCE até junho de 2023, como resultado da decisão do BCE de aumentar as taxas de juros em julho e setembro de 2022”.

    Maria Vinuela, analista da Moody’s

    “Esta decisão mantém uma diferença positiva entre a taxa de empréstimo TLTRO e a taxa média de depósito do BCE, mantendo as oportunidades de arbitragem abertas e, assim, adiando o reembolso significativo de empréstimos TLTRO”, afirmou ao PÁGINA UM. “Como resultado, esperamos que o TLTRO continue a apoiar o NII (margem financeira estrita) dos bancos em 2022 e no primeiro semestre de 2023”, salientou.

    Em relação à banca em Portugal, Maria Vinuela frisou que “não existe informação pública sobre os ganhos obtidos pelos bancos portugueses com a arbitragem entre as taxas TLTRO e a taxa de depósito do BCE”.

    Recordou que “os bancos portugueses receberam cerca de 41 mil milhões de euros de financiamento das TLTROs no final de julho de 2021, excedendo o total de 32 mil milhões de euros um ano antes, e mais do dobro dos 19 mil milhões de euros reportados em 2018”, um aumento que “reflete principalmente as condições atractivas do programa TLTRO”. “O financiamento TLTRO dos bancos diminuiu consideravelmente em relação ao pico de 61 mil milhões de euros em 2012, quando os bancos portugueses enfrentaram graves restrições de liquidez, e agora representa cerca de 9,4% dos seus ativos”, disse.

    Nicola de Caro, analista da DBRS Morningstar

    Sobre a banca portuguesa, Nicola de Caro, vice-presidente sénior do departamento de ‘Global Financial Institutions’ da DBRS Morningstar, disse que “no primeiro semestre de 2022, o lucro líquido total quase duplicou em comparação com o mesmo período de 2021, com base nos dados agregados dos maiores bancos em Portugal”. Isto deveu-se “sobretudo a receitas mais elevadas e custos de provisões mais baixos, bem como menores imparidades”.

    A margem financeira aumentou 14% em termos homólogos, ajudada “por diversos factores mas não limitada ao impacto da TLTRO III”. “Em alguns casos, o efeito positivo da TLTRO representou cerca de 30% do crescimento da margem financeira em termos homólogos”, notou.

    Em termos de perspetivas futuras, o analista da DBRS espera que “a margem financeira dos bancos portugueses beneficie da subida das taxas de juro”. “Isto leva em conta a maior exposição dos bancos portugueses a empréstimos com taxa variável”, explicou.

    Por outro lado, a DBRS espera “um aumento nos custos de financiamento no mercado grossista”, a que se soma “a persistente pressão da inflação e custos de energia mais altos que podem afetar negativamente as empresas e colocar pressão sobre a qualidade dos ativos” dos bancos em Portugal.

    BCE alerta para revisão das condições da operação de financiamento dos bancos

    Na passada quinta-feira, 8 de setembro, o BCE anunciou a subida da sua taxa de depósito para 0,75%. Os analistas esperam que aumente mais em 2022 e em 2023. Conclusão: estima-se que os bancos mantenham os fundos TLTRO III até à sua maturidade, em junho de 2023.

    O BCE anunciou ontem que o seu Conselho “continuará a acompanhar as condições de financiamento dos bancos e a assegurar que o vencimento das operações da terceira série de operações de refinanciamento de prazo alargado direcionado (TLTRO III) não prejudica a transmissão harmoniosa da sua política monetária).

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    “As mudanças de condições do TLTRO que foram introduzidas durante a pandemia foram projetadas, projetadas e destinadas a incentivar os bancos a emprestar à economia, que é o que todos queríamos e foi o que foi feito predominantemente”, disse Christine Lagarde na conferência de imprensa após o anúncio de novo aumento de taxas de juro pelo BCE. Lembrou que “o preço TLTRO que foi então projetado foi destinado a esse efeito”.

    “É óbvio que, à medida que estamos a mudar para um território positivo em termos de taxas de juro, há múltiplas dimensões dos nossos quadros operacionais, dos nossos mecanismos de remuneração que precisam de ser revistas e isso é uma questão que vamos abordar, que verá alguma resolução ainda não foi debatida por ocasião desta reunião de política monetária em particular, mas é uma revisão geral que obviamente conduziremos no devido tempo”, avisou.

    Fontes da banca apontam que uma das soluções a que o BCE poderá recorrer é a alteração do múltiplo referente ao cálculo das reservas mínimas obrigatórias, forçando os bancos a ter mais dinheiro de lado para cobrir a liquidez que detêm. Os bancos teriam assim um incentivo para deter menos fundos e reembolsar o financiamento obtido via TLTRO.

  • Tribunal Administrativo avalia legalidade da conduta do Banco de Portugal

    Tribunal Administrativo avalia legalidade da conduta do Banco de Portugal

    Desde o início de 2021 até ao fim de Junho deste ano, o Banco de Portugal aplicou coimas de 16,2 milhões de euros a diversos bancos que cometeram infracções. Mas o supervisor liderado por Mário Centeno “esconde” os nomes dos infractores. O supervisor negou ceder ao PÁGINA UM os nomes dos bancos visados pelas coimas. O jornal avançou ontem com uma ação em Tribunal para aceder aos nomes.


    O Banco de Portugal saberá, em breve, se tem ou não de ser obrigado a divulgar os nomes dos bancos que cometeram infrações desde o início de 2021 até Junho deste ano. Até agora, o supervisor apenas divulgava relatórios com o número de infrações cometidas e a sua natureza.

    Instado pelo PÁGINA UM a identificar os bancos incumpridores, através de um requerimento feito ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), o regulador respondeu com uma recusa.

    Banco de Portugal impede cidadãos de conhecer bancos infractores

    O PÁGINA UM avançou então esta semana com uma acção junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, o qual vai agora avaliar se a decisão do Banco de Portugal de “esconder” os nomes dos bancos infractores é ou não legal, bem como as infracções cometidas. A intimação para a prestação de informações, consulta de processos e passagem de certidões já recebeu o número 2607/22.6BELSB, deu entrada ontem, 25 de Agosto.

    Está agora nas mãos do juíz João Cristóvão a decisão de obrigar ou não o Banco de Portugal a revelar os nomes dos bancos infractores. Este tipo de processos tem carácter urgente e Mário Centeno terá de apresentar alegações escritas no prazo de 10 dias úteis.

    Desde o início de 2021 até ao final de junho deste ano, o Banco de Portugal instaurou, sem identificar as instituições financeiras, 566 processos de contra-ordenação e proferiu decisões em 552 processos. No total, o supervisor aplicou coimas no montante de 16,246 milhões de euros, dos quais metade (8,195 milhões de euros) foram aplicados no segundo trimestre de 2022.

    Mário Centeno, actual governador do Banco de Portugal

    Mas, do montante global de coimas aplicadas, 2,086 milhões de euros “ficaram suspensos na sua execução”, ou seja, os bancos visados não os terão de pagar, por enquanto. Estes dados constam das Sínteses de Atividade Sancionatória que o Banco de Portugal divulga a cada trimestre. Contudo, o supervisor subtrai os nomes das entidades financeiras que cometeram as infrações.

    No dia 21 de Julho, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, o PÁGINA UM requereu à entidade liderada por Mário Centeno que fornecesse os documentos administrativos onde constasse a identificação das entidades financeiras alvo de processos de contra-ordenação.

    Em concreto, o PÁGINA UM solicitou “o acesso a cópia digital ou analógica de todos os processos decididos (concluídos) no primeiro semestre do presente ano de 2022 e da totalidade do ano de 2021, no âmbito da supervisão bancária, designadamente por infrações de natureza comportamental, por infrações às regras em matéria de recirculação de numerário, por infrações de natureza prudencial”.

    O requerimento do jornal abrangeu ainda o pedido de informação sobre infrações “a deveres relativos à prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo, por infrações às regras relativas ao funcionamento da Central de Responsabilidades de Crédito e por infracções relacionadas com atividade financeira ilícita, ou por infrações de outro tipo”.

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    O pedido estendia-se ainda a “qualquer relatório ou outro tipo de documento administrativo que sintetiza o constante nos processos, pode-se colocar a possibilidade de o acesso acima solicitado ser substituído por cópia desse documento administrativo”.

    No pedido ao supervisor bancário colocava-se a hipótese de ser disponibilizado, caso existisse, um relatório (ou documento similar) onde constasse “a identificação da instituição bancária / financeira, as datas mais relevantes do processo, a coima aplicada e a indicação das normas violadas”.

    Na sua resposta ao pedido do PÁGINA UM, no início deste mês, através do Departamento de Averiguação e Ação Sancionária, o Banco de Portugal indeferiu o pedido. Na carta, assinada pelo coordenador da área do referido departamento, João Mena Novais, e pelo diretor-adjunto Ricardo Sousa, o supervisor justifica a recusa do pedido com base em diversas disposições legais.

    Para o supervisor financeiro, a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA) “não prejudica a aplicação em legislação específica” relativa à “responsabilidade contraordenacional” e ao “segredo profissional”, que tem, segundo diz o Banco de Portugal “segundo a própria LADA, preferência aplicativa”.

    O Banco de Portugal justifica ainda que a divulgação de decisões do foro sancionatório é consagrada como “uma sanção acessória a aplicar no processo de contraordenação” pelo artigo 212º, número 1 do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (RGICSF).

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    Na sua resposta ao PÁGINA UM, o supervisor acrescenta que, para as “infracções especialmente graves”, o Banco de Portugal pode “decidir divulgar em regime de anonimato, diferir a divulgação ou não divulgar” os nomes dos bancos infractores. Para tal, o supervisor cita diversos artigos do RGICSF, incluindo uma norma sobre “o dever legal de segredo que vincula este Banco”. Saliente-se, contudo, que essa norma (artigo 80º) aplica-se aos funcionários e não ao regulador como instituição.

    A acção avançada pelo PÁGINA UM junto do Tribunal Administrativo de Lisboa sustenta, aliás, que a invocação de artigos do RGICSF pelo Banco de Portugal “não belisca um milímetro que seja o direito de qualquer um, incluindo o requerente, de aceder à informação solicitada” nem “o direito de informar, consagrado” na Constituição da República e na Lei da Imprensa.

    O PÁGINA UM sustenta ainda que “os normativos invocados pelo Banco de Portugal na resposta que enviou ao requerente não se confundem com a aplicação de ‘legislação específica’ a 18 que alude o n.º 4 do artigo 1.º da LADA”. E conclui que “nos normativos invocados pelo requerido Banco de Portugal, não há qualquer restrição ao direito de acesso por parte do requerente”.

  • Governo chamado a travar boicote dos bancos às corretoras de criptomoedas

    Governo chamado a travar boicote dos bancos às corretoras de criptomoedas

    Banca aparenta estar a concertar medidas para fechar contas ou não permitir a sua abertura por empresas de criptomoedas. Banco de Portugal diz não poder fazer nada, apesar de ter papel de licenciamento e supervisão. Empresas de criptomoedas pedem agora intervenção do Governo, queixando-se de não poderem operar com normalidade, apesar de cumprirem todas as leis e normas.


    A Criptoloja – a primeira corretora de criptomoedas portuguesa – pediu hoje uma reunião de urgência com o ministro das Finanças, Fernando Medina. O objetivo é que haja uma intervenção do Governo no sentido de travar o boicote dos bancos às corretoras de criptomoedas, apesar de se encontrarem licenciadas pelo Banco de Portugal para operar em Portugal.

    O pedido urgente de uma audiência com o ministro surge num contexto dramático para as empresas de criptomoedas, que se vêem agora impedidas pelos bancos de abrirem ou manterem abertas contas bancárias em Portugal, essenciais para que possam operar.

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    Como noticiou o PÁGINA UM em primeira mão no dia 25 de Julho, diversos bancos têm vindo a encerrar contas de corretoras de criptomoedas em Portugal. Outros bancos proíbem expressamente a abertura de conta a este tipo de empresas, como é o caso da estatal Caixa Geral de Depósitos, que equipara mesmo as corretoras de moedas virtuais a dealers de droga.

    São, ao todo, cinco as empresas autorizadas pelo Banco de Portugal a operar em Portugal: a Luso Digital Assets, a Criptoloja, a Mind the Coin, a Bison Digital Assets e a UTrust. Uma delas, a Bison Digital Assets, pertence a uma entidade que detém uma licença bancária, o Bison Bank. As restantes estão dependentes dos bancos para terem contas bancárias para fazer normalmente os seus negócios, pagar a trabalhadores, a fornecedores e cumprir com as obrigações fiscais e junto da Segurança Social.

    “As empresas com registo no Banco de Portugal estão a sofrer um forte revés reputacional, ao não servirem os seus clientes através de contas bancárias em instituições nacionais”, refere a Criptoloja no seu pedido de audiência, a que o PÁGINA UM teve acesso.

    Fernando Medina, ministro das Finanças, chamado a intervir para dirimir “estrangulamento” da banca às empresas de criptomoeda licenciadas pelo Banco de Portugal

    Frisa ainda a empresa – que foi recentemente adquirida pela brasileira 2TM, a maior plataforma de criptomoedas da America Latina – que “para além de menor actividade, em resultado do impacto negativo na sua reputação, a operação tornou-se mais onerosa e complexa, obrigando a recorrer a instituições bancárias internacionais que aplicam comissões expressivamente mais elevadas”. E acrescenta, por fim, que com a manutenção desta situação, “a relação com fornecedores é seriamente afetada, ao não existir a possibilidade de recorrer a débitos directos em conta ou a pagamentos através de referências multibanco”.

    A decisão de avançar com o pedido urgente junto do Governo prende-se também com o silêncio e paralisação do Banco de Portugal, que diz não ter competências para obrigar os bancos a abrir contas a corretoras de criptomoedas. Isto apesar de ser o supervisor da banca e também supervisionar as corretoras de activos virtuais no que concerne a prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo (BCFT).

    O processo de licenciamento destas empresas junto da instituição liderada por Mário Centeno é longo e meticuloso – pode demorar cerca de um ano a ser concedida uma licença – e ainda muito dispendioso. As corretoras têm de gastar milhares de euros para conseguir cumprir com todos os requisitos exigidos legalmente para poderem obter uma licença em Portugal.

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    Este boicote dos bancos às corretoras de criptomoedas foi mal recebido na indústria, que vê sinais de um enorme recuo de Portugal em matéria de desenvolvimento do setor de activos virtuais e das finanças descentralizadas.

    “A liderança de Portugal no setor das finanças digitais fica seriamente afetada por estas práticas; fortes reservas à entrada de novos operadores internacionais em Portugal já existem e serão reforçadas caso a situação se mantenha”, aponta a Criptoloja.

    A “batata quente” ficará agora nas mãos de Medina, e do Governo que integra, para resolverem o caso caricato de terem empresas autorizadas em Portugal que, na prática, são impedidas de o fazer pela banca.


    N.D. A jornalista não detém atualmente quaisquer activos virtuais. O director do PÁGINA UM controla uma carteira em Bitcoin e Monero (donativos destinados para o PÁGINA UM) num valor, à data de hoje, de apenas 122,05 euros. A empresa que detém o jornal PÁGINA UM tem como sócio (Luís Gomes) um dos co-fundadores da Criptoloja. Luís Gomes, que também é colunista (pro bono) do PÁGINA UM, detém uma quota de 5% do capital do Página Um, Lda., no valor de 500 euros. O PÁGINA UM tomou a decisão editorial de publicar esta notícia por ser manifesto o interesse público.

  • Bancos “estrangulam” empresas de criptomoeda

    Bancos “estrangulam” empresas de criptomoeda

    Intensifica-se o boicote da banca às empresas de criptomoedas, mesmo se estas têm licença do Banco de Portugal para actuar no mercado nacional. As contas bancárias são encerradas sem justificação plausível e algumas empresas de activos virtuais já ficaram impedidas de trabalhar por não conseguir fazer movimentos bancários. A instituição liderada por Mário Centeno diz que, “sem prejuízo do acompanhamento que está a fazer ao assunto”, nada pode fazer, porque a decisão de abrir ou manter contas bancárias cabe aos bancos. A Caixa Geral de Depósitos coloca as empresas de criptomoedas ao nível dos dealers.


    Têm licença do Banco de Portugal para operar, mas os bancos ‘cortam-lhe as pernas’: recusam abrir contas bancárias ou, permitindo a sua abertura, acabam por as encerrar. O problema não é de hoje e atinge as empresas relacionadas com a atividade de criptoativos, mas o “boicote” de bancos tem-se vindo a intensificar este ano, de forma inaudita, segundo as sociedades registadas em Portugal.

    No geral, já todas as empresas licenciadas tiveram que lidar com a rejeição de bancos, mas insistem em prosseguir. Atualmente, são cinco as sociedades que detêm licença para operar em Portugal: a Luso Digital Assets; a Criptoloja, a Mind the Coin, A Bison Digital Assets e a UTrust.

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    Desde setembro de 2020, este tipo de empresas tem de se registar junto do Banco de Portugal, que, tal como sucede com a banca tradicional, tem a responsabilidade de supervisionar as sociedades gestoras de ativos virtuais na prevenção do branqueamento de capitais e financiamento do terrorismo (BC/FT).

    Aqui estão abrangidas empresas que operem nas áreas de “serviços de troca entre ativos virtuais e moedas fiduciárias ou entre um ou mais ativos virtuais”. Na prática, passaram a estar sob supervisão da instituição liderada por Mário Centeno as empresas que prestem “serviços de transferência de ativos virtuais e serviços de guarda ou guarda e administração de ativos virtuais ou de instrumentos que permitam controlar, deter, armazenar ou transferir esses ativos, incluindo chaves criptográficas privadas”.

    Uma das empresas já registadas, a Mind The Coin, sedeada em Braga, foi forçada a parar a sua atividade durante dois meses, entre Abril e Maio deste ano, por não conseguir ter uma conta bancária em Portugal. O facto de ter licença e de ser supervisionada em termos de BC/FT não convenceu os bancos. “Ter o selo do Banco de Portugal vale zero para os bancos”, disse Pedro Guimarães, co-fundador da empresa, ao PÁGINA UM.

    Apesar do mito de ser um mundo anónimo, em Portugal para deter conta e comprar criptomoedas mostra-se necessário registos complexos que obrigam à introdução de elementos identificativos controláveis pelo Estado.

    Esta sociedade conseguiu voltar ao ativo após ter conseguido abrir conta num banco no Reino Unido, depois de “correr todos os bancos” em Portugal. “Falámos com o Banco de Portugal várias vezes e respondem com a linguagem legal específica, e a nossa posição não é protegida”, frisa o gestor.

    Nesta matéria, a posição do Banco de Portugal mostra-se clara. Em resposta a questões do PÁGINA UM, o supervisor financeiro indicou que “sem prejuízo do acompanhamento que o Banco de Portugal está a fazer ao assunto, importa ter em conta que as suas competências em matéria de exercício de atividades com criptoativos se circunscrevem à Lei n.º 83/2017, de 18 de agosto (e regulamentação que a concretiza), não se alargando, por isso, a domínios que extravasem a prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo”.

    A instituição liderada por Mário Centeno lembra que “a proteção referente ao acesso a contas detidas junto de uma instituição de crédito, (…) não se aplica às entidades que exerçam atividades com ativos virtuais, pelo que a decisão de abrir ou manter contas bancárias depende, nestes casos, das políticas de gestão do risco que cada instituição bancária entenda empreender”. Na prática, o que o supervisor diz é que não pode obrigar bancos a abrir portas a empresas de ativos virtuais legalmente licenciadas e supervisionadas pelo Banco de Portugal.

    Mesmo assim, algumas das empresas de criptomoedas com licença para operar em Portugal ainda têm contas abertas em bancos no país, mas com mudanças de estratégia. “Já tivemos contas a serem fechadas em quase todos os bancos. Agora temos parceiros bancários em Portugal”, afiançou Ricardo Felipe, co-fundador da Luso Digital Assets e vice-presidente da Associação de Blockchain e Criptomoedas. Mas o risco de poderem ver as suas contas encerradas está omnipresente.

    Banco estatal é o mais radical

    Apesar de se estar, na verdade, perante empresas registadas e supervisionadas pelo Banco de Portugal, os bancos continuam a usar como principal argumento o alegado “perigo” de branqueamento de capitais para recusar a abertura ou manutenção de contas daquelas empresas. 

    Em alguns casos, os bancos nem sequer explicam por que recusam a abertura de conta ou por que motivo a encerram. “Não lhes compensa o tempo e os recursos que teriam de gastar para reforçar as medidas de diligência. Pensam que iríamos dar-lhes muito trabalho”, salienta Pedro Guimarães.

    Responsáveis das empresas apontam que já falaram com todos os bancos no país. As que conseguem ter conta aberta, anseiam pelo futuro. O caso mais estranho é o da Caixa Geral de Depósitos que colocou nos seus “Princípios de Aceitação de Clientes”, a proibição da abertura de contas a empresas de ativos virtuais. No documento do banco, estas empresas – mesmo estando licenciadas pelo Banco de Portugal, e sob sua supervisão – estão incluídas numa lista que inclui empresas com “atividades ligadas ao entretenimento de adultos” e entidades “ligadas à produção e comércio de drogas”.

    Postura da Caixa Geral de Depósitos, um banco público, é irredutível, por agora: empresas de criptomoedas não entram.

    Em declarações ao PÁGINA UM, um porta-voz do banco público respondeu que “a atividade de emissão e comercialização de moedas virtuais não é ilegal ou proibida, mas estes ativos virtuais não são garantidos por qualquer autoridade nacional ou europeia”.

    Ou seja, a sua aceitação pelo valor nominal não é obrigatória e, por isso, “as respetivas transações podem ser utilizadas indevidamente, em atividades criminosas, incluindo de branqueamento de capitais e de financiamento ao terrorismo (BC/FT)”, acrescenta a mesma fonte.

    “Por outro lado, a competência exercida pelo Banco de Portugal relativamente às entidades que exerçam as atividades com ativos virtuais acima referidas se circunscreve à prevenção do BC/FT, não se alargando a outros domínios, de natureza prudencial, comportamental ou outra”, adiantou.

    Não sendo tão “radical” como a CGD, o Santander tem sido um dos bancos que está a recusar abrir ou manter contas de empresas de criptomoedas. Ao PÁGINA UM, uma fonte oficial desta instituição financeira indicou que “relativamente à abertura e manutenção de contas, o banco age de acordo com a sua perceção de risco, aplicando as medidas e os procedimentos necessários para dar cumprimento ao regime legal vigente, no estabelecimento de novas relações de negócio e na manutenção das atuais”. “Nessa medida, na decisão de abrir ou manter uma conta são devidamente considerados diversos factores directa e indirectamente relacionados com cada potencial cliente”, frisou.

    A situação tem-se tornado assim paradoxalmente caricata.

    As empresas do sector das criptomoedas com licença do Banco de Portugal podem operar em Portugal? Sim.

    São supervisionadas em matéria de prevenção de BC/FT? Sim.

    Então conseguem operar normalmente em Portugal? Não.

    “O Estado obriga-nos a ter uma licença e a pagar uma auditoria caríssima. Aquilo que se está a passar é um escândalo”, sintetiza Pedro Borges, fundador e CEO da Criptoloja.

    “Sem conta bancária, como pago a fornecedores, como contrato pessoas, como pago impostos?” questiona, por sua vez, Filipe Castro, co-fundador da Utrust, uma plataforma de pagamentos em criptomoedas. O empreendedor relembra que o Banco de Portugal leva quase um ano para atribuir licenças a empresas de criptomoedas, num processo moroso que custa milhares de euros. “O processo não serve, afinal, para nada”, lamentou.

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    Para Ricardo Felipe, na prática, “a lei não prevê a garantia de viabilidade” das empresas de criptomoedas que se registam em Portugal face à atitude da banca tradicional.

    No busílis desta questão está sempre o tema do branqueamento de capitais, em parte devido ao mito da “facilidade” em esconder “dinheiro” das autoridades, embora acabe por se revelar se (e quando) houver conversão para uma moeda fiat, por exemplo, euros ou dólares.

    De facto, as moedas digitais podem ser atractivas para criminosos. O uso de criptomoedas para práticas ilícitas atingiu um novo recorde histórico em 2021, com endereços ilícitos a receber 14 mil milhões de dólares (13,7 mil milhões de euros) naquele ano. O valor é quase o dobro dos 7,8 milhões de dólares (7,6 mil milhões de euros) observados em 2020, ano em que o crime baseado em criptomoedas afundou, segundo o mais recente relatório anual sobre crime envolvendo criptomoedas, elaborado pela consultora Chainalysis.

    No entanto, o sector da banca também tem sido um veículo privilegiado no branqueamento de capitais. Por exemplo, uma análise da agência Moody’s concluiu que grandes bancos europeus foram alvo de multas de 16 mil milhões de dólares (actualmente, o equivalente a 15,7 mil milhões de euros), entre 2012 e 2018, por estarem envolvidos em lavagem de dinheiro e quebra de sanções.

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    Mais bancos foram multados desde então acusados de lavagem de dinheiro. Recentemente, foi a vez do Credit Suisse de receber uma sentença da Justiça e ter de pagar uma multa de dois milhões de francos suíços por ter ajudado uma rede de tráfico de droga búlgara a lavar dinheiro. Outra forma utilizada para branquear capitais pode ser o imobiliário, cujos preços em Portugal beneficiaram ao longo de anos do boom do programa de Vistos Gold e do turismo local.

    Recorde-se, aliás, que o Banco de Portugal divulgou recentemente que abriu no último semestre 28 processos contra instituições bancárias por infracções a deveres relativos à prevenção do branqueamento de capitais e do financiamento do terrorismo.

    Também as off-shores, em articulação com instituições financeiras, são veículos com gigantescas dimensões e tentáculos no mundo da lavagem de dinheiro, como ficou bem patente num extenso relatório da União Europeia concluído em 2017, no decurso dos Panama Papers, um escândalo que envolveu mesmo líderes e ex-líderes internacionais.


    N.D. A jornalista não detém atualmente quaisquer activos virtuais. O director do PÁGINA UM controla uma carteira em Bitcoin e Monero (donativos destinados para o PÁGINA UM) num valor, à data de hoje, de apenas 115,84 euros. A empresa que detém o jornal PÁGINA UM tem como sócio (Luís Gomes) um dos co-fundadores da Criptoloja. Luís Gomes, que também é colunista (pro bono) do PÁGINA UM, detém uma quota de 5% do capital do Página Um, Lda., no valor de 500 euros.