É mais um exemplo paradigmático de um país sem rigor e sem transparência. Candidamente, a Parque Escolar, a empresa pública que gere os edifícios do ensino secundário, não mostra contas desde 2019, não tem presidentes do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal, mas recebeu mais 92,7 milhões de euros no final do ano passado por decisão governamental. E pode vir ainda a ter um papel de promoção da habitação pública. Como corolário, recusa disponibilizar os relatórios financeiros ao PÁGINA UM. Ontem, seguiu uma intimação para o Tribunal Administrativo de Lisboa para que a empresa pública entregue, pelo menos, as demonstrações financeiras que terão sido já enviadas aos Ministérios das Finanças e da Educação. A via judicial é já a derradeira opção para fazer germinar a transparência que cubra um Estado cada vez mais opaco.
Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Apoie esta luta pela transparência da Administração Pública feita por um jornal independente e corajoso.
A lei obriga, sem excepção, que todas as empresas, quer privadas quer públicas, apresentem e aprovem as suas contas anuais até ao final de primeiro semestre, com as demonstrações financeiras. Mas há pelo menos uma empresa pública que se “esqueceu” em 2019. E voltou a “esquecer-se” do prazo em 2020. E em 2021. E também em 2022. Em 2023, Junho ainda não chegou, mas poderá seguir o mesmo caminho.
Essa empresa pública chama-se Parque Escolar e foi criada em 2007, durante o Governo Sócrates, com a missão de requalificar e modernizar os edifícios das escolas do ensino secundário, através de um contrato-programa que vigorará até 2037.
No site desta empresa pública – que, depois de polémicas sem fim durante o Governo Sócrates, surgiu recentemente na imprensa como a entidade que poderá vir a assumir funções de promoção de habitação pública –, o último relatório e contas refere-se ao ano de 2018. Mesmo assim, este relatório, bem como os dos anos de 2016 e 2017, apenas foram publicados em Março do ano passado, o que suscitou então questões da Iniciativa Liberal junto do Ministério das Finanças, que tutela a empresa pública. Segundo informações avançadas então pelo Jornal de Negócios, a dívida da empresa em 2021 seria de 981,7 milhões de euros.
Em Maio do ano passado, o ministro da Educação, João Costa, garantia ao Jornal de Negócios que os relatórios e contas em falta estariam disponíveis “brevemente”. O conceito de “brevemente” no dicionário do Ministério responsável pelo sistema de ensino português tem bastante flexibilidade temporal.
A gestão da Parque Escolar é, com efeito, bastante sui generis, até porque tem funcionado há mais de um ano apenas com dois vogais, e sem presidente do conselho fiscal. Após a saída do anterior presidente do Conselho de Administração, Filipe Alves da Silva, em 28 de Fevereiro do ano passado, o Ministério da Educação não parece estar com muita pressa para indicar um nome à Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP).
Certo é que, mesmo sem contas aprovadas, ou divulgadas publicamente, a Parque Escolar tem tido injecções de capital por parte do Governo.
Em Dezembro passado, através de uma Resolução de Conselho de Ministros, o Governo atribuiu a esta empresa pública quase 92,7 milhões de euros “como contrapartida pela prestação dos serviços de interesse público (…) no âmbito do Programa de Modernização do Parque Escolar destinado ao Ensino Secundário relativo ao ano de 2022 e autorizar a realização da respetiva despesa.”
Perante esta situação, o PÁGINA UM pediu em 4 de Abril passado aos dois vogais da Parque Escolar que disponibilizassem “relatórios e contas integrais referentes a 2019, 2020, 2021 e 2022, tais como entregues aos Ministérios da Educação e das Finanças”, ou em alternativa, caso não existissem os documentos “com essa denominação específica”, as diversas demonstrações financeiras, os balanços, as demonstrações dos resultados por natureza, as demonstrações das alterações no capital próprio e as demonstrações de fluxos de caixa.
João Costa, ministro da Educação, prometeu em Maio do ano passado que as contas de 2019, 2020 e 2021 seriam mostradas “brevemente”. Um ano depois, e se assim continuar, para breve juntar-se-á o atraso das contas de 2022.
Além disso, também se solicitou, para cada ano, “cópia dos ofícios que acompanharam os ditos relatórios e contas (dos anos 2019 a 2022) ou as demonstrações financeiras (dos anos 2019 a 2022) aquando do seu envio, para aprovação, ao Ministério da Educação e ao Ministério das Finanças.”
Como a Parque Escolar nem sequer respondeu, ontem o PÁGINA UM apresentou uma intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. O processo já foi distribuído, tendo recebido o número 1480/23.1BESLSB. Nesta fase, a Parque Escolar será notificada e obrigada a justificar-se perante o juiz dos motivos da recusa destes documentos administrativos, podendo, se não os entregar voluntariamente, vir a ser obrigada por sentença, sob pena de os seus administradores serem multados.
Estes processos são considerados urgentes, embora em desfechos que lhes são desfavoráveis, a Administração Pública e os Ministérios estejam sempre a optar por recorrer das sentenças.
N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.
A Parque Escolar – que mudou de nome para Construções Públicas, para também dinamizar a habitação pública – não mostrava contas e nem se incomodava com críticas dos partidos da oposição nem com notícias da imprensa. O PÁGINA UM meteu um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa no passado em Maio, e os Ministérios das Finanças e da Educação apressaram-se a aprovar os relatórios de 2019, 2020 e 2021. E prometem para breve o de 2022. Não se livraram de pagar as custas do processo.
Numa primeira fase, a administração da então Parque Escolar ignorou simplesmente o pedido do PÁGINA UM para consulta das demonstrações financeiras e relatórios complementares, mas já não pôde ignorar as solicitações do Tribunal Administrativo.
Com efeito, no passado dia 8 de Maio, perante o incompreensível e injustificável silêncio, o PÁGINA UM decidiu apresentar um processo de intimação ao Tribunal Administrativo para forçar o desbloqueamento, o que levou os Ministérios das Finanças e da Educação a desencadearem uma aprovação célere das contas daquele triénio, que acabaram sendo enviadas em 25 de Maio passado, e também colocadas no site desta empresa pública.
Mas apesar disso, e de considerar que ainda se deve aguardar pela aprovação da tutela das contas do ano passado, a juíza Joana Ferreira Águeda considerou que como “à data em que apresentou o presente processo (08.05.2023), o requerente [PÁGINA UM] ainda não tinha tido acesso aos documentos em causa, o que só veio a ocorrer em 25.05.2023”, a Construções Públicas deve “ser responsável pelas custas devidas nos presentes autos.”
Este tipo de sentença acaba por ser um desincentivo à Administração Pública para manter uma atitude obscurantista.
A administração da Construções Públicas remeteu, também com atraso, ao PÁGINA UM os ofícios enviados à tutela com as contas dos exercícios a partir de 2019, para aprovação que se encontravam “engavetados” há vários anos.
De acordo com as datas desses ofícios, o relatório de 2019 estava na posse da Secretaria de Estado do Tesouro e do Ministério da Educação desde Novembro de 2020, o relatório de 2020 desde Maio de 2021 e o relatório de 2021 desde Maio de 2022.
Recorde-se que em Maio do ano passado, o ministro da Educação, João Costa, prometera a divulgação das contas de 2019, 2020 e 2021 da Parque Escolar “brevemente”. Mas afinal, somente com a intimação do PÁGINA UM se apressou, com Fernando Medina, a aprová-las e divulgar no site da empresa pública.
De acordo com análise do PÁGINA UM, a dívida da Construções Públicas era, no final de 2021, de quase 152 milhões de euros, com o passivo não corrente a ascender aos 1.061,4 milhões de euros. No total, o passivo total situava-se nos 1.214,1 milhões de euros.
O aumento da dívida acaba por relativizar os resultados líquidos positivos, até porque os activos da Parque Escolar beneficiaram bastante pelo aumento de capital estatutário no valor de cerca de 342,5 milhões de euros por incorporação de 138 escolas e por conversão de um empréstimo da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, após dação em cumprimento do Palácio Valadares, no Largo do Carmo, em Lisboa.
Um dos aspectos mais relevantes dos relatórios e contas, prende-se com as reservas feitas pelo auditor das demonstrações financeiras, a cargo da Grant Thornton.
Por exemplo, no relatório de 2019 – que somente em finais de Maio viu a luz do dia, após a intervenção do PÁGINA UM –, o auditor criticou a forma de cálculos das depreciações das propriedades de investimento (que incluem escolas), que além do mais, em diversas obras em curso, não tiveram ainda os terrenos transmitidos para a empresa pública, nem foram “objecto de avaliação por peritos independentes”.
João Costa, ministro da Educação, em Maio do ano passado prometeu que divulgaria as contas de 2019, 2020 e 2021 da Parque Escolar “brevemente”. Só com a intimação do PÁGINA UM se apressou, com Fernando Medina, a aprová-las e divulgar no site da empresa pública.
Também é considerado que os cerca de 37 milhões de euros de provisões – devidos a processos judiciais em curso – podem não ser suficientes.
Mais grave ainda foi o alerta transmitido pelo auditor de que “na realização de diversos concursos públicos, verificou-se que houve concertação de preços entre as empresas fornecedoras de monoblocos, no que respeita ao preço de transporte, montagem, aluguer e desmontagem dos mesmos, durante as várias fases de realização das obras”.
A Grant Thornton escreveu então que “esta situação originou gastos adicionais (…), cujo montante total não foi, ainda, possível de quantificar.”
Outra situação irregular passa-se com o mobiliário escolar e sobretudo com o equipamento informático. O auditor salienta que “não foram objecto de inventariação física”, acrescentando que, desse modo, “não podemos concluir, na presente data, sobre a existência de todos os bens e, consequentemente, do respectivo valor registado no balanço”.
Os alertas de desconformidades mantiveram-se no relatório de 2020 e 2021, praticamente nos mesmos moldes.
Saliente-se que, no dia 23 do mês passado foram alterados os estatutos da Parque Escolar, agora denominada Construções Públicas para encaixar as funções que o Governo lhe pretende dar no Programa Mais Habitação.
Nos novos estatutos, a Construções Públicas passar a ter intervenção no “planeamento, gestão, desenvolvimento e execução de programas e projetos de construção, reconstrução, adaptação, reabilitação, requalificação, modernização, valorização, manutenção e conservação de edifícios, equipamentos e outro património imobiliário próprio ou alheio, designadamente nos domínios da educação e da habitação, bem como a prestação de serviços de consultoria, assessoria e gestão de contratos públicos, naqueles âmbitos, relativos a património público alheio”, mantendo as suas funções anteriores na gestão do património escolar.
No domínio da habitação, o objecto da Construção Pública passa a incluir “a conceção, desenvolvimento e implementação de projetos habitacionais, em articulação com as entidades públicas com atribuições neste domínio, designadamente com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana”, incluindo-se ainda “a elaboração dos projectos, a construção, bem como a fiscalização, o acompanhamento e a assistência técnica nas diversas fases de concretização do objecto previsto no presente artigo, assegurando padrões elevados de qualidade técnica e controlo económico.”
Continua-se, contudo, sem saber ainda o ponto de partida. Ou seja, qual a dívida em 2022 e qual o investimento previsto. E falta também garantir outra coisa: maior transparência nas contas.
N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.
Foram catalogados como investidores beneméritos em 2015, quando entraram na TAP, uma companhia aérea já então em crise. Em plena pandemia, que ainda mais afundou a companhia aérea portuguesa, David Neeleman e Humberto Pedrosa saíram da TAP numa rocambolesca negociação com o ex-ministro Pedro Nuno Santos, mas com todos os dedos e mais uns quantos anéis. Cálculos do PÁGINA UM apontam que, no conjunto, pela passagem pela TAP amealharam quase 60 milhões de euros. A parte de “leão” coube ao empresário norte-americano, que terá “levado para casa” 52 milhões de euros. Já o empresário português, dono do Grupo Barraqueiro, terá lucrado os restantes oito milhões de euros. Este é o segundo artigo de um dossier que o PÁGINA UM está a publicar sobre a TAP. Muitas perguntas estão por responder em torno das operações e contas da companhia aérea. A comissão parlamentar de inquérito à gestão política da tutela da TAP deverá trazer mais luz sobre as dúvidas que subsistem. A tomada de posse foi ontem.
Era uma época de taxas de juro negativas. E ninguém diria mas foi com um investimento numa empresa em dificuldades que David Neeleman e Humberto Pedrosa terão conseguido encaixar milhões em lucro. No total, a entrada – e posterior saída – da TAP, rendeu quase 60 milhões de euros em lucros.
O empresário norte-americano, fundador da Breeze Airways, terá levado a maior fatia: cerca de 52 milhões de euros. Quanto ao empresário português, dono do Grupo Barraqueiro, terá lucrado uma verba a rondar os oito milhões de euros.
O PÁGINA UM passou a pente fino os relatórios e contas da TAP dos últimos exercícios e também escrutinou as operações executadas em torno da privatização da companhia em 2015, reversão da venda e posterior saída dos investidores privados do capital da empresa. No primeiro artigo deste dossier, o PÁGINA UM noticiou que a companhia aérea custou 3.200 milhões de euros ao erário público desde a privatização, em 2015.
Isto numa empresa que, nos dois últimos exercícios registou prejuízos de 2.800 milhões de euros e, desde a privatização, em 2015, só registou lucros em 2017, de 23 milhões de euros.
O jornal Correio da Manhã já havia noticiado, no dia 11 de Fevereiro, que Neeleman encaixou um lucro de 52 milhões de euros com o seu investimento na TAP. Aliás, o financiamento da entrada do norte-americano na TAP está envolto em polémica, com notícias a apontar que terá pago tudo com “o pelo do próprio cão”, através de uma operação que envolveu a Airbus e a negociação da troca da frota da companhia. Segundo o Eco, o norte-americano assumiu o controlo da TAP com dinheiro da própria empresa.
David Neeleman
A venda de 61% do capital da TAP, em 2015, ao consórcio detido em partes iguais pelos dois empresários – Atlantic Gateway – foi executada pelo Governo PSD/CDS liderado por Pedro Passos Coelho. Mas, apenas três meses após a privatização, a venda foi revertida, por decisão do Governo do PS, liderado por António Costa.
As contas são fáceis de fazer. David Neeleman pagou cinco milhões de euros por metade de 61% do capital da TAP, aquando da privatização em 2015.
O investidor recebeu depois 45 milhões de Humberto Pedrosa pela participação de 50% na Atlantic Gateway e mais 55 milhões pela venda de 22,5% da TAP ao Estado português.
Além destas verbas, pelo meio, encaixou 389 mil euros pela venda de 37,5 milhares de acções aos trabalhadores da TAP, a 10,38 euros cada e 950 mil euros pela venda de 82,5 mil acções ao Estado, a 11,52 euros cada, quando este desejou recuperar o controlo da empresa.
Fonte: Relatórios e contas da TAP. Cálculos e análise: PÁGINA UM.
Neeleman pagou 112 milhões de euros – metade dos 224 milhões de euros – pelas Prestações Suplementares pelo acordo que tinha com o Estado português. Recebeu ainda 67,5 milhões de euros pelos juros a 7,5% durante 10 anos sobre o empréstimo obrigacionista da Azul de 90 milhões de euros.
No caso de Humberto Pedrosa, os cálculos do PÁGINA UM com base em documentos oficiais públicos disponíveis apontam que terá obtido um lucro de oito milhões de euros.
Para esta fatia milionária do “bolo” de lucros que caíram no colo dos accionistas privados da TAP, contabilizam-se a verba de 169 milhões de euros pela venda, por parte de Pedrosa, das Prestações Suplementares à Parpública. Por outro lado, o empresário português pagou cinco milhões de euros por metade de 61% do capital da TAP aquando da privatização em 2015.
Humberto Pedrosa
Pagou, depois, 45 milhões de euros a David Neeleman pela participação de 50% deste na Atlantic Gateway, quando o norte-americano saiu da companhia.
Pedrosa recebeu 389 mil euros pela venda de 37,5 milhares de acções aos trabalhadores da TAP, a 10,38 euros cada e ainda 950 mil euros pela venda de 82,5 mil acções ao Estado, a 11,52 euros cada, quando este desejou recuperar o controlo da empresa. O empresário pagou 112 milhões de euros – metade dos 224 milhões de euros – pelas Prestações Suplementares pelo acordo que tinha com o Estado português.
Em suma, contas feitas, estas complexas operações financeiras deram um lucro a Humberto Pedrosa de oito milhões de euros, que chegou a ser catalogado pelo ex-ministro Pedro Nuno Santos como “um empresário patriota“.
Fonte: Relatórios e contas da TAP. Cálculos e análise: PÁGINA UM
Não foi ainda possível obter comentário sobre estes dados por parte dos dois empresários.
Todas as dúvidas e contornos dúbios em torno dos acontecimentos dos últimos anos na TAP vão ser alvo de investigação na comissão parlamentar de inquérito à companhia.
A tomada de posse da comissão ocorreu ontem. Vão ser ouvidos os principais protagonistas dos eventos que levaram à actual situação da TAP.
Entretanto, o Departamento Central de Investigação e Ação Penal (DCIAP) abriu um inquérito à indemnização de 500 mil euros paga pela TAP a Alexandra Reis, que saiu da administração da companhia para a seguir ir liderar a NAV e acabar por ser nomeada para a pasta de secretária de Estado do Tesouro, no Ministério conduzido por Medina Ferreira. Mas Alexandra Reis acabou por sair do cargo com o estalar da polémica da indemnização.
O DCIAP também abriu uma investigação ao negócio envolvendo a troca de frota por aviões da Airbus, um negócio que teve a “mão” de Neeleman, noticiou o Observador. Neste último caso, a participação foi feita pelos Ministérios das Finanças e Infraestruturas.
O anterior ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, já tinha denunciado, em Outubro de 2022, no Parlamento, que existiam suspeitas em torno do negócio da frota e que o seu Ministério tinha enviado o caso para o Ministério Público, o que deu origem à abertura de um inquérito.
Certo é que, na nova comissão parlamentar de inquérito, presidida pelo socialista Jorge Seguro Sanches – que foi secretário de Estado Adjunto e da Defesa Nacional até Fevereiro do ano passado –, matéria para investigar não vai faltar.
O PÁGINA UM examinou os últimos anos da TAP, analisando os relatórios e contas da companhia e escalpelizando as operações efectuadas em torno da privatização, recompra e posterior saída dos privados. O retrato que encontrou é de prejuízos acumulados e uma avalanche de decisões que lesaram a posição do Estado. No global, desde a privatização em 2015, a TAP custou ao erário público mais de 3.200 milhões de euros. Em 10 anos, a empresa acumulou perdas de 3.254 milhões de euros. A maioria dos prejuízos foi contabilizada em 2020 e 2021. Este é um primeiro artigo de um dossier que o PÁGINA UM vai publicar sobre a transportadora aérea. Muitas dúvidas subsistem em torno da forma como a companhia tem sido gerida e sobre a responsabilidade da tutela nas decisões. Para já, aguarda-se pela tomada de posse da comissão parlamentar de inquérito à TAP, agendada para 22 de Fevereiro, a qual poderá trazer alguma luz sobre as questões que persistem.
Um desastre total. Os últimos anos representaram para a TAP – e para o erário público – uma catástrofe em termos de perda de recursos e prejuízos. Sem norte, a companhia aérea está presa por fios, suspensa em apoios estatais. Quase tudo o que podia ter corrido mal à transportadora aérea, aconteceu. Mas também foi um alvo fácil para quem dela quis tirar proveitos em tempos de crise.
Nas últimas semanas, a TAP voltou a estar nas manchetes de jornais e debaixo dos holofotes dos media por diversos motivos e nenhum deles abonatório. Entre as polémicas em redor da companhia, estão, nomeadamente, indemnizações pagas a administradores e o polémico caso da troca da frota envolvendo a Airbus.
O PÁGINA UM faz aqui um retrato da evolução da companhia ao longo dos últimos anos, incluindo através de uma análise aos relatórios e contas da empresa e das condições de privatização, reversão da venda e saída dos privados da TAP.
Olhando para as suas contas, o cenário é doloroso. Em 10 anos, dos exercícios de 2012 a 2021, a TAP acumulou perdas de 3,2 mil milhões de euros. Corresponde a um valor de 310 euros para cada português ou de 1.240 euros para um agregado familiar de quatro pessoas.
Só em 2021 a empresa registou prejuízos recorde de 1.599 milhões de euros. Mas já no exercício de 2020 – em plena pandemia e restrições nas viagens – o ano foi de perdas: 1.230 milhões de euros de prejuízos. Ou seja, em apenas dois anos, a TAP contabilizou prejuízos da ordem dos 2.800 milhões de euros. Está no vermelho desde o exercício de 2018, depois de um ano positivo em 2017, pois em anos anteriores também esteve quase sempre no vermelho.
Resultado Líquido da TAP (valores em milhões de euros). Fonte: Relatórios e Contas da TAP
Desde a entrada no capital da empresa do norte-americano David Neeleman e do português Humberto Pedrosa – dono do Grupo Barraqueiro – em 2015, a companhia só teve lucros em 2017, no montante de 23 milhões de euros.
A venda de 61% do capital da TAP ao consórcio detida em partes iguais pelos dois empresários – Atlantic Gateway – foi executada pelo Governo PSD/CDS liderado por Pedro Passos Coelho. Pelo caminho, ficou em terra uma nova proposta do investidor e empresário sul-americano Germán Efromovic – que foi detido em 2020 no Brasil, junto com o irmão, acusado de alegadamente ter subornado executivos de topo da Petrobrás e da Transpetro.
O ponto de partida para a venda mostrava uma companhia frágil: uma dívida acumulada superior a mil milhões de euros; prejuízos; problemas de tesouraria; e descontentamento, havendo greves de pilotos. Anos de opções estratégicas fragilizaram a companhia, numa altura em que o sector da aviação se tornava cada vez mais competitivo.
Até então, nos anos imediatamente anteriores à privatização, não tinham aparecido candidatos considerados adequados. A venda foi finalizada em Novembro de 2015. O Estado português, através da Parpública – a holding de participações sociais do Estado –, anunciava que tinha alienado 61% da TAP SGPS por 10 milhões de Euros à Atlantic Gateway.
De um capital representado por 1500 milhares de acções, a Atlantic Gateway passou a deter 915 mil acções (61%) e a Parpública 585 mil acções (39%). O preço de venda por acção foi de 10,93 euros (10 milhões de euros divididos por 915 mil acções).
Este acordo de venda obrigava os particulares a capitalizar a empresa em 338 milhões, através de Prestações Suplementares, uma dívida da empresa aos sócios, mas fazendo parte do Capital Próprio. Neste sentido, em 2015, a Atlantic Gateway injectou 154,4 milhões de euros na TAP. O mesmo aconteceu em 2016, com mais 69,7 milhões de euros, totalizando 224,09 milhões de euros de Prestações Suplementares.
Estes fundos não podiam ser levantados pelos novos accionistas – solicitando à TAP SGPS o reembolso da dívida –, desde que o Estado não reforçasse a sua posição – por outras palavras, se ocorresse uma nacionalização. Este valor, mais tarde, serviu de arma negocial dos privados com o Estado.
Em 2016, também teve lugar a injecção de fundos através de uma emissão de Obrigações convertíveis em acções em 2026 (até 130,8 milhares de acções), pelo prazo de 10 anos, no valor de 120 milhões de euros. Esta operação envolvia a emissão de 90 milhões de euros (série A) subscritos pela Azul Linhas Aéreas Brasileiras, S.A. (Azul, transportadora aérea propriedade de David Neeleman), com uma remuneração de 7,5% ano.
Durante 10 anos, a remuneração em juros seria de 67,5 milhões de euros (juros anuais de 6,75 milhões de euros).
Estas obrigações tinham mais direitos que a série B, pois dariam sempre direito ao pagamento de juros, independentemente da opção de conversão em acções ser exercida ou não. Se fosse exercida, o capital não era devolvido, caso contrário, era devolvido.
Custo da TAP para o erário público nos últimos oito anos (valores em milhões de euros). Fonte: TAP, Tribunal de Contas, análise do PÁGINA UM
A operação abrangia ainda a emissão de 30 milhões de euros (série B) subscritos pela Parpública, igualmente remunerados a 7,5%, no entanto, em caso de exercício da opção de conversão, a Parpública deixava de ser remunerada a 7,5%. Isso aconteceu no final de 2018, deixando, a partir desse momento, de a Parpública receber qualquer remuneração pelo dito empréstimo obrigacionista.
Na realidade, os contribuintes nunca foram ressarcidos desta dívida, apenas parcialmente (em juros), pois continuava a constar do Relatório e Contas da Parpública no final do primeiro semestre de 2022 (página 78). No entanto, não fica claro se os juros foram efectivamente pagos à Parpública.
Mas, apenas três meses após a privatização, a venda foi revertida, por decisão do Governo do PS, liderado por António Costa.
O Estado adquiriu 11% do capital, através da compra de 165 mil acções da empresa à Atlantic Gateway por 1,9 milhões de euros, ou seja, a 11,52 euros por acção – um ganho de 11% para os accionistas privados -, passando a reconfiguração accionista a ser a seguinte: Atlantic Gateway 50% (750 mil acções), Parpública 50% (750 mil acções).
Humberto Pedrosa
Seguidamente, a Atlantic Gateway vendeu 75 mil acções aos trabalhadores da TAP, ao preço unitário de 10,38 Euros, embolsando 780 mil Euros, operação que teve lugar no início de 2017.
Com esta operação, a reconfiguração accionista passou a ser a seguinte: Atlantic Gateway 45% (675 mil acções), Parpública 50% (750 mil acções) e Trabalhadores 5% (75 mil acções), o Estado português voltava a ser maioritário, mas apenas simbolicamente.
À Parpública, apesar de ser titular de direitos de voto correspondentes a 50%, apenas lhe correspondiam 5% dos direitos económicos, enquanto à Atlantic Gateway 90% e aos trabalhadores 5%, tal como está reflectido no relatório e contas da TAP para 2017 (página 12). Assim, por exemplo, no caso de a companhia registar 100 milhões de euros de lucros, correspondiam apenas 5 milhões à Parpública, apesar de deter 50% do capital.
Este dado negativo para o erário público está reflectido num relatório de auditoria conduzida à “reversão” da privatização da TAP pelo Tribunal de Contas, que criticou a operação. No seu relatório, o qual foi divulgado em meados de 2018, revelou que o Estado passou a assumir mais riscos do que os acionistas privados, e o único responsável pela dívida da companhia.
David Neeleman
A auditoria foi solicitada ao Tribunal de Contas pela Assembleia da República que queria apurar se tinha sido salvaguardado o interesse público na “reversão” da privatização.
O Tribunal de Contas sintetizou a sua opinião sobre a operação: “com a recompra, o Estado recuperou o controlo estratégico, mas perdeu direitos económicos, além de assumir maiores responsabilidades na capitalização e no financiamento da empresa”.
Para o Tribunal de Contas, a operação “não conduziu ao resultado mais eficiente”. “Com efeito, não foi obtido o consenso necessário dos decisores públicos, tendo as sucessivas alterações contratuais agravado as responsabilidades do Estado e aumentado a sua exposição às contingências adversas da empresa”.
No ano seguinte à auditoria do Tribunal de Contas à “reversão” da venda da TAP, a companhia estava em sérias dificuldades e pediu um empréstimo ao Estado.
Em 2020, com o aparecimento da pandemia de covid-19, Portugal, e a maior parte dos países, adoptou medidas drásticas e sem precedentes em anteriores pandemias, incluindo confinamento da população, contra a opinião de cientistas e especialistas de topo das melhores universidades do mundo.
Os aviões ficaram parados nas pistas. Todavia, a TAP estava na mesma situação de outras empresas europeias, como, por exemplo, a Ryanair ou a Lufthansa, totalmente na mão de capitais privados. A TAP recebeu então em 2020 um empréstimo de 1,2 mil milhões de euros, que no ano seguinte seria revertido em Capital Próprio da TAP. Mais uma vez, a empresa não pagou juros, pois foram convertidos os 1200 milhões de euros conjuntamente com os juros devidos (58,1 milhões euros).
Nesse ano ocorreu a saída de David Neeleman da TAP, com o Governo, previamente à negociação final, a ameaçar a nacionalização que, afinal, nunca se concretizou. A sua participação de 22,5%, indirecta através da Atlantic Gateway, foi adquirida directamente pelo Tesouro português, numa operação de 55 milhões de Euros, um preço por acção de 163 Euros (55 milhões de euros por 337,5 mil acções) que compara com um preço de aquisição de 10,98 euros. Trata-se de uma valorização de 1.391%.
O Estado recebeu 67,5% dos direitos económicos (recordemo-nos que 90% estavam nas mãos de privados) e a titularidade de 55 milhões de euros das Prestações Suplementares – nas mãos da Atlantic Gateway continuavam 169,1 milhões de euros dos 224,1 milhões de euros – e a cessação de qualquer litigância.
Dos 1,5 milhões de acções da TAP SGPS, o Estado passou a ser detentor de 72,5%, dos quais 50% na Parpública e 22,5% no Tesouro, e 22,5% ficaram na Atlantic Gateway, com os restantes 5% a estarem na mão dos trabalhadores.
Por outro lado, David Neeleman vendeu os 50% da Atlantic Gateway ao sócio Humberto Pedrosa por 45 milhões euros, segundo noticiava o jornal ECO. Em Outubro de 2020, os direitos económicos de 22,5% e as Prestações Suplementares de 169,1 milhões euros propriedade da Atlantic Gateway transitaram para a holding pessoal de Humberto Pedrosa, a HPGB, SGPS, S.A. Aliás, o jornal Dinheiro Vivo alertava precisamente para tal facto.
Em resumo, no final de 2020, a TAP, SGPS tinha a seguinte composição accionista: Tesouro (22,5%), HPGB, SGPS (22,5%), Parpública (50%) e Trabalhadores (5%). A TAP, SA – representada por 8.300.000 acções – continuava a ser detida a 100% pela holding TAP SGPS.
No final de 2021, ocorreu igualmente a conversão das Prestações Suplementares em capital, pelo valor de 154,4 milhões de euros.
Na consulta à auditoria realizada pelo Tribunal de Contas à TAP, na sua nota 125, pode ler-se: “em todas as opções de compra e venda das ações da Atlantic Gateway, a Parpública adquire também os créditos acionistas da Atlantic Gateway, incluindo-se nestes as prestações acessórias submetidas ao regime das prestações suplementares e suprimentos sobre a sociedade”. Os privados receberam assim as Prestações Suplementares, em particular os 169,1 milhões de euros de Humberto Pedrosa.
Em 2022, a TAP voltou a ter nova injecção de capital do Estado, desta vez de 980 milhões de euros.
São ainda muitas as dúvidas que recaem sobre a TAP. Muitas das questões que subsistem poderão ser respondidas no âmbito da comissão parlamentar de inquérito à empresa. A tomada de posse da comissão está agendada para 22 de fevereiro, noticiou a agência Lusa.
A constituição da comissão de inquérito à tutela política da gestão da TAP foi proposta pelo Bloco de Esquerda e aprovada no parlamento, com a abstenção do PS e do PCP e com os votos a favor dos restantes partidos. A comissão vai analisar em particular os anos entre 2020 e 2022, abrangendo temas como a polémica saída da ex-governante Alexandra Reis. O objectivo é o de investigar as eventuais responsabilidades da tutela nas decisões tomadas pela companhia aérea.
Hoje, a sessão em Wall Street fechou com as acções da Tesla a subirem 8%, mas têm sido as desvalorizações ao longo do ano de 2022 que têm marcado a “vida” da mediática empresa do sector automóvel de Elon Musk, que apresenta uma queda de mais de 60% desde Janeiro. Os media mainstream têm freneticamente noticiado, em êxtase, o suposto colapso da Tesla, e culpam a postura de Elon Musk e a sua compra e gestão do Twitter. Mas será uma grande surpresa esta descida das acções da Tesla, após uma vertiginosa subida de mais de 1.000% em menos de dois anos? O PÁGINA UM apresenta uma análise.
“The smart money is selling; the dumb money is buying“. A frase aplica-se hoje como ontem aos mercados de capitais. Quem percebe de mercados financeiros, vende na altura certa; quem não percebe, compra na altura em que não deve.
Foi Luís Gomes, economista e co-fundador da Criptoloja, que recordou ao PÁGINA UM aquela frase, a propósito da queda recente das acções da Tesla.
Elon Musk
Quando falamos da Tesla, falamos do maior fabricante automóvel do mundo em valor em bolsa, com uma capitalização (actual) de quase 350 mil milhões de dólares. O segundo lugar é ocupado pela nipónica Toyota, a uma grande distância do líder: tem pouco mais de metade da capitalização bolsista. Empresas como a Volkswagen, onde está integrada a Autoeuropa, tem uma capitalização bolsista de 20% da Tesla.
A Tesla chegou a valorizar cerca de 1.300% em menos de dois anos: em Janeiro de 2020 estava nos 28 dólares e atingiu um pico nos 414 em Novembro de 2021. O seu valor em bolsa chegou a ultrapassar um bilião de dólares, ou seja, 1.000.000.000.000 dólares.
Já no final de 2020, quando a acção chegou então aos 240 dólares, houve grandes investidores que apostaram na sua queda (short sellers), mas erraram e viram a vida a andar para trás. Num só mês, no final daquele ano, a Tesla valorizou 44%.
Foi o caso de Michael Burry, que ficou conhecido por ter antecipado a crise financeira de 2008 e de ter lucrado com ela. Mas, este ano, este tipo de investidores acertou em cheio.
Capitalização bolsista em 29 de Dezembro de 2020 das 10 principais empresas do sector automóvel, em mil milhões de dólares. Fonte: companiesmarketcap.com
Agora, em 2022, as acções da companhia estão a registar uma descida de 68%, mas isso também compara com uma descida de 45% de rivais como a Ford Motor e a Volkswagen.
Era natural que, após uma valorização tão forte, as acções da Tesla recuassem? Sim. Mas há outros factores que têm contribuído para esta descida, incluindo indicadores suportados na análise técnica, e, em particular, a expectativa sobre a evolução das vendas de veículos eléctricos e da economia em 2023, entre outros.
Mas então, e a compra do Twitter por Elon Musk está a provocar a queda da Tesla em bolsa, como transparece nas notícias de alguma imprensa mainstream?
O investimento de Elon Musk no Twitter – uma empresa que vinha a perder receitas e não estará nas melhores condições financeiras – contribui, certamente, para um sentimento de incerteza, mas não é um factor crucial para a evolução da cotação da Tesla, ao contrário da redução de produção na sua fábrica em Xangai, na China, como noticiou recentemente a Reuters.
Variação (%) da cotação de empresas do sector automóvel em 2022 (até dia 22 de Dezembro). Fonte: Yahoo Finance.
É verdade que alguns analistas no mercado temem que Musk esteja distraído com a gestão do Twitter, que tem mais de 400 milhões de utilizadores, mas a precisar de mais receitas. Por outro lado, com a compra do Twitter por 44 mil milhões de dólares, operação que concluiu em Outubro, Musk vendeu, em 2022, quase 40 mil milhões de dólares em ações da Tesla. E o mercado não fica indiferente.
“A Tesla tem muito ruído à sua volta. Mas, se olharmos para a Meta (Facebook) ou para a Amazon, estão também em valores mínimos de ciclo. Não é só a Tesla”, diz Filipe Garcia, economista da IMF-Informação de Mercados Financeiros. Acresce que, “na Tesla, há a notícia de que a pausa na produção na China vai continuar. Ou seja, há factores intrínsecos e outros que são de mercado”.
Note-se, por exemplo, que as acções da Meta desvalorizaram 65% desde o início deste ano. As da Amazon caem 50%.
E, em termos de análise técnica, Luís Gomes apontou que, desde Maio deste ano, a Tesla iniciou uma tendência descendente, com a ocorrência de máximos e mínimos decrescentes. Além disso, rompeu todos os denominador suportes Fibonacci, em particular o de 61,8%. Ou seja, desde o máximo de Novembro de 2021, em que se encontrava em torno de 414 dólares norte-americanos, já corrigiu mais de 70%, faltando agora o último suporte Fibonacci, o de 78,6%. E estamos perto.
Variação (%) da cotação de empresas do sector automóvel desde 31 de Dezembro de 2019 e 22 de Dezembro de 2022. Fonte: Yahoo Finance
Ontem, a Tesla já subira 3,31%, fechando nos 112,72 dólares na abertura. Hoje fechou nos 121,82 dólares, recuperando assim 11,7% em apenas duas sessões. Mas, em mercados bolsistas, estas variações têm pouco significado. A acção pode ainda não ter tocado “no fundo” desta descida, e, caso rompa o já mencionado nível 78,6% Fibonacci, que estará situado em redor dos 90 dólares, poderá deixar de “ter fundo”.
Mesmo assim, perante a constante desvalorização ao longo de 2022, nos últimos três anos as acções da Tesla somam um ganho de “apenas” 300%”. Ou seja, quadruplicaram!
Saliente-se que nas últimas semanas, à medida que muitos investidores institucionais fecham posições nas suas carteiras com a chegada do final do ano, alguns movimentos nos mercados tornam-se mais expressivos. Estes movimentos são usuais em Dezembro.
Filipe Garcia lembrou que “empresas como a Tesla são muito grandes” e “têm um peso muito grande em índices ETF, por exemplo”. Ora, nesta altura do ano, basta que grandes investidores estejam a “desfazer” o seu investimento num desses índices para abanar a cotação de ações como as da Tesla.
A menor liquidez nestes dias que se aproximam do final de ano, devido ao facto de haver menos investidores no mercado, também contribuem para grandes oscilações das cotações.
O facto é que, apesar da descida que as acções da Tesla registam em 2022, a maioria dos analistas continua a recomendar a sua compra. O preço médio estimado atribuído às acções da Tesla no final de 2023 situa-se nos 248 dólares por acção.
George Gianarikas, analista que acompanha há muitos anos as ações da Tesla, é dos que está positivo em relação à evolução da companhia. Analista na Canaccord Genuity, Gianarikas disse, em entrevista à Yahoo Finance, que “actualmente, o mercado não parece estar muito positivo em relação às Tesla, e é compreensível”.
E explica: “Ouvimos Elon Musk numa conversa no Twitter Spaces e soa decididamente negativo no curto prazo. Há muita incerteza sobre as vendas (de viaturas novas) no quarto trimestre. Há muita incerteza sobre as vendas em 2023. Há muito incerteza sobre a trajectória da margem da empresa”.
Variação da cotação diária (em dólares) da Tesla entre finais de 2019 e 22 de Dezembro de 2022. Fonte: Yahoo.
Nessa entrevista, Gianarikas está, porém, optimista quanto ao futuro da empresa de Elon Musk, porque a Tesla “tem um balanço incrivelmente forte para resistir às adversidades de uma recessão” e, por outro lado, “estão destinados a aumentar a sua liderança em veículos eléctricos”, um segmento que pensa “estar prestes a penetrar realmente no mercado automóvel global”.
Por sua vez, Elon Musk também tem justificado a queda da cotação da Tesla, que é generalizada a outros títulos, às decisões da Reserva Federal norte-americana (FED), devido ao aumento das taxas de juro, que tornaram o mercado de acções menos atraentes para os investidores.
Quanto à imprensa mainstream, parece previsível que os ataques a Musk vão continuar. Até porque o multimilionário, ao comprar o Twitter, acabou com aquele que era o receio dos seguidores da religião ‘woke’ e dos que têm apoiado a censura e a desinformação em torno da pandemia nas redes sociais.
Os media tradicionais têm passado a ideia ao público de que Musk permitiu que surgisse desinformação no Twitter e até discurso de ódio, o que é falso. Pelo contrário: desinformação era o que existia antes de Musk assumir a liderança da rede social Twitter, como comprovam os documentos internos que Musk tem tornado públicos, nos chamados Twitter Files.
Com a divulgação dos Twitter Files, Musk tirou todos os esqueletos do armário da empresa que agora lidera, mostrando o nível de censura elevado que existia naquela plataforma e que se estende a todas as outras redes sociais e grandes tecnológicas. Ou seja, ganhou muitos inimigos entre os defensores da censura e desinformação.
E agora que Musk apontou novas baterias à imprensa mainstream, classificando-a de “obsoleta”, abriram-se feridas insanáveis. O novo dono do Twitter assumiu já que deseja criar uma alternativa aos media tradicionais, que acusa de parcialidade e de se limitarem a propagar propaganda. E entretanto disse mesmo que está aberto à ideia de comprar a plataforma de conteúdos Substack, muito usada por escritores e jornalistas independentes, para rivalizar com os media mainstream. Por isso, a guerra entre Musk e os media mainstream parece estar para durar.
N.D. Luís Gomes é sócio minoritário (5%) da Página Um Lda., a empresa gestora do PÁGINA UM.
Nem só de uvas se faz vinho, já diz o dichote. E durante a pandemia, nem só de bebidas viveu uma conhecida empresa vinícola da Bairrada. Localizada na Anadia, a Caves da Montanha nunca conseguira vender uma garrafa a qualquer entidade pública, mas soube aproveitar a “onda” e fartou-se de vender máscaras e autotestes, incluindo ao Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, que gere o hospital de Santa Maria. No total foram seis contratos públicos, cinco dos quais por ajuste directo, num total de 340 mil euros. Ninguém explica como empresas sem experiência no sector conseguiram, de repente, convites directos para contratos. Esta é a terceira parte da investigação do PÁGINA UM sobre o LUVASGATE (que não inclui apenas luvas de nitrilo).
“Mais do que bebidas, produzimos momentos de prazer. Esperemos que gostem!” – esta é a divisa da Caves da Montanha, empresa familiar da Anadia fundada em 1943, que já vai na quarta geração. No site da empresa diz-se que está “focada na produção, comercialização e distribuição de bebidas”, sendo “líder da produção de espumantes Bairrada”.
E assim, a acreditar nas palavras da empresa, pela “dedicação e paixão” que metem naquilo que fazem, mostra-se “fácil de entender o motivo pelos qual as pessoas se deixam seduzir tão facilmente pelos nossos espumantes”. Imaginar-se-ia, por isso, que o próprio Estado e entidades públicas tivessem andado a comprar paletes de bebidas comercializadas pela Caves da Montanha, nem que fosse pela Passagem do Ano ou para acompanhar um repasto de leitão à Bairrada.
Mas não. Nada disso.
Depois dos tempos da actriz Soraia Chaves a promover os seus espumantes…
Nunca a Caves da Montanha vendeu ao Estado, ou às autarquias, à Administração Pública, ou outro qualquer ente público uma garrafa que fosse das 14 marcas que comercializa de espumante; nem uma só garrafa das sete marcas de champagne; nem uma só garrafa das 24 marcas de vinho tinto, branco e rosé; nem uma só garrafa das 10 marcas de licores (incluindo groselha); nem uma só garrafa das quatro marcas de aguardente (incluindo bagaceira); nem uma só garrafa de 11 marcas de spirit (incluindo absinto e rum); nem uma só garrafa de água da marca Voss (originária da Noruega a 3,5 euros meio litro). Nem uma para amostra.
Porém, a pandemia teve o condão de fazer com que até os empresários do ramo vinícola pudessem experimentar voos nunca conseguidos antes, e sobretudo em negócios que nunca se imaginariam possíveis.
Por isso, só por uma rebuscada associação, sabendo-se que muitos crimes são cometidos sob efeito do álcool, se poderia imaginar ver em 26 de Novembro de 2020 a Caves da Montanha a vender à Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais “material de protecção individual no âmbito do plano de contingência para o novo coronavírus-covid 19 do hospital prisional”. Valor do contrato: 25.500 euros, por ajuste directo.
… a Caves da Montanha passou a usar narinas e zaragatoas para promover a sua nova linha de negócio.
Como o contrato não foi reduzido a escrito, ignora-se as quantidades e produtos, sabendo-se apenas que o valor em causa daria para comprar cerca de 1.400 garrafas de Espumante Montanha Real Grande Reserva 2010 Branco Bruto, que no mercado se encontra a 17,9 euros.
A este primeiro contrato, de material não especificado, seguiu-se outro em Fevereiro do ano passado, desta vez uma venda de 43.500 euros de máscaras FFP2 para a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa.
Foi também um contrato sem redução a escrito, pelo que se ignora igualmente a quantidade e o preço unitário, assim tendo sido realizado por “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade”. Isto apesar da pandemia já então durar há quase um ano.
Quem vende máscaras – ficou a saber-se durante esta pandemia –, também consegue comercializar todo o “pacote” associado. E assim o terceiro contrato público da Caves da Montanha foi de “testes profissionais nasofaríngeos”, comprados pelo município de Leiria. Valor do contrato: 25.000 euros, que se concretizou em Maio. Não se sabe a quantidade de testes, embora o Portal Base indique que o contrato foi cumprido integralmente um dia após ser assumido pelas partes.
No quarto contrato, a Caves da Montanha chegou finalmente a um hospital – e dos grandes. O Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte – que integra os hospitais de Santa Maria e Pulido Valente – lançou um raro concurso público, tendo a empresa vinícola da Bairrada apresentado o melhor valor face às outras 15 propostas, grande parte das quais apresentada por empresas do sector de produtos hospitalares e de saúde. Por cada um dos 80.000 testes, a Caves da Montanha cobrou 1,885 euros, mesmo assim um valor cerca de 60% acima do actual preço de mercado.
Se teve ou não pouco lucro neste negócio, ignora-se, mas, em todo o caso, a Caves da Montanha conseguiu que as portas em Lisboa se reabrissem pouco mais tarde. O mesmo centro hospitalar adquiriu à empresa vínicola da Bairrada mais autotestes, por duas vezes já este ano: em 20 de Janeiro, por 57.681 euros, e em 28 de Junho, por 37.700 euros. Em ambos os contratos a compra por ajuste directo foi justificada, mais uma vez, “por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade”.
Sobre estes contratos, com o Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte, o PÁGINA UM solicitou esclarecimentos à sua administração, presidida por Daniel Ferro, mas não obteve qualquer resposta.
Administração do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte não explica as razões da selecção de uma empresa vinícola para a compra de testes de detecção do SARS-CoV-2.
Não explicando como estabeleceu parcerias com estas entidades públicas para vendas por ajuste directo, a Caves da Montanha diz apenas que a empresa, “fruto da sua experiência e contactos comerciais, garantiu a representação para Portugal de uma das principais marcas internacionais neste sector [materiais como autotestes e máscaras], conseguindo apresentar ao mercado preços mais competitivos, face aos valores apresentados por outras entidades e prazos de entrega mais reduzidos.”
E também não esclarece se o negócio deste tipo de produtos veio para ficar, sendo certo que o PÁGINA UM teve conhecimento de várias vendas feitas a supermercados ainda ao longo deste ano, quer de máscaras cirúrgicas quer de autotestes.
A empresa mantém ainda operacional uma loja virtual, disponibilizando álcool gel, autotestes e máscaras. Neste último caso, já bem baratinhas: passe a publicidade, uma caixa de 50 unidades fica agora a 1,99 euros, ou seja, quatro cêntimos cada… Nas farmácias ainda estão ainda a 7,5 euros a caixa de meia centena.
Uma empresa da freguesia de Milheirós, no concelho da Maia, com uma experiência de 40 anos a reparar automóveis, passou em três tempos a entregar muitos milhões de luvas de nitrilo a hospitais, facturando, em ajustes directos, mais de 1,5 milhões de euros. Tudo parece legal, e sempre justificável com a urgência da pandemia, mas já se mostra anormal a facilidade com que as administrações hospitalares fizeram ajustes directos sem contrato escrito de produtos que, sem justificação económica plausível, quadruplicaram de preço. Esta é a segunda parte da investigação do PÁGINA UM sobre o LUVASGATE.
Saberá bem a uma empresa com quatro décadas de existência ver as portas do Estado abrirem-se. Em 2 de Março de 2020, a Escape Forte Lda. – com oficinas numa freguesia da Maia e outra de Vila do Conde – teve o seu primeiro contrato público: a reparação do motor de uma ambulância do Instituto Nacional de Emergência Médica. Custo do serviço: 7.261 euros, acrescidos de 76 cêntimos. Ajuste directo, como se compreenderá numa urgência.
A partir dessa “encomenda”, a vida começou a correr melhor à gerência da Escape Forte. Não que passassem a vender a instituições públicas mais serviços de reparação, descarbonização e reconstrução de filtros de partículas ou de substituição de catalisadores – o seu forte, ou, se se quiser, o seu core business. Nada disso. A visita por razões mecânicas do INEM foi pontual. Isolada.
Sede da Escape Forte é uma oficina em Milheirós, no concelho da Maia.
Mas há mistérios na vida das empresas, que não são fáceis de prever, mesmo em Março de 2020, quando já se estava a anunciar a pandemia por terras portuguesas. Não se sabendo se houve qualquer associação, porque ninguém a admite, certo é que quatro meses após este conserto da ambulância do INEM, a Escape Forte estava a ter a sua segunda experiência com entidades da área da saúde: entrava portões dentro no Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira, para cumprir um contrato de venda de luvas de nitrilo.
Era o dia 2 de Julho e o contrato com o Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga (CHEDV) – que gere os hospitais de Santa Maria da Feira, Oliveira de Azeméis e São João da Madeira – não era pequeno: quase 850 mil luvas de nitrilo no valor de 80.820 euros. Preço por luva: 9,58 cêntimos, mais de quatro vezes o valor unitário no início da pandemia. Ajuste directo sem necessidade de redução a escrito, por alegados “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”.
Esse contrato foi, curiosamente, aprovado pela administração do CHEDV no mesmo dia em que a Escape Forte fez a alteração do seu objecto social, passando a partir daí a ser também uma empresa de “comércio por grosso de produtos farmacêuticos, comércio por grosso de produtos de proteção individual e material hospitalar”, e ainda de “produção e fabrico de produtos de proteção individual e material hospitalar (EPI)”.
Nada mau, portanto: no primeiro dia em que passou a poder vender luvas de nitrilo, conseguiu mesmo vender luvas de nitrilo.
E não parou por aí.
Pouco mais de um mês depois, em 6 de Agosto, novo contrato. Ajuste directo, claro. Para a mesma entidade pública. Mais substancial: 108.658 euros. O preço reduziu um pouquinho: 8,98 cêntimos por unidade, pelo que, nos meses seguintes, a Escape Forte foi ao Hospital de São Sebastião fazer entregas de 1.210.000 luvas de nitrilo.
Ganhou-lhe o gosto, o hospital de Santa Maria da Feira, porque ainda nesse ano, em 3 de Novembro, saiu um terceiro contrato com a Escape Forte, que se comprometeu, a troco de 142.400 euros, a entregar esterilizadas mais cerca de 1,5 milhões luvas de nitrilo, a um preço unitário de 9,58 cêntimos. Também novamente por ajuste directo e sem contrato escrito.
Como não há três sem quatro, em Janeiro de 2021, lá veio a administração do CHEDV concordar com mais um contrato por ajuste directo com a Escape Forte. E bem forte, porque foi por um montante superior a metade da facturação que esta empresa tinha tido em 2019 a prestar serviços com filtros de partículas e catalisadores.
Hospital de São Sebastião, em Santa Maria da Feira, comprou nove milhões de luvas de nitrilo à Escape Forte.
Neste quarto contrato, o Hospital de São Sebastião comprou à empresa da Maia, desta vez, luvas num montante total de 557.600 euros, o que significa que foram entregues 5,44 milhões de unidades. O preço de cada luva subiu para os 10,25 cêntimos, mais de cinco vezes superior ao valor imediatamente anterior à pandemia.
No total, a Escape Forte conseguiu em sete meses, sempre por ajuste directo com a administração do Hospital de São Sebastião, contratos no valor de quase 890 mil euros para a entrega de nove milhões de luvas de nitrilo. Esta unidade hospitalar tem cerca de mil funcionários, incluindo serviços técnicos e administrativos. Em Setembro passado, os três hospitais do CHEDV contava com 2.415 funcionários, dos quais 505 médicos (incluindo internos) e 779 enfermeiros.
Mas não foi apenas o CHEDV que se abriu ao Escape Forte. O Hospital Distrital da Figueira da Foz pagou 95.950 euros por um número indeterminado de luvas, em contrato por ajuste directo sem redução a escrito feito em Outubro de 2020.
Em 20 de Janeiro do ano passado, o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) decidiu que a empresa da Maia seria a mais ajustada para ser a receptora de 522.650 euros de dinheiro público em troca de um número indeterminado de luvas, cujo número se desconhecer por também não haver contrato reduzido a escrito nem a administração daquela unidade do SNS os ter desejado revelar.
Rui Lopes, gerente da Escape Forte.
Certo é que, apesar da concorrência num mercado com empresas detentora de larga experiência no sector, o sucesso repentino da Escape Forte na venda de luvas de nitrilo levou o seu gerente, Rui Lopes a criar ainda em 2020 outras empresa, a Be Epic Pharma, com um capital social de 5.000 euros, alargando a actividade para outros materiais e produtos descartáveis na área da saúde.
Esta nova empresa, sem loja física e sem sequer indicar preço no respectivo site, foi constituída em 19 de Agosto daquele ano, e até final de Dezembro encaixou seis contratos com entidades públicas: um com a Administração Regional de Saúde do Algarve (50.600 euros), outro com o município de Albergaria-a-Velha (12.140 euros) e quatro com a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (no valor global de 149.900 euros).
No ano seguinte, em 2021, a Be Epic Pharma apenas fez três contratos públicos. Um com o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (157.000 euros), outro com a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (33.800 euros) e um terceiro com o Hospital da Horta (21.726 euros).
Este ano, a empresa associada à Escape Forte conta já com cinco contratos, sendo dois com a Direcção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais (55.000 euros, no total), um com o Serviço Regional de Protecção Civil da Madeira (46.165 euros), um com o Hospital de Ponta Delgada (13.200 euros) e um com o Centro Hospitalar Barreiro-Montijo (1.350 euros). Apenas estes dois últimos contratos foram firmados por concurso público; todos os outros foram por ajuste directo ou mera consulta prévia.
Para explicar como conseguiu estabelecer-se tão rapidamente neste mercado, a Escape Forte mostrou-se parca em explicações, através de Rui Pinto, que se assumiu como representante de Rui Lopes, apresentado como “Administrador do Grupo Escape Forte”. A empresa Escape Forte, diga-se, é uma simples sociedade por quota unipessoal, com um capital social de 5.000 euros. Tem assim gerentes, pois só há administradores em sociedades anónimas. Além disso, não existe uma holding nem grupo económico.
Aspecto de uma das oficinas da Escape Forte.
Independentemente desta frivolidade, sobre as questões colocadas pelo PÁGINA UM sobre como se iniciaram e frutificaram os negócios das luvas de nitrilo, que contactos tinham ou estabeleceram com os hospitais (sobretudo o CHEDV), como adquiriam os produtos que vendiam e os preços praticados, o representante da empresa diz que, além dos dados constantes no Portal Base, “toda e qualquer informação está protegida pelo sigilo contratual previsto no Código dos Contratos Públicos, entre a entidade adjudicante e o adjudicatário, estando a Escape Forte e os seus profissionais, vinculados ao mesmo.”
Em todo o caso, Rui Pinto adianta que as mercadorias vendidas pela Escape Forte provieram de “algumas operações de importação e fornecimento de material de combate à pandemia, quer a entidades públicas, quer privadas”. E diz ainda que a empresa cumpriu a legislação em vigor, designadamente o “Despacho 4699/2020 de 18 de abril, que limitava as margens de lucro nos produtos necessários ao combate à pandemia”, além de ter pautado a sua conduta pelo “bom senso comercial e pessoal.”
Sendo certo que a Escape Forte não teve um desempenho que se aproxime da Raclac – também alvo da investigação do PÁGINA UM –, uma vez que não é produtora de luvas de nitrilo (as margens operacionais são assim mais baixas), não se pode dizer que a empresa de filtros de partículas da Maia se tenha saído mal nos últimos dois anos. Face a 2019 – antes da pandemia –, os nove empregados (com um salário de mil euros) conseguiram uma facturação de 901 mil euros e um lucro de 31 mil euros.
Com a pandemia a “desviar” a actividade da empresa para a venda de luvas de nitrilo, a facturação da Escape Forte em 2020 ultrapassou os 1,7 milhões de euros e o lucro subiu para os 82 mil euros. E isto com apenas dois empregados, deduzindo-se assim que a empresa tenha suspendido grande parte da sua actividade normal nas oficinas por via dos lockdowns.
No ano passado, o volume de negócios ainda aumentou mais, para cima dos 2,25 milhões de euros, com os lucros a aproximarem-se dos 147 mil euros. O número de empregados aumentou para os 13, significando assim que a Escape Forte retomou também a sua actividade original, mantendo forte a venda de luvas de nitrilo.
A estes resultados da Escape Forte em 2021 devem acrescentar-se os da Be Epic Pharma. Nesse ano, a novel empresa registou uma facturação de cerca de 1,76 milhões de euros e um lucro de 82 mil euros, fruto do trabalho de apenas duas pessoas.
Mas, enfim, porque motivo foi a Escape Forte, que nunca tivera qualquer experiência com luvas de nitrilo ou equipamentos de protecção individual, escolhida por hospitais e outros entes públicos?
O PÁGINA UM perguntou a três dos hospitais que lhes fizeram compras: Hospital da Figueira da Foz, Centro Hospitalar do Algarve e o CHEDV, que foi o melhor cliente da Escape Forte.
Anúncio da Escape Forte no Facebook: “vai ficar tudo bem!” Para a empresa de reparação automóvel, ficou…
Ilda Geraldo, do gabinete de relações públicas do CHEDV, diz que “tivemos conhecimento da disponibilidade de oferta destes produtos por parte da empresa [Escape Forte] através de comunicações que chegaram ao conhecimento do Serviço de Compras da instituição.
Aquela responsável alega que, “quando se iniciou a relação” com a Escape Forte, “o mercado era altamente deficitário em termos de resposta face às necessidades de aquisição, acrescentando que “a credibilidade da empresa foi aferida através da validação das luvas a fornecer pela Comissão Técnica da instituição, constituída por profissionais de saúde habilitados para o efeito.”
E não se diga que o CHEDV esteja arrependido. “Numa altura em que era frequente o não cumprimento dos prazos de entrega de material, esta foi uma das empresas mais cumpridoras, deslocando-se ao hospital sempre que necessário”, refere Ilda Geraldo, informando que “não foi registada qualquer queixa da qualidade das luvas por parte dos serviços utilizadores.” Caso a Escape Forte “decida concorrer e cumprir o estabelecido no Código dos Contratos Públicos para o tipo de procedimentos a desenvolver, nomeadamente, concursos públicos”, o CHEDV “poderá vir a adquirir[-lhe] mais luvas ou outros materiais”, adianta.
Escape Forte: das feiras de reparação automóvel até à venda de luvas de nitrilo., bastou uma pandemia temperada por ajustes directos.
Mais a sul, o gabinete de comunicação do CHUA disse apenas ao PÁGINA UM que as aquisições de louvas de nitrilo à Escape Forte foram feitas “como último recurso, porquanto, devido à pandemia”, uma outra empresa que tinha ganhado uma adjudicação “no âmbito de um concurso realizado ao abrigo do acordo quadro, não conseguiu garantir o fornecimento”.
E acrescenta ainda que “na falta de fornecimento por parte dessa empresa, não se encontrou mais nenhuma outra no mercado [a não ser a Escape Forte] que comercializasse este material e que garantisse as entregas atempadamente.”
Tudo, portanto, perfeito… E normal, cada vez mais normal, em Portugal.
Uma empresa de Vila Nova de Famalicão prometeu, patrioticamente, no início da pandemia, não exportar luvas de nitrilo, para assim satisfazer as necessidades do mercado nacional. Poucos meses depois, tanto esta como outras empresas deixavam concursos públicos vazios, mas estavam sempre dispostas a vender por ajuste directo, inflacionando os preços em mais de 400%, mesmo com a procura a subir apenas pouco mais de 10%. O Estado nada interferiu nesta negociata que fez com que a Raclac lucrasse 14 milhões de euros em 2020, um montante 42 vezes superior ao alcançado no ano anterior. Esta é a primeira parte da investigação do PÁGINA UM sobre o LUVASGATE.
“Nesta altura temos obrigação de proteger os nossos. O negócio é secundário e há um mês e meio que parámos a exportação”. Estas foram, curiosamente, no dia 1 de Abril de 2020, as palavras empenhadas em prol de um desígnio nacional do CEO da Raclac, Pedro Miguel Costa.
No início da pandemia, a empresa de Vila Nova de Famalicão, produtora de descartáveis hospitalares, tinha acabado de concluir uma unidade de produção de luvas de nitrilo, com um apoio comunitário do FEDER da ordem dos 5,5 milhões de euros, contando também com a participação dos investimentos de uma private equity, a Vallis Capital Partners, que em 2017 comprou metade da Raclac. Esta empresa de gestão de activos é presidida por Eduardo Rocha, ex-administrador financeiro da Mota-Engil.
Para suprir as necessidades nacionais em luvas de nitrilo – de uso único em actos médicos e de enfermagem –, a empresa famalicense ter-se-á se comprometido, através de um contrato com a central de compras do Sistema Nacional de Saúde, a fornecer exclusivamente para o mercado nacional. Não exportaria, prometeu o CEO da empresa. E Portugal não teria necessidade de importar tantas luvas de nitrilo da China.
Foi um acto patriótico? Não tanto assim.
Vejamos…
Antes da pandemia, a Raclac, tal como outras empresas, já vendia luvas de nitrilo aos hospitais portugueses. Engalfinhavam-se em concursos públicos para apresentar a melhor oferta. Por exemplo, em Maio de 2017, a empresa de Famalicão venceu oito concorrentes para um contrato de quase 10 milhões de luvas de nitrilo com o Centro Hospitalar de Lisboa Norte. Aqui a Raclac ganhou um contrato de 206.468 euros, pedindo 2,094 cêntimos por luva.
Mesmo nas primeiras semanas da pandemia, a Raclac (tal como outras empresas do género) continuou a praticar preços em linha com o habitual, mesmo quando havia urgência. Por exemplo, num contrato já por ajuste directo com a Direcção-Geral da Saúde em 18 de Março de 2020, no valor global de 1.957.896 euros, a Raclac não especulou. Entre máscaras, fatos de protecção integral e toucas, vendeu um milhão de luvas de vinilo por apenas 1,9 cêntimos cada. Recebeu assim, pelas luvas, apenas 19.000 euros.
Raclac, criada em 2007, operacionalizou uma fábrica automatizada de luvas de nitrilo em Julho de 2020, obtendo financiamento comunitário de 5,5 milhões de euros.
Mas tudo viria a mudar com o decurso dos meses do primeiro ano da pandemia. Por um lado, a Raclac começou a “coleccionar” contratos por ajuste directo, justificados pela emergência da covid-19.
Não havendo na maior parte dos casos a redução a escrito, conforme consulta no Portal Base, o preço unitário e a quantidade ficou “à discrição”. Houve contratos de mais de 850 mil euros em luvas de nitrilo que nem sequer foram reduzidos a escrito, como sucedeu num ajuste directo em Maio de 2021 feito pela Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo.
Porém, em alguns casos – vá-se lá saber o motivo –, o preço unitário surge em contratos por ajuste directo. E aí fica-se com a verdadeira noção da brutal dimensão da especulação e, eventualmente, de outros fenómenos menos transparentes.
Por exemplo, em 3 de Julho de 2020, a Raclac conseguiu vender 185.350 euros de luvas de nitrilo por ajuste directo ao Centro Hospitalar de Lisboa Norte (que integra o Hospital de Santa Maria). No início da pandemia, esse montante daria para adquirir quase 9,8 milhões de luvas, considerando o preço unitário anterior de 1,9 cêntimos.
Porém, os “tempos” já eram outros: o da ganância. E a Raclac, que em Abril desse ano garantia que “o negócio era secundário”, quase sextuplicou o preço, aplicando um preço unitário de 11 cêntimos. Deste modo, a empresa famalicense entregou apenas um pouco menos de 1,7 milhões de luvas.
Nos restantes contratos detectados pelo PÁGINA UM nos anos de 2020 e 2021, e não apenas os referentes à Raclac, os preços estiveram quase sempre entre os 11 e os 12 cêntimos por luva.
Pedro Miguel Costa, CEO da Raclac, prometeu “proteger os nossos”. E depois aumentou em mais de 400% o preço das luvas de nitrilo.
Poder-se-ia pensar que a procura, decorrente da pandemia, justificasse esta escalada de preços nas luvas, mas analisando as compras e consumos do Centro Hospitalar de São João, tal não se verifica. Com efeito, empregando mais de 6.500 funcionários, dos quais cerca de mil médicos e 2.500 enfermeiros, este centro hospitalar do Porto – que foi um dos principais clientes da Raclac – tinha consumido 18.073.322 luvas de nitrilo em 2019, aumentando para 19.110.645 de unidades em 2020 e para 19.448.235 de unidades em 2021.
Se considerarmos o biénio 2018-2019, o crescimento de consumo de luvas foi de 11% nos dois primeiros anos da pandemia, mas o preço unitário aumentou mais de 400%! Não há lei da Economia que explique tamanho desfasamento. Excepto se se acrescentar que não houve qualquer controlo de custos, nem regulação de preços nem transparência nos contratos. Pediu-se muita coisa aos portugueses, muitas empresas foram obrigadas a encerrar actividade para o bem comum, mas enquanto isso houve quem lucrasse, e muito, sem controlo.
Fonte oficial do CHSJ disse ao PÁGINA UM que foi a “instabilidade sistemática no fornecimento de bens” que justificou a opção pelos ajustes directos na compra de luvas de nitrilo, embora garanta que, “de forma permanente e sistemática”, houve sempre “consulta ao mercado tendo sempre procedido à adjudicação com base no menor preço e/ou na capacidade de entrega imediata, dada a urgência imperiosa deste bem para proteção dos profissionais de saúde e dos doentes com covid 19.” Uma situação incompreensível, tendo em consideração que a unidade fabril da Raclac garantia uma produção de 765 milhões de luvas por ano, segundo dados da própria empresa, divulgados em 2018.
Hospital de São João aumentou consumo de luvas de nitrilo em 11%, mas preços mais que quintuplicaram.
No entanto, apesar de assegurar que “este trabalho” de consulta prévia se encontra “profundamente documentado no Serviço de Aprovisionamento, de forma transparente – quem foi contactado, que preços apresentava, qual a quantidade que possuía para entrega” –, o CHSJ não satisfez ainda um pedido do PÁGINA UM para facultar essa documentação. De igual modo, o CHSJ não indicou os montantes globais gastos em luvas de nitrilo entre 2017 e 2022, conforme pedido pelo PÁGINA UM, para se calcular os preços unitários em cada ano.
O CHSJ referiu ainda que a aquisição de luvas de nitrilo ficou bastante condicionada ao longo da pandemia, porque sempre que se tentou lançar concursos públicos, estes acabavam vazios, como sucedeu em Dezembro de 2020. Actualmente, os preços baixaram com o fim, mais ou menos oficial, da pandemia, para valores próximos dos 2 cêntimos por unidade.
Não sendo o único caso de enriquecimento repentino e absurdo à conta da pandemia, os benefícios da Raclac com os negócios de descartáveis hospitalares é um paradigma do descontrolo na gestão dos dinheiros públicos na área da Saúde desde 2020.
Antes da pandemia, a empresa nortenha tinha uma situação razoável para pequena e média empresa (PME) em fase de crescimento sustentado. Em 2017 facturou, segundo a imprensa local, cerca de 10,5 milhões de euros. Dois anos mais tarde, em vésperas da pandemia, a empresa terminou o ano (2019) com receitas da ordem dos 12,5 milhões de euros e um lucro de 330.668 euros. Não era mau, embora sem deslumbrar em demasia.
Pandemia, mais ajustes directos, mais muitas luvas entregues a torto e a direito, e a preços exorbitantes, e 2020 transformou-se num jackpot para a Raclac. A facturação subiu para os 51,8 milhões de euros e os lucros… bem, os lucros tornaram-se elásticos e foram catapultados para os 14.047.527 euros.
Contas feitas, os lucros do ano de 2020 da Raclac valeram mais de 42 vezes os lucros do ano anterior, muito por conta das luvas de nitrilo e dos preços especulativos do material descartável de uso hospitalar.
Perante tão lucrativa avalanche destes resultados, parecerá quase irrelevante referir que, por força do desempenho industrial e comercial, os quatro administradores da Raclac fizeram subir os seus salários: em 2019 tinha recebido um total de 178 mil euros, passando para os 268 mil euros em 2020. No ano passado aumentaram os seus salários para 351 mil euros.
Em todo o caso, e como o mercado se foi tornando ainda mais concorrencial – apesar dos ajustes directos terem feito “escola” ao longo da pandemia –, com a entrada de mais empresas a comercializarem estes produtos, a Raclac não repetiu em 2021 o “euromilhões” de 2020. O relatório e contas do ano passado desta empresa, consultado pelo PÁGINA UM, revela uma facturação já só de 17 milhões de euros.
E 2021 até poderia ter ficado no vermelho para a Raclac, porque os custos operacionais, as depreciações e os juros “sugaram” todas as receitas e muito mais. Mas uma (criativa mas legal) operação contabilística e fiscal permitiu transformar um prejuízo de quase 140 mil euros num resultado positivo de 692 mil euros, por força do recebimento de impostos diferidos no valor de 830 mil euros.
A Raclac refuta qualquer acusação de ter praticado preços especulativos, relembrando que, em Abril de 2020, após acusações no programa Sexta à 9 (RTP), solicitaram uma auditoria à ASAE, “não resultando desse processo a identificação de qualquer política especulativa ou não conformidade com o ordenamento em vigor durante a pandemia em termos de pricing e margens”, segundo a empresa. E informam ainda que, por causa desta reportagem, apresentaram “queixa contra terceiros junto do Ministério Público”.
A empresa justifica o aumento do preço das luvas por não ter sido possível automatizar a produção pela urgência em dar resposta à procura, e daí ter sido necessário contratar “mais de 200 trabalhadores temporários”, além da “escalada dos preços das matérias-primas e dos produtos” para o fabrico. Pedro Brandão, administrador financeiro desta empresa, diz que “vimos crescer [os preços] em alguns casos” das matérias-primas e produtos “quatro ou cinco vezes o seu valor habitual”.
Convém, no entanto, referir que essas justificações não encontram sustentação nas contas da empresa ao nível das receitas e dos custos. Com efeito, sendo certo que entre 2019 e 2020, a Raclac quase duplicou os custos com pessoal (passando de 797 mil para 1,5 milhões de euros) e os custos de matérias-primas e produtos subiram de 10,5 milhões para 24,4 milhões de euros, a variação das receitas mais do que encaixaram tudo isto. Em vendas, o ano de 2019 tinha facturado 12,5 milhões de euros; e um ano depois atingiu 51,8 milhões de euros, ou seja, uma variação de 39,3 milhões de euros. A margem operacional da empresa melhorou extraordinariamente, de cerca de 6% em 2019 para 37% em 2020. Isto é, sextuplicou. E por uma razão simples: vendeu mais mas vendeu muitíssimo mais caro.
Entretanto, o Ministério da Saúde não manifestou disponibilidade para comentar o modus operandi da aquisição de material descartável pelas unidades do Serviço Nacional de Saúde durante a pandemia.
Depois da Provedora de Justiça Europeia e do Tribunal de Contas Europeu, foi a vez da Procuradoria Europeia se pôr em campo para investigar a compra das vacinas contra a covid-19 pela Comissão Europeia. Mensagens e telefonemas feitos por telemóvel com o presidente-executivo da Pfizercolocaram Ursula von der Leyen no centro da polémica, que recusa divulgar as SMS trocadas com Albert Bourla. Não é a primeira vez que a alemã se vê no centro de uma polémica envolvendo um contrato milionário. Quando era ministra da Defesa da Alemanha também surgiram suspeitas, mas von der Leyen seria ilibada de responsabilidades em Junho de 2020.
Here I go again! Aqui vou eu outra vez!. Deve ter sido isto, ou coisa parecida, que a presidente da Comissão Europeia pensou quando, na semana passada, a Procuradoria Europeia anunciou que está a investigar os contratos secretos celebrados com a farmacêutica Pfizer.
A investigação em curso anunciada por aquela instituição europeia não nomeia as pessoas cujas ações serão escrutinadas. Contudo, o nome de Ursula von Der Leyen não deve escapar; tem sido ela a aparecer no centro da polémica, por dúvidas sobre se esteve directamente envolvida nas negociações de um contrato multimilionário com a Pfizer. Ao todo, sabe-se, a Comissão Europeia comprou 4,6 mil milhões de doses de vacinas contras a covid-19, gastando já 71 mil milhões de euros.
O cerco em torno da Comissão Europeia começa agora a apertar para apurar como foram negociados os contratos, e porque são os países-membro da Europa obrigados a comprar vacinas que cobrem várias vezes as necessidades.
Mas a polémica em torno da compra das vacinas à Pfizer já vem de longe, com vários desenvolvimentos de relevo.
Em Abril de 2021, a presidente da Comissão Europeia afirmou, numa entrevista ao New York Times, que trocou mensagens de texto (SMS) e telefonemas com o presidente-executivo da Pfizer, Albert Bourla, durante um mês, numa altura em que estava a ser negociado um grande contrato com a farmacêutica.
O contrato efetuado naquela altura tornou a União Europeia o maior cliente da Pfizer até então. Em causa estava a compra de 1,8 mil milhões de doses da nova vacina desenvolvida pela Pfizer em conjunto com a alemã BioNTech.
O jornalista Alexander Fanta, do jornal digital alemão Netzpolitik.org, pediu o acesso às SMS ao abrigo da lei de acesso a informação. Mas a Comissão Europeia indicou que já não tinha as mensagens.
Emily O’Reilly, provedora da Justiça Europeia
Contudo, em Janeiro deste ano, a provedora de Justiça da União Europeia (UE), Emily O’Reilly, acusou a Comissão Europeia de má administração por falhar em entregar as mensagens de texto trocadas entre Ursula Von der Leyen e o CEO da Pfizer. E exigiu à Comissão que procurasse melhor as SMS. Em todo o caso, o inquérito foi encerrado em Julho passado, sem a Comissão ter entregado as mensagens, não apagando assim as suspeitas, pelo contrário.
Num duro comunicado, a Provedora de Justiça Europeia considerou que o inquérito “sobre a forma como a Comissão (Europeia) tratou um pedido de mensagens de texto entre a sua presidente e o CEO de uma empresa farmacêutica é um alerta para todas as instituições da União Europeia no sentido de garantir a responsabilização numa era de mensagens instantâneas”.
Salientou que “um ano após o pedido inicial de um jornalista, a Comissão (Europeia) ainda não esclareceu se existem mensagens relatadas que dizem respeito a grandes acordos de aquisição de vacinas e se o público tem direito a vê-las”.
O’Reilly foi bastante assertiva sobre a actuação da Comissão Europeia, censurando o mau exemplo que foi dado ao longo do processo. “A resposta da Comissão às minhas perguntas não esclareceu a questão básica de saber se as mensagens de texto existem, nem clarificou como a Comissão responderia a um pedido específico de outras mensagens de texto”, disse a provedora, citada no mesmo comunicado.
E aproveitou para dar mais raspanetes: “O tratamento deste pedido de acesso a documentos deixa a lamentável impressão de uma instituição da União Europeia que não está disponível em assuntos de interesse público significativo”.
Outro desenvolvimento importante no caso da compra das vacinas à Pfizer ocorreu no mês passado. O Tribunal de Contas Europeu publicou um relatório onde afirmou que a Comissão Europeia também recusou divulgar detalhes do papel de Ursula von der Leyen nas negociações com a Pfizer.
O Tribunal de Contas descobriu que o contrato gigantesco com a Pfizer, assinado em Maio de 2021, foi feito à revelia dos procedimentos habituais. Para os restantes contratos de compras de vacinas com as outras farmacêuticas, o procedimento foi seguido.
Segundo informação oficial, é a Comissão que, “a par de uma equipa de negociação conjunta, conduz as negociações com os fornecedores de vacinas”, acrescentando que “os membros da equipa de negociação conjunta — em representação de sete Estados-Membros — são nomeados por um Comité Diretor”. É este Comité que “discute e analisa todos os aspetos dos contratos ao abrigo do acordo prévio de aquisição (APA) antes da assinatura”. E todos os Estados-Membros da União Europeia “estão representados neste comité, que se reúne semanalmente”.
Tony Murphy, presidente do Tribunal de Contas Europeu
Estranhamente, no caso do grande contrato feito com a Pfizer, foi a própria Ursula von der Leyen que levou a cabo as negociações iniciais, em Março de 2021. No mês seguinte, ela levou os resultados das negociações ao Conselho Director. Uma reunião planeada para 2022, que iria reunir assessores científicos para debater a estratégia de vacinas da União Europeia, nunca aconteceu, segundo o relatório do Tribunal de Contas.
Também contrariando os procedimentos habituais, a Comissão Europeia recusou fornecer documentos e informações sobre as negociações com a Pfizer, como actas de reuniões e condições negociadas. Um auditor que ajudou a liderar a investigação admitiu ao jornal Politico que a recusa da Comissão em divulgar informações era altamente incomum. “Isso quase nunca acontece. Não é uma situação que normalmente enfrentamos no tribunal”, disse o auditor, que pediu anonimato.
Há mais de um ano que eurodeputados, instituições europeias e membros da sociedade civil pedem o acesso aos contratos secretos negociados com a Pfizer.
Na semana passada, as suspeitas em torno dos contratos com esta farmacêutica alemã – que tem ultrapassado a Moderna, a Janssen e a AstraZeneca no chorudo negócio das vacinas contra a covid-19 – aumentaram com a entrada em cena da Procuradoria Europeia. Na sequência deste anúncio, a presidente da Comissão Especial sobre a pandemia de covid-19 no Parlamento Europeu, Kathleen van Brempt, surpreendeu os seus colegas com declarações no Twitter, questionando, pela primeira vez, os contratos feitos com a Pfizer e o volume de vacinas compradas, bem como o montante pago pela União Europeia.
Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia
Apesar disso, a farmacêutica norte-americana nega qualquer irregularidade nas negociações. No passado dia 10, a presidente da International Development Markets da Pfizer, Janine Small, afirmou que o contrato para a venda de 1,8 mil milhões de doses não foi acordado através de SMS. “Posso dizer categoricamente que não foi o caso”, afirmou este alto quadro da farmacêutica norte-americana numa inquirição no Parlamento Europeu da Comissão Especial sobre a pandemia de covid-19, citada pela Reuters. Recorde-se que Janine Small admitiu também, nesse dia, que não tinham sido testados, nos ensaios clínicos antes da aprovação das vacinas, qualquer alegado efeito de redução da transmissibilidade nos vacinados, algo que esteve na base da introdução do certificado digital.
Certo é que, mais do que a Comissão Europeia, a própria presidente da instituição tem sido o rosto das políticas drásticas que a União Europeia adoptou na gestão da pandemia, incluindo a maior operação de segregação registada desde a Segunda Guerra Mundial. Com efeito, o certificado digital serviu como “arma” para pressionar os europeus a tomarem várias doses de vacinas contra a covid-19.
Ursula von der Leyen foi uma das muitas responsáveis da Comissão Europeia, sendo acompanhada pelos líderes dos diferentes países europeus, a falar em “pandemia de não-vacinados”, instigando as pessoas a vacinarem-se. Como se foi confirmando ao longo de 2021, e sobretudo depois do surgimento da variante Ómicron, a transmissão da infecção ocorre tanto entre vacinados como não-vacinados. Mesmo assim, a Comissão Europeia prolongou a validade do certificado digital até Junho de 2023, embora actualmente o seu uso esteja virtualmente suspenso.
Albert Bourla, presidente-executivo da Pfizer
Não é a primeira vez que Ursula von de Leyen surge numa polémica de contratos milionários opacos envolvendo mensagens e chamadas por telemóvel. A actual presidente da Comissão Europeia foi investigada quando era ministra da Defesa da Alemanha, entre 2013 e 2019. Ursula von der Leyen acabou por ser ilibada no chamado “Caso do Consultor”, em Junho de 2020, mas também aqui houve telefonesàmistura.
Os partidos então no Governo na Alemanha acabaram por absolver a agora presidente da Comissão Europeia no escândalo sobre a contratação milionária de consultores externos, sem a devida fiscalização e escrutínio. A absolvição surgiu num relatório que resultou de uma Comissão Especial parlamentar que investigou o caso. Em todo o caso, Ursula von der Leyen admitiu, naquela Comissão, que “erros foram cometidos” na contratação de consultores, segundo o Politico.
As principais críticas não se dirigiram à contratação de consultadoria externa, mas ao método. Durante a investigação, Ursula von der Leyen foi criticada porque os dados de dois telemóveis oficiais, que utilizou durante o tempo em que foi ministra da Defesa, foram apagados. Esses dados poderiam ser prova na investigação.
Sobre o assunto, von der Leyen disse, numa entrevista ao Spiegel que terá entregado os dois telemóveis e acrescentou que não foi responsável por qualquer acto de eliminação de dados. “Terá de perguntar o que lhes aconteceu. Os equipamentos pertencem ao Ministério e tinham de ser devolvidos”, afirmou.
Mas a procissão para esclarecer as dúvidas em torno dos contratos assinados com a Pfizer ainda estará agora no adro, somando-se ainda a gestão política da Comissão von der Leyen na guerra da Ucrânia e o método para suprir a crise energética e a subida vertiginosa da inflação no espaço comunitário. Do sucesso desta estratégia depende o seu futuro político, até porque tem colocado “todas as fichas” na derrota da Rússia.
No seu recente discurso anual, no dia 14 de setembro, Ursula von der Leyen frisou que a Europa tem estado do lado da Ucrânia desde o primeiro dia “com armas”, “com fundos” e com “as sanções mais duras [aplicadas à Rússia] que o Mundo já viu”. Disse que a Europa ficará do lado da Ucrânia “o tempo que for preciso”, sinalizando um Inverno duro para os europeus.
É ilegal, mas nenhum regulador consegue multar ou aplicar sanções aos estabelecimentos comerciais que recusarem aceitar dinheiro físico como meio de pagamento. Só uma mudança na lei pode travar a discriminação dos consumidores e travar os infractores. Banco de Portugal diz que vai esperar por mudanças a nível europeu.
O caso é insólito. Os reguladores confirmam que recusar aceitar dinheiro como meio de pagamento é ilegal. Mas nem a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) nem o Banco de Portugal dispõem de base legal para multar os comerciantes que cometem esta ilegalidade. Também não podem levantar processos de contraordenação. Isto porque a lei não impõe quaisquer coimas ou outro tipo de sanções sempre que uma entidade não aceita notas e moedas para pagamentos de bens e serviços.
Numa altura em que já há (embora poucos) estabelecimentos que recusam aceitar numerário – como é o caso do Time Out Market Lisboa–, os reguladores estão de mãos atadas e não podem actuar para proteger os consumidores. Só uma alteração da legislação pode acabar com a discriminação em relação aos consumidores mais vulneráveis e sem acesso a meios de pagamento digitais.
A “moda” ainda muito recente de se recusar notas e moedas de euro, além de ser ilegal, constitui um acto discriminatório, já que os consumidores sem acesso a meios de pagamento digitais são excluídos.
A ASAE confirma a ilegalidade da prática. Mas não tem como agir. Em resposta a questões do PÁGINA UM, a ASAE afirmou que, salvo as excepções previstas na lei, “o operador económico não poderá recusar aceitar o pagamento em numerário, porque, em boa verdade, tais situações carecem de cobertura legal que a justifique e fundamente”.
“Todavia, e não obstante a obrigação que recaiu sobre os operadores económicos, caso estes recusem aceitar pagamentos em numerário, o legislador não previu norma punitiva, pelo que se entende que tal prática não configura uma contraordenação, em virtude de falta de disposição legal que a tipifique enquanto tal”, adiantou.
Segundo o Banco de Portugal, a tendência adoptada por alguns lojistas é proibida, sendo obrigatória a aceitação de notas e moedas de euro para pagamentos. De acordo com o regulador, “as moedas correntes têm curso legal em toda a área do euro, ou seja, têm de ser aceites como meio de pagamento, pelo seu valor nominal (isto é, pelo valor inscrito na moeda), em todos os países que fazem parte desta área, independentemente de onde tenham sido emitidas”.
O Time Out Market Lisboa recusa aceitar dinheiro físico
Contudo, os reguladores apontam existir uma lacuna na lei, a qual não prevê punições para os infractores. O legislador não ponderou que um dia haveria o caso de alguém recusar numerário.
A situação é crítica para muitos consumidores. O numerário (notas e moedas) continua a ser o meio de pagamento mais usado em Portugal.
A ASAE lembrou, citando a lei, que, em Portugal, pode ser recusado dinheiro como meio de pagamento apenas se as recusas forem “fundadas na boa-fé”, por exemplo, “em caso de desproporcionalidade entre o valor da nota apresentada pelo devedor relativamente ao montante devido ao credor do pagamento ou mediante acordo das partes em usar outro meio de pagamento” .
Também “ninguém é obrigado a aceitar, num único pagamento, mais de 50 moedas de euro correntes, com excepção do Estado”. A lei também estipula “uma punição para a realização de transações em numerário que excedam os limites legalmente previstos”.
A ASAE frisou que, por outro lado, segundo a Lei de Defesa dos Consumidores, “não existe qualquer ofensa aos direitos dos consumidores, nos casos de não aceitação de pagamentos em cartão ou que só aceitam esta forma de pagamento quando estão em causa determinados valores, desde que se encontre publicitado no estabelecimento, de forma clara, objetiva e adequada”.
Questionado sobre se o Banco de Portugal admite corrigir a situação para fazer prevalecer a lei, a instituição liderada por Mário Centeno afirmou que vai aguardar que sejam tomadas decisões a nível da União Europeia, numa altura em que avançam os esforços para o lançamento do euro digital.
Em resposta a perguntas do PÁGINA UM, o Banco de Portugal esclareceu que “tal como referido no Relatório sobre Emissão Monetária de 2021, estão em curso trabalhos a nível europeu que permitam endereçar esta questão da forma mais harmonizada possível entre os vários bancos centrais da área do euro”.
Mário Centeno, governador do Banco de Portugal
Disse ainda que “para além disso, a Comissão Europeia, através de um grupo de trabalho dedicado ao curso legal do numerário integrando representantes dos vários Estados Membros, encontra-se a avaliar a necessidade de introduzir alterações no atual regime legal”.
No mesmo Relatório, o banco central destaca que “o numerário constitui a única forma de dinheiro público a que todos, mesmo os que não utilizam serviços bancários, podem aceder diretamente” pelo que “é, por conseguinte, determinante para a inclusão financeira”.
Deste modo, “as notas e moedas continuam a desempenhar um papel crucial na área do euro: embora a sua utilização como meio de pagamento tenha diminuído durante a pandemia, a procura por numerário tem aumentado”.
No final de 2021, as notas e moedas de euro em circulação somavam 1.576 mil milhões de euros, segundo o supervisor financeiro. No final de 2019, antes da pandemia, esse valor era de 1.323 mil milhões de euros, “ou seja, em dois anos registou-se um aumento de 19%”.
O banco central diz ainda que “esta evolução constitui um indício inquestionável de que, apesar da crescente digitalização da atividade económica, o dinheiro físico continuará a desempenhar um papel importante no futuro, pelo que se impõe continuar a garantir o acesso e a aceitação generalizada do numerário, a par do desenvolvimento de notas inovadoras e sustentáveis”.
O PÁGINA UM questionou também o Ministério das Finanças sobre se Governo admite adoptar medidas, nomeadamente de proteção ao consumidor, mas não recebeu resposta até à hora de publicação deste artigo.
Segundo uma recomendação divulgada pela DECO – Associação de Defesa do Consumidor, “é essencial garantir que numa economia cada vez mais digital, os consumidores dependentes de dinheiro físico não sejam excluídos e que o direito de escolha sobre o meio de pagamento a utilizar seja uma decisão individual, baseada em informação clara e adequado à sua realidade”.