Categoria: Economia

  • Valor recorde este ano: discriminação salarial entre homens e mulheres agrava-se nos serviços

    Valor recorde este ano: discriminação salarial entre homens e mulheres agrava-se nos serviços

    Uma coisa são as intenções, outra a realidade. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados esta quarta-feira, trazem aparentes boas notícias: no segundo trimestre deste ano atingiu-se o mais elevado rendimento médio mensal líquido dos trabalhadores por conta de outrem, embora uma parte tenha sido ‘comido’ pela inflação dos últimos anos. Mas nem tudo são rosas, longe disso. Apesar de todos os sectores estarem em crescimento, no caso dos serviços a diferença de rendimentos entre homens e mulheres atingiu, no segundo trimestre deste ano, o valor mais elevado desde que o INE iniciou os registos em 2011. Aliás, nos serviços, comparando a evolução no último quinquénio, o aumento absoluto no rendimento dos homens foi de 240 euros contra apenas 213 euros das mulheres.


    O rendimento médio mensal líquido dos empregados por conta de outrem atingiu o valor mais elevado de sempre, mas a inflação tem vindo a ‘comer’ parte deste acréscimo dos últimos anos, enquanto as disparidades salariais entre homens e mulheres no sector dos serviços alcançou mesmo um máximo no segundo trimestre deste ano, de acordo com dados divulgados ontem pelo Instituto Nacional de Estatística.

    Analisando a série de dados desde 2011 sobre o rendimento dos trabalhadores depois da dedução do imposto sobre o rendimento (IRS), das contribuições obrigatórias dos empregados para regimes de Segurança Social e das contribuições dos empregadores para a Segurança Social, o PÁGINA UM conclui que existem mais motivos de preocupação do que de satisfação.

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    No ‘mundo’ dos serviços, a discriminação salarial continua e até aumentou para valores record em Portugal no segundo trimestre deste ano.

    Não contabilizando a inflação, cada trabalhador por conta de outrem ‘levou para casa’, em média, no segundo trimestre deste ano mais 321 euros do que no início de 2011, tendo amealhado agora 1.137 euros. É a primeira vez que este rendimento médio ultrapassou a fasquia dos 1.100 euros. Em comparação com o trimestre anterior, registou-se um aumento de 3,8%, sendo de 8,9% face ao período homólogo do ano passado. E se se recuar cinco anos, para o segundo trimestre de 2019, o aumento é de 24,5%.

    Porém, a inflação terá anulado parte significativa deste incremento nos rendimentos, considerando que o índice de preços no consumidor (IPC) subiu 13,9% entre 2019 e 2023, alcançando mesmo os 28,5% no caso dos produtos alimentares não transformados. Ou seja, para a compra de muitos alimentos, a inflação ‘comeu’ essa aparente melhoria.   

    O sector agrícola e afins tem registado, mesmo assim, uma melhor evolução em termos relativos nos últimos cinco anos, tendo os trabalhadores passado de um rendimento médio mensal líquido de 692 euros no segundo trimestre de 2019 para os 933 euros no segundo trimestre deste ano. Em todo o caso, continua este a ser o sector com menores rendimentos face ao sector industrial, de construção, energia e águas (o tradicional sector secundário) e ao sector dos serviços (vulgarmente conhecido por sector terciário).

    Com efeito, no sector secundário, o último trimestre de 2023, conforme revelam os dados do INE, marcou a ultrapassagem simbólica dos 1.000 euros, que se consolidou agora. O segundo trimestre deste ano apresenta um rendimento médio líquido de 1.080 euros, mais 98 euros do que o período homólogo, e mais 230 euros do que há cinco ano, o que significa um aumento relativo de 27,1%.

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    Trabalhadores do sector primário têm os menores rendimentos, mas também a menor disparidade salarial entre homens e mulheres.

    Apesar do sector dos serviços ter contabilizado um incremento relativo menor no último quinquénio (23,5%), na verdade o aumento absoluto do rendimento líquido médio foi superior aos dos outros dois sectores. Tendo sido superada a fasquia dos 1.000 euros no primeiro trimestre de 2021, os trabalhadores do sector terciário tem registado um aumento consistente, exceptuando o período da pandemia em que se registou uma certa estagnação, com um aumento de apenas 71 euros em três anos (entre o segundo trimestre de 2020 e o primeiro trimestre de 2023). Mas desde este último período, ou seja, em cinco trimestres, o rendimento médio já subiu 115 euros, situando-se agora nos 1.162 euros, mais 221 euros do que há cinco anos.

    Contudo, as disparidades de rendimento entre homens e mulheres estão bastante longe de se dissipar, pelo contrário. No sector dos serviços, o último trimestre apresenta mesmo a maior diferença desde os registos do INE, cuja série começou em 2011 e que foram alvo de ‘reconciliação’ para permitir comparações. No segundo trimestre deste ano, a diferença entre o rendimento médio líquido dos homens e das mulheres no sector terciário nunca foi tão elevada, subindo para 244 euros, o que contrasta com os 166 euros do primeiro trimestre de 2014, a menor disparidade contabilizada desde 2011.

    Em todo o caso, o sector dos serviços é o único em que o rendimento líquido médio das mulheres ultrapassa os 1.000 euros, embora tal tenha acontecido apenas este ano, no primeiro trimestre. Nos outros dois sectores, as mulheres ainda estão bastante aquém dessa fasquia simbólica, embora a distância face aos homens seja menor. Para o segundo trimestre deste ano, no caso do sector industrial e afim, as mulheres ficaram, em média, com um rendimento de 984 euros, enquanto os homens arrecadaram 1.129 euros (diferença de 145 euros).

    Já no sector agrícola e afim, a diferença no segundo trimestre deste ano cifrou-se nos 103 euros, com os homens a registarem um rendimento líquido médio de 973 euros, que contrasta com os 870 euros das mulheres. Curiosamente, o sector primário é aquele onde a disparidade está menos acentuada, havendo trimestres onde se observa rendimentos quase similares, como sucedeu no terceiro trimestre de 2021, quando a diferença foi apenas de um euro.

    Evolução do rendimento médio mensal líquido entre homens e mulheres desde 2011 até ao segundo trimestre de 2024. Fonte: INE.

    Considerando apenas os valores absolutos, o aumento do rendimento médio mensal líquido foi mais favorável no último quinquénio para as mulheres nos sectores primário (277 vs. 203) e secundário (229 vs. 222), mas não no sector terciário, onde o aumento se quedou em 210 euros, que contrastou com uma subida de 247 euros para os homens.

    Por fim, um aspecto relevante que se destaca na evolução dos rendimentos é a redução das disparidades em cada sector de actividade, embora haja ainda diferenças significativas. Por exemplo, em 2011, o rendimento médio líquido de um trabalhador do sexo masculino no sector dos serviços era 58% superior ao de um homem a trabalhar no sector primário. Essa diferença agora é de 34%. No caso das mulheres que trabalhavam no sector dos serviços em 2011, apresentavam um rendimento de quase 64% superior ao de uma trabalhadora do sector primário. Essa diferença é agora de 22%.


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  • ‘Pseudo-milionário’ das cripto promovido pela TVI faz troça do Banco de Portugal

    ‘Pseudo-milionário’ das cripto promovido pela TVI faz troça do Banco de Portugal

    O site do suposto jovem milionário das criptomoedas, que foi promovido pela TVI numa reportagem polémica, há cerca de um ano, mantém-se activo e apresenta agora uma mensagem que aparenta ser também uma resposta ao Banco de Portugal. A entidade liderada por Mário Centeno tem a seu cargo a regulação e registo das empresas de criptomoedas em Portugal. Na sequência da reportagem da TVI, emitiu um alerta sobre o ‘jovem milionário’, Renato Duarte Júnior, e a sua suposta empresa, a Digital Bank Labs. Em resposta, o site da DBL diz que não tem planos para fazer negócios em Portugal, por ser “um dos países mais corruptivos da Europa”. Entretanto, a TVI já eliminou do seu site a reportagem, conduzida pela jornalista Conceição Queiroz, depois de ter levado um ‘puxão de orelhas’ do regulador dos media por não ter verificado a veracidade das informações sobre o ‘jovem milionário’ e a sua suposta empresa, os quais promoveu em horário nobre.


    O site do ‘jovem milionário das criptomoedas’, que foi promovido numa reportagem polémica da TVI em Junho do ano passado, continua operacional e a captar potenciais investidores, apesar dos alertas dos reguladores financeiros. Clicando no site mencionado pela TVI, dbl.pt, direcciona para um novo site que contém uma mensagem que aparenta ser uma resposta ao aviso que o Banco de Portugal fez sobre o ‘jovem milionário’ e a sua suposta empresa, Digital Bank Labs.

    O site com fundo preto apresenta em letras grandes o nome ‘Digital Bank Labs’ e, por cima, um aviso em inglês onde se pode ler: “tomámos a decisão de não continuar a utilizar o domínio .pt devido a preocupações regulatórias. Como não temos planos para registar a nossa empresa ou realizar negócios em Portugal, que tem sido identificado como um dos países mais corruptivos da Europa, vamos abandonar gradualmente a nossa associação a este domínio até 2024”.

    Esta mensagem surge na sequência de um aviso emitido pelo Banco de Portugal na sequência da forte polémica que se instalou após a emissão da reportagem da TVI, que continua disponível no site da estação de Queluz.

    Na reportagem, a jornalista Conceição Queiroz parecia estar deslumbrada com a vida de luxo do ‘jovem milionário’ e aparentava desconhecer o funcionamento do mercado de criptomoedas. A TVI nunca esclareceu se recebeu alguma contrapartida pela reportagem nem informou se a jornalista e restantes membros da equipa de reportagem da estação beneficiaram de viagens e estadia pagas pelo ‘jovem milionário’ ou a sua suposta empresa.
    (Foto: Captura a partir de imagem da reportagem da TVI)

    No aviso, publicado em Junho do ano passado, o supervisor financeiro advertia que “a suposta entidade ‘Digital Bank Labs’ e ‘Renato Júnior’ (Silvério Renato Carneiro Duarte, NIF 253371341) que atuam através do endereço de internet ‘http :// dbl.pt’, não estão, na presente data, nem nunca estiveram, habilitados a exercer, em Portugal, qualquer atividade financeira reservada às instituições sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, nomeadamente, atividades com ativos virtuais e rece[p]ção de depósitos ou outros fundos reembolsáveis”.

    Mas também a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e a Federação Portuguesa das Associações da Cripto Economia fizeram avisos aos investidores.

    Recorde-se que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) deu recentemente um ‘puxão de orelhas’ à TVI pela reportagem que promoveu a vida de luxo de Renato Duarte Júnior no Dubai e o seu alegado negócio de criptomoedas. Na reportagem, da jornalista Conceição Queiroz (CP 7851), em cenários luxuosos e idílicos gravados no Dubai, Renato Duarte Júnior (Silvério Renato Carneiro Duarte), é apresentado como o ‘milionário improvável’, rodeado de fausto.

    A reportagem foi transmitida em 21 de Junho de 2023 em horário nobre e gerou uma onda de contestação na Internet pelo carácter duvidoso das informações veiculadas pela reportagem, incluindo do próprio sector regulado das criptoactivos.

    No novo site da dbl.pt pode ler-se a seguinte nota, que aqui se reproduz em português: “Tomámos a decisão de não continuar a utilizar o domínio .pt devido a preocupações regulatórias. Como não temos planos para registar a nossa empresa ou realizar negócios em Portugal, que tem sido identificado como um dos países mais corruptivos da Europa, vamos abandonar gradualmente a nossa associação a este domínio até 2024”.

    Agora, no site da DBL, pode ainda ver-se um relógio em contagem decrescente prometendo o aparecimento de “Uma nova geração de plataforma de investimento privado e confidencial”, alegando que a DBL tem 2,3 mil milhões de dólares de activos sob gestão.

    No mesmo site, com o domínio ‘.capital’, para o qual os internautas são direccionados quando clicam em dbl.pt, é ainda mostrado um alegado portfólio de criptomoedas, incluindo 191,98 milhões de dólares em bitcoin. De resto, o site não tem mais nenhuma informação ou contactos, tendo apenas dois links para uma conta da rede social X (antigo Twitter) e para outra conta na plataforma de mensagens encriptadas Telegram.

    Contactado, o Banco de Portugal remeteu apenas para o aviso que emitiu no final de Junho de 2023, que foi publicado na sequência da celeuma que a transmissão da reportagem da TVI provocou.

    Apesar das queixas e dos avisos dos reguladores financeiros, a TVI manteve durante mais de um ano, até há poucos dias, a sua reportagem disponível no seu site na Internet. Na sua deliberação recente sobre o caso, a ERC instou a TVI a colocar uma advertência na reportagem. Mas a TVI optou mesmo por eliminar a reportagem do site, aparecendo agora apenas um fundo preto com o logo da TVI Player. O texto que anunciava a reportagem da jornalista Conceição Queiroz ainda pode ser lido aqui.

    A TVI decidiu eliminar a reportagem do seu site, depois de a ter mantido disponível, sem qualquer advertência, durante mais de um ano.
    (Foto: Captura a partir de imagem da reportagem da TVI)

    Este caso polémico veio expor a baixa literacia de muitos jornalistas na cobertura de temas financeiros, incluindo o do sector dos criptoactivos, e também a facilidade com que se podem promover negócios suspeitos num canal de TV de topo, em horário nobre. A tardia intervenção da ERC, que demorou um ano a decidir sobre as queixas que recebeu sobre a reportagem, é, ainda assim, melhor do que a reacção da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), que até hoje nunca se pronunciou sobre a polémica reportagem.

    Já a ERC, na sua deliberação, na sua análise, sugere ter havido amadorismo na elaboração da reportagem. “O caso em análise é eloquente quanto à necessidade de evidenciar a diferença de paradigma que deve existir entre, por um lado, os conteúdos oferecidos pelos órgãos de comunicação social, em especial os de natureza informativa, necessariamente marcados pela insubstituível intermediação crítica especializada do profissional jornalista e, por outro, os demais conteúdos audiovisuais criados por entusiastas, autodidatas ou quaisquer pessoas que não jornalistas, incluindo para fins promocionais, que a cada vez maior acessibilidade das tecnologias de informação e comunicação tem permitido banalizar”, afirmou na deliberação.


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  • Gestão da pandemia aumentou desigualdades entre ricos e pobres em Portugal

    Gestão da pandemia aumentou desigualdades entre ricos e pobres em Portugal

    O Coeficiente de Gini, um indicador reconhecido internacionalmente que mede a desigualdade na distribuição de rendimento foi actualizado na semana passada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) para o ano 2022 e revela um aumento da concentração de riqueza. Os dados indicam que 2020 foi de inversão, após este coeficiente ter atingido o valor mais baixo dos registos do INE, que representaria um sinal de melhor distribuição dos rendimentos entre toda a população. No primeiro ano da pandemia, com os lockdowns e restrições económicas, os ricos distanciaram-se ainda mais da população mais pobre, situação ligeiramente atenuada com o aumento de apoios sociais em 2021. Mas a inflação a partir de 2022 provocou uma nova aceleração nas desigualdades. Com os anos da pandemia, Portugal recuou assim aos tempos sombrios da influência da troika, quando os portugueses assistiram a um empobrecimento e concentração de riqueza nuns poucos.


    Já diz o ditado que ‘um mal nunca vem só’. Em 2020, além de ter surgido uma pandemia, os portugueses foram ainda castigados por uma gestão radical da crise de saúde pública que gerou, entre outros males, uma maior desigualdade na distribuição de rendimento no país. De facto, segundo dados actualizados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o primeiro ano das medidas restritivas da pandemia trouxe uma maior concentração de riqueza em alguns portugueses, face à generalidade da população. O cenário melhorou ligeiramente em 2021, mas no ano seguinte Portugal registou o maior nível de desigualdade de distribuição de rendimento em sete anos.

    De acordo com os dados do INE, o coeficiente de Gini – que mede a desigualdade na distribuição do rendimento – atingiu os 39,4% em 2022, o valor mais alto desde 2016. Este indicador do INE “visa sintetizar num único valor a assimetria” da distribuição de rendimento e assume valores entre zero e 100. Quanto mais baixo for o valor do indicador mais indivíduos têm igual rendimento. Quanto mais alto for, mais o rendimento se concentra em menos pessoas.

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    O indicador vinha a registar uma evolução favorável desde 2015, observando-se uma redução na desigualdade e uma menor concentração de riqueza em menos indivíduos. Isto depois de ter atingido os 40% nos anos em que a população mais vulnerável sofreu com a austeridade acordada com a ‘troika’, na sequência do ‘resgate’ financeiro do país, no Governo socialista de José Sócrates.

    Em 2013, o coeficiente de Gini atingiu mesmo os 40,8%. Desde então, foi-se mantendo abaixo dos 40% e, a partir de 2015, entrou numa tendência descendente, com um maior equilíbrio na distribuição de rendimento no país.

    Contudo, em 2020, o indicador disparou para 39% face aos 37,3% registados no ano anterior. Em 2021, melhorou para 37,7% mas voltou a subir, fixando-se em 39,4% em 2022.

    Coeficiente de Gini do rendimento monetário bruto por adulto equivalente (%). Fonte: INE (dados actualizados em 18 de Julho)

    Em resumo, as duas últimas crises em Portugal, e a sua gestão em termos políticos e económicos, trouxeram bençãos a alguns poucos, que viram a sua riqueza acumular, e trouxeram mais pobreza à generalidade dos portugueses.

    Nos anos da pandemia, a classe do ‘portátil’, como ficou conhecida, beneficiou com confinamentos e fecho de escolas e de actividades e serviços. Ficam na memória as partilhas de fotografias nas redes sociais de alguns a trabalhar no seu portátil em cenários idílicos nas suas casas de praia e de campo. Enquanto isso, os trabalhadores da indústria, por exemplo, continuaram a ir trabalhar, mas muitos sofreram com menores salários, decorrentes de ‘lay-offs, e até despedimentos. Famílias inteiras de classes mais baixas ficaram confinadas, muitas em pequenos apartamentos ou habitações sem condições.

    Por outro lado, as moratórias no crédito beneficiaram, sobretudo, os que já tinham casa própria e acesso a crédito à habitação, ficando com folga no orçamento mensal para acumular poupança.

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    (Foto: D.R.)

    Mas as medidas extremas e restritivas impostas na pandemia em muitos países, incluindo Portugal, tiveram também impacto ao nível dos preços de bens e serviços, que se prolongaram e acumularam com outros efeitos, como o da guerra na Ucrânia, diminuindo ainda mais o ‘valor do dinheiro’.

    As medidas adoptadas na pandemia, que cimentaram a evolução crescente da inflação, levaram ao previsível aumento das taxas de juro que, nos últimos anos, colocaram muitas famílias e empresas à beira de um ataque de nervos, sem conseguir fazer face ao disparar do custo das suas dívidas.

    Assim, é provável que o indicador de desigualdade de distribuição de rendimento em Portugal não apresente melhores em 2023 e 2024, mas só quando o INE voltar a actualizar os dados do coeficiente de Gini se saberá.


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  • Start Campus com contas atrasadas e em falência técnica

    Start Campus com contas atrasadas e em falência técnica

    Foi anunciado em 2021 com pompa e circunstância como o maior investimento estrangeiro desde a Autoeuropa, mas o ‘data center’ de Sines será sobretudo lembrado como o epicentro de um terramoto político de Novembro do ano passado que levou à queda do Governo Costa, com as réplicas ainda a sentirem-se. No terreno, as obras mantêm o seu curso, mas o primeiro edifício está já com atraso assinalável, tal como as contas da própria empresa. Somente no final do mês passado, a empresa detida por dois fundos divulgou as contas de 2022, com um ano de atraso, revelando um estilo de investimento muito peculiar: os accionistas não estão a investir o seu dinheiro – e os capitais próprios até já estão negativos, o que significa falência técnica – e optam por atrair empréstimos obrigacionistas. Até agora, tem tido sucesso, tanto assim que conseguiram duas ‘injecções’ de 45 milhões de euros nos últimos seis meses- Os bónus fiscais desta opção para accionistas e obrigacionistas são evidentes, mas torna também opaca a origem dos verdadeiros financiadores.


    Em Abril de 2021, o então secretário de Estado da Internacionalização, o socialista Eurico Brilhante Dias, anunciava que um megacentro de dados global (data centre), com capitais anglo-americanos, tinha “potencial de ser o maior investimento estrangeiro captados pelo país desde a Autoeuropa”, num volume de até 3,5 mil milhões de euros.

    Na assinatura do contrato entre a empresa responsável – a Start-Sines Transatlantic Renewable & Technology Campus e a AICEP – esteve então a ‘fina nata’ do Governo: o primeiro-ministro António Costa, os ministros da Economia, Pedro Siza Vieira, e das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e ainda o secretário das Comunicações, Hugo Santos Mendes. Com início da construção em 2022, o chamado Sines 4.0, o primeiro dos cinco edifícios projectados deveria estar inaugurado no final de 2023.

    Maquete da Start Campus.

    Mas três anos depois, além de já ter causado indirectamente a queda do Governo socialista, no âmbito da Operação Influencer, além da Start Campus ter falhado as previsões iniciais para a conclusão da primeira fase da obra, mostra uma gestão financeira e contabilista profundamente amadora pouco condizente com pergaminhos de quem se anunciava como um dos grandes investimentos estrangeiros em Portugal nas últimas décadas. Paradigmático disso é o facto de somente no final de Junho, com um atraso de 12 meses, terem sido depositadas as contas de 2022 – e as referentes a 2023 deverão ter similar atraso.

    Mas o atraso não é o pior: para uma empresa detida pelos fundos Foxford Capital (76,5%) e Pioneer Sines (23,5%) – onde se esperaria uma solidez inquebrantável na fase inicial dos investimentos, sem ainda haver receitas –, a descapitalização é a palavra de ordem, estando os investimentos a decorrer exclusivamente através do recurso à emissão de obrigações. Com efeito, de acordo com as demonstrações de resultados de 2022, acabou com um prejuízo 6,5 milhões de euros que, a juntar aos resultados transitadas (dos anos anteriores), ‘empurrou’ os capitais próprios para terreno negativo (-4,7 milhões de euros). Isto é, a empresa está em falência técnica.

    A falência técnica da Start Campus – que ter-se-á mantido em 2023, porque não se registaram quaisquer aumentos de capital – será, porém, sobretudo uma estratégia financeiras, mesmo que pouco ortodoxa, de maximizar os investimentos que têm vindo da emissão de obrigações particulares, sob gestão da empresa irlandesa Adare Finance.  Isto porque, apesar da aparente fragilidade do capital investido pelos dois accionistas (cerca de 4 milhões de euros, já ‘esgotado’ há muito pelos prejuízos anuais), tem havido injecção de dinheiro através de emissões obrigacionistas. Desde o ‘terramoto político’ de Novembro do ano passado, a Start Campus emitiu no antepenúltimo dia de 2023, uma emissão de 25 milhões de euros, e já este ano, no início de Abril, houve outra de 20 milhões de euros. No total, as 16 séries de obrigações emitidas, e que já totalizam cerca de 253 milhões de euros, o que revela que existem investidores (anónimos) pouco interessados em ver o polémico projecto.

    Estaleiro das obras em Maio de 2023. A empresa não tem fotos nas redes sociais da actual fase.

    Com o acumular de prejuízos – e até à eventualidade das receitas futuras começarem a dar lucros aos accionsitas da Start Campus -, o investimento por via de obrigacionistas (que, na verdade, podem até ser os accionistas, por estes serem fundos), mostra ser estratégia não desprovida de lógica, sendo em teoria até mais apetecível do ponto de vista financeiro a curto e longo prazo, embora com risco. Com efeito, os juros – que, no caso das obrigações da Start Campus eram, até 2022, de 10% – são sempre um rendimento anual para os obrigacionistas, enquanto os accionistas só recebem quando há lucros. Não havendo ‘falhas’ (default), os obrigacionistas recebem, passado o período, o investimento inicial de volta sem pagar impostos, ao contrário do que sucede com a saída de capitais próprios. Em teoria, os obrigacionistas não mandam numa empresa, mas se esta está com capitais próprios negativos, como sucede com a Start Campus, a realidade pode ser outra.

    Sendo certo que os juros também pagam impostos, o facto de o serviço de dívida ir “empurrar” bastante os resultados para os prejuízos nos próximos anos, faz com que a Start Campus acabe por receber infindáveis bónus fiscais por via dos chamados activos por impostos diferidos. Por exemplo, sem essa regra contabilística, a Start Campus teria apresentado um prejuízo de 8,2 milhões de euros em 2022, em vez dos 6,5 milhões de euros declarados. E tudo isto encurta e muito o retorno do investimento – isto, claro, se o negócio não implodir entretanto. Por parte do Estado, investimento estrangeiro através de fundos é sempre algo arriscado, porque se mostra mais complexo conhecer quem está por detrás do investimento.

    O PÁGINA UM pediu esclarecimentos e informações à Start Campus, mas ninguém se manifestou disponível para falar oficialmente. Na rede social Facebook, a empresa deixou de actualizar a informação desde o final do ano passado, embora no LinkedIn continue activa, tendo mesmo anunciado hoje a nomeação de dois administradores.


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  • ‘Business as usual’: alheia à crise política, Start Sines Campus arrecada mais 25 milhões de euros para investir

    ‘Business as usual’: alheia à crise política, Start Sines Campus arrecada mais 25 milhões de euros para investir


    Portugal deve ser mesmo um país excelente para investimentos. Mesmo se um projecto espoletar indícios de falcatrua, tráfico de influências e prevaricação, com queda de Governo e processos judiciais à mistura, pode tudo continuar como se nada se passasse. E assim é no caso da empresa Start Sines Campus, no ‘olho do furacão’ da Operação Influencer, que deliberou há três semanas um novo empréstimo obrigacionista de valor chorudo: 25 milhões de euros. Na verdade, ‘enxotados’ os dois administradores portugueses no início do escândalo de Novembro passado, tudo aparenta estar como estava, incluindo a não revelação das contas da empresa do exercício de 2022. O atraso nesta obrigação tributária já vai em quase seis meses. Mas, quem se importa com isso?


    Caiu um primeiro-ministro, caiu um Governo, caiu uma Assembleia da República, caíram administradores de empresas, caiu o Carmo e a Trindade que alimentou o mundo mediático e o mundo político em Portugal, vai realizar-se eleições legislativas em 10 de Março, mas a Terra continuou a rodar em torno do Sol, e os negócios a correr e a prosperar. Mesmo os da Start – Sines Transatlantic Renewable & Technology Campus.

    Aparentemente imune ao ‘terramoto político’ que desencadearam as buscas em 7 de Novembro passado a São Bento – e as detenções de Vítor Escária e de Diogo Lacerda Machado –, a empresa que está, desde Abril de 2022, a construir uma mega-centro de dados em Sines, não abrandou os trabalhos nem a atracção e interesse de investidores, que aparentam acreditar num projecto apoiado até por uma “lei malandra”, que coloca António Costa sob suspeita de crime de prevaricação. E prova da ‘normalidade’ é a emissão de uma nova emissão de obrigações deliberada pela Start Sines Campus no antepenúltimo dia de 2023, e anteontem divulgada no Portal das Publicações de Actos Societários do Ministério da Justiça. E não foi de pequena monta, demonstrativo de que o projecto, indiferente aos processos judiciais e às eleições que se avizinham, continua em marcha acelerada.

    Esta emissão de obrigações realizada por oferta particular totalizará os 25 milhões de euros, sendo que cada obrigação tem um preço de 100 mil euros. Esta foi a 15ª série de obrigações emitidas, e que já totalizam 208,1 milhões de euros, o que revela que existem infindáveis investidores (anónimos) pouco interessados em ver o polémico projecto. Ou seja, esta última emissão conseguiu ‘capitalizar’ cerca de 12% do dinheiro já amealhado pela empresa para investir no data center de Sines.

    A empresa formada por um ‘consórcio’ de dois fundos de investimento (Davidson Kempner e Pioneer Point Partners), mas numa complexa e obscura “cascata de empresas”, bem detalhada por uma investigação do jornal Eco, tem apenas um capital social de um milhão e euros, mas esconde as suas contas. As últimas contas conhecidas são relativas ao exercício de 2021 e na Base de Dados das Contas Anuais continuam sem surgir a declaração da Informação Empresarial Simplificada (IES) relativa ao ano de 2022, que deveria ter sido entregue até 15 de Julho de 2023, de acordo com o Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (CIRC). Ou seja, já há um atraso de quase seis meses na entrega.

    Assim, conforme já revelara o PÁGINA UM em Novembro passado, as únicas informações relevantes da Start – Sines têm sido os sucessivos empréstimos obrigacionistas que aumentaram a sua dívida em 151 milhões de euros desde Novembro de 2022. A partir desse período, são conhecidas, portanto, já nove emissões: seis milhões de euros em Novembro de 2022, mais duas tranches no mês seguinte no valor total de 23,6 milhões de euros, e as restantes em 2023, sendo que 16,5 milhões de euros foram em Fevereiro, 12 milhões em Julho, 20,1 milhões em Agosto, duas tranches em Outubro (15,6 milhões e 32 milhões) e 25 milhões no dia 29 de Dezembro, já depois da destituição de Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, e a nomeação de Robert Dunn.

    Governo Costa caiu, surgem suspeitas em torno de uma ‘lei malandra’, mas empresa de Sines continua como se nada fosse, e arrecadou mais 25 milhões de euros para continuar investimentos.

    Continuam sem ser conhecidas as condições destas emissões obrigacionistas, mas com o agravamento da Euribor a 12 meses ao longo deste ano será sensato admitir que a empresa estará a pagar uma taxa de juro próxima de 14%, ou seja, um spread de 10%. Com efeito, nas contas de 2021 da Start Sines Campus refere-se que foi celebrado “um contrato com a Adare Finance DAC, denominado de ‘Programme Agreement’, que determina um montante de empréstimo à Empresa até ao montante agregado de 50.000.000,00 euros, com juros à taxa fixa de 10%”. Como nesse período a Euribor estava em terreno negativo, e agora está nos 4,2%, significa que a Start Sines estará a oferecer um rendimento potencial acima de 14%.

    Em todo o caso, sem a consulta das contas de 2022 não será possível ter uma ideia mais concreta da saúde financeira deste investimento, nem sequer confirmar aquilo que foi dito pelos então responsáveis da empresa durante o interrogatório no Tribunal de Instrução Criminal: um investimento, até este mês, de 162 milhões de euros” na aquisição de direitos sobre terrenos, em equipamentos e em construção”.


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  • Sem contas à mostra, Start Sines Campus já vai com dívidas de mais de 180 milhões de euros

    Sem contas à mostra, Start Sines Campus já vai com dívidas de mais de 180 milhões de euros


    A Start Sines Campus está a construir um centro de dados mas, ironicamente, nem sequer mostra os seus dados financeiros – leia-se, as demonstrações financeiras. A empresa que está no ‘olho do furacão político’ não tem as contas de 2022 publicadas na Base de Dados das Contas Anuais mas mesmo assim, uma investigação do PÁGINA UM, mostra que os accionistas andam a investir sobretudo com dinheiro de terceiros: desde 2021 já foram emitidos 183 milhões de euros em obrigações com taxas bastante elevadas, o que confirma ser este um projecto de elevado risco. Desse montante, 32 milhões de euros foram obtidos menos de duas semanas antes da detenção do CEO da empresa, Afonso Salema, e do consultor Lacerda Machado.


    Não há contas; só há notícias de sucessivas operações de endividamento. A empresa no ‘olho do furacão político’ do momento, a Start – Sines Transatlantic Renewable & Technology Campus, não entregou as demonstrações financeiras do ano passado na Base de Dados das Contas Anuais, e as únicas informações relevantes mais recentes que lhe são conhecidas são oito empréstimos obrigacionistas que aumentaram a sua dívida em 126 milhões de euros desde Novembro de 2022.

    Apesar da empresa que está a construir o data center – e que substituiu hoje Afonso Salema por Robert Dunn como presidente executivo – ter manifestado a sua aposta em “assegurar que o projeto alcance, em breve, a sua fase operacional”, ainda está por avaliar os efeitos do processo judicial junto dos investidores, que têm sido sobretudo obrigacionistas e não accionistas.

    Para já, a única consequência da Operação Influencer foi a aplicação de uma caução de 600 mil euros, mas ainda é incerto se as autorizações futuras para o avanço do projecto em zona protegida (Zona Especial de Conservação) serão consideradas nulas pela Justiça, o que poderia colocar em causa a dimensão ou mesmo o avanço integral do projecto.

    De acordo com os elementos recolhidos pelo PÁGINA UM, a Start Sines Campus, apesar de contar apenas com um capital social de um milhão de euros já emitiu dívida, através de obrigações, no valor de 183,1 milhões de euros desde a sua criação.

    Nos últimos 12 meses foram oito as emissões: seis milhões de euros em Novembro de 2022, mais duas tranches no mês seguinte no valor total de 23,6 milhões de euros, mais 16,5 milhões de euros em Fevereiro deste ano, mais 12 milhões em Julho, mais 20,1 milhões em Agosto, mais 15,6 milhões em Outubro e mais 32 milhões em 31 de Outubro, poucos dias antes da detenção dos dois responsáveis máximos da empresa, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves.

    Robert Dunn, o novo CEO da Start Sines Campus, trabalhou entre 2016 e 2021 na Digital Realty, uma empresa norte-americana gestora de um centro de dados em Austin (Texas).

    Não são conhecidas as condições destas emissões obrigacionistas nem as contas de 2022 – e a Start Sines Campus não respondeu aos pedidos do PÁGINA UM –, mas, com o agravamento da Euribor a 12 meses ao longo deste ano, será sensato admitir que a empresa estará a pagar uma taxa de juro próxima de 14%, ou seja, um spread de 10%.

    Essa elevada rendilidade potencial mostra sobretudo que os obrigacionistas vêem o projecto do data center em Sines como de risco.

    Diga-se que se desconhecem os subscritores das obrigações, e além disso a emissão é particular, o que implica que nem sequer há obrigatoriedade de registo e cumprimento de outros preceitos, entre os quais um prospecto com informação detalhada aos investidores, na Comissão do Mercado dos Valores Mobiliários (CMVM).

    Com efeito, nas contas de 2021 da Start Sines Campus refere-se que foi celebrado “um contrato com a Adare Finance DAC, denominado de “Programme Agreement”, que determina um montante de empréstimo à Empresa até ao montante agregado de 50.000.000,00 euros, com juros à taxa fixa de 10%”. Como nesse período a Euribor estava em terreno negativo, e agora está nos 4,2%, significa que a Start Sines estará a oferecer um rendimento potencial acima de 14%.

    Em todo o caso, sem a consulta das contas de 2022 não será possível ter uma ideia mais concreta da saúde financeira deste investimento, nem sequer confirmar aquilo que foi dito pelos então responsáveis da empresa durante o inquérito desta semana no Tribunal de Instrução Criminal: um investimento, até este mês, de 162 milhões de euros” na aquisição de direitos sobre terenos, em equipamentos e em construção”.

    Afonso Salema, antigo CEO da holding Start Campus, renunciou à administração, mas mantém um pé através da gestão de uma subsidiária.

    Através do cruzamento das contas até 2021 com a emissão de obrigações até à data, consegue-se constatar que entraram na empresa, para serem investidos, pelo menos 187 milhões de euros, dos quais 183,1 milhões de euros de dinheiro dos obrigacionistas (até à data), um milhão de capital social e mais três milhões para cobertura de prejuízos. Ou seja, os accionistas estarão a entrar com uma ínfima parte do investimento, o que significa que, caso a situação se desmorone, serão os obrigacionistas a perder a fatia mais considerável do dinheiro.

    Saliente-se, contudo, que, pelo menos pela amostra das contas de 2021, a Start Sines Campus mostra ser um sorvedouro de recursos para os ditos trabalhos especializados, a saber: nesse ano gastou mais de 613 mil euros em serviços de consultoria, quase 157 mil euros em serviços jurídicos e cerca de 134 mil euros em estudos. Além disso, a empresa ainda pagou mais de 760 mil euros ao AICEP pelas rendas dos terrenos onde está a ser implantado o data center.

  • Afinal havia outra: Afonso Salema e Rui Oliveira Neves continuam gerentes de subsidiária da Start Campus

    Afinal havia outra: Afonso Salema e Rui Oliveira Neves continuam gerentes de subsidiária da Start Campus


    Os dois arguidos da empresa acusada de traficar influências no Governo para a aprovação ilícita de um data center foram a correr renunciar à administração para evitar a prisão preventiva. O juiz de instrução relevou essa decisão. Mas ninguém se terá apercebido que, afinal, Afonso Salema e Rui Oliveira Neves eram também, desde Janeiro passado, gerentes de uma subsidiária que estaria a preparar projectos de energia em Sines. Assim, os dois arguidos podem continuar a conviver alegremente na holding Start Campus, uma vez que compartilha a sede com a sua subsidiária, a Start Campus Energy, numa sala da Torre 1 das Amoreiras, em Lisboa.


    Os arguidos Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, peças-chave da Operação Influencer, continuam afinal a manter ligações à denominada Start Campus, apesar de terem apresentado renúncia das funções de administração daquela empresa para reduzirem a probabilidade de prisão preventiva após a detenção na passada terça-feira passada.

    De acordo com uma investigação do PÁGINA UM, os dois responsáveis pelo projecto do polémico data center em Sines, mantêm os cargos de gerentes numa subsidiária integralmente detida pela Start Campus, coincidindo na sede, numa das torres das Amoreiras, em Lisboa.

    Ontem, o juiz de instrução Nuno Dias Costa, apesar de ter aplicado uma caução de 600 mil euros à Start – Sines Transatlantic Renewable & Technology Campus – a denominação formal da sociedade anónima que promove a construção do data center no litoral alentejano –, relevou o facto de Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, “fortemente indiciados” pela prática de crimes de tráfico de influência e oferta indevida de vantagem, terem renunciado à administração da sociedade anónima, uma vez que retiraria “qualquer perigo que no caso pudesse existir, nomeadamente o de continuação da actividade criminosa”.

    E concluía o juiz do Tribunal Central de Instrução Criminal que, tendo estes arguidos “ficado impossibilitados, por sua iniciativa, de participar na actividade social daquela empresa, encontra-se vedada a possibilidade de lhes ser imposta qualquer medida de coacção diversa do termo de identidade e residência, que já prestaram”.

    Sendo certo que já foram publicadas as renúncias tanto de Rui Oliveira Neves como de Afonso Salema à administração da Start – Sines Transatlantic Renewable & Technology Campus, pedidas respectivamente nos dias 10 e 13, certo é que estes gestores mantêm-se como gerentes da Start Campus Energy, uma subsidiária da holding detida por dois fundos, a irlandesa Foxford Capital L5 Designated Activity Company e a britânica Pioneer Sines Holdings Limited.

    Rui Oliveira Neves (à esquerda), renunciou à administração da holding Start Campus mas mantém-se gerente da Start Campus Energy, criada este ano.

    Com efeito, já este ano, em 30 de Janeiro, a holding conhecida abreviadamente por Start Campus criou uma sociedade por quota unipessoal, com apenas um euro de capital social – o mínimo exigido por lei –, dando-lhe a denominação de Start Campus Energy, Lda. O reduzido valor do capital social dessa empresa é simbólico, até porque, mesmo no caso da holding, a opção estratégica de gestão tem passado sobretudo, não pela captação de accionistas (ou sócios), mas sim por atrair fundos de investimento por via do mercado de empréstimos obrigacionistas.

    O objecto social desta novel empresa indicia que a holding estaria a equacionar projectos também nas energias renováveis na região de Sines, em redor da área do data center, em área também protegida, uma vez que se apresenta como uma empresa de “comercialização, operação, prestação e gestão de qualquer tipo de produtos energéticos”, incluindo também a comercialização de direitos de emissão de dióxido de carbono e a criação de “instalações, infraestruturas, obras e quaisquer outras actividades relacionadas e conexas”.

    Por estranho que parece, apesar dessas informações serem públicas, tanto o Ministério Público como o juiz de instrução criminal não suscitaram esta relação de Rui Oliveira Neves e de Afonso Salema com a holding Start Campus. Nem a colocaram em causa. Depreende-se assim que, nada tendo ficado explicitado no despacho do juiz, tanto Rui Oliveira Neves como Afonso Salema pode subir ao 12º andar da Torre 1 das Amoreiras, e tratarem na sala 1 os assuntos da Start Campus Energy, nas mesmíssimas instalações da holding Start Campus.

    Afonso Salema, antigo CEO da holding Start Campus, renunciou à administração, mas mantém um pé através da gestão de uma subsidiária.

    Recorde-se que Rui Oliveira Neves é sócio da conhecida sociedade de advogados Morais Leitão, Galvão Teles, Soares da Silva & Associados, que decidiu suspender este causídico e também o advogado João Tiago Silveira, ex-secretário de Estado da Justiça, também arguido na Operação Influencer.

    O PÁGINA UM tentou obter esclarecimentos sobre estas e outras matérias junto da própria holding e do seu advogado, Paulo Farinha Alves, mas não obteve resposta.

  • Empresa suspeita de ser beneficiada por Galamba não apresentou contas de 2022

    Empresa suspeita de ser beneficiada por Galamba não apresentou contas de 2022


    Se a concessão atribuída em 2019 por João Galamba, como secretário de Estado, para a exploração mineira de lítio em Montalegre, já há muito se mostrava nebulosa, daí para cá pouco se clarificou. A Lusorecursos Portugal Lithium, que começou com um capital social de apenas 50.000 euros, praticamente não tem actividade e aquilo que mais tem feito é endividar-se à custa de sucessivas revalorizações do activo intangível constituído pela concessão mineira. Em 2019, os activos intangíveis valiam 422 mil euros, mas dois anos depois subiram quase cinco vezes, sem que se conheçam as bases dessa contabilidade. Em 2022 não se sabe o valor, porque, embora já decorra o mês de Novembro de 2023, a empresa ainda não inseriu as contas do exercício desse ano na Base de Dados das Contas Anuais. O capital próprio da empresa estava, em 2021, próximo do zero. E não se sabe quem são os actuais accionistas.


    A Lusorecursos Portugal Lithium – uma das empresas que está no ‘olho do furacão’ político que descambou na queda do Governo – não apresentou sequer contas no último ano. A empresa foi criada em 21 de Março de 2019 por Ricardo Pinheiro e José Torres da Silva, cinco dias antes do contrato de exploração das jazidas de lítio no concelho de Montalegre aprovado por João Galamba, quando ainda era secretário de Estado da Energia, então sob tutela do ministro do Ambiente Matos Fernandes.

    Esta concessão é um dos “negócios” que contribuiu para a demissão de António Costa no decurso de 42 buscas desenvolvidas hoje pelo Ministério Público, que incluíram instalações do primeiro-ministro, do Ministério do Ambiente e da Acção Climática e do Ministério das Infraestruturas. Foram mesmo emitidos mandados de detenção sobre o chefe de gabinete do primeiro-ministro, Vítor Escaria, o presidente da Câmara Municipal de Sines, Nuno Mascarenhas, e dois administradores da sociedade Start Campus, além de Diogo Lacerda Machado. Os ministros João Galamba e Duarte Cordeiro foram constituídos arguidos, bem como Nuno Lacasta, presidente da Agência Portuguesa do Ambiente. O próprio António Costa está sob investigação, em curso no Supremo Tribunal de Justiça por razões constitucionais.

    Zona de concessão mineira, junto à albufeira do Alto Rabagão.

    De acordo com a consulta do PÁGINA UM à Base de Dados das Contas Anuais, gerida pelo Instituto dos Registos e do Notariado, não se encontra qualquer documento da Lusorecursos Portugal Lithium referente ao exercício de 2022. A entrega deve, em condições normais, ser feita até Junho do ano seguinte àquele a que diz respeito. As últimas contas da empresa são referentes a 2021, onde se mostra notório que não teve actividade visível e tão-só desenvolveu uma ‘engenharia financeira que lhe fez aumentar os activos intangíveis, resultantes da concessão mineira autorizada pelo Governo socialista.

    Com efeito, no seu primeiro ano, a empresa em Braga – que começou com um capital social de 50 mil euros –, teve como única receita um subsídio à exploração de pouco mais de sete mil euros, e teve despesas de cerca de 34 mil euros. Terminou assim o ano de 2019 com um prejuízo de cerca de 31 mil euros, mas com uma situação económica sólida, porquanto valorizou os activos em mais de 531 mil euros, sobretudo por avaliar contabilisticamente o valor da concessão entregue por João Galamba em 421.946,83 euros.

    Ignora-se quais foram os métodos de avaliação deste activo intangível – que não mensuráveis como um prédio ou uma máquina –, mas certo é que no exercício de 2020 o valor da concessão subiu para 1.030.761,08 euros, mesmo se a Lusorecursos continuou virtualmente sem actividade. Na demonstração de resultados desse ano, para uma empresa sem trabalhadores, apenas surge um rendimento de cerca de 13 mil euros de um subsídio à exploração, enquanto os diversos gastos colocaram os resultados novamente no prejuízo, em pouco mais de 15 mil euros.

    João Galamba, ministro das Infraestruturas, aprovou uma concessão mineira polémica em 2019.

    Em todo o caso, se não se vislumbrou nenhuma actividade – a não ser a subida do activo intangível –, os accionistas da Lusorecursos trataram de endividar a empresa: o passivo, que no primeiro ano já era de 512 mil euros, duplicou em 2020, passando para os 1,12 milhões de euros. Grande parte deste montante em 2020 referia-se a dívidas de longo prazo: 415.535 euros de financiamentos bancários e 423.719 euros em contas a pagar a credores, embora se desconheça quem sejam.

    A situação económica da empresa piorou ainda mais em 2021, subindo o passivo para 2,1 milhões de euros, com o capital próprio dos accionistas a reduzir-se para uns insignificantes 2.324 euros. Os empréstimos bancários subiram para quase 902 mil euros, enquanto as outras contas a pagar a longo prazo ascenderam aos 545 mil euros. Até a dívida ao Estado subiu, situando-se em finais de 2021 em quase 115 mil euros.

    Sem qualquer actividade em 2021 – a única rubrica com movimento na parte do rendimento foi no valor de 21,72 euros e não há qualquer gasto operacional ou financeiro –, a Lusorecursos apenas fez um truque contabilístico para que o activo não entrasse em contradição com o passivo (a somar ao pequeno capital próprio): o valor da concessão mineira (activos intangíveis) disparou para 2.013.245 euros, desconhecendo-se qualquer justificação para essa valorização.

    Fim de linha para o Governo de António Costa: e não será com uma “saída de leão”.

    O facto de as contas anuais de 2022 não terem sido ainda reveladas – e o PÁGINA UM enviou um e-mail à Lusorecursos, que não teve resposta solicitando o relatório e contas desse ano – indicia um agravamento da situação económica e financeira assente em pressupostos contabilísticos muito duvidosos.

    A empresa tinha garantido, em Setembro passado, que depois da validação do estudo de impacte ambiental aprovado pela Agência Portuguesa do Ambiente, a exploração da denominada mina do Romano, em Montalegre, começaria em 2027, com toda a produção com “comprador garantido”, após um investimento de 650 milhões de euros. Mas nunca se soube se com recursos próprios da Lusorecursos Portugal Lithium ou se estará a ponderar a simples venda da concessão da exploração do lítio.

    Saliente-se ainda que no Registo Central do Beneficiário Efectivo, os dois fundadores da Lusorecursos (Ricardo Pinheiro e José Torres da Silva) apenas surgem como administradores sem propriedade ou controlo directo ou indirecto e sem direito de voto. O único beneficiário efectivo, detendo 30% do capital social, é Bruno Rafael Pires Braga, sobre o qual o PÁGINA UM ainda não conseguiu apurar quaisquer elementos.

  • Fomos ver se o Benfica faz mesmo o PIB crescer… e acabámos afinal todos envergonhados (com o nosso regime)

    Fomos ver se o Benfica faz mesmo o PIB crescer… e acabámos afinal todos envergonhados (com o nosso regime)


    Portugal é um país de mitos, não fosse ter mais de oito séculos. Ainda mais que, por mares nunca dantes navegados, andou a tentar convencer meio-Mundo de que éramos fantásticos, e com essas mentiras, muitos convencemos, e até nos convencemos, a nós próprios, até que, de facto, de tempos em tempos, até fomos fantásticos.

    Por exemplo, o mito da saudade, estado de espíritos que os portugueses inculcaram ser apenas deles. Há o mito de D. Sebastião, desaparecido em combate em Alcácer-Quibir, mas que, Encoberto, surgiria por fim, numa madrugada de nevoeiros, para tornar Portugal no V Império, sucessor dos antigos impérios da Babilónia, da Pérsia, da Grécia e de Roma. Ou outro qualquer rei, enfim.  

    Há o mito que somos um país de brandos costumes, mas matámos e esquartejámos como os demais. E parece que ainda sucede o mesmo, agora, por vezes. Há ainda o mito de de sermos um país de vocação florestal, mas Portugal andou de charneca em charneca durante séculos, só viu crescer floresta desde o final da Monarquia até ao final dos anos 70 do século passado, e tem a partir daí se transformado de pira de lenha em pira de lenha…

    E depois, por fim, temos o mito de o Benfica, quando campeão de futebol, catapultar a nossa Economia, arremessar pelos ares o nosso Produto Interno Bruto (PIB).

    Bem sabe o PÁGINA UM que, antes de nós, outros almejaram escrutinar esse mito. Por exemplo, em 2019 o Expresso e o Jornal Económico abordaram o mito, e consideraram ser suficiente começar a análise desde o ano de 1994, a partir dos dados do Instituto Nacional de Estatística e do Pordata.

    Até podendo haver também o mito de que a imprensa mainstream chega onde os jornais independentes de pequena dimensão nem sonham, deixemos isto para outras núpcias. Foquemo-nos apenas num facto. Pode começar-se por uma série mais longa: mesmo mais longa do que a usada em 2014 pelo site Poupar Melhor – que fez a análise ao mito do Benfica vs. PIB, usando o Banco Mundial.

    Ora, pode e deve-se ir mais longe, porque, na verdade, existem dados mais antigos, pelo menos nos relatórios das séries longas do INE e do Banco de Portugal. Com mais tempo, talvez até fosse possível desencantar, dos calhamaços do INE, este indicador económico desde a época de 1934-1935, se considerássemos a prova equivalente à actual Primeira Liga.

    E, assim fizemos, “confrontámos” o desempenho do PIB do ano económico – em termos percentuais, calculado a nível per capita, para eliminar variações demográficas – com o vencedor do campeonato à última jornada em cada Primavera.

    Confessemos: talvez Expresso e o Jornal Económico não tenham desejado analisar uma série mais longa, entrando pelo Estado Novo adentro e atravessando os primeiros anos da Democracia por laivos de pudor: é que uma coisa é brincar ao mito das vitórias do Benfica servirem para a Economia celebrar, outra é envergonhar o nosso regime com o do Salazar ou do Marcelo Caetano.

    Na verdade, esqueçam quem foi campeão a partir de 1954 até ao fim do Estado Novo: aquilo que mais ressalta nesses 20 anos é o triste facto de nos tempos de Salazar e Marcelo, o Caetano, não ter ocorrido um miserável ano em recessão. Todos os anos tiveram crescimentos positivos. E bem positivos, hélas. Ao invés, em 50 anos de Democracia – e contando ser positivo aquele que está curso – já contamos com 11 anos em recessão: logo os três primeiros em Democracia (1974, 1975 e 1976), 1984, 1993, 2003, 2009, mais o triénio 2011-2013 e 2020.

    Para piorar – ou melhor, para envergonhar o nosso actual regime (a Democracia, que deveria dar uma “cabazada” ao raio da Ditadura), ou melhor dizendo, os políticos que todos os anos nos pespegam cravos na lapela sem assumirem que Liberdade deveria conjugar com desenvolvimento decente –, também fomos analisar, já agora, quais foram os anos do top 10 económicos.

    man playing soccer game on field

    Enfim, os quatro primeiros foram todos no Estado Novo: 1965 e 1972 (+9,9%, cada), 1962 (+9,4%), 1970 (+8,3%); e só depois surgem dois anos de Democracia: 1987 e 2022 (ambos com 6,8%, sendo que este sucedeu ao ano de pior recessão, o de 2021). Antes dos anos de 1988 (+6,5), 1990 (6,4%) e 1989 (+5,9%), ainda se intromete neste top 10 mais um ano de Ditadura: 1971 (+6,7%).

    Escusado se mostraria dizer, por já se ter dito não haver anos de recessão entre 1954 e 1973, que todos os anos de recessão foram em Democracia.

    Mas esqueçamos – quer dizer, não deveríamos esquecer; pelo contrário, sem qualquer espécie de saudosismo pelos tempos da Outra Senhora, deveríamos questionar mais os políticos sobre tão fraca performance em Liberdade – os regimes e foquemo-nos no essencial (enfim!) desta análise.

    Convém salientar que, como será do conhecimento quase geral, sobretudo o Benfica dominou o futebol na parte final do Estado Novo: nos 20 últimos anos (épocas futebolísticas), as águias – que venceram até duas Taças dos Campeões Europeus e perderam outras tantas finais – conquistaram 13 campeonatos nacionais, restando cinco para o Sporting e dois para o Porto.

    Crescimento anual (%) do PIB per capita desde 1954 (até 2022, assumindo-se que 2023 será positivo) com indicação do clube que venceu a época no ano. Vermelho: Benfica; Azul: Porto; Verde: Sporting: Negro: Boavista. Fonte: Liga Portuguesa de Futebol Profissional (vencedores dos campeonatos); INE e Banco de Portugal (dados do PIB).

    Em todo o caso, em termos relativos, o Sporting ”conseguiu” dois campeonatos em dois dos melhores anos de crescimento do PIB (1962, com 9,4%; e 8,3%, em 1970). Já o Benfica, teve um “desempenho” muito diversificado: tanto ganhou campeonatos em anos de extraordinário crescimento do PIB (1965 e 1972, ambos com 9,9%) como venceu, no período em análise, naquele que foi o ano de menor desempenho do Estado Novo (1963, com apenas +1,1%).

    Quanto ao Porto, no período do Estado Novo, as suas vitórias ocorreram num clima económico sem grande fulgor: em 1956, com o PIB a crescer 3,4%, e em 1959, com 2,9%.

    Como também se sabe, o Porto acabou a dominar o futebol português a partir de finais dos anos 70. Entre 1978 e 2013, o clube nortenho venceu 22 campeonatos em 36 possíveis, restando nove ao Benfica, quatro ao Sporting e um ao Boavista. Depois de 2013, o Benfica tem sobressaído novamente, com seis campeonatos em 10 possíveis.

    Obviamente que seria ridículo associar as vitórias do Porto ao fulgor económico do país, mas pode-se sempre dizer que o clube de Pinto da Costa – na verdade, o actual presidente dirige os seus destinos desde 1982 – acaba associado às crises.

    As estatísticas são o que são, e contra esses “factos”, enfim, só se podem apresentar – e relativizar, claro.

    De facto, se considerarmos o período da Democracia, o Porto venceu 18 campeonatos com o PIB a crescer nesse ano, e ergueu a taça sete vezes com o PIB a decrescer. Contas feitas, 72% das vitórias em ano de, digamos assim, vacas a engordar.

    Este desempenho confronta com desempenhos bem mais favoráveis – e coincidentemente semelhantes – do Benfica e do Sporting, pois ambos conquistaram 83% dos seus campeonatos em regime democrático com o PIB a subir. No caso do clube da Luz foram 15 campeonatos em “alta” económica (assumindo já o PIB positivo em 2023) e apenas três em anos de recessão, enquanto os sportinguistas apenas tiveram um dos seus cinco campeonatos em regime democrático em ano de descida do PIB. Já agora, no ano em que o Boavista foi campeão, em 2001, o PIB aumentou em 1,2% – pouco, mas positivo.

    Se considerarmos todo o período em análise (desde 1954), verifica-se que, qualquer que seja a causa, incluindo ser um acaso, o ano económico tem uma “probabilidade” de ser menos favorável quando o Porto é campeão. De facto, em 27 campeonatos conquistados neste período (70 anos), sete ocorreram em recessão, ou seja, 16%.

    Quanto ao Benfica, em 28 campeonatos apenas registou três com queda do PIB,o que representa praticamente 10%.

    Analisando um passado mais recente, observa-se também que os anos económicos melhorzinhos estão mais associados ao Benfica campeão: os últimos sete campeonatos vitoriosos do clube da Luz (2010, 2014, 2015, 2016, 2017, 2019 e 2023) coincidiram com anos de PIB positivo. Ao invés, nos últimos sete campeonatos do Porto (2009, 2011, 2012, 2013, 2018, 2020 e 2022), apenas dois (2018 e 2022) coincidiram com anos de PIB a crescer.

    Isto poderia significar que, então sim, o Benfica faz crescer mais o PIB do que o Porto. Se assim fosse – e se houvesse uma correlação sem ser espúria –, então melhor ainda seria o Sporting ser mais vezes campeão, porque em 11 campeonatos ganhos desde 1954, apenas em um ano houve recessão: por ironia, no primeiro ano da nossa Democracia, em 1974.


    N.D. Como salientado desde a fundação do PÁGINA UM, constando no Código de Transparência, assumo-me como adepto e sócio do Benfica, desde 2000. Nunca essa apetência clubística “cegou” a minha objectividade, e “pelo-me” pelo dia em que me apresentem provas concretas para poder escrever algo desfavorável (desde que verídico, obviamente) para o clube ou a administração da SAD. Pedro Almeida Vieira

  • Parque Escolar: contas aprovadas pela tutela a “toque de caixa”. Dívida subiu para 1.213 milhões de euros em 2021

    Parque Escolar: contas aprovadas pela tutela a “toque de caixa”. Dívida subiu para 1.213 milhões de euros em 2021

    Nos últimos quatro anos, a Parque Escolar – escolhida agora para dinamizar a habitação pública – não mostrava contas e nem se incomodava com críticas dos partidos da oposição nem com notícias da imprensa. O PÁGINA UM meteu um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa no passado dia 8. Esta semana, os Ministérios das Finanças e da Educação apressaram-se a aprovar os relatórios de 2019, 2020 e 2021. E prometem para breve o de 2022. Para já, ficou-se a saber que a dívida total ascende aos 1.213 milhões de euros, e há ainda um conjunto de anomalias contabilísticas detectadas pelo auditor.


    A Parque Escolar – a empresa estatal que, em breve, ficará com a função de construção pública, mudando mesmo de denominação – colocou esta tarde os relatórios e contas de 2019, 2020 e 2021 no seu site. Esta decisão vem no seguimento de uma intimação apresentada no mês passado pelo PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa.

    A administração desta empresa – que passará a denominar-se Construção Pública, tendo o diploma da sua reestruturação sido promulgado pelo Presidente da República na semana passada – remeteu também ao PÁGINA UM os ofícios enviados à tutela com as contas dos exercícios a partir de 2019, para aprovação, mas que estavam “engavetados”.

    De acordo com as datas desses ofícios, agora na posse do PÁGINA UM, o relatório de 2019 estava na posse da Secretaria de Estado do Tesouro e do Ministério da Educação desde Novembro de 2020, o relatório de 2020 desde Maio de 2021 e o relatório de 2021 desde Maio de 2022.

    No que diz respeito ao relatório e contas do ano passado, em ofício enviado esta tarde ao PÁGINA UM, a secretária-geral da Parque Escolar, Alexandra Viana Ribeiro, diz que “ainda não se encontra concluído, designadamente por aguardar o parecer do conselho fiscal (…) e a respetiva aprovação pelas tutelas”, prometendo o seu envio posteriormente.

    Este é, para já, o corolário de mais uma vitória do PÁGINA UM em prol da transparência da Administração Pública, uma vez que a Parque Escolar, que passará a assumir funções de promoção de habitação pública, tinha o ano de 2018 como o último com contas aprovadas e disponibilizadas.

    João Costa, ministro da Educação, em Maio do ano passado prometeu que divulgaria as contas de 2019, 2020 e 2021 da Parque Escolar “brevemente”. Só com a intimação do PÁGINA UM se apressou, com Fernando Medina, a aprová-las e divulgar no site da empresa pública.

    E, mesmo assim, este relatório de 2018, bem como os dos anos de 2016 e 2017, apenas foram publicados em Março do ano passado, o que suscitou então questões da Iniciativa Liberal junto do Ministério das Finanças, que tutela a empresa pública. Segundo informações avançadas na altura pelo Jornal de Negócios, a dívida da empresa em 2021 seria de 981,7 milhões de euros.

    Contudo, na verdade, e de acordo com análise rápida do PÁGINA UM, a dívida é bem superior. O passivo corrente – com previsão de pagamento em menos de 12 meses – era então de 151,7 milhões de euros, mas o passivo não corrente ascendia aos 1.061,4 milhões de euros. No total, o passivo total situava-se nos 1.214,1 milhões de euros, um pouco mais de 232 milhões do que o valor apontado pelo Jornal de Negócios.

    O aumento da dívida acaba por relativizar os resultados líquidos positivos, até porque os activos da Parque Escolar beneficiaram bastante pelo aumento de capital estatutário no valor de cerca de 342,5 milhões de euros por incorporação de 138 escolas e por conversão de um empréstimo da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, após dação em cumprimento do Palácio Valadares, no Largo do Carmo, em Lisboa.

    Um dos aspectos mais relevantes dos relatórios e contas, agora disponibilizados e que estará na base do atraso de anos na sua divulgação, prende-se com as reservas feitas pelo auditor das demonstrações financeiras, a cargo da Grant Thornton.

    Por exemplo, no relatório de 2019 – que somente agora vê a luz do dia, após a intervenção do PÁGINA UM –, o auditor critica a forma de cálculos das depreciações das propriedades de investimento (que incluem escolas), que além do mais, em diversas obras em curso, não tiveram ainda os terrenos transmitidos para a empresa pública, nem foram “objecto de avaliação por peritos independentes”.

    Também é considerado que os cerca de 37 milhões de euros de provisões – devidos a processos judiciais em curso – podem não ser suficientes.

    Requerimento do advogado da Parque Escolar onde elenca a cronologia da aprovação das contas pela tutela após a intimação do PÁGINA UM.

    Mais grave ainda é o alerta transmitido pelo auditor de que “na realização de diversos concursos públicos, verificou-se que houve concertação de preços entre as empresas fornecedoras de monoblocos, no que respeita ao preço de transporte, montagem, aluguer e desmontagem dos mesmos, durante as várias fases de realização das obras”.

    A Grant Thornton escreveu então que “esta situação originou gastos adicionais (…), cujo montante total não foi, ainda, possível de quantificar.”

    Outra situação irregular passa-se com o mobiliário escolar e sobretudo com o equipamento informático. O auditor salienta que “não foram objecto de inventariação física”, acrescentando que, desse modo, “não podemos concluir, na presente data, sobre a existência de todos os bens e, consequentemente, do respectivo valor registado no balanço”.

    Os alertas de desconformidades mantiveram-se no relatório de 2020 e 2021, praticamente nos mesmos moldes.

    Saliente-se que depois de se recusar tacitamente a disponibilizar os documentos solicitados, a Parque Escolar acabou por optar por satisfazer o pedido antes de ser obrigado por sentença judicial.

    Em requerimento hoje apresentado no Tribunal Administativo de Lisboa, o advogado da empresa pública diz que “nada disse [ao PÁGINA Um], apenas e só, porque alguns documentos solicitados (…) não estavam finalizados (…), porquanto faltava a aprovação dos relatórios e contas pela tutela para concluir os processos.”

    Na verdade, ao juiz do processo a Parque Escolar admite mesmo que o relatório e contas de 2019 foi apenas aprovado pela tutela na passada segunda-feira, enquanto os relativos a 2020 e 2021 acabaram sendo aprovados hoje, dia 25 de Maio.

    Apesar deste contra-relógio, a Parque Escolar deverá vir a ser condenada pelo tribunal ao pagamento das custas, uma vez que não respondeu favoravelmente antes da entrada da intimação do PÁGINA UM. O montante das custas gastas pelo PÁGINA UM serão aplicadas em similares processos de intimação por não divulgação de documentos públicos, através do seu FUNDO JURÍDICO.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.