Categoria: Economia

  • Projecto de avião português liderado por filho de Aguiar-Branco acusado de plágio

    Projecto de avião português liderado por filho de Aguiar-Branco acusado de plágio

    Uma empresa brasileira de aeronáutica, a Desaer, acusa uma agência portuguesa, liderada pelo filho de Aguiar-Branco, de plagiar um avião que será produzido numa fábrica em Ponte de Sor, cuja escritura do direito de superfície do terreno foi celebrada no passado mês de Dezembro, estando prevista a sua operalização em 2028 num investimento de 30 milhões.

    De acordo com um comunicado divulgado nesta segunda-feira pela empresa brasileira, a Aero.Next Portugal – que tem Frederico Aguiar-Branco, licenciado em Direito em 2016, como director-geral –, que é uma agência integrada na empresa EEA Aircraft and Maintenance, ligada ao Centro de Engenharia e Desenvolvimento de Portugal (CEIIA), está em fase final de desenvolvimento de uma aeronave denominada LUS 222 alegadamente idêntica ao modelo ATL 100 da Desaer.

    A LUS 222 tem sido apresentada pela Aero.Next Portugal como a primeira aeronave (com 19 lugares) “desenvolvida, fabricada e comercializada em Portugal, de raiz, para integrar sistemas de propulsão convencionais, e híbridos e elétricos”. No entanto, a Desaer diz que “o anúncio dessa aeronave por parte do CEIIA foi feito após o envio de informações técnicas sigilosas […] durante a parceria que, posteriormente, foi suspensa”.

    Frederico Aguiar-Branco, com cerca de 30 anos, tem dado a ‘cara’ pelo projecto da Aero.Next em Ponte de Sor, ao lado do presidente da EEA Aircraft and Maintenance, Miguel Braga. O filho do presidente da Assembleia da República é também sócio-gerente da One-Impact Sports International, empresa e agenciamento criada em 2018 por José Pedro Aguiar-Branco. Em Abril do ano passado, o político social-democrata viria a renunciar à gerência desta empresa, entregando as suas quotas pelos filhos Frederico e João Maria.

    A Desaer, fundada em 2016 no Estado de São Paulo, alega “deter a propriedade intelectual e todos os direitos sobre o desenvolvimento e produção do ATL 100, lançado em Outubro de 2018 e registado no Brasil como Produto Estratégico de Defesa (PED)”.  E acrescenta que, nesse sentido, “já notificou o CEIIA e está tomando as devidas medidas para ratificar seus direitos exclusivos sobre a aeronave”.

    Desaer alega que o avião português LUS 222 (em baixo) é uim plágio do seu modelo ATL 100 (em cima).

    Esta decisão da empresa brasileira surge após o término de joint-venture com o CEIIA para a construção de um aeronave luso-brasileira, então denominada ATL 100. Em 2021, foi mesmo anunciado que seria criada a Desaer Portugal, com escritório em Évora e fábrica em Ponte de Sor, mas esta parceria, que teria 70% de capitais brasileiros, não levantou voo.

    Mas levantou em Portugal. A CEIIA já teve aprovação de financiamento para a denominada  “agenda Aero.Next Portugal”, onde se insere o projecto da fábrica de Ponte de Sor, tendo já recebido tranches de 16,75 milhões de euros de um ‘bolo’ de 34,52 milhões, com prazo de execução até ao final deste ano. E no mês passado, contratou uma outra empresa brasileira, a Akaer, para ser produzida, no Brasil, “a fuselagem, asa completa, estabilizadores horizontais e verticais e também todas as superfícies de controle” do LUS 222..

    A Desaer diz em comunicado que, apesar deste litígio com a empresa portuguesa, que o desenvolvimento do ATL 100 segue conforme planeado, com fornecedores já sendo contratados para a produção de peças do protótipo.

    Licenciado em Direito em 2016, Frederico Aguiar-Branco estagiou no escritório do pai e trabalhou nos serviços jurídicos do Futebol Ckube do Porto, antes de ingressar em Setembro de 2022 na CEEIA, onde exerce as funções de director-geral da Aero.Next.

    No âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência, a CEIIA – onde Frederico Aguiar-Branco é director de programa (‘Program Manager’) – teve 12 projectos aprovados no valor total de 143,22 milhões de euros, dos quais já arrecadaram 58,9 milhões. A este valor juntar-se mais 15,45 milhões de euros que serão ainda entregues pelo Estado, através do IAPMEI, à EEA Aircraft and Maintenance, detida pela CEIIA. Saliente-se que a CEIIA tem vindo a receber sucessivos e chorudos financiamentos nos últimos meses.

    Grande parte destes projectos estarão previsivelmente concluídos ao longo deste ano, e os restantes em 2016. Saliente-se também que em 2011, José-Pedro Aguiar-Branco, então ministro da Defesa do Governo de Passos Coellho, assinou contratos envolvenda também a CEIIA e a EEA, bem como a Embraer.

    O PÁGINA UM está a tentar obter mais informações e esclarecimentos sobre este assunto, tanto junto da Aero.Next Portugal como da DESAER.

  • Banco de Portugal já gastou 1.052.650,52 euros só em andaimes e lonas em ‘obra de Santa Engrácia’

    Banco de Portugal já gastou 1.052.650,52 euros só em andaimes e lonas em ‘obra de Santa Engrácia’

    Num quarteirão da Avenida Almirante Reis, em plena Lisboa, crescem plantas e prosperam ervas à sombra de andaimes e lonas que há quase anos ‘embrulham’ a fachada do emblemático edifício do Banco de Portugal. Não se vê ali qualquer movimento de obras nem de trabalhadores de construção civil, mas isso não significa que não haja fluxos financeiros, Há, sim, e não são poucos: a factura de lonas e andaimes já vai em 1.052.650,52 euros, IVA incluído. E isto sem sequer ali ter entrado um martelo, um saco de cimento nem uma colher de pedreiro. Foi mesmo só para andaimes e lonas; nada mais.

    Em quase quatro anos, de acordo com a investigação do PÁGINA UM, o Banco de Portugal fechou três contratos por ajuste directo com a Tubos Vouga que, sem ‘mexer uma palha’ − só mexeram em andaimes, que ali ficaram − soma receitas atrás de receitas, mesmo obras. Isto num edifício que o Banco de Portugal vai deixar de usar em breve, já que vai transferir temporariamente os serviços que ali funcionam para o Edifício Marconi, em Entrecampos, situado ao lado do antigo terreno da Feira Popular, pertencentes à chinesa Fidelidade. Segundo uma notícia do jornal Eco de Outubro passado, o Banco de Portugal pondera vir a construir um edifício-sede para concentrar os seus quadros.

    primeiro contrato de montagem de andaimes foi assinado a 10 de Maio de 2021, por um prazo de dois anos, e teve o valor de 206.521 euros. O ajuste directo foi a “urgência imperiosa”. Mas se havia urgência imperiosa para montar andaimes, não houve para avançar com a obra. E assim, mais de dois anos depois, em 27 de Outubro de 2023 houve segundo contrato no montante de 163.244,16 euros, por um prazo de um ano. Foi mais um ajuste directo, e aí a justificação foi a inexistência de concorrência por motivos técnicos.

    mais recente contrato é 28 de Junho do ano passado, e vigora por um período de cerca de três anos, envolvendo uma verba de 486.047,29 euros. Neste caso, houve concurso público, tendo concorrido a Tubos Vouga e a Catari Portugal. Venceu a Tubos Vouga sem surpresa: pôde apresentar melhores ‘condições’ porque já lá estavam os seus andaimes. Se tivesse sido a Catari Portugal, seria necessário desmontar os andaimes da Tubos Vouga e montar outros da nova empresa. E a obra em concreto parada.

    O Edifício Portugal situa-se na Avenida Almirante Reis/Rua Febo Moniz, em Lisboa. (Abril de 2024) / Foto: PÁGINA UM

    As obras neste edifício do Banco de Portugal mostraram-se necessárias depois da queda de pedaços de elementos que compõem a fachada no início de 2021, que levou à colocação dos andaimes em Junho de 2021. Seguiu-se um relatório do Laboratório Nacional de Engenharia Civil, de Fevereiro do ano seguinte, que chegou à conclusão de que partes a estrutura da fachada tinham atingido “o tempo de vida útil”.

    Assim, desde essa altura, a zona envolvente ao edifício ficou acondicionada pelas estruturas dos andaimes e das lonas, apesar de a Câmara Municipal de Lisboa ter indicado ao PÁGINA UM que apenas autorizou a “ocupação da via pública em Maio de 2024”. Não se sabe se o Banco de Portugal foi alvo de alguma multa ou repreensão por eventual ocupação indevida da via pública, mas certo é que há três anos e meio que a situação se arrasta, sem obras à vista ou escondidas.

    Finalmente, no mês passado, no dia 9 de Dezembro, o Banco de Portugal adjudicou à empresa Struconcept um contrato para a elaboração do “projecto para reparação dos elementos de fachada em betão armado do Edifício Portugal”, num contrato por ajuste directo no montante de 59.750 euros. O absurdo desta situação é que este projecto para saber como se vai recuperar a fachada tem um prazo de conclusão de 392 dias. Ou seja, são mais 392 dias com andaimes sem obras.

    Fotos divulgadas pela Tubos Vouga, em Junho de 2021, quando concluiu a instalação dos andaimes na fachada voltada para a Rua Febo Moniz (as duas fotos da esquerda) e dos andaimes suspensos na fachada virada para a Av. Almirante Reis (foto da direita). / Foto: D.R.

    O Edifício Portugal, na Avenida Almirante Reis, foi originalmente projectado em 1973 pelo reputado arquitecto Maurício de Vasconcelos, dono de um vasto portfólio de obras públicas e privadas. Foi responsável, por exemplo, pelos projectos de remodelação do Cinema Avis e do Restaurante Gambrinus, e da sede da Sociedade Portuguesa de Autores, bem como diversos empreendimentos do sector do turismo. Também coordenou vários planos urbanísticos e projectos em autarquias, designadamente em Lisboa e em Almada.

    Em 1985, a Pardal Monteiro – Arquitectos realizou um projecto de ampliação do Edifício Portugal até à Avenida Almirante Reis e desenhou também os interiores e o mobiliário. Foi nessa altura que se instalou também, neste edifício, um painel de azulejo do famoso artista plástico Querubim Lapa, o qual lhe valeu o Prémio Municipal de Azulejaria de Lisboa. Com cerca de 47.000 metros quadrados de área útil, o edifício integra uma área de 18.500 metros quadrados destinada a escritórios, um refeitório e cozinha, um auditório e salas de reuniões, um salão polivalente e ainda uma zona de armazéns e arquivos.

    Manuel Cottinelli Telmo Pardal Monteiro, um arquitectos responsável por aqueles projectos, disse ao PÁGINA UM que desconhecia que tinha sido adjudicado o projecto de reparação de elementos da fachada do edifício. “Não sabia. É natural que haja obras de conservação em edifícios”, disse o arquitecto que confirmou que não foi consultado nem deu o seu parecer, o que não teria de fazer, tratando-se de mera manutenção. Este arquitecto confirmou que o edifício não está classificado nem sequer é considerado de interesse municipal, algo que veria com bons olhos se viesse a acontecer.

    Painel de azulejo de Querubim Lapa. / Foto: D.R.

    Para já, desconhece-se o destino e o futuro deste edifício, que eventualmente mudará de mãos quando o Banco de Portugal deixar aquelas instalações, o que já está em preparação.

    Além do milionário custo dos andaimes, o Banco de Portugal tem assumido outras despesas, sobretudo correntes, com o edifício que será para desocupar. Por exemplo, em Junho de 2022 o Banco de Portugal gastou 90 mil euros na “aquisição de serviços de manutenção de floreiras e canteiros, interiores e exteriores, do Edifício Portugal”. O negócio foi entregue à empresa Jardins Tesouro, por um prazo de três anos.

    Teve também gastos com a manutenção do edifício. Por exemplo, num contrato celebrado em Outubro de 2022, o Banco de Portugal contratou a empresa Rioboco. para fazer a “prestação dos serviços de manutenção das instalações” de dois dos seus dos edifícios, incluindo o situado na Avenida Almirante Reis, e um outro, nos Olivais. O contrato válido por cinco anos envolveu uma despesa de 3.844.700 euros. Este contrato, realizado na sequência de um concurso público, abrangeu, designadamente, a manutenção da rede eléctrica e iluminação das instalações, mas exclui a manutenção de outros elementos, como os elevadores, que consubstanciam uma despesa à parte. Como não existe caderno de encargos no Portal Base, não se sabe quais foram os custos específicos do Edifício Portugal.

    O Edifício Marconi, na Av. Álvaro Pais, será uma casa temporária para os serviços que o Banco de Portugal tem a funcionar no Edifício Portugal, na Av. Almirante Reis. / Foto: PÁGINA UM

    Um mês antes, em Setembro de 2022, o Banco de Portugal tinha contratado, por 600 mil euros, a empresa unipessoal José Jesus Cardoso para fazer a “remodelação interior de espaços nos edifícios do distrito de Lisboa”, incluindo o edifício situado na Avenida Almirante Reis, ou seja, sem envolver a fachada.

    Em todo o caso, as despesas com este e outros edifícios do Banco de Portugal são ‘peanuts‘ comparando com as largas centenas de milhões de euros que terá de eventualmente desembolsar se avançar com a compra do terreno e a construção do novo edifício para centralizar todos os serviços. Sendo que o Banco de Portugal é dono de um terreno pelo qual pagou 37 milhões em 2018, onde planeava concentrar os serviços que tem dispersos por quatro edifícios diferentes em Lisboa, o que nunca chegou a acontecer.

    O PÁGINA UM questionou o Banco de Portugal, ainda no ano passado, sobre o calendário das eventuais obras de conservação e de restauração, bem como sobre o futuro do Edifício Portugal, mas por telefone o gabinete de comunicação da instituição liderada por Mário Centeno disse que não seriam dadas quaisquer informações.

  • ‘Guerra de alecrim e manjerona’ (com 15 anos) entre Fisco e Infraestruturas de Portugal já custou 1,3 milhões

    ‘Guerra de alecrim e manjerona’ (com 15 anos) entre Fisco e Infraestruturas de Portugal já custou 1,3 milhões

    Tudo começou há uma década e meia, e não tem fim à vista. Por causa de um conflito com a arrecadação de IVA, a Infraestruturas de Portugal – a empresa estatal responsável pelas redes rodoviárias e ferroviárias – e a Autoridade Tributária ‘renovam’, ano após ano, diferendos semelhantes que acabam no tribunal administrativo. Junte-se à morosidade judicial que em 15 anos de quezílias ainda não conseguiu tomar uma decisão final em qualquer um dos 11 processos uma incompreensível inacção política para encontrar uma solução por via legislativa. Numa luta entre duas entidades da Administração Pública, cujos resultados serão indiferentes para os contribuintes, quem está a ganhar, e bem, nesta absurda ‘guerra de alecrim e manjerona’ tem sido a sociedade de advogados sistematicamente contratada por ajuste directo pela Infraestruturas de Portugal. Liderada por Eduardo Paz Ferreira, o marido da ex-ministra socialista da Justiça, Francisca Van Dunem, esta sociedade já amealhou 1,3 milhões de euros a tratar destes diferendos.


    O Fisco, já se sabe, não aceita de bom grado que não o deixem amealhar o máximo de imposto e de taxas. Nem as entidades públicas se livram desta sanha. E a antiga Estradas de Portugal, hoje Infraestruturas de Portugal (IP), foi uma dessas ‘vítimas’: no exercício financeiro do ano de 2008 e no primeiro semestre de 2009, esta empresa pública argumentou, perante a Autoridade Tributária, que tinha direito a deduzir o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo à denominada Consignação de Serviço Rodoviário. Essa receita, apesar de legalmente pertencer à IP, era cobrada aos consumidores pelos distribuidores de combustível, que a encaminhava para o Fisco. Somente depois, de acordo com os mecanismos legais para cobrança e liquidação do imposto, esses montantes chegavam (e chegam) à IP.

    O diferendo de 2008 e primeiro semestre de 2009, que poderia ter sido pontual, e mediado, no limite, pelos Ministérios das Finanças e das Infraestruturas, não ficou resolvido nos gabinetes, como seria de esperar em entidades da Administração Pública, e acabou por parar no tribunal. Ou seja, o Tribunal Administrativo é que decidiria em que parte do Estado ficaria esse dinheiro: se no Fisco ou se na IP. Se o diferendo de 2008 foi parar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, o mesmo destino teve um diferendo similar de 2009, e assim sucessivamente, em praticamente todos os anos até, por agora, 2020. À conta disto, estão ainda sem resolução 11 processos nas diferentes fases. Ou melhor dizendo, estão todos os processos, incluindo o de 2008, por resolver, porque nos tribunais administrativos anda tudo a passo de caracol.

    Um desentendimento entre a IP e o Fisco em torno do IVA está longe de entrar nos carris. / Foto: D.R.

    Com efeito, o primeiro processo, que envolve uma verba de 277 mil euros, teve uma decisão favorável ao Fisco na primeira instância, mas está parado desde 2013 por via do recurso da então Estradas de Portugal. Mas se a Autoridade Tributária começou por marcar o ‘primeiro golo’, sem ganhar em definitivo, os conflitos dos outros anos têm estado a dar ‘vitórias’ à actual Infraestruturas de Portugal. Porém, como há recurso do outro lado, contabilizam-se pelo menos oito processos que ainda estão muito longe do fim, porque aguardam acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul depois de um longo ‘calvário’ na primeira instância.

    Só para dar um exemplo, o diferendo relativo ao exercício de 2013 só teve sentença de primeira instância em finais de Março do ano passado – ou seja, assumindo que este conflito entre o Fisco e a IP se terá iniciado em 2014, a primeira decisão judicial demorou 10 anos. Mesmo assim pior está o diferendo de 2008 e primeiro semestre de 2009: depois da primeira sentença, aguarda-se por um acórdão do tribunal de recurso desde 2013. Ou seja, vai fazer, em Março, 12 anos.

    Os processos relativamente mais recentes (2017, 2018, 2019 e 2020) ainda estão numa fase mais atrasada. Nos dois primeiros casos, as impugnações no tribunal por parte da IP, depois do indeferimento do recurso hierárquico no Fisco, foram feitas em Abril de 2023, sem ter havido ainda sentença. Nos outros dois casos (2019 e 2020) ainda se está, respectivamente, na fase de recurso hierárquico e no projecto de relatório de inspecção tributária. Ignora-se se existem mais processos posteriores a 2020.

    Certo é que, com tudo isto, a empresa estatal que gere as redes rodoviárias e ferroviárias em Portugal está num impasse, que se prevê venha a durar anos, ou mesmo décadas, sobre montantes bastante significativos. De acordo com dados da empresa pública, no final de Junho de 2024, o saldo que reivindica deste conflito com o Fisco correspondia a 2,358 mil milhões de euros, um aumento face aos 2,254 mil milhões de euros no final de 2023.

    Com o ‘dinheiro’ empatado, porque contabilisticamente nem o Fisco nem a IP podem considerar aqueles elevados montantes como seus, quem está a pagar é, na verdade, o contribuinte, sendo que lhe será indiferente quem venha a ganhar as causas, uma vez que se tratam de conflitos entre duas entidades da Administração Pública. E o contribuinte está a perder já por uma simples razão: a IP está a contratar a ‘peso de ouro’ uma sociedade de advogados, por ajuste directo, liderada por Eduardo Paz Ferreira, marido da ex-ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, que ocupou o cargo entre 2015 e 2022.

    A ‘colaboração’ entre Paz Ferreira e a IP nos chamados “processos IVA” começou em 2010, ainda com a Estradas de Portugal, para tratar das primeiras fases dos processos. Os montantes recebidos pela sociedade de advogados rondou os 184.500 euros entre 2010 e 2014. Nesta fase, apenas estariam em curso entre cinco e seis processos judiciais, pelo que cada processo, geralmente requerimentos, terá custado à actual IP mais de 30 mil euros.

    Em 2015, com IVA incluído, o montante recebido por Paz Ferreira foi de quase 37 mil, descendo para pouco mais de 21 mil no ano seguinte e em 2017 subiu para 60.270 euros e em 2018 para quase 73 mil euros. Mas depois disparou: em 2019 foi celebrado novo ajuste directo, desta vez pelo valor de quase 347 mil euros, com IVA, que deveria durar para tratar dos “processos IVA” até Fevereiro de 2022. Somente no primeiro semestre de 2023 surgiram dois novos ajustes directos, mas de baixo valor: o primeiro de 12.300 euros, e o segundo de 24.600 euros.

    Eduardo Paz Ferreira, advogado e marido de Francisca Van Dunem, ex-ministra da Justiça do governo socialista. / Foto: D.R.

    Porém, o ano não terminaria sem mais um chorudo contrato de ‘mão-beijada’: Paz Ferreira arrecadou uma adjudicação de mais de 258 mil euros (com IVA) para tratar dos “processos IVA” por três anos; em teoria, até Julho de 2026. Contudo, na prática o dinheiro esfumou-se, supostamente por prestação de serviços. E assim sendo, 17 meses depois, no passado dia 16 de Dezembro, foi assinado um novo ajuste directo com Paz Ferreira no valor de 253.134 euros, IVA incluído.

    Em resposta a questões colocadas pelo PÁGINA UM, um porta-voz da IP diz que houve ” necessidade de um novo contrato decorrente do facto de o anterior se ter esgotado, dados os desenvolvimentos processuais entretanto ocorridos, quer decorrentes dos processos de inspecção anuais quer porque, em 2024, foram proferidas seis decisões judiciais favoráveis à IP, mas objeto de recurso” pela Autoridade Tributária.

    A IP tem justificado a contratação de Paz Ferreira através de uma norma que prevê o ajuste directo sempre que “a natureza das respetivas prestações, nomeadamente as inerentes a serviços de natureza intelectual, não permita a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam definidos os atributos qualitativos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação […], e desde que a definição quantitativa dos atributos das propostas, no âmbito de outros tipos de procedimento, seja desadequada a essa fixação tendo em conta os objetivos da aquisição pretendida”. Essa tem sido uma forma enviesada para perpetuação de ajustes directos, afastando a concorrência.

    Mesmo que haja complexidade nos processos em tribunal, o certo é que a Paz Ferreira está longe de ser a única sociedade de advogados do país capaz de representar a IP em processos relacionados com IVA. Mas o argumento de que ‘só esta sociedade de advogados sabe da poda’ não é verídico nesta situação. Pode estar-se, mais uma vez, perante um abuso na interpretação das normas do Código dos Contratos Públicos.

    Segundo a empresa pública, a mais recente contratação decorre “da necessidade da IP em manter o patrocínio judiciário que tem vindo a ser assegurado, mantendo, deste modo, a estratégia e o sucesso da defesa adoptada, que tem subjacente um elevado grau de conhecimento nas valências de direito e processo tributário e o conhecimento efetivo de toda a tramitação inerente aos complexos processos em curso e aos que eventualmente se venham a iniciar, com a mesma natureza fiscal, valências essas que, pela sua especificidade, a equipa interna da IP não dispõe”.

    De entre os contratos públicos celebrados pelo escritório de Eduardo Paz Ferreira, a IP é, de longe, o seu melhor cliente, totalizando 13 contratos, todos por ajuste directo, a que acrescem mais seis pela Estradas de Portugal, até 2015. No total, este advogado celebrou 58 contratos desde 2013, segundo dados do Portal Base, sempre de ‘mão-beijada’, facturando cerca de 2,9 milhões de euros. Com a IP será previsível, se se mantiver, o facilitismo na contratação, que continue assim por muitos anos.

    Na plataforma que agrega os registos sobre contratos públicos, o Portal Base, encontram-se contratos adjudicados pela IP à Paz Ferreira desde 2015. No entanto, as verbas envolvidas eram bem mais baixas, situando-se entre os 7.500 euros e os 40 mil euros.

    Ainda não é visível a luz ao fundo do túnel nos processos que opõem a IP e o Fisco. / Foto: D.R.

    Saliente-se, por fim, que o diferendo com a Autoridade Tributária tem tido fortes reflexos negativos nas contas da empresa pública liderada por Miguel Cruz, que foi secretário de Estado do Tesouro entre Junho de 2020 e Março de 2022. No primeiro semestre de 2024, a IP teve mesmo de reforçar as suas provisões em 20,3 milhões de euros, ficando o valor acumulado nos 547,7 milhões de euros no final do primeiro semestre do ano passado. Esse montante que “corresponde ao IVA que o Grupo IP estima que deixaria de receber caso fosse considerado que a CSR [Consignação do Serviço Rodoviário] não é uma receita sujeita a IVA”.

    A empresa também registava, a 30 de Junho último, responsabilidades assumidas com garantias bancárias de 1,5 mil milhões de euros prestadas a favor da Autoridade Tributária decorrentes do processo do IVA, além de assumir ainda garantias no montante de 4,9 milhões de euros prestadas a favor de
    tribunais no âmbito de processos de contencioso e a outras entidades.


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  • Concorrência: Tribunais ‘perdoaram’ 25 milhões de euros em multas aplicadas nos últimos dois anos

    Concorrência: Tribunais ‘perdoaram’ 25 milhões de euros em multas aplicadas nos últimos dois anos

    Nos últimos dois anos, quatro de seis grandes processos que foram parar aos tribunais para deliberar sobre condenações da Autoridade da Concorrência resultaram em ‘perdões’ parciais das coimas decididas pelo regulador. As reduções das coimas oscilaram entre os 16% e os 94% e beneficiaram empresas e indivíduos condenados pela Concorrência. Só nestes quatro processos, são 25 milhões de euros que já não têm de ser pagos. Mas, além destes ‘perdões’ aplicados a quem foi ‘apanhado’ a cometer infracções à lei, saltam à vista as muitas tentativas das entidades condenadas em arrastar os casos na Justiça, muitas vezes até à prescrição, como está a suceder com o ‘cartel’ da banca.


    No dia 6 de Setembro de 2022, a Autoridade da Concorrência (AdC) aplicou uma coima de 2,5 milhões de euros à Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (SCML) por esta ter realizado a compra da CVP – Sociedade de Gestão Hospitalar, S.A sem ter pedido a devida não oposição do regulador, uma prática conhecida como ‘gun jumping‘. Na sua decisão, a AdC levou em conta o facto de a SCML ter demonstrado “uma colaboração adequada” durante “a fase de análise da operação de concentração notificada” e também “no decurso do processo contra-ordenacional”.

    Contudo, já em 2023, o Tribunal da Concorrência, Regulação e Supervisão (TCRS), apesar de ter confirmado a infracção de ‘gun jumping‘, reduziu o montante da coima a pagar pela SCML para 160 mil euros. O Tribunal justificou a redução de 94% da coima por ” entre outras circunstâncias, ter afastado o dolo imputado pela AdC e concluído pela mera negligência da SCML, bem como por ter concluído que a atuação ilícita da SCML era reconduzível a uma única contra-ordenação”, segundo informação que consta no processo no site da AdC.

    Este é um dos casos recentes em que empresas condenadas pela AdC beneficiam de redução nas coimas graças a decisões na Justiça. No entanto, não é caso único. Outros processos mediáticos investigados pela AdC resultaram na aplicação de coimas aos infractores que, depois, viram os tribunais a reduzir o valor da sanção a pagar.

    Foto: D.R.

    No total, em quatro processos, a ‘poupança’ para as entidades condenadas chegou aos 24,9 milhões de euros, com a redução de coimas a oscilar entre os 16% do montante inicial aplicado pela AdC e os 93,4%.

    O maior ‘perdão’, no valor de 14 milhões de euros, beneficiou a MEO. A empresa de telecomunicações tinha sido condenada pela AdC ao pagamento de uma coima de 84 milhões de euros. Isto porque a empresa realizou e implementou um acordo com a NOWO, “visando a fixação de preços e a repartição do mercado, no mercado retalhista de serviços de comunicações móveis vendidos de forma isolada (‘standalone‘) no território 37 nacional e no mercado retalhista de serviços de comunicações oferecidos em pacotes convergentes (que incluem serviços de comunicações móveis e fixas) nas áreas geográficas em que a NOWO dispõe de uma rede de comunicações fixas (distritos de Aveiro, Castelo Branco, Évora, Leiria e Setúbal), com o objeto de restringir, de forma sensível”.

    O TCRS confirmou a condenação bem como a coima. Mas a MEO recorreu para o Tribunal da Relação, o qual, num acórdão em 2023, confirmou igualmente a infracção, mas reduziu a coima para 70 milhões de euros. Apesar desta redução, a AdC destacou, no seu relatório de Actividades de 2023, que ” tratou-se da coima mais elevada alguma vez fixada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, em sede de apreciação de decisões da AdC”.

    person standing near the stairs

    Outro caso mediático foi o processo dos CMEC, no qual foi condenada a EDP – Gestão da Produção de Energia, S.A por sentença proferida em 10 de agosto de 2022. Nesse acórdão, o TCRS confirmou a decisão da AdC, de 17 de setembro de 2019, por prática de abuso de posição dominante. A infracção consistiu “na limitação das ofertas do serviço de sistema de regulação secundária pelas centrais CMEC, de modo a transferir atividade e receitas para as suas centrais de mercado e, assim, elevar artificialmente os preços deste serviço e a remuneração das centrais CMEC, entre janeiro de 2009 a dezembro de 2013”, segundo a AdC.

    A EDP foi ainda condenada na sanção acessória de publicação de extrato da presente sentença na II série do Diário da República e em jornal de expansão nacional, no prazo de 20 dias úteis após trânsito em julgado. Contudo, a eléctrica recorreu da condenação. A 20 de fevereiro de 2023, o TRL confirmou a infracção mas reduziu a coima aplicada para 70 milhões de euros.

    Também num processo mediático que envolveu empresas do sector da ferrovia, a Justiça baixou o valor das coimas a pagar. As visadas neste caso são a Fergrupo e Somafel, acusadas de celebrar e executar dois acordos entre empresas, visando a fixação do nível dos preços e a repartição do mercado, no âmbito dos concursos lançados pela REFER/IP para a prestação dos serviços de manutenção de aparelhos de via, na rede ferroviária nacional, via larga, para o período 2015-2017. O objectivo das empresas era “impedir, falsear ou restringir, de forma sensível, a concorrência, cometeram, cada uma, duas infrações”.

    Coimas pagas à Autoridade da Concorrência nos últimos cinco anos, em milhares de euros. Dados de 2024 até ao dia 1 de Dezembro)
    Fonte: AdC

    Neste caso, o TCRS baixou em cerca de 30% o montante das coimas aplicadas pela AdC às empresas visadas e em cerca de 40% às pessoas singulares. A Somafel, por exemplo, viu a sua coima descer de 925 mil euros para 640 mil euros enquanto a coima do Fergrupo baixou de 870 mil euros para 600 mil euros. O TRL manteve a decisão do TCRS mas o acórdão não transitou em julgado, por ter havido recursos para o Tribunal Constitucional.

    Num outro processo mediático, em que a visada foi a Super Bock, em 24 de julho de 2019, a AdC condenou a empresa e um administrador e um diretor da empresa ao pagamento de coimas de valor global superior a 24 milhões de euros por fixação de preços de revenda e de outras condições de transacção. Mas este caso encontra-se “pendente recurso de impugnação judicial da decisão final”.

    Outro caso muito mediático, cuja investigação pela AdC teve início em 2012, o regulador condenou 14 bancos a pagar um total de 225 milhões de euros em coimas. A denúncia partiu do Barclays e, posteriormente, a AdC concluiu que os bancos “trocaram entre si informação sensível, durante um período superior a dez anos, relativamente ao crédito habitação, crédito ao consumo e crédito a empresas, o que consubstancia uma prática concertada entre concorrentes”. Também neste caso encontra-se pendente recurso de impugnação judicial da decisão final, havendo mesmo bancos a invocar a prescrição da condenação.

    Coimas aplicadas pela Autoridade da Concorrência nos últimos cinco anos. (Valores em milhares de euros / Dados de 2024 até ao dia 1 de Dezembro) / Fonte: AdC

    Apesar de haver em vários processos lugar a redução das coimas por parte dos tribunais, segundo o relatório anual da AdC referente a 2023, considerando um universo de 28 decisões judiciais que envolveram directamente as leis da concorrência, 20 foram favoráveis à AdC, quatro foram parcialmente favoráveis e quatro foram desfavoráveis, o que, segundo o regulador “determina uma taxa de sucesso de cerca de 72% ou de 85% se forem igualmente consideradas as decisões parcialmente favoráveis”.

    Mas a realidade que a AdC enfrenta é a de processos quase eternos na Justiça. “O recurso a meios processuais dilatórios – relativamente recorrente nos processos judiciais da concorrência por parte das empresas – conjugado com a morosidade dos tribunais potencia a prescrição de processos que é geradora de uma impunidade sistémica grave”, afirmou uma porta-voz da AdC ao PÁGINA UM. Frisou que, “quando há situações de prescrição há uma denegação de justiça que põe a aplicação do direito da concorrência e de uma cultura de concorrência”. A mesma fonte destacou que, “para acautelar e regular estas situações, a última revisão à Lei da Concorrência (que transpôs a diretiva ECN+) prevê a suspensão do prazo prescricional durante toda a fase judicial”. Uma medida que pode empurrar mais empresas para colaborarem com a AdC e aceitarem pagar as coimas em vez de avançar para a Justiça.


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  • Padaria Portuguesa: a polémica empresa familiar, não assim tão doce, valerá 17 milhões de euros

    Padaria Portuguesa: a polémica empresa familiar, não assim tão doce, valerá 17 milhões de euros

    A Padaria Portuguesa está à venda, e as notícias veiculadas pela imprensa garantem que existem fundos de capital de risco e de private equity interessados no negócio intermediado pelo banco de investimentos Haitong. Mas por detrás desta cadeia de 78 lojas de restauração, além de duas fábricas de panificação, estão muitas fragilidades, com prejuízos elevados durante a pandemia e uma facturação que está em estagnação com margens operacionais modestas. A reputação da empresa de pagar pouco aos funcionários tem sido também uma marca pouco abonatória, e há agora um litígio com o fisco de quase 900 mil euros. No final de Outubro, chegou entretanto uma rival de peso ao mercado português, com a abertura da primeira loja da britânica Pret a Manger, no Centro Colombo, e aparentemente os actuais sócios querem saltar fora do barco. O destino da empresa que teve como sócios iniciais o ex-ministro Dias Loureiro e até Nuno Rebelo de Sousa, filho do actual Presidente da República, parece estar encaminhado. Mas a que preço?


    Salários baixos, anos com prejuízos e uma marca consolidada, com um marketing também assente na figura mediática de um dos sócios, José Diogo Quintela, do quarteto humorístico Gato Fedorento. Para os donos da Padaria Portuguesa, a oportunidade para vender a cadeia de lojas de restauração pode ser única. Os dois últimos anos foram de lucros, mas após dois penosos anos de prejuízos em 2020 e 2021, por via das opções adoptadas pelo Governo na gestão da pandemia de covid-19 terem triturado a Economia e esmagado muitas empresas em áreas como a da restauração e alojamento.

    Apesar dos subsídios do Estado para compensar a perda de rendimento da Padaria Portuguesa no valor de quase 3,9 milhões de euros entre 2020 e 2022, a empresa registou prejuízos de 4,8 milhões de euros no somatório dos anos de 2020 e 2021, regressando aos lucros em 2022 com 887 mil euros de lucros. No ano passado, os lucros até subiram, para 1,6 milhões de euros, mas uma parte substancial devido a activos por impostos diferidos, ou seja, uma forma de compensação fiscal por prejuízos anteriores.

    Mais do que uma real vontade de expandir o seu negócio, a venda pelos sócios – Nuno Carvalho e demais familiares, incluindo José Diogo Quintela – denota pressa para se livrarem de um negócio que já viu melhores dias. Até porque a concorrência por parte de formatos similares está a aumentar. Aliás, a britânica Pret a Manger acaba de inaugurar a sua primeira loja em Portugal, em Lisboa, no Centro Colombo pela ‘mão’ da Ibersol, que opera marcas de ‘fast food‘. E um sinal disso está no facto de no ano passado terem sido distribuídos 800 mil euros de dividendos, numa empresa em anos anteriores apostava sobretudo em investir lucros, só possível por um aumento do endividamento.

    Recorde-se que a Padaria Portuguesa nasceu em 2010 numa pequena fábrica em Samora Correia, tendo, curiosamente, nesta fase como sócios Nuno Carvalho, em nome individual, e a ZDQ Unipessoal, do seu primo José Diogo Quintela. Mais tarde, juntou-se a Bakers Capital, através de um aumento de capital, controlada pelo ex-ministro social-democrata Dias Loureiro. Em 2013, houve outra entrada de um sócio: Nuno Rebelo de Sousa, o agora mediático filho do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, mas foi passagem efémera, porque em 2015 deixou de constar na estrutura societária da empresa. Hoje, a empresa é detida pela ZDQ Unipessoal, de Diogo Quintela, pela Nutelo, de Nuno Carvalho, presidente-executivo, e ainda por outros membros da família.

    No ano de 2019, a Padaria Portuguesa obteve lucros de 1,3 milhões de euros e estava em franca expansão. Mas chegou a pandemia, e Portugal não a geriu como a Suécia. E fechou tudo. Logo em Abril de 2020, Nuno Carvalho criticou essa medida, escrevendo uma carta aberta ao ministro da Economia Pedro Siza Vieira, alertando sobre o impacte dos confinamentos, mas acabou criticado pelo unanimismo imposto do ‘vai ficar tudo bem’. Para a Padaria Portuguesa ficou tudo mal. Mesmo com subsídios à exploração nesse ano por parte do Estado de quase 1,8 milhões de euros, a empresa fechou as contas anuais com prejuízos de mais de 1,5 milhões de euros, à medida que o país prosseguia com a gestão radical da pandemia.

    Aliás, mesmo com alguma abertura do comércio, mas ainda num cenário de forte instabilidade e quase sem turistas, a facturação da Padaria Portuguesa estagnou em 2021, na ordem dos 26 milhões de euros, e mesmo com uma redução nos gastos com pessoal de 4,3 milhões de euros em relação a 2019 e ainda 1,5 milhões de euros em subsídios do Estados, os resultados operacionais foram negativos. E no final, resultados líquidos bateram ainda mais no vermelho: prejuízos de quase 3,3 milhões de euros.

    Foto: D.R.

    Apesar de um regresso aos lucros em 2002, em cerca de 886 mil euros, o mal estava feito e a empresa perdeu gás. No ano passado, o lucro atinguu os 1,6 milhões de euros, mas sobretudo graças à contabilização de impostos ‘derivados’ dos prejuízos na pandemia. Antes de impostos, o resultado foi de apenas 836 mil euros. No mesmo exercício, os sócios aproveitaram para ‘sacar’ 800 mil euros em dividendos, denotando já um sinal de desinvestimento.

    Este ano, a empresa anunciou um plano de expansão que envolve um investimento de 16 milhões de euros para adicionar 40 lojas às actuais 78 e criar 600 empregos até 2028, mas mostra-se evidente que não tem ‘mãos para tocar essa guitarra’, porque, em comparação com 2019, os capitais próprios (‘património’ dos sócios) estão mais baixos em 3,1 milhões de euros e o passivo (sobretudo endividamento) aumentou quatro milhões de euros). Ou seja, a autonomia financeira é bastante baixa.

    A evolução da facturação da empresa, mesmo descontando o impacte da pandemia, foi muito modesta: saltou de 39,4 milhões de euros em 2019 para 42,6 milhões, prevendo a empresa fechar este ano com vendas na ordem dos 44 milhões. Ora, isso significa um aumento da facturação um pouco acima de 10%, muito inferior à taxa de inflação.

    Mas a empresa tem mais alguns pontos fracos, para além de demonstrar uma grande sensibilidade a factores externos e políticos, como sucedeu durante a pandemia. Além disso, o PÁGINA UM apurou que a Padaria Portuguesa tem em curso um litígio judicial com a Autoridade Tributária, tendo entrado no passado dia 22 de Outubro com um processo de impugnação no Tribunal Tributário de Lisboa por causa de 893.492,41 euros em impostos.

    Mas é, sem dúvida, a reputação de empregador ‘sovina’, baseada em salários baixas, que tem sido o grande ‘calcanhar de Aquiles’ da Padaria Portuguesa, que se tornou quase uma imagem de marca da empresa. De facto, uma análise à evolução dos gastos com pessoal entre 2019 e 2023 mostram uma prevalência de sinais de salários baixos, especialmente quando comparados ao número de empregados.

    Por exemplo, olhando em detalhe para estes dados, em 2019, os gastos com pessoal foram de 15.052.110 euros enquanto em 2023 ascenderam a 15.946.429 euros. Em 2019, a empresa empregava 1.104 trabalhadores, dos quais 939 a tempo inteiro e 165 a tempo parcial. Em 2023, empregava 905 funcionários, dos quais 764 a tempo inteiro e 141 a tempo parcial. Isto resulta em gastos anuais médios por empregado de 13.638 euros, em 2019, e de 17.621 euros em 2023.

    Foto: D.R.

    Apesar de ter existido uma recuperação, este gasto médio por empregado é indicativo de salários baixos. O valor anual médio de 17.621 euros, em 2023, traduzindo-se em cerca de 1.468 euros por mês, incluindo os encargos sociais, sugerindo salários médios líquidos inferiores, especialmente para trabalhadores a tempo parcial. Por outro lado, a proporção de trabalhadores a tempo parcial também contribui para a redução do gasto médio, mas mesmo entre os trabalhadores a tempo inteiro, o valor médio não reflecte salários competitivos, considerando o sector.

    Ora, por um lado, o custo laboral reduzido contribui para margens operacionais mais sustentáveis, especialmente em anos difíceis, como foi o caso de 2020 e 2021. Mas abre a porta ao risco de não conseguir fazer retenção de talentos, já que salários baixos são sinónimo de uma rotatividade elevada de pessoal, afetando a continuidade e eficiência operacional. Há ainda a contabilizar os danos causados na imagem pública, já que a prática sistemática de salários baixos é, em geral, mal recebida pelo público, especialmente em sectores que valorizam práticas laborais éticas.

    Há, portanto, um caminho a percorrer nesta matéria para que a Padaria Portuguesa se torne mais competitiva nesta matéria. Um ajuste salarial proporcional à recuperação seria aconselhável. Com a recuperação das receitas e do EBITDA em 2022 e 2023, seria recomendável que a empresa avaliasse aumentos salariais para reter talentos e melhorar a motivação dos seus empregados. Complementar os salários com benefícios, designadamente formação, subsídios ou incentivos de produtividade, pode mitigar a percepção de uma empresa que paga salários baixos.

    Nuno Carvalho, CEO, (à esquerda) e José Diogo Quintela a participar num programa da RFM, em 2015.

    Num contexto de venda da empresa, apresentar um custo laboral reduzido é um factor que contribui para a viabilidade da empresa, mas pode haver um potencial impacto negativo de uma eventual dependência excessiva de salários baixos em negociações futuras. Supondo que a empresa pudesse aumentar em média em 10% os salários dos seus funcionários, teria um impacto nos resultados e na sustentabilidade do negócio. A margem EBITDA iria cair ligeiramente. Mas, no caso de o comprador ter um forte compromisso ético, o negócio seria atractivo, embora o preço de aquisição fosse reflectir o impacto do aumento salarial.

    Olhando para o mercado, com base no EBITDA de 2023, de 3.343.879 euros, considerando uma avaliação do negócio assente em múltiplos médios de operações de fusão e aquisição na Europa, em 2023, de cinco vezes o EBITDA, a avaliação da empresa ficaria próxima dos 17 milhões de euros.

    Tudo isto ponderado, o eventual futuro dono da cadeia de lojas da Padaria Portuguesa herdará uma marca – para além dos croissants, pão-de-deus e outros produtos conhecidos da empresa – mas também algumas polémicas que ficaram na memória. Quem não se lembra dos bolos-rei empilhados em cima de um caixote do lixo em frente à loja da marca no centro da Graça, em Lisboa. Ou ainda as frases proferidas por Nuno Carvalho, em defesa de uma maior flexibilidade laboral em Portugal. Com um passado de ser uma empresa familiar e algumas polémicas à mistura, em 2025 irá saber-se se a Padaria Portuguesa irá mudar de menu e melhorar a sua política laboral ou se ficará tudo na mesma.


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  • Empresa ‘estrela’ do ‘ChatGPT’ lusitano recebe milhões, mas tem capital de 108 euros e ainda nem apresentou contas de 2023

    Empresa ‘estrela’ do ‘ChatGPT’ lusitano recebe milhões, mas tem capital de 108 euros e ainda nem apresentou contas de 2023

    Fundada como empresa unipessoal em 2013, a Unbabel é uma das parceiras do projecto do ‘ChatGPT’ português, mas a casa-mãe, a Unbabel Inc, é norte-americana e é uma incógnita. Nos últimos anos, a empresa contou com o financiamento de seis projectos agraciados com fundos europeus, num total de perto de 21 milhões de euros. Além disso, tem realizado rondas de financiamento junto de empresas de capital de risco e investidores, com a última ronda a superar os 20 milhões de euros. Mas, apesar dos sonhos altos e da imagem ‘hi-tech’ a ‘portuguesa’ Unbabel tem apenas um capital social de 108 euros e, apesar de todo conhecimento em inteligência artificial, as últimas contas que divulgou foram as do ano de… 2022.


    De Samora Correia para o Mundo. A Unbabel, parceira ‘estrela’ do ‘ChatGPT’ português que deverá nascer em 2025, foi fundada por sócios portugueses. Hoje, a casa-mãe tem sede em São Francisco e a empresa tem escritórios em oito cidades, incluindo em Lisboa, Londres e Israel. Mas, apesar de trabalhar na área da inteligência artificial (IA), a ‘portuguesa’ Unbabel tem um capital social de apenas 108 euros e as últimas contas anuais conhecidas são as do ano de 2022.

    O reduzido montante de capital social não a impediu de ‘ganhar asas’ e angariar perto de 21 milhões de euros em fundos europeus tanto através da participação em cinco projectos no programa Portugal 2020 e um projecto contemplado no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Neste último financiamento, a Unbabel Unipessoal obteve 18,5 milhões de euros, dos quais 9,9 milhões de euros já entraram em ‘caixa’, para liderar a fundação do Centro para a AI Responsável, um projecto iniciado em 2021 e que tem data prevista de conclusão de Dezembro de 2025, englobando a criação da “próxima geração de produtos de IA”.

    A empresa é uma das principais protagonistas do projecto anunciado no mês passado, pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, que visa criar um grande modelo de linguagem (LLM, na sigla inglesa) em português ‘de Portugal’. O ‘AMÁLIA’, ou ‘Assistente Multimodal Automático de Linguagem com Inteligência Artificial’, é a primeira iniciativa divulgada no âmbito da ‘Agenda Nacional de Inteligência Artificial’ que será apresentada pelo governo no primeiro trimestre de 2025.

    Segundo o governo, o AMÁLIA “tem previsto um investimento de 5,5 milhões de euros e um calendário de trabalho e desenvolvimento de 18 meses, do qual resultará uma primeira versão multimodal” do projecto. Mas, a este valor “acresce o vasto investimento já realizado em infraestrutura de computação, projetos de desenvolvimento e recursos humanos especializados que contribuirão em grande medida para o desenvolvimento do LLM. Aqui está inserido o investimento no LLM GlorIA e também em infraestrutura de computação de alta-performance do Deucalion e Mare Nostrum 5, supercomputadores instalados, respectivamente, na Universidade do Minho e em Barcelona.

    Mas o AMÁLIA vai assentar num alicerce já existente: o Tower LLM, da Unbabel, idealizado para tarefas de tradução. Parte ‘dos tijolos’ para construir o ‘ChatGPT’ português virá de dados da Fundação Científica de Cálculo Nacional (FCCN). Paulo Dimas, vice-presidente de Inovação da Unbabel e CEO do Centro para IA Responsável, disse ao Eco que, além da Unbabel, está envolvida no AMÁLIA uma equipa de investigação da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova, liderada pelo professor João Magalhães, além da equipa de investigação no Instituto Superior Técnico (IST), liderada pelo professor André Martins, que é também vice-presidente do departamento de pesquisa de IA na Unbabel.

    Vasco Pedro, co-fundador e presidente-executivo da Unbabel é uma presença assídua nas edições da Web Summit. / Foto: D.R.

    A Unbabel é, assim, uma peça central no futuro LLM em português. Mas esta é apenas uma das facetas da empresa que já opera desde 2013 e, através de fusões e aquisições já está presente em diversos mercados. Hoje, disponibiliza serviços de tradução em mais de 30 línguas diferentes. A empresa emprega 328 trabalhadores e tem seis vagas abertas para diversas funções, segundo o seu site. A Unibabel Unipessoal tem a sua sede em Lisboa, na Rua Castilho 52. Mas a empresa está também presente em mais sete localizações: São Francisco (sede da casa-mãe, Unibabel Inc.), Londres, Edinburgo, Telavive, Cebu e Timisoara.

    A empresa nasceu como uma sociedade por quotas tendo como sócios fundadores o actual presidente-executivo, Vasco Pedro, e João Graça, Sofia Pessanha, Hugo Vieira da Silva e Hugo Prezado da Silva. Em 2023, integrou a empresa israelita Bablic, que foi fundada em 2011, bem como a alemã EVS Translations, criada em 1991. Antes, em 2021, tinha integrado a britânica Lingo24, com sede em Edinburgo, fundada em 2001.

    No final do ano passado, a empresa anunciou um aumento de capital de dois euros subscrito em dinheiro pelas “novas sócias Ged Tech Seed, Fundo de Capital de Risco Fechado e Ged Tech Growth, Fundo de Capital de Risco Fechado”, geridos pela Ged Ventures Portugal, Sociedade Capital de Risco, com sede em Lisboa. Após esta operação passou a ter um capital social de 108 euros, dos quais 101 euros são detidos pela Unbabel Inc., com sede em São Francisco, nos Estados Unidos, que como sociedade anónima não está obrigada a revelar os seus accionistas..

    Os restantes sócios da Unbabel ‘lusitana’, com uma quota simbólica de um euro cada, são os fundos de capital de risco Explorer Growth Fund II, III,IV, e V, geridos pela Explorer Investments – Sociedade de Capital de Risco, S.A, com sede em Lisboa;  e o Indico Opportunity Fund I – Fundo de Capital de Risco, gerido pela Indico Capital Partners, Sociedade de Capital de Risco, S.A, com sede em Lisboa.

    Também no final de 2023 foi anunciada a realização de uma emissão de obrigações no montante de 10 milhões de euros efectuada através de uma oferta particular.

    Desde o seu nascimento, a empresa tem realizado rondas de investimento, além dos financiamentos obtidos via fundos comunitários. Na última ronda, há um ano, a empresa angariou 21 milhões de dólares junto de um conjunto de investidores de capital de risco, nomeadamente, Iberis Capital, GED Ventures Portugal, Point 72, Notion, ScaleVentures Partners e Caixa Capital.

    Imagem do edifício-sede da Unbabel Unipessoal em Lisboa. / Foto: D.R.; Unababel

    Nas últimas contas anuais da Unbabel Unipessoal disponíveis, referentes a 2022, a empresa registou uma facturação de 16,7 milhões de euros e um resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos de 3,3 milhões de euros. Mas créditos fiscais de 2,3 milhões de euros fizeram saltar os lucros da empresa para 5,2 milhões de euros. Nas suas contas, a Unbabel contabilizou ainda um valor de 3,8 milhões de euros de activos por impostos diferidos.

    Do lado dos custos com pessoal, a empresa com sede em Lisboa registou gastos de 11,2 milhões de euros, dos quais 8,5 milhões de euros referentes a remunerações. Mas, contrastando com os custos, na Unbabel ‘portuguesa’, apenas se encontram activos fixos tangíveis de 177 mil euros e activos intangíveis de 25 mil euros. Traduzido ‘em miúdos’, o ‘tesouro’ desta Torre de Babel ‘inteligente’ lusa parece estar fora de Portugal.

    O PÁGINA UM contactou a Unbabel pedindo para, além de informações sobre os investimentos na ‘Amália’, serem identificados que eram os beneficários efectivos da Unbabel ‘lusitana’, porque não consta no registo nacional, quem eram os sócios com capital na Unbabel Inc. e se poderiam ser enviados os resultados financeiros dessa empresa com sede nos Estados Unidos. Além disso, considerando que os rendimentos da Unbabel ‘lusitana’ andam em redor de valores pouco acima de 10 milhões de euros, relativamente estáveis, perguntava-se se se afigurava estarmos perante um unicórnio, cujo conceito remete para uma startup com uma avaliação acima de mil milhões de dólares. O CEO e fundador da empresa, Vasco Pedro, ainda respondeu que sobre receitas e accionistas, “infelizmente não podemos divulgar” nada, mas prometendo que teriam “todo o gosto em ajudar” sobre o resto. Não ajudaram.


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  • Trumpmania 2.0: Mercados de capitais reagem em euforia à “vitória esmagadora” dos republicanos

    Trumpmania 2.0: Mercados de capitais reagem em euforia à “vitória esmagadora” dos republicanos

    O choque que muitos sofreram com o regresso do antigo presidente dos Estados Unidos Donald Trump à Casa Branca não parece ter chegado aos mercados de capitais. Pelo contrário. Os dados sugerem que investidores e casas de investimento já estavam a prever um resultado favorável para o candidato republicano. A vitória do Partido Republicano acabou por ser esmagadora em várias frentes, do Senado à Câmara dos Representantes, reforçando os poderes de Trump, o que ajudará o novo presidente dos Estados Unidos a baixar os impostos a empresas, como pretende, e a impor taxas nas importações. Por outro lado, o Mundo também não parece ter mergulhado no apocalipse, o que está a desapontar grande parte da comunicação social e comentadores mediáticos que adoptaram uma posição activista em prol de Kamala Harris e do Partido Democrata durante a campanha. A ‘ressaca’ e espanto nos media tradicionais contrasta com a animação e confirmação das previsões nos mercados de capitais.


    Não chegou o apocalipse nem acabou o mundo após a eleição de Donald Trump para a Casa Branca. Para grande desilusão de muitos comentadores influencers, e a generalidade dos jornalistas dos media tradicionais, o regresso do antigo presidente dos Estados Unidos republicano à Casa Branca está a ser motivo de celebração para muitos, nomeadamente no sector empresarial e económico e nos mercados de capitais.

    Ao contrário do que sucede cada vez mais nos media, em que jornais e jornalistas adoptam uma posição de activistas, neste caso de apoio a Kamala Harris e ao Partido Democrata, nos mercados de capitais os factos é que contam. Analistas financeiros destacam a “vitória esmagadora” dos republicanos que deixa a porta aberta para a prometida descida de impostos para empresas nos Estados Unidos. Os mercados também antecipam a perspectiva de se estar mais perto do fim de alguns conflitos armados, além de se preverem melhores expectativas para a economia. Tudo isto levou os índices norte-americanos para novos máximos históricos e gerou valorizações em diversos sectores de actividade e classes de activos.

    Até em Lisboa houve quem celebrasse a vitória do candidato republicano e antigo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na corrida à Casa Branca. (Foto: PÁGINA UM)

    De resto, os dados mostram que nos mercados de capitais já se contava com a vitória do candidato do Partido Republicano nestas eleições para a presidência dos Estados Unidos. “Havia uma cegueira, um certo negacionismo nos media tradicionais, de que Trump iria ganhar, mas os mercados já estavam a descontar que o cenário central seria o de uma vitória dos republicanos”, disse Filipe Garcia, economista da IMF-Informação de Mercados Financeiros. “Os mercados só não previam que a vitória dos republicanos fosse tão vasta, por isso é que ainda reagiram”, adiantou em declarações em PÁGINA UM.

    De facto, os mercados de capitais reflectem as perspectivas para a economia e para os lucros de diversos sectores e evolução dos preços de matérias-primas. Com a confirmação da eleição de Trump e a esmagadora vitória republicana em várias frentes, os índices norte-americanos dispararam para novos máximos, o dólar valorizou, as criptomoedas dispararam.

    A 6 de Novembro, um dia a seguir às eleições, era claro que a vitória de Trump não era uma surpresa para muitos investidores e analistas. “Com todos os sinais a apontarem para uma vitória de Donald Trump, esperamos que muitas das suas políticas populistas tenham repercussões, embora os mercados tenham sido largamente avaliados a contar com este resultado”, escreveram responsáveis da Allianz Global Investors numa análise publicada a seguir às eleições.

    Para Filipe Garcia, Trump ganhou sobretudo devido “à falta de propostas” do Partido Democrata. “O outro lado não tinha nada para oferecer”, sublinhou.

    O regresso do republicano Donald Trump à Casa Branca já era largamente antecipado pelos mercados financeiros que esperam um acalmar de alguns conflitos e tensões geo-políticas, nomeadamente na Ucrânia, e um cenário mais positivo para a economia norte-americana e as empresas dos Estados Unidos.

    E o que dizem os mercados de capitais? Esperam que os republicanos implementem medidas que irão beneficiar as empresas norte-americanas e a economia nos Estados Unidos. Prevêem que Trump vai levar a que acalmem ou se resolvam guerras e conflitos. Segundo Filipe Garcia, “os mercados estão a descontar um apaziguar das coisas”, nomeadamente na Ucrânia. Mas lembrou que, para já, a administração Biden vai continuar a armar e a financiar Zelensky enquanto Putin, em troca, não quererá dar sinais de fraqueza, pelo que a acalmia naquele conflito pode não chegar já. “No anterior mandato, Trump não iniciou guerras, mas não quer dizer que resolveu os problemas, apenas os meteu debaixo do tapete”, lembrou Filipe Garcia.

    Em termos de ‘vencedores’ deste resultado nas eleições nos Estados Unidos, no mercado accionista contam-se bancos, tecnológicas, e, claro, a Tesla de Elon Musk, um aliado do novo presidente. Entre os perdedores, estão as grandes farmacêuticas, a antecipar que os dias de políticas de saúde pública vergadas à influência e poder das ‘big-pharma‘ vão chegar ao fim, pelo menos nos Estados Unidos. Também o ouro desvalorizou para o mínimo em dois meses, com os investidores mais confiantes a apostarem no mercado accionista. O preço do ouro fechou nos 2749,7 dólares a onça, no dia 5 de Novembro e no dia 13 fechou a cotar nos 2586,5 dólares, uma queda de 6%.

    Comecemos então por olhar para os vencedores destas eleições nos Estados Unidos.

    Os principais índices accionistas norte-americanos dispararam para novos máximos de sempre com a eleição de Trump, a antecipar uma redução da carga fiscal sobre as empresas e uma maior pujança económica. Também esperam que a “vitória esmagadora” dos republicanos permita ao novo presidente dos Estados Unidos implementar políticas sem o boicote ou travões do Partido Democrata.

    Os analistas da Allianz Global Investors destacaram, numa análise após as eleições que “o foco de Donald Trump na redução dos impostos sobre as empresas e numa maior desregulação deverá favorecer as empresas dos EUA (Estados Unidos), especialmente os pequenos negócios com avaliações atrativas no mercado acionista”.

    Segundo Michael Heydt, analista da divisão de ‘ratings’ de dívida soberana da Morninstar DBRS, “a forte performance eleitoral dos republicanos – vencendo a presidência, o Senado e, potencialmente, a Câmara dos Representantes – coloca-os numa posição de mudar de várias formas importantes a política económica dos Estados Unidos”.

    O dólar valorizou, designadamente face à moeda única europeia enquanto o petróleo reflecte a previsão de um aumento da oferta e de vir a haver menos entraves regulatórios à exploração nos Estados Unidos, que são já o maior produtor de mundial, liderando na produção de barris de ‘ouro negro’ por dia.

    Para os especialistas da Allianz Global Investors, “a posição dura de Trump numa série de questões que vão desde o comércio à imigração poderá impulsionar o dólar americano e o ouro”. Já o impacto nos mercados obrigacionistas “é mais difícil de prever”.

    No caso do preço do petróleo, fechou no dia 5 de Novembro nos 71,99 dólares o barril de crude e no dia 13 de Novembro valia 67,93 dólares o barril no fecho do mercado. Durante a campanha eleitoral, Trump apresentou uma política energética que promete focar-se na produção de combustível e energia dos Estados Unidos. Esta estratégia contraria as políticas da Administração Biden, mais voltadas para seguir a estratégia focada nos negócios e indústrias que beneficiam do tema em torno do combate às alterações climáticas. “Penso que será um governo positivo para as empresas de combustíveis fósseis, com menos regulamentação a restringir a produção”, disse Ronald Temple, responsável pela estratégia de mercado da Lazard, citado pela Reuters.

    Quanto ao euro, cotava a 1,09 dólares no dia das eleições e no dia 13 de Novembro valia 1,07 dólares.

    Acções de bancos valorizaram com a vitória do candidato republicano, com casos como a acção do Goldman Sachs a disparar com a confirmação da eleição de Trump. Também as ações dos norte-americanos JPMorgan Chase e Bank of America dispararam.

    Os investidores contam agora com menos travões regulatórios e, sobretudo, um ambiente mais propício ao investimento e aos negócios. “Há uma expectativa de que o cenário regulatório diminua na Administração Trump”, o que ajuda a impulsionar a cotação das acções do sector financeiro, disse David Ellison, gestor de activos da Hennessy Funds, que detém várias acções de bancos, citado pela Reuters.

    No caso das Obrigações do Tesouro dos Estados Unidos a 10 anos já se antecipava que desvalorizassem. Trump prometeu implementar taxas sobre as importações estrangeiras, com o foco em produtos provenientes da China. Analistas esperam que a medida leve a aumentos de preços, o que, a acontecer, também levaria a um aumento da inflação.

    Ao contrário do esperado, as acções da Trump Media registaram uma queda de 15%, pois no dia 5 de Novembro cotavam a 33,94 dólares por acção e no dia 13 de Novembro a 28,93 dólares.

    Mas o destaque tem sido a Tesla, fabricante de veículos eléctricos de Elon Musk, que se tornou um grande aliado do agora presidente dos Estados Unidos. Musk vai mesmo ter uma tarefa de relevo na nova Administração Trump, tenso sido incumbido de ‘cortar’ a gordura e melhorar a eficiência ao nível federal.

    Pode dizer-se hoje que as previsões ‘negras’ que tantas vezes os media tradicionais vaticinaram para a as acções da Tesla foram definitivamente enterradas, fazendo agora essas previsões apenas parte do cemitério de expectativas da imprensa mainstream para os títulos da empresa de Musk.

    As acções da Tesla valiam 251 dólares no dias das eleições e chegaram a fechar nos 350 dólares no dia 11 de Novembro. Valorizaram quase 50% no último mês. Nos últimos cinco anos, subiram mais de 1260%.

    Tal como a generalidade das empresas norte-americanas, as acções das ‘big-tech’ também beneficiaram com a vitória de Trump. “Até certo ponto, as tecnológicas podem beneficiar da sua lealdade a Trump”, salientaram os analistas da Allianz numa análise.

    Por outro lado, espera-se menos pressão regulatória em geral, o que pode ajudar também as tecnológicas. Por outro, a intenção de aplicar taxas a importações, nomeadamente da China, deverá ajudar algumas empresas norte-americanas deste sector.

    Mas há casos e casos. O historial do relacionamento de Trump com empresas que detêm plataformas e redes sociais, como a Meta, dona do Facebook e Instagram, e a Alphabet, dona do Google e do YouTube, tem sido acidentada, para dizer o mínimo. O novo Presidente dos Estados Unidos viu as suas contas serem suspensas em diversas plataformas e acusou várias empresas de censurarem conteúdos e favorecerem o Partido Democrata.

    Aliás, grandes tecnológicas foram aliados da Casa Branca de Biden/Harris, tendo inclusivamente, segundo documentos oficiais que foram tornados públicos, actuado em conluio para censurar e manipular informação verdadeira. Chegaram a banir contas de vozes conservadoras, cientistas, médicos, investigadores, como foi o caso do antigo Twitter.

    Um dos grandes vencedores das eleições norte-americanas foi o mercado das criptomoedas, com destaque para o ‘ouro digital, a Bitcoin. No dia 6 de Novembro, a seguir às eleições, a Bitcoin disparou para um valor acima dos 75.600 dólares e ontem já estava nos nos 89.747 dólares.

    Mas, em geral, as moedas e activos virtuais dispararam após a confirmação da vitória de Trump, que é mais favorável a um ambiente pró-criptomoedas. A promessa de Trump de fazer dos Estados Unidos a capital do mundo das criptomoedas foi talvez o argumento mais forte por detrás desta euforia.

    Também as acções de empresas ligadas ao sector dos criptoactivos dispararam, como foi o caso dos títulos da Coinbase e da MicroStrategy.

    As acções das grandes farmacêuticas, sobretudo das que tiveram lucros pornográficos com a pandemia de covid-19, como a Pfizer, começaram há semanas a antecipar uma vitória dos republicanos. Com a confirmação da eleição de Trump e a vitória alargada do Partido Republicano em várias frentes, a desvalorização ainda se acentuou mais. Isto porque, com os republicanos no poder, arrefecem as perspectivas de as farmacêuticas poderem ter cortes nas receitas provenientes da subsidiação de de medicamentos e tratamentos por parte dos cofres federais. Trump também defende preços mais baixos dos medicamentos.

    Por outro lado, a política de saúde pública dos republicanos deverá também sofrer alterações, com menor tolerância para o lobby das ‘big-pharma‘ junto de decisores públicos e a promessa de acabar com a corrupção e conflitos de interesses no sector regulatório e de saúde pública nos Estados Unidos.


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  • ‘Carga fiscal’ real aumenta 57% em Portugal desde a criação do euro

    ‘Carga fiscal’ real aumenta 57% em Portugal desde a criação do euro

    A receita do Estado está em crescente galope. Contabilizando os impostos, contribuições e taxas cobrados aos contribuintes, e ajustando à inflação e considerando a população, o Estado vai arrecadar mais 57% por cada português face ao que sucedia há 26 anos. Em 1999, a receita fiscal foi de 47 mil milhões de euros, o que daria um valor per capita de 4.628 euros. Mas ajustando a preços constantes de 2023, com a inflação e o aumento populacional, esse valor corresponderia hoje a 7.492 euros. Mas a máquina estatal de cobrança ‘promete’ vir a sacar, no próximo ano, quase 134 mil milhões, o que, a preços constantes de 2023, dará um valor per capital de 11.742 euros. A subida tem sido avassaladora a partir de 2021, com um crescimento da ‘carga fiscal’ e outras obrigações perante o Estado a alcançar quase 22%. Nesta análise do PÁGINA UM, como se usam preços constantes, a inflação deixa de servir como argumento para a sofreguidão do Estado, até porque a preços nominais a subida das receitas do Estado entre 1999 e a previsão de 2025 é absurda: mais 183%.


    O Estado deverá arrecadar, no próximo ano, mais 57% de receitas do que obtinha em 1999, ano da criação do euro, em valores ajustados à inflação. Essa é a boa notícia. A má notícia é que, na sua maioria, se deve a mais entregas de dinheiro que os contribuintes e as empresas têm feito à máquina estatal, através de impostos, taxas e contribuições para a Segurança Social.

    No total, o Estado ‘promete’ encaixar, em 2025, um total de 134 mil milhões de euros, o que corresponde a 11.742 euros por cada residente (per capita). Em termos comparáveis, o valor das receitas per capita em 1999 foi de foi de 7.492 euros, a preços constantes de 2023, segundo cálculos do PÁGINA UM, com base em dados do Banco de Portugal e na proposta de Orçamento do Estado para 2025. A valores nominais, sem qualquer ajuste à evolução dos preços, o aumento das receitas que entraram para os cofres públicos nos últimos 26 anos foi de 183%.

    Foto: D.R.

    Visto que a quase totalidade destas receitas provém dos contribuintes, significa que a carga fiscal e as contribuições são hoje mais pesadas. Mas, em 2025, a ‘gulodice’ do Estado não ‘ataca’ só o ‘pacote’ das doces receitas e vai também engolir mais dívida pública. Em termos absolutos, o país vai engordar a sua dívida pública para 274.554,8 milhões de euros, um novo máximo.

    Para Filipe Garcia, economista da IMF-Informação de Mercados Financeiros, este ‘engordar’ das receitas do Estado não surpreende. “A evolução da carga fiscal em Portugal tem aumentado nas últimas décadas, o que encontra paralelo na evolução da generalidade das economias mundiais e da União Europeia em particular”, disse, ao PÁGINA UM. Explicou que, “um dos factores que mais poderá estar a contribuir para esta evolução é o facto de a informalidade na economia ter vindo a recuar de forma bastante visível, tanto a nível produtivo, comércio e emprego”. Isto porque, “numa economia mais formalizada e mais digital, a cobrança de impostos é mais eficiente e eficaz”.

    Por outro lado, Filipe Garcia destacou que “esta evolução reflecte a tendência para o crescimento estrutural do Estado, seja na sua dimensão, seja na despesa que consome” e apontou que, “em Portugal, a Despesa Primária representará cerca de 40% do Produto Interno Bruto (PIB), num contexto de crescimento económico e com desemprego e juros baixos”, lembrando que o máximo foi 46,88% em 2013, em vésperas de saída da ‘troika’ do país.

    Para este economista, “a magnitude deste número obriga-nos a pensar se este é o modelo que queremos a seguir em termos de dimensão do Estado”. É que, “à boleia da ideia de conveniência e promoção da equidade através dos serviços e gastos públicos, tem-se criado uma ‘máquina’ de grandes dimensões”. Basta ver que “os gastos com pessoal, consumos intermédios e outras despesas correntes perfizeram 18,1% do PIB de 2023”, recordou.

    O Governo prevê arrecadar quase 134 mil milhões de euros em receitas, no próximo ano. Os impostos e as contribuições para a Segurança Social representam a quase totalidade das receitas previstas na proposta do OE2025. Fonte: Proposta OE2025 (Valores em milhões de euros)

    Segundo a proposta do Orçamento do Estado para 2025, as receitas totais vão crescer 8.043 milhões de euros para 133.761 milhões de euros. As receitas fiscais vão aumentar 3,3% face a este ano, para os 72.598 milhões de euros. As receitas de impostos sobre produção e importação vão subir 6,4% para 43.231 milhões de euros. Quanto às contribuições sociais, vão aumentar para 6,1% para 37.850 milhões de euros. Apenas as receitas de impostos correntes sobre o rendimento e o património deverão cair, na ordem de 1%, para 29.366 milhões de euros.

    Só em receita da Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), o aumento em valor previsto para 2025 é de 1.547 milhões de euros, o que representa um aumento de 6,4%. De Imposto sobre o Rendimento Colectivo (IRC) deverá entrar nos cofres estatais mais 620 milhões de euros do que em 2024.

    Em termos históricos, olhando para a evolução das receitas que entraram nos cofres do Estado per capita desde a criação da moeda única, o aumento foi de 57% a preços constantes de 2023. Será o valor mais alto arrecadado pelo Estado, pelo menos, na era do euro.

    Desde a criação da moeda única, as receitas estatais per capita só não subiram por quatro ocasiões. A primeira, foi em 2003, quando a economia portuguesa se encontrava em recessão, num período de ressaca após a euforia de adesão ao euro e numa altura em as contas públicas já se encontravam com o espartilho das condições do Pacto de Estabilidade e Crescimento que impunha, designadamente, um tecto de 3% para o défice face ao PIB.

    Evolução da carga fiscal e outras obrigações perante o Estado, em euros, entre 1999 e 2025 a preços constantes (2023), indexada à população de cada ano (oer capita). Fonte: Banco de Portugal e proposta OE25. Análise: PÁGINA UM.

    Depois, deu-se a segunda quebra das receitas do Estado em 2009, na sequência da grave crise financeira que teve início nos Estados Unidos e alastrou, e que ficou conhecida como a crise do ‘subprime’, quando rebentou a ‘bolha’ de produtos financeiros ligados a créditos imobiliários de alto risco.

    Seguiu-se nova descidas das receitas do Estado em 2012, no ano a seguir a Portugal ter pedido um resgate financeiro internacional. O país ficou agrilhoado a uma política de austeridade e a chamada ‘troika’, composta pelo Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia, ‘permaneceram’ no país até 2014. Foi precisamente nesse ano que se deu nova descida nas receitas que entraram nos cofres públicos.

    Seis anos depois, em 2020, deu-se nova descida das receitas devido ao forte travão da economia provocado pela opção que o Governo adoptou na gestão da pandemia de covid-19, que incluiu medidas radicais, como confinamentos, fecho de escolas, serviços e actividades. O certo é que, depois dessa crise, as receitas aceleraram a tendência de subida que registavam até 2019, crescendo 2.500 euros por cada residente no país.

    A preços constantes de 2023, as receitas totais do Estado passaram de  um valor de 76.550,5 milhões de euros em 1999 para a quantia prevista de 127.440,2 milhões de euros em 2025.

    Em percentagem do PIB, as receitas do Estado passaram de 39,5% há 26 anos, para 45,5% da riqueza produzida no país. Também face ao PIB, as despesas passaram de 46,2% para 45,7%. Quanto ao défice, passou de -3,0% do PIB para -0,2%.

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    Em termos reais, a Economia deverá crescer 2,1% no próximo ano, o valor mais baixo desde o que foi registado em 2020, quando a Economia contraiu 8,4% por força das medidas de gestão da pandemia.

    No caso da dívida pública, se em 1999 representava 55,4% da riqueza, no próximo ano irá ficar pelos 93,3%. Desde 2020, quando atingiu os 135,2% do PIB, que este rácio da dívida pública tem vindo a melhorar, com a economia a recuperar das medidas extremas adoptadas na pandemia e a beneficiar das injecções da ‘máquina de imprimir dinheiro’ do Banco Central Europeu. Mas o país vai desembolsar, só em juros, 6.437 milhões de euros em 2025.

    Neste cenário, é expectável que os governos futuros continuem a ‘esmifrar’ famílias e empresas, com impostos e contribuições, para manter em dia os pagamentos correntes e os dispendiosos encargos com a dívida, pelo que não será de estranhar novos máximos de receitas a encher os cofres do Estado nos anos vindouros.


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  • Recuperação turística não compensa perdas de receita de 6 mil milhões de euros no triénio da pandemia

    Recuperação turística não compensa perdas de receita de 6 mil milhões de euros no triénio da pandemia

    As dormidas turísticas em Portugal atingiram valores recorde em Agosto passado, mas há uma realidade escondida nos números agora divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística. Uma análise do PÁGINA UM confirma a hecatombe económica nas receitas dos alojamentos no sector turístico durante a pandemia. As perdas estimadas no triénio 2020-2022 situam-se acima dos 6 mil milhões de euros, devido às restrições impostas às viagens e ao alarme associado. O ano de 2020 foi o mais afectado: seria expectável, sem pandemia, receitas da ordem dos 4,6 mil milhões de euros, seguindo a tendência de crescimento do sector de 8%, mas o ‘tombo’ foi colossal, apenas se arrecadando pouco mais de 1,4 mil milhões de euros. A recuperação apenas se mostrou visível em 2022, embora os proveitos tivessem ficado aquém do que seriam de esperar. A análise aos ‘anos perdidos’ do sector do turismo em Portugal mostra uma realidade pouco reconhecida a nível político e mediático, de enormes perdas que afectaram empresas e trabalhadores do sector turístico, um dos principais motores da Economia portuguesa.


    As dormidas turísticas em Portugal atingiram o máximo histórico em Agosto, mas o caso não é ainda motivo para se atirar foguetes. É que, para trás, há ainda muitas ‘feridas por cicatrizar’, com três ‘anni horribiles‘ por causa das restrições impostas pelo Governo durante a pandemia. Uma análise do PÁGINA UM, com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e as taxas de crescimento do sector no período imediatamente anterior e posterior à pandemia, estima que se perderam, pelo menos, 6,2 mil milhões de euros de receitas nos diversos estabelecimentos de alojamento turístico, designadamente unidades hoteleiras, alojamento local e turismo rural. Este montante é superior a um ano ‘bom’ de receitas, como o observado em 2023, quando o sector registou um recorde nos proveitos.

    Segundo a análise, que estima qual seria a evolução natural das receitas das dormidas turísticas caso não houvesse restrições, só as perdas registadas em 2020 ascendem a um valor estimado de 3,2 mil milhões de euros. Seria expectável, face ao anterior triénio, com taxas de crescimento médio anual a rondar os 8%, que o ano de 2020 tivesse receitas de mais de 4,6 mil milhões de euros, mas quedou-se nos 1,4 mil milhões. Os meses de Abril e Maio, associados ao pânico generalizado, incluindo interrupções de tráfego aéreo, levaram a quedas brutais. Em Abril de 2020, as receitas de alojamento turístico cifraram-se apenas em 4,4 milhões de euros, o que representou somente 1,3% das receitas do mês homólogo de 2019. Mesmo em Agosto de 2020, as receitas foram metade das registadas no mesmo mês do ano anterior.

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    Ao invés de o sector registar uma continuação do crescimento observado até 2019, logo em 2020 o travão às dormidas turísticas foi imediato. Recorde-se que, ao contrário da Suécia, Portugal adoptou uma estratégia radical, seguida na generalidade dos países europeus, impondo confinamentos, fecho de empresas e de fornecimento de alguns serviços, bem como suspensão do tráfego aéreo. O pânico ajudou também a refrear as visitas de estrangeiros. As restrições foram aplicadas a partir de meados de Março de 2020, o que afectou as dormidas turísticas logo a partir deste mês.

    Em 2021, mesmo com a introdução do certificado de vacinação – que não dava qualquer garantia de controlo das infecções e constituiu uma limitação inconstitucional às viagens -, houve uma ligeira recuperação das receitas face a 2020, mas ainda muito abaixo dos anos anteriores à pandemia. Com efeito, de acordo com os cálculos do PÁGINA UM, seriam expectáveis receitas da ordem dos 5 mil milhões de euros, sem pandemia, mas na realidade apenas se recolheram 2,4 mil milhões.

    Para estimar as perdas anuais provocadas pelas medidas covid, o cálculo considerou a tendência de crescimento observada entre 2017 e 2019 (taxa de crescimento anual composta de 8%) e também os valores ‘normais’ de 2023 e 2024. Foram então estimados os montantes das receitas se não tivesse havido restrições covid, como as que foram impostas em Portugal, e confrontado com os valores reais.

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    Em 2022, as receitas mais que duplicaram face a 2021, mas mesmo assim ficaram aquém em quase 400 milhões de euros face ao cenário expectável se não houvesse restrições e outros efeitos associados à pandemia da covid-19.

    Neste cenário, entre 2020 e 2022, as receitas de dormidas turísticas em Portugal deveriam ter atingido cerca de 15 mil milhões de euros, mas, na realidade, ficaram-se pelos 8,9 mil milhões de euros (extrapolando para os 12 meses os valores registados entre Janeiro e Julho nos três anos antes e os dois anos depois da pandemia). Saliente-se que o ano de 2024 está a ser excelente, com uma taxa de crescimento de 11% nos primeiros sete meses do ano face a 2023, sendo expectável que, a manter-se esse desempenho até Dezembro, se alcancem valores próximos dos 6,7 mil milhões de euros.

    Em todo o caso, a resiliência deste sector é evidente, tendo-se atingido, no passado mês de Agosto, cerca de 3,8 milhões de hóspedes e 10,5 milhões de dormidas em todo o país, observando-se mesmo um recorde nas dormidas, segundo a estimativa rápida do INE. Em termos de variação, trata-se de crescimentos homólogos de 5,9% e 3,8%, respectivamente e mostram uma aceleração face ao mês anterior (+1,7% e +2,6% em Julho de 2024).

    Evolução das receitas por mês, em milhares de euros, na totalidade dos estabelecimentos de alojamento turístico (A), na hotelaria (B),no alojamento local (C) e no turismo rural e de habitação (D). Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM)

    Por origem, as dormidas de residentes aumentaram 4,6%, depois de terem registado um decréscimo em Julho. Já as dormidas de não residentes, subiram 3,4%, o que corresponde a um abrandamento pelo terceiro mês consecutivo. Segundo o INE, as dormidas de residentes totalizaram 3,6 milhões e as de não residentes totalizaram 6,9 milhões.

    Em termos de proveniência dos turistas, o mercado britânico “manteve-se como principal mercado emissor (quota de 17,1%), tendo registado um crescimento de 1,3% em Agosto, seguido da Espanha (peso de 16,3%), que cresceu 4,6%”. Segundo o INE, entre os 10 principais mercados emissores em agosto, destacaram-se os mercados canadiano e norte-americano, com crescimentos de 11,2% e 8,4%, respectivamente.

    Assim, se é certo que se registou um recorde nas dormidas turísticas em Portugal e o sector observa crescimento, este aumento de procura segue-se a anos em que o mercado de alojamento para turistas sofreu perdas substanciais.

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    No total, de acordo com os dados oficiais mensais do INE, entre 2017 e 2019, as receitas totais dos alojamentos turísticos ascenderam a 11.963 milhões de euros. Entre os anos de 2020 e 2022 o mesmo valor ficou-se pelos 8.790 milhões de euros, uma diferença de 3.173 milhões de euros.

    No entanto, os dados do INE estarão ‘viciados’ por não incorporarem alojamentos locais com menos de 10 camas. Segundo um estudo da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) divulgado esta semana no 1º Congresso Nacional da Associação Alojamento Local em Portugal (ALEP), e que foi citado pela imprensa, o peso do alojamento local nas dormidas nacionais ronda os 42%, um valor muito superior aos meros 15% reportados pelo INE.

    A ALEP quer, assim, que o INE faça uma revisão e altere a sua metodologia, para passar a reflectir nas estatísticas que divulga a dimensão real do alojamento local no sector das dormidas turísticas. O INE contabiliza, nas suas estatísticas, apenas 11 milhões de dormidas em alojamentos locais em Portugal. Segundo o estudo agora divulgado, ajustando aos dados do Eurostat, as dormidas turísticas em alojamentos locais ascendem a 47 milhões, o que constitui uma fatia significativa dos 113 milhões de dormidas registadas em território nacional. Existe, assim, um ‘gap’ de 36 milhões de dormidas nos dados do INE relativos aos alojamentos locais.


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  • Moedas garante que fez a festa da ‘La Vuelta’ em Lisboa ‘só’ com 119 mil euros

    Moedas garante que fez a festa da ‘La Vuelta’ em Lisboa ‘só’ com 119 mil euros



    A Câmara Municipal de Lisboa celebrou com pompa e circunstância o arranque da prova de ciclismo ‘La Vuelta’ em Belém. Mas, afinal, quanto custou aos contribuintes o patrocínio de Carlos Moedas à prova desportiva espanhola? No Portal Base apenas constam dois contratos que somam uma despesa de 119 mil euros da autarquia com a ‘La Vuelta’. Em simultâneo, e apesar de ter anunciado que apoiara a ‘Volta a Portugal em Bicicleta’, a passagem desta prova ancional pela capital só sucedeu de forma muito discreta na zona de Chelas, e tudo graças a um apoio de 90 mil euros feito pela Junta de Freguesia de Marvila, dominada pelo Partido Socialista.


    O entusiasmo de Carlos Moedas com a passagem da Volta a Espanha em bicicleta pela capital foi publicamente notório, até com direito a discurso em castelhano. Mas se a promoção da prova na capital teve destaque mediático, e andou sobre rodas, o mesmo não se pode dizer da despesa que os contribuintes portugueses tiveram para pagar o arranque da ‘La Vuelta’ a partir de Belém, e que também cruzou Oeiras e outras parte de Portugal.

    No Portal Base apenas consta, para já, a referência a dois contratos feitos pelo município lisboeta relativos à prova, que somam uma despesa de 119 mil euros. Um dos contratos, publicado no dia 30 de Agosto, foi um ajuste directo referente à “aquisição de serviços para a locação de tenda, salas e estacionamento do CCB, no âmbito do evento ‘Portugal La Vuelta 2024’”. Este contrato, no valor de 50 mil euros foi adjudicado à Fundação Centro Cultural de Belém.

    O outro contrato, relativo à contratação de “serviços para a realização e gestão do evento La Vuelta – Etapa em Lisboa”, no valor de 69 mil euros, foi adjudicado à Bravimaginação Unipessoal, num procedimento de consulta prévia, ou seja, foram formalmente consultadas pelo menos três empresas antes da decisão de adjudicação.

    Foto: D.R./CML

    Mas o apoio da Câmara Municipal de Lisboa (CML) à ‘La Vuelta’ terá custado muito mais aos contribuintes. Contudo, até à data, desconhece-se oficialmente o valor global da factura que o município teve com a prova. Em respostas a questões colocadas pelo PÁGINA UM, o gabinete de comunicação da CML afirmou a ‘pés juntos’ que as únicas despesas efectuadas pela autarquia com a ‘La Vuelta’ são as que já constam no Portal Base.

    Notícias divulgadas nos media, designadamente pela CNN, apontavam que a prova iria custar um milhão de euros a três autarquias. Segundo as notícias, Lisboa, Oeiras e Cascais iriam repartir entre si a verba de patrocínio à ‘La Vuelta’ para que pusesse um pezinho (ou as rodas) na região. Assim, os três municípios iriam arcar cada um com 333 mil euros de despesa com a prova, contando com o apoio de associações de turismo locais. Isto para que a prova passasse pela região nos dias 16, 17 e 18 de Agosto.

    Além destes dois contratos da autarquia lisboeta, apenas surgem mais dois registos de despesa pública com a ‘La Vuelta’: dois contratos adjudicados pelo município de Oeiras, ambos através do procedimento de consulta prévia. Um dos contratos, de “aquisição de serviços de fornecimento de cocktail para evento ‘La Vuelta’ no Forte de São Julião da Barra”, no valor de 19.800 euros, foi adjudicado à empresa Pedretti Catering e Eventos Unipessoal. O outro contrato serviu para alugar ” no ‘aluguer de “5000 baias para os locais de passagem no concelho de Oeiras’ da ‘La Vuelta’, sendo entregue a Duarte Teives pelo valor de 26.600 euros.

    O vereador do desporto da CML, Ângelo Pereira, e também o presidente da Junta de Freguesia de Marvila, José António Videira, estiveram numa cerimónia da ‘La Vuelta’ em Marvila. Foto: D.R./CML.

    O contraste com o apoio de Lisboa à ‘La Vuelta’ face ao envolvimento da autarquia da capital com a prova-irmã em Portugal foi gritante. Em termos mediáticos, não teve qualquer comparação. Moedas esteve ‘em grande’ a promover a passagem de ‘la Vuelta’ por Lisboa através de vários media. Já a ‘Volta a Portugal em Bicicleta’ passou por Lisboa à boleia de um apoio de 90 mil euros da Junta de Freguesia de Marvila, dominada pelo Partido Socialista.

    Num anúncio no site da CML, publicado no dia 27 de Julho, a autarquia publicitava que “a 85ª Volta a Portugal em Bicicleta, apoiada pela Câmara Municipal de Lisboa, chegou à capital a 26 de Julho”. E adiantava: “a etapa de hoje, entre Santarém e Lisboa, assinala a homenagem ao Capitão Salgueiro Maia. O ciclista German Tivani sagrou-se vencedor da ‘Etapa da Liberdade’.”

    Após a chegada dos ciclistas e da cerimónia de pódio, foi inaugurado, de facto, um busto de Salgueiro Maia, colocado na rua com o seu nome, em Marvila. A segunda etapa da prova foi “simbolicamente integrada nas comemorações do cinquentenário do 25 de Abril” e “evocou a memória da coluna militar que saiu de Santarém para Lisboa, em 1974, liderada por Salgueiro Maia”.

    Foto: D.R./CML

    Contudo, a representar a autarquia naquela cerimónia esteve o vereador do desporto, Ângelo Pereira, e também o presidente da Junta de Freguesia de Marvila, José António Videira, cujo apoio à prova pode ser consultado no Portal Base, e foi noticiado em primeira-mão pelo PÁGINA UM no passado dia 8 de Agosto.

    Apesar de o município lisboeta ter anunciado que apoiou a ‘Volta a Portugal em Bicicleta’, certo é que se desconhece como prestou esse apoio, pois no Portal Base não conta, até à data, qualquer despesa relativamente à prova. A própria organização da prova não integra o município de Lisboa na lista de patrocinadores e apoiantes. Assim, quem quiser saber quanto a CML gastou com ambas as provas, tem de andar às voltas.


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