Categoria: Economia

  • Empresa ‘estrela’ do ‘ChatGPT’ lusitano recebe milhões, mas tem capital de 108 euros e ainda nem apresentou contas de 2023

    Empresa ‘estrela’ do ‘ChatGPT’ lusitano recebe milhões, mas tem capital de 108 euros e ainda nem apresentou contas de 2023

    Fundada como empresa unipessoal em 2013, a Unbabel é uma das parceiras do projecto do ‘ChatGPT’ português, mas a casa-mãe, a Unbabel Inc, é norte-americana e é uma incógnita. Nos últimos anos, a empresa contou com o financiamento de seis projectos agraciados com fundos europeus, num total de perto de 21 milhões de euros. Além disso, tem realizado rondas de financiamento junto de empresas de capital de risco e investidores, com a última ronda a superar os 20 milhões de euros. Mas, apesar dos sonhos altos e da imagem ‘hi-tech’ a ‘portuguesa’ Unbabel tem apenas um capital social de 108 euros e, apesar de todo conhecimento em inteligência artificial, as últimas contas que divulgou foram as do ano de… 2022.


    De Samora Correia para o Mundo. A Unbabel, parceira ‘estrela’ do ‘ChatGPT’ português que deverá nascer em 2025, foi fundada por sócios portugueses. Hoje, a casa-mãe tem sede em São Francisco e a empresa tem escritórios em oito cidades, incluindo em Lisboa, Londres e Israel. Mas, apesar de trabalhar na área da inteligência artificial (IA), a ‘portuguesa’ Unbabel tem um capital social de apenas 108 euros e as últimas contas anuais conhecidas são as do ano de 2022.

    O reduzido montante de capital social não a impediu de ‘ganhar asas’ e angariar perto de 21 milhões de euros em fundos europeus tanto através da participação em cinco projectos no programa Portugal 2020 e um projecto contemplado no âmbito do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR). Neste último financiamento, a Unbabel Unipessoal obteve 18,5 milhões de euros, dos quais 9,9 milhões de euros já entraram em ‘caixa’, para liderar a fundação do Centro para a AI Responsável, um projecto iniciado em 2021 e que tem data prevista de conclusão de Dezembro de 2025, englobando a criação da “próxima geração de produtos de IA”.

    A empresa é uma das principais protagonistas do projecto anunciado no mês passado, pelo primeiro-ministro, Luís Montenegro, que visa criar um grande modelo de linguagem (LLM, na sigla inglesa) em português ‘de Portugal’. O ‘AMÁLIA’, ou ‘Assistente Multimodal Automático de Linguagem com Inteligência Artificial’, é a primeira iniciativa divulgada no âmbito da ‘Agenda Nacional de Inteligência Artificial’ que será apresentada pelo governo no primeiro trimestre de 2025.

    Segundo o governo, o AMÁLIA “tem previsto um investimento de 5,5 milhões de euros e um calendário de trabalho e desenvolvimento de 18 meses, do qual resultará uma primeira versão multimodal” do projecto. Mas, a este valor “acresce o vasto investimento já realizado em infraestrutura de computação, projetos de desenvolvimento e recursos humanos especializados que contribuirão em grande medida para o desenvolvimento do LLM. Aqui está inserido o investimento no LLM GlorIA e também em infraestrutura de computação de alta-performance do Deucalion e Mare Nostrum 5, supercomputadores instalados, respectivamente, na Universidade do Minho e em Barcelona.

    Mas o AMÁLIA vai assentar num alicerce já existente: o Tower LLM, da Unbabel, idealizado para tarefas de tradução. Parte ‘dos tijolos’ para construir o ‘ChatGPT’ português virá de dados da Fundação Científica de Cálculo Nacional (FCCN). Paulo Dimas, vice-presidente de Inovação da Unbabel e CEO do Centro para IA Responsável, disse ao Eco que, além da Unbabel, está envolvida no AMÁLIA uma equipa de investigação da Faculdade de Ciência e Tecnologia da Universidade Nova, liderada pelo professor João Magalhães, além da equipa de investigação no Instituto Superior Técnico (IST), liderada pelo professor André Martins, que é também vice-presidente do departamento de pesquisa de IA na Unbabel.

    Vasco Pedro, co-fundador e presidente-executivo da Unbabel é uma presença assídua nas edições da Web Summit. / Foto: D.R.

    A Unbabel é, assim, uma peça central no futuro LLM em português. Mas esta é apenas uma das facetas da empresa que já opera desde 2013 e, através de fusões e aquisições já está presente em diversos mercados. Hoje, disponibiliza serviços de tradução em mais de 30 línguas diferentes. A empresa emprega 328 trabalhadores e tem seis vagas abertas para diversas funções, segundo o seu site. A Unibabel Unipessoal tem a sua sede em Lisboa, na Rua Castilho 52. Mas a empresa está também presente em mais sete localizações: São Francisco (sede da casa-mãe, Unibabel Inc.), Londres, Edinburgo, Telavive, Cebu e Timisoara.

    A empresa nasceu como uma sociedade por quotas tendo como sócios fundadores o actual presidente-executivo, Vasco Pedro, e João Graça, Sofia Pessanha, Hugo Vieira da Silva e Hugo Prezado da Silva. Em 2023, integrou a empresa israelita Bablic, que foi fundada em 2011, bem como a alemã EVS Translations, criada em 1991. Antes, em 2021, tinha integrado a britânica Lingo24, com sede em Edinburgo, fundada em 2001.

    No final do ano passado, a empresa anunciou um aumento de capital de dois euros subscrito em dinheiro pelas “novas sócias Ged Tech Seed, Fundo de Capital de Risco Fechado e Ged Tech Growth, Fundo de Capital de Risco Fechado”, geridos pela Ged Ventures Portugal, Sociedade Capital de Risco, com sede em Lisboa. Após esta operação passou a ter um capital social de 108 euros, dos quais 101 euros são detidos pela Unbabel Inc., com sede em São Francisco, nos Estados Unidos, que como sociedade anónima não está obrigada a revelar os seus accionistas..

    Os restantes sócios da Unbabel ‘lusitana’, com uma quota simbólica de um euro cada, são os fundos de capital de risco Explorer Growth Fund II, III,IV, e V, geridos pela Explorer Investments – Sociedade de Capital de Risco, S.A, com sede em Lisboa;  e o Indico Opportunity Fund I – Fundo de Capital de Risco, gerido pela Indico Capital Partners, Sociedade de Capital de Risco, S.A, com sede em Lisboa.

    Também no final de 2023 foi anunciada a realização de uma emissão de obrigações no montante de 10 milhões de euros efectuada através de uma oferta particular.

    Desde o seu nascimento, a empresa tem realizado rondas de investimento, além dos financiamentos obtidos via fundos comunitários. Na última ronda, há um ano, a empresa angariou 21 milhões de dólares junto de um conjunto de investidores de capital de risco, nomeadamente, Iberis Capital, GED Ventures Portugal, Point 72, Notion, ScaleVentures Partners e Caixa Capital.

    Imagem do edifício-sede da Unbabel Unipessoal em Lisboa. / Foto: D.R.; Unababel

    Nas últimas contas anuais da Unbabel Unipessoal disponíveis, referentes a 2022, a empresa registou uma facturação de 16,7 milhões de euros e um resultado antes de depreciações, gastos de financiamento e impostos de 3,3 milhões de euros. Mas créditos fiscais de 2,3 milhões de euros fizeram saltar os lucros da empresa para 5,2 milhões de euros. Nas suas contas, a Unbabel contabilizou ainda um valor de 3,8 milhões de euros de activos por impostos diferidos.

    Do lado dos custos com pessoal, a empresa com sede em Lisboa registou gastos de 11,2 milhões de euros, dos quais 8,5 milhões de euros referentes a remunerações. Mas, contrastando com os custos, na Unbabel ‘portuguesa’, apenas se encontram activos fixos tangíveis de 177 mil euros e activos intangíveis de 25 mil euros. Traduzido ‘em miúdos’, o ‘tesouro’ desta Torre de Babel ‘inteligente’ lusa parece estar fora de Portugal.

    O PÁGINA UM contactou a Unbabel pedindo para, além de informações sobre os investimentos na ‘Amália’, serem identificados que eram os beneficários efectivos da Unbabel ‘lusitana’, porque não consta no registo nacional, quem eram os sócios com capital na Unbabel Inc. e se poderiam ser enviados os resultados financeiros dessa empresa com sede nos Estados Unidos. Além disso, considerando que os rendimentos da Unbabel ‘lusitana’ andam em redor de valores pouco acima de 10 milhões de euros, relativamente estáveis, perguntava-se se se afigurava estarmos perante um unicórnio, cujo conceito remete para uma startup com uma avaliação acima de mil milhões de dólares. O CEO e fundador da empresa, Vasco Pedro, ainda respondeu que sobre receitas e accionistas, “infelizmente não podemos divulgar” nada, mas prometendo que teriam “todo o gosto em ajudar” sobre o resto. Não ajudaram.


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  • Trumpmania 2.0: Mercados de capitais reagem em euforia à “vitória esmagadora” dos republicanos

    Trumpmania 2.0: Mercados de capitais reagem em euforia à “vitória esmagadora” dos republicanos

    O choque que muitos sofreram com o regresso do antigo presidente dos Estados Unidos Donald Trump à Casa Branca não parece ter chegado aos mercados de capitais. Pelo contrário. Os dados sugerem que investidores e casas de investimento já estavam a prever um resultado favorável para o candidato republicano. A vitória do Partido Republicano acabou por ser esmagadora em várias frentes, do Senado à Câmara dos Representantes, reforçando os poderes de Trump, o que ajudará o novo presidente dos Estados Unidos a baixar os impostos a empresas, como pretende, e a impor taxas nas importações. Por outro lado, o Mundo também não parece ter mergulhado no apocalipse, o que está a desapontar grande parte da comunicação social e comentadores mediáticos que adoptaram uma posição activista em prol de Kamala Harris e do Partido Democrata durante a campanha. A ‘ressaca’ e espanto nos media tradicionais contrasta com a animação e confirmação das previsões nos mercados de capitais.


    Não chegou o apocalipse nem acabou o mundo após a eleição de Donald Trump para a Casa Branca. Para grande desilusão de muitos comentadores influencers, e a generalidade dos jornalistas dos media tradicionais, o regresso do antigo presidente dos Estados Unidos republicano à Casa Branca está a ser motivo de celebração para muitos, nomeadamente no sector empresarial e económico e nos mercados de capitais.

    Ao contrário do que sucede cada vez mais nos media, em que jornais e jornalistas adoptam uma posição de activistas, neste caso de apoio a Kamala Harris e ao Partido Democrata, nos mercados de capitais os factos é que contam. Analistas financeiros destacam a “vitória esmagadora” dos republicanos que deixa a porta aberta para a prometida descida de impostos para empresas nos Estados Unidos. Os mercados também antecipam a perspectiva de se estar mais perto do fim de alguns conflitos armados, além de se preverem melhores expectativas para a economia. Tudo isto levou os índices norte-americanos para novos máximos históricos e gerou valorizações em diversos sectores de actividade e classes de activos.

    Até em Lisboa houve quem celebrasse a vitória do candidato republicano e antigo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na corrida à Casa Branca. (Foto: PÁGINA UM)

    De resto, os dados mostram que nos mercados de capitais já se contava com a vitória do candidato do Partido Republicano nestas eleições para a presidência dos Estados Unidos. “Havia uma cegueira, um certo negacionismo nos media tradicionais, de que Trump iria ganhar, mas os mercados já estavam a descontar que o cenário central seria o de uma vitória dos republicanos”, disse Filipe Garcia, economista da IMF-Informação de Mercados Financeiros. “Os mercados só não previam que a vitória dos republicanos fosse tão vasta, por isso é que ainda reagiram”, adiantou em declarações em PÁGINA UM.

    De facto, os mercados de capitais reflectem as perspectivas para a economia e para os lucros de diversos sectores e evolução dos preços de matérias-primas. Com a confirmação da eleição de Trump e a esmagadora vitória republicana em várias frentes, os índices norte-americanos dispararam para novos máximos, o dólar valorizou, as criptomoedas dispararam.

    A 6 de Novembro, um dia a seguir às eleições, era claro que a vitória de Trump não era uma surpresa para muitos investidores e analistas. “Com todos os sinais a apontarem para uma vitória de Donald Trump, esperamos que muitas das suas políticas populistas tenham repercussões, embora os mercados tenham sido largamente avaliados a contar com este resultado”, escreveram responsáveis da Allianz Global Investors numa análise publicada a seguir às eleições.

    Para Filipe Garcia, Trump ganhou sobretudo devido “à falta de propostas” do Partido Democrata. “O outro lado não tinha nada para oferecer”, sublinhou.

    O regresso do republicano Donald Trump à Casa Branca já era largamente antecipado pelos mercados financeiros que esperam um acalmar de alguns conflitos e tensões geo-políticas, nomeadamente na Ucrânia, e um cenário mais positivo para a economia norte-americana e as empresas dos Estados Unidos.

    E o que dizem os mercados de capitais? Esperam que os republicanos implementem medidas que irão beneficiar as empresas norte-americanas e a economia nos Estados Unidos. Prevêem que Trump vai levar a que acalmem ou se resolvam guerras e conflitos. Segundo Filipe Garcia, “os mercados estão a descontar um apaziguar das coisas”, nomeadamente na Ucrânia. Mas lembrou que, para já, a administração Biden vai continuar a armar e a financiar Zelensky enquanto Putin, em troca, não quererá dar sinais de fraqueza, pelo que a acalmia naquele conflito pode não chegar já. “No anterior mandato, Trump não iniciou guerras, mas não quer dizer que resolveu os problemas, apenas os meteu debaixo do tapete”, lembrou Filipe Garcia.

    Em termos de ‘vencedores’ deste resultado nas eleições nos Estados Unidos, no mercado accionista contam-se bancos, tecnológicas, e, claro, a Tesla de Elon Musk, um aliado do novo presidente. Entre os perdedores, estão as grandes farmacêuticas, a antecipar que os dias de políticas de saúde pública vergadas à influência e poder das ‘big-pharma‘ vão chegar ao fim, pelo menos nos Estados Unidos. Também o ouro desvalorizou para o mínimo em dois meses, com os investidores mais confiantes a apostarem no mercado accionista. O preço do ouro fechou nos 2749,7 dólares a onça, no dia 5 de Novembro e no dia 13 fechou a cotar nos 2586,5 dólares, uma queda de 6%.

    Comecemos então por olhar para os vencedores destas eleições nos Estados Unidos.

    Os principais índices accionistas norte-americanos dispararam para novos máximos de sempre com a eleição de Trump, a antecipar uma redução da carga fiscal sobre as empresas e uma maior pujança económica. Também esperam que a “vitória esmagadora” dos republicanos permita ao novo presidente dos Estados Unidos implementar políticas sem o boicote ou travões do Partido Democrata.

    Os analistas da Allianz Global Investors destacaram, numa análise após as eleições que “o foco de Donald Trump na redução dos impostos sobre as empresas e numa maior desregulação deverá favorecer as empresas dos EUA (Estados Unidos), especialmente os pequenos negócios com avaliações atrativas no mercado acionista”.

    Segundo Michael Heydt, analista da divisão de ‘ratings’ de dívida soberana da Morninstar DBRS, “a forte performance eleitoral dos republicanos – vencendo a presidência, o Senado e, potencialmente, a Câmara dos Representantes – coloca-os numa posição de mudar de várias formas importantes a política económica dos Estados Unidos”.

    O dólar valorizou, designadamente face à moeda única europeia enquanto o petróleo reflecte a previsão de um aumento da oferta e de vir a haver menos entraves regulatórios à exploração nos Estados Unidos, que são já o maior produtor de mundial, liderando na produção de barris de ‘ouro negro’ por dia.

    Para os especialistas da Allianz Global Investors, “a posição dura de Trump numa série de questões que vão desde o comércio à imigração poderá impulsionar o dólar americano e o ouro”. Já o impacto nos mercados obrigacionistas “é mais difícil de prever”.

    No caso do preço do petróleo, fechou no dia 5 de Novembro nos 71,99 dólares o barril de crude e no dia 13 de Novembro valia 67,93 dólares o barril no fecho do mercado. Durante a campanha eleitoral, Trump apresentou uma política energética que promete focar-se na produção de combustível e energia dos Estados Unidos. Esta estratégia contraria as políticas da Administração Biden, mais voltadas para seguir a estratégia focada nos negócios e indústrias que beneficiam do tema em torno do combate às alterações climáticas. “Penso que será um governo positivo para as empresas de combustíveis fósseis, com menos regulamentação a restringir a produção”, disse Ronald Temple, responsável pela estratégia de mercado da Lazard, citado pela Reuters.

    Quanto ao euro, cotava a 1,09 dólares no dia das eleições e no dia 13 de Novembro valia 1,07 dólares.

    Acções de bancos valorizaram com a vitória do candidato republicano, com casos como a acção do Goldman Sachs a disparar com a confirmação da eleição de Trump. Também as ações dos norte-americanos JPMorgan Chase e Bank of America dispararam.

    Os investidores contam agora com menos travões regulatórios e, sobretudo, um ambiente mais propício ao investimento e aos negócios. “Há uma expectativa de que o cenário regulatório diminua na Administração Trump”, o que ajuda a impulsionar a cotação das acções do sector financeiro, disse David Ellison, gestor de activos da Hennessy Funds, que detém várias acções de bancos, citado pela Reuters.

    No caso das Obrigações do Tesouro dos Estados Unidos a 10 anos já se antecipava que desvalorizassem. Trump prometeu implementar taxas sobre as importações estrangeiras, com o foco em produtos provenientes da China. Analistas esperam que a medida leve a aumentos de preços, o que, a acontecer, também levaria a um aumento da inflação.

    Ao contrário do esperado, as acções da Trump Media registaram uma queda de 15%, pois no dia 5 de Novembro cotavam a 33,94 dólares por acção e no dia 13 de Novembro a 28,93 dólares.

    Mas o destaque tem sido a Tesla, fabricante de veículos eléctricos de Elon Musk, que se tornou um grande aliado do agora presidente dos Estados Unidos. Musk vai mesmo ter uma tarefa de relevo na nova Administração Trump, tenso sido incumbido de ‘cortar’ a gordura e melhorar a eficiência ao nível federal.

    Pode dizer-se hoje que as previsões ‘negras’ que tantas vezes os media tradicionais vaticinaram para a as acções da Tesla foram definitivamente enterradas, fazendo agora essas previsões apenas parte do cemitério de expectativas da imprensa mainstream para os títulos da empresa de Musk.

    As acções da Tesla valiam 251 dólares no dias das eleições e chegaram a fechar nos 350 dólares no dia 11 de Novembro. Valorizaram quase 50% no último mês. Nos últimos cinco anos, subiram mais de 1260%.

    Tal como a generalidade das empresas norte-americanas, as acções das ‘big-tech’ também beneficiaram com a vitória de Trump. “Até certo ponto, as tecnológicas podem beneficiar da sua lealdade a Trump”, salientaram os analistas da Allianz numa análise.

    Por outro lado, espera-se menos pressão regulatória em geral, o que pode ajudar também as tecnológicas. Por outro, a intenção de aplicar taxas a importações, nomeadamente da China, deverá ajudar algumas empresas norte-americanas deste sector.

    Mas há casos e casos. O historial do relacionamento de Trump com empresas que detêm plataformas e redes sociais, como a Meta, dona do Facebook e Instagram, e a Alphabet, dona do Google e do YouTube, tem sido acidentada, para dizer o mínimo. O novo Presidente dos Estados Unidos viu as suas contas serem suspensas em diversas plataformas e acusou várias empresas de censurarem conteúdos e favorecerem o Partido Democrata.

    Aliás, grandes tecnológicas foram aliados da Casa Branca de Biden/Harris, tendo inclusivamente, segundo documentos oficiais que foram tornados públicos, actuado em conluio para censurar e manipular informação verdadeira. Chegaram a banir contas de vozes conservadoras, cientistas, médicos, investigadores, como foi o caso do antigo Twitter.

    Um dos grandes vencedores das eleições norte-americanas foi o mercado das criptomoedas, com destaque para o ‘ouro digital, a Bitcoin. No dia 6 de Novembro, a seguir às eleições, a Bitcoin disparou para um valor acima dos 75.600 dólares e ontem já estava nos nos 89.747 dólares.

    Mas, em geral, as moedas e activos virtuais dispararam após a confirmação da vitória de Trump, que é mais favorável a um ambiente pró-criptomoedas. A promessa de Trump de fazer dos Estados Unidos a capital do mundo das criptomoedas foi talvez o argumento mais forte por detrás desta euforia.

    Também as acções de empresas ligadas ao sector dos criptoactivos dispararam, como foi o caso dos títulos da Coinbase e da MicroStrategy.

    As acções das grandes farmacêuticas, sobretudo das que tiveram lucros pornográficos com a pandemia de covid-19, como a Pfizer, começaram há semanas a antecipar uma vitória dos republicanos. Com a confirmação da eleição de Trump e a vitória alargada do Partido Republicano em várias frentes, a desvalorização ainda se acentuou mais. Isto porque, com os republicanos no poder, arrefecem as perspectivas de as farmacêuticas poderem ter cortes nas receitas provenientes da subsidiação de de medicamentos e tratamentos por parte dos cofres federais. Trump também defende preços mais baixos dos medicamentos.

    Por outro lado, a política de saúde pública dos republicanos deverá também sofrer alterações, com menor tolerância para o lobby das ‘big-pharma‘ junto de decisores públicos e a promessa de acabar com a corrupção e conflitos de interesses no sector regulatório e de saúde pública nos Estados Unidos.


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  • ‘Carga fiscal’ real aumenta 57% em Portugal desde a criação do euro

    ‘Carga fiscal’ real aumenta 57% em Portugal desde a criação do euro

    A receita do Estado está em crescente galope. Contabilizando os impostos, contribuições e taxas cobrados aos contribuintes, e ajustando à inflação e considerando a população, o Estado vai arrecadar mais 57% por cada português face ao que sucedia há 26 anos. Em 1999, a receita fiscal foi de 47 mil milhões de euros, o que daria um valor per capita de 4.628 euros. Mas ajustando a preços constantes de 2023, com a inflação e o aumento populacional, esse valor corresponderia hoje a 7.492 euros. Mas a máquina estatal de cobrança ‘promete’ vir a sacar, no próximo ano, quase 134 mil milhões, o que, a preços constantes de 2023, dará um valor per capital de 11.742 euros. A subida tem sido avassaladora a partir de 2021, com um crescimento da ‘carga fiscal’ e outras obrigações perante o Estado a alcançar quase 22%. Nesta análise do PÁGINA UM, como se usam preços constantes, a inflação deixa de servir como argumento para a sofreguidão do Estado, até porque a preços nominais a subida das receitas do Estado entre 1999 e a previsão de 2025 é absurda: mais 183%.


    O Estado deverá arrecadar, no próximo ano, mais 57% de receitas do que obtinha em 1999, ano da criação do euro, em valores ajustados à inflação. Essa é a boa notícia. A má notícia é que, na sua maioria, se deve a mais entregas de dinheiro que os contribuintes e as empresas têm feito à máquina estatal, através de impostos, taxas e contribuições para a Segurança Social.

    No total, o Estado ‘promete’ encaixar, em 2025, um total de 134 mil milhões de euros, o que corresponde a 11.742 euros por cada residente (per capita). Em termos comparáveis, o valor das receitas per capita em 1999 foi de foi de 7.492 euros, a preços constantes de 2023, segundo cálculos do PÁGINA UM, com base em dados do Banco de Portugal e na proposta de Orçamento do Estado para 2025. A valores nominais, sem qualquer ajuste à evolução dos preços, o aumento das receitas que entraram para os cofres públicos nos últimos 26 anos foi de 183%.

    Foto: D.R.

    Visto que a quase totalidade destas receitas provém dos contribuintes, significa que a carga fiscal e as contribuições são hoje mais pesadas. Mas, em 2025, a ‘gulodice’ do Estado não ‘ataca’ só o ‘pacote’ das doces receitas e vai também engolir mais dívida pública. Em termos absolutos, o país vai engordar a sua dívida pública para 274.554,8 milhões de euros, um novo máximo.

    Para Filipe Garcia, economista da IMF-Informação de Mercados Financeiros, este ‘engordar’ das receitas do Estado não surpreende. “A evolução da carga fiscal em Portugal tem aumentado nas últimas décadas, o que encontra paralelo na evolução da generalidade das economias mundiais e da União Europeia em particular”, disse, ao PÁGINA UM. Explicou que, “um dos factores que mais poderá estar a contribuir para esta evolução é o facto de a informalidade na economia ter vindo a recuar de forma bastante visível, tanto a nível produtivo, comércio e emprego”. Isto porque, “numa economia mais formalizada e mais digital, a cobrança de impostos é mais eficiente e eficaz”.

    Por outro lado, Filipe Garcia destacou que “esta evolução reflecte a tendência para o crescimento estrutural do Estado, seja na sua dimensão, seja na despesa que consome” e apontou que, “em Portugal, a Despesa Primária representará cerca de 40% do Produto Interno Bruto (PIB), num contexto de crescimento económico e com desemprego e juros baixos”, lembrando que o máximo foi 46,88% em 2013, em vésperas de saída da ‘troika’ do país.

    Para este economista, “a magnitude deste número obriga-nos a pensar se este é o modelo que queremos a seguir em termos de dimensão do Estado”. É que, “à boleia da ideia de conveniência e promoção da equidade através dos serviços e gastos públicos, tem-se criado uma ‘máquina’ de grandes dimensões”. Basta ver que “os gastos com pessoal, consumos intermédios e outras despesas correntes perfizeram 18,1% do PIB de 2023”, recordou.

    O Governo prevê arrecadar quase 134 mil milhões de euros em receitas, no próximo ano. Os impostos e as contribuições para a Segurança Social representam a quase totalidade das receitas previstas na proposta do OE2025. Fonte: Proposta OE2025 (Valores em milhões de euros)

    Segundo a proposta do Orçamento do Estado para 2025, as receitas totais vão crescer 8.043 milhões de euros para 133.761 milhões de euros. As receitas fiscais vão aumentar 3,3% face a este ano, para os 72.598 milhões de euros. As receitas de impostos sobre produção e importação vão subir 6,4% para 43.231 milhões de euros. Quanto às contribuições sociais, vão aumentar para 6,1% para 37.850 milhões de euros. Apenas as receitas de impostos correntes sobre o rendimento e o património deverão cair, na ordem de 1%, para 29.366 milhões de euros.

    Só em receita da Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), o aumento em valor previsto para 2025 é de 1.547 milhões de euros, o que representa um aumento de 6,4%. De Imposto sobre o Rendimento Colectivo (IRC) deverá entrar nos cofres estatais mais 620 milhões de euros do que em 2024.

    Em termos históricos, olhando para a evolução das receitas que entraram nos cofres do Estado per capita desde a criação da moeda única, o aumento foi de 57% a preços constantes de 2023. Será o valor mais alto arrecadado pelo Estado, pelo menos, na era do euro.

    Desde a criação da moeda única, as receitas estatais per capita só não subiram por quatro ocasiões. A primeira, foi em 2003, quando a economia portuguesa se encontrava em recessão, num período de ressaca após a euforia de adesão ao euro e numa altura em as contas públicas já se encontravam com o espartilho das condições do Pacto de Estabilidade e Crescimento que impunha, designadamente, um tecto de 3% para o défice face ao PIB.

    Evolução da carga fiscal e outras obrigações perante o Estado, em euros, entre 1999 e 2025 a preços constantes (2023), indexada à população de cada ano (oer capita). Fonte: Banco de Portugal e proposta OE25. Análise: PÁGINA UM.

    Depois, deu-se a segunda quebra das receitas do Estado em 2009, na sequência da grave crise financeira que teve início nos Estados Unidos e alastrou, e que ficou conhecida como a crise do ‘subprime’, quando rebentou a ‘bolha’ de produtos financeiros ligados a créditos imobiliários de alto risco.

    Seguiu-se nova descidas das receitas do Estado em 2012, no ano a seguir a Portugal ter pedido um resgate financeiro internacional. O país ficou agrilhoado a uma política de austeridade e a chamada ‘troika’, composta pelo Fundo Monetário Internacional, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia, ‘permaneceram’ no país até 2014. Foi precisamente nesse ano que se deu nova descida nas receitas que entraram nos cofres públicos.

    Seis anos depois, em 2020, deu-se nova descida das receitas devido ao forte travão da economia provocado pela opção que o Governo adoptou na gestão da pandemia de covid-19, que incluiu medidas radicais, como confinamentos, fecho de escolas, serviços e actividades. O certo é que, depois dessa crise, as receitas aceleraram a tendência de subida que registavam até 2019, crescendo 2.500 euros por cada residente no país.

    A preços constantes de 2023, as receitas totais do Estado passaram de  um valor de 76.550,5 milhões de euros em 1999 para a quantia prevista de 127.440,2 milhões de euros em 2025.

    Em percentagem do PIB, as receitas do Estado passaram de 39,5% há 26 anos, para 45,5% da riqueza produzida no país. Também face ao PIB, as despesas passaram de 46,2% para 45,7%. Quanto ao défice, passou de -3,0% do PIB para -0,2%.

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    Em termos reais, a Economia deverá crescer 2,1% no próximo ano, o valor mais baixo desde o que foi registado em 2020, quando a Economia contraiu 8,4% por força das medidas de gestão da pandemia.

    No caso da dívida pública, se em 1999 representava 55,4% da riqueza, no próximo ano irá ficar pelos 93,3%. Desde 2020, quando atingiu os 135,2% do PIB, que este rácio da dívida pública tem vindo a melhorar, com a economia a recuperar das medidas extremas adoptadas na pandemia e a beneficiar das injecções da ‘máquina de imprimir dinheiro’ do Banco Central Europeu. Mas o país vai desembolsar, só em juros, 6.437 milhões de euros em 2025.

    Neste cenário, é expectável que os governos futuros continuem a ‘esmifrar’ famílias e empresas, com impostos e contribuições, para manter em dia os pagamentos correntes e os dispendiosos encargos com a dívida, pelo que não será de estranhar novos máximos de receitas a encher os cofres do Estado nos anos vindouros.


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  • Recuperação turística não compensa perdas de receita de 6 mil milhões de euros no triénio da pandemia

    Recuperação turística não compensa perdas de receita de 6 mil milhões de euros no triénio da pandemia

    As dormidas turísticas em Portugal atingiram valores recorde em Agosto passado, mas há uma realidade escondida nos números agora divulgados pelo Instituto Nacional de Estatística. Uma análise do PÁGINA UM confirma a hecatombe económica nas receitas dos alojamentos no sector turístico durante a pandemia. As perdas estimadas no triénio 2020-2022 situam-se acima dos 6 mil milhões de euros, devido às restrições impostas às viagens e ao alarme associado. O ano de 2020 foi o mais afectado: seria expectável, sem pandemia, receitas da ordem dos 4,6 mil milhões de euros, seguindo a tendência de crescimento do sector de 8%, mas o ‘tombo’ foi colossal, apenas se arrecadando pouco mais de 1,4 mil milhões de euros. A recuperação apenas se mostrou visível em 2022, embora os proveitos tivessem ficado aquém do que seriam de esperar. A análise aos ‘anos perdidos’ do sector do turismo em Portugal mostra uma realidade pouco reconhecida a nível político e mediático, de enormes perdas que afectaram empresas e trabalhadores do sector turístico, um dos principais motores da Economia portuguesa.


    As dormidas turísticas em Portugal atingiram o máximo histórico em Agosto, mas o caso não é ainda motivo para se atirar foguetes. É que, para trás, há ainda muitas ‘feridas por cicatrizar’, com três ‘anni horribiles‘ por causa das restrições impostas pelo Governo durante a pandemia. Uma análise do PÁGINA UM, com base em dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) e as taxas de crescimento do sector no período imediatamente anterior e posterior à pandemia, estima que se perderam, pelo menos, 6,2 mil milhões de euros de receitas nos diversos estabelecimentos de alojamento turístico, designadamente unidades hoteleiras, alojamento local e turismo rural. Este montante é superior a um ano ‘bom’ de receitas, como o observado em 2023, quando o sector registou um recorde nos proveitos.

    Segundo a análise, que estima qual seria a evolução natural das receitas das dormidas turísticas caso não houvesse restrições, só as perdas registadas em 2020 ascendem a um valor estimado de 3,2 mil milhões de euros. Seria expectável, face ao anterior triénio, com taxas de crescimento médio anual a rondar os 8%, que o ano de 2020 tivesse receitas de mais de 4,6 mil milhões de euros, mas quedou-se nos 1,4 mil milhões. Os meses de Abril e Maio, associados ao pânico generalizado, incluindo interrupções de tráfego aéreo, levaram a quedas brutais. Em Abril de 2020, as receitas de alojamento turístico cifraram-se apenas em 4,4 milhões de euros, o que representou somente 1,3% das receitas do mês homólogo de 2019. Mesmo em Agosto de 2020, as receitas foram metade das registadas no mesmo mês do ano anterior.

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    Ao invés de o sector registar uma continuação do crescimento observado até 2019, logo em 2020 o travão às dormidas turísticas foi imediato. Recorde-se que, ao contrário da Suécia, Portugal adoptou uma estratégia radical, seguida na generalidade dos países europeus, impondo confinamentos, fecho de empresas e de fornecimento de alguns serviços, bem como suspensão do tráfego aéreo. O pânico ajudou também a refrear as visitas de estrangeiros. As restrições foram aplicadas a partir de meados de Março de 2020, o que afectou as dormidas turísticas logo a partir deste mês.

    Em 2021, mesmo com a introdução do certificado de vacinação – que não dava qualquer garantia de controlo das infecções e constituiu uma limitação inconstitucional às viagens -, houve uma ligeira recuperação das receitas face a 2020, mas ainda muito abaixo dos anos anteriores à pandemia. Com efeito, de acordo com os cálculos do PÁGINA UM, seriam expectáveis receitas da ordem dos 5 mil milhões de euros, sem pandemia, mas na realidade apenas se recolheram 2,4 mil milhões.

    Para estimar as perdas anuais provocadas pelas medidas covid, o cálculo considerou a tendência de crescimento observada entre 2017 e 2019 (taxa de crescimento anual composta de 8%) e também os valores ‘normais’ de 2023 e 2024. Foram então estimados os montantes das receitas se não tivesse havido restrições covid, como as que foram impostas em Portugal, e confrontado com os valores reais.

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    Em 2022, as receitas mais que duplicaram face a 2021, mas mesmo assim ficaram aquém em quase 400 milhões de euros face ao cenário expectável se não houvesse restrições e outros efeitos associados à pandemia da covid-19.

    Neste cenário, entre 2020 e 2022, as receitas de dormidas turísticas em Portugal deveriam ter atingido cerca de 15 mil milhões de euros, mas, na realidade, ficaram-se pelos 8,9 mil milhões de euros (extrapolando para os 12 meses os valores registados entre Janeiro e Julho nos três anos antes e os dois anos depois da pandemia). Saliente-se que o ano de 2024 está a ser excelente, com uma taxa de crescimento de 11% nos primeiros sete meses do ano face a 2023, sendo expectável que, a manter-se esse desempenho até Dezembro, se alcancem valores próximos dos 6,7 mil milhões de euros.

    Em todo o caso, a resiliência deste sector é evidente, tendo-se atingido, no passado mês de Agosto, cerca de 3,8 milhões de hóspedes e 10,5 milhões de dormidas em todo o país, observando-se mesmo um recorde nas dormidas, segundo a estimativa rápida do INE. Em termos de variação, trata-se de crescimentos homólogos de 5,9% e 3,8%, respectivamente e mostram uma aceleração face ao mês anterior (+1,7% e +2,6% em Julho de 2024).

    Evolução das receitas por mês, em milhares de euros, na totalidade dos estabelecimentos de alojamento turístico (A), na hotelaria (B),no alojamento local (C) e no turismo rural e de habitação (D). Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM)

    Por origem, as dormidas de residentes aumentaram 4,6%, depois de terem registado um decréscimo em Julho. Já as dormidas de não residentes, subiram 3,4%, o que corresponde a um abrandamento pelo terceiro mês consecutivo. Segundo o INE, as dormidas de residentes totalizaram 3,6 milhões e as de não residentes totalizaram 6,9 milhões.

    Em termos de proveniência dos turistas, o mercado britânico “manteve-se como principal mercado emissor (quota de 17,1%), tendo registado um crescimento de 1,3% em Agosto, seguido da Espanha (peso de 16,3%), que cresceu 4,6%”. Segundo o INE, entre os 10 principais mercados emissores em agosto, destacaram-se os mercados canadiano e norte-americano, com crescimentos de 11,2% e 8,4%, respectivamente.

    Assim, se é certo que se registou um recorde nas dormidas turísticas em Portugal e o sector observa crescimento, este aumento de procura segue-se a anos em que o mercado de alojamento para turistas sofreu perdas substanciais.

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    No total, de acordo com os dados oficiais mensais do INE, entre 2017 e 2019, as receitas totais dos alojamentos turísticos ascenderam a 11.963 milhões de euros. Entre os anos de 2020 e 2022 o mesmo valor ficou-se pelos 8.790 milhões de euros, uma diferença de 3.173 milhões de euros.

    No entanto, os dados do INE estarão ‘viciados’ por não incorporarem alojamentos locais com menos de 10 camas. Segundo um estudo da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) divulgado esta semana no 1º Congresso Nacional da Associação Alojamento Local em Portugal (ALEP), e que foi citado pela imprensa, o peso do alojamento local nas dormidas nacionais ronda os 42%, um valor muito superior aos meros 15% reportados pelo INE.

    A ALEP quer, assim, que o INE faça uma revisão e altere a sua metodologia, para passar a reflectir nas estatísticas que divulga a dimensão real do alojamento local no sector das dormidas turísticas. O INE contabiliza, nas suas estatísticas, apenas 11 milhões de dormidas em alojamentos locais em Portugal. Segundo o estudo agora divulgado, ajustando aos dados do Eurostat, as dormidas turísticas em alojamentos locais ascendem a 47 milhões, o que constitui uma fatia significativa dos 113 milhões de dormidas registadas em território nacional. Existe, assim, um ‘gap’ de 36 milhões de dormidas nos dados do INE relativos aos alojamentos locais.


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  • Moedas garante que fez a festa da ‘La Vuelta’ em Lisboa ‘só’ com 119 mil euros

    Moedas garante que fez a festa da ‘La Vuelta’ em Lisboa ‘só’ com 119 mil euros



    A Câmara Municipal de Lisboa celebrou com pompa e circunstância o arranque da prova de ciclismo ‘La Vuelta’ em Belém. Mas, afinal, quanto custou aos contribuintes o patrocínio de Carlos Moedas à prova desportiva espanhola? No Portal Base apenas constam dois contratos que somam uma despesa de 119 mil euros da autarquia com a ‘La Vuelta’. Em simultâneo, e apesar de ter anunciado que apoiara a ‘Volta a Portugal em Bicicleta’, a passagem desta prova ancional pela capital só sucedeu de forma muito discreta na zona de Chelas, e tudo graças a um apoio de 90 mil euros feito pela Junta de Freguesia de Marvila, dominada pelo Partido Socialista.


    O entusiasmo de Carlos Moedas com a passagem da Volta a Espanha em bicicleta pela capital foi publicamente notório, até com direito a discurso em castelhano. Mas se a promoção da prova na capital teve destaque mediático, e andou sobre rodas, o mesmo não se pode dizer da despesa que os contribuintes portugueses tiveram para pagar o arranque da ‘La Vuelta’ a partir de Belém, e que também cruzou Oeiras e outras parte de Portugal.

    No Portal Base apenas consta, para já, a referência a dois contratos feitos pelo município lisboeta relativos à prova, que somam uma despesa de 119 mil euros. Um dos contratos, publicado no dia 30 de Agosto, foi um ajuste directo referente à “aquisição de serviços para a locação de tenda, salas e estacionamento do CCB, no âmbito do evento ‘Portugal La Vuelta 2024’”. Este contrato, no valor de 50 mil euros foi adjudicado à Fundação Centro Cultural de Belém.

    O outro contrato, relativo à contratação de “serviços para a realização e gestão do evento La Vuelta – Etapa em Lisboa”, no valor de 69 mil euros, foi adjudicado à Bravimaginação Unipessoal, num procedimento de consulta prévia, ou seja, foram formalmente consultadas pelo menos três empresas antes da decisão de adjudicação.

    Foto: D.R./CML

    Mas o apoio da Câmara Municipal de Lisboa (CML) à ‘La Vuelta’ terá custado muito mais aos contribuintes. Contudo, até à data, desconhece-se oficialmente o valor global da factura que o município teve com a prova. Em respostas a questões colocadas pelo PÁGINA UM, o gabinete de comunicação da CML afirmou a ‘pés juntos’ que as únicas despesas efectuadas pela autarquia com a ‘La Vuelta’ são as que já constam no Portal Base.

    Notícias divulgadas nos media, designadamente pela CNN, apontavam que a prova iria custar um milhão de euros a três autarquias. Segundo as notícias, Lisboa, Oeiras e Cascais iriam repartir entre si a verba de patrocínio à ‘La Vuelta’ para que pusesse um pezinho (ou as rodas) na região. Assim, os três municípios iriam arcar cada um com 333 mil euros de despesa com a prova, contando com o apoio de associações de turismo locais. Isto para que a prova passasse pela região nos dias 16, 17 e 18 de Agosto.

    Além destes dois contratos da autarquia lisboeta, apenas surgem mais dois registos de despesa pública com a ‘La Vuelta’: dois contratos adjudicados pelo município de Oeiras, ambos através do procedimento de consulta prévia. Um dos contratos, de “aquisição de serviços de fornecimento de cocktail para evento ‘La Vuelta’ no Forte de São Julião da Barra”, no valor de 19.800 euros, foi adjudicado à empresa Pedretti Catering e Eventos Unipessoal. O outro contrato serviu para alugar ” no ‘aluguer de “5000 baias para os locais de passagem no concelho de Oeiras’ da ‘La Vuelta’, sendo entregue a Duarte Teives pelo valor de 26.600 euros.

    O vereador do desporto da CML, Ângelo Pereira, e também o presidente da Junta de Freguesia de Marvila, José António Videira, estiveram numa cerimónia da ‘La Vuelta’ em Marvila. Foto: D.R./CML.

    O contraste com o apoio de Lisboa à ‘La Vuelta’ face ao envolvimento da autarquia da capital com a prova-irmã em Portugal foi gritante. Em termos mediáticos, não teve qualquer comparação. Moedas esteve ‘em grande’ a promover a passagem de ‘la Vuelta’ por Lisboa através de vários media. Já a ‘Volta a Portugal em Bicicleta’ passou por Lisboa à boleia de um apoio de 90 mil euros da Junta de Freguesia de Marvila, dominada pelo Partido Socialista.

    Num anúncio no site da CML, publicado no dia 27 de Julho, a autarquia publicitava que “a 85ª Volta a Portugal em Bicicleta, apoiada pela Câmara Municipal de Lisboa, chegou à capital a 26 de Julho”. E adiantava: “a etapa de hoje, entre Santarém e Lisboa, assinala a homenagem ao Capitão Salgueiro Maia. O ciclista German Tivani sagrou-se vencedor da ‘Etapa da Liberdade’.”

    Após a chegada dos ciclistas e da cerimónia de pódio, foi inaugurado, de facto, um busto de Salgueiro Maia, colocado na rua com o seu nome, em Marvila. A segunda etapa da prova foi “simbolicamente integrada nas comemorações do cinquentenário do 25 de Abril” e “evocou a memória da coluna militar que saiu de Santarém para Lisboa, em 1974, liderada por Salgueiro Maia”.

    Foto: D.R./CML

    Contudo, a representar a autarquia naquela cerimónia esteve o vereador do desporto, Ângelo Pereira, e também o presidente da Junta de Freguesia de Marvila, José António Videira, cujo apoio à prova pode ser consultado no Portal Base, e foi noticiado em primeira-mão pelo PÁGINA UM no passado dia 8 de Agosto.

    Apesar de o município lisboeta ter anunciado que apoiou a ‘Volta a Portugal em Bicicleta’, certo é que se desconhece como prestou esse apoio, pois no Portal Base não conta, até à data, qualquer despesa relativamente à prova. A própria organização da prova não integra o município de Lisboa na lista de patrocinadores e apoiantes. Assim, quem quiser saber quanto a CML gastou com ambas as provas, tem de andar às voltas.


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  • Valor recorde este ano: discriminação salarial entre homens e mulheres agrava-se nos serviços

    Valor recorde este ano: discriminação salarial entre homens e mulheres agrava-se nos serviços

    Uma coisa são as intenções, outra a realidade. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados esta quarta-feira, trazem aparentes boas notícias: no segundo trimestre deste ano atingiu-se o mais elevado rendimento médio mensal líquido dos trabalhadores por conta de outrem, embora uma parte tenha sido ‘comido’ pela inflação dos últimos anos. Mas nem tudo são rosas, longe disso. Apesar de todos os sectores estarem em crescimento, no caso dos serviços a diferença de rendimentos entre homens e mulheres atingiu, no segundo trimestre deste ano, o valor mais elevado desde que o INE iniciou os registos em 2011. Aliás, nos serviços, comparando a evolução no último quinquénio, o aumento absoluto no rendimento dos homens foi de 240 euros contra apenas 213 euros das mulheres.


    O rendimento médio mensal líquido dos empregados por conta de outrem atingiu o valor mais elevado de sempre, mas a inflação tem vindo a ‘comer’ parte deste acréscimo dos últimos anos, enquanto as disparidades salariais entre homens e mulheres no sector dos serviços alcançou mesmo um máximo no segundo trimestre deste ano, de acordo com dados divulgados ontem pelo Instituto Nacional de Estatística.

    Analisando a série de dados desde 2011 sobre o rendimento dos trabalhadores depois da dedução do imposto sobre o rendimento (IRS), das contribuições obrigatórias dos empregados para regimes de Segurança Social e das contribuições dos empregadores para a Segurança Social, o PÁGINA UM conclui que existem mais motivos de preocupação do que de satisfação.

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    No ‘mundo’ dos serviços, a discriminação salarial continua e até aumentou para valores record em Portugal no segundo trimestre deste ano.

    Não contabilizando a inflação, cada trabalhador por conta de outrem ‘levou para casa’, em média, no segundo trimestre deste ano mais 321 euros do que no início de 2011, tendo amealhado agora 1.137 euros. É a primeira vez que este rendimento médio ultrapassou a fasquia dos 1.100 euros. Em comparação com o trimestre anterior, registou-se um aumento de 3,8%, sendo de 8,9% face ao período homólogo do ano passado. E se se recuar cinco anos, para o segundo trimestre de 2019, o aumento é de 24,5%.

    Porém, a inflação terá anulado parte significativa deste incremento nos rendimentos, considerando que o índice de preços no consumidor (IPC) subiu 13,9% entre 2019 e 2023, alcançando mesmo os 28,5% no caso dos produtos alimentares não transformados. Ou seja, para a compra de muitos alimentos, a inflação ‘comeu’ essa aparente melhoria.   

    O sector agrícola e afins tem registado, mesmo assim, uma melhor evolução em termos relativos nos últimos cinco anos, tendo os trabalhadores passado de um rendimento médio mensal líquido de 692 euros no segundo trimestre de 2019 para os 933 euros no segundo trimestre deste ano. Em todo o caso, continua este a ser o sector com menores rendimentos face ao sector industrial, de construção, energia e águas (o tradicional sector secundário) e ao sector dos serviços (vulgarmente conhecido por sector terciário).

    Com efeito, no sector secundário, o último trimestre de 2023, conforme revelam os dados do INE, marcou a ultrapassagem simbólica dos 1.000 euros, que se consolidou agora. O segundo trimestre deste ano apresenta um rendimento médio líquido de 1.080 euros, mais 98 euros do que o período homólogo, e mais 230 euros do que há cinco ano, o que significa um aumento relativo de 27,1%.

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    Trabalhadores do sector primário têm os menores rendimentos, mas também a menor disparidade salarial entre homens e mulheres.

    Apesar do sector dos serviços ter contabilizado um incremento relativo menor no último quinquénio (23,5%), na verdade o aumento absoluto do rendimento líquido médio foi superior aos dos outros dois sectores. Tendo sido superada a fasquia dos 1.000 euros no primeiro trimestre de 2021, os trabalhadores do sector terciário tem registado um aumento consistente, exceptuando o período da pandemia em que se registou uma certa estagnação, com um aumento de apenas 71 euros em três anos (entre o segundo trimestre de 2020 e o primeiro trimestre de 2023). Mas desde este último período, ou seja, em cinco trimestres, o rendimento médio já subiu 115 euros, situando-se agora nos 1.162 euros, mais 221 euros do que há cinco anos.

    Contudo, as disparidades de rendimento entre homens e mulheres estão bastante longe de se dissipar, pelo contrário. No sector dos serviços, o último trimestre apresenta mesmo a maior diferença desde os registos do INE, cuja série começou em 2011 e que foram alvo de ‘reconciliação’ para permitir comparações. No segundo trimestre deste ano, a diferença entre o rendimento médio líquido dos homens e das mulheres no sector terciário nunca foi tão elevada, subindo para 244 euros, o que contrasta com os 166 euros do primeiro trimestre de 2014, a menor disparidade contabilizada desde 2011.

    Em todo o caso, o sector dos serviços é o único em que o rendimento líquido médio das mulheres ultrapassa os 1.000 euros, embora tal tenha acontecido apenas este ano, no primeiro trimestre. Nos outros dois sectores, as mulheres ainda estão bastante aquém dessa fasquia simbólica, embora a distância face aos homens seja menor. Para o segundo trimestre deste ano, no caso do sector industrial e afim, as mulheres ficaram, em média, com um rendimento de 984 euros, enquanto os homens arrecadaram 1.129 euros (diferença de 145 euros).

    Já no sector agrícola e afim, a diferença no segundo trimestre deste ano cifrou-se nos 103 euros, com os homens a registarem um rendimento líquido médio de 973 euros, que contrasta com os 870 euros das mulheres. Curiosamente, o sector primário é aquele onde a disparidade está menos acentuada, havendo trimestres onde se observa rendimentos quase similares, como sucedeu no terceiro trimestre de 2021, quando a diferença foi apenas de um euro.

    Evolução do rendimento médio mensal líquido entre homens e mulheres desde 2011 até ao segundo trimestre de 2024. Fonte: INE.

    Considerando apenas os valores absolutos, o aumento do rendimento médio mensal líquido foi mais favorável no último quinquénio para as mulheres nos sectores primário (277 vs. 203) e secundário (229 vs. 222), mas não no sector terciário, onde o aumento se quedou em 210 euros, que contrastou com uma subida de 247 euros para os homens.

    Por fim, um aspecto relevante que se destaca na evolução dos rendimentos é a redução das disparidades em cada sector de actividade, embora haja ainda diferenças significativas. Por exemplo, em 2011, o rendimento médio líquido de um trabalhador do sexo masculino no sector dos serviços era 58% superior ao de um homem a trabalhar no sector primário. Essa diferença agora é de 34%. No caso das mulheres que trabalhavam no sector dos serviços em 2011, apresentavam um rendimento de quase 64% superior ao de uma trabalhadora do sector primário. Essa diferença é agora de 22%.


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  • ‘Pseudo-milionário’ das cripto promovido pela TVI faz troça do Banco de Portugal

    ‘Pseudo-milionário’ das cripto promovido pela TVI faz troça do Banco de Portugal

    O site do suposto jovem milionário das criptomoedas, que foi promovido pela TVI numa reportagem polémica, há cerca de um ano, mantém-se activo e apresenta agora uma mensagem que aparenta ser também uma resposta ao Banco de Portugal. A entidade liderada por Mário Centeno tem a seu cargo a regulação e registo das empresas de criptomoedas em Portugal. Na sequência da reportagem da TVI, emitiu um alerta sobre o ‘jovem milionário’, Renato Duarte Júnior, e a sua suposta empresa, a Digital Bank Labs. Em resposta, o site da DBL diz que não tem planos para fazer negócios em Portugal, por ser “um dos países mais corruptivos da Europa”. Entretanto, a TVI já eliminou do seu site a reportagem, conduzida pela jornalista Conceição Queiroz, depois de ter levado um ‘puxão de orelhas’ do regulador dos media por não ter verificado a veracidade das informações sobre o ‘jovem milionário’ e a sua suposta empresa, os quais promoveu em horário nobre.


    O site do ‘jovem milionário das criptomoedas’, que foi promovido numa reportagem polémica da TVI em Junho do ano passado, continua operacional e a captar potenciais investidores, apesar dos alertas dos reguladores financeiros. Clicando no site mencionado pela TVI, dbl.pt, direcciona para um novo site que contém uma mensagem que aparenta ser uma resposta ao aviso que o Banco de Portugal fez sobre o ‘jovem milionário’ e a sua suposta empresa, Digital Bank Labs.

    O site com fundo preto apresenta em letras grandes o nome ‘Digital Bank Labs’ e, por cima, um aviso em inglês onde se pode ler: “tomámos a decisão de não continuar a utilizar o domínio .pt devido a preocupações regulatórias. Como não temos planos para registar a nossa empresa ou realizar negócios em Portugal, que tem sido identificado como um dos países mais corruptivos da Europa, vamos abandonar gradualmente a nossa associação a este domínio até 2024”.

    Esta mensagem surge na sequência de um aviso emitido pelo Banco de Portugal na sequência da forte polémica que se instalou após a emissão da reportagem da TVI, que continua disponível no site da estação de Queluz.

    Na reportagem, a jornalista Conceição Queiroz parecia estar deslumbrada com a vida de luxo do ‘jovem milionário’ e aparentava desconhecer o funcionamento do mercado de criptomoedas. A TVI nunca esclareceu se recebeu alguma contrapartida pela reportagem nem informou se a jornalista e restantes membros da equipa de reportagem da estação beneficiaram de viagens e estadia pagas pelo ‘jovem milionário’ ou a sua suposta empresa.
    (Foto: Captura a partir de imagem da reportagem da TVI)

    No aviso, publicado em Junho do ano passado, o supervisor financeiro advertia que “a suposta entidade ‘Digital Bank Labs’ e ‘Renato Júnior’ (Silvério Renato Carneiro Duarte, NIF 253371341) que atuam através do endereço de internet ‘http :// dbl.pt’, não estão, na presente data, nem nunca estiveram, habilitados a exercer, em Portugal, qualquer atividade financeira reservada às instituições sujeitas à supervisão do Banco de Portugal, nomeadamente, atividades com ativos virtuais e rece[p]ção de depósitos ou outros fundos reembolsáveis”.

    Mas também a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e a Federação Portuguesa das Associações da Cripto Economia fizeram avisos aos investidores.

    Recorde-se que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) deu recentemente um ‘puxão de orelhas’ à TVI pela reportagem que promoveu a vida de luxo de Renato Duarte Júnior no Dubai e o seu alegado negócio de criptomoedas. Na reportagem, da jornalista Conceição Queiroz (CP 7851), em cenários luxuosos e idílicos gravados no Dubai, Renato Duarte Júnior (Silvério Renato Carneiro Duarte), é apresentado como o ‘milionário improvável’, rodeado de fausto.

    A reportagem foi transmitida em 21 de Junho de 2023 em horário nobre e gerou uma onda de contestação na Internet pelo carácter duvidoso das informações veiculadas pela reportagem, incluindo do próprio sector regulado das criptoactivos.

    No novo site da dbl.pt pode ler-se a seguinte nota, que aqui se reproduz em português: “Tomámos a decisão de não continuar a utilizar o domínio .pt devido a preocupações regulatórias. Como não temos planos para registar a nossa empresa ou realizar negócios em Portugal, que tem sido identificado como um dos países mais corruptivos da Europa, vamos abandonar gradualmente a nossa associação a este domínio até 2024”.

    Agora, no site da DBL, pode ainda ver-se um relógio em contagem decrescente prometendo o aparecimento de “Uma nova geração de plataforma de investimento privado e confidencial”, alegando que a DBL tem 2,3 mil milhões de dólares de activos sob gestão.

    No mesmo site, com o domínio ‘.capital’, para o qual os internautas são direccionados quando clicam em dbl.pt, é ainda mostrado um alegado portfólio de criptomoedas, incluindo 191,98 milhões de dólares em bitcoin. De resto, o site não tem mais nenhuma informação ou contactos, tendo apenas dois links para uma conta da rede social X (antigo Twitter) e para outra conta na plataforma de mensagens encriptadas Telegram.

    Contactado, o Banco de Portugal remeteu apenas para o aviso que emitiu no final de Junho de 2023, que foi publicado na sequência da celeuma que a transmissão da reportagem da TVI provocou.

    Apesar das queixas e dos avisos dos reguladores financeiros, a TVI manteve durante mais de um ano, até há poucos dias, a sua reportagem disponível no seu site na Internet. Na sua deliberação recente sobre o caso, a ERC instou a TVI a colocar uma advertência na reportagem. Mas a TVI optou mesmo por eliminar a reportagem do site, aparecendo agora apenas um fundo preto com o logo da TVI Player. O texto que anunciava a reportagem da jornalista Conceição Queiroz ainda pode ser lido aqui.

    A TVI decidiu eliminar a reportagem do seu site, depois de a ter mantido disponível, sem qualquer advertência, durante mais de um ano.
    (Foto: Captura a partir de imagem da reportagem da TVI)

    Este caso polémico veio expor a baixa literacia de muitos jornalistas na cobertura de temas financeiros, incluindo o do sector dos criptoactivos, e também a facilidade com que se podem promover negócios suspeitos num canal de TV de topo, em horário nobre. A tardia intervenção da ERC, que demorou um ano a decidir sobre as queixas que recebeu sobre a reportagem, é, ainda assim, melhor do que a reacção da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), que até hoje nunca se pronunciou sobre a polémica reportagem.

    Já a ERC, na sua deliberação, na sua análise, sugere ter havido amadorismo na elaboração da reportagem. “O caso em análise é eloquente quanto à necessidade de evidenciar a diferença de paradigma que deve existir entre, por um lado, os conteúdos oferecidos pelos órgãos de comunicação social, em especial os de natureza informativa, necessariamente marcados pela insubstituível intermediação crítica especializada do profissional jornalista e, por outro, os demais conteúdos audiovisuais criados por entusiastas, autodidatas ou quaisquer pessoas que não jornalistas, incluindo para fins promocionais, que a cada vez maior acessibilidade das tecnologias de informação e comunicação tem permitido banalizar”, afirmou na deliberação.


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  • Gestão da pandemia aumentou desigualdades entre ricos e pobres em Portugal

    Gestão da pandemia aumentou desigualdades entre ricos e pobres em Portugal

    O Coeficiente de Gini, um indicador reconhecido internacionalmente que mede a desigualdade na distribuição de rendimento foi actualizado na semana passada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) para o ano 2022 e revela um aumento da concentração de riqueza. Os dados indicam que 2020 foi de inversão, após este coeficiente ter atingido o valor mais baixo dos registos do INE, que representaria um sinal de melhor distribuição dos rendimentos entre toda a população. No primeiro ano da pandemia, com os lockdowns e restrições económicas, os ricos distanciaram-se ainda mais da população mais pobre, situação ligeiramente atenuada com o aumento de apoios sociais em 2021. Mas a inflação a partir de 2022 provocou uma nova aceleração nas desigualdades. Com os anos da pandemia, Portugal recuou assim aos tempos sombrios da influência da troika, quando os portugueses assistiram a um empobrecimento e concentração de riqueza nuns poucos.


    Já diz o ditado que ‘um mal nunca vem só’. Em 2020, além de ter surgido uma pandemia, os portugueses foram ainda castigados por uma gestão radical da crise de saúde pública que gerou, entre outros males, uma maior desigualdade na distribuição de rendimento no país. De facto, segundo dados actualizados do Instituto Nacional de Estatística (INE), o primeiro ano das medidas restritivas da pandemia trouxe uma maior concentração de riqueza em alguns portugueses, face à generalidade da população. O cenário melhorou ligeiramente em 2021, mas no ano seguinte Portugal registou o maior nível de desigualdade de distribuição de rendimento em sete anos.

    De acordo com os dados do INE, o coeficiente de Gini – que mede a desigualdade na distribuição do rendimento – atingiu os 39,4% em 2022, o valor mais alto desde 2016. Este indicador do INE “visa sintetizar num único valor a assimetria” da distribuição de rendimento e assume valores entre zero e 100. Quanto mais baixo for o valor do indicador mais indivíduos têm igual rendimento. Quanto mais alto for, mais o rendimento se concentra em menos pessoas.

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    O indicador vinha a registar uma evolução favorável desde 2015, observando-se uma redução na desigualdade e uma menor concentração de riqueza em menos indivíduos. Isto depois de ter atingido os 40% nos anos em que a população mais vulnerável sofreu com a austeridade acordada com a ‘troika’, na sequência do ‘resgate’ financeiro do país, no Governo socialista de José Sócrates.

    Em 2013, o coeficiente de Gini atingiu mesmo os 40,8%. Desde então, foi-se mantendo abaixo dos 40% e, a partir de 2015, entrou numa tendência descendente, com um maior equilíbrio na distribuição de rendimento no país.

    Contudo, em 2020, o indicador disparou para 39% face aos 37,3% registados no ano anterior. Em 2021, melhorou para 37,7% mas voltou a subir, fixando-se em 39,4% em 2022.

    Coeficiente de Gini do rendimento monetário bruto por adulto equivalente (%). Fonte: INE (dados actualizados em 18 de Julho)

    Em resumo, as duas últimas crises em Portugal, e a sua gestão em termos políticos e económicos, trouxeram bençãos a alguns poucos, que viram a sua riqueza acumular, e trouxeram mais pobreza à generalidade dos portugueses.

    Nos anos da pandemia, a classe do ‘portátil’, como ficou conhecida, beneficiou com confinamentos e fecho de escolas e de actividades e serviços. Ficam na memória as partilhas de fotografias nas redes sociais de alguns a trabalhar no seu portátil em cenários idílicos nas suas casas de praia e de campo. Enquanto isso, os trabalhadores da indústria, por exemplo, continuaram a ir trabalhar, mas muitos sofreram com menores salários, decorrentes de ‘lay-offs, e até despedimentos. Famílias inteiras de classes mais baixas ficaram confinadas, muitas em pequenos apartamentos ou habitações sem condições.

    Por outro lado, as moratórias no crédito beneficiaram, sobretudo, os que já tinham casa própria e acesso a crédito à habitação, ficando com folga no orçamento mensal para acumular poupança.

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    (Foto: D.R.)

    Mas as medidas extremas e restritivas impostas na pandemia em muitos países, incluindo Portugal, tiveram também impacto ao nível dos preços de bens e serviços, que se prolongaram e acumularam com outros efeitos, como o da guerra na Ucrânia, diminuindo ainda mais o ‘valor do dinheiro’.

    As medidas adoptadas na pandemia, que cimentaram a evolução crescente da inflação, levaram ao previsível aumento das taxas de juro que, nos últimos anos, colocaram muitas famílias e empresas à beira de um ataque de nervos, sem conseguir fazer face ao disparar do custo das suas dívidas.

    Assim, é provável que o indicador de desigualdade de distribuição de rendimento em Portugal não apresente melhores em 2023 e 2024, mas só quando o INE voltar a actualizar os dados do coeficiente de Gini se saberá.


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  • Start Campus com contas atrasadas e em falência técnica

    Start Campus com contas atrasadas e em falência técnica

    Foi anunciado em 2021 com pompa e circunstância como o maior investimento estrangeiro desde a Autoeuropa, mas o ‘data center’ de Sines será sobretudo lembrado como o epicentro de um terramoto político de Novembro do ano passado que levou à queda do Governo Costa, com as réplicas ainda a sentirem-se. No terreno, as obras mantêm o seu curso, mas o primeiro edifício está já com atraso assinalável, tal como as contas da própria empresa. Somente no final do mês passado, a empresa detida por dois fundos divulgou as contas de 2022, com um ano de atraso, revelando um estilo de investimento muito peculiar: os accionistas não estão a investir o seu dinheiro – e os capitais próprios até já estão negativos, o que significa falência técnica – e optam por atrair empréstimos obrigacionistas. Até agora, tem tido sucesso, tanto assim que conseguiram duas ‘injecções’ de 45 milhões de euros nos últimos seis meses- Os bónus fiscais desta opção para accionistas e obrigacionistas são evidentes, mas torna também opaca a origem dos verdadeiros financiadores.


    Em Abril de 2021, o então secretário de Estado da Internacionalização, o socialista Eurico Brilhante Dias, anunciava que um megacentro de dados global (data centre), com capitais anglo-americanos, tinha “potencial de ser o maior investimento estrangeiro captados pelo país desde a Autoeuropa”, num volume de até 3,5 mil milhões de euros.

    Na assinatura do contrato entre a empresa responsável – a Start-Sines Transatlantic Renewable & Technology Campus e a AICEP – esteve então a ‘fina nata’ do Governo: o primeiro-ministro António Costa, os ministros da Economia, Pedro Siza Vieira, e das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e ainda o secretário das Comunicações, Hugo Santos Mendes. Com início da construção em 2022, o chamado Sines 4.0, o primeiro dos cinco edifícios projectados deveria estar inaugurado no final de 2023.

    Maquete da Start Campus.

    Mas três anos depois, além de já ter causado indirectamente a queda do Governo socialista, no âmbito da Operação Influencer, além da Start Campus ter falhado as previsões iniciais para a conclusão da primeira fase da obra, mostra uma gestão financeira e contabilista profundamente amadora pouco condizente com pergaminhos de quem se anunciava como um dos grandes investimentos estrangeiros em Portugal nas últimas décadas. Paradigmático disso é o facto de somente no final de Junho, com um atraso de 12 meses, terem sido depositadas as contas de 2022 – e as referentes a 2023 deverão ter similar atraso.

    Mas o atraso não é o pior: para uma empresa detida pelos fundos Foxford Capital (76,5%) e Pioneer Sines (23,5%) – onde se esperaria uma solidez inquebrantável na fase inicial dos investimentos, sem ainda haver receitas –, a descapitalização é a palavra de ordem, estando os investimentos a decorrer exclusivamente através do recurso à emissão de obrigações. Com efeito, de acordo com as demonstrações de resultados de 2022, acabou com um prejuízo 6,5 milhões de euros que, a juntar aos resultados transitadas (dos anos anteriores), ‘empurrou’ os capitais próprios para terreno negativo (-4,7 milhões de euros). Isto é, a empresa está em falência técnica.

    A falência técnica da Start Campus – que ter-se-á mantido em 2023, porque não se registaram quaisquer aumentos de capital – será, porém, sobretudo uma estratégia financeiras, mesmo que pouco ortodoxa, de maximizar os investimentos que têm vindo da emissão de obrigações particulares, sob gestão da empresa irlandesa Adare Finance.  Isto porque, apesar da aparente fragilidade do capital investido pelos dois accionistas (cerca de 4 milhões de euros, já ‘esgotado’ há muito pelos prejuízos anuais), tem havido injecção de dinheiro através de emissões obrigacionistas. Desde o ‘terramoto político’ de Novembro do ano passado, a Start Campus emitiu no antepenúltimo dia de 2023, uma emissão de 25 milhões de euros, e já este ano, no início de Abril, houve outra de 20 milhões de euros. No total, as 16 séries de obrigações emitidas, e que já totalizam cerca de 253 milhões de euros, o que revela que existem investidores (anónimos) pouco interessados em ver o polémico projecto.

    Estaleiro das obras em Maio de 2023. A empresa não tem fotos nas redes sociais da actual fase.

    Com o acumular de prejuízos – e até à eventualidade das receitas futuras começarem a dar lucros aos accionsitas da Start Campus -, o investimento por via de obrigacionistas (que, na verdade, podem até ser os accionistas, por estes serem fundos), mostra ser estratégia não desprovida de lógica, sendo em teoria até mais apetecível do ponto de vista financeiro a curto e longo prazo, embora com risco. Com efeito, os juros – que, no caso das obrigações da Start Campus eram, até 2022, de 10% – são sempre um rendimento anual para os obrigacionistas, enquanto os accionistas só recebem quando há lucros. Não havendo ‘falhas’ (default), os obrigacionistas recebem, passado o período, o investimento inicial de volta sem pagar impostos, ao contrário do que sucede com a saída de capitais próprios. Em teoria, os obrigacionistas não mandam numa empresa, mas se esta está com capitais próprios negativos, como sucede com a Start Campus, a realidade pode ser outra.

    Sendo certo que os juros também pagam impostos, o facto de o serviço de dívida ir “empurrar” bastante os resultados para os prejuízos nos próximos anos, faz com que a Start Campus acabe por receber infindáveis bónus fiscais por via dos chamados activos por impostos diferidos. Por exemplo, sem essa regra contabilística, a Start Campus teria apresentado um prejuízo de 8,2 milhões de euros em 2022, em vez dos 6,5 milhões de euros declarados. E tudo isto encurta e muito o retorno do investimento – isto, claro, se o negócio não implodir entretanto. Por parte do Estado, investimento estrangeiro através de fundos é sempre algo arriscado, porque se mostra mais complexo conhecer quem está por detrás do investimento.

    O PÁGINA UM pediu esclarecimentos e informações à Start Campus, mas ninguém se manifestou disponível para falar oficialmente. Na rede social Facebook, a empresa deixou de actualizar a informação desde o final do ano passado, embora no LinkedIn continue activa, tendo mesmo anunciado hoje a nomeação de dois administradores.


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  • ‘Business as usual’: alheia à crise política, Start Sines Campus arrecada mais 25 milhões de euros para investir

    ‘Business as usual’: alheia à crise política, Start Sines Campus arrecada mais 25 milhões de euros para investir


    Portugal deve ser mesmo um país excelente para investimentos. Mesmo se um projecto espoletar indícios de falcatrua, tráfico de influências e prevaricação, com queda de Governo e processos judiciais à mistura, pode tudo continuar como se nada se passasse. E assim é no caso da empresa Start Sines Campus, no ‘olho do furacão’ da Operação Influencer, que deliberou há três semanas um novo empréstimo obrigacionista de valor chorudo: 25 milhões de euros. Na verdade, ‘enxotados’ os dois administradores portugueses no início do escândalo de Novembro passado, tudo aparenta estar como estava, incluindo a não revelação das contas da empresa do exercício de 2022. O atraso nesta obrigação tributária já vai em quase seis meses. Mas, quem se importa com isso?


    Caiu um primeiro-ministro, caiu um Governo, caiu uma Assembleia da República, caíram administradores de empresas, caiu o Carmo e a Trindade que alimentou o mundo mediático e o mundo político em Portugal, vai realizar-se eleições legislativas em 10 de Março, mas a Terra continuou a rodar em torno do Sol, e os negócios a correr e a prosperar. Mesmo os da Start – Sines Transatlantic Renewable & Technology Campus.

    Aparentemente imune ao ‘terramoto político’ que desencadearam as buscas em 7 de Novembro passado a São Bento – e as detenções de Vítor Escária e de Diogo Lacerda Machado –, a empresa que está, desde Abril de 2022, a construir uma mega-centro de dados em Sines, não abrandou os trabalhos nem a atracção e interesse de investidores, que aparentam acreditar num projecto apoiado até por uma “lei malandra”, que coloca António Costa sob suspeita de crime de prevaricação. E prova da ‘normalidade’ é a emissão de uma nova emissão de obrigações deliberada pela Start Sines Campus no antepenúltimo dia de 2023, e anteontem divulgada no Portal das Publicações de Actos Societários do Ministério da Justiça. E não foi de pequena monta, demonstrativo de que o projecto, indiferente aos processos judiciais e às eleições que se avizinham, continua em marcha acelerada.

    Esta emissão de obrigações realizada por oferta particular totalizará os 25 milhões de euros, sendo que cada obrigação tem um preço de 100 mil euros. Esta foi a 15ª série de obrigações emitidas, e que já totalizam 208,1 milhões de euros, o que revela que existem infindáveis investidores (anónimos) pouco interessados em ver o polémico projecto. Ou seja, esta última emissão conseguiu ‘capitalizar’ cerca de 12% do dinheiro já amealhado pela empresa para investir no data center de Sines.

    A empresa formada por um ‘consórcio’ de dois fundos de investimento (Davidson Kempner e Pioneer Point Partners), mas numa complexa e obscura “cascata de empresas”, bem detalhada por uma investigação do jornal Eco, tem apenas um capital social de um milhão e euros, mas esconde as suas contas. As últimas contas conhecidas são relativas ao exercício de 2021 e na Base de Dados das Contas Anuais continuam sem surgir a declaração da Informação Empresarial Simplificada (IES) relativa ao ano de 2022, que deveria ter sido entregue até 15 de Julho de 2023, de acordo com o Código do Imposto sobre o Rendimento de Pessoas Colectivas (CIRC). Ou seja, já há um atraso de quase seis meses na entrega.

    Assim, conforme já revelara o PÁGINA UM em Novembro passado, as únicas informações relevantes da Start – Sines têm sido os sucessivos empréstimos obrigacionistas que aumentaram a sua dívida em 151 milhões de euros desde Novembro de 2022. A partir desse período, são conhecidas, portanto, já nove emissões: seis milhões de euros em Novembro de 2022, mais duas tranches no mês seguinte no valor total de 23,6 milhões de euros, e as restantes em 2023, sendo que 16,5 milhões de euros foram em Fevereiro, 12 milhões em Julho, 20,1 milhões em Agosto, duas tranches em Outubro (15,6 milhões e 32 milhões) e 25 milhões no dia 29 de Dezembro, já depois da destituição de Afonso Salema e Rui Oliveira Neves, e a nomeação de Robert Dunn.

    Governo Costa caiu, surgem suspeitas em torno de uma ‘lei malandra’, mas empresa de Sines continua como se nada fosse, e arrecadou mais 25 milhões de euros para continuar investimentos.

    Continuam sem ser conhecidas as condições destas emissões obrigacionistas, mas com o agravamento da Euribor a 12 meses ao longo deste ano será sensato admitir que a empresa estará a pagar uma taxa de juro próxima de 14%, ou seja, um spread de 10%. Com efeito, nas contas de 2021 da Start Sines Campus refere-se que foi celebrado “um contrato com a Adare Finance DAC, denominado de ‘Programme Agreement’, que determina um montante de empréstimo à Empresa até ao montante agregado de 50.000.000,00 euros, com juros à taxa fixa de 10%”. Como nesse período a Euribor estava em terreno negativo, e agora está nos 4,2%, significa que a Start Sines estará a oferecer um rendimento potencial acima de 14%.

    Em todo o caso, sem a consulta das contas de 2022 não será possível ter uma ideia mais concreta da saúde financeira deste investimento, nem sequer confirmar aquilo que foi dito pelos então responsáveis da empresa durante o interrogatório no Tribunal de Instrução Criminal: um investimento, até este mês, de 162 milhões de euros” na aquisição de direitos sobre terrenos, em equipamentos e em construção”.


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