Categoria: Cultura

  • The Big Lebowski: 25 anos da imprevisível magia do cinema

    The Big Lebowski: 25 anos da imprevisível magia do cinema


    Celebrou-se em Março os 25 anos do filme The Big Lebowski (TBL), primeiramente lançado nos cinemas a 6 de Março de 1998 nos Estados Unidos, mas chegado a Portugal apenas a 30 de Outubro desse ano.

    Dir-se-ia que foi só mais um filme, e perguntar-se-á o motivo de se escrever sobre este em particular quando tantos outros também celebram anos de existência. Pois bem: The Big Lebowski não é um filme qualquer, e os fenómenos que foi gerando à sua volta, ao longo dos anos, tornaram-se maiores do que ele próprio.

    Jeff Bridges, o Dude, em The Great Lebowski.

    Dois anos antes, os dois realizadores, os irmãos Cohen (Joel e Ethan), tinham dado à luz o aclamado Fargo, que venceu o Óscar pelo melhor argumento e melhor actriz, para uma magnífica Frances McDormand, a fazer de polícia grávida naquela pacata cidade do Dakota do Norte. A expectativa à volta do que viria a seguir era assim grande.

    Porém, nas bilheteiras The Big Lebowski foi uma desilusão e as receitas mal cobriram as despesas. As críticas também não foram meigas e apareceram as bad reviews que pareciam confirmar ser este um filme a ficar sem História.

    David Denby escreveu para a New York Magazine a defender que The Big Lebowski era filme demasiado incoerente para se poder explicar e que o protagonista, Jeff Bridges, se tinha sacrificado pelo conceito derrotista dos Cohen.

    O falecido Roger Ebert disse, por sua vez, em 1998 que The Big Lebowski era um filme que corria em todas as direcções e acabava por não ir para lado algum. Peter Howell escreveu, no Toronto Star, ser difícil aceitar que os realizadores eram os mesmos de Fargo.

    Daphne Merkin, na sua recensão para o The NewYorker era mais uma destas vozes negativas e, embora fizesse elogios à performance de Bridges, criticava a falta de estrutura narrativa, o exagero das referências ao judaísmo e a falta de senso comum de Joel e Ethan. Dave Kehr chamou-lhe uma ideia cansada e um filme episódico e despreocupado.

    Enfim, tudo parecera falhar, e The Big Lebowski estava aparentemente destinado a ser um filme que os irmãos Cohen desejariam que o Mundo esquecesse.

    Porém, é o tempo que cria os clássicos, e o hoje é um mau julgador.

    Existe alguma ambivalência no que toca à definição de filmes de culto. Certo é que há filmes que criaram uma legião de “cultistas” que ainda hoje perdura – isto independentemente do seu sucesso ou falta deste, nas bilheteiras.

    De qualquer forma, se a “alta cultura” inicialmente condenou The Big Lebowski, automaticamente também criou as sementes para uma “baixa cultura” que não se revê nas críticas de peritos ou nas expectativas de intelectuais.

    Esta “baixa cultura” é normalmente formada por pessoas que vêem os chamados midnight movies que, como indica o nome, são filmes B, transmitidos a hora tardia, geralmente com o orçamento baixo, que tiveram origem nos anos 50, mas que depois do sucesso de filmes como El topo (1970) e mais tarde The Rocky Horror Picture Show (1975) começaram a atrair mais e maiores audiências.

    Ainda assim, esta legião de fãs configura uma oposição à “alta cultura” e ao mainstream, vendo-se a si mesma como “transgressora” que visiona filmes nas zonas suburbanas dos Estados Unidos a horas também elas desobedientes dos horários ditos normais, criando assim uma ritualização. 

    The Big Lebowski foi um desses filmes transmitidos nos midnight movies, desde o New Beverly Cinema no ano 2000, Nickelodeon Theatre em 2002, e em 2007 no New York City’s Sunshine Cinema, Milwaukee’s Rosebud Cinema Drafthouse, e no San Francisco’s Clay Theatre, cruzando assim várias regiões dos Estados Unidos.

    Em 2002 na cidade de Louisville, no Estado do Kentucky, foi assim criado o primeiro Lebowski Festival a partir da ideia de dois fãs, Will Russell e Scott Shuffitt. Não foi propriamente um grande festival, uma vez que só apareceram 150 pessoas e não se podia vender bebidas alcoólicas.

    Mas a semente germinou, e actualmente é um festival organizado em mais de 30 cidades americanas, com a presença dos actores principais, e onde os participantes mascaram-se com as indumentárias das personagens do filme, jogam bowling e citam frases do filme uns aos outros.

    No mesmo ano do primeiro festival foi feito o lançamento de DVD de The Big Lebowski em conjunto com outro filme que abordava o tema do consumo de marijuana. Três anos depois, em 2005, foi lançado o Collector’s Edition e o Achiever’s Edition, este último já com o nome que os fãs do filme davam já a si mesmos, certificando assim The Big Lebowski como um filme de culto.

    No décimo aniversário saiu mais um DVD que vendeu perto de 2,5 milhões de unidades. No vigésimo aniversário, em 2018, essas vendas duplicaram. O estatuto de filme de culto estava criado. The Big Lebowski tinha ganhado mais que uma segunda vida, era agora um fenómeno. Talvez uma vida eterna.

    Mainpage do culto Dudeism.

    Mas as particularidades não se ficam por aqui. The Big Lebowski conseguiu a proeza de servir de inspiração para a “criação” de uma religião e filosofia de vida, que dá pelo nome de Dudeism – reconhecida pelo Governo norte-americano e conta com mais de 600 mil padres ordenados.

    Oliver Benjamin, o seu criador, baseia esta religião no conceito de abiding, ou seja, viver no presente, sem se preocupar com o futuro, e vai buscar semelhança a filosofias orientais como o Taoismo, Budismo e Sofismo. Há apenas uma grande regra a seguir: “não sejas um idiota, trata bem as pessoas”.  No website deste “culto”, por uns trocos pode tornar-se um padre, aceder a livros e até tirar um curso na Abide University.

    A influência de The Big Lebowski faz-se sentir também no continente europeu. Desde restaurantes em Glasgow e Edinburgh, sob o nome Lebowskis, onde as bebidas têm o nome das personagens do filme, até ao Grand Café Lebowski em Utrecht, passando em Paris pelo Le Dude e em Dresden pelo Lebowski Bar.

    É de salientar que alguns dos críticos originais de 1998 fizeram, entretanto, o seu mea culpa, e reviram os seus textos. Houve até quem dissesse, na sua revisão, que poderia ter sido consequência de falta de oxigénio e cansaço, que não lhe permitiu escrever uma recensão em condições.

    Joel e Ethan Cohen, a dupla que realizou The Great Lebowski.

    Hoje, The Big Lebowski integra o National Film Registry, que é um corpo que escolhe filmes todos os anos para preservação futura devido à sua importância cultural, histórica ou estética. Ganhou, portanto, um lugar na História do Cinema.

    E sobretudo mostrou que um filme pode sobreviver ao seu tempo, às (más) críticas iniciais, e não obedecer a muitas regras para ser bom. 

    Por outro lado, mostra-se interessante observar as diversas catalogações deste filme. Agora, uns consideram-no uma comédia, outros metem-lhe um pouco de neo-noir.  De qualquer forma, não é fácil dizer qual é o tema deste filme, até porque não é a sua história que tanto fã agremiou. Foram sobretudo as personagens, os seus diálogos e o bowling. E há mais o resto, que é tudo o que se quiser inventar.

  • A festa continua, viva, e recomenda-se

    A festa continua, viva, e recomenda-se

    O PÁGINA UM esteve a acompanhar o Fantasporto no renovado Cinema Batalha. Leia as impressões de uma semana de cinema fantástico no Porto sob o olhar de Frederico Duarte Carvalho.


    Vamos ser claros: o Fantasporto não é um festival de cinema de terror, mas sim, como o nome o indica, é de cinema fantástico. Existe desde 1981, graças a dois nomes incontornáveis da cultura portuense: Mário Dorminsky e Beatriz Pacheco Pereira. Há terror nas salas, claro, pois o cinema é feito de emoções e o medo é uma das mais básicas de todas. Também há sangue, e muito. Mas ao ser mostrado numa tela, presumimos que é falso. É toda uma encenação a retratar a vida real, e um realizador não precisa de saber a quantidade exacta de sangue jorrado quando alguém morre na vida real: ele sabe que nunca será o suficiente.

    Aliás, foi essa a pergunta que fiz ao realizador belga Karim Ouelhaj: se não haveria demasiado sangue em algumas das cenas do seu filme sobre os dois filhos de um serial killer que repetiam as façanhas do pai. Ele sorriu e respondeu, com ar de menino inocente, que pretendia apenas fazer uma “expiação” de sangue. No fundo, o que lhe interessava, como artista, era criar imagens. E a conversa seguiu depois para os quadros de Caravaggio e a cena final, onde, num sofá, a irmã segura um bebé recém-nascido enquanto é abraçada pelo irmão, que acabara de matar homens que a tinham violado, incluindo o pai da criança. Enfim, um dia normal no Fantasporto.

    Megalomaniac, do realizador belga Karim Ouelhaj.

    Naquela altura em que conversávamos, estávamos longe de imaginar que o filme Megalomaniac iria vencer os dois prémios mais importantes do festival: Melhor Filme e Melhor Realizador. Mas já se intuía que o de Melhor Actriz poderia ir para a “mãe” da criança, Eline Shumacher, como se veio a confirmar. “Houve muita confiança entre nós para fazer este filme”, contou-me Karim. Não era fácil fazer o papel de empregada de limpeza numa fábrica e violada por colegas e que tem de se manter discreta em casa, enquanto o irmão rapta e mata mulheres. A assistente social que é morta por fazer demasiadas – e inúteis – perguntas que o diga…

    De origem marroquina, Karim é um realizador belga que, ao visitar o Porto durante a 43ª edição do “Fantas”, descobriu uma cidade pela qual se enamorou e onde gostaria de regressar: “Desta vez, para fazer uma história de amor”, como revelou. Ele não quer ficar preso a um género, como o terror que imprimiu em Megalomaniac.

    A história que venceu a edição deste ano do histórico festival portuense é baseada no caso de um serial killer da vida real conhecido como O carniceiro de Mons, a cidade belga onde, entre Janeiro de 1996 e Julho de 1997, apareceram os corpos desmembrados de cinco mulheres. Um crime ainda por resolver e que levou Karim a imaginar: “E se o carniceiro morreu, mas teve filhos que, passados 20 anos, retomaram as mortes”? A ideia deu um filme premiado e, agora, o filme que Karim pretende fazer no Porto, se vier a ser uma história de amor, poderá, quem sabe, dar mais prémios.

    Karim Ouelhaj

    Em competição, embora sem ter vencido nenhum prémio – excepto a honra de ter estado presente na selecção oficial à primeira tentativa –, esteve o filme S.Ó.S, do jovem realizador português (33 anos) Tiago Santos. Nascido em Lisboa, mas a viver em Viseu há quase 30 anos, o realizador é músico profissional e freelancer na arte do vídeo. Fundador de “A Toca do Lobo”, fez, entre outros, a curta-metragem Alpha – história sobre lobisomens, filmada em Lafões (Viseu), “terra de Lobisomens também”, como destacou.

    Para o Fantasporto, juntamente com os co-produtores João Silva – mais ativo atrás das câmaras, com efeitos visuais e concepção de arte e design –, e Ivo Saraiva, mais activo à frente da câmara, Tiago trouxe um filme com um título ambíguo – entre um apelo de emergência e a aventura de um homem sozinho num cenário pós-apocalipse – esta produção tem ainda a particularidade de ter sido feita com “zero” de orçamento: “O material de vídeo era material já usado por mim na minha vida de freelancer na videografia. Foi filmado com uma Sony a6400 e duas lentes, uma 16mm e uma 50mm. A caracterização do Ivo foi feita com roupas dele e outras minhas. Os acessórios foram emprestados por amigos que praticam airsoft. Filmámos literalmente em frente de minha casa, num parque da cidade – felizmente, Viseu tem bastantes. A casa é uma que está para venda, cedida pelo Luís Pinto, personagem principal do ‘Alpha’. Era do seu avô e fica relativamente perto do centro de Viseu”.

    E assim se consegue ter o sonho de fazer cinema em Portugal…

    Ainda mais impressionante, visualmente, foi um dos cenários deste filme de Tiago: o parque aquático do Almargem, um espaço abandonado e que o realizador português caracteriza como “a nossa pequena Chernoby”. Pediu-se aos donos a autorização de filmagem, mas não chegou qualquer resposta.

    Vai daí, não estiveram de modas: “Embora não tenhamos recebido qualquer resposta ao nosso pedido para filmarmos, enviámos um termo de responsabilidade e sentimo-nos encorajados com outros testemunhos nas redes sociais. Decidimos arriscar ao estilho de ‘guerilla filmmaking’ e filmar lá. Achámos um desperdício não filmarmos na nossa pequena ‘Chernobyl’, embora sem autorização oficial. Não consigo dizer grandes detalhes sobre o local, apenas sei que era um grande projeto para a região e que foi abandonado, felizmente para nós”.

    Para provar ainda que é possível fazer produções cinematográficas em Portugal praticamente sem meios técnicos – e isto nem sequer se deveria dizer, pois depois ainda vão dizer que não se precisa gastar dinheiro na cultura –, temos o exemplo do trabalho do português Pedro Gil Vasconcelos que, com um telemóvel filmou a sua experiência num caminho de Santiago e também fez um pequeno filme nas férias na Turquia, tendo vencido já prémios de curta e micro filmes.

    Mas houve um português que ganhou um prémio internacional. Tito Fernandes, natural de Barcelos, a viver entre Hollywood e o Reino Unido, trabalhou nos efeitos especiais de filmes bem conhecidos como Star Wars – The Force Awakens, Interstellar e o The Dark Knight. Só que ele quer ter o nome debaixo do título do filme, em vez de aparecer apenas nos créditos finais e ser reconhecido pelos amigos. Subiu ao palco na noite da entrega dos prémios para receber o prémio internacional de Melhor Curta-Metragem, pelo filme Incubus, onde, durante 16 minutos, uma mulher debate-se contra os seus medos.

    O filme de Tito Fernandes demonstra um realizador já feito, do qual se espera com ansiedade o momento em que será possível aventurar-se em longas-metragens. No seu pequeno filme, o português usa efeitos especiais na construção de um monstro e fica-se a pensar como seria se a técnica evoluísse para uma ficção com assinatura portuguesa. O filme, que é também um alerta contra a violência doméstica – daí o trauma da mulher com os seus medos –, venceu ainda a categoria de melhor filme português.

    O Fantasporto tem de ser visto do princípio ao fim. Desde a cerimónia de abertura até ao encerramento, uma semana depois. Há quem consiga estar todos os dias na sala principal, com três – ou até quatro – sessões diárias. Que o diga, por exemplo, Pedro Afonso, natural dos Açores, técnico de desenho e cinéfilo, que dedicou uma semana de vida para alimentar o seu site Laxante Cultural com os resumos e apreciação de todos os filmes que passaram na sala principal do Fantasporto.

    Pedro Afonso, cinéfilo e autor do site Laxante Cultural.

    Regressar ao cinema Batalha, leva-nos a um dito muito portuense que é o “bai no Batalha”, assim mesmo, à Porto. Mário Dorminsky não gosta da expressão, pois acha-a depreciativa, visto a expressão designar algo que é uma “treta” – a origem é do tempo em que o cinema Batalha, como grande sala, simbolizava todo o cinema da cidade do Porto e, quando alguém refutava uma história que lhe era contada como sendo exagerada ou digna de ficção, o interlocutor rematava com o dito “bai no Batalha”, expressando o seu sentimento de descrédito do relato, sendo mais parecido com a trama de um qualquer filme de ficção projectado na tela do Batalha. Mas para o portuense, para o amante de cinema, é sempre um prazer ir ao Batalha.

    O novo Batalha recuperou – e bem – as pinturas originais de Júlio Pomar, mandadas esconder pela polícia do Estado Novo, contudo tem detalhes que precisam de ser revistos. O bar fecha a horas que não são as mais propícias ao ambiente de um festival. A zona dos corredores não permite um convívio após filmes. E os convidados internacionais, aqueles que irão depois falar bem ou mal da cidade, são confrontados com a sopa dos pobres à saída do edifício. A ficção da tela do “bai do Batalha” ganha outros contornos realistas quando se está na rua em frente. A lembrar-nos que esta é a sociedade que soubemos fazer.

    Uma sociedade onde a guerra na Ucrânia é também uma realidade e que, nesta edição do Fantasporto, esteve presente, ainda que de forma discreta e menos mortal do que aquela que se passa no terreno. Nem todos os que estiveram no Porto entre os dias 25 de Fevereiro e 5 de Março saberão que o consulado da Ucrânia no Porto enviou à direcção do Fantasporto uma queixa formal pela exibição de uma curta-metragem russa.

    Sleeping Beauty, o filme em questão, tem a particularidade de ter sido filmada debaixo de água. Conta a clássica história da bela adormecida através apenas de música clássica e bailado. Não é uma novidade cinematográfica, mas garante sempre um belo efeito, sobretudo neste caso em que a realizadora, Jana Nedzvetskaya, é uma conhecida designer de moda e responsável da marca Miss Lo – da palavra inglesa para amor, “love”. A curta insere-se em anteriores trabalhos levados a cabo pela designer russa, que é conhecida por ter feito apresentações de moda com a mesma técnica de filmagem.

    Acontece que para o consulado ucraniano no Porto, a exibição daquele filme russo suscitou “preocupação”, porque “o Kremlin usa várias armas, incluindo armas que matam as almas e destroem a consciência da gente. O Kremlin é conhecido há muito tempo por usar a cultura e o seu ‘poder’ de influência para manipulação e propaganda política. O Estado agressor faz amplo uso das ferramentas da diplomacia pública e cultural para expandir a sua influência nos círculos académicos e artísticos estrangeiros, bem com no público, em todo o mundo”, afima-se.

    A carta enviada à direcção do Fantasporto ainda acrescenta que “enquanto continua a guerra russa contra a Ucrânia e continua o sofrimento dos civis, enfatizamos a importância de encerrar a cooperação com todas a instituições no campo da cultura, bem como representantes da Rússia no estrangeiro”.

    Sleeping beauty, filme russo exibido, sob protesto do cônsul da Ucrânia.

    Frisa ainda a carta assinada pela cônsul da Ucrânia no Porto, Alina Ponomarenko, que “a cultura russa ou se manifesta apoiando a guerra iniciada pelo regime de Putin ou não considera necessário expressar uma posição clara, silenciando a guerra na Ucrânia”, terminando com o apelo de que “agora é necessário limitar a influência da cultura russa no mundo”, pois esta é “uma cultura que lançou as bases ideológicas desta guerra, uma cultura que pode justificar furtivamente a agressão da Rússia, uma cultura que a Rússia sabe usar para os seus próprios objectivos”.

    Em contraponto, a mesma carta expressava gratidão ao Fantasporto por ter exibido o filme ucraniano Sashenka, de Oleksandr Zhovna. Filmado a preto e branco, contrasta perfeitamente com o filme russo. Enquanto o primeiro é uma fábula colorida e conta uma história de príncipes e princesas, em “Sashenka” temos uma história centrada na União Soviética dos anos 70, sobre um rapaz obrigado a viver como se fosse uma rapariga – porque a irmã morrera antes do seu nascimento. Obra doentia, com uma interpretação igualmente perturbante do actor Dmitry Nizhelsky, deixou marcas, embora não o suficiente para garantir prémios.

    Menos polémico, mas igualmente de Leste, mais concretamente da Polónia, houve a oportunidade de apreciar em estreia europeia o mais recente filme do polaco Krzystof Zanussi, Perfect Number. Uma obra simples e perfeita sobre temas complicados como Deus, sentido da vida, acasos e matemática. Um realizador que caminha anónimo pelas ruas do Porto, passando por pessoas que ignoram que aquele homem, por exemplo, já venceu um Leão de Ouro em Veneza, em 1984 – com o filme “A Year of the Quiet Sun” – ou que foi ele que, em 1981, fez o primeiro documentário sobre a vida do cardeal polaco Karol Wojtyla até se tornar no Papa João Paulo II.

    Outra presença de peso cinematográfico neste festival – houve muitos mais, eu sei, mas que me perdoem os outros, como os participantes filipinos, japoneses, ingleses, húngaros, franceses, norte-americanos, colombianos, etc. –, foi certamente o britânico Anthony Waller. Digo britânico porque os seus pais são naturais da ilha das Brumas, mas ele nasceu em Beirute, fala alemão e russo e vive no Mónaco.

    Anthony Waller foi mais uma daquelas boas razões para o Porto e o seu festival fazer muito sentido. É seu o filme de 1995 Lobisomem americano em Paris, a sequela ao filme de John Landis, Lobisomem americano em Londres. Durante o Fantasporto houve ainda a oportunidade de assistir ao seu filme de 1994, em cópia restaurada, Mute witnessNão falarás. Um thriller com rasgos de emoção digna de Hitchcook, passado em Moscovo, onde uma norte-americana, assistente de produção de uma equipa de filmagens norte-americana, é testemunha de filmagens proibidas da máfia russa – os chamados filmes snuff, onde as mortes são reais. Só que ela tem um problema: é muda.

    Sashenka, filme ucraniano em competição.

    Uma das maiores atracções deste filme de Waller, no entanto, é o facto de ser um dos últimos filmes do grande actor britânico Alec Guiness. E a razão disso daria mais um filme. É um prazer ouvir o realizador contar como conseguiu ter aquela estrela no seu filme. Uma lição.

    Anos antes de fazer o filme, Anthony Waller estava a estudar cinema na Alemanha, graças a uma bolsa que vencera na escola de cinema do Reino Unido, como patrocínio do realizador John Schlesinger. Um dia aparece Alec Guiness a quem Waller diz que gostaria de o ter um dia num filme. O homem da Ponte do rio Kwai, o príncipe Faisal do Lawrence da Arábia e, finalmente, o Obi-Wan Kenobi do Star Wars, disse-lhe que isso até poderia acontecer, mas ele já estava com a agenda preenchida para os próximos dois anos. É então que Waller atira: “E amanhã de manhã, pode ser?”.

    Perante aquele desafio, Alec Guiness disse que sim e, durante a noite, Waller arranjou uma equipa e material. De manhã, gravou três cenas dentro de um carro nos anos 30. Inicialmente, seria um filme com gangsters em Chicago. As cenas são de noite e Alec Guinness faria o papel de um vilão, o The Ripper, onde diria algumas falas sobre “onde estava a rapariga” e a importância de não deixar testemunhas. Aquelas filmagens estiveram guardadas durante quase dez anos, até que, finalmente, foram montadas para uma história em Moscovo. O material original com Alec Guiness permitiu que, com a inversão da imagem em algumas cenas e diálogos com intercomunicadores, disfarçando a voz do actor, servissem para o dobro do tempo na edição final. Lição de cinema.

    Presente na qualidade de júri, Waller recebeu ainda o prémio de carreira, assim como o realizador da Estónia, Elmo Nuganen, cuja trilogia sobre o boticário da Idade Média, Melchior, fizeram as delícias de quem os viu. As obras do realizador da Estónia são marcadas por uma cinematografia de cores vivas e uma encenação cuidada. O próprio realizador é um reputado encenador e, quando subiu ao palco para receber o seu prémio, percebeu-se bem essa formação teatral. Sobretudo quando disse, na sua língua, como foi poder nadar no Atlântico. Mesmo sendo no Porto, em Março.

    Muito mais haveria para dizer, mas este relato das impressões da 43ª edição do Fantasporto não poderia deixar de mencionar o filme L’órafo (O ourives) do realizador italiano Vincenzo Ricchiuto. Ficou de fora da competição por ter chegado já fora do tempo, mas ainda assim decidiu-se, e bem, incluir na programação aquele que é a primeira longa-metragem de um realizador com mãos experientes.

    A história de um casal de reformados que monta uma armadilha a um grupo de três assaltantes, numa história com luz e fotografia cuidada, interpretações de algumas figuras conhecidas da cena artística italiana e com um guião que permite momentos de tensão e humor. Um filme bem conseguido e que mereceria ser visto por mais pessoas.

    O filme da sessão de encerramento é outro momento de destaque. Desta vez, a honra coube à primeira mulher turca a realizar um filme de ficção-científica. Serpii Altin trouxe à Invicta o filme Once upon a time in the future: 2121, uma versão turca de um 1984. Vale a pena pela partilha cultural – pois muito do cinema que passa no Fantasporto tem esse condão universalista –, com uma cinematografia a fazer lembrar a simetria de um Wes Anderson, referência assumida da realizadora. Mas o mais perturbador é a ideia da história, onde o tema são os mesmos de todo o mundo, onde não há a esperança um futuro radioso, mas sobra-nos aquele onde a sociedade está cada vez mais controlada.

    As pessoas vivem em habitações subterrâneas, submetidas à Lei da Escassez, onde o sistema controla a vida e a comida. O aspecto mais perturbador é que a sociedade culpa os mais idosos das guerras anteriores que destruíram o mundo e, as “novas gerações” – assim mesmo tratadas – são as mais protegidas. Aliás, quando nasce uma criança, a pessoa mais idosa da família é eliminada da sociedade.

    Uma teoria de substituição avançada. Para pensarmos na hora da despedida e enquanto não chega a edição de 2024, marcada no mesmo Batalha, para os dias 1 a 10 de Março. Está já na agenda!


    Os premiados de 2023 do Fantasporto

    Cinema Fantástico

    Grande Prémio – Megalomaniac, de Karim Ouelhaj, com produção de Florence Sâdi

    Melhor Realizador – Karim Ouelhaj (Megalomaniac)

    Melhor Actor – Tom Huges (Shephard)

    Melhor Actriz – Eline Shumacher (Megalomaniac)

    Prémio Especial do Júri – Demigod: the legend begins, de Chris Huang Wen-Chang

    Melhor Argumento – Convenience story, de Satoshi Miki

    Menção Especial – Stone turtle, de Woo Ming Jin

    Semana dos Realizadores

    Melhor Filme – Narcosis, de Martijn de Jong

    Prémio Especial – Kaymak, de Milcho Manchevski

    Melhor Realizador – Hans Herbots (Ritual)

    Melhor Argumento – The game, de Péter Fazakas

    Melhor Actor – Zsolt Nagy (The game)

    Melhor Actriz – Thekla Reuten (Narcosis)

    Menção Especial do Júri – The grandson, de Kristóf Deák

    Orient Express

    Melhor Filme – Kargo, de T. M. Malones

    Menção Especial – Stone turtle, de Woo Ming Jin

    Curtas Metragens

    Melhor Curta – Incubus, de Tito Fernandes

    Filme Português

    Melhor Filme – Incubus, de Tito Fernandes

    Melhor Filme Escola – Quando a terra sangra, de João Morgado

    Menção Especial – The space in between, de Joana Dantas

    Prémios não oficiais

    Prémio da Crítica – Immersion, de Takashi Shimizu

    Prémio do Público – Life of Mariko in Kabukicho, de Eiji Uchida e Shinzô Katayama

    Prémios de Carreira

    Ferdinand Lapuz

    Krzystof Zanussi

    Elmo Nuganen

    Anthony Waller

  • City on the hill

    City on the hill

    Título

    City on the Hill (2019)

    Género

    Drama: Crime

    País de origem

    Estados Unidos da América

    Plataforma

    HBO Max

    Criador

    Chuck Maclean

    Actores principais

    Fevin Bacon; Aldis Hedge; Jill Hennessy

    Nota

    7/10

    Recensão

    Originalmente distribuída pela rede de canais televisivos Showtime, em 2019, City on the hill é uma série norte-americana desenvolvida por Chuck Maclean, baseada numa história criada pelo famoso actor Ben Affleck, que, a par de Matt Damon, também a produz. Recordemos que esta dupla ganhou o Óscar Melhor Argumento em 1997 por O bom rebelde (Good will hunting), onde também se destacava o malogrado Robin Williams.

    City on the hill é um drama protagonizado por Kevin Bacon e Aldis Hodge, tendo como cenários os anos 90 na cidade de Boston, com a premissa de uma cooperação em constante conflito entre o agente do FBI Jackie Rohr (Bacon) e o Procurador-Geral Adjunto Decourcy Ward (Hodge). Conta ainda, em destaque, com a participação de Jill Hennessy, no papel de Jenny Rohr, mulher de Jackie.

    Bacon representa um agente veterano em final de carreira, cuja aprendizagem tem tudo de old school. Corrupção, abuso de drogas e maneirismos fazem de Jackie Rohr um polícia tão desprezível quanto necessário para a trama, onde a fronteira entre anti-herói e vilão se esvanece muitas vezes e só de quando em vez a moralidade aparece.

    Já Hedge é o oposto: ainda jovem, é um idealista, incorruptível, mas ambicioso, havendo linhas que não cruza, embora sabendo que , por vezes, há que “fechar os olhos” para apanhar criminosos e trazê-los à justiça.

    City on the hill não é, em todo o caso, uma história de detectives, nem um clichê típico de series de advogados. Junta sim dois aspectos conhecidos para criar um enredo bastante mais original e interessante, onde se explora a pobreza, o crime e até o racismo institucionalizado numa cidade como Boston.

    Não é propriamente surpreendente que a acção seja passada em Boston, porque tanto Maclean como Affleck e Damon foram criados nesta cidade do Estado de Massachussetts – e o Óscar que arrecadaram com O bom rebelde também tem aí o seu cenário.

    Disponível na plataforma HBO Max, City on the hill conta com três temporadas num tempo médio de 55 minutos por cada um dos seus 26 episódios. E se outros motivos não houvesse, aproveitem para assistir à brilhante representação da “decadência” de Kevin Bacon.

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  • Estante P1: Fevereiro de 2023

    Estante P1: Fevereiro de 2023

    Título

    Negro nunca mais

    Autor

    George S. Schuyler 

    Editora

    Tinta da China

    Sinopse

    A prodigiosa história de um estranho processo médico capaz de transformar a pele negra em pele branca, na América da década de 1930. Uma obra pioneira e cáustica de ficção especulativa, por um dos grandes autores do movimento Renascença de Harlem.

    A obra de George Schuyler não foi recebida sem polémica nos Estados Unidos. A sua imaginativa sátira era um ataque feroz aos mitos da supremacia branca. Mas o autor questionava também os equívocos da pureza racial e das identidades vistas como essências biológicas. Mesmo antes da publicação do romance, em 1931, Schuyler criticava a hipocrisia moral e o enriquecimento ilícito de alguns dos dirigentes do movimento conhecido como Harlem Renaissance ou do movimento chamado Nação do Islão defendido por Malcolm X. Schuyler foi acusado de traição à causa dos seus irmãos negros. […]Noventa anos depois da sua estreia, Negro Nunca Mais mantém uma pungente actualidade. Permanece intacta a relevância e susceptibilidade do preconceito racial como um assunto que não admite nem ambiguidade nem ligeireza. Uma coisa me parece certa: em muitas redes sociais de hoje George Schuyler seria ‘cancelado’ e a obra definitivamente censurada.“Mia Couto, no Prefácio

    Título

    A pele do tambor

    Autor

    Arturo Pérezx-Reverte

    Editora

    Asa

    Sinopse

    Faltam onze minutos para a meia-noite quando o sistema central do Vaticano é atacado por um vírus informático que divulga uma mensagem sobre uma igreja em Sevilha que “mata para se defender”. O enigma agita os serviços de informação, que se empenham como nunca em descobrir a identidade do hacker.

    Lorenzo Quart, padre “fiável como um canivete suíço”, parte com a missão de investigar a igreja envolvida na polémica e depara-se com uma realidade mais complexa do que esperava. Há o velho padre e o seu jovem acólito; a mulher adúltera de olhos cor de mel; a freira americana que está a restaurar as obras de arte da igreja; um banqueiro ciumento; três pitorescos bandidos; vários homens de negócios e até mesmo o arcebispo de Sevilha.

    Uma obra na qual pulsam o mistério e a intriga, a tensão dramática e as paixões humanas. A pele do tambor é um testemunho do amor de Pérez-Reverte pela Arte, a História, e a belíssima cidade de Sevilha.

    Título

    A mandíbula de Caim

    Autor

    Torquemada 

    Editora

    Lua de Papel

    Sinopse

    Seis assassinatos. Cem páginas. Milhões de combinações possíveis… Mas apenas uma está certa. Será que consegue solucionar o mistério?

    Em 1934, o autor das palavras cruzadas crípticas do jornal inglês The Observer, Edward Powys Mathers (conhecido pelo pseudónimo Torquemada), publicou um romance que é, ao mesmo tempo, um mistério policial e o mais difícil puzzle literário escrito até hoje. As páginas foram impressas numa ordem completamente aleatória, sendo no entanto possível – através da lógica e de uma leitura inteligente – ordená-las corretamente, revelando assim as seis vítimas de assassinato e respetivos assassinos.

    Até hoje, apenas três pessoas conseguiram resolver o mistério de A mandíbula de Caim: será capaz de se juntar à elite mundial dos amantes de puzzles literários?

    Título

    Vozdevelha 

    Autora

    Elisa Victoria

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Tem nove anos. Chama-se Marina, mas na escola tratam-na por Vozdevelha, porque nem sempre tem uma relação fácil com os da sua idade. Este verão em Sevilha, o primeiro depois da Expo’92, está a ser tão comprido e seco que ela não sabe se há de rir, se há de chorar; se quer que tudo mude ou que tudo fique na mesma.

    Porque, embora ainda brinque com bonecas, já folheia revistas para adultos, já sabe o que são beijos de namorados, já pensa na sua primeira vez com palavras que não se dizem em público. Porque tem a mãe muito doente e já se está a imaginar num internato, rodeada de freiras e órfãs – até a obrigaram a batizar-se para o caso de ser preciso. Porque o pai desapareceu há cinco anos e a sua melhor amiga é a avó, que lhe faz petiscos, a deixa ver televisão até às tantas, lhe fala da sua paixão por Felipe González, dorme na cama com ela e lhe costura vestidos de sevilhana ou às flores. Os desejos e os medos de Marina aparecem sempre misturados.

    Terno e autêntico, Vozdevelha é um romance fulgurante sobre uma criança muito inteligente num mundo às vezes tão estúpido e, ao mesmo tempo, um retrato nada condescendente dos habitantes das periferias e dos bairros operários da Europa do Sul no final do século XX. Como diz a escritora Elvira Lindo: inesquecível.

    Título

    Os órfãos do Führer

    Autor

    David Laws

    Editora

    Casa das Letras

    Sinopse

    Numa área industrial da cidade de Munique, durante a guerra, 27 crianças sozinhas, esfomeadas e amedrontadas escondem-se da Gestapo. Os pais foram mandados para campos de concentração e elas não têm para onde ir.

    Claudia Kellner, uma professora, descobre o grupo numa altura em que abriga em sua casa duas vítimas do regime que não têm para onde ir, arriscando a própria segurança para as proteger.

    Entretanto, Peter Chesham, um espião britânico, consegue introduzir-se no território do Terceiro Reich com uma missão ultrassecreta. No entanto, esta missão é posta em risco quando ele próprio descobre o lugar onde se escondem os órfãos.

    Se não abdicar da sua missão, esta acabará por ter consequências fatais para todos os que o rodeiam, mas se o fizer a Alemanha nazi poderá ganhar a guerra. Peter enfrenta por isso um dilema dilacerante: obedecer às ordens ou salvar as crianças.

    Acabará Peter por dirigir a operação de salvamento ou levará a cabo a missão com que saiu de Inglaterra?

    O que escolher poderá decidir o futuro da Europa.

    Título

    O rei traidor

    Autor

    Andrew Lownie

    Editora

    Casa das Letras

    Sinopse

    Com base em arquivos recentemente abertos, o biógrafo bestsellerseller Andrew Lownie, conta-nos a história das vidas fulgurantes do duque e da duquesa de Windsor, após Eduardo VIII ter abdicado do mundo da realeza – um mundo cheio de traição e deslealdade.

    Foi a 11 de dezembro de 1936 que Eduardo VIII, rei de Inglaterra, renunciou à coroa e seus correspondentes deveres por amor a Wallis Simpson, divorciada americana. Perseguidos por controvérsia e escândalo, apenas poderiam ser felizes para sempre com a abdicação de Eduardo. Mas será que foram?

    Esta biografia dupla revela a vida dramática dos Windsor após a renúncia ao trono, contando a história de um membro real afastado pela sua família e forçado ao exílio. Desvendando as tentativas nazis de recrutar o duque e as razões pelas quais o mesmo, como governador das Bahamas, tentou arquivar a investigação sobre o assassinato de um amigo próximo, esta biografia relata a história de um casal obcecado pelo seu estatuto, beneficiando financeiramente da sua posição, enquanto se retrata como vítima através da manipulação dos meios de comunicação social.

    Título

    Descobrimentos e outras ideias politicamente incorrectas 

    Autor

    João Pedro Marques 

    Editora

    Guerra & Paz

    Sinopse

    Irá Lisboa ter um Museu das Descobertas, como foi prometido, ou continuará essa promessa a ser travada pelo clamor dos radicais de esquerda? Irão esses mesmos radicais prosseguir a sua campanha de desinformação acerca do envolvimento de Portugal na escravatura? Continuarão a querer demolir alguns monumentos e estátuas, bem como alterar os livros escolares e a nossa linguagem do dia-a-dia? E como responderemos nós a essas e a outras pressões? Iremos resistir-lhes ou iremos ceder-lhes, modificando, por exemplo, os programas da disciplina de História do secundário para as satisfazer? Essas são algumas das questões levantadas e respondidas em Descobrimentos e Outras Ideias Politicamente Incorrectas. Este livro é um combate contra os apologistas e praticantes do pensamento politicamente correcto, que são os mesmos que têm aversão mental aos Descobrimentos e ao Império, e que flagelam Portugal com o tema da escravatura, esforçando-se por transpor essa flagelação para o nosso ensino secundário.

    Título

    8 regras do amor

    Autor

    Jay Shetty

    Editora

    Albatroz

    Sinopse

    Ninguém nos ensina a amar. Por isso, muitas vezes atiramo-nos para as relações munidos apenas da sabedoria adquirida através das comédias românticas e da cultura pop a que somos expostos. Mas não tem de ser assim.

    Jay Shetty não acredita que o amor seja um conceito transcendente ou uma coleção de clichés. Em vez disso, defende que há passos que podemos dar para o fortalecermos e para o vivermos plenamente.

    Inspirado na tradição védica e no conhecimento científico atual, o autor guia-nos pelo ciclo de uma vida a dois – os primeiros encontros, a partilha de casa, as vitórias e as derrotas – e mostra-nos como podemos evitar manter um relacionamento que não nos traz felicidade e como uma separação é também um recomeço.

    Com este livro absolutamente transformador, Jay Shetty revela que, se observarmos as oito regras do amor, seremos capazes de sentir um amor maior e mais puro – por nós mesmos, pelos outros e pelo mundo.

    Título

    Absalão, Absalão!

    Autor

    William Faulkner

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Absalão, Absalão! é considerada a obra maior de William Faulkner.

    Na dramática textura desta história do desenvolvimento e decadência da plantação de Sutpen’s Hundred, e da família que o demoníaco Thomas Sutpen trouxe ao mundo uma geração antes da Guerra Civil americana, ouvimos o lamento pelo esplendor perdido do Sul dos Estados Unidos. Desde a sua magnífica e corajosa criação, quando, com a ajuda de negros, o fundador da grande plantação aparece do nada para tornar suas aquelas terras e nelas construir a sua mansão, passando pela Guerra Civil e a destruição que causou, até aos monótonos primórdios do novo Sul, a narrativa é colorida pelo imaginário brilhante do autor e pela sua prosa mágica e poderosa.

    A história, com todas as suas ramificações, é cristalizada na cabeça de um parente desta estranha família, o jovem Quentin Compson, um estudante de Harvard. E, no final aterrorizador e abrupto, resta na casa em ruínas apenas o filho moribundo do seu construtor, uma velha negra que foi sua escrava e o idiota mulato que acabará por ser o único descendente direto do sangue Sutpen.

    Título

    Prática democrática e inclusão política: origens da clivagem ibérica

    Autor

    Robert M. Fishman

    Editora

    Tinta da China

    Sinopse

    A partir dos casos de Portugal e de Espanha, Robert M. Fishman, um dos mais destacados sociólogos políticos norte-americanos, propõe uma teoria inovadora sobre a amplitude da inclusão democrática, e retira conclusões sobre as democracias em todo o mundo.

    Prática Democrática analisa o impacto que a história política e cultural destes países teve no processo de viragem para a democracia e no modelo político que cada um adotou, com destaque para a divergência de pressupostos democráticos e de relacionamento entre os atores políticos. Com dados factuais minuciosos, Fishman evidencia as grandes vantagens que as democracias contemporâneas podem retirar de uma abordagem inclusiva, em que todos, incluindo os pobres e excluídos, saem beneficiados.

    Título

    A fera na selva

    Autor

    Henry James

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Um segredo une o casal de amigos John Marcher e May Bartram.

    Depois de se terem conhecido em Itália e passado dez anos sem qualquer contacto, um reencontro inesperado numa visita à mansão de Weatherend faz com que retomem a amizade que julgavam perdida. May irá, a partir de então, acompanhar as expectativas de John, que espera que um acontecimento raro e grandioso se dê na sua vida, e dispõe-se a esperar com ele. Um sentimento de amor implícito entre ambos atravessa toda a narrativa, cuja trama, passada na Inglaterra do final do século XIX, propicia ao leitor uma infinidade de interpretações sobre a real história de A Fera na Selva.

    Justamente considerada um dos momentos mais altos da obra de Henry James, esta novela devastadora e comovente aborda temas universais – o amor, a solidão, a morte e o sentido da vida – de uma forma admirável e inesquecível para qualquer leitor que se cruze com ela. Não é por isso de admirar que este pequeno texto seja um dos grandes clássicos da literatura de todos os tempos.

    Título

    A teia do Banif

    Autor

    António José Vilela

    Editora

    Casa das Letras

    Sinopse

    Em A teia do Banif, são reveladas histórias secretas do caso Banif através de centenas de documentos inéditos, escutas telefónicas e e-mails confidenciais — muitos deles dispersos em dezenas de volumosos inquéritos-crime. Uma viagem de 15 anos aos acordos de cavalheiros, ao tráfico de influências, aos offshores do dinheiro clandestino, às toupeiras na Polícia Judiciária e no Ministério Público, ao plano para dominar o primeiro banco português e aos bastidores das investigações judiciais portuguesas à elite política e económica angolana.

    Esta é a outra história de um banco maldito (e do Millennium BCP, BPI, BPA Atlântico e Eurobic e dos seus banqueiros) que terá lavado mais de 1,5 mil milhões de euros. E que acabou intervencionado e vendido pelo Estado português arrastando investidores privados e muito dinheiro público. Um caso que ainda hoje se encontra sob investigação da justiça portuguesa.

    Título

    70072: a menina que não sabia odiar

    Autora

    Lidia Maksymowicz

    Editora

    Porto Editora

    Sinopse

    Lidia Maksymowicz tinha três anos quando, em dezembro de 1943, entrou com a mãe no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, onde foi marcada com o n.º 70072. Durante treze meses, sobreviveu àquele inferno como uma das pequenas cobaias de Josef Mengele, conhecido como “o Anjo da Morte”

    Em janeiro de 1945, após a libertação, sai de Auschwitz na companhia de uma mulher polaca, que decidiu adotar um dos “órfãos” deixados num local repleto de cadáveres.

    É na casa desta mulher que Lidia vive e cresce. No entanto, a pequena sobrevivente não esquece o seu nome nem a mãe biológica: não deixa de acreditar que a mãe está viva, nem de a procurar. E, de forma quase miraculosa, as duas irão reencontrar-se, 17 anos depois.

    Do campo de concentração, Lidia recorda-se do silêncio necessário para sobreviver, sem poder sequer permitir-se uma emoção. Hoje, volvidos quase oitenta anos da sua prisão, dedica-se a preservar a memória do Holocausto, testemunhando “o que foi o Mal e que o Bem pode sempre prevalecer”.

    Título

    Retrato do artista quando jovem

    Autor

    James Joyce

    Editora

    Livros do Brasil

    Sinopse

    “Não continuarei a servir aquilo em que já não acredito, chame-se meu lar, minha pátria ou minha religião. E tratarei de exprimir-me em algum modo de vida ou de arte tão livremente como possa, tão plenamente como possa, usando para minha defesa as únicas armas que me permito usar: silêncio, exílio e astúcia.”

    Parte do tríptico a que pertencem também Ulisses e Finnegans Wake, Retrato do artista quando jovem aborda a formação espiritual do adolescente irlandês Stephan Dedalus e o processo de rebeldia em relação à rígida educação católica a que está sujeito. Se em Ulisses a descoberta se faz sobretudo pelo tempo, aqui é o espaço que representa o campo de exploração. 

    Dublin surge como a cidade labiríntica cujas ruas, pontes, passeios e portas simbolizam os meandros do subconsciente de um jovem incompreendido e magoado, em busca da sua liberdade. Inteligente, irónico e pleno de sensibilidade, este foi o primeiro romance publicado por James Joyce, em 1916, anunciando uma originalidade que marcaria para sempre a história da literatura.

    Título

    Tudo o que não precisa de saber sobre a vida

    Autor

    Jerome K. Jerome

    Editora

    Alma dos Livros

    Sinopse

    Um livro bem-humorado e divertido, que reflete (pouco) sobre o sentido da vida, o amor, a medicina, o trabalho, as crianças, as relações, as férias de verão, a boémia, a amizade, os afetos e as boas memórias dos tempos já idos.

    Tendo um ou dois amigos a quem mostrei o manuscrito destes textos considerado que os ditos não estavam mal de todo, e tendo alguns dos meus parentes prometido comprar o livro se ele um dia fosse editado, sinto que não tenho o direito de adiar a sua publicação. Não fosse esta exigência do público, por assim dizer, talvez não me tivesse aventurado a oferecer estes singelos pensamentos como alimento mental a todos os povos da Terra. O que os leitores esperam atualmente de um livro é que ele os melhore, instrua e lhes eleve o espírito.

    Este livro não elevaria sequer o espírito de uma vaca. Não posso, em toda a consciência, recomendá-lo como sendo possuidor de qualquer utilidade. Tudo o que posso sugerir é que o leitor, tendo-se cansado de ler “os cem melhores livros de sempre”, passe uma meia hora do seu tempo com este. Não voltará a ser o mesmo. Jerome K. Jerome é o autor do livro Três homens num barco que foi considerado pelo jornal The Guardian, um dos 100 melhores romances de sempre e, pela revista Esquire, um dos 20 livros mais divertidos alguma vez escritos.

    Título

    Bitcoin, blockchain e criptomoedas

    Autor

    Neel Metha, Adi Agashe e Parth Detroja

    Editora

    Alma do Livros

    Sinopse

    Por todo o mundo, as pessoas estão entusiasmadas com a blockchain e a sua tecnologia irmã, as criptomoedas (e entre elas, a mais conhecida, a Bitcoin). Milhões de pessoas, empresas de todo o mundo e governos têm investimentos em criptomoedas e estão a utilizar a tecnologia blockchain. A Bitcoin, a blockchain e as criptomoedas são já uma certeza e vieram para ficar.

    O famoso capitalista de risco Marc Andreessen disse que “A tecnologia blockchain é a invenção mais importante desde a Internet” e os analistas de todo o mundo acreditam que as criptomoedas irão revolucionar o dinheiro e a tecnologia tal como os conhecemos. 

    No meio da incerteza financeira mundial e da crise do setor bancário é impossível negar os benefícios que daí podem advir. A Bitcoin é hoje uma moeda global inovadora que permite, pela primeira vez, que um utilizador da Internet transfira um objeto único de propriedade digital para outro utilizador, de tal forma que a transferência seja garantida como segura e protegida, todos saibam que a transferência ocorreu e ninguém possa contestar a sua legitimidade.

    Se pudermos aprender o mais rapidamente possível como tudo funciona, como comprar, trocar e usar criptomoedas, melhor. O futuro digital vai rapidamente bater à nossa porta e a nós resta-nos saber como lidar e beneficiar com ele. Neste livro vai encontrar todas as respostas que precisa de saber e ficar inteiramente esclarecido sobre como será o futuro do dinheiro e a nova economia digital. 

    Título

    Os erros da História

    Autor

    David Mountain

    Editora

    Alma dos Livros

    Sinopse

    Como é construída a História? Quem definiu quais os acontecimentos mais relevantes? Quem interpretou os factos? Quem decidiu o que era realmente importante? E se aquilo que nos contaram for apenas uma parte, a versão dominante, resultante da lei do mais forte e contada apenas pelos vencedores?

    As histórias que contamos sobre o nosso passado importam. Contudo, essas histórias foram moldadas por fantasias, preconceitos e interpretações incorretas que deturparam capítulos inteiros da história real, apagaram protagonistas e forjaram civilizações.

    Os museus estão cheios de esculturas clássicas brancas, pois ao longo dos anos ignorámos as evidências de que, originalmente, foram pintadas com cores vivas. Os “homens das cavernas” não viviam em cavernas. A transição das sociedades nómadas para as sociedades agrárias não era inevitável nem aconteceu de um dia para o outro. Os povos “bárbaros” tinham, na realidade, complexos códigos de leis e costumes polidos. A Idade Média esteve longe de ser uma obscura idade das trevas. 

    Explorando alguns dos maiores mitos, mistérios e equívocos sobre o passado – desde os legados de figuras como Pitágoras e Cristóvão Colombo, às escavações arqueológicas que mudaram a nossa compreensão do nascimento da civilização -, David Mountain revela como as revoluções em curso na História e na Arqueologia estão, finalmente, a iluminar a verdade.

    Título

    A psicologia das massas

    Autor

    Gustave de Bon

    Editora

    Alma dos Livros

    Recensão

    O comportamento e a mente dos indivíduos quando estão em grupo é absolutamente distinto do seu comportamento quando agem e pensam isoladamente.

    Gustave Le Bon é um dos fundadores da psicologia social e neste livro introduz o importante tópico da psicologia do comportamento coletivo. A sua tese fundamental é de que o indivíduo sofre uma transformação radical quando imerso num grupo.

    A psicologia das massas foi publicado em todo o Mundo em edições sucessivas e tornou-se um clássico instantâneo, sendo traduzido em mais de 20 idiomas e aplaudido em todo o mundo. Algumas das ideias presentes neste livro tornaram-se evidentes, de forma bastante perturbadora, ao longo dos últimos anos: tais como o potencial autoritário latente em determinados estados e o processo global de redução da privacidade dos indivíduos.

    Neste livro é explicado o comportamento irracional das massas, a impulsividade e a pobreza da razão presentes numa multidão comum, e ainda o estado de hipnose frenética em que se encontram as pessoas em grandes massas humanas. É uma leitura altamente recomendada para qualquer pessoa interessada no estudo do comportamento social e humano, que deve necessariamente ser feita com espírito crítico, mas cujas ideias são, cada vez mais, dignas de reflexão.

    Um clássico essencial para compreender a natureza irracional dos humanos inseridos em grupos coletivos.

    Título

    O homem  sentimental

    Autor

    Javier Marías

    Editora

    Alfaguara

    Recensão

    Na História de Portugal, encontramos mitos para todos os gostos. Desde a escola náutica de Sagres que nunca existiu, ao pioneiro Viriato, que, em boa verdade, andou mais pela Andaluzia do que pela Serra da Estrela. Já para não falar da padeira de Aljubarrota, tão façanhuda como insubstancial.

    As inverdades e mentiras na nossa História são, elas próprias, uma história sem fim, que se estende até tempos bem mais recentes. Ainda hoje há quem acredite que, em 1975, Portugal esteve à beira de uma guerra civil e que só a vitória das forças democráticas no golpe militar de 25 de Novembro desse ano reconduziu o pais ao bom caminho.

    Só que esta tese é tão historicamente informada como dizer que Portugal começou com um filho a bater na mãe… Viajemos, pois, ao encontro dos mitos da Historia de Portugal.

    Título

    Conta-me como foi

    Autor

    Rui Cardoso

    Editora

    Casa das Letras

    Recensão

    Na História de Portugal, encontramos mitos para todos os gostos. Desde a escola náutica de Sagres que nunca existiu, ao pioneiro Viriato, que, em boa verdade, andou mais pela Andaluzia do que pela Serra da Estrela. Já para não falar da padeira de Aljubarrota, tão façanhuda como insubstancial.

    As inverdades e mentiras na nossa História são, elas próprias, uma história sem fim, que se estende até tempos bem mais recentes. Ainda hoje há quem acredite que, em 1975, Portugal esteve à beira de uma guerra civil e que só a vitória das forças democráticas no golpe militar de 25 de Novembro desse ano reconduziu o pais ao bom caminho.

    Só que esta tese é tão historicamente informada como dizer que Portugal começou com um filho a bater na mãe… Viajemos, pois, ao encontro dos mitos da Historia de Portugal.

    Título

    Conta-me como foi

    Autor

    Rui Cardoso

    Editora

    Casa das Letras

    Recensão

    Na História de Portugal, encontramos mitos para todos os gostos. Desde a escola náutica de Sagres que nunca existiu, ao pioneiro Viriato, que, em boa verdade, andou mais pela Andaluzia do que pela Serra da Estrela. Já para não falar da padeira de Aljubarrota, tão façanhuda como insubstancial.

    As inverdades e mentiras na nossa História são, elas próprias, uma história sem fim, que se estende até tempos bem mais recentes. Ainda hoje há quem acredite que, em 1975, Portugal esteve à beira de uma guerra civil e que só a vitória das forças democráticas no golpe militar de 25 de Novembro desse ano reconduziu o pais ao bom caminho.

    Só que esta tese é tão historicamente informada como dizer que Portugal começou com um filho a bater na mãe… Viajemos, pois, ao encontro dos mitos da Historia de Portugal.

    Título

    Conta-me como foi

    Autor

    Rui Cardoso

    Editora

    Casa das Letras

    Recensão

    Na História de Portugal, encontramos mitos para todos os gostos. Desde a escola náutica de Sagres que nunca existiu, ao pioneiro Viriato, que, em boa verdade, andou mais pela Andaluzia do que pela Serra da Estrela. Já para não falar da padeira de Aljubarrota, tão façanhuda como insubstancial.

    As inverdades e mentiras na nossa História são, elas próprias, uma história sem fim, que se estende até tempos bem mais recentes. Ainda hoje há quem acredite que, em 1975, Portugal esteve à beira de uma guerra civil e que só a vitória das forças democráticas no golpe militar de 25 de Novembro desse ano reconduziu o pais ao bom caminho.

    Só que esta tese é tão historicamente informada como dizer que Portugal começou com um filho a bater na mãe… Viajemos, pois, ao encontro dos mitos da Historia de Portugal.

  • Alpha Males

    Alpha Males

    Título

    Treason (2022)

    Género

    Drama: Thriller de espionagem

    País de origem

    Reino Unido

    Plataforma

    Netflix

    Criador

    Matt Charman

    Autores principais

    Olga Kurylenko; Oona Chaplin; Ciarán Hinds; Charlie Cox; Tracy Ifeachor; Danila Kozlovsky; Samuel Leakey; Beau Gadsdon; Simon Lenagan; Alex Kingston; Avital Lvova; e Adam James

    Nota

    4/10

    Recensão

    Estreou no final de Dezembro, a minissérie Treason, na plataforma Netflix. Criada pela mão de Matt Charman, escritor de êxitos como Bridge of Spies (2016) ou de series menos conhecidas do grande público como o policial Black Work (2015), Treason é uma trama de acção e espionagem contada em cinco episódios.

    É uma aposta interna da Netflix, por ser realizada por Louise Hooper e Sarah O’Gorman, que já tinham dirigido as séries The Witcher (2021), The Last Kingdom (2020) e, mais recentemente, The Sandman (2022), produzidas por esta plataforma.

    Nos principais papéis conta com um elenco de actores famosos como Charlie Cox – mais conhecido por ser o protagonista de Daredevil, uma outra série da Netflix – e o veterano irlandês Ciarán Hinds, actor com mais de quatro décadas de carreira, em que se destacam as participações no filme TheSum of All Fears (2002) e nas series Game of Thrones (2013-2015). Ainda podemos ver nesta série Oona Chaplin, neta do grande Charlie Chaplin, e a actriz ucraniana Olga Kurylenko.

    Treason é uma história de espionagem em torno de Adam Lawrence (Charlie Cox), subchefe do MI6 (serviços secretos britânicos), o chefe máximo Sir Martin Angelis (Ciarán Hinds) – a quem é dada o nome de código C – e a interferência de Kara (Olga Kurylenko), ex-espiã do SVR, serviços secretos russos.

    O jogo entre estas personagens faz com que que tomem atitudes e decisões que inexoravelmente as levarão a colidir até ao último momento. Para isso aparecem, ao longo dos episódios, personagens mais secundárias, mas ainda assim indispensáveis, que, por um lado, facilitam, e por outro obrigam a constantes adaptações dos jogadores principais.

    As linhas entre os heróis e vilões cruzam-se entrecruzam-se: Adam é perseguido pelo MI6 e CIA, à mistura, Kara ora é antagonista ora é assistente oficiosa de Adam, e Sir Martin parece saber e “C”ontrolar tudo o que se passa.

    Como habitualmente em séries deste género, e também como o seu nome indica, o enredo de Treason encontra-se cheio de traições e desconfianças, onde ninguém é o que parece ser. E até aqui tudo bem – até porque o carisma e profissionalismo dos actores consegue, numa primeira fase, disfarçar os lugares-comuns.

    No entanto, e devido ao formato que este serviço de streaming resolveu apostar – em que o complô é compactado –, o storytelling e arco das personagens é demasiado rápido. E assim os clichês sobrepõem-se ao elenco, os diálogos são pouco ou mesmo nada originais, e as reviravoltas nada têm de surpreendente. É tudo feito à pressa e, por isso, pouco mais há a acrescentar.

    Como exemplo máximo de cliché, e sem querer entrar em spoilers, destaca-se o papel da candidata a primeira-ministra Audrey Gratz (Alex Kingston) que, por ser uma mulher com possibilidade de poder, é lésbica. Um pormenor sem interesse para a história, mas ainda assim um enquadramento evitável.

    Em suma, Treason é de degustação tão rápida que, para quem é adepto deste tipo de dramas, poderá levar à regurgitação pela traição de uma série que tinha tudo para ser boa – com um autor de sucesso, realizadoras com créditos firmados e actores famosos com trabalhos anteriores bastante bons.

    Aquilo que se salva é mesmo o papel de Ciarán Hinds que, apesar deste tipo de pipoca fácil, consegue a espaços trazer alguma substância e profundidade à mimética entre o guardião da segurança nacional e o mal de todos os males.

  • Florbela Espanca

    Florbela Espanca


    Cercada por mitos que a etiquetam, Florbela Espanca (1894-1930) é, intermitentemente, evocada pelo emblema que foi, como mulher, na Lusitânia, reprimida, e a poetisa desenquadrada e sem cânone.

    O primeiro mito não pesa apenas no convite ao esquecimento da escrita, sobretudo da lírica, já que a diarística e a narrativa parecem ajudar a construir a imagem da pessoa com quem nos envolvemos, ao passar na rua, por ela ou pela sua memória: pesa no quadro hermenêutico que lhe criamos e nos horizontes (sem expectativas) com que lhe cerceamos os sentidos. O segundo mito, reiteradamente desconjuntado por novas leituras, nunca se poderá desmontar inteiramente, porque Florbela é, insistente e resumidamente, a que “não se integrou no modernismo” circundante e que, dos modelos clássicos, “retirou apenas a moldura restritiva do soneto, sem ter renovado a sua grandeza criativa”.

    Contra este quadro irá a nossa intervenção actual, com a qual pretendemos reforçar argumentos em torno da alta qualidade e rigor na elaboração discursiva que a poetiza atinge, no trabalhar o modelo estrófico do soneto, segundo a disposição extremamente inovadora dos tropos, pelo cruzar de duas figuras enunciativas fundamentais: a elegia e a apóstrofe. Presumimos, basicamente, que a poesia de Florbela recolhida num só livro, que se tem designado, laconicamente, por Sonetos, sendo a que mais percorre a leitura, a atenção e a memória dos seus receptores (e, eventualmente, destinatários), estabelece um sortilégio de apelo que não passa, sobretudo, pelo conteúdo da mensagem, ou pelo estatuto de referencialidade vivencial que, daí, possa ser presumida. Emerge, sim, dos procedimentos poéticos que elabora, persistente e variadamente, numa recursividade que gera efeitos de vertigem pela omnipresença de um dispositivo enunciativo que funciona como o retorno da (quase) mesma mensagem a um(a) destinatário/a marcado por um destino. Tudo se passa como se a entidade apostrofada, um poeta, um destino poético fosse portador de uma palavra adereço, uma insígnia, MORRERÀS, reiterada, desdobradamente, em epitáfios.

    Os dizeres que preenchem a sua poesia são lapidares e sentenciosos, marcados pela vontade de, ainda em vida, proclamarem o aqui e o sempre da morte, numa intimidade de autorreconhecimento em sombras e imagens especulares, que primam, já, pela marca da alteridade espectral, como se patenteia, inteiramente, em “Dizeres Íntimos”, por exemplo:

    É tão triste morrer na minha idade!/ E vou ver os meus olhos, penitentes/ Vestidinhos de roxo, como crentes/ Do soturno convento da Saudade!// E  logo vou olhar (com que ansiedade !… )/ As minhas mãos esguias, languescentes,/ De brancos dedos, uns bebés doentes/ Que hão-de morrer em plena mocidade !//  E ser-se novo é ter-se o Paraíso,/ É ter-se a estrada larga, ao sol, florida,/ Aonde tudo é luz e graça e riso !// E os meus vinte e três anos… (Sou tão nova !)/ Dizem baixinho a rir: «Que linda a vida ! …»/  Responde a minha Dor: «Que linda a cova!» (1980, p.45[1]

    O que a voz declama, antecipadamente, é o estado da morte, a visão de si como outro, auto-revelação que se avança, como um quadro apresentado em prolepse. Poderíamos quase dizer que a apóstrofe, jogando numa intimidade de si para si, constrói, como epitáfio, a estátua da defunta antecipada pela voz do próprio sujeito poético, com a nitidez lapidar da elegia. Reconhecermos a elaboração de uma tal formulação poética exige, antes de mais, que nos alonguemos um pouco na caracterização das figuras que aqui evocamos, especialmente as que temos vindo a referir como dominantes. No entanto, devemos desde já anunciar que, além da elegia e da apóstrofe, as várias figuras que convergem para elaboração dos sucessivos êxtases e estases, variações da forma estática, deverão merecer, também a nossa atenção, através de um especial esclarecimento.

    A elegia[2], no seu sentido mais geral, como o notam os autores da respectiva entrada no Dicionário de Princeton, “em sentido moderno, é poema curto, normalmente formal ou cerimonioso no tom e na dicção, ocasionado pela morte de uma pessoa” (entrada ELEGY, p. 322) . Não é, no entanto, apenas a expressão do lamento, como outras formas poéticas de expressão do pesar, nem se apresenta tão breve e seca como o epitáfio, pois revela-se, muitas vezes, portadora de uma referência ou uma atitude apaziguadora ou mesmo consolatória.

    Numa perspectiva mais ampla, que pretenda apresentar um denominador comum da elegia nas suas variadas emergências ao longo da história, nas diversas literaturas ocidentais, pode dizer-se que é um poema de meditação sobre o amor e/ou a morte. Não é por acaso que a sua origem etimológica vem do termo grego “elegos”, que significa “lamento”, origem a que um tratadista francês do século XVI, Sébillet, faz referência: “Lamentos e deplorações parecem estar na elegia que não os expressa claramente. Porque elegia quer dizer lamento”. No entanto, definindo-a mais especificamente, diz o mesmo autor que a elegia é “triste e flébil: e trata com singularidade as paixões amorosas […]” (cf. in Goyet, 1990, pp. 140-141 e 128-129).

    Amor e morte, sim, em conjugação, numa tonalidade pessoal de quem medita acerca de um “desgosto, quase sempre amoroso”, cavando em negrume “a nostalgia e a melancolia” que “são os temas apropriado ao tom elegíaco” (Aquien, 1993, p.120; entrada élegie[3]). Contudo, sobre os modos de essa temática se formalizar, de se pormenorizar em motivos, é um poeta como Boileau que, na sua Art Poétique, mais nos esclarece:  “La plaintive Élégie, en longs habits de deuil./ Sait, les cheveux épars, gémir sur un cercueil./ Elle peint des amants la joie et la tristesse,/ Flatte, menace, irrite, apaise une maîtresse./ Mais, pour bien exprimer ces caprices heureux,/ C’est peu d’être poète, il faut être amoureux” (Art Poétique, Canto II, versos 39 a 44).   

    Toda a poesia de Florbela está cheia desses índices, desses motivos representativos do estado amoroso e do sentimento de luto e morte que lhe anda ligado: “No lânguido esmaecer das amorosas/ Tardes que morrem voluptuosamente/ Procurei-O no meio de toda a gente./ […] Em toda a nossa vida anda a quimera/ Tecendo em frágeis dedos frágeis rendas…/  – Nunca se encontra Aquele que se espera!…” (“Le Prince Charmant…” p. 88). Note-se, neste exemplo, o efeito declamatório do soluçar, representado por todos os processos de entrecortar do discurso, desde o encavalgamento, logo entre o primeiro e o segundo verso, e as suspensões, verdadeiras formas emblemáticas da prece desenquadrada do ritual, evoluindo enquanto pulsar anímico. Não se trata, fundamentalmente, de enunciar a melancolia, declamando estados anímicos de dor, sofrimento e angústia.

    Fundamentalmente, é todo um cenário a evocar essa intimidade fúnebre, deslizando a ladainha para a enumeração macabra: “Poeiras de crepúsculos cinzentos. Lindas rendas velhinhas, em pedaços, […] meus cabelos,  como brancos fantasmas, […] Monges soturnos deslizando lentos, […] Ergue-se a minha cruz dos desalentos !” (“Cinzento” p. 92); […] Traçaste em mim os braços duma cruz, […] Minh’ alma […] É nesta noite o nenúfar de um lago” (“Nocturno” p. 93); […] Castelos, um a um, deixa-os cair …/ Que a vida é um constante derruir e palácios do Reino das Quimeras!/ E deixa sobre as ruínas crescer heras./ Deixa-as beijar as pedras e florir!/ Que a vida é um Continuo destruir/De palácios do Reino das Quimeras” (“Ruínas” p.96).

    Não está ausente, nesta poesia, uma terminologia abstracta para referir estados de espírito. No entanto, ela é quase sempre reforçada, no seu sentido pleno, por um décor complementar de motivos, que se tornam verdadeiros significantes fundadores do sentido. Verifica-se isso, por exemplo, num soneto como “Neurastenia” (p. 49), onde, depois de declarado o sentimento abstracto de “tristeza”, o sujeito poético declina toda a série substantiva que constitui o estado de alma:

    “Um sino dobra […]/ a chuva, brancas mãos esguias,/ Faz na vidraça rendas de Veneza …/ o vento desgrenhado chora e reza/ Por alma dos que estão nas agonias!/E flocos de neve, aves brancas, frias,/ Batem as asas pela Natureza …/ Chuva … tenho tristeza! Mas porquê? !/ Vento. .. tenho saudades! Mas de quê? !/ Ó  neve que destino triste o nosso I/ Ó chuva! Ó vento! Ó neve! Que tortura!/ Gritem ao mundo inteiro esta amargura, […]”.

    Não obstante a imensa força poética com que esta figuração fecunda os sonetos de Florbela, dando espessura à postura elegíaca fundamental que a todos atravessa, a manifestação poética que deles emana não teria o asserto profundo de clamor cósmico, em busca de resposta sempre perdida ou sempre adiada, se a apóstrofe não se fizesse sentir irradiantemente como vociferação, vocalização da paixão. O poema “Este Livro…” (p. 37), que serve de frontispício ou proémio à sua obra, e a representa desde que foi poema de abertura da sua obra de estreia é revelador dessa vocação vozeante:  

    Este livro é de mágoas. Desgraçados/  Que no mundo passais, chorai ao lê-lo!/ Somente a vossa dor de Torturados/  Pode, talvez, senti-lo… e compreendê-lo./ Este livro é para vós. Abençoados/ Os que o sentirem, sem ser bom nem belo!/ Bíblia de tristes … Ó Desventurados,/ Que a vossa imensa dor se acalme ao vê-lo !/ Livro de Mágoas … Dores .,. Ansiedades !/ Livro de Sombras … Névoas e Saudades!/  Vai pelo mundo … (Trouxe-o no meu seio … )/ Irmãos na Dor, os olhos rasos de água,/ Chorai comigo a minha imensa mágoa,/ Lendo o meu livro só de mágoas cheio ! …”       

    Patenteia-se aqui um excelente exemplo  de apóstrofe, que  Fontanier caracteriza do seguinte modo: “diversão súbita do discurso pela qual nos desviamos de um interlocutor (objet), para nos dirigirmos a um outro, natural ou sobrenatural, ausente ou presente, vivo ou morto, animado ou inanimado, real ou abstracto, ou para se nos dirigirmos a nós próprios”  (1968, p. 371”). Todas as possibilidades enumeradas pelo retoricista francês do século XIX podem ser encontradas em Florbela: em “Castelã da Tristeza”, deparamo-nos com a figura ficcional, nascida da metáfora, tornada interlocutora: “Vivo sozinha em meu castelo: […] Castelã da Tristeza, vês? … […] Castelã da Tristeza porque choras […]?” (p.40); em “Dizeres Íntimos”, surge a entidade abstracta, quase em psicomaquia alegórica: “E os meus vinte e três anos … (Sou tão nova !)/ Dizem baixinho a rir: «Que linda a vida ! … »/ responde a minha Dor: «Que linda a cova!»” (p. 45); em “Pequenina”, o vocativo inflecte para uma interlocutora de acaso, presumível alter ego da entidade poetiza, ou projecção desta numa criança com a qual identifica a sua própria infância: És pequenina e ris … […] Pequenina que a Mãe de Deus sonhou,/ Que ela afaste de ti aquelas dores/ Que fizeram de mim isto que sou !” (p. 48); em “A Maior Tortura” dedicado “A um grande poeta de Portugal”, a entidade anónima designada em epígrafe é apostrofada: “[…] Não ser poeta assim como tu és”; em “A Flor do Sonho”, evoca-se o próprio ser da natureza, tornado objecto onírico: “Ó flor que em mim nasceste […]” (p.50); e ainda, como em  “A Voz da Tília”,  a reversão total da origem enunciativa permite que o ente inerte da natureza domine o discurso, onde a voz da “poetiza” é tão só pouco mais do que um verso contextualizante, ainda que a sua pessoa seja o destinatário:

    Diz-me a tília a cantar: «Eu sou sincera,/ Eu sou isto que vês: o sonho, a graça;/ Deu ao meu corpo, o vento, quando passa,/ Este ar escultural de bayadera …/ E de manhã o sol é uma cratera,/ Uma serpente de oiro que me enlaça…/ Trago nas mãos as mãos da Primavera …./ E é para mim que em noites de desgraça/ Toca o vento Mozart, triste e solene,/ E à minha alma vibrante, posta a nu,/ Diz a chuva sonetos de Verlaine … »/ E , ao ver-me triste, a tília murmurou:/ “Já fui um dia poeta como tu …/ Ainda hás-de ser tília como eu sou … »” (p. 147).

    Deste circuito em que o anímico, o abstracto, o inerte e o humano se interpenetram, sobressai uma imensa figura matricial, uma espécie de Cibele que “ordena e dirige a potência vital” e que, “de forma quase delirante, simboliza os ritmos da morte e da fecundidade, da fecundidade pela morte” (cf. Chevalier e Gheerbrant, p. 331 – entrada CYBÈLE), que transforma a voz poética em mera intermediária e difusora do seu discurso. Presença que já Jorge de Sena observara quando afirma: “[…] não são as deusas helénicas da escultura, tornadas cânones de beleza, mas as deusas misteriosas da terra e do céu, as que viveram de facto no coração dos Gregos. Se quisermos um ciclo mítico da feminilidade de Florbela, podemos pôr: noite, terra, lago, sombra, noite, e o ciclo recomeça: «Mas eu sou a manhã: apago as estrelas»” (1988, p. 41). Sobre esta assunto, aliás, retomaríamos, sem grandes alterações, o que já escrevemos num outro lugar:

    A própria coquetterie, o jogo amoroso culto, civilizado, com processos de «salão», tem, na poesia de Florbela, uma representação selvagem, uma matriz substanciai fortemente impregnada de natureza, madeira, mater. Mas não é o campo que se torna palco da sociabilidade cortesã. Não são os elementos da natureza que se ritualizam no jogo do “fin amour”). É a árvore que se impõe como modelo de elegância airosa, que fornece os padrões do arrebatamento amoroso, num universo onde os elementos permutam a sua essencialidade que é, apenas, circunstancial” (in Lopes, Fernando,  Martinho (e outros), 1997: 231).

    Toda esta dimensão cósmica é propiciada, por assim dizer pela apóstrofe. No dizer dos teóricos e estudiosos da retórica e dos mecanismos da poética, a apóstrofe é uma espécie de provedora do lugar da mise en scène do arrebatamento, da entrada em contacto com as esferas apenas acessíveis à inteligibilidade, da comunhão com a ordem superior e misteriosa das coisas. Ainda no dizer de Fontanier, a apóstrofe “não é nem a reflexão, nem o pensamento despojado, nem uma simples ideia: é, sim, o sentimento, o sentimento excitado no coração, até explodir e expandir-se para o exterior, como que de si próprio” (1968, p. 372).

    Primeira edição de “Livro de Mágoas”, a primeira obra de Florbela Espanca, publicada em 1919.

    Em termos retórico-estilísticos, a apóstrofe, por modalidade vocativa, quase sempre sob a aspectualidade de exclamação, diz respeito à entidade que, explicitamente, actua como enunciador. Assim, a voz do poeta, face ao seu ouvinte/leitor, apostrofa quando, sem mudar de encenação enunciativa, ou seja, no contexto em que se dirige ao seu receptor postulado (ouvinte/leitor), inflecte o seu discurso na direcção de um destinatário ausente do espaço encenado, nomeadamente fazendo parte do universo diegeticamente referido.

    No interior de uma narrativa, por exemplo, a apóstrofe pode vir de um narrador auto-diegético, que relata uma situação em que se insere, como personagem/actor vivendo os feitos que narra, mostrando a situação que se lhe apresenta aos sentidos a um destinador (narratário) a quem subitamente se dirige com um comentário ou com uma apreciação que não é para ser “ouvida” pelas personagens do contexto em que se encontra.

    Com dirão Mazaleyrat e Molinié, “a apóstrofe só aparece como figura quando o contexto indica que se dirige a um alocutário puramente imaginário, mesmo em relação a seres ficcionais” (1989, p. 28[4]). É claro que, no texto lírico, a mais comum ocorrência é a de se tomar como contexto básico o que é composto por um enunciador/poeta e um enunciatário/leitor, sendo a inflexão, por norma, a da interpelação de um ser presente no universo referido como enunciado e não naquele em que processa a enunciação. Contudo, a espessura do jogo poético assenta na ilusão de se puxar para a dimensão da enunciação (miticamente a do real onde o autor e o leitor se encontram) os elementos fantásticos do imaginário.

    Por essa razão, assume-se que um dos objectivos da apóstrofe é fazer comunicar os dois universos, ultrapassando a barreira que os torna absolutamente incomunicáveis, pelo menos segundo a exigência de um empirismo cauteloso e crítico, sob a vigilância da racionalidade positivista, que se processam com alheamento da hipótese metafísica da inteligibilidade, ou da possibilidade aberta pela verosimilhança poética, quando activa o processo da “suspensão da descrença” (Coleridge). Assim, percebe-se bem porque é que, no dizer de Jonathan Culler, as “apóstrofes” poéticas “podem complicar ou romper o circuito da comunicação, colocando questões sobre quem é o destinatário” pelo que se tornam “embaraçantes” (2001, p. 150).

    A proposta que Culler faz é a de que se pode, até certo, ponto “identificar a apóstrofe com a própria lírica” (2001, p. 151)  partindo do princípio de que a apóstrofe parece encenar o próprio sistema de enunciação do lirismo, chegando alguns críticos a apresentá-la como dominante, por vezes  omnipresente, em quase todos os sistemas de lírica historicamente determinados.

    Essa posição parece ser assumida, por exemplo, num enunciado como o de Northrop Frye, no seu Anatomia da Crítica:

    O poeta lírico normalmente finge estar conversando consigo mesmo ou com outrem: um espírito da natureza, uma das Musas (note-se a diferença com o épos onde a musa fala por intermédio do poeta), um amigo pessoal, um amor, um deus, uma abstracção personificada ou um objecto natural. […] O poeta, por assim dizer, volta as costas para seus ouvintes, embora possa falar por eles, e embora eles possam repetir algumas de suas palavras atrás dele” (Frye, 1973,p. 245).    

    Segunda obra de Florbela Espanca é de 1923, uma edição de autora.

    É claro que o termo apóstrofe não é empregue. Contudo, parece evidente que a descrição que é feita, aqui, do acto de enunciação do poeta lírico corresponde, nos traços essenciais, à que é feita do acto enunciativo da apóstrofe, nos estudos e manuais de poética e de retórica. Lembrando-nos, quase ao acaso, de alguns dos mais belos e recordados poemas portugueses de todos os tempos, desde as cantigas de amigo, em que se interpelam as “flores do verde pino”, até aos poetas modernos, nomeadamente Pessoa, quando incita a rapariga distante, que não o ouve, a comer chocolates, em “A Tabacaria”, passando pelo modelo absoluto e arrebatado do soneto “Alma minha e gentil…”, de Camões.

    Se acrescentarmos a este nosso elenco, colhido em rápida auscultação da nossa memória de leitores, a constatação, mais sustentada, de Laurence Perrine, A. W. Halsall e T. V. F. Brogan (in New Princeton Enciclopedia[5], entrada APOSTROPHE), de acordo com a qual “134 dos 154 sonetos de Shakespeare contêm uma a. e que 100 são directamente endereçados a uma senhora ou a um amigo”, vemos que a apóstrofe é muito recorrente[6] e, como nos dizem os exemplos que apresentámos, fortemente ligada à elegia.  Assim, a pergunta que se torna fundamental fazer, segundo Culler, sobre a apóstrofe é: “Que papel têm as apóstrofes no poema”. Cremos que, procurar responder, com ele, a esta pergunta, é formularmos a caracterização de um dos aspectos fundamentais que encontramos na poesia de Florbela Espanca e fundamento da sua grandeza poética.       

    É claro que, em primeiro lugar, deve notar-se que a percentagem de poemas de Florbela que apresentam, de modo evidente, a estrutura da interpelação, ao nível da enunciação, é bastante grande. No Livro das Mágoas, primeira obra que publicou e que constitui a primeira parte da sua obra recolhida em Sonetos, encontramos o claro enunciado apostrófico no primeiro soneto “Este livro”: […] “chorai ao lê-lo” […]; no quarto “Castelã da Tristeza: […] “vês? A quem?” […]; no sétimo “Torre de Névoa”: a resposta dos poetas, como inversão da apóstrofe; no nono, “Dizeres íntimos”, onde o mesmo mecanismo de reversibilidade aparece, tal como o apresentámos acima; no11º, “Neurastenia”: […] ”Chuva…tenho tristeza […]; no 12º,“Pequenina”: […] “És pequenina e ris” […]; no13º, “A Maior Tortura” […] “Sou como tu” […]; no 14º, “A Flor do Sonho”: […] “Ó flor que em mim nasceste” […]; no 15º, “Noite de Saudade”: […] “Porque és assim tão escura” […]; no 16º, “Angústia”: em reversão a pergunta da angústia  […] “«O que te resta?…»”; 17º, “Amiga”: […] “Deixa-me ser a tua amiga” […]. Para abreviarmos esta contagem de simples indicação, enumeramos os poemas seguintes do livro em que aparece qualquer destas formas de vocativo, de discurso directo instituindo explicitamente um “tu”: 21º, 22º, 23º, 24º, 25º, 26º, 27º, 30º, 31º, 32º.   

    Num cômputo final, podemos dizer que 21 poemas com explicitação da apóstrofe, num conjunto de 32, é indicador que nos permite falar com segurança de uma imponente presença de um tal dispositivo de enunciação. E isto sem contarmos os casos em que, nos restantes poemas, a figura aparece disfarçadamente, sob a forma de um desdobramento da personagem poetisa, criando a solidão como o lugar que se defronta com a ausência, onde o outro não surge como ouvinte ou como voz, mas quase como instância transcendente, como se patenteia em “Eu” (3º soneto do livro): “Sou talvez a visão que Alguém sonhou,/ Alguém que veio ao mundo pra me ver/ E que nunca na vida me encontrou !” (p.39).

    woman leaning against a wall in dim hallway

    Este último caso é muito curioso, pois estabelece um horizonte cósmico de vastidão, no qual a afirmação do eu se processa sempre por desajustes de percepção, por desencontros e mesmo por impossibilidade transcendental de o “eu” se constituir, exactamente pela exclusão quase metafísica do “outro”, necessário como presença para formar os contornos do Eu. É claro que, nesta ontologia, existe um extravasar primário dos lamentos do eu, numa espécie de ladainha de adolescente face à “incompreensão do mundo onde nunca é inteiramente reconhecida”. Contudo, o interessante, em Florbela, é a habilidade de remanejar o filão de lugares-comuns estafados do ultra-romantismo, particularmente os bordões frásicos do lirismo declamatório (a que nem um Antero foi inteiramente imune, diga-se de passagem) para os redistribuir numa complexa proclamação do ser como objecto dos “outros”, ou lugar vazio para o grande “Outro” que o/a deveria constituir.

    Esta constante tentativa de apresentação do Eu como entidade constituída, tem, no desenvolvimento da toada de ladainha, uma espécie de meta escritural. Em muitos dos seus poemas é óbvia a vontade de deixar patente a forma de um epitáfio, os dizeres necessários e suficientes para instaurar a morte como completude, única forma de o Eu, dissoluto por não ser encontrado, por não encontrar eco, achar forma final onde é despojo como ente, arrojado como uma natureza morta. Lapidares são, forçosamente, os elementos da sua morada. Di-lo por exemplo, em “A Minha Dor”:

    A minha Dor é um convento ideal/ Cheio de claustros, sombras, arcarias,/Aonde a pedra em convulsões sombrias/Tem linhas dum requinte escultural.//Os sinos têm dobres de agonias/Ao gemer, comovidos, o seu mal…/E todos têm sons de funeral/Ao bater horas, no correr dos dias”.

    A passagem pelo mundo é, aliás, uma espécie de experiência ritual em que as pessoas, as coisas, os elementos da natureza com quem o eu se cruza, talham a sua forma final, forçosamente, pelo que a sua formulação tem sempre o tom lapidar do epitáfio. Voltamos a encontrar esse modelo expressivo, por exemplo, numa obra sua já de pleno desenvolvimento, O Livro de Soror Saudade. No soneto, “Mistério”, podemos ler: “Gosto de ti, ó chuva, […]./Pelo meu rosto branco, sempre frio,/Fazes passar o lúgubre arrepio…/Das sensações estranhas, dolorosas …/Talvez um dia entenda o teu mistério …/Quando, inerte, na paz do cemitério,/O meu corpo matar a fome às rosas!”      

    Se, de facto, apostrofar é, como afirma Culler, “desejar um estado de coisas, tentar fazer com que isso aconteça, pedindo aos objectos inanimados que se curvem aos nossos desejos” resultando daí que “a função da apóstrofe seria fazer dos objectos do universo forças que respondem: forças às quais podemos pedir que actuem ou deixem de actuar ou, ainda, que continuem a comportar-se como antes”, então, “o poeta que apostrofa identifica o seu universo com um mundo de forças sensitivas” (2001, p. 154). Ora, vendo bem, essa parece ser a constante construção da poesia de Florbela, como vamos encontrar, já plena maturidade de produção lírica, em “Noitinha”, soneto recolhido em Charneca em Flor:

    A noite sobre nós se debruçou …/ Minha alma ajoelha, põe as mãos e ora!/ O luar, pelas colinas, nesta hora,/ É água dum gomil que se entornou ..// Não sei quem tanta pérola espalhou!/Murmura alguém pelas quebradas fora…/F1ores do campo, humildes, mesmo agora,/ A noite os olhos brandos lhes fechou … //Fumo beijando o colmo dos casais…/Serenidade idílica das fontes,/ E a voz dos rouxinóis nos salgueirais,//Tranquilidade… calma… anoitecer … /Num êxtase, eu escuto pelos montes/ coração das pedras a bater …

    De tal modo é intensa evocação das vozes plangentes, em murmúrio, o tom geral interpelativo sustentado em cada um dos itens, para lá da sua forma superficial de constatação, que todo o soneto parece um sibilino circular de observações de um mundo que maravilha e provoca a exclamação, onde tudo parece expressivo e perceptivo, animais, plantas e próprios “entes” minerais. A dramaticidade, constantemente assumida por Florbela, patenteia-se, aqui, de modo quase retoricamente esplendoroso.

    De facto, intensifica-se, neste trecho da sua poética, o apelo à “leitura onde o vocativo da apóstrofe é um mecanismo que a voz poética usa para estabelecer com um objecto uma relação que o ajuda a constituir-se. O objecto é tratado como um sujeito , um eu que implica, por sua vez, um certo tipo de tu. Aquele que invoca, com sucesso, a natureza, é alguém a quem a natureza deve, por sua vez, falar” (Culler, 2001, p. 157).

    O universo que o discurso patenteia é aquele onde o poeta já não necessita de utilizar, explicitamente, o vocativo, para ostentar a sua íntima relação com as coisas e comunicar, mesmo com aquelas que, aparentemente, são insensíveis, incapazes de reacções, frémitos ou manifestações de vitalidade. Este poeta, que domina inteiramente a apóstrofe, que visiona a sua própria prostração na morte, vive já na pura intimidade de uma transcendência espiritual, é capaz de sentir as vozes e as palpitações dos próprio minerais, bem como perceber os sinais anímicos que todos o universo emite. A sua constituição como presença poética é tão forte que, habitualmente, é o tu a quem as vozes das pedras, das árvores, das bênção e das inclemências da natureza se dirigem.

    Assumimos, em relação a Florbela, o funcionamento da apóstrofe enquanto afirmação da transcendência, por ela ser, em quase todos os momentos, a manifestação do desejo de permanência do poeta, ou mesmo do desejo enquanto afirmação da presença. Como diria Culler, “o poema nega a temporalidade” (200, p. 168) sobretudo pelo uso da apóstrofe ou da função interpelativa: “ A apóstrofe resiste à narrativa porque o seu agora não é um momento na sequência temporal, mas o agora do discurso, da escrita” (Culler, 2001, p. 168).

    person sitting on blue wooden bench on beach during daytime

    Citando De Man, ele vem lembrar-nos que “«a ameaça latente que reside na prosopopeia, nomeadamente porque, fazendo os mortos falar, a estrutura simétrica do tropo implica, da mesma maneira, que os vivos emudeçam, petrificados na sua própria morte»” porque a ficção da interpelação, como aquela que surge no epitáfio, “«adquire, desse modo, uma conotação sinistra, que não é apenas a da própria mortalidade, mas, também,  a de entramos, nesse momento, no mundo petrificado dos mortos»” (Culler, 2001, p. 169).

    Não seria demais sublinhar, com alguns exemplos, como essa reversibilidade está, quase sempre, presente em Florbela. Entre os seus primeiros poemas, poderíamos destacar “Torre de Névoa” onde se lê: “pus-me, comovida, a conversar/Com os poetas mortos, todo o dia.” Mas o tema da reversibilidade do estado de natureza inerte, quando se faz a evocação dos mortos, ou dos entes inanimados, é constante. Lemos, em Charneca em Flor, em “A Um Moribundo”, o consolo que vem, como promessa, da voz de um moribundo evocado.  Nesse livro, ainda, a própria natureza inerte, a água da chuva, por exemplo, em “Mistério”, transmite, por contacto, as sugestões da “verdade”: “Pelo meu rosto branco, sempre frio,/ Fazes passar o lúgubre arrepio/ Das sensações estranhas, dolorosas…// Talvez um dia entenda o teu mistério…/Quando, inerte, na paz do cemitério,/ O meu corpo matar a fome às rosas!”.

    Como todo o grande poeta, Florbela é, sobretudo, atenta ao ritual de enunciação em que discursa e mima para as fantasmáticas sombras dos destinatários, fantasias dos actos de comunicação e de contacto, representadas, como tal, no enunciado. Mesmo nos elementos do mundo ou imagens do corpo que escolhe, Florbela é, até certo ponto, uma herdeira, mais ou menos consciente, das grandes fontes do romantismo. Podermos pensar, ao ler o enunciado do seu poema, “As Minhas Mãos”, quando afirma, “mãos de enjeitada porque tu me enjeitas…/Tão doces que elas são! Tão a meu gosto!/Pra que as quero eu – Deus! – Pra que as quero eu?!/ Ó minhas mãos, aonde está o Céu?/Aonde estão as linhas do teu rosto ?//”, que, tal como afirma Culler, sobre o provável leitor de “This Living Hand”, de Keats, o receptor do poema da poetisa portuguesa “procurará ignorar a sua morte, será cego ao facto de” ela “estar mort[a]o através de um acto de imaginação” se formos capazes de “aceitar um tempo puramente ficcional no qual podemos acreditar que a[s] mão[s] est[ão]á de facto presente[s]  e perpetuamente estendida[s] para nós, através do poema” (2001, p. 171).        

    Colocando a apóstrofe nesta dimensão discursiva, percebemos que, no fundo, Bakhtine, sem que disso fizesse explícita questão, não fez outra coisa senão teorizar a grande encenação lírica, quando, para quase todos os exegetas, esse era um género menorizado no grande grupo dos discursos monológicos. Nada menos verdadeiro! Percorrendo a apóstrofe e prosopopeia de Florbela, é o poderoso modelo dialógico de Bakhtine que nos ocorre para, mais cabalmente, podermos explorar o sistema enunciativo da poetisa. Como encerramento provisório desta abordagem (que, como se vê, não explora satisfatoriamente o seu objecto, pretendendo ser apenas introdução a um conjunto de problemas por explorar) deixamos expressa essa perspectiva bakhtiniana através da síntese que dela faz um seu exegeta:

    Quando o terceiro participante é puxado para o discurso através da personificação ou da apóstrofe, a segunda pessoa deve ser antiteticamente situada ou seduzida – assim, inscrita – como testemunha ou aliado. […] É interessante que, para Bakhtine,  o diálogo é não dialógico  […]. Este só pode existir mobilizado pela tentativa de usurpação de uma sempre imaginária posição de primeiro falante pelo Ouvinte (ou Leitor), através da qual aquele (o primeiro falante que, personificando o seu destinatário, apenas pode simular retrospectivamente a posição da primeira pessoa) é representacionalmente como que morto pelo acto de fala, tornando-se, por sua vez, uma terceira pessoa – antes da “sentença” (Cohen, 1998, p.85).

    Carlos Jorge Figueiredo Jorge é professor emérito da Universidade de Évora


    Bibliografia

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    FONTANIER, Pierre, 1968, Les figures du discours, Paris, Flammarion

    FRYE, Northrop, 1973, Anatomia da Crítica, S. Paulo, Cultrix

    GOYET, Francis, 1990, Traités de poétique et de rhétorique de la Renaissance, Paris, Le Livre de Poche

    LOPES, Óscar, 1997, F. J. B. Martinho (e outros), Florbela Espanca – A Planície e o Abismo, Lisboa, Vega

    SENA, Jorge de, 1988, Estudos de Literatura Portuguesa – II, Lisboa, Edições 70


    [1] Citamos sempre os poemas de Florbela segundo a 18ª edição da obra, tal como foi publicada pela Bertrand em 1980.

    [2] Apoiamo-nos amplamente no texto das entradas (ELEGIA, APÓSTROFE e outras, correspondentes a conceitos de poética e retórica aqui utilizados) de The New Princton Encyclopedia of Poetry and Poetics, publicado por Alex Preminger e T.V.F. Brogan, Princton Paperbacks, Nova Jérsia, 1993; do Dictionnaire de poétique et de rhétorique, de Henry Morier, PUF, Paris, 1989; do Vocabulaire de la Stylistique de Jean Mazeleyrat e George Molinié, PUF, Paris, 1989; do Dictionnaire de rhétorique, de George Moilinié, Le Livre de Poche, 1992; e do Dictionnaire de poétique de Michélle Aquien, Le Livre de Poche, Paris, 1993. Outras referências serão oportunamente indicadas no corpo do texto. 

    [3] Ver nota 1

    [4] Ver nota 1

    [5] Ver nota 1.

    [6] Não só é recorrente como surge nos maiores poetas, em poemas de elevada importância: “o hipócrita leitor” de Baudelaire, no poema que serve de frontispício a Les fleurs du mal, o destinatário/leitor de Walt Whitman, nas “Inscriptions” com que abre o seu Leaves of Grass, “O my songs”… do poema “Coda” de Pound. Esta enumeração não pretende ser exaustiva: é apenas uma breve amostra de como se apresenta a possibilidade de a apóstrofe ser uma figura, ou melhor, um dispositivo discursivo, que se pode circunscrever como figura da enunciação, ou mecanismo estruturante do modo lírico, o qual enquadra e enforma a estrutura do modo de apresentação da lírica. 

  • A conspiração romântica em Dumas

    A conspiração romântica em Dumas


    Entendemos o mecanismo conspirativo como uma sequência de três momentos: a deliberação de um objectivo – em princípio projecto de alteração de um estado de coisas, resultante das aspirações que visam atingir um indivíduo ou um colectivo; a afirmação do empenho em modelos de juramento ou conjuração, o que nos leva para dimensão ilocutória do performativo, sob a forma de injunção; e a acção conspirativa propriamente dita, em que se passa do falar ao fazer.   

    A dimensão epistemológica de um tal modelo merece ser evidenciada na medida em que é ela, aparentemente, que torna esse tipo de intriga tão apetecido pelos seres humanos, seja qual for a sua idade ou religião, sejam quais forem as suas   identificações étnicas ou sexuais, independentemente dos seus princípios éticos, filosóficos ou ideológicos. Segundo o modelo conspirativo, os nossos desejos e crenças, emocionalmente geradas, tornam-se racionalmente explicáveis.  

    Alexandre Dumas (1802-1870)

    Na perspectiva de Falzon, subjaz uma certa apetência de tranquilidade e conforto, generalizados, a “uma visão do mundo que é confirmada”, através da fabulação conspirativa, “por todas as coisas que encontramos”,  sendo também essa visão a “que pode explicar eficazmente todas as inconsistências com que nos deparamos[…]” (2002: 202). Segundo o mesmo filósofo, ainda, esse raciocínio completa-se, fechando-se, como um delírio paranóico:

    “[…] Este é o erro em que é típico caírem os teóricos da conspiração. Para eles, tudo é parte da grande conspiração. Se não há provas de que existe a conspiração, ou pelo menos não se manifestam em quantidade suficiente, é óbvio que foram sonegadas para ocultar o que se está a passar. Se alguém critica o teórico da conspiração, esse alguém passa a fazer parte da conspiração” (Falzon, 2002:202)

    Este modelo de raciocínio, a que os lógicos chamam “falácia da irrefutável hipótese”, também é conhecido pelo nome de “falácia da invencível ignorância”. Esta formulação, que opera segundo as exigências formais mais ostensivas do enunciado lógico, sobretudo o silogístico, é a matriz de quase todas as sentenças ou discursos assentes na crença ou mesmo na fé. De facto, como nota ainda Falzon, uma tal maneira de estruturar o discurso “envolve uma patente recusa” , por parte daquele que argumenta segundo esses princípios, “de ter em consideração provas que são contrárias à crença a que se entrega” (2002: 202).

    O estatuto dado ao inimigo, segundo uma perspectiva conspiratória, assenta, frequentemente, numa teia de acusações de comportamentos “diabólicos”, ora hiperbólicos, ora ficcionais. A organização do inimigo assim “identificado” assume, quase sempre, a imagem de uma “conspiração” contra as instituições e os cidadãos dos países, dos grupos ou das organizações que desenvolvem o libelo acusatório. É difícil, por isso, não elaborar uma atitude conspiratória quando se delineia a conspiração que é atribuída aos outros (desenvolvendo, em relação a eles, uma definição da alteridade apoiadas nas formas mais ou menos míticas ou mesmo fantasmáticas do “OUTRO”).

    grayscale photo of person holding glass

    No entanto, há uma dimensão neste vício lógico, presente também nos exemplos que extraímos da realidade política, que nos parece positivamente estruturante da construção ficcional, apesar de se organizar, enquanto mecanismo lógico, como “sistema fechado, dogmático e irrefutável, dentro do qual tudo o que encontramos parece confirmar as nossas crenças” (Falzon, 2002: 202). Essa dimensão de que falamos é muito parecida com a famosa “suspensão da descrença”, afirmada por Coleridge na sua Biographia Literária, que institui o pacto ficcional através do qual representamos um universo no qual projectamos desejos, medos, anseios e paixões.

    Este processo, em que os lógicos vêem uma interpretação dos factos e das hipóteses, encaminhados, ou mesmo distorcidos, para fortalecer uma visão afectiva ou emocionalmente empenhada, é constante na ficcionalização. Pode ser pernicioso se o usamos para defender um objectivo político, camuflando motivações partidárias; mas pode ter uma função de emprego dialogicamente dinâmico do verosímil, caso o façamos evoluir como uma narrativa literária,  teatral ou cinematográfica, de prioritários princípios poéticos, ou mesmo lúdicos.    

    Viria a propósito lembrar, em reforço da perspectiva que aqui apresentamos, o que nos diz Umberto Eco sobre a questão da presença dos códigos fortes, na construção da hipótese científica, e dos códigos fracos, na construção do verosímil. Entende-se, sobre este último termo, que ele fornece uma  perspectiva das coisas, das ocorrências e das causas, enfatizando “as ligações” que “se fundam prioritariamente sobre as convenções e as opiniões estabelecidas” (1988: 49). A atracção que muitas obras narrativas exercem sobre os públicos que fidelizam, tem origem nesse mecanismo retórico de base. Os “thrillers teológicos” como o Da Vinci Code (que citamos, como exemplo privilegiado de   fábula ou história – no sentido que lhes davam os formalistas russos e os narratólogos estruturalistas  –  por economia de exposição, quer na versão literária de Dan Brown, quer na cinematográfica de Ron Howard) assentam o seu êxito no facto de neles aparecer a “mitologia das sociedades secretas e o imaginário do complot,” que “desta forma continuam a manifestar-se materiais simbólicos privilegiados do romanesco popular” (Taguieff, 2005:54).

    Relembramos, no entanto, que essa mitologia satisfaz (ou procura satisfazer, pelo menos) uma necessidade básica de busca de compreensão ou de certeza. Com algumas reservas, poderíamos chamar-lhe dimensão epistemológica, uma vez que essas narrativas fornecem “explicações” para enigmas que são fonte de preocupação para o indivíduo e para a comunidade em que se inscreve.

    O que permanece como enigma teológico e institucional, na narrativa de Brown, é a justificação para existência e actuação das forças que se pretenderiam contra-conspiratórias, ainda que se apresentem elas própria como sociedades ou grupos tão enigmáticos e misteriosos como as práticas conspirativas que supostamente combatem: o “Priorado do Sião”, os “Templários” e outros agentes similares são entidades quase secretas, ou com amplos conjuntos de actuações pouco explicáveis, que se presume combaterem as actuações conspirativas da Igreja de Roma.

    E isso acontece, por exemplo, porque, mesmo nos países católicos, sendo difícil explicar a ausência de figuras femininas nas hierarquias eclesiásticas, faz todo o sentido entender os motivos e as acções que instituíram tal limitação, segundo uma teoria da conspiração.  E isso pode ser entendido assim se aceitarmos que “os acontecimentos históricos que são percebidos como opacos ou absurdos poderiam ser explicáveis por um ou vários complots e, em última análise, serem atribuídos a intenções e acções humanas” (Taguieff, 2005: 19) que visam concertar-se a favor dos interesses de um grupo, em detrimento, mesmo gravoso, de outro grupo considerado adverso.

    Assim, a teoria da conspiração assegura uma espécie de encenação, a que poderíamos chamar complot, designando, desse modo, o esquema de disposição do conteúdo narrativo, ou de organização da fábula. A partir do nível estrutural em que nos achamos primordialmente, o da matéria controversa, dá-se a transformação operada pelo acto de dramatização poética que, manipulando a matéria do conteúdo, produz o mecanismo da intriga, ou narrativa, aquele em que pesa, sobretudo, o entretecer das acções e dos percursos ou objectivos contraditório que são contados. É a esse nível que a narrativa explica, ou procura tornar inteligível o mundo, numa estrutura dramática, embora sem descurar o seu desenvolvimento segundo um discurso em que muito contam os aspectos apelativos da composição poética textual criada pela voz épica ou pela perspectiva dominante.

    blue and black mask illustration

    Ao “explicar” e “unir” e conjuntos de eventos e aspectos historicamente reais que se revelam paradoxais, absurdos ou enigmáticos, a narrativa assume os foros e funcionalidade do mito, entendendo este no seu sentido canónico mais amplo. A definição que Lévi-Strauss nos oferece, na sua obra O olhar distanciado, poderia ajudar-nos a compreender melhor a função epistemológica que este género de narrativas proporciona: “O mito jamais oferece àqueles que o escutam uma significação determinada. O mito limita-se a propor uma grelha que se define pelas regras da construção” (1986: 210).

    O mito oferece, com essa sua grelha, qualquer coisa semelhante àquilo que, segundo Umberto Eco,  o discurso dos filósofos da linguagem, desde a Antiguidade Clássica, tem tratado como “signo fraco”, ou seja, aquele que, quando indicia o que se concebe como causa, não remete necessariamente para a determinação dos “efeitos possíveis (prognóstico)”  ou, inversamente, aquele que, sendo percebido como efeito, não é necessário que tenha origem numa causa presumida (diagnóstico – cf. Eco, 1988: 48).

    Eco faz ainda um reparo sobre a matéria em questão que nos perece de extrema importância para compreendermos a “lógica” do mito e, mais explicitamente, para o entendimento da narrativa empolgante, que explora a possibilidade complotista: “se o analisarmos mais atentamente, verificamos que mesmo este signo fraco [o de causa suficiente, não necessária] não está desprovido de uma certa «necessidade», apenas com a diferença que remete não para uma causa, mas para uma classe de causas” (p. 48). Passamos da certeza epistemológica, segundo as exigências científicas, para uma exigência de explicação que alimenta o mito e que poderíamos formular, hipoteticamente, da seguinte maneira: “Sabemos que tem de existir uma causa, e a nossa hipótese é…” ou “Alguém causou uma morte, ou praticou um acto reprovável e, pelos indícios de que dispomos, esse alguém, SÃO ELES”.

    people walking inside library

    Tal designação, assim, amplificada e indeterminada, é o eixo central da teoria da conspiração, pois o conteúdo designado por “ELES”, a “causa do mal”, é o conjunto de pessoas, o grupo, a facção ou etnia que, de acordo com aquilo em que a opinião colectiva acredita, diz que é, uma vez que “a um nível retórico as relações de causa efeito se fundam, quase sempre, em convenções estabelecidas […] dependendo isso apenas dos códigos e guiões que essa comunidade regista como bons” (Eco, 1988: 49).     

    Já se vê que o mito funciona numa dimensão a que poderíamos chamar a da suposição de causas (“o que vem antes é causa do que vem depois” – cf. Barthes,1966:10) e das necessidades explicativas (para explicar tal fenómeno, o mais provável é ter-se verificado determinado antecedente).  É pelo facto de, como diz Eco, “no plano semiótico as condições de necessidade de um signo” serem “fixadas socialmente, ora de acordo com códigos fracos, ora segundo códigos fortes”, que “um acontecimento se pode tornar um signo seguro, mesmo que cientificamente não o seja” (1988: 49). Vai um passo, epistemologicamente quase insignificante, desta construção retórica da verdade à outra, do mito, de que nos fala Lévi-Strauss, uma vez que todas as concessões à exigência epistemológica, em sentido lógico-científico forte, para compreender os factos e os eventos, já foram feitas antes:

    Um mito propõe uma grelha, somente definível pelas suas regras de construção. Para os participante numa cultura a que respeite o mito, esta grelha confere um sentido não ao próprio mito mas a tudo resto: ou seja, às imagens do Mundo, da sociedade e da sua história, das quais os membros do grupo têm mais ou menos claramente consciência, bem como das interrogações que lhes lançam esses diversos objectos. Em geral, esses dados esparsos falham quando tentam unir-se e, na maior parte das vezes, acabam por se contrapor. A matriz da inteligibilidade fornecida pelo mito permite articulá-los num todo coerente. Diga-se de passagem que este papel atribuído ao mito assemelha-se àquele que Baudelaire parece atribuir à música” (Lévi-Strauss, 1986: 210).

    De facto, as narrativas de grande acolhimento popular, que encontram uma audiência de culto entre as massas, sobretudo pelas mensagens hipotéticas ou conjecturais que introduzem, fazem apelo a essa vontade de explicação, de compreensão “epistemologicamente acomodatícia” que parecem convocar.  Assim, para o cidadão que se preocupa com o sentido da política mundial, sem ter conhecimento dos seus fundamentos, nem meios de acesso a fontes informativas para isso, a visão conspiracionista tende a tornar-se uma teoria que poderá fornecer um sentido holístico escondido o qual, por sua vez, explicaria o desconcerto observado.

    Smoke trails from the Space Shuttle Challenger disaster explosion

    O que se torna narrativamente produtivo é o facto de os detectores de complots buscarem um saber esotérico que, por sua vez, parece sustentar-se num mecanismo de iniciação, embora possa suscitar reservas a quem busque um percurso científico de compreensão dos fenómenos. Tal saber secreto, salvo raras excepções, teria sido desenvolvido, segundo as narrativas explicativas, por um grupo de conjurados, afirmados, muitas vezes, como conspiradores contra as instituições dominantes.

    Procurando decifrar as aparências para conhecer a verdade oculta do poder, os esotéricos conspiram para aceder ao segredo, pois o culto do segredo, quer procuremos guardá-lo, quer desejemos descobri-lo, é o que une a conspiração do poder à conspiração dos  gnósticos,ou investigadores esotéricos, que parecem contestar o poder por ele ser conspirativo. Uma tal compreensão do mundo, por assentar numa explicação cujo mecanismo de base é a confusão lógica entre a anterioridade e a causalidade (post hoc, ergo propter hoc – tal como argumentava Barthes, no texto da revista Communications que acima refertimos) por ser a lógica da ficcionalidade, não pode ser cientificamente satisfatória para estabelecer uma imagem credível do mundo em que vivemos. No entanto, ela estrutura-se enquanto lógica do verosímil. Se não configura uma possibilidade satisfatória no campo da episteme, compete com esta nos campos do possível em direcção a uma apetecida aletheia.[i]

    Remo Ceserani, logo no início do seu estudo, “L’immaginazione cospiratoria”, publicado em 2003, afirma que é possível distinguir “três fases na longa história da imaginação conspiratória, correspondentes a três diversos tipos de organizações sociais e a três formas históricas diferentes de conspiração e das suas significações e significados” (in Synapsis, 2003: 7).

    white rope on white textile

    Esta perspectiva histórica é muito interessante, para o nosso ponto de vista, por duas razões: por um lado, estabelece, a partir de bases de investigação que não são as que desenvolveremos aqui, uma periodização que nos será muito útil para contextualizarmos tão coerentemente quanto nos é possível, o corpus e as concepções que, sumariamente, analisaremos adiante; por outro lado, reforça a nossa concepção  de que a conspiração,  além de ser forma histórica de actuação,  cuja  periodização pode ser determinável, apresenta-se como  imaginação conspiratória, segundo os termos de uma poética da argumentação e da persuasão, independentemente de qualquer condicionante histórica.

    Relativamente à primeira razão que apresentámos, é importante explicitar sua opinião quanto às fases e formas correspondentes, uma vez que nos propomos fazer uma breve abordagem da forma específica segundo a qual a conspiração foi posta em cena pelos escritores da época do Romantismo, no teatro e no romance. Em palavras do estudioso italiano, a “primeira é a dos regimes monárquicos legitimados pela tradição e pelo consenso” sobre os quais pesa a “estrutura familiar e restrita” que detém o poder; a segunda forma (correspondente a nova fase) é a da conspiração que nasce “dentro das sociedades mais modernas, nos tempos de transformação e democratização dos regimes políticos autoritários,” correspondente à expressão de grupos de oposição forçados à clandestinidade, pelos métodos policiais, e a contrapor reivindicações de liberdade contra os tiranos;” sendo a terceira, que ele designa por “pós-moderna e paranóica,” a das conjuras “temidas, reais, hipotéticas, sobredeterminadas, manifestações de grupos secretos e misteriosos, os quais presumimos obedecerem à lógica do puro poder” e que admitimos manterem relações pouco claras com “agências internacionais, associações secretas injustificáveis em regimes democráticos e até a serviços irregulares,” ou ainda “com grandes corporações económicas e financeiras” além de poderem manipular episodicamente “grupos de terroristas esquivos a qualquer controlo ou coerência ideológicas” (Ceserani, in Synapsis, 2003: 7). É evidente que os românticos, com Dumas pai à cabeça, em nosso entender, cabem inteiramente dentro da segunda época.

    a truck parked on the side of a road next to a dog

    Acrescentemos ainda, para melhor compreensão desta perspectiva diacrónica, que, embora esteja presente em textos tão antigos como os do Velho Testamento (que Ceserani comenta no seu artigo), a formulação integral da atitude conspirativa parece ter nascido na europa do século XVIII, quer nos relatos que narram eventos mais ou menos verídicos, assumindo-se como crónicas, quer nos fantasiosos, que são entendidos como lendas ou mesmo ficções. As palavras liminares de Taguieffe, no exaustivo estudo que dedicou à questão da conspiração, devem ser aqui evocadas na íntegra:

    “Na nova cultura de massas, um olhar exercitado discerne, com facilidade mas, ao mesmo tempo, com espanto, a presença de motivos que, até aos anos 70 do século passado, eram apanágio de uma extrema direita  alimentada pelo grande mito político fabricado pelos escritores contra-revolucionários  dos finais do século XVIII: o complot internacional dirigido contra a civilização cristã. Um complot maçónico e, depois, judeu-maçónico, do qual a lenda dos «Iluminados da Baviera (ordem historicamente fundada por Adam Weishaupt a 1 de Maio de 1776), generalizadamente designada como a dos «Iluminati», nunca deixou de ser uma da principais componentes. O «compolot dos Iluminati», empreendimento subversivo visando a instauração de um «Governo mundial único» é frequentemente denunciado desde a época da Revolução francesa” (2005: 13).

    Entrosa-se com ela a perspectiva que o romance gótico (ou romance negro [roman noir] ou, por vezes, literatura  ultra-romanesca, no dizer de André Breton no seu Les vases comunicants (1955: 134 cf. Brun, 1982: 12) desenvolve nos seus enredos, pouco tempo depois, um pouco por toda a Europa de finais do século XVIII e princípios do século XIX  (género contemporâneo do pietismo intimista e dos primeiros textos reconhecidos como românticos[ii]),  que Annie le Brun afirma ser, em geral, “no que diz respeito à intriga”, o relato de como “uma jovem rapariga inocente e pura se encontra abandonada nas estradas pelos acasos da vida” o que dá “pretexto a uma formidável viagem ao país das infelicidades”, mecanismo narrativo que fornece ao leitor, segundo a mesma autora, a possibilidade de “conservar a recordação de um espaço de incerteza e de obscuridade, obsidiante como um pedaço de trevas arrancado à noite de que somos feitos” (Brun 1982: 11).

    white umbrella

    No limite, esse mecanismo fabulatório revela-se o autêntico modelo do próprio complot, ao “pôr em cena  esse momento escandaloso em que o homem, que julgava ter conseguido os meios de se tornar sujeito, estaca, subitamente, face à evidência da sua condição de objecto, arrebatado pelo mesmo terror que qualquer ser tem face ao aspecto definitivo do cadáver” (Brun, 1982:). Não é por acaso, portanto, que paralelamente a toda a lógica do discurso revolucionário, a narrativa gótica (ou o roman noir) se sustenha como o grande modelo narrativo preferido do público em geral, de modo ingénuo,  secreta e perversamente nalgumas escolhas dos grupos mais sofisticados, e de modo complexo, entre o público mais “esclarecido”, por “revelar”, sob os modelos do pesadelo, o mecanismo de tudo quanto parece secreto e obscuro: o poder, os valores e mesmo vida.

    A própria História, enquanto relato dos factos marcantes de uma comunidade, ao humanizar-se e perder o seu escoramento nos desígnios engendrados pelo ser supremo, passa a ser objecto da controvérsia e das sucessivas leituras que dela fazem os seus narradores, que produzem uma “verdade” tranquilizadora” pelo encadear de actos sucessivos que parecem satisfazer uma lógica da pura acção.

    Alexandre Dumas é um dos autores que mais eco faz dessa visão mítica dos factos que, desde então, começa a ganhar verdadeiros foros de uma teoria da conspiração. A sua visão da queda do “antigo regime”, em França, é reiteradamente formulada em termos de uma acção conspirativa. Essa perspectiva alimenta quase tudo quanto escreveu, quer se trate de narrativa ficcionais, quer resulte de um olhar de historiador  para os eventos do dealbar da república. Sirva-nos de exemplo deste último tipo de actividade de escrita, o seu texto muito breve, apresentado como um relato resultante de uma investigação histórica, praticada no terreno dos eventos, intitulado La route de Varennes.

    Aí, acompanhando, através de observações, nos locais, e inquéritos e entrevistas às populações das diversas localidades em que o Luís XVI e sua família fizeram paragens, quando se encontravam em fuga pela estrada referida em título, Dumas põe em xeque as teses realistas (que eram aceites como verdades mesmo pelos historiadores simpatizantes da república), segundo as quais o rei teria sido apanhado e conduzido às “autoridades” revolucionárias por indivíduos vingativos e marginais.

    A sua contra-leitura é um verdadeiro modelo de argumentação segundo o processo de desmontagem de uma narrativa conspirativa (tendo como agentes – imaginários, segundo a sua investigação – “revolucionários” populares, de aparência ameaçadora), e construindo, provada a inconsistência desta, uma outra hipótese conspirativa, baseada no relatos e no cotejo dos documentos, segundo a qual teriam sido os monárquicos constitucionalistas os autores da detenção do rei, forjando um complot que, pelo que sugere Dumas, atacaria o legitimismo, ao promover a prisão do rei, desacreditando, ao mesmo tempo, os republicanos, expondo-os como autores de um processo que levou ao regicídio.

    Relativamente à ficção, o dispositivo fabulatório da conspiração ganha foros de núcleo temático dominante do romanesco de Dumas, desenvolvendo-se, a partir dele, uma forte tendência para a construção persistente da intriga segundo  o preceito da enfase na actuação dos conjurados, de que Joseph Balsamo é apenas uma, ainda que a mais forte, das encarnações. É a hegemonia desse enredo que engendra os cenários escolhidos privilegiadamente, a selecção das intrigas que recolhe dos dizeres e da opinião pública da época, bem como as que inventa, por prodígio da sua imaginação, com base na visão do mundo a que dá ênfase, segundo a qual os eventos de importância colectiva seriam devidos a intervenções de seres excepcionais, indivíduos extraordinários, capazes de controlarem as forças misteriosas do cosmos que fariam actuar para determinarem a ordem dos grandes eventos históricos, nomeadamente as revoluções.

    man in white dress shirt sitting on chair

    Só para exemplo do modo como é encenado, espectacularmente, o acto de adesão de Joseph Balsamo à conjuração secreta, apresentamos três aspectos iniciais do modelo de ajuramentação: a assembleia dos dirigentes, o interrogatório, e as palavras de voto do iniciado. Fica apresentado um tipo altamente ritualizado de sociedade secreta, com vontade de intervenção política, cujos traços gerais caricaturam um modelo que poderia corresponder à divulgação massificada que se tem feito de algumas organizações ou ordens, desde a Maçonaria até aos Illuminati, passando pela mais controversa organização de cavalaria “empenhada”, a dos Templários.

    No relato, é dada uma representação do ritual de adesão que poderia caber a qualquer das irmandades que, a partir do século XVIII, têm alimentado o imaginário complotista, ou os discursos mais retrógrados que se têm feito contra a revolução:

     “Sept sièges étaient placés en avant du premier degré; sur ces sièges étaient assis six fantômes qui paraissaient des chefs; un de ces sièges était vide.

    Celui qui était assis sur le siège du milieu se leva. […]

    Puis se retournant vers le’ voyageur.

    – Que désires-tu? Lui demanda-t-il.

    – Voir la lumière, répondit celui-ci. 

    – […] Ne crains-tu pas de t’y engager?

    – Je ne crains rien. […]

    – Que demandes-tu, lui dit le président.

    – Trois choses, répondit le récipiendaire. 

    – Lesquelles?

    – La main de fer, le glaive de feu, les balances de diamant.

    – Pourquoi désires- tu la main de fer?

    – Pour étouffer la tyrannie.

    –  Pourquoi désires-tu le glaive de feu

    – Pour chasser l’impur de la terre.

    – Pourquoi désires-tu, les balances de diamant?

    – Pour peser les destins de l’humanité” (s/d: 11-13).

    Retemos, pela sua importância de componentes morfológicas de uma forma narrativa, os traços que Ceserani extrai da narrativa bíblica que analisa. Na sua opinião, o autor da história, inspirado pelos relatos constantes nos documentos de base, terá sido levado a tratar “os acontecimentos trágicos” como encenações dos “temas da lealdade, da traição, da intriga e do engano, enquanto estratagemas postos em acção”, não tanto inspirado por motivações políticas e partidárias, “mas pelo sentido artístico da potencialidade de uma trama dramática ou narrativa” (Ceserani, in Synapsis, 2003: 10).      

    shallow focus photography of stack of books

    Esses traços, categorias marcantes da construção da intriga, poderiam ser, igualmente, atribuíveis aos que predominam nas fabulações históricas dos relacionamentos, confrontos e manipulações cortesãs de Alexandre Dumas, cujos tópicos e dinâmicas actanciais acabam por ser o que domina, quase avassaladoramente, a sua obra. Dado o âmbito deste nosso trabalho, referiremos apenas pequenos exemplos que consideramos privilegiados.

    O primeiro que nos merece destaque é a actuação de Joseph Balsamo, no princípio do romance que tem por título o nome da personagem – quase sempre publicado em vários tomos, ele próprio integrado num conjunto de romances que abordam o fim do antigo regime em França, numa série romanesca intitulada Mémoires d´un médecin – do qual, acima, demos um exemplo. Logo após as primeiras cenas,  em que Joseph Balsamo é consagrado membro da ordem (que nunca é nomeada exactamente mas que reproduz, embora com bastante liberdade espectacular, os ritos de iniciação maçónicos, como transparece no exemplo que acima apresentámos), a narrativa apresenta-nos a personagem em viagem, atravessando uma região montanhosa de França, numa carruagem de amplas e complexas dimensões, uma espécie de habitação rolante no interior da qual o protagonista e um velho sábio manipulam enigmáticos frascos, fazem funcionar um forno alquímico no qual se prepara uma misteriosa transformação. À volta da carruagem desencadeia-se uma tempestade cujos aspectos e efeitos lembram uma inesperada e incontrolável fúria do Cosmos, resultando dela que um dos cavalos é morto e os viajantes têm de parar.

    A descrição do acontecimento, embora obedeça aos princípios elementares do que é comum na visualização literária dos fenómenos da natureza, não tira qualquer consequência do facto de ela estar a ser observada, sentida, percebida e mesmo avaliada por dois seres de supremo saber. Os fogos celestes surgem como uma pirotecnia surpreendente de efeitos luminosos e a água torna-se numa ameaça que inunda o terreno. Para o velho alquimista a chuva apenas se manifesta como algo negativo por ameaçar apagar o fogo do forno onde se está a dar a grande transformação, pelo facto de a casa rolante não ter a chaminé devidamente coberta.

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    No entanto, quando, como que por acaso, o alquimista se dá conta da trovoada, é com a maior naturalidade que ele explica a Balsamo que é inteiramente possível domar as descargas eléctricas e fazê-las funcionar em proveito da técnica laboratorial. É tudo uma questão de tempo e de oportunidade. Os segredos de tal arte, porém, não são enunciados senão pela breve explicação de que “a chama eléctrica” pode “descer até ao forno”, por um sistema de “pontas” suportadas por um “papagaio artificial”. Dessa explicação, o genial discípulo, Balsamo, detentor de imensas sabedorias, não percebe nada (cf.Dumas, s/d: 46-47;vol.I).

    O quadro que aqui se nos desenha é, até certo ponto, o de uma relação do homem com o Cosmos, com aquilo que poderíamos designar até, mais funcionalmente, como macrocosmo, manifestando-se tal relação, através de um sábio. No entanto, o processo surge como uma demonstração de que o desenvolvimento do saber é eticamente negativo.

    De facto, o conhecimento contido pelas duas personagens, assente sobretudo numa espécie de manipulação de fórmulas tendentes a construir a transgressão, a arquitectar uma conspiração que altere um conjunto de elementos estruturadores da potência (essencialmente a política – o antigo regime é visto como uma determinada ordem emanada da transcendência, vigorando no universo imanente do perecível), não se move para lá de um quadro ou espaço fechado: o das fórmulas dos livros e dos instrumentos sagrados e/ou proibidos.

    Tal saber encerrado, feito e dominado de uma vez para sempre, parece nada poder acrescentar à visão poética, ficcional ou mesmo cientificamente informada, do macrocosmo. Todo o conhecimento acerca deste permite apenas domínios parciais que podem ou não ser usados para perturbar a ordem humana estabelecida.

    black Corona typewriter on brown wood planks

    Dentro deste quadro epistemológico, o saber do sábio (o alquimista, o mação) é sempre um movimento perverso, surgindo no discurso como eticamente negativo. Dado que é indevido no interior do sagrado, torna-se uma actuação de sacrilégio ou de violação. O desenvolvimento da narrativa de Dumas vai revelar-nos que assim é. Quanto ao romancista, na construção das perspectivas que assume como narrador, nunca atribui ao saber das ciências quaisquer perspectivas complementares que lhe permitam desenvolver ou desenhar um quadro do Cosmos que ultrapasse a observação, razoavelmente empírica, das aparências. Tudo está feito pelo grande arquitecto, é ele que assegura a coerência do Cosmos e das suas manifestações.

    Por isso, ao sábio compete-lhe aprender as fórmulas da manipulação, mas não o sentido dos fenómenos, que está estabelecido de uma vez por todas. A alquimia (em sentido lato e algo metafórico que lhe dão os traços quase caricaturais com que se busca a tipificação) não anda, neste caso, muito longe da teologia. O conhecimento da incomensurabilidade da transcendência visa, sobretudo, assegurar o terror e a piedade na acção ritual.

    Aliás, na poética de Dumas, mesmo a descrição elementar de quadros do mundo, sobretudo da natureza, são, comparando-os com os diálogos e as narrações de acções, por exemplo, raros. Isso, possivelmente, porque a interrogação dos mesmos, da razão de ser das suas origens (as fontes, as causas – mas também, complementar e simetricamente, as interacções e consequências), não era material que interessasse a uma tal visão do mundo[iii].

    O homem de Dumas não age sobre o universo natural, nem é por ele transformado. Move-se no seu interior sem um saber científico. Quando o saber emerge, apresenta-se como uma perversão face ao sagrado, uma acção de feitiçaria. De um modo geral, as relações são mais entre as personagens e os entes mágicos ou as suas manifestações intencionais, no que respeita ao Cosmos (um ente supremo desencadeia uma catástrofe, por exemplo), do que entre as personagens e os fenómenos da natureza.

    Les Mohicans de Paris (1854-1859), outra obra que não podemos esquecer no que se refere à problemática do complot, pode ser considerada  um dos  exemplares  mais acabados  de narrativa conspiracionista que foram escritos até hoje. Todo o universo de Paris é encarado como palco de maquinações que têm a ver com o poder central, com as instituições sociais dele dependentes, mas também com as afrontas familiares, os desentendimentos e segredos no interior dos grupos relacionados por parentesco ou, ainda, nas relações existentes entre companheiros de boémia e amigos.

    Várias organizações são convocadas no horizonte da intriga: os maçónicos, os carbonários e as quadrilhas de marginais (de “moicanos”, no fundo) que se aliam ou confrontam ao longo da imensa narrativa de cerca de três mil páginas. Seria justo dizermos que, se pretendêssemos classificar genologicamente este romance, segundo o seu traço temático dominante, a designação apropriada poderia mesmo ser a conspiração romântica.

    De facto, ao lado do termo la bohème, proveniente da narrativa contemporânea de Henri Murger (o título do romance é: Scénes da la vie de bohème – 1851), a designação que usa Dumas, les mohicans, torna-se uma das insígnias mais popularizadas, para referir o universo mítico da vida marginal da Paris oitocentista, com os seus mistérios e os seus grupos, cuja tipificação por  ele realizada tornou lendários. De facto, no título escolhido pelo autor de Le Comte de Monte Cristo[iv], ressoa, francamente, a dimensão mítica da marginalidade, que foi desenvolvida, também com estrondoso sucesso editorial, por Eugène Sue, no seu Mystères de Paris, e as não menos célebres insígnias épicas, da luta pela liberdade, presentes nos romances de James Fenimor Cooper, The Last of the Mohicans.

    Do universo romanesco legendário de Paris oitocentista, até ao advento de Les Mohicans de Paris, faziam parte integral, junto às camadas populares atingidas pela miséria com maior intensidade (a legião de desempregados, de diminuídos físicos, de enjeitados, de pequenos proprietários e camponeses empobrecidos pelas catástrofes naturais e sociais), os grupos mais restritos da boémia, cujos membros, de origem burguesa e mesmo aristocrática, se diluíam na marginalidade, na defesa da actividade artística, desenquadrada das exigências de produtividade e submissão propugnadas pelas classes hegemónicas: a grande burguesia e a aristocracia. Neste último romance, o mais longo que escreveu, a esse submundo vem acrescentar-se a componente política.

    Desse modo, muitos dos grupos que acima enumerámos passam a integrar-se na comunidade segundo uma orgânica politizada, começando  algumas das personagens a ser reconhecidas não pelas características de grupo ou de classe de onde são originárias, mas pelo fazer em que se empenham afincadamente: a agitação política. Da importância dessa componente, apresentamos, em seguida, um exemplo.

    Bonapartistes, orléanistes, républicains, se trouvaient donc confondus, et, si M. Jackal avait eu les cent yeux d’Argus, il eût vu, sans doute, rayonner au fond des catacombes, dans quelque angle opposé à celui des bonapartistes, les torches des orléanistes et des républicains.

    Chaque vente particulière, comme nous l’avons dit, avait un député.

    C’était ce député, délégué par elle, qui formait la vente centrale.

    La vente centrale, de même que la vente particulière, se composait de vingt membres, lesquels membres n’étaient autres que les vingt députés élus par vingt ventes particulières.

    La vente centrale était organisée comme la vente particulière: à son tour, elle élisait un président, un censeur et un député.

    Le député de cette vente était délégué près de la haute vente, laquelle se composait de toutes les notabilités militaires et parlementaires de l’époque.

    Elle ne formait pas de réunion, et le député de la vente centrale n’était jamais ûélégué qu’auprès d’un de ses membres.

    Aussi les affiliés eux-mêmes ne savaient-ils à peu près aucun des noms des membres de la vente suprême, et à peine, aujourd’hui, est-on certain d’en connaître la moitié.

    Les principaux étaient : la Fayette, Voyer-d’Argenson, Laffitte, Manuel, Buonarotti, Dupont (de l’Eure), de Schonen, Mérilhou, Barthe, Teste, Baptiste Rouen, Boinvilliers, les deux Scheffer, Bazard, Cauchois- Lemaire, de Corcelles, Jacques Kɶchlin, etc. etc.

    Finissons en répétant que les éléments dont se composait le carbonarisme étaient loin d’appartenir aux mêmes doctrines politiques, et que bourgeois, étudiants, artistes, militaires, avocats, quoique marchant dans des voies différentes, étaient dirigés par la même cause, c’est-à-dire par une haine ardente contre les Bourbons de la branche aînée.

    Au reste, nous tâcherons de les montrer à l’ɶvre.

    Et maintenant que nos lecteurs savent aussi bien que M. Jackal que l’orateur vient d’être délégué à la vente centrale comme député, reprenons notre récit.

    Après le départ du député, ce fut un brouhaha effroyable; chacun des membres voulut parler sans attendre son tour; les uns, cherchant à se faire entendre, poussaient de cris féroces; les autres agitaient leurs torches comme si elles eussent été des sabres et des épées; enfin, ce fut une confusion terrible, el les rayons des torches agitées, en se dirigeant en mille sens divers, devinrent l’image des pensées  confuses et divergentes de tous les membres de cette mystérieuse assemblée”  (Dumas, 1998 : 1041-1042 – 1º vol).

    Seríamos tentados a ver, nesta assembleia, o predomínio daquela figura, que, segundo Benjamim se tornou típica da sociedade europeia oitocentista, quando estava em causa o fazer política: o conspirador profissional. Esta figura, que Benjamin delineia a partir de Marx, parece encher o imaginário da época e prestar-se a equívocos que misturam os traços das agitações sociais que, de facto, marcaram a França,  intensamente, com os enigmáticos rostos que a ficção deu às figuras da marginalidade (“miseráveis”, “moicanos”, boémios),  em vários momentos marcantes da vida política daquele país, durante o século XIX, desde a Revolução republicana até à Comuna, passando pelas profundas agitações em torno de episódios contra-revolucionários, como o da Restauração, e golpes de estado, como o de Luís Bonaparte. As palavras de Marx, sobre as categorias a que temos vindo a fazer referência são muito elucidativas:

    brown wooden book shelves in a library

    Com o incremento das conspirações proletárias surgiu a necessidade de divisão do trabalho; os seus membros dividiram-se em conspiradores de ocasião (conspirateurs d’occasion), isto é, operários que se dedicavam à conspiração apenas como actividade paralela às suas outras ocupações, que só frequentavam os encontros para poderem ficar disponíveis para comparecer  nos lugares de reunião a um apelo dos chefes, e conspiradores profissionais,  que se dedicavam exclusivamente à conspiração e dela viviam … As condições de vida desta classe determinam desde logo todo o seu carácter… A sua existência periclitante, a cada momento mais dependente do acaso do que da sua actividade, as suas vidas desregradas, cujos únicos pontos de referência estáveis eram as tabernas – pontos de encontro dos conspiradores –, as suas inevitáveis relações com toda a espécie de gente duvidosa, situam-nos naquela esfera de vida que em Paris dá pelo nome de bohème” (in Benjamin, 2006: 13).

    A narrativa romântica da época, quer a francesa, mais presa à actualidade da Revolução, quer a inglesa, preferencialmente presa ao gosto da evocação histórica, fixou-se de tal modo no modelo conspiracionista que, de entre a multiplicidade de temas e dispositivos narrativos percorridos pelo imaginário que elabora, sobressaem aquelas obras em que o referido modelo domina. Les Misérables, de Victor Hugo, Ivanhoe, de Walter Scott, e Splendeurs et misères des courtisanes, de Balzac, poderiam ser notáveis exemplos a acrescentar aos de Dumas que acima comentámos.

    Carlos Jorge Figueiredo Jorge é professor emérito da Universidade de Évora


    Bibliografia  

    Barthes, Roland, 1957, Mytologies, Seuil, Paris

    Barthes, Roland, 1966, “Introduction à l’analyse structurale des récits”, in Communications nº 8, Seuil, Paris

    Benjamin, Walter, 2006, A Modernidade, Assírio & Alvim, Lisboa

    Breton, André, 1955, Les vases communicants, Gallimard, Paris

    Brown, Dan, 2004 [2003], The Da Vinci Code, Doubleday, New York

    Brun, Annie Le, 1986, Les Châteaux de la subversion, J.-J. Pauvert/Folio, Paris

    Ceserani, Remo, 2003, “L’immaginazione cospiratoria”, Synapsis (ed.), Conspiracy, complot, Le Monnier, Florença

    Dumas, Alexandre, s/d, Joseph Balsamo (2 vol.), Marabout/Géant, Verviers (Belgique)

    Dumas, Alexandre, 1998, Les mohicans de Paris (2 vol.), Gallimard, Paris

    Eco, Umberto, 2001[1986], Sémitotique et philosophie du langage

    Falzon, Christopher, 2002, Philosophy Goes to the Movies, Routledge, London

    Goldsman, Akiva, 2006, The Da Vinci Code – Screenplay, Broadway Books, New York

    Jorge, Carlos J.F., 2007, Cenários da Conjura, Imaginários da Intriga, Apenas Livros, Lisboa

    Jorge, Carlos J.F., 2009, “A Argumentação Conspirativa – Por uma Poética da Intriga”, Dedalus, nº 13, Ass. Port. de Literatura Comparada, Lisboa

    Lacombe, Roger G., 1974, Sade et ses masques, Payot, Paris

    Lévi-Strauss, Claude, 1986, O olhar distanciado, Edições 70, Lisboa

    Praz, Mario, 1977[1966], La chair, la mort et le diable dans la littérature du XIXe  siècle, TEL/Gallimard, Paris

    Taguieff, Pierre-André, 2005, La foire aux Illuminés, Mille et Une Nuits/Fayard, Paris


    [i] Para uma perspectiva mais desenvolvida da matéria apresentada nos parágrafos anteriores, remetemos para os nossos textos de 2005 e 2007 citados na bibliografia. 

    [ii] Rousseau escreve a sua última obra, ainda modelo de pietismo, em 1776, Ann Radcliff publica a sua primeira narrativa em 1789 e Chateaubriand publica Atala em 1801

    [iii] É evidente que esta afirmação, relativa à gigantesca e irregular produção de Dumas não pretende ser verdadeira para toda a obra que lhe é atribuída. Temos na memória, de imediato, o ciclo de D’Artagnan,  o de Joseph Balsamo (ou narrativa inicial da série Mémoires d’un médecin) e Les Mohicans de Paris – qualquer deles constituído um formidável relato de engenhosas insídias, conjurados e conspirações.

    [iv] Também este um romance onde a conspiração domina, desta feita a que pesa sobre um homem honesto, cuja vida foi destruída pelas maquinações de  um celerado. O herói, vilipendiado e inocente, é redimido pela herança da maior das figuras conspirativa de Dumas: Joseph Balsamo, aliás, Cagliostro, aliás, Monte Cristo…

  • Lobo Antunes

    Lobo Antunes


    A primeira impressão amplamente positiva que este livro de Lobo Antunes nos causa é de uma continuidade inovadora que parece afirmar-se como o traço mais marcante da capacidade inesgotável da sua criação.

    Dentro dessa impressão muito genérica, um conjunto de aspectos a destacar liga-se, de imediato, à linhagem literária em que a obra, do nosso ponto de vista, se inscreve. Com efeito, tomando-a na continuidade, num primeiro momento, a criação romanesca de Lobo Antunes aparece-nos inserida, de modo muito forte, na decorrência de um cânone, de uma família literária, que constitui o núcleo central de profunda revolução desenvolvida no romance por algumas atitudes autorais.

    Podemos chamar modernistas a essas posições criativas e de manifestos poéticos – mais ou menos ficcionais –, até pelo paralelo que encontramos entre elas e as criações, em outros campos artísticos, que são reconhecidas como tais. Essas atitudes, de um modo geral, têm a ver, sobretudo, com o questionamento da representação espacial na sua articulação problemática com os vectores do tempo. De facto, uma espécie de preocupação dominante marca a produção artística, desde os princípios do século XX e, de um modo geral, ela procura de resolver, de maneiras controversas e variadas, a inscrição da quarta dimensão nos horizontes de percepção, construindo objectos em que não só é representada a relação das três dimensões clássicas do espaço com o tempo,  mas também a do observador com o observado.

    Dentro dessa ordem de ideias, alguns romances fundamentais na produção literária ocidental, como os de Joyce, Proust e Faulkner, por exemplo, apontam claramente para a problemática dessa questão. Corroborando a importância de tal revolução modernista no romance, quase toda a produção do que se chamou o nouveau roman não faz mais do que reforçá-la. Para isso, instaurou como elemento dominante da criação romanesca o interesse explícito pela própria poética do romance, chegando alguns dos romances da “escola” a serem narrativas sobre a escrita de um romance.

    Ora, não é por mero exercício de construção de um panteão que evocamos esses nomes e essas escolas: o começo do romance de que aqui falamos sobretudo convoca-nos, de imediato, duas das figuras centrais fundadoras desse modernismo: Joyce e Proust. A entidade voz que abre, por assim dizer, o discurso narrativo de  Que farei quando tudo arde? não pode deixar de nos evocar o universo de caóticas incursões imagísticas do estado semi-onírico de Molly Bloom, em Ulysses, de James Joyce, ou o universo de devaneio, num despertar mais ou menos embriagado, que se desenha em imprecisos contornos de invenção lexical em Finnegans Wake, do mesmo autor; como também não nos deixa esquecer o estado errático da imaginação do narrador de A la recherche du temps perdu, de Marcel Proust, logo nas primeiras linhas do romance, quando procurava adormecer.

    Se, por um lado, o despertar é francamente evocado, de imediato, nas primeiras linhas do último romance de Lobo Antunes: “Tinha a certeza que sonhara aquele sonho na véspera ou na antevéspera/ na véspera/ e por isso mesmo, sem acordar, pensava” (p.11) – por outro lado, o adormecer também aparece igualmente como importante momento do processo do discurso da voz atribuível à mesma personagem, no penúltimo capítulo do romance: “Quando morávamos juntos, me deitavam no colchão guardado debaixo da cama, o desenrolavam na cozinha a explicarem/ – É noite Paulo/ e ficava às escuras sentindo o que chamávamos o mar lá em baixo e não era mais que o rio, a foz do rio, o sítio onde o Tejo por alturas da ponte, cansado de tropeçar em montanhas, barragens, castelos, moinhos, planícies/ julgava eu/ desoladas chega finalmente ao oceano e se dissolve nele numa espécie de suspiro ou assim, quando morávamos juntos e ficava às escuras vendo a porta do quintal que surgia no halo do muro, pensava sempre que as lágrimas, as discussões acabavam, os meus pais/ vocês (…)” (p.611).

    Esse é um dos processos segundo os quais o romance de Lobo Antunes estabelece aquilo que chamaríamos, aqui, o peculiar pacto de verosimilhança que o instrui. Segundo este, no vago do perceptível, na vacilação da racionalidade, o princípio da identidade dilui-se e o aqui e o agora dificilmente instauram fronteiras. Mas, note-se, a construção do momento do sono e do sonho como base em que se firma a origem das vozes, não é o único processo a dissolver os contornos em que é possível assegurar o efeito da realidade em causa e identificar os objectos de conhecimento; outros dois motivos reaparecem constantemente a incomodar a nossa “suspensão da descrença”: a evocação dos percursos das personagens pelas clínicas psiquiátricas e o facto de o consumo de drogas ou álcool ser frequente nalgumas delas.

    Ora, se as vivências passionais são as fibras centrais das intrigas que se desenham e se o quotidiano das personagens é assolado pela própria marginalidade de algumas profissões ou modos de vida, como a prostituição, o transformismo (ou travestismo como também se diz muitas vezes) e a representação em circo como palhaços, completa-se o quadro da inquietante estranheza, no interior deste universo ficcionalmente construído, pela evocação permanente do momento da morte, do enterro, da perda dos parentes. Assim, enquanto ritual do enterro, ou a evocação do corpo morto, modulam a figura que se constrói com entidade perdida, a vacuidade das vidas que se apresentam como meras memórias, pela impossibilidade de lhes encontrar um esteiro de autenticidade, lança fortes colorações de suspeita sobre a verosimilhança das personagens.

    Desse modo, o verosímil que se constrói não assenta sobre uma ética do socialmente instituído, do empiricamente reconhecido pelo grupo dominante, normativo, a que se chama todo social, como verdadeiro. Tendo o núcleo restrito da sociedade, representada fabulatoriamente, perdido as referências racionalmente aceitáveis que pautam os valores de verdade, – a heterossexualidade procriativa, a representação da autenticidade sexual, a vigília, a sobriedade e a sanidade mental – sendo as figuras dos mortos mais fortes afectivamente do que as dos vivos, podemos dizer que os processos de representação se constroem como perturbantes mecanismos de inquirição da verdade.

    Lembraríamos, a propósito da importância que a evocação dos mortos e dos rituais de inumação tem no adensar da problemática da existência perspectivada pelos familiares amigos e conhecidos que lhes sobrevivem, As I lay dying, de William Faulkner, que se institui como modelo da narrativa do século XX exactamente pelo modo como usa o momento do enterro como cenário central e ponto nodal onde se tecem, em confrontos, as paixões e se visionam as acções em litígio.

    Também é essa obra uma das que funda, pela criatividade que o autor americano com ela produz, a pluridiscursividade[i] dramatizada dos monólogos no romance. Resulta tal processo do facto de a narrativa avançar pelo entrecruzar, por vezes coerente, mas muitas vezes contraditório e mesmo paradoxal, dos vários discursos que, por assim dizer, representam o fluir de várias consciências em torno de um acontecimento central que unifica a acção. Com tal procedimento, Faulkner tinha intensificado e valorizado aquilo que já era notório, mas não dominante, em Dostoievski  – dado que, neste, esse encontro de vozes, embora nem sempre em sintonia, concordância ou mesmo em coerência interlocutiva, ainda se assemelhava muito ao discurso do diálogo típico do romance oitocentista.

    Ora, Lobo Antunes, que, desde o seu primeiro romance, se caracteriza por um processo narrativo que se desenvolve pelo cruzar de vozes que nem sempre entabulam diálogo umas com a outras, leva, neste romance, o desenvolvimento de tal tradição a um ponto limite a que poderíamos chamar a dominância absoluta da polifonia em ruptura (Bakhtine, 1970: 33), ou, para usarmos termos mais simples, a dominância das sentenças em co-ocorrência sem estabelecimento de diálogo. Explicando ainda melhor, tudo se passa como se as vozes, representando personagens – por vezes personagens evocadas por uma delas –, se quisessem fazer ouvir pelas outras sem, contudo, darem atenção ao que as outras dizem.

    hands formed together with red heart paint

    Paulo, por exemplo, parece ser a personagem suporte desta narrativa, visto ser a partir da sua que todas as outras emergem – e aquela cujo nome é mais frequentemente evocado como elemento central do drama que se constrói como intriga (cf. M.A. Seixo, 2002: 428-429). No entanto, não é inteiramente evidente que isso seja sempre assim. Por exemplo, um dos capítulos começa com uma voz que se deixa perceber como a da mãe de Paulo invectivando o sujeito da escrita: “O meu filho Paulo que o aldrabe se lhe der na gana/ e o senhor a acreditar nele e a escrever ou a fingir que acredita nele e a escrever ou nem sequer a acreditar nele e a escrever…” (p.495).

    É claro que, desse modo, fica posta em causa – pela aceitabilidade do princípio da contradição de duas afirmações antagónicas relativamente aos factos apresentados – a autenticidade de todos os ditos, incluindo o escrever que se presume (embora ninguém o afirme) que é o do escritor. A dúvida sobre a actividade da escrita como registo da verdade, aliás, é lançada de modo ainda mais evidente quando uma das vozes se manifesta como repórter e se revela incapaz de escrever o artigo em que fala do travesti, pai de Paulo, e do seu enterro, não só pelo contraditório dos depoimentos como pela impossibilidade de fornecer os “pormenores” que lhe parecem necessários e que o chefe de redacção anula por os considerar uma “mania” que “estraga a prosa” (pp. 257-262).

    Uma outra tradição que seria de evocar aqui é a do modernismo português de Raúl Brandão, dado que o terror e a piedade se revelam como a grande paixão deste romance, em simultâneo com a paródia e o espectáculo de circo que resultam do confluir das várias personagens e cenários do romance.

    Esta passagem, que se liga à voz/ escrita da personagem do jornalista, falando do pai de Paulo que foi palhaço e transformista, pode servir de exemplo dessa dívida para com o autor de A farsa: “a criatura chama-se Soraia senhor, foi a sepultar anteontem (…)/ veja a Soraia nessa esquina/ um acento grave e uma maiúscula que a fita não imprimiu/ a regressar das discotecas da Rua da Imprensa Nacional, umas caves de degraus na penumbra e nos fins dos degraus a música, as bailarinas, a cerveja em conta, a empregada/ dona Amélia/ com um tabuleiro de chocolates, perfumes e tabaco americano, o paraíso dos puros de coração, homossexuais, viciosos, melancólicos, transformistas, lésbicas e solitários como eu que perderam o seu ideal há trinta e cinco anos” (p. 260). De Brandão, parece-nos, é, assim, o culto de uma situação obsessiva, permanente, recorrente, expressa no acumular hiperbolizante dos elementos de um universo de desregramento, dor em paroxismo e “espanto” face aos indícios surpreendentes do mundo.

    gray microphone in room

    No entanto, o modelo mais directo do recurso a essa cena-quadro, quase estática ou repetitiva, núcleo dramático, de ressonância trágica, em torno do qual se vai compondo o mosaico das imagens, parece-nos ser José Cardoso Pires, sobretudo o de O Delfim. É dele que virá o modelo que Lobo Antunes tão bem cultiva dos fragmentos de acções, frases enigmáticas, diálogos em desentendimento, quadros perceptivos pouco  nítidos aglutinando-se em torno de um núcleo mítico-fabulatório, uma espécie de narrativa arcaica à qual se vêm juntar todas as fantasias, fantasmas e vivências. Tudo como se a dimensão afectiva desse núcleo perdido, apenas salvaguardado a custo e com imprecisão na memória, desencadeasse a intensidade da paixão e tornasse quase impossível o desenrolar seguro e aprazível da vivência e a sua fruição como realidade conquistada para a estabilidade do sujeito exactamente porque à nossa voz se opõe, perversamente, a voz do outro.

    É assim que a voz de Paulo evoca o que há de inquietante na sua situação: “Se pudéssemos conversar não importa onde/na casa da praia, os Anjos, o Príncipe Real, a cave/um lugar onde fôssemos não os fantasmas de agora, mas as pessoas de dantes, fantasmas vocês que perdi e fantasma eu que os procuro entre sombras falando-vos como falam os mortos…” (p.477). Evocação de uma casa, um lugar de origem, uma família em que se revelaram os primeiros gestos do afecto e os estados emocionais fundadores, o romance desenvolve-se como um percurso pelos labirintos da memória e da fantasia, pelo reconstruir dos mitos e pela tentativa da melhor interpretação da situações dramáticas para fazer regressar o seu herói, eventualmente Paulo, filho do erro e do equívoco – uma mãe afectivamente abandonada, um pai palhaço e travesti (não era Laios homossexual, segundo algumas versões do muthos?), uns pais adoptivos sem grandes rasgos de espírito, uma sociedade  despojada de ideais – a um humos original acolhedor.

    A narrativa, desse modo, não se assemelha a um cursor linear, partindo de uma necessária carência, para a busca de uma etapa final de reencontro e plenitude ou, pelo menos, para uma compreensão do que no Cosmo é um enigma. Quase ao contrário, do que se parte é do turbilhão fundador do discurso, da evocação dos mortos como inevitáveis personagens do pesadelo, dos entes perdidos como obsessivos adversários no percurso do sujeito que busca a elementar verdade em que assenta o seu ser, e que parece poder resumir-se numa pergunta: “de onde venho?”.

    person holding white book

    O fascinante é que o que se lhe apresenta nos labirintos da memória, independentemente de ser verdade ou fantasia, não passa do teorema da impossibilidade da sua origem em conformidade com os valores do humano: a mãe violada, pagando um favor e não desejando um filho, e um pai desqualificado como “paternidade”. Palhaço ou travesti, ora a paródia do homem ora a sua inversão sexual (Carlos? Soraia?), a imagem do pai só se inscreve socialmente na marginalidade ou na perturbante diferença.

    Recorrentemente são as franjas marginais que pautam o lugar da morte e o ritual do enterro do pai: os mulatos, os travestis, os palhaços, os cães vadios. Com a mãe anulada enquanto mulher não desejável, integrado na família insignificante dos pais adoptivos, lançado no mundo da droga, a voz que circula, fazendo emergir as outras – dos seus parceiros, entes queridos perdidos ou figuras ameaçadoras das instituições ou das sombras – o potencial protagonista só se pode exprimir pelo drama que monta sobre o fundo obcecante do terror de si próprio como morto: “falando-vos como falam os mortos e respondendo palavras minhas, não vossas, o que espero que digam sabendo  que não diriam desse modo, se pudessem contar-me o que não conheço e talvez prefira não conhecer, o que sucedeu antes do meu nascimento ou quando era pequeno demais para entender que sucedera e apenas me permito inventar, conforme as cartas antigas inventam o passado” (p. 477).

    E não será essa uma das forças maiores da ficção – ensinar-nos por entreposta experiência fantasiada como a nossa voz é inventada pela dos outros, voz pela qual nos criamos um eu mítico que só existe em plenitude ontológica como oposto aos outros que, até certo ponto, são fantasia nossa, tal como os delineamos pela nossa voz?  

    graffiti on wall during daytime

    No emergir confuso das vozes em multidão, delineando-se e desaparecendo, por vezes no mesmo enunciado, uma das grandes figuras que nos parece tutelar a encenação destas vozes que dizem, repetem, reformulam e desdizem os factos é o ruído. Ora, como nos ensina tradicionalmente a teoria da informação, o ruído é uma tendência de perturbação da boa circulação da mensagem mas, inversamente, é o modo pelo qual se intensifica a informação, a nível semântico, quando ultrapassamos o nível meramente tecnológico da comunicação e a emergência da ambiguidade se afirma como elemento importante na produção de sentido.

    Do ponto de vista da “boa clareza”, o ruído não deve existir: mas uma mensagem sem ruído corre, no entanto, o risco de se tornar transparente. No limite, não transmite informação, é imperceptível, por tanto repisar os elementos que a tornam redundante: o que é dito em acréscimo é exactamente igual ao que já foi dito. O ruído, ao contrário, concentra informação, na medida em que provoca um máximo de busca de conhecimento e uma quase perda dos apoios do reconhecimento.

    Estas considerações em que resumimos de modo simplificado algumas das consequências das teorias de Shannon e Weaver[ii], permitem-nos adiantar uma suposição sobre este labirinto de vozes, tal como ele é usado por Lobo Antunes. Dividiríamos, para melhor compreensão, essa suposição em dois horizontes de possibilidade: um afirmaria que aumentando a indeterminação semântica, pela multiplicação das vozes em antagonismo e contradição, a fábula – que se resume a um número muito pequeno de factos que residem numa história traumática (e mesmo clínica) de um jovem drogado – adensa-se como enigma e espaço de interrogação existencial e antropológico – resultando que uma espécie de enigma da vida e da morte surge no amontoar de repetições, contradições e sobreposições em que se nega o desenrolar da  intriga; o outro horizonte reforçaria o anterior pelo que dá de vislumbre de um dizer da multidão – não a vox populi, no entanto, mas antes a voz da massa, o acumular repetitivo do dizer ao qual já é indiferente a origem da fonte porque, se nenhuma é qualificada, todas se anulam – uma espécie de enigma do enunciar, uma vez que não é possível atribuir uma personalidade ao dizer.

    person smoking

    Ora, assim, o enigma desloca-se, curiosamente, do dito para o dizer como acto, e não tanto pelo sentido do enunciado, mas pela forma da entidade que formula. A suspeita que cultivamos, assim, como interrogação fecunda, é a de que a prática do ruído produtivo, a ambiguidade que instaura a dúvida como entidade heurística ou figura epistemológica em Lobo Antunes, não se processa tanto ao nível das distorções semânticas, como ao nível das distorções (ou ruídos) de enunciação. O que nele se torna central e dominante, sobretudo neste romance, não é tanto a inquietação do sentido, pela indeterminação, fragilidade ético-psicológica das personagens, ou mesmo a sua duplicidade, que as tornaria pouco dignas de confiança, como a inquietação do sentido pela complexidade e distorção das instâncias de enunciação. Não se trata mais de interrogar que tipo de verdade ou falsidade cada personagem comporta, sobretudo a partir da validade dos seus fazeres ou dizeres – trata-se, sim, de questionar a própria possibilidade de representar ou de meter em cena (encenar, no sentido mais forte do termo) a voz.

    Tudo se passa – para recorrermos ao exemplo do teatro e da semiotização do seu pôr em cena as personagens, dado o palco ser o lugar onde o encenar da voz é menos “equívoco” – como se as falas se deslocassem das didascálias a que pertencem e se infiltrassem nas que lhe são vizinhas e que, por vezes, numa lógica de empastelamento da presentificação cénica, as falas fossem produzidas pelos nomes das personagens às quais são dirigidas.

    Desse modo, a enunciação resvala, em muito casos, de um sujeito que aparentemente a suportava – que era o sujeito da enunciação, responsável, aparentemente, do dizer, seu garante “psicológico”, “epistemológico” e semântico – para o sujeito do enunciado ou mesmo para o vocativo da frase, passando a responsabilidade da frase a ser, também, do “ele”, de quem se fala, ou do “tu” a quem se dirige.

    black Corona typewriter on brown wood planks

    As consequências mais evidentes de uma tal prática – que sumariámos através das suas ocorrências mais notórias, omitindo as variações de registos de enunciação que já eram formulações típicas de Lobo Antunes e mesmo  procedimentos de narração similares dos autores que prefigurariam o seu cânone mais ou menos explícito (a que aludimos logo no princípio do nosso trabalho) – são, parece-nos: lançar uma opacidade significativa sobre o suporte mais evidente do discurso enquanto coerência lógica, inequívoca (ou unívoca – “univocal”, leia-se) e detentora de uma razão última das coisas; desenvolver uma cenografia do discurso romanesco onde a presença das vozes da narração e da narrativa se entrelacem numa evidência de fazer poético, sem que assista a nenhuma delas mais autoridade – no plano do conhecimento ou do interrogar dos enigmas  (de uma epistemologia, tal como a vimos conceptualizando aqui) – do que às outras; e uma reinscrição do autor no universo poético da própria criação, enquanto ser textual, que estabelece com a História e com o real uma relação problemática, muito mais inserido, como parte no enigma que dá sentido ao acto poético, na obra do que seu condutor. Surge, desse modo, muito mais como joguete do enigma do que como detentor de um saber que poderia pretender dissolver o mistério e retirar ao acto poético a sua dimensão inquiridora central.

    Acompanhamos aqui, inteiramente, o juízo de Maria Alzira Seixo formulado a propósito exactamente deste romance (embora com alcance para o conjunto da obra do autor – ampliação que, em linhas gerais, propomos de modo similar):

     “a questão autobiográfica só tem sentido se o traço que remete para a figura do escritor, para a sua circunstância ou para a sua experiência, criar uma interpelação  do texto em relação àquele que o lê,  e obrigar essa interpelação a seguir um caminho de conjectura  quanto aos labirintos da produção artística. Isto é: o que é importante, (no excerto do romance citado pela autora em que a voz ora se autonomeia Paulo – nome da personagem – ora António, nome do autor: António Lobo Antunes ) não é tanto que a personagem se nos comunique com o nome de António (…) mas que entre o nome da ficção, Paulo, e o nome do ficcionista, António, se crie uma hesitação de identificação (sobretudo num romance que tematiza a identidade), hesitação essa que é justamente o que faz ler um romance como «mundo possível», e que, na hesitação comungante entre o real (sensível, mas inapreensível) e o imaginário (apreensível, mas apenas sensível nos riscos que continuam a escrita e configuram a sua representação mental) do romance as imagens se desprendam para virem interferir com o real e o imaginário do leitor e com ele entrem em diálogo de problematização ou actuação do pensamento fecundante” (2002: 476).

    book lot on black wooden shelf

    Embora  o tratamento do autor se coloque como questão central na estratégia da poética de Lobo Antunes, o espaço epistemológico que ela abre, a este nível da enunciação, reformula toda uma concepção do tratamento do saber e do conhecimento a que a literatura aspira. Muito especialmente no romance, sobretudo quando as suas formas são inquietadas até ao limite, como é o caso das obras de Lobo Antunes e desta muito particularmente, o modelo de mundo possível aberto retoma com a extrema veemência o postulado do verosímil, tal como Aristóteles o colocou  na sua poética: não tanto como algo que se “concede” à literatura pela condescendência da filosofia (ou da metafísica, ou da epistemologia, como suas partes constituintes fundamentais) para o poético poder ter um direito de cidadania, mas como uma afirmação de valor, sendo o verosímil um importante processo de construção da verdade suprema, inteligível (aletheia), e não um equivocado percurso em concorrência com a verdade do logos racional (episteme).

    Ora, para que o saber se represente no literário, parece-nos, há um lugar que tem de ser minimizado, para que a ficção (a suspensão da descrença, que leríamos como o verosímil, neste caso) ganhe força, e a ambiguidade se instale como mecanismo epistemológico: o do centro detentor do saber final. Na filosofia, é ao “primeiro” Platão, concretamente ao de Íon, mas mesmo o de Crátilo, por exemplo, que temos de nos reportar, para percebermos quanto “Sócrates”, o primeiro, representa esse autor sem “autoridade”, que circula entre o seus pares, buscando a inteligibilidade que está para lá dos saberes. E é contra uma autoridade como a do segundo “Sócrates”, o da República (do primeiro livro em diante, dizem-nos os especialistas), que o romanesco de Lobo Antunes se formula. E é nesse sentido que pensamos residir a grande força da encenação das vozes em torno de um centro que todos partilham mas ninguém assume em plenitude de direito.

    Carlos Jorge Figueiredo Jorge é professor emérito da Universidade de Évora


    Bibliografia

    Bakhtine, Mikhail, 1970, La Poétique de Dostoievski, Seuil, Paris

    Jakobson, Roman, 1963, Essais de linguistique générale, Seuil, Paris

    Martinet, Jeanne, 1976, Chaves para a semiologia, Dom Quixote, Lisboa

    Seixo, Maria Alzira, 2002, Os romances de António Lobo Antunes, Dom Quixote, Lisboa     


    [i] Reportamo-nos aqui, evidentemente, ao uso que Bakhtine faz do termo polifónico   para falar das vozes do romance, sobretudo no de Dostoievski (cf. Bakhtine, 1970: 332-39)

    [ii] Sobre esta matéria complexa, de cuja dimensão paradoxal tiramos fundamentos para algumas explorações na ordem do poético, remetemos para os textos de Jakobson e de J. Martinet constantes na nossa bibliografia, nos quais apoiamos as nossas hipóteses. Considerando que pode ser “«ruído» tudo o que é responsável pelo malogro de um acto sémico” Jeanne Martinet (1976: 36) abre-nos a perspectiva para pensarmos quanto o poético e o literário vivem  exactamente do malogro do acto monossémico. E cremos estar correctos ao pensarmos quanto a compreensão do poético pelo ponto de vista da estilística deve às observações de Jakobson acerca da importância do “«barulho semântico»” (1963: 95), pelo que este  permite de “ambiguidades  ao receptor” que “caracterizam as ambiguidades da poesia e do jogo de palavras” (Jakobson, 1963: 94). Sem esse ponto de vista certamente que a famosa e fecunda “teoria” do desvio ou não existiria ou teria muito mais dificuldades em se sustentar.

  • Treason

    Treason

    Título

    Treason (2022)

    Género

    Drama: Thriller de espionagem

    País de origem

    Reino Unido

    Plataforma

    Netflix

    Criador

    Matt Charman

    Autores principais

    Olga Kurylenko; Oona Chaplin; Ciarán Hinds; Charlie Cox; Tracy Ifeachor; Danila Kozlovsky; Samuel Leakey; Beau Gadsdon; Simon Lenagan; Alex Kingston; Avital Lvova; e Adam James

    Nota

    4/10

    Recensão

    Estreou no final de Dezembro, a minissérie Treason, na plataforma Netflix. Criada pela mão de Matt Charman, escritor de êxitos como Bridge of Spies (2016) ou de series menos conhecidas do grande público como o policial Black Work (2015), Treason é uma trama de acção e espionagem contada em cinco episódios.

    É uma aposta interna da Netflix, por ser realizada por Louise Hooper e Sarah O’Gorman, que já tinham dirigido as séries The Witcher (2021), The Last Kingdom (2020) e, mais recentemente, The Sandman (2022), produzidas por esta plataforma.

    Nos principais papéis conta com um elenco de actores famosos como Charlie Cox – mais conhecido por ser o protagonista de Daredevil, uma outra série da Netflix – e o veterano irlandês Ciarán Hinds, actor com mais de quatro décadas de carreira, em que se destacam as participações no filme TheSum of All Fears (2002) e nas series Game of Thrones (2013-2015). Ainda podemos ver nesta série Oona Chaplin, neta do grande Charlie Chaplin, e a actriz ucraniana Olga Kurylenko.

    Treason é uma história de espionagem em torno de Adam Lawrence (Charlie Cox), subchefe do MI6 (serviços secretos britânicos), o chefe máximo Sir Martin Angelis (Ciarán Hinds) – a quem é dada o nome de código C – e a interferência de Kara (Olga Kurylenko), ex-espiã do SVR, serviços secretos russos.

    O jogo entre estas personagens faz com que que tomem atitudes e decisões que inexoravelmente as levarão a colidir até ao último momento. Para isso aparecem, ao longo dos episódios, personagens mais secundárias, mas ainda assim indispensáveis, que, por um lado, facilitam, e por outro obrigam a constantes adaptações dos jogadores principais.

    As linhas entre os heróis e vilões cruzam-se entrecruzam-se: Adam é perseguido pelo MI6 e CIA, à mistura, Kara ora é antagonista ora é assistente oficiosa de Adam, e Sir Martin parece saber e “C”ontrolar tudo o que se passa.

    Como habitualmente em séries deste género, e também como o seu nome indica, o enredo de Treason encontra-se cheio de traições e desconfianças, onde ninguém é o que parece ser. E até aqui tudo bem – até porque o carisma e profissionalismo dos actores consegue, numa primeira fase, disfarçar os lugares-comuns.

    No entanto, e devido ao formato que este serviço de streaming resolveu apostar – em que o complô é compactado –, o storytelling e arco das personagens é demasiado rápido. E assim os clichês sobrepõem-se ao elenco, os diálogos são pouco ou mesmo nada originais, e as reviravoltas nada têm de surpreendente. É tudo feito à pressa e, por isso, pouco mais há a acrescentar.

    Como exemplo máximo de cliché, e sem querer entrar em spoilers, destaca-se o papel da candidata a primeira-ministra Audrey Gratz (Alex Kingston) que, por ser uma mulher com possibilidade de poder, é lésbica. Um pormenor sem interesse para a história, mas ainda assim um enquadramento evitável.

    Em suma, Treason é de degustação tão rápida que, para quem é adepto deste tipo de dramas, poderá levar à regurgitação pela traição de uma série que tinha tudo para ser boa – com um autor de sucesso, realizadoras com créditos firmados e actores famosos com trabalhos anteriores bastante bons.

    Aquilo que se salva é mesmo o papel de Ciarán Hinds que, apesar deste tipo de pipoca fácil, consegue a espaços trazer alguma substância e profundidade à mimética entre o guardião da segurança nacional e o mal de todos os males.

  • Estante P1: Janeiro de 2023

    Estante P1: Janeiro de 2023

    Título

    Negro nunca mais

    Autor

    George S. Schuyler 

    Editora

    Tinta da China

    Sinopse

    A prodigiosa história de um estranho processo médico capaz de transformar a pele negra em pele branca, na América da década de 1930. Uma obra pioneira e cáustica de ficção especulativa, por um dos grandes autores do movimento Renascença de Harlem.

    A obra de George Schuyler não foi recebida sem polémica nos Estados Unidos. A sua imaginativa sátira era um ataque feroz aos mitos da supremacia branca. Mas o autor questionava também os equívocos da pureza racial e das identidades vistas como essências biológicas. Mesmo antes da publicação do romance, em 1931, Schuyler criticava a hipocrisia moral e o enriquecimento ilícito de alguns dos dirigentes do movimento conhecido como Harlem Renaissance ou do movimento chamado Nação do Islão defendido por Malcolm X. Schuyler foi acusado de traição à causa dos seus irmãos negros. […]Noventa anos depois da sua estreia, Negro Nunca Mais mantém uma pungente actualidade. Permanece intacta a relevância e susceptibilidade do preconceito racial como um assunto que não admite nem ambiguidade nem ligeireza. Uma coisa me parece certa: em muitas redes sociais de hoje George Schuyler seria ‘cancelado’ e a obra definitivamente censurada.“Mia Couto, no Prefácio

    Título

    A pele do tambor

    Autor

    Arturo Pérezx-Reverte

    Editora

    Asa

    Sinopse

    Faltam onze minutos para a meia-noite quando o sistema central do Vaticano é atacado por um vírus informático que divulga uma mensagem sobre uma igreja em Sevilha que “mata para se defender”. O enigma agita os serviços de informação, que se empenham como nunca em descobrir a identidade do hacker.

    Lorenzo Quart, padre “fiável como um canivete suíço”, parte com a missão de investigar a igreja envolvida na polémica e depara-se com uma realidade mais complexa do que esperava. Há o velho padre e o seu jovem acólito; a mulher adúltera de olhos cor de mel; a freira americana que está a restaurar as obras de arte da igreja; um banqueiro ciumento; três pitorescos bandidos; vários homens de negócios e até mesmo o arcebispo de Sevilha.

    Uma obra na qual pulsam o mistério e a intriga, a tensão dramática e as paixões humanas. A pele do tambor é um testemunho do amor de Pérez-Reverte pela Arte, a História, e a belíssima cidade de Sevilha.

    Título

    A mandíbula de Caim

    Autor

    Torquemada 

    Editora

    Lua de Papel

    Sinopse

    Seis assassinatos. Cem páginas. Milhões de combinações possíveis… Mas apenas uma está certa. Será que consegue solucionar o mistério?

    Em 1934, o autor das palavras cruzadas crípticas do jornal inglês The Observer, Edward Powys Mathers (conhecido pelo pseudónimo Torquemada), publicou um romance que é, ao mesmo tempo, um mistério policial e o mais difícil puzzle literário escrito até hoje. As páginas foram impressas numa ordem completamente aleatória, sendo no entanto possível – através da lógica e de uma leitura inteligente – ordená-las corretamente, revelando assim as seis vítimas de assassinato e respetivos assassinos.

    Até hoje, apenas três pessoas conseguiram resolver o mistério de A mandíbula de Caim: será capaz de se juntar à elite mundial dos amantes de puzzles literários?

    Título

    Vozdevelha 

    Autora

    Elisa Victoria

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Tem nove anos. Chama-se Marina, mas na escola tratam-na por Vozdevelha, porque nem sempre tem uma relação fácil com os da sua idade. Este verão em Sevilha, o primeiro depois da Expo’92, está a ser tão comprido e seco que ela não sabe se há de rir, se há de chorar; se quer que tudo mude ou que tudo fique na mesma.

    Porque, embora ainda brinque com bonecas, já folheia revistas para adultos, já sabe o que são beijos de namorados, já pensa na sua primeira vez com palavras que não se dizem em público. Porque tem a mãe muito doente e já se está a imaginar num internato, rodeada de freiras e órfãs – até a obrigaram a batizar-se para o caso de ser preciso. Porque o pai desapareceu há cinco anos e a sua melhor amiga é a avó, que lhe faz petiscos, a deixa ver televisão até às tantas, lhe fala da sua paixão por Felipe González, dorme na cama com ela e lhe costura vestidos de sevilhana ou às flores. Os desejos e os medos de Marina aparecem sempre misturados.

    Terno e autêntico, Vozdevelha é um romance fulgurante sobre uma criança muito inteligente num mundo às vezes tão estúpido e, ao mesmo tempo, um retrato nada condescendente dos habitantes das periferias e dos bairros operários da Europa do Sul no final do século XX. Como diz a escritora Elvira Lindo: inesquecível.

    Título

    Os órfãos do Führer

    Autor

    David Laws

    Editora

    Casa das Letras

    Sinopse

    Numa área industrial da cidade de Munique, durante a guerra, 27 crianças sozinhas, esfomeadas e amedrontadas escondem-se da Gestapo. Os pais foram mandados para campos de concentração e elas não têm para onde ir.

    Claudia Kellner, uma professora, descobre o grupo numa altura em que abriga em sua casa duas vítimas do regime que não têm para onde ir, arriscando a própria segurança para as proteger.

    Entretanto, Peter Chesham, um espião britânico, consegue introduzir-se no território do Terceiro Reich com uma missão ultrassecreta. No entanto, esta missão é posta em risco quando ele próprio descobre o lugar onde se escondem os órfãos.

    Se não abdicar da sua missão, esta acabará por ter consequências fatais para todos os que o rodeiam, mas se o fizer a Alemanha nazi poderá ganhar a guerra. Peter enfrenta por isso um dilema dilacerante: obedecer às ordens ou salvar as crianças.

    Acabará Peter por dirigir a operação de salvamento ou levará a cabo a missão com que saiu de Inglaterra?

    O que escolher poderá decidir o futuro da Europa.

    Título

    O rei traidor

    Autor

    Andrew Lownie

    Editora

    Casa das Letras

    Sinopse

    Com base em arquivos recentemente abertos, o biógrafo bestsellerseller Andrew Lownie, conta-nos a história das vidas fulgurantes do duque e da duquesa de Windsor, após Eduardo VIII ter abdicado do mundo da realeza – um mundo cheio de traição e deslealdade.

    Foi a 11 de dezembro de 1936 que Eduardo VIII, rei de Inglaterra, renunciou à coroa e seus correspondentes deveres por amor a Wallis Simpson, divorciada americana. Perseguidos por controvérsia e escândalo, apenas poderiam ser felizes para sempre com a abdicação de Eduardo. Mas será que foram?

    Esta biografia dupla revela a vida dramática dos Windsor após a renúncia ao trono, contando a história de um membro real afastado pela sua família e forçado ao exílio. Desvendando as tentativas nazis de recrutar o duque e as razões pelas quais o mesmo, como governador das Bahamas, tentou arquivar a investigação sobre o assassinato de um amigo próximo, esta biografia relata a história de um casal obcecado pelo seu estatuto, beneficiando financeiramente da sua posição, enquanto se retrata como vítima através da manipulação dos meios de comunicação social.

    Título

    Descobrimentos e outras ideias politicamente incorrectas 

    Autor

    João Pedro Marques 

    Editora

    Guerra & Paz

    Sinopse

    Irá Lisboa ter um Museu das Descobertas, como foi prometido, ou continuará essa promessa a ser travada pelo clamor dos radicais de esquerda? Irão esses mesmos radicais prosseguir a sua campanha de desinformação acerca do envolvimento de Portugal na escravatura? Continuarão a querer demolir alguns monumentos e estátuas, bem como alterar os livros escolares e a nossa linguagem do dia-a-dia? E como responderemos nós a essas e a outras pressões? Iremos resistir-lhes ou iremos ceder-lhes, modificando, por exemplo, os programas da disciplina de História do secundário para as satisfazer? Essas são algumas das questões levantadas e respondidas em Descobrimentos e Outras Ideias Politicamente Incorrectas. Este livro é um combate contra os apologistas e praticantes do pensamento politicamente correcto, que são os mesmos que têm aversão mental aos Descobrimentos e ao Império, e que flagelam Portugal com o tema da escravatura, esforçando-se por transpor essa flagelação para o nosso ensino secundário.

    Título

    8 regras do amor

    Autor

    Jay Shetty

    Editora

    Albatroz

    Sinopse

    Ninguém nos ensina a amar. Por isso, muitas vezes atiramo-nos para as relações munidos apenas da sabedoria adquirida através das comédias românticas e da cultura pop a que somos expostos. Mas não tem de ser assim.

    Jay Shetty não acredita que o amor seja um conceito transcendente ou uma coleção de clichés. Em vez disso, defende que há passos que podemos dar para o fortalecermos e para o vivermos plenamente.

    Inspirado na tradição védica e no conhecimento científico atual, o autor guia-nos pelo ciclo de uma vida a dois – os primeiros encontros, a partilha de casa, as vitórias e as derrotas – e mostra-nos como podemos evitar manter um relacionamento que não nos traz felicidade e como uma separação é também um recomeço.

    Com este livro absolutamente transformador, Jay Shetty revela que, se observarmos as oito regras do amor, seremos capazes de sentir um amor maior e mais puro – por nós mesmos, pelos outros e pelo mundo.

    Título

    Absalão, Absalão!

    Autor

    William Faulkner

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Absalão, Absalão! é considerada a obra maior de William Faulkner.

    Na dramática textura desta história do desenvolvimento e decadência da plantação de Sutpen’s Hundred, e da família que o demoníaco Thomas Sutpen trouxe ao mundo uma geração antes da Guerra Civil americana, ouvimos o lamento pelo esplendor perdido do Sul dos Estados Unidos. Desde a sua magnífica e corajosa criação, quando, com a ajuda de negros, o fundador da grande plantação aparece do nada para tornar suas aquelas terras e nelas construir a sua mansão, passando pela Guerra Civil e a destruição que causou, até aos monótonos primórdios do novo Sul, a narrativa é colorida pelo imaginário brilhante do autor e pela sua prosa mágica e poderosa.

    A história, com todas as suas ramificações, é cristalizada na cabeça de um parente desta estranha família, o jovem Quentin Compson, um estudante de Harvard. E, no final aterrorizador e abrupto, resta na casa em ruínas apenas o filho moribundo do seu construtor, uma velha negra que foi sua escrava e o idiota mulato que acabará por ser o único descendente direto do sangue Sutpen.

    Título

    Prática democrática e inclusão política: origens da clivagem ibérica

    Autor

    Robert M. Fishman

    Editora

    Tinta da China

    Sinopse

    A partir dos casos de Portugal e de Espanha, Robert M. Fishman, um dos mais destacados sociólogos políticos norte-americanos, propõe uma teoria inovadora sobre a amplitude da inclusão democrática, e retira conclusões sobre as democracias em todo o mundo.

    Prática Democrática analisa o impacto que a história política e cultural destes países teve no processo de viragem para a democracia e no modelo político que cada um adotou, com destaque para a divergência de pressupostos democráticos e de relacionamento entre os atores políticos. Com dados factuais minuciosos, Fishman evidencia as grandes vantagens que as democracias contemporâneas podem retirar de uma abordagem inclusiva, em que todos, incluindo os pobres e excluídos, saem beneficiados.

    Título

    A fera na selva

    Autor

    Henry James

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Um segredo une o casal de amigos John Marcher e May Bartram.

    Depois de se terem conhecido em Itália e passado dez anos sem qualquer contacto, um reencontro inesperado numa visita à mansão de Weatherend faz com que retomem a amizade que julgavam perdida. May irá, a partir de então, acompanhar as expectativas de John, que espera que um acontecimento raro e grandioso se dê na sua vida, e dispõe-se a esperar com ele. Um sentimento de amor implícito entre ambos atravessa toda a narrativa, cuja trama, passada na Inglaterra do final do século XIX, propicia ao leitor uma infinidade de interpretações sobre a real história de A Fera na Selva.

    Justamente considerada um dos momentos mais altos da obra de Henry James, esta novela devastadora e comovente aborda temas universais – o amor, a solidão, a morte e o sentido da vida – de uma forma admirável e inesquecível para qualquer leitor que se cruze com ela. Não é por isso de admirar que este pequeno texto seja um dos grandes clássicos da literatura de todos os tempos.

    Título

    A teia do Banif

    Autor

    António José Vilela

    Editora

    Casa das Letras

    Sinopse

    Em A teia do Banif, são reveladas histórias secretas do caso Banif através de centenas de documentos inéditos, escutas telefónicas e e-mails confidenciais — muitos deles dispersos em dezenas de volumosos inquéritos-crime. Uma viagem de 15 anos aos acordos de cavalheiros, ao tráfico de influências, aos offshores do dinheiro clandestino, às toupeiras na Polícia Judiciária e no Ministério Público, ao plano para dominar o primeiro banco português e aos bastidores das investigações judiciais portuguesas à elite política e económica angolana.

    Esta é a outra história de um banco maldito (e do Millennium BCP, BPI, BPA Atlântico e Eurobic e dos seus banqueiros) que terá lavado mais de 1,5 mil milhões de euros. E que acabou intervencionado e vendido pelo Estado português arrastando investidores privados e muito dinheiro público. Um caso que ainda hoje se encontra sob investigação da justiça portuguesa.

    Título

    70072: a menina que não sabia odiar

    Autora

    Lidia Maksymowicz

    Editora

    Porto Editora

    Sinopse

    Lidia Maksymowicz tinha três anos quando, em dezembro de 1943, entrou com a mãe no campo de concentração de Auschwitz-Birkenau, onde foi marcada com o n.º 70072. Durante treze meses, sobreviveu àquele inferno como uma das pequenas cobaias de Josef Mengele, conhecido como “o Anjo da Morte”

    Em janeiro de 1945, após a libertação, sai de Auschwitz na companhia de uma mulher polaca, que decidiu adotar um dos “órfãos” deixados num local repleto de cadáveres.

    É na casa desta mulher que Lidia vive e cresce. No entanto, a pequena sobrevivente não esquece o seu nome nem a mãe biológica: não deixa de acreditar que a mãe está viva, nem de a procurar. E, de forma quase miraculosa, as duas irão reencontrar-se, 17 anos depois.

    Do campo de concentração, Lidia recorda-se do silêncio necessário para sobreviver, sem poder sequer permitir-se uma emoção. Hoje, volvidos quase oitenta anos da sua prisão, dedica-se a preservar a memória do Holocausto, testemunhando “o que foi o Mal e que o Bem pode sempre prevalecer”.

    Título

    Retrato do artista quando jovem

    Autor

    James Joyce

    Editora

    Livros do Brasil

    Sinopse

    “Não continuarei a servir aquilo em que já não acredito, chame-se meu lar, minha pátria ou minha religião. E tratarei de exprimir-me em algum modo de vida ou de arte tão livremente como possa, tão plenamente como possa, usando para minha defesa as únicas armas que me permito usar: silêncio, exílio e astúcia.”

    Parte do tríptico a que pertencem também Ulisses e Finnegans Wake, Retrato do artista quando jovem aborda a formação espiritual do adolescente irlandês Stephan Dedalus e o processo de rebeldia em relação à rígida educação católica a que está sujeito. Se em Ulisses a descoberta se faz sobretudo pelo tempo, aqui é o espaço que representa o campo de exploração. 

    Dublin surge como a cidade labiríntica cujas ruas, pontes, passeios e portas simbolizam os meandros do subconsciente de um jovem incompreendido e magoado, em busca da sua liberdade. Inteligente, irónico e pleno de sensibilidade, este foi o primeiro romance publicado por James Joyce, em 1916, anunciando uma originalidade que marcaria para sempre a história da literatura.

    Título

    Tudo o que não precisa de saber sobre a vida

    Autor

    Jerome K. Jerome

    Editora

    Alma dos Livros

    Sinopse

    Um livro bem-humorado e divertido, que reflete (pouco) sobre o sentido da vida, o amor, a medicina, o trabalho, as crianças, as relações, as férias de verão, a boémia, a amizade, os afetos e as boas memórias dos tempos já idos.

    Tendo um ou dois amigos a quem mostrei o manuscrito destes textos considerado que os ditos não estavam mal de todo, e tendo alguns dos meus parentes prometido comprar o livro se ele um dia fosse editado, sinto que não tenho o direito de adiar a sua publicação. Não fosse esta exigência do público, por assim dizer, talvez não me tivesse aventurado a oferecer estes singelos pensamentos como alimento mental a todos os povos da Terra. O que os leitores esperam atualmente de um livro é que ele os melhore, instrua e lhes eleve o espírito.

    Este livro não elevaria sequer o espírito de uma vaca. Não posso, em toda a consciência, recomendá-lo como sendo possuidor de qualquer utilidade. Tudo o que posso sugerir é que o leitor, tendo-se cansado de ler “os cem melhores livros de sempre”, passe uma meia hora do seu tempo com este. Não voltará a ser o mesmo. Jerome K. Jerome é o autor do livro Três homens num barco que foi considerado pelo jornal The Guardian, um dos 100 melhores romances de sempre e, pela revista Esquire, um dos 20 livros mais divertidos alguma vez escritos.

    Título

    Bitcoin, blockchain e criptomoedas

    Autor

    Neel Metha, Adi Agashe e Parth Detroja

    Editora

    Alma do Livros

    Sinopse

    Por todo o mundo, as pessoas estão entusiasmadas com a blockchain e a sua tecnologia irmã, as criptomoedas (e entre elas, a mais conhecida, a Bitcoin). Milhões de pessoas, empresas de todo o mundo e governos têm investimentos em criptomoedas e estão a utilizar a tecnologia blockchain. A Bitcoin, a blockchain e as criptomoedas são já uma certeza e vieram para ficar.

    O famoso capitalista de risco Marc Andreessen disse que “A tecnologia blockchain é a invenção mais importante desde a Internet” e os analistas de todo o mundo acreditam que as criptomoedas irão revolucionar o dinheiro e a tecnologia tal como os conhecemos. 

    No meio da incerteza financeira mundial e da crise do setor bancário é impossível negar os benefícios que daí podem advir. A Bitcoin é hoje uma moeda global inovadora que permite, pela primeira vez, que um utilizador da Internet transfira um objeto único de propriedade digital para outro utilizador, de tal forma que a transferência seja garantida como segura e protegida, todos saibam que a transferência ocorreu e ninguém possa contestar a sua legitimidade.

    Se pudermos aprender o mais rapidamente possível como tudo funciona, como comprar, trocar e usar criptomoedas, melhor. O futuro digital vai rapidamente bater à nossa porta e a nós resta-nos saber como lidar e beneficiar com ele. Neste livro vai encontrar todas as respostas que precisa de saber e ficar inteiramente esclarecido sobre como será o futuro do dinheiro e a nova economia digital. 

    Título

    Os erros da História

    Autor

    David Mountain

    Editora

    Alma dos Livros

    Sinopse

    Como é construída a História? Quem definiu quais os acontecimentos mais relevantes? Quem interpretou os factos? Quem decidiu o que era realmente importante? E se aquilo que nos contaram for apenas uma parte, a versão dominante, resultante da lei do mais forte e contada apenas pelos vencedores?

    As histórias que contamos sobre o nosso passado importam. Contudo, essas histórias foram moldadas por fantasias, preconceitos e interpretações incorretas que deturparam capítulos inteiros da história real, apagaram protagonistas e forjaram civilizações.

    Os museus estão cheios de esculturas clássicas brancas, pois ao longo dos anos ignorámos as evidências de que, originalmente, foram pintadas com cores vivas. Os “homens das cavernas” não viviam em cavernas. A transição das sociedades nómadas para as sociedades agrárias não era inevitável nem aconteceu de um dia para o outro. Os povos “bárbaros” tinham, na realidade, complexos códigos de leis e costumes polidos. A Idade Média esteve longe de ser uma obscura idade das trevas. 

    Explorando alguns dos maiores mitos, mistérios e equívocos sobre o passado – desde os legados de figuras como Pitágoras e Cristóvão Colombo, às escavações arqueológicas que mudaram a nossa compreensão do nascimento da civilização -, David Mountain revela como as revoluções em curso na História e na Arqueologia estão, finalmente, a iluminar a verdade.

    Título

    A psicologia das massas

    Autor

    Gustave de Bon

    Editora

    Alma dos Livros

    Recensão

    O comportamento e a mente dos indivíduos quando estão em grupo é absolutamente distinto do seu comportamento quando agem e pensam isoladamente.

    Gustave Le Bon é um dos fundadores da psicologia social e neste livro introduz o importante tópico da psicologia do comportamento coletivo. A sua tese fundamental é de que o indivíduo sofre uma transformação radical quando imerso num grupo.

    A psicologia das massas foi publicado em todo o Mundo em edições sucessivas e tornou-se um clássico instantâneo, sendo traduzido em mais de 20 idiomas e aplaudido em todo o mundo. Algumas das ideias presentes neste livro tornaram-se evidentes, de forma bastante perturbadora, ao longo dos últimos anos: tais como o potencial autoritário latente em determinados estados e o processo global de redução da privacidade dos indivíduos.

    Neste livro é explicado o comportamento irracional das massas, a impulsividade e a pobreza da razão presentes numa multidão comum, e ainda o estado de hipnose frenética em que se encontram as pessoas em grandes massas humanas. É uma leitura altamente recomendada para qualquer pessoa interessada no estudo do comportamento social e humano, que deve necessariamente ser feita com espírito crítico, mas cujas ideias são, cada vez mais, dignas de reflexão.

    Um clássico essencial para compreender a natureza irracional dos humanos inseridos em grupos coletivos.

    Título

    O homem  sentimental

    Autor

    Javier Marías

    Editora

    Alfaguara

    Recensão

    Na História de Portugal, encontramos mitos para todos os gostos. Desde a escola náutica de Sagres que nunca existiu, ao pioneiro Viriato, que, em boa verdade, andou mais pela Andaluzia do que pela Serra da Estrela. Já para não falar da padeira de Aljubarrota, tão façanhuda como insubstancial.

    As inverdades e mentiras na nossa História são, elas próprias, uma história sem fim, que se estende até tempos bem mais recentes. Ainda hoje há quem acredite que, em 1975, Portugal esteve à beira de uma guerra civil e que só a vitória das forças democráticas no golpe militar de 25 de Novembro desse ano reconduziu o pais ao bom caminho.

    Só que esta tese é tão historicamente informada como dizer que Portugal começou com um filho a bater na mãe… Viajemos, pois, ao encontro dos mitos da Historia de Portugal.

    Título

    Conta-me como foi

    Autor

    Rui Cardoso

    Editora

    Casa das Letras

    Recensão

    Na História de Portugal, encontramos mitos para todos os gostos. Desde a escola náutica de Sagres que nunca existiu, ao pioneiro Viriato, que, em boa verdade, andou mais pela Andaluzia do que pela Serra da Estrela. Já para não falar da padeira de Aljubarrota, tão façanhuda como insubstancial.

    As inverdades e mentiras na nossa História são, elas próprias, uma história sem fim, que se estende até tempos bem mais recentes. Ainda hoje há quem acredite que, em 1975, Portugal esteve à beira de uma guerra civil e que só a vitória das forças democráticas no golpe militar de 25 de Novembro desse ano reconduziu o pais ao bom caminho.

    Só que esta tese é tão historicamente informada como dizer que Portugal começou com um filho a bater na mãe… Viajemos, pois, ao encontro dos mitos da Historia de Portugal.

    Título

    Conta-me como foi

    Autor

    Rui Cardoso

    Editora

    Casa das Letras

    Recensão

    Na História de Portugal, encontramos mitos para todos os gostos. Desde a escola náutica de Sagres que nunca existiu, ao pioneiro Viriato, que, em boa verdade, andou mais pela Andaluzia do que pela Serra da Estrela. Já para não falar da padeira de Aljubarrota, tão façanhuda como insubstancial.

    As inverdades e mentiras na nossa História são, elas próprias, uma história sem fim, que se estende até tempos bem mais recentes. Ainda hoje há quem acredite que, em 1975, Portugal esteve à beira de uma guerra civil e que só a vitória das forças democráticas no golpe militar de 25 de Novembro desse ano reconduziu o pais ao bom caminho.

    Só que esta tese é tão historicamente informada como dizer que Portugal começou com um filho a bater na mãe… Viajemos, pois, ao encontro dos mitos da Historia de Portugal.

    Título

    Conta-me como foi

    Autor

    Rui Cardoso

    Editora

    Casa das Letras

    Recensão

    Na História de Portugal, encontramos mitos para todos os gostos. Desde a escola náutica de Sagres que nunca existiu, ao pioneiro Viriato, que, em boa verdade, andou mais pela Andaluzia do que pela Serra da Estrela. Já para não falar da padeira de Aljubarrota, tão façanhuda como insubstancial.

    As inverdades e mentiras na nossa História são, elas próprias, uma história sem fim, que se estende até tempos bem mais recentes. Ainda hoje há quem acredite que, em 1975, Portugal esteve à beira de uma guerra civil e que só a vitória das forças democráticas no golpe militar de 25 de Novembro desse ano reconduziu o pais ao bom caminho.

    Só que esta tese é tão historicamente informada como dizer que Portugal começou com um filho a bater na mãe… Viajemos, pois, ao encontro dos mitos da Historia de Portugal.