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  • Maria Alice leva o seu grande amor à praia: Estremoz padece de stress

    Maria Alice leva o seu grande amor à praia: Estremoz padece de stress

    CARTAS DE AMOR

    Em Julho e Agosto de 2023

    Com 40 graus à sombra e luz de dia até às 22 horas

    Especialmente do PÁGINA UM para a SILLY SEASON dos seus leitores

    CLARA PINTO CORREIA traz-nos, em directo de ESTREMOZ

    UM FOLHETIM TÃO ESCALDANTE COMO O VERÃO NAS PROFUNDEZAS DO ALENTEJO

    Baseado, uma vez mais, numa história absolutamente verdadeira


    O cágado não sobe sozinho nas árvores, alguém o colocou lá.” Provérbio angolano

    Traduzido do umbundo Mbeu okulonda ko cisingi, omanu vakapako por José Eduardo Agualusa,

    in A EDUCAÇÃO SENTIMENTAL DOS PÁSSAROS (2011)


    “Sabes, Alexandre,” escreveu Maria Alice, absolutamente a propósito, “nunca gostei de usar sutiã, e ainda hoje evito o mais que posso entregar-me a usos foleiros e primitivos desse teor[1]. Aliás, tive sorte: são, de facto, usos de que, se não quiser, não preciso[2]. Por isso mesmo, na praia, também só não faço topless se não puder. E então imagino que, quando chegarmos lá, ali naquele banco de areia macia, ainda antes de se ficar fora de pé mas já longe que chegue da margem muito embora raramente lá esteja alguém aos dias de semana, sinto as tuas mãos nas minhas maminhas e me sinto tão feliz que só pode ser pecado.” Ao que ele respondeu, muito breve mas com toda a evidência sonhador, “Ah – mulher endiabrada.”

    Os olhos cor de mel de Maria Alice cintilam de sonho, de antecipação, e, ocultamente, também de orgulho[3].


    A praia a que se referiu naquela carta a esposa de António José é uma espécie de pequeno paraíso, entre os muitos que abençoam as cercanias de Estremoz. Chama-se Praia dos Montejuntos[4]. Não se indica aqui o itinerário uma vez que grande parte da graça deste oásis fluvial é o seu carácter quase secreto, mas sempre podemos ir adiantando que, para quem vem da cidade luminosa, levam-se cerca de quarenta minutos por estradinhas estreitas, quietas, quase desertas e muito belas. Este timing vale, sobretudo, para quem quiser ir saboreando bem o percurso, e – porque não – conforme comentaria Alexandre Noronha – parando – talvez – numa das aldeias mais promissoras que apareçam – nos acasos do caminho – a respeito da cerveja gelada, ou – quiçá – perante a loja encantada de artesanato – da qual – uma vez mais – se omite o nome – mas aqui antes por esquecimento do que por opção[5]. São estas paragens imprevistas, e toda esta lentidão, dentro de todo este silêncio, que vão tirando de cima dos mais derreados de todos os ombros os blocos mais duros e violentos do stress lisboeta.

    Depois, de repente, a estrada começa a descer. Dois anos depois da sua estreia, ainda está mesmo a cheirar a novo, tão bem alcatroada que apetece dizer antes alcatifada. E é durante essa descida, pelo meio da sombra, que aparece de súbito a grande oval de água cristalina, de um azul que fora de pé quase atinge a beleza do verde tropical e transparente, com toldos de palha, quase todos desertos. Para lá do estacionamento grande e simples levanta-se uma varanda de madeira imponente sobre a lagoa, parte envidraçada e parte a céu aberto: é o café-bar de óptimo gosto que Maria Alice também já descreveu ao seu grande amor, onde se servem óptimos pratos e petiscos de peixe e crustáceo de rio, e se congeminam misturas alcoólicas e sumarentas perfeitas, nomeadamente os mojitos que ela adora, com as limas arrancadas das árvores vizinhas e a hortelã criada ali mesmo.

    red and green all you need is love and mojitos neon sign

    Nunca mandou nenhuma foto deste esplêndido destino a Alexandre porque respeita o código não estipulado mas perfeitamente entendido de ambos: nada de imagens. Nestes dias loucos onde toda a gente filma tudo e manda para os antípodas à velocidade da luz, aqueles dois amantes que ainda não o foram enlaçam-se apenas por carta. Longas e bonitas cartas, como as de antigamente. Com suficiente conteúdo explícito para a chama arder toda a noite. Como por exemplo, durante os últimos dias, os detalhes que vão e vêm sobre tudo o que poderão, por fim, fazer debaixo de água.

    Maria Alice espera o seu amor para cumprir todas as promessas que já lhe fez para o primeiro dia na praia, mas entretanto arranjou coragem para lhe mandar o seu primeiro pequeno conto quase erótico, com a desculpa de estar a pedir um parecer masculino ao homem em quem mais confia neste mundo. A PANGEIA vai começar uma revistinha semanal com opinião, cultura, notícias, internacional, tudo englobando o mundo inteiro[6], mas tudo escrito por alguém de Estremoz. Os contos de Maria Alice entrarão na CULTURA, evidentemente. Alguém de Estremoz que se doutorou no Canadá e sabe escrever ficção. É bué fish, como ela gosta de dizer. O primeiro esforço é de três parágrafos, respeitando os dois mil caracteres com espaços decididos na reunião de redacção. Logo no primeiro parágrafo, um casal que, por razões ainda não explicadas, subitamente já não pode mais, encosta o carro numa berma à sombra e atira-se a um longo beijo vertiginoso até ser interrompido pela BT. Esse carro é um clássico estupendo, um Citroen DS verde-garrafa descapotável sem banco de trás, todo brilhante ao sol dourado do fim da tarde no Alentejo. E o casal, que é já de uma idade considerável, ia a ouvir o TOUTS[7] LES GARÇONS ET LES FILLES DE MON ÂGE em romagem de saudade.

    Maria Alice é capaz de jurar que ia apenas escrever no gmail  “Querido Alexandre, segue em anexo o tal conto que eu te pedi que comentasses.” Mas, ao reler o que fez, verifica – travessão – não sem alguma surpresa – que escreveu antes,

    Muito obrigada pela tua companhia das últimas semanas, Meu Querido Alexandre. Estou a agradecer-te muito a sério. A ternura das tuas mensagens aguentou-me viva quando vivia com fome e adormecia com sede, e deixou que entretanto todo este conto, que, agora sim, me faz feliz por ter conseguido escrevê-lo, se fosse montando frase a frase dentro de mim enquanto eu bulia inutilmente para satisfazer interesses que não são genuinamente meus.  E estou em crer que proezas destas só nascem mesmo de relações muito especiais: ainda nem te vi, e já permitiste um pequeno milagre dentro de mim, mesmo a meio de uma das piores travessias do deserto dos meus últimos tempos. Por favor, não deixes de surtir estes pequenos actos secretos de glória depois de eu te ver. Prometes[8]?

    Macbook Pro

    Mesmo do fundo do meu coração endiabrado

    Bloody Mary”

    Enfim, a notinha não está especialmente mal escrita. Se tiver erros de composição, pois bem: isso atestará que a escreveu de jacto e não a releu, pelo que sim, é verdade[9], levou o envio dos três parágrafos profanos a sério, numa de transa profissional.

    Alexandre também responde muito profissionalmente, logo a abrir com uma frase de vários travessões a indicar que o debate sobre a parte profana será melhor travado quando estiverem calmamente sentados no bar do tal paraíso fluvial que ela lhe descreveu tão bem, através de tão belas pinceladas impressionistas às quais só faltava – mesmo – o aroma. E, logo a seguir – “Oh! – Minha Querida Bloody Mary – Viveste tu no Québèc durante vinte anos!” – adverte-a de que TOUS (“de – TOUS LES GARÇONS etc. – romagem de saudade para mim – também!”) não se escreve com aquele segundo T que ela usou. No que ela concorda logo, só prova que nem reviu o texto, tanta pressa que tinha de pô-lo à prova perante os olhos dele[10]!

    O pior é que Alexandre também lhe faz ver, com aquele género de segurança que é muito característica dos homens quando abandonam a seca dos outros temas e se põem, finalmente, a falar de carros[11] – oh! Céus! –

    Alexandre Noronha, neste ponto, trava mesmo às quatro rodas: nunca – mas nunca – na vida – existiu um Citroen DS sem banco de trás. Todos eles tiveram – sempre – e ainda têm – um banco de trás.

    E aqui, incapaz de se remeter ao mero agradecimento da preciosa correcção, Maria Alice dá luta, sublinhando que aquele DS específico pode ter sido trabalhado na oficina do fabricante de belos clássicos para ficar sem banco de trás. É-lhe necessário este detalhe para o resto da história fazer sentido, a partir do momento em que aparece a BT. Suponhamos que o carro é da mulher, que aliás era quem ia a conduzir antes de mergulhar naquele beijo-ventosa que baralhou as suas pernas com as pernas do homem, e a fez tirar as mãos do volante para as conduzir num sufoco até outros lugares, muito mais quentes, já palpitantes: uma mulher seria capaz de pensar no detalhe de criar espaço para as compras do supermercado, o que a levaria a pedir ao tal fabricante de belos brinquedos que tirasse dali o banco de trás.

    Red and Black Car Die-cast Model on Ground

    Ah!”, rosna Alexandre Noronha de volta, na margem do sarcástico, agora quase ofendido. “Então tu prepara-te – Bloody Mary! Ao supermercado – com esse carro? Vão rir – de ti!

    E ela responde logo, com um sorriso fogoso,

    Meu Querido Alexandre, tu queres que eu me prepare? Mas eu já estou absolutamente preparada!

    Aqui deixemo-nos de brincadeiras e questionemos esta estranha diferença de curso nos últimos acontecimentos.

    A que será que vêm, de repente, todos estes inesperados pontos de exclamação? Inicialmente ainda seriam perdoáveis porque foram utilizados por Alexandre, grande e confesso admirador de Cesário Verde que não tem medo de ninguém. Quando se estende a Maria Alice, que nesses arroubos de entusiasmo é muito mais comedida, ainda podem justificar-se no âmbito da sua espécie ambivalente de discurso directo. Mas como é que é possível que cheguem, finalmente, a infectar até o discurso indirecto, ameaçando-o a qualquer momento, o grande tombo no mais puro dos ridículos?

    Por que é que havia de ser?

    Ah pois é.

    Pois é.

    É que já não falta nem uma semana para chegar o primeiro dos cinco dias em que combinaram que Alexandre Noronha viria a Estremoz visitar a sua Bloody Mary, e a sua Bloody Mary já tratou de todos os detalhes de que podia tratar com antecedência, além de que já pensou em todos os outros. De manhã cedo, sentada à mesa da cozinha a tomar o seu primeiro café enquanto volta a debater com a leal Josefa a questão do que servir ao pequeno-almoço, Maria Alice só tem vontade é de recomeçar a roer as unhas.

    Como dantes.

    “A menina não brinque com o fogo e não esteja sempre a dar essas dentadinhas nos dedos,” sorri-lhe a Josefa, atenta e compreensiva. “Olhe que eu ainda me lembro de si com dezoito aninhos, quando apareceu aí toda fresquinha e morenaça, feita namorada daquele Figurão da Orada, lembra-se?, e era quando levava a égua dele aos concursos de salto, e ganhava aquilo mesmo nas barbas dos homens, ena pá, a gente, nós-as-mulheres, a gente quase que chorávamos! Olhe que eu lembro-me muito bem. De vez em quando ainda tiro as suas taças todas daquele baú lá de baixo, para as arear como deve de ser. Até devíamos pô-las num sítio qualquer onde este seu doutor dos olhos azuis as visse, assim como quem não quer a coisa, sei lá, púnhamos no seu escritório, mas isso a menina é que sabe, agora escute. Eu lembro-me do menino António José sempre por aí a farejar mal a menina aparecia, sempre a dizer ‘acredita em mim, Josefa, vais ver que eu roubo a miúda ao Conde, olha que vais ver que eu lha roubo mesmo, olha que temos muito cavalo em comum e ela rói muito as unhas, deve precisar de um homem que a sirva melhor do que aquele atrasado mental que engoliu o garfo e diz que comprou o título mas foi, ainda por cima este ano os toiros dele são bravos demais e o Conde anda com umas trombas que ninguém chega perto, a miúda precisa é de quem lhe cante ao ouvido e a leve a umas boas festas de gente rija, aquelas africanas foram todas feitas para rir e gozar bem a vida, eu é que sei dar-lhe o que ela quer, eu é que tenho o que ela precisa de ter,” e eu “ai o menino deixe-se de loucuras, não vá cruzar-se no caminho do Senhor Conde e partir de desgosto e de vergonha o coração da sua Mãe,” e ele sempre a rondar, sempre a dizer ‘tu vais ver, Josefa, tu vais ver’, e vai daí, qual não é o meu espanto quando naquela manhã a menina me entra quase nua pela cozinha adentro, perdeu-se no corredor à procura do duche que na altura só havia cá um, ainda se lembra? Claro que lembra! Pois se ainda hoje a menina anda pela casa quase nua! E a Mãezinha do menino, que já tinha falecido nesse dia, que pena! Para acabar tudo em casamento pronto, com o casamento ela ficava feliz, não casou ela mas casou o filho por ela e fez-se justiça![12] Pois é verdade que a menina, nessa altura, até mesmo no dia do casamento em que foi toda de branco com aquela cauda de vinte metros de bilros mas com essas suas lindas pernas que mais todas de fora não podiam estar, pois era, e mais aquele decote que as gordas até deram gritinhos, vieram as Lelas cá para fora fumar e tudo, então mas então, tu queres ver que a moça vai mesmo casar sem sutiã, e o que eu ia dizer era que com aquela caloraça a menina ia toda descascada mas ia de luvas, e só tirou as luvas quando foi para ele lhe meter a aliança, e nessa altura já tinham cantado os dois um para o outro, lembra-se?, e já toda a gente chorava e portanto ninguém via, mas eu vi. É que a menina sempre teve uns dedos lindos, mas trazia sempre as unhas todas roidinhas até ao sabugo, era mesmo uma pena. E vai daí eu não sei o que é que fez no Canadá para voltar de lá com elas tão lindas…

    Então, ó Josefa! Isto são unhas de gel, não se vê logo?

    Pois muito bem, e então agora a menina vai pôr-se para aí a roer umas unhas de gel, por algum caso[13]? Por isso tire mas é os dedos da boca que ainda fica mas é sem eles. Ai! Credo! Mas que tonta![14]

    Person Wearing Gold Ring and Blue Manicure

    Maria Alice afunda-se em trabalho para não permitir ao tempo que passe devagar. Trata seriamente da horta para ter a certeza que não deixará os seus braços desenvolverem um mínimo indesejado de flacidez. Bronzeia-se pouco porque já está muito bronzeada e, sobretudo, porque de momento não tem qualquer paciência para ser observada seminua por qualquer conterrâneo. E, no entretanto, deixa todas as peças de roupa que utiliza, com os seus diferentes perfumes, ficarem por cima das cadeiras, da cama, e mesmo do chão, em total desalinho. A atitude subjacente carece de qualquer explicação para quem conheça um mínimo de psique masculina.

    Quando Alexandre, finalmente, lhe bate à porta, com um ramo de flores fantástico em cada mão, o PC ao ombro, e a mala para cinco dias a assomar de dentro da caixa do espectacular BM cinzento estacionado junto ao portão, Maria Alice, a estoirar de romantismo, puxa-o para dentro, fecha logo a porta, encosta-o à parede, nem o deixa falar, e espeta-lhe com um linguado monumental[15].

    Alexandre retribui, mas é evidente – mesmo para a mulher apaixonada – que não estava à espera daquilo. Ah, pois, pensa ela em pleno beijo, sem deixar de saborear a presa. Os homens, coitados. Sentem-se logo postos em  causa se não forem eles quem dá o primeiro passo.

    E portanto, muito caritativamente, deixa-se ela própria deslizar para a parede fronteira à dele, e dali faz o seu primeiro e autêntico sorriso, rasgado e doméstico, ao seu grande amor. E sussurra-lhe, apenas,

    Bem-vindo ao lugar mais tranquilo do mundo…

    faz sabiamente uma pausa para respirar fundo, e acrescenta, apenas,

    “… querido parceiro das mornas.

    A situação lá se recompõe com esta referência ao passado, permitindo a Alexandre, por seu turno, sorrir-lhe, passar-lhe a mão pelo ombro, e murmurar, quase assombrado,

    Bloody Mary – como os anos te trataram bem…

    Alexandre está demasiado crispado para conseguir continuar logo, mas os gestos destinados a ir buscar a mala dos cinco dias compram-lhe o tempo de que precisa para ainda acrescentar, pousando a mala no chão, agora do lado de dentro da porta, que volta a fechar-se, desta vez impelida pela sua própria mão,

    “… querida parceira das noites na praia.”

    a person holding a baby

    Maria Alice, a extuar de energia[16], agarra-lhe na mala dos cinco dias como se ela não tivesse peso e leva-a ligeira pelas escadas acima, até à porta do quarto. Ele segue-a com alguma hesitação, talvez ofuscado pela luz da rua ao entrar na penumbra do corredor. Ela agora dá-lhe só a mão, com muita gentileza para não voltar a espantar a caça, mas com a preocupação de garantir que ele não esbarra em nada pelo caminho. E é assim, com um murmúrio sobre a tal bica muito curta que jurou oferecer-lhe logo à chegada, que o conduz até à cozinha, sempre a divisão mais fresca da casa.

    Josefa,” diz Maria Alice, sem esconder minimamente a sua felicidade, “antes de mais nada, queria apresentar-te o nosso hóspede dos próximos dias, este meu querido Alexandre de quem te falei tanto.

    Ai que o Senhor Doutor veio mesmo visitá-la!”, exclama a velhota, também ela com um sorriso feliz – e, acto contínuo, avança para o visitante e dá-lhe dois beijinhos, que ele retribui com alguma atrapalhação. “Ah,” continua a fiel empregada, “o Doutor não sei, porque nunca o vi antes, mas a menina, olhe, a menina eu digo-lhe já, de repente ficou dez anos mais nova. Valha-nos Deus, que fazem mesmo um lindo casalinho. Deixam-me tirar-vos uma foto, destas do telemóvel?”

    Desde que não ponhas no teu Instagram…

    “Ai menina, não brinque comigo, eu sei lá mexer naquelas porcarias que a menina aqui meteu!”

    E assim, enquanto abafam risos, fazem os dois algumas poses amorosas para o telefone da Josefa, que depois desaparece a cantarolar o FADO ERRADO pelo corredor fora[17]. Apesar da frescura da cozinha, Alexandre tem a testa suada, mesmo depois de, a convite de Maria Alice, se sentar e apreciar a tal bela bica muito curta, acompanhada por um copo alto com água muito fresca, e por um prato do Zé Carlos Rodrigues, onde um pavão sóbrio acabou de abrir o caleidoscópio da cauda,[18] com três queijadas de requeijão fresquíssimas, chegadas há meia hora da FOLIA AIROSA[19].

    Se calhar,” diz a antiga menina das noites na praia, “devia pedir-te desculpa pelos excessos da Josefa. Ela bem se calava, mas tinha estampado na cara que não via a hora de tu apareceres cá em casa. Eu aprendi contigo que nunca é tarde para se ter um futuro feliz[20]. E depois ela aprendeu isso mesmo comigo. E sabes, para uma mulher esta é uma aprendizagem tão grande, tão importante, e sobretudo tão boa, mas tão boa, a sério, tão boa e tão boa, que vira facilmente os mais simples do avesso. Escusas de perguntar se EU, que não sou tão simples como a Josefa, fiquei indiferente. Sabes muito bem que não fiquei. És a única pessoa no mundo que conhece o meu coração. E ainda me custa acreditar que vieste mesmo ter comigo.”  

    red ceramic bowl on gray spoon

    Alexandre Noronha agarra finalmente numa das queijadas de requeijão. Dá-lhe uma dentada, sorri, e acena aprovadoramente.

    Então eras mesmo tu,” comenta em voz baixa, como quem partilha um segredo.

    Era mesmo eu?”

    Por favor, não fiques zangada comigo. Mas cresceste tanto, nestes vinte anos de ausência… A tua maturidade, a tua segurança, a tua disponibilidade emocional… a qualidade da tua escrita… cheguei a temer que fosse outra pessoa quem escrevia por ti, e aqui em casa estivesse outra vez a miúda que falava comigo na praia, à noite, em Santiago. Por favor, não fiques zangada. Mas é que não escrevias como a miúda de que eu me lembrava.”

    Foi com essa miúda que tu vieste ter hoje?

    Alexandre acabou a primeira queijada, e ataca imediatamente a segunda, sem disfarçar a sua gula. No piloto automático, Maria Alice tira-lhe mais um café curto e faz cair mais cubos de gelo directamente da porta do frigorífico para dentro do jarro da água.

    Não,” responde-lhe Alexandre, muito sério. “Vim ter contigo sem saber quem és.

    Então é bom e eu fico muito feliz,” sorri ela. “Porque eu também não sei quem és.

    Senta-se à frente dele ainda dentro daquele sorriso, e ainda acrescenta,

    “… mas és um gajo que ainda vai devorar a terceira queijada de requeijão que a Josefa foi buscar ao Pelourinho de propósito para ti, ou não és? Adoro pessoas com verdadeiro apetite. E isto de não nos conhecermos parece saído direitinho das fantasias eróticas daquela senhora da tua idade que ia no DS verde-garrafa. Além disso…” – pousa, pela primeira vez, a sua mão delicada, de dedos compridos e unhas discretas, em cima do punho cerrado dele – “… agora temos imenso tempo para voltarmos a conhecer-nos. Começar de novo é sempre um bom princípio. Não é?”

    Claro que é.

    Alexandre deixou ficar a mão delicada de Maria Alice em cima do seu punho cerrado, cheio de veias salientes, que agora se vão distendendo muito devagar.

     Mas continua com um vago tique nervoso nos cantos da boca.

    E, pronto. Já mudou de posição, e já tirou a mão.

    Tudo bem, na realidade foi ele quem saiu da sua zona de conforto e se meteu à aventura pelas autoestradas, da porta do seu escritório futurista em Lisboa até à porta de uma vaga memória de juventude que foi parar a uma cidadezinha desconhecida agarrada a um castelo.

    Ou até talvez esteja tenso por motivos ainda mais simples do que aquele.

    Talvez tenha medo de cães.

    Sobretudo de cães grandes.

    Há que ver que o Júnior não pára de inspeccioná-lo desde que ele se sentou na cozinha, e os Leões da Rodésia são sempre cães impressionantes para quem está sob a sua observação pela primeira vez. O Júnior não é minimamente agressivo, mas também não mostra qualquer alegria.

    Por decisão imediata e unilateral de Maria Alice, o cão fica em casa.

    Alexandre entra com a mala na suite de pé direito altíssimo e tectos decorados a gesso, com os seus grandes janelões virados para a horta, diz “tens razão, isto é lindo”, leva os calções e o nécéssaire para a casa de banho, acrescenta “é mesmo como dizias, a pessoa aqui pode esquecer-se de tudo, até do seu próprio stress,” depois do que fecha a porta atrás de si e trata de encher os minutos seguintes com alguns ruídos próprios de estar ali dentro um homem. Por fim, quando sai, lá faz o favor de comentar, observando o desalinho em que Maria Alice foi deixando toda a sua intimidade perfumada nos últimos dias, “adoro este teu caos, Bloody Mary.

    Grayscale Animal Nose

    Ela sorri, atreve-se a piscar-lhe o olho, tem a impressão de que ele não gostou daquelas frivolidades, é como tudo o que acontece, pensa ela, não deixa de ser estranho, já que, trocadas tantas cartas, tudo o que acontece parece estar sempre a acontecer cedo demais. Mas bem, deixa cair. São os homens, não é?

    Deve ser.

    Os homens precisam sempre de mais tempo. Os homens precisam sempre de mais espaço.

    Ó criatura, relaxa. Eu dou-te todo o tempo e todo o espaço que tu quiseres.

    Já na praia, bebem por fim os tais mojitos deliciosos de tanta frescura, e petiscam tirinhas fritas de peixe do rio, que mais frescas também nunca poderiam ser. Estão instalados principescamente[21]  no tal restaurante de madeira que forma uma varanda por cima do mar e continua tão lindo e tão calmo como sempre. Alexandre, finalmente, fala muito. Depois de falar muito do seu stress, recomeça a falar muito de trabalho. Como que acordado de um sonho, faz-lhe também a ela muitas perguntas de trabalho, um pouco como já vinha fazendo no carro. Como montar um belo estaminé de software alternativo, promoção da cultura, e apoio ao domicílio, mesmo no meio de parte nenhuma e por enquanto sem patrocinadores, isso sim, a coragem e a genica – e a estaleca[22] – da sua Bloody Mary para se sair tão bem de uma aventura dessas parece-lhe fantástica, e talvez possa ajudá-la nos labirintos do mecenato, que remédio tem ele senão conhecê-los muito bem e muito por dentro, oh, o stress que é sempre, todos os dias, essa questão da publicidade.

    E este teu estaminé, sabes, este bar, este peixe, estas bebidas, esta praia, isto é fantástico[23]. A pessoa passa aqui dois ou três dias e até se esquece de que o stress existe.

    Sempre que diz isto, como quem compõe cuidadosamente um poema, Alexandre Noronha rememora, logo a seguir, o tempo em que os dois se conheceram em Cabo Verde.

    Também não existe stress em Cabo Verde, menina.

    De cada vez que ela lhe agarra na mão por cima da mesa ele repete o número da cozinha. Não protesta, mas não demora nada a inventar um pretexto para mudar de posição. “Isto passa,” pensa ela. “É tudo do stress.”


    Leia também o Episódio 1, o Episódio 2, o Episódio 3, o Episódio 4, o Episódio 5 e o Episódio 6 do folhetim de Verão do PÁGINA UM da autoria de Clara Pinto Correia.


    [1]Teor.” Não é para qualquer um. Esta questão nem se discute: a esposa de António José sabe escrever muito bem.

    [2] Claro que é absolutamente discutível se seria mesmo necessário inserir aqui uma frase de teor assim tão explícito, mas enfim, dê-se-lhe o devido desconto. Esta mulher está agora perdidamente apaixonada, e escreve para um amante epistolar que ainda não o foi de corpo inteiro. E esta sim, esta é que é mesmo uma linda elipse, “ainda não o foi de corpo inteiro.” Ena pá.

    [3] O adjectivo “endiabrada” (ou “endiabrado”, como por exemplo na frase de há três dias antes “o meu coração está endiabrado no segredo do meu peito”) é uma pérola de cultura sua, que o seu correspondente já começou a entalar de empréstimo entre travessões. Haverá, porventura, melhor prova inconsciente de amor e respeito?

    [4] Também conhecida pelo nome mais finaço de Praia Fluvial de Azenhas d’El-Rei, ou pelo nome mais preciso de Praia Fluvial do Alandroal.

    [5] Talvez. Lá mais para o fim da frase, se tenha instaurado algum baralhanço entre os travessões. Mas tais fragilidades são inevitáveis no discurso indirecto. Como já sabemos, os travessões são o ponto de honra epistolar de Alexandre Noronha, e de mais ninguém.

    [6] A Pangeia que existiu antes de se separarem os continentes, lá está.

    [7] Escrito assim mesmo, em galharda competição contra o corrector ortográfico.

    [8] Maria Alice não é parva, e trata rapidamente de assinalar que este ”Prometes?” é absolutamente retórico utilizando um emoji adequado ao efeito. Escolhe uma carinha desconfiada, a meditar de mão no queixo e sobrolho franzido. Sobrolho.

    [9] Mentira! Claro que é mentira! Claro que a leu e releu vezes e vezes sem conta, e que a retalhou, a modificou, a encurtou, até a notinha não poder ficar melhor sem parecer suspeita para notinha. Mas, francamente – qual é? Há azar? Não mentimos todos, homens e mulheres minimamente educados, no que toca a rever cuidadosamente o que escrevemos, antes de expormos as nossas grandes habilidades estilísticas ao escrutínio seja de quem for? Não é verdade que vai sempre existir um escrutínio, nem que mais não seja porque deixou de existir privacidade? Então vá, saiam de cima. Esta mentira nem sequer é assunto.

    [10] Aaaaah, gaita! Desde os vinte anos que meto água nesta porcaria de tous ter ou não um segundo t. Para que é que me armei em boa? Ia a correr salvar o meu pai da forca, por algum caso? Era só passar ali com o corrector ortográfico francês. Ah! Raios me partam! Raios me partam! Isto nunca mais pode voltar a acontecer!

    [11] Carros é diferente. Não é futebol. Futebol tem treinadores, tem prima-donas, tem penalties, agora ainda por cima tem o VAR, enfim, tem um sem-fim de potenciais discordâncias subjectivas que podem sempre, a qualquer momento, armadilhar as opiniões de um gajo. Carros não. São valores seguros. Só há estas marcas. Só há estes motores. Só há estes anos. E toda a gente sabe em que é que o diesel difere da gasolina. Um gajo que perceba de carros pode falar à vontade, e até pode fumar uma cigarrilha ao mesmo tempo, porque nunca é apanhado em falso.

    [12] Referência óbvia a outro folhetim que não este, passado noutros tempos, em que a Mãezinha do Menino António José deve ter vivido uma paixão ardente com o Pai deste infame Conde da Orada que cria toiros demasiado bravos, ficou porventura desonrada quando se deixou levar atrás de promessas vãs, pois claro que o Pai deste Figurão roeu a corda para se casar antes com uma espanhola muito rica e a única coisa que salvou a pobre senhora foi a dedicação que lhe tinha o pequeno contabilista das alfaias agrícolas e terras de cultivo. Ora, na geração seguinte, roubando a namorada ao filho da puta que é filho do outro filho da puta, faz-se uma magnífica justiça poética, e a história é mais ou menos esta. Toda a gente em Estremoz a conhece.

    [13]Por algum caso” é uma forma local de enfatizar perguntas absolutamente genial. Para usar com a merecida frequência.

    [14] Ao usar – também ela – não apenas um, mas mesmo uma boa dezena de pontos de exclamação de seguida, a velha Josefa permite-nos compreender que – também ela – pode muito bem ficar calada, mas a verdade é que já está que não pode nem ver a hora em que o grande amor da sua Maria Alice vai finalmente entrar ali por aquela porta.

    [15] Em grande medida, está a reproduzir o comportamento observado, no tal primeiro parágrafo do tal conto profano destinado à tal revista semanal digital da PANGEIA, pela tal mulher que vai a guiar o tal DS descapotável verde-garrafa, sem o tal banco de trás para poder transportar as compras do supermercado.

    [16] Extuar. Quanto à energia, escusado seria dizê-lo mas enfim, é aquela forma especial de energia que nós só podemos ir buscar ao amor.

    [17] Mais especicicamente, Josefa volta a demonstrar que a sabe toda, escolhendo, como quem não quer a coisa, a passagem “… quem me dera/ ter outra vez desenganos/ ter outra vez vinte anos/ para te amar outra vez…

    [18] Um dos melhores e mais sofisticados artistas locais. A sua loja e galeria, BONECOS DE ESTREMOZ, situa-se mesmo no centro da cidade, na Rua 5 de Outubro.

    [19] Recorde-se, que não se perde nada: não há um único tasco velho em Estremoz onde as queijadas de requeijão não sejam deliciosas. As do novíssimo espaço FOLIA AIROSA, numa das esquinas do Largo do Pelourinho, levam um toquezinho de limão e constituem uma inovação inesquecível. Inovação inesquecível. Bravo.

    [20] Trocadilho brilhante, improvisado mesmo ali na hora, sobre o velho lugar-comum “nunca é tarde para se ter uma infância feliz”. Se Alexandre Noronha conseguiu divorciar-se “mas ainda não consigo falar-te disso, temo que toda a perversidade do mundo me engula se mencionar sequer o nome dela”, ela também o conseguirá, certamente. No futuro. Na hora de ser feliz, para que a Josefa também o seja.

    [21] Foi ele que disse, simpático: “principescamente”. Mas podia estar só a sublinhar serem os únicos frequentadores do tal “espaço”. Se foi isso, felizmente, Maria Alice não fez conta.

    [22] Ok, mesmo omitindo coragem, admitamos que a redundância de genica e estaleca vem do amor ao ênfase que se obtém por escrito com travessões e que, oralmente, há que procurar de outra forma. Ou que não existe redundância no uso consecutivo dos qualitativos genica e estaleca, ou que, pelo menos, não existe quando a pessoa repetiu muitas vezes a mesma ideia. Ou que nada disto conta quando a pessoa está apaixonada!, meus senhores!, já que deve ser esse o caso, e Maria Alice encontrou satisfações perfeitamente legítimas para todos os outros.

    [23] É verdade, trata-se do segundo “estaminé” de Alexandre. Mas tudo o que segue será também uma repetição, e – por agora – ele já não tem muito tempo.

  • Maria Alice mente: Estremoz pede-lhe mais

    Maria Alice mente: Estremoz pede-lhe mais

    CARTAS DE AMOR

    Em Julho e Agosto de 2023

    Com 40 graus à sombra e luz de dia até às 22 horas

    Especialmente do PÁGINA UM para a SILLY SEASON dos seus leitores

    CLARA PINTO CORREIA traz-nos, em directo de ESTREMOZ

    UM FOLHETIM TÃO ESCALDANTE COMO O VERÃO NAS PROFUNDEZAS DO ALENTEJO

    Baseado, uma vez mais, numa história absolutamente verdadeira


    O cágado não sobe sozinho nas árvores, alguém o colocou lá.” Provérbio angolano

    Traduzido do umbundo Mbeu okulonda ko cisingi, omanu vakapako por José Eduardo Agualusa,

    in A EDUCAÇÃO SENTIMENTAL DOS PÁSSAROS (2011)


    Maria Alice mentiu a toda a gente ao descrever Alexandre Noronha enquanto antigo namorado da adolescência, mas isto é mesmo assim, meus amigos,

    toda a gente mente[1],

    e,

    se vamos mentir,

    que seja por uma causa gloriosa,

    como por exemplo a causa de um grande amor que tivemos em meninas e depois nos escorreu entre os dedos como a água do mar[2].

    É assim mesmo que Maria Alice descreve a sua mentira inocente na carta que escreve nessa noite ao seu Alexandre, que responde logo, naquele seu estilo – conceda-se – elegante e – sempre – sem esforço, implorando – de joelho no chão, querida Bloody Mary – que, já que – nos seus sonhos – foram os dois, em dias mais simples – e de maior leveza – miúda gira – dois namoradinhos destinados a amarem-se para sempre – então agora deveriam – mesmo – deixar-se de – chamemos-lhes assim – cortesias[3] – e retomar o seu antigo – e despreocupado – tratamento por tu.

    Maria Alice responde logo, a mordiscar os lábios cheios e brilhantes,  com uma chama a cintilar dentro dos seus olhos cor de mel,

    Olha que, realmente, a escrevermos um ao outro desta maneira, até parecemos mesmo dois namorados do tempo em que nem sequer havia internet, e as pessoas escreviam umas às outras verdadeiras cartas de amor.

    Ao que ele responde logo de seguida:

    Eu ficaria tão feliz…

    E, na manhã seguinte, Maria Alice repara que por baixo – Alexandre Noronha – num tumulto – provavelmente como ela – ainda acrescentou,

    Agora que nada me prende – e que tudo posso…


    Claro que a história do namoradinho que antecedeu a António José – e se António José roubou aquela mulher linda ao Conde da Orada, então é porque o namoradinho também antecedeu o Conde da Orada – [4]não ficou – nem um só dia – limitada ao pequeno círculo dos foliões que foram à noite praticar skinny dipping nas lagoas da pedreira. À hora do almoço do dia seguinte estava demasiado calor para alguma coisa se mexer, incluindo a alma da mais santa pessoa de Estremoz. De maneira que todas as amigas de Maria Alice, e imensas amigas dessas amigas, deram um grande prazer à Josefa, que tinha tirado do forno nessa madrugada um bolo de noz delicioso[5], e ao Júnior, que adorava ajuntamentos de mulheres porque, ao contrário dos homens, todas o consideravam adorável e lhe passavam empadas inteiras por baixo da toalha enquanto a dona fazia vista grossa. O atelier da PANGEIA era grande, confortável, com uma vista muito agradável para o jardim ao fundo da qual se via o chuveiro da horta, várias cadeiras reclináveis com mesinha de dobrar incorporável… e, benção sublime entre todas, um óptimo ar condicionado.

    walnut, nuts, chocolate

    Conta lá, Mariazinha, conta lá. Também era alentejano, esse mocinho?

    Eu já disse que, a partir de agora, quem quiser saber da minha vida pessoal que me trate por Bloody Mary.  E ele não era nenhum mocinho, porque é uns bons quinze anos mais velho do que eu. Eu é que era uma mocinha, porque só tinha dezasseis anos.”

    Ai coisa! E então pinaste com ele aos dezasseis anos?”

    Podes crer. Dentro do Castelo de Vila da Feira.

    Ai Deus! Mas como?

    Então, ele tinha uma chave para ir dar ao gabinete numa das torres onde fazia não sei que estudos, falou-me disso, pareceu-me um bom plano, e fomos lá.”

    Ai esta louca… mas então, e tu eras virgem e tudo, e vocês foram e fizeram o servicinho adonde, se foi dentro desse gabinete?”

    Ó desgraçada, isso pergunta-se? Pois está na cara que foi logo ali no chão, evidentemente. Onde é que querias que fosse?

    Ai valha-nos Deus. Coitadinha.”

    Mas coitadinha porquê? Olha que eu não achei nada. Uma coisa tão boa. E tão excitante, naquele chão todo de pedra. E ele com muito cuidadinho, muito mimo, muita conversa bonita… até que eu já estava de cabeça perdida, e então parecia um demónio. Vêem como eu ainda me lembro de tudo? Devia ter ido com ele para Oxford e ficado com ele para sempre. E a propósito, vocês desculpem este esclarecimento, mas é que o meu grande amor não foi nenhum alentejano. Era um historiador da Universidade do Porto lindo, lindo, lindo, de olhos azuis e cabelos loiros, muito inteligente, e sobretudo muito divertido. Estão a ver o meu Conde dos Toiros Bravos, o da Orada? Alguma de vocês lhe chamaria inteligente e divertido? Está bem, a pessoa é novinha, está sozinha, é tolinha, e acabou-se a conversa. E agora o vosso cabo dos forcados? Era divertido e inteligente, ou não era? Não fui ter com o meu amor porque acreditei que ia amar esta criatura para sempre. Infelizmente, com o António José, foi só ele apanhar-se casado comigo e escondido dos vossos olhares em Montréal… parece que ficou estúpido… e sem graça nenhuma… E o Alexandre… que ainda deve estar vivo...”

    Ó menina!”, interrompe-a a Josefa, pousando o seu bolo de noz em sinal de protesto.

    Todas as mulheres se viram para a Josefa.

    A Josefa vira-se para a Maria Alice, meio comovida meio indignada.

    Olhe que a menina ou cresce depressa ou ainda se aleija a sério, ouviu? E depois…

    Bate com força no ombro esquerdo.

    “… e depois, quando precisar de um ombro, acredite que tem aqui o meu, para chorar tudo o que quiser.”

    Há uma vozearia feminina que varre a sala inteira, onde mal se ouve a voz assustada de Maria Alice, que, no entanto, pergunta o mesmo do que todas as outras.

    Mas em que é que a gente não cresceu depressa, ó Josefa?

    Ai então, mas então as meninas não sabem?[6]

    Faz-se silêncio na sala, enquanto todos os olhares se cravam na Josefa.

    E a Josefa, subitamente em grande pose, canta com uma voz magnífica, de timbre perfeito,

    Quem disser que se pode amar alguém

    Durante a vida inteira, é porque mente!

    Depois volta a agarrar nos restos do bolo, diz,

    anda, Júnior,”

    e desaparece rumo à cozinha, de onde ao fim de dois minutos chega um grito a perguntar quem quer café.

    As mulheres, momentaneamente petrificadas, recomeçam a movimentar-se.

    Aquilo era o da Florbela Espanca?”

    Era. Mas não sabia que a Josefa cantava tão bem o fado.”

    Ó filha. Nem eu sabia, e já estou sozinha cá em casa com ela há umas boas semanas.

    Podias pensar em usá-la para os teus eventos.”

    Agora nem me apetece pensar nisso. Vamos desligar, vá. Isto podia ter sido tudo uma bela história de amor que eu inventei agora mesmo.”

    “Pois podia.”

    “Eh pá. Ninguém poderia dizer que esta mulher não tinha uma grande imaginação

    Nessa noite, Maria Alice conta a Alexandre toda a história daquele grande amor da sua vida, iniciado aos dezasseis anos no chão do Castelo de Vila da Feira. Ele responde que ela já não terá quarenta anos, mas que – se quiser – ainda tem tempo.

    E, neste ir e vir de cartas cada vez mais calorosas, Maria Alice vai ficando cada vez mais apaixonada por um homem de olhos azuis, por quem só tem as memórias que anda a inventar agora. O homem deve sentir o mesmo, porque às tantas começa – subtilmente – a tratá-la por “meu amor”. E ela retribui. A mulher de António José começa imediatamente a fazer dieta[7]. Até vai fazer madeixas novas no cabelo e pedir um corte “mais endiabrado”, que a faça parecer ”mais malandra e mais gira”. Até faz a depilação na esteticista, embora costume fazê-la sempre em casa. Põe um novo piercing dentro da orelha. Até fala da verdade sobre esta paixão à Josefa, que acha que tudo aquilo é muito melhor assim, já que, se o tal grande amor do Castelo de Vila da Feira tivesse mesmo existido, a menina que não cresceu que chegue ainda se arriscava em dar com ele a tocar-lhe à porta por causa destas facilidades todas dos Facebooks.

    the shadow of a window on a concrete floor

    Depois de falar com a Josefa, Maria Alice sente-se suficientemente confiante para pedir sigilo e contar tudo sobre as mensagens que anda a trocar com o seu grande amor secreto às duas melhores amigas que entretanto fez em Estremoz. Ficam logo as duas doidas para conhecerem pessoalmente o famoso designer de ilustração digital em medicina Alexandre Noronha.

    Pois foi.

    Por causa dos sonhos de Maria Alice sobre a semana em que ele viria visitá-la a Estremoz durante uma semana no mês de Setembro, acabaram os dois por combinar mesmo que ele virá mesmo visitá-la a Estremoz durante uma semana no mês de Setembro.

    De dentro da cozinha, com as notas todas perfeitamente no sítio, ainda ecoa o contralto da Josefa,

    E se um dia hei de ser pó, cinza, e nada

    Que seja a minha noite uma alvorada

    Que eu me saiba perder para me encontrar!


    Leia também o Episódio 1, o Episódio 2, o Episódio 3, o Episódio 4 e o Episódio 5 do folhetim de Verão do PÁGINA UM da autoria de Clara Pinto Correia.


    [1] Frase que tem a vantagem de parecer um provérbio tradicional português, embora seja apenas uma gracinha simbolista de CPC – que – como toda a gente sabe – tem a mania de que é boa..

    [2] Estão a ver? Estão a ver? “Escorre entre os dedos como a água do mar”? Eles ficaram que nunca conseguiam largar-se quando se conheceram em Cabo Verde, onde todas as noites iam secretamente para a praia. Para a praia, certo? Mas tudo lhes escorreu entre os dedos como a água do mar. Bem esgalhado, malta. Admitam. Um ponto para mim!

    [3] No sentido de encurtar um pouco as sempre longas frases de Alexandre Noronha, cortámos aqui a passagem “… – porque as cortesias são para os cavalos – …”)

    [4] Nota-se que o criador está a ser infectado pela sua criatura. CPC é absolutamente adversa ao uso de travessões. Levou uma grande rabecada de Assis Pacheco aos 25 anos quando lhe pediu que revisse e comentasse uma pequena novela intitulada UM ESQUEMA, e nunca mais precisou de ouvir mais nada. E vamos mas é tomar já nota deste “nunca mais precisou de ouvir mais nada”. Ainda há de ser útil. Tipo, para a letra de um fado. Ou isso.

    [5] É verdade que esta Josefa tanto pode ser Júlio Dinis como Camilo Castelo Branco, mas não se distraiam. Um dia destes ainda pode aparecer aí feita Primo Basílio e depois sempre queremos ver quem é que lhe faz frente. Mas vão treinando. Sabem dizer-nos, porventura, o que significa a palavra PIORRINHA? Ah pois é.

    [6] “Então, mas então” é uma expressão enfática local muito do meu agrado.

    [7] Reflexo condicionado nas mulheres quando se apaixonam. Bom – ou quando ficam gordas, evidentemente. E lá deixou a gaja passar mais um travessão.

  • Maria Alice confessa rezar para cair um dos aviões de António José e que fique todo esmigalhado: Estremoz pasma

    Maria Alice confessa rezar para cair um dos aviões de António José e que fique todo esmigalhado: Estremoz pasma

    A

    CARTAS DE AMOR

    Em Julho e Agosto de 2023

    Com 40 graus à sombra e luz de dia até às 22 horas

    Especialmente do PÁGINA UM para a SILLY SEASON dos seus leitores

    CLARA PINTO CORREIA traz-nos, em directo de ESTREMOZ

    UM FOLHETIM TÃO ESCALDANTE COMO O VERÃO NAS PROFUNDEZAS DO ALENTEJO

    Baseado, uma vez mais, numa história absolutamente verdadeira


    O cágado não sobe sozinho nas árvores, alguém o colocou lá.” Provérbio angolano

    Traduzido do umbundo Mbeu okulonda ko cisingi, omanu vakapako por José Eduardo Agualusa,

    in A EDUCAÇÃO SENTIMENTAL DOS PÁSSAROS (2011)


    Em Estremoz há centenas de variações sobre o tema,

    Pelo que vão todos para a esplanada da Casa das Bifanas à hora mais quente do dia,

    Comparar fantasias em altos berros,

    E rir tanto, tanto, tanto, que o Júnior acaba por sair dali a correr para ir chamar os bombeiros,

    Enquanto o pessoal se enfrasca ininterruptamente num Dilúvio enorme e gelado de imperiais, tulipas, canecas,  umas pretas, outras brancas, e algumas até de garrafa média e mini adversa ao uso do copo,

    Sendo que, além das bifanas, toda a gente deita abaixo queijos, azeitonas, tremoços, fatias grossas de pão caseiro com manteiga, falando e rindo cada vez mais alto,

    E ficando, inevitavelmente, cada vez mais suado.


    “Com que então daí a um mês ias casar-te com o nosso cabo dos forcados, e no entretanto passaste uma semana inteira a dançar coladeras com os cabo-verdeanos, hm, Maria Alice? Deixe estar que a menina é fresca. Eheheh, ó minha rica filha. Quem não te conheça que te compre.”

    “Com esta mulher é que nunca haverá dúvida de que ela se casou mesmo por amor, então, ó Carrapato. Por interesse podes crer que não foi de certeza. É que interesse… Deus me livre, meus amigos… interesse é que o Tozé do Estevinha[1] não tem nenhum!”

    “Eh, pessoal! Embora atirar a mulher do gordo sem interesse nenhum para dentro daquele lago da pedreira?”

    Maria Alice, novamente com os cabelos ondulados soltos ao longo das costas, presos atrás das orelhas com travessas de madrepérola para se verem bem os piercings arrojados que foi fazer na antevéspera ao artista local, que não lhe levou nada em troca de ela lhe prometer passar a ser o seu modelo, está com o ar saudável das pessoas bronzeadas pelos ares do campo. Tem os olhos brilhantes como dois duplicados perfeitos daquele sol escaldante do meio-dia. Veste um topzinho mínimo de licra, a combinar com uns shortinhos de ganga vermelha apertados sobre as ancas, deixando ver bem a tatuagem do umbigo, onde o Pégaso voa cada vez mais alto no céu e Pheidippides vem a correr no caminho para Atenas, onde anunciará aos gregos a sua grande vitória sobre os persas na batalha acabada de travar na praia de Maratona.

    E não morrerá, mas a invenção dos mitos não vem agora ao caso.

    Black and white closeup part of face of anonymous dreamy enigmatic female with brown eyes and long eyelashes looking away thoughtfully

    O que vem ao caso é notar que, em apenas um mês, Maria Alice e o seu Júnior já ganharam um tal ascendente sobre as pessoas de Estremoz que basta ela sorrir, endireitar-se na cadeira, acender um cigarro e chegar-se para a frente. Calam-se logo todos. A Mulher-Maravilha vai falar.

    “Vocês só podem estar a gozar comigo, certo?” interpela-os ela com a tal pose majestática que fez o Alexandre Aristocrata chamar-lhe Bloody Mary, já lá vão mais de vinte anos. “Que eu me lembre, foi só eu falar do sonho que tive esta noite, em que o avião onde ia o meu gajo se descontrolava e depois explodia sem deixar sobreviventes quando estava a tentar aterrar na Polónia. Oh. Vocês desculpem, mas falar-vos deste meu sonho foi um autêntico tiro no porta-aviões. Começou logo toda a gente a falar dos seus sonhos em que ninguém tem a culpa de nada mas a verdade é que o companheiro morre num desastre, e é a coisa mais linda que há, liberdade, ah, liberdade! E agora atiram-me só a mim ao lago da pedreira? Peço muita desculpa, mas se o castigo pelos nossos sonhos com este género de acidentes é o lago da pedreira, então toda a gente tira a roupinha, toda a gente bebe uns copos, toda a gente fuma umas ganzas, e toda a gente, mas é que mesmo toda a gente que aqui está, salta para dentro do lago da pedreira!”

    Esta proposta de programa levanta uma ovação trepidante de gritos, risos, e aplausos, ao mesmo tempo que toda a gente desata a pedir mojitos, caipirinhas, vodkas com campari[2], campari com sumo de laranja natural[3], margaritas, e muitos pratinhos de camarão cozido para acompanhar. Armou-se ali uma tal festa que nem os bombeiros que o cão foi buscar têm pressa de voltar à base, nem os automobilistas que passam resistem a buzinar com todo o ardor. Júnior esqueceu momentâneamente a sua dignidade de Leão de Rodésia e anda de mesa em mesa a sentar-se, a dar a pata, e fazer uns chorinhos amorosos, para ver se, em troca, ganha pelo menos uma cabeça de camarão. E ganha várias.

    Entretanto, Maria Alice pediu a um dos meninos bonitos que se afadigam entre a massa festiva, sempre de camisa branca impecável e de costas muito direitas, um copo de Loios branco gelado. Em sinal da sua deferência, o propietário veio trazer-lhe uma meia garrafa que só abre mesmo à sua frente, rodeia com um guardanapo branco, e serve em gestos requintados para encher metade do copo elegante que trouxe para a mesa. É esguio, de pé alto, com o vidro animado por algumas bolhas irregulares, colorido em tons de azul debotado e rosa velho. Depois coloca a garrafa dentro de um balde transbordante de gelo e feito de um vidro veneziano exactamente igual ao copo nas cores e na textura. Classe.

    Logo ao primeiro golo, Maria Alice dá-se conta de que o dono da Casa das Bifanas não lhe trouxe o Loios que ela pediu. Trouxe-lhe antes o seu grande favorito entre todos os grandes vinhos de Estremoz, uma preciosidade dificílima de encontrar e obviamente muito mais cara que o Loios, chamada Amnésia. Um daqueles prodígios de hidromel que nos fazem acreditar imediatamente que é óbvio que Deus existe, mesmo que anteriormente tivéssemos por algum caso[4] chegado ao ponto de perder a fé.

    “Ó Princesa, mas para tomar banho na pedreira temos mesmo que estar nuas? Com estes gajos todos a ver?”

    “Sim! Toda a gente nua! Queremos ver tudo aquilo a que temos direito!”

    “Ó Mariazinha, mas eu já tive três filhos, e ainda por cima um foi de cesariana que deixa uma cicatriz enorme, e pior ainda, amamentei-os eu a todos até já não ter leite. Não tenho propriamente assim um corpo…”

    “Tens! Queremos ver o teu corpo! Queremos ver a realidade! A pedreira não é nenhuma passagem de modelos! Ou toda a gente se despe ou não vamos!”

    “Ai eu cá não sei se vou.”

    “Então não vai ninguém!”

    “E quem é que leva o vinho?”

    “Toda a gente! E umas fatias de pata-negra! E uns figos! E umas nozes! Não interessa! É o que houver, mais muito vinho!”

    “Então e os charros?”

    “Da ganza trato eu,” diz Maria Alice calmamente, na sua voz bem timbrada, capaz de se fazer ouvir acima de todas as outras sem qualquer esforço.

    Faz-se logo um grande silêncio.

    A maioria dos foliões esteve até àquele momento convencida de que os charros não passavam de uma figura de estilo. Em Estremoz, as grandes bebedeiras são absolutamente normais. Já as grandes mocas…

    A mulher de António José tira uma caixinha de metal antigo de dentro do saco[5]. Abre a caixinha, e tira um charro lá de dentro. Faz estalar o cinzeiro, acende-o, dá-lhe uma passa, e entrega-o à amiga sentada do seu lado esquerdo. Sempre sem dizer nada, tira outro charro da caixinha, acende-o com outro estalo do isqueiro[6], e passa-o ao homenzarrão sentado do seu lado direito. Finalmente, com um último estalo do cinzeiro, acende um charro para si, e todo o material de fabrico desaparece de novo dentro do saco.

    “Escusam de perguntar,” diz-lhes ela docemente. “Eu nunca direi uma palavra a este respeito. Tenho que proteger a minha fonte.”

    Das mesas à sua volta começam a soltar-se gargalhadinhas cúmplices, e de repente está toda a gente a pedir aos meninos bonitos que lhes tragam o menú, porque, embora já sejam quatro da tarde, de repente estão a morrer de fome e querem almoçar ali assim mesmo de garfo e faca – umas boas plumas de porco preto com migas de alho, um bom Tiago Cabaço Tinto, um bom pudim de ovos, vários cafés com um copo de Aguardente Velha ao lado.

    Depois hão de fazer uma boa sesta.

    Depois, por fim, há de cair a noite.

    Quando o sino da torre da Igreja da São Francisco, que se ouve em quase toda a cidade, anunciar a meia-noite, vão meter-se nos carros, dar boleia uns aos outros, e rumar ao caminho de terra quase invisível, quase secreto, que serpenteia entre pastagens e blocos gigantescos de mármore, até chegar ao cercado que tem três sobreiros muito antigos junto ao portão. Esse portão força-se facilmente, assim como o terreno, onde já nem sequer há caminho, também se percorre facilmente. Ao fim de dez minutos aparecem os afloramentos enormes de granito de uma exploração que ficou a meio. Inverno após Inverno, acumulou-se tanta água na bacia central que se formou ali uma verdadeira piscina. Já quase não há Lua. O céu cintila a toda a volta de estrelas enormes e mapas de poeira cósmica.

    “No Canadá e nos Estados Unidos chama-se a isto skinny dipping,” diz Maria Alice enquanto vai passando à volta mais uns quantos charros. “No Verão, eu, e duas amigas, e um técnico do meu departamento muito porreirinho, íamos para uma cascata na encosta da montanha por trás das nossas casas… aquele calor todo, nem uma aragem… e depois aquela água gelada, mesmo contra a nossa pele… não houve assim muitas coisas boas na minha vida no Québèc, mas esses banhos de noite, na cascata, todos nus, pedrados, sem pressa…”

    Alguém a interrompe, já de copo de vinho na mão.

    “Então mas ias pôr-te nua à frente de outro gajo… e deixavas o teu marido em casa?”

    Maria Alice nem responde. Num ímpeto de raiva, despe a túnica, liberta-se dos calções, e mergulha de cabeça para dentro do lago da pedreira. Fecha os olhos, deixa-se flutuar, e começa logo a sentir-se melhor.

    Inspirados pelo seu exemplo, os outros também estão agora a tirar a roupa e a saltar para dentro do lago, a gargalhar, a sorrir, a trocar beijos imprevistos, a explorar a pele uns dos outros, a experimentar a felicidade.

    Maria Alice mal dá por eles. Tudo nela partiu para muito longe. Está a antever a semana do fim de Setembro em que Alexandre virá visitá-la, e em que ela, sem deixar escapar qualquer aviso, há de trazer algum pata-negra, uma boa garrafa de Amnésia tinto, uns quantos charros prontos a acender com o zippo que já mais ninguém tem, mostrar-lhe a piscina da pedreira durante a noite, despir a roupa toda sem dizer nada, mergulhar em grande estilo, e esperar por ele dentro de água, com um sorriso matreiro e convidativo.

    Imagina tudo o que poderão fazer juntos quando, por fim, ele se encher de brios e vier ter com ela àquelas águas doces e tépidas, cheias de Cálcio e outros minerais revigorantes. E como o tempo deixará de passar para que possam os dois fruir de prazeres sem fim enquanto o Júnior dorme sobre as rochas, plácido, satisfeito, ele próprio entregue a sonhos felizes porque nunca antes tinha visto a sua dona tão feliz.

    E será assim até cantarem os galos.

    Daí a uma hora, tomado o duche, saboreado o pequeno-almoço, gozada a luz cambiante do nascer do dia e sentido de novo aquele encanto especial de testemunhar o primeiro voo das andorinhas, adormecerão muito abraçados debaixo do conforto do lençol e da mantinha, até que a Josefa entreabra a porta do quarto, toda sorridente, para lhe perguntar o que vai ser para o almoço.

    “Sobraram algumas daquelas gambas fritas que tu fizeste ontem?”, sussurra Alexandre do fundo do sono.

    Não pode ser.

    Que conversa é esta da visita dele durante uma semana no fim de Setembro?

    Que estupidez, nenhum deles falou ao outro de nenhuma visita.

    Ai, foda-se.

    “Pessoal, vocês desculpem mas eu ainda tenho que trabalhar esta noite. Eu e o Júnior vamos andando, OK? Vocês esperem que cantem os galos. E façam-me o favor de serem muito felizes.”

    “Tu também, Princesa.”

    Maria Alice já tinha trepado de laje em laje até ao cimo da piscina. De repente parou, virou-se de novo para os foliões, olhou-os a todos com demora, e sentou-se na pedra.

    “Queridos Amigos, eu posso pedir-vos um favor? Um verdadeiro favor, que para mim é extremamente importante?”

    “Sim!”, gritou, lá de baixo, o coro dos foliões.

    “Então, por favor, não me tratem por Mariazinha, nem por Alicinha. Isso podia ser qualquer pessoa. E também não me tratem por Princesa, porque isso é mesmo foleiro. Faz-me lembrar o ADEUS, PRINCESA, aquele romance de não sei quem que saiu quando eu era miúda, e era sobre os dramas das miúdas da minha idade aqui no Alentejo, e aquilo era horrível, e a miúda que era a princesa desse romance era uma autêntica desgraçada. Posso ser uma rainha, em vez de ser uma Princesa?”

    “Podes!”, gritou o coro numa grande animação.

    “Então chamem-me Bloody Mary. Era a alcunha da Maria Tudor de Inglaterra, porque ela mandou matar centenas de milhar de pessoas inocentes do seu país apenas porque elas não queriam converter-se ao catolicismo. Mas sabem, isto é muito importante: esta mulher, com mais ou menos defeitos, foi a primeira rainha de Inglaterra!”

    “Olha as coisas que tu sabes,” comentou uma voz avinhada.

    “Foi um namorado que eu tive antes do António José que me contou isto tudo. Era historiador. E sabem, ele foi, verdadeiramente, o grande amor da minha vida. Destacaram-no para Timor, e então tornou-se tudo impossível. Nunca mais o vi. Mas tenho saudades dele todos os dias.”


    Leia também o Episódio 1, o Episódio 2, o Episódio 3 e o Episódio 4 do folhetim de Verão do PÁGINA UM da autoria de Clara Pinto Correia


    [1] Indica que Tozé (note-se que só os homens ousam contrair assim o seu majestático “António José”) é filho de um senhor que tinha por apelido, ou mais provavelmente por alcunha, “O Estevinha”. É uma forma discreta de os seus antigos colegas de escola se distanciarem dele, porque se estivessem todos completamente à vontade guiariam antes o indicativo parental pelo nome da mãe, como por exemplo, “o Tozé da dos barros

    [2] Cocktail introduzido em Estremoz pelos hábitos canadianos de Maria Alice.

    [3] Idem. Sublinhe-se que, nesta variação, o sumo de laranja tem mesmo que ser natural. Quem detesta bebidas doces com toda a sua alma pode sempre usar antes sumo de toranja. E, em ambos os casos, muito gelo.

    [4]Por algum caso” é outra expressão local, especialmente saborosa quando usada em situações de discórdia. “Mas tu julgas que eu sou tua criada, por algum caso?”. Funciona mesmo bem.

    [5] A tampa tem uma gravura em alto-relevo da deusa Diana perseguindo um veado, e a cruzar um dos cantos está inscrita uma marca de rapé. Seria impossível guardar ali cigarros. Classe.

    [6] Repara-se agora que este isqueiro é um autêntico zippo vintage, muito lustroso e perfeitamente funcional. Classe.

  • Estante P1: Julho de 2023

    Estante P1: Julho de 2023

    Título

    Influência, nova edição revista e aumentada: a psicologia da persuasão

    Autor

    Robert B. Cialdini

    Editora

    Lua de Papel

    Sinopse

    O grande clássico sobre a psicologia da persuasão, atualizado para a era digital.

    Robert B. Cialdini, o mais conhecido e respeitado cientista social a trabalhar na área da Psicologia da Persuasão, explica todas as técnicas de persuasão e o modo de as aplicar eticamente na vida pessoal e profissional. Ao usar histórias reais e exemplos concretos, torna acessível um campo de conhecimento vasto e complexo.

    Aqui vai encontrar os 7 Princípios Fundamentais da Influência:

    Reciprocidade: Se me dão algo, sinto‑me obrigado a retribuir;

    Compromisso e coerência: Assim que tomamos uma posição, agarramo‑nos a ela, mesmo que esteja errada;

    Prova social: Quando não sabemos o que fazer, procuramos resposta nos exemplos dos outros;

    Gostar: Temos mais facilidade em concordar com pessoas de quem gostamos;

    Autoridade: Obedecemos mais facilmente a pessoas que revelam autoridade;

    Escassez: Cobiçamos mais os bens escassos;

    Unidade: O novo princípio revelado nesta edição.

    Quando perceber e dominar estes sete princípios, poderá usá‑los para melhor persuadir os outros, mas também para se defender de quem os usar contra si.

    Influência – A psicologia da persuasão é mais que um livro: é, ao mesmo tempo, a espada e o escudo protetor.

    Título

    Nenhum homem é uma ilha

    Autor

    Thomas Merton

    Editora

    Lua de Papel

    Sinopse

    Em Dezembro de 1941 o jovem Thomas Merton bateu à porta do Mosteiro de Gethsemani, determinado a juntar-se à Ordem dos Monges Trapistas, uma das mais ascéticas da Igreja Católica. Durante três dias fez o que lhe era pedido: lavou pratos, encerou o chão e dormiu sempre com a janela aberta para provar o seu empenho. Foi aceite como noviço.

    Viveria os 27 anos seguintes no mosteiro, até à sua morte, saindo apenas para espalhar a palavra de Deus, para unir diferentes fés ou para lutar pelas causas justas – como o movimento dos direitos civis encabeçado por Martin Luther King. Pelo meio, escreveu sempre, com a bênção dos seus superiores, que lhe reconheciam o enorme talento de escritor.

    Uma das suas obras que ficou para a história é esta: Nenhum homem é uma ilha. Os versos de John Donne (“Nenhum homem é uma ilha, completamente isolada…) são o mote para uma série de reflexões sobre a vida espiritual.

    A esperança, a consciência, a misericórdia ou o silêncio são alguns dos temas que o autor explora numa prosa firme, segura, que tanto oferece uma mão que guia, como convida à introspeção. Obra ímpar do catolicismo contemporâneo, é também um apoio seguro para a descoberta do sentido da vida.

    Título

    O atrito da memória: colonialismo, guerra e descolonização no Portugal contemporâneo

    Autor

    Miguel Cardina

    Editora

    Tinta da China

    Sinopse 

    Como se edificou o colonialismo português? De que forma a guerra colonial se constituiu como a sua etapa derradeira? Qual a memória dominante sobre este período histórico e que disputas públicas se têm expressado nos últimos anos?

    A memória da guerra, do colonialismo e da descolonização é uma realidade viva no Portugal democrático, apesar de ainda ser necessário aprofundar o debate que uma questão desta magnitude convoca. Num momento em que nos preparamos para celebrar os 50 anos do 25 de Abril e da revolução, enfrentar essa memória e os efeitos do colonialismo implica fazer uma reflexão indispensável sobre o Portugal de ontem, de hoje e de amanhã.

    «É necessário discutir este passado para que se possa abrir espaço para outros futuros. Na verdade, o longo trajeto colonial transporta heranças ativas que devemos ter a responsabilidade de saber enfrentar. A palavra decisiva talvez seja essa: responsabilidade. Ou seja, lidar abertamente com uma trama que se expressa, entre outros aspetos, na mitificação nacionalista da história, nas várias manifestações de um racismo sistémico, e na desconsideração da natureza intrinsecamente violenta do colonialismo. Estes aspetos não podem ficar na penumbra da história: um passado soterrado não é um passado morto; é um passado enterrado vivo. Mais de 60 anos volvidos sobre o início da guerra, quase 50 anos depois das independências africanas e da descolonização, é certo que a maioria da população portuguesa já nasceu depois desses acontecimentos. Mas nada disto pode ser considerado como uma simples curiosidade histórica que apenas diz respeito a quem viveu ‘aquele tempo’. O presente que habitamos é ainda feito desses escombros.»

    Título

    O planisfério 

    Autor

    Luís Carmelo

    Editora

    Guerra & Paz

    Sinopse

    Leonel não conta a praticamente ninguém que foi virgem até muito tarde, relevando-o a M. Annaëlle, a mulher que conhecia a mão dele como a de mais ninguém. a ela, conta-lhe todas as mulheres, todos os corpos, todos os suores.

    Contudo, no dia do velório de Leonel, irão ser relatadas as suas memórias, mesmo que incompletas, mesmo que cheias de meias-verdades… 

    A realidade foi sempre para Leonel um álibi sem saída, cheia de uma felicidade pela qual se espera – como a virgindade que o cingiu por tanto tempo -, mas para a qual nunca se está preparado – Leonel sentirá isso mais do que ninguém, na pele, nos ossos, na alma, na sua virgindade.

    Tal como uma imensa nuvem de pássaros rodopiantes nos céus nos dá uma sensação de liberdade, apesar do assombro que causa, também O planisfério é um romance que nos liberta, ao mesmo que nos interroga e interpela, mantendo-nos presos a um fio comprido de história que nos deixa ofegantes, a enlaçar com as pernas tudo aquilo de que nos lembramos, que nos deixa agarrados à realidade. 

    Mas será que tudo o que sabemos de Leonel caberá num único Planisfério?

    Título

    O meu Michael

    Autor

    Amos Oz

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Hannah Gonen é uma jovem mulher israelita, culta e complexa, casada com Michael, um homem honesto mas desinteressante. O seu casamento, aparentemente pacífico, desintegra-se gradualmente à medida que a insatisfação de Hannah se intensifica, levando-a a refugiar-se num mundo de fantasia, num universo íntimo que é terreno para a realização dos seus sonhos e desejos mais secretos.

    À medida que Hannah nos conta a sua história, a narrativa oscila entre as imagens evocativas do seu imaginário e a observação perspicaz dos pormenores da vida quotidiana. Sempre presente está Jerusalém – a um tempo símbolo do Estado e metáfora da estabilidade, ambos ameaçados por forças internas e externas.

    História de desamor e desencanto, O meu Michael é um retrato apaixonante da polémica realidade israelita, à época afetada pela crise do Suez e pela iminência da guerra. Inicialmente publicado em 1968, este foi o romance que consagrou Amos Oz como um dos grandes nomes da literatura mundial, tendo-se tornado um marco na sua tão aplaudida carreira.

    Título

    A guerra dos chips

    Autor

    Chris Miller

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    O confronto entre a China e os EUA pelo recurso mais crucial do mundo – os semicondutores.

    Muita gente ficaria surpreendida por saber que os semicondutores são o novo petróleo – o escasso recurso de que depende o mundo moderno. Hoje, o poder militar, económico e geopolítico está alicerçado nos chips dos computadores. Virtualmente tudo – desde os mísseis aos micro-ondas, dos smartphones à bolsa de valores – funciona com semicondutores.

    Até muito recentemente, os Estados Unidos desenharam e produziram os chips mais avançados e mantiveram a liderança como a primeira superpotência. Hoje, os EUA estão a perder a vantagem. Acresce que a China, que gasta mais dinheiro a importar chips do que a importar petróleo, está a investir dezenas de milhares de milhões de dólares num plano para destronar os EUA da liderança – um esforço ilimitado para adquirir a tecnologia mais importante do mundo. Não está em causa apenas a prosperidade económica dos Estados Unidos, mas também a superioridade militar.

    A guerra dos chips conta a fascinante história de como os minúsculos chips de silício surgiram para redefinir o mundo, desde os investigadores geniais que os inventaram e os titãs da tecnologia que construíram Silicon Valley, e os lucros que geraram, até aos oficiais do Pentágono que os usaram para revolucionar o poder militar. E revela o moderno cenário dos semicondutores, em que os chips de vanguarda são produzidos a partir dos componentes eletrónicos mais pequenos algum dia fabricados, tudo para apoiar uma indústria gigantesca que envolve cadeias de fornecimento à escala global imensamente complexas e abastece algumas das companhias mais valiosas do mundo.

    Como A guerra dos chips revela de forma provocadora, avizinha-se um ajuste de contas uma vez que a China tenta alcançar a supremacia nos semicondutores enquanto os Estados Unidos se posicionam para a impedir de ganhar a dianteira.

    Título

    No ser humano tudo tem de ser belo

    Autora

    Sasha Marianna Salzmann

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Como se pode ser «belo» — «o rosto, a alma, a roupa, os pensamentos», como diz Tchekov — num país onde reina a repressão e só quem se submete a um regime restritivo consegue sobreviver? E como poderá esta experiência ser superada quando quem a sofreu não fala dela, nem mesmo depois de emigrar para o Ocidente, nem mesmo com a própria filha?

    Em meados dos anos noventa, Lena e Tatiana abandonaram a Ucrânia – uma grávida, outra com a filha pequena – e foram viver para a Alemanha, onde tiveram de começar do zero. Mas Nina e Edi, as raparigas que há muito deixaram de se interessar pelas suas origens, não deixam de perguntar‑se o que verão as mães, com o seu «olhar soviético», quando espreitam pelas cortinas das casas onde hoje vivem. Porém, quando se juntam para a festa do 50.º aniversário de Lena, serão forçadas a admitir que, afinal, partilham uma história comum.

    Seguindo o percurso de quatro vidas e os vínculos sempre frágeis entre mães e filhas, Sasha Marianna Salzmann relata-nos uma época de mudanças radicais na Ucrânia numa narrativa com imagens poderosas, repleta de empatia e realismo.

    Título

    Os meus homens

    Autora

    Victoria Kielland

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Nascida Brynhild Størset, em 1859, numa família modesta na Noruega, Belle Gunness, como ficou conhecida, partiu em busca do sonho americano no final do século XIX. Com o tempo, Belle tornou-se cada vez mais alienada, implacável e perversamente atraente, e terá assassinado mais de quarenta pessoas, a maioria homens.

    É o seu incrível destino que está no centro deste romance: o de uma mulher cujas injustiças de classe, a busca pelo amor absoluto e a austeridade religiosa levam à loucura assassina. Da Chicago do final do século XIX a uma quinta em La Porte, no Indiana, Belle atrairá e depois matará os seus maridos, os próprios filhos, os rapazes da quinta e outros jovens escandinavos recém-chegados aos Estados Unidos, que ela seduz por meio de anúncios em jornais. 

    Neste romance cru, visceral e hipnótico, Victoria Kielland imagina a tumultuosa vida interior desta norueguesa que se tornou Belle Gunness – a primeira mulher assassina em série dos Estados Unidos. Escrito numa prosa de uma beleza selvagem, Os meus homens é um retrato radicalmente empático e inquietante de uma mulher consumida pelo desejo. 

    Os meus homens é um texto carnal e sombriamente poético que dá voz aos tormentos de Belle, ao seu apetite erótico, à sua necessidade insaciável de ser amada e ao peso da culpa luterana que a persegue neste novo país onde ela, como tantos outros, espera reinventar-se.

    Título

    O obstáculo é o caminho

    Autor

    Ryan Holiday

    Editora

    Lua de Papel

    Sinopse

    “O que impede a ação é o que a faz avançar. O que se põe no caminho torna-se o caminho”, escreveu Marco Aurélio em 170.

    Em duas frases apenas, o imperador romano sintetizava séculos de filosofia estoica e pavimentava o caminho para centenas de mulheres e homens que a seguiram com sucesso. Um exemplo é o do general alemão Erwin Rommel, que durante a Segunda Guerra Mundial foi enviado para o deserto africano com a missão de derrotar as forças aliadas. Abraçou o espinhoso desafio com paixão e cunhou o seu nome na história. Do lado oposto, Winston Churchill, o primeiro-ministro inglês, viu as suas tropas derrotadas vezes sem conta. Mas também ele vivia o estoicismo de forma exemplar, e usou cada derrota para melhor conhecer o inimigo. 

    Ryan Holiday, o ex-marketeer que voltou a pôr o estoicismo no mapa, recorre a histórias reais de personalidades como a primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher ou o pai da Apple, Steve Jobs, para ilustrar o seu método para analisar problemas e transformá-los em triunfos.

    O obstáculo é o caminho tornou-se um livro de culto, com mais de um milhão de exemplares vendidos em todo o mundo. E mostrou que as qualidades atribuídas à filosofia estoica valem muito mais do que o talento, a inteligência ou a sorte.

    Título

    O ódio a si mesmo – Aprender a gostar de si próprio

    Autor

    Alain de Botton

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Um guia para a cura emocional e para vivermos uma vida de maior autoaceitação, aprendendo a amarmo-nos a nós próprios.

    Subjacente a muitos dos nossos problemas está um fator muitas vezes ignorado: não gostamos muito de nós próprios. Sofremos de ódio a nós mesmos. Dizemo-nos as coisas mais terríveis. Por causa do ódio a nós mesmos tendemos a negligenciar o nosso potencial no trabalho, a enredarmo-nos em relacionamentos frustrantes, a sermos inseguros na nossa vida social e a sofrer de ansiedade e desespero.

    Este é um livro que – com imensa compaixão – investiga o fenómeno do ódio a si mesmo. Questiona de onde vem esse sentimento, o que nos impele a fazer, e de como poderemos ultrapassá-lo sem problemas. O tom é ao mesmo tempo esperançoso e realista. Provavelmente passámos demasiado tempo das nossas vidas a odiarmo-nos a nós mesmos e a criticar tudo o que dizemos, fazemos ou sentimos – sem sequer termos consciência disso.

    É tempo de ultrapassarmos o masoquismo e avançarmos para o relacionamento de maior condescendência e aceitação para connosco próprios que deveríamos ter tido desde sempre.

    Título

    Vínculos ferozes

    Autora

    Vivian Gornick

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Nestas memórias profundamente marcantes e perturbadoras, a escritora e ativista Vivian Gornick conta a história da batalha que travou com a mãe durante toda a vida pela sua independência. Escreveram-se já muitos livros sobre mães e filhas, mas nenhum retratou esta relação, a mais próxima de todas as relações filiais, com tanta franqueza e impiedade.

    Pela sua coragem assombrosa, Vínculos ferozes é um livro pioneiro, um clássico que ajudou a desencadear a subsequente profusão de livros de memórias e que continua a ser um dos mais impressionantes modelos do género. 

    Gornick, uma mulher madura, caminha com a sua mãe idosa pelas ruas de Manhattan, discutindo e recordando o passado, e, ao longo desses passeios repletos de lembranças, reprimendas e cumplicidades, conhecemos a história da luta de uma filha para encontrar o seu lugar e a sua voz no mundo.

    Nascida e criada no Bronx, filha de rústicos urbanos, Vivian Gornick cresce num lar dominado pela depressão romântica da mãe, provocada pela morte prematura do marido. No apartamento ao lado vive Nettie, uma viúva atraente cuja sensualidade deliberada exerce forte influência sobre Vivian. Estas mulheres, com os seus modelos opostos de feminilidade, irão afetar o esforço da autora, mesmo em adulta, para se encontrar a si mesma no amor e no trabalho.

    Título

    Churchill na praia: o velho leão na toalha e na areia

    Autora

    Sophie Doudet

    Editora

    Guerra & Paz

    Sinopse

    Winston Churchill (1874-1965) viveu em dois séculos e duas guerras mundiais. Ao longo da vida, o seu desejo supremo foi o de fazer História, quer marcando-a através das suas acções políticas e históricas, quer escrevendo sobre ela, tendo sido simultaneamente jornalista, estadista, militar, historiador, Prémio Nobel da Literatura e, por fim, pintor até.

    Neste Churchill na praia: o velho leão na toalha e na areia, pretende-se oferecer ao grande público, com base em elementos biográficos, e de forma tão rigorosa quanto acessível, o relato da extraordinária carreira deste homem, considerado um visionário e um dos grandes nomes que «fizeram História».

    Churchill foi um conquistador e um herói. Foi primeiro-ministro de Inglaterra no momento mais crítico da História, os dias sombrios da II Guerra Mundial, e o seu espírito combativo foi decisivo para levar o mundo livre à vitória sobre o nazismo. Encontre aqui os grandes discursos, admire as suas decisões geniais. E não se espante, se encontrar também as suas mais dolorosas fraquezas.

    Título

    Freud na praia: a psicanálise na toalha e na areia

    Autora

    Elsa Godart

    Editora

    Guerra & Paz

    Sinopse

    Sigmund Freud (1856-1939) é o epítome de uma revolução – fundador da psicanálise, não é isento de polémicas, levantando-se mesmo a questão se foi um «génio, louco, mestre ou charlatão».

    Com o advento da psicanálise, toda uma visão do sujeito humano é posta em causa e, ainda hoje, a figura de Freud suscita os debates mais apaixonados.

    Este Freud na praia: a psicanálise na toalha e na areia pretende mostrar ao grande público o seu pensamento através dos elementos biográficos que marcaram a sua vida, permitindo ao leitor (re)descobrir ou compreender Freud e a psicanálise, o funcionamento da psique humana e a sua ideia de cura pela palavra.

    Desde o nascimento da psicanálise à sua consagração, passando pelas turbulências da Primeira Guerra Mundial, a doença que o vitimou e seu fim de vida, Elsa Godart faz-nos o retrato de um homem que marcaria indelevelmente a psicologia e a psiquiatria, assim como a forma como vemos a sexualidade, «sem nunca abandonar a sua visão do Homem e da Humanidade».

    Um livro que se dirige a todos os que querem responder a esta angústia: porque é que tão difícil viver feliz?

    Título

    Um Ocidente sequestrado

    Autor

    Milan Kundera

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Um pequeno e precioso livro de extraordinária atualidade para a reflexão sobre a Europa que estamos a construir e os seus fundamentos. 

    Este livro reúne dois textos escritos antes da Queda do Muro e do fim da Guerra Fria: o discurso de Kundera, já então uma destacada figura da literatura europeia, ao Congresso dos Escritores da Checoslováquia de 1967, em plena Primavera de Praga, que viria a ser esmagada pela invasão das tropas do Pacto de Varsóvia; e um longo artigo publicado na revista francesa Le Débat, em novembro de 1983, quando Kundera já tinha abandonado a sua pátria para viver em França.

    Apresentados respetivamente por Jacques Rupnik e Pierre Nora, estes textos debatem corajosamente as ameaças que pesam sobre a Europa e a sua identidade cultural, a necessidade de liberdade e de autonomia dos criadores artísticos contra uma cultura de propaganda e contra a censura, o papel da barbárie na vida das nações e dos seus povos. São surpreendentemente premonitórios, como acontece muitas vezes com os grandes escritores.

    Passos importantíssimos foram dados na construção dessa Europa livre e democrática, e a história deu razão a Milan Kundera: as «pequenas nações» centro-europeias integram agora esse mundo fundado numa cultura livre e respeitadora das línguas e das tradições dos povos que as compõem. Mas as ameaças estão de novo bem à vista, com o ressurgimento das ideias censórias e autoritárias e com a invasão da Ucrânia pela Rússia em 2022. As batalhas por essa Europa sonhada por Kundera voltam à primeira linha das nossas preocupações. Eis um livro com uma missão: a de armar o nosso pensamento ajudando-nos a travar essas batalhas.

    Título

    A maldição da noz-moscada

    Autor

    Amitav Ghosh

    Editora

    Elsinore

    Sinopse

    Decorria o ano de 1621. A simples queda de um objeto, uma candeia, é o pretexto para o comandante das tropas holandesas aquarteladas numa das ilhas Banda, no território das Molucas, dar início ao massacre de toda a população local.

    Poucos habitantes sobreviveriam, e a sua língua e cultura perder-se-iam para sempre. A eliminação do povo Banda é um dos grandes genocídios esquecidos pela História.

    O motivo: o controlo por parte da Venerável Companhia das Índias Orientais do rentável comércio milenar da noz-moscada, uma especiaria muito apreciada na Europa pelos seus usos culinários e medicinais, de preço exorbitante, e cuja inteira produção mundial estava circunscrita até então a esse pequeno arquipélago do Índico.

    Em pleno século XXI, Amitav Ghosh, com mão de romancista, traz à luz este episódio negro, que serve de ponto de partida para relacionar o passado como presente, o colonialismo com a atual crise climática, e explicar o mundo em que vivemos: da crise dos refugiados ao movimento Black Lives Matter, às cidades modernas ou mesmo às naturezas-mortas do período áureo da pintura holandesa.

    Título

    Buracos negros

    Autoria

    Brian Cox e Jeff Forshaw

    Editora

    Saída de Emergência

    Sinopse

    No centro de qualquer galáxia podemos encontrar aqueles que são os mais estranhos objetos do Universo: os buracos negros. Com uma densidade extraordinária e enorme força gravitacional, não há matéria ou luz que lhe escape.

    Além de estarem no centro do Universo, os buracos negros estão igualmente no centro da atual investigação em física teórica e astrofísica: eles criam o caos, tendo o poder de destruir os outros habitantes da galáxia, apesar de nunca se ter visto um buraco negro morrer. Compreendê-los permanece o santo Graal.

    Junte-se a Brian Cox e a Jeff Forshaw na exploração dos objetos mais misteriosos do Universo, como se formam, porque são essenciais em qualquer galáxia, incluindo a nossa, e que segredos ainda escondem, à espera de ser descobertos.

    Título

    Os três nomes de Ludka

    Autora

    Gisela Pou

    Editora

    Casa das Letras

    Sinopse

    Romance baseado numa história verídica da II Guerra Mundial.

    Em 1946, Ludka Nowak, uma criança de nove anos, chega a Barcelona acompanhada por uma centena de órfãos polacos. Muitos deles tinham sido raptados pelos nazis alemães e sujeitos a um intenso processo de germanização durante a Segunda Guerra Mundial.

    A Cruz Vermelha Internacional e o Consulado Polaco permitem que as crianças sejam acolhidas na cidade, onde é fundada a primeira escola polaca. Enquanto as autoridades procuram as suas famílias, as crianças recuperam a língua e a cultura que lhes tinham sido roubadas.

    Graças à amizade com Emma, uma menina da sua idade, Ludka, sujeita ao mais absoluto desenraizamento, conseguirá recordar episódios do seu passado e recuperar o seu verdadeiro nome.

    Os três nomes de Ludka é uma história contada a três vozes: a de Ludka, a de Emma e a de Isabel, que se entrelaçam para nos levar a uma epopeia de sobreviventes forçados a viver numa época de tirania e opressão. Apesar disso, conseguem encontrar o seu lugar no mundo e aprender a viver e a lutar por aquilo que querem.

    Título

    Os flamingos também sonham

    Autor

    Miguel Jesus

    Editora

    Casa das Letras

    Sinopse

    Depois de um fenómeno natural ter destruído o castelo e a estrada para o Lago Ness, Dunlochry procura por melhores dias. Eis senão quando corre a notícia de que dois boletins com um autêntico jackpot foram registados justamente na pacata vila escocesa. O acontecimento ganha especial dimensão quando os dias passam e ninguém aparece para reclamar o prémio.

    Só Dylan – um irlandês esmagado pela imagem opressora do pai e dono do estabelecimento que vendeu a sorte grande – sabe quem ganhou, mas a ética impede-o de partilhar a informação, mesmo com Elena Gilbert, a conhecida jornalista de televisão a quem pediram que fizesse a reportagem e por quem Dylan se apaixonou.

    Porém, à medida que a ansiedade dos habitantes se vai transformando em violência e pressão – e que Elena regressa a Londres -, Dylan, que, tal como um flamingo, teme perder a cor se abandonar o seu habitat, só pode contar com Arthur Hilliard, um velho escritor que apareceu misteriosamente em Dunlochry e se tornou um dos seus melhores clientes. Só que Arthur já carrega o peso dos próprios segredos…

    Com um ritmo trepidante e muito cinematográfico, mantendo o suspense até à última página, Os flamingos também sonham vem confirmar Miguel Jesus como um ficcionista extremamente dotado e original.

    Título

    Breve história da Guerra Civil de Espanha

    Autora

    Helen Graham

    Editora

    Tinta da China

    Sinopse

    Nova edição, em formato de bolso, de um livro incontornável sobre um dos temas mais abordados e inesgotáveis da história da humanidade: a Guerra Civil de Espanha.

    A Guerra Civil de Espanha é um dos temas mais abordados da história da humanidade e permanece até aos nossos dias alvo de debate inesgotável. Entre outros sintomas do interesse gerado pelo conflito, contam‑se os cerca de quinze mil títulos já publicados, um acervo bibliográfico que rivaliza com o da Segunda Guerra Mundial.

    Nesta «breve história», Helen Graham, internacionalmente reconhecida como uma das principais especialistas sobre a Guerra Civil de Espanha, debruça-se sobre a forma como esta afectou as vidas dos soldados e dos civis e como moldou o curso da política, da sociedade e da cultura, não só em Espanha como além-fronteiras.

    Aos leitores, a autora proporciona a compreensão global do conflito, desde as suas origens até às últimas consequências da vitória franquista. Mas proporciona também, numa perturbadora análise final, que se interroguem sobre o significado e as implicações da Guerra Civil para o século XXI.

    Título

    Como observar e fotografar aves

    Autoria

    Gonçalo Elias e José Frade

    Editora

    Arena

    Sinopse

    O segundo livro dos autores do Guia Aves de Portugal Continental, um sucesso de vendas.

    São cada vez mais os que se interessam pela observação e pela fotografia de aves selvagens. Este interesse possibilita, só por si, beneficiar de vários aspectos positivos:

    – Permite conhecer melhor o mundo natural que nos rodeia e as muitas espécies que existem;

    – O contacto com a natureza e o ar livre contribui para um estilo de vida mais saudável;

    – Quanto mais pessoas partilharem as suas observações e fotografias, mais ficamos a saber sobre aves selvagens. Observar aves é uma actividade acessível a todos.

    Qualquer pessoa pode fazê-lo, independentemente da sua idade, formação escolar ou académica, local de residência ou possibilidades económicas. Pode ser realizada a custo reduzido, pois para começar basta adquirir um pequeno binóculo que permita ver as aves com algum detalhe. Claro que, mais tarde, poderá considerar adquirir um equipamento melhor e visitar locais mais distantes. Mas para já, e com este livro na mão, está pronto para avançar.

    Título

    Genghis Khan e a criação do Mundo Moderno

    Autor

    Jack Weatherford

    Editora

    Saída de Emergência

    Sinopse

    O nome Genghis Khan invoca a imagem de um bárbaro sanguinário que liderou um bando impiedoso de guerreiros nómadas que pilhavam o mundo civilizado. Contudo, a surpreendente verdade é que Genghis Khan foi um líder visionário cujas conquistas uniram a Europa retrógrada às culturas florescentes da Ásia para desencadear uma explosão sem precedentes de tecnologias, comércio e ideias.

    Lutando para alcançar o poder na remota Mongólia, Genghis Khan desenvolveu estratégias militares revolucionárias que utilizou para aniquilar os exércitos inimigos na Ásia, destruir as defesas do mundo islâmico e tornar os cavaleiros armados da Europa obsoletos. O resultado foi um império que se estendia da Sibéria à Índia, do Vietname à Hungria e da Coreia aos Balcãs, redesenhando o mapa mundial numa nova ordem global.

    Neste livro, o autor ressuscita uma nova história de Genghis Khan, a sua implacável ascensão e a explosão de inovação que o Império Mongol desencadeou. Um retrato sem precedentes de um grande líder e do seu legado, que nos desafia a reconsiderar como o mundo moderno foi construído.

  • Big Trouble in Little China: de flop a clássico

    Big Trouble in Little China: de flop a clássico


    Passaram já 37 anos do lançamento de um filme que hoje pertence a qualquer lista de filmes de culto que se preze. Trata-se de Big Trouble in Little China, que em português adoptou o título Jack Burton nas Garras do Mandarim.

    Estreado nos cinemas americanos em 2 de julho de 1986 este filme do realizador John Carpenter marcava a sua quarta colaboração com o actor Kurt Russell.

    Depois de filmes como Elvis, The Thing e o também clássico filme de culto Escape from New York, Carpenter voltaria a apostar em Russell, muito embora num registo completamente diferente dos filmes anteriores.

    Filmado em São Francisco, Big Trouble in Little China conta a história de um camionista que é transportado para um conflito tribal no submundo de Chinatown, depois do rapto da namorada de um amigo.

    É este primeiro momento que serve de base para o chorrilho de Kung Fu, pancadaria, personagens misteriosas e outras mais patéticas que, com os efeitos especiais à mistura, fazem com que este filme possa ser visto e revisto vezes sem conta.

    Big Trouble in Little China é, na verdade, uma comédia de acção, mas também uma paródia dos filmes mais sérios do género, sobretudo dos da década de 80. O papel de Jack Burton (Kurt Russell) está tão bem representado que quase faz esquecer a crítica que esta personagem encerra.

    Porém, Jack Burton encerra, de igual modo, uma crítica em forma de comédia, feita a actores como Chuck Norris, ou mesmo Van Damme. Todos estes protagonistas tinham uma coisa em comum: representavam o triunfo do individuo mais forte e mais capaz que através dos seus talentos e competências matam os maus, ficam com o prémio (normalmente a coprotagonista) e são por isso uma forma de role-model que o “americanismo” e os valores ocidentais tanto regurgitam nos seus filmes, sobretudo os de acção.

    Burton é um perfeito idiota que consegue prosseguir vivo no filme, ora por sorte, ora por auxílio constante. São muitas as cenas em que isso acontece. Se as lutas com os “maus” são indicativas disso, Burton perde quase todas essas batalhas e até a personagem de Kim Catrall, que, por exemplo, com um soco consegue incapacitar um monstro. A suposta fuga liderada por Burton leva o grupo de volta a um exército de inimigos em que é o aparente ajudante de Burton, Wang Chi, interpretado por Dennis Dun, que imobiliza tudo e todos.E a paródia sob o herói caucasiano ainda é mais transparente quando Burton se levanta pronto a lutar e todos os inimigos estão derrotados.

    Mais dúvidas houvesse sobre a paródia que é feita às convenções do género de acção, relembro outras duas cenas que marcam a crítica de Carpenter: Burton não sabe usar armas de fogo. A arma (e o seu manuseio) é um componente do cinema americano que remonta ao poder masculino dos filmes de Western. Neste filme, Burton pega numa metralhadora e acerta no tecto onde, quase como um desenho animado, é atingido pelos destroços causados pelos seus tiros falhados. Finalmente e já no fim do filme, Burton (que praticamente não tem arco de desenvolvimento) volta para o seu camião sozinho e Gracie Law (Kim Catrall) não só não vai com ele como o normal beijo de fim de filme não acontece.

    Por tudo isto, a interpretação de Russell é enorme. De relembrar que Russell tinha já como papel indexado a personagem de Snake Plissken no filme Escape from New York (e a sua sequela posterior), este sim um papel de acção dentro das convenções do cinema de acção americano. É por isso que Jack Burton é revelador das capacidades artísticas deste actor já que é o inverso de tudo o que é esperado num protagonista do género.

    Mas há outros aspectos deliciosos de Big Trouble in Little China a considerar. Antes de mais, as outras personagens. Law é também um exagero da mulher protagonista e suas linhas de diálogo como as expressões faciais e corporais de Kim Catrall são sublimes nesse exagero. E mesmo o pequeno papel de Kate Morgan, como a jornalista Margo, confere mais uma caricatura da ansiedade de um furo jornalístico.

    Lo Pan, protagonizado pelo mais-que-veterano James Hong, é simplesmente genial, um vilão hilariante e implacável. É impressionante a complexidade desta personagem, desde que é um velho numa cadeira de rodas com uma fragilidade enorme, mas uma voz ameaçadora, que de repente é um mestre do mal com poderes espectaculares. Não menos fantástico é Egg Shen, o feiticeiro de pequena estatura, mas também ele detentor de poderes super-humanos.

    Claro, não se pode esquecer das “Three Storms”, vilões que, embora lacaios do vilão supremo, conferem à mitologia deste filme uma espectacularidade extra, devidos às suas capacidades e aos efeitos especiais que, nos anos 80 são, essenciais neste filme e trazem uma dimensão de quase invencibilidade a Thunder, Rain e Lightening.

    Para além dos efeitos especiais, temos a destacar os cenários e, claro, as lutas. Sobretudo na primeira parte do filme, todas as lutas são incríveis pela quantidade de envolvidos e pelas coreografias, com actores que mais tarde aparecem em inúmeros filmes de artes marciais.

    Os neons da caveira atrás da descida triunfal de Lo Pan, bem como todo o cenário, as lutas no ar e já perto do fim o palácio onde Burton consegue finalmente assumir algum heroísmo ao enfiar uma faca impossível na cara de Lo Pan, aprofundam o filme, mas também servem para criar o exagero cómico que é a tonalidade dominante de Big Trouble in Little China.

    Numa dimensão mais cultural, este filme é, como descrito acima, uma crítica ao herói caucasiano, mas assim é pela forma como a sociedade americana via a cultura asiática. Se os filmes de artes marciais eram já uma constante, primeiramente com o Bruce Lee e mais tarde com Chuck Norris e Van Damme, já a feitiçaria, os poderes sobre-humanos ilustram a forma como a arte marcial era perspectivada pelo Ocidente que queria “comprar” a fantasia e o spaguetti da violência do cinema asiático.

    Ainda assim, Carpenter não deixa de defender o triunfo americano, uma vez que Burton é efectivamente o ajudante, e não protagonista; é ele que emite o golpe final contra o vilão supremo, apesar das inconsistências, e assim se sobrepõe àquele que devia ser o duelo final: Wang versus Lo Pan. Curioso que até neste pormenor as convenções são parodiadas.

    Apesar de todos estes ingredientes Big Trouble in Little China foi então um flop total no cinema, e nem sequer atingiu o break even, tendo custado mais de 25 milhões de dólares a ser produzido e ter feito menos 24 milhões de receita.

    Tendo sido lançado no mesmo ano que Top Gun, este um filme de acção sem paródia, Big Trouble in Little China é um filme incompreendido na altura em que saiu. Por um lado, a comédia de Russell, com laivos de John Wayne mimetizado nos constantes one liners que ficaram na memória, não foi bem recebida porque a audiência não percebeu a crítica e não se identificou com a personagem.

    Por outro lado, e à semelhança, de Green Hornet, com Bruce Lee, o verdadeiro protagonista que é o lutador asiático, não conseguiu produzir o efeito de herói principal e é remetido para sidekick. Desse modo, a paródia em Big Trouble in Little China seria mais bem entendida se fosse feita nos dias de hoje, uma vez que estas nuances ainda não eram então reconhecidas. Talvez por isso haja rumores de um remake com Dwayne Johnson no papel que pertenceu a Kurt Russell.

    Em conclusão, neste filme ficam sobretudo as frases emblemáticas, a pancadaria, o gesto de mão triunfal (só quem viu é que sabe o significado) e o élan das personagens, e que transformaram Big Trouble in Little China, um flop de cinema, agora num filme de culto.

  • Maria Alice e o amor que nasce: Estremoz nem sabe

    Maria Alice e o amor que nasce: Estremoz nem sabe

    A

    CARTAS DE AMOR

    Em Julho e Agosto de 2023

    Com 40 graus à sombra e luz de dia até às 22 horas

    Especialmente do PÁGINA UM para a SILLY SEASON dos seus leitores

    CLARA PINTO CORREIA traz-nos, em directo de ESTREMOZ

    UM FOLHETIM TÃO ESCALDANTE COMO O VERÃO NAS PROFUNDEZAS DO ALENTEJO

    Baseado, uma vez mais, numa história absolutamente verdadeira


    O cágado não sobe sozinho nas árvores, alguém o colocou lá.” Provérbio angolano

    Traduzido do umbundo Mbeu okulonda ko cisingi, omanu vakapako por José Eduardo Agualusa,

    in A EDUCAÇÃO SENTIMENTAL DOS PÁSSAROS (2011)


    Uma vez mais, como rapidamente se tornou hábito, a noite vai alta e Júnior dorme a sono solto. Maria Alice limitou-se a lavar a cara, massajá-la com um sérum resplandecente, e cobri-la de um creme de noite que devolve à pele o éclat natural dos vinte anos. Em vez do babydoll, enverga agora um pijaminha de cetim riscado azul e branco, com o fio de ouro herdado da avó a cintilar-lhe ao pescoço, em pendant com as argolas pequenas e grossas que aparecem e desaparecem entre as ondas dos seus longos cabelos castanhos. Quase escondidos por baixo da franja, emoldurados pelas pestanas escuras e curvas, os seus olhos cor de mel parecem dardos.

    Alexandre de Noronha voltou a escrever-lhe.

    “Querida Bloody Mary:

    “(não sei se ainda se lembra desta nossa alcunha – mas eu nunca consegui esquecê-la – nem quis – e que outro homem português quereria?):

    “Querida Bloody Mary – por favor – não se lembre só de Cabo Verde – meu Deus – recebi a sua mensagem.

    “Talvez eu já não seja crente – mas recuperei – de súbito – toda a vontade de acreditar daqueles meus dezoito anos passados ainda nas lutas redentoras da JUC[1].

    A Close-Up Shot of a Bloody Mary

    “(de súbito acreditei – até – que a beleza do grande brilho alaranjado do pequeno quarto minguante[2] diante da minha janela era – deveras – um sinal para mim)

    “E a mulher que dançava coladeras toda a noite – onde estará agora – a ver esta mesma lua – ou será que já cá não está – ou que deixou de olhar para o céu?”

    Esta é a segunda mensagem que parece uma carta do tal gajo que se lhe vai tornando cada vez menos desconhecido.

    Está tudo a acontecer muito depressa.

    Só de ler a primeira mensagem deste mesmo gajo, Maria Alice abraça o Júnior com toda a força, ruboriza-se com o vulcão interior das jovens virgens, dá um longo golo no seu vodka russo de mirtilos quase esquecido sobre a bancada, depois enche-o de gelo, agita-o, e dá-lhe outro golo – e, finalmente, dado o calor sugestivo da noite e a evidência imperativa de que entretanto fumou mesmo um charro, decide nem se despir e tomar um duche frio na casa de banho, longe dos olhares de todos os espreita-muros que a procuram ver no chuveiro. Depois serve-se abundantemente de chá e torradas no sossego da cozinha, bebe quase um litro de água fresca, sente tonturas, entrega-se por momentos à frescura do lençol, e só volta a acordar pelas cinco e meia da manhã, com a chilreada das andorinhas na sua janela e o primeiro aroma a café que lhe indica que Josefa já está acordada.

    Veste os shorts sem bainha e a T-shirt decotada da PANGEIA, vai tirar o seu primeiro expresso ainda descalça que é como gosta de andar em casa[3], troca meia dúzia de piadas maliciosas com a velha empregada que traz pão quente e morangos da rua, leva uma taça deles e outra garrafa de água para o escritório, e volta a olhar para as mensagens do Facebook.

    A mensagem daquele gajo ainda lá está.

    Tal e qual como ela se lembrava, o gajo escreve muito bem, e nunca usa abreviaturas. É verdade. A mensagem parece mais uma carta, agora que já ninguém escreve cartas. Mais ainda – agora que já ninguém ama – aquela carta parece mesmo uma carta de amor.

    O primeiro instinto da esposa de António José é mudar radicalmente a sua apresentação do Facebook, que na realidade foi o que ali a levou, e de caminho fez com que descobrisse aquele homem de quem só consegue lembrar-se muito vagamente, como quem se lembra de uma outra vida, uma vida que já teve mas que já deixou de ter. Apaga o seu perfil excessivamente profissional, remetendo a parte do que sabe fazer na internet, e em que tipo de programações, para a área dos grafismos. Começa todos os capítulos com diferentes fotos da PANGEIA onde o seu rosto, o seu corpo, as suas mãos, o seu cão – alguma coisa que lhe diga respeito esteja devidamente favorizada. Por baixo das diferentes entradas sobre serviços da loja, que dá por si a escrever a cem à hora com uma graça e um constante tom de teaser que pensava já ter perdido, insere mapas de Estremoz com as ruas que vão lá ter sabiamente destacadas. Sim, malta, sorri ela para consigo. Acreditem que não sou só muito boa – sou, também, muito boa nisto.

    Obrigado pela inspiração, Alexandre[4] que ainda só existes no nevoeiro.

    white paper on brown wooden heart shape board

    Agora trata-se de escolher a foto com que – doravante – se apresentará ao público.

    É interessante como o seu pensamento está a começar a encher-se de travessões. Ah, pois – é o gajo que os usa. E o gajo menciona coladeras em Cabo-Verde. Deve ter sido há eternidades, mas ela regressou lá muitas vezes. Tem um contrato de formação electrónica com o Governo da Praia, e prefere ir sozinha para se gozar bem da simpatia dos formandos, da doçura das praias, da consistência das lagostas, das horas perdidas das noites de dança, e sendo assim, porque não…

    A sua apresentação passou agora a ser uma foto recente e altamente galante de si própria, tirada em grande plano, nas areias do Tarrafal, em maillot verde-água de sereia, escuríssima, sozinha, com o Júnior sentado ao seu lado e a água ainda a escorrer-lhe na pele.

    Depois respondeu ao gajo.

    O gajo respondeu logo.

    Foi essa carta que a deixou tão alvoroçada na noite anterior.

    Com essa carta, com aquela alcunha dos seus últimos tempos de solteira, veio-lhe a recordação visual inesperada, a romper as brumas da memória num imenso sobressalto, dos olhos azuis do jovem historiador que estava a retraçar vestígios da pirataria holandesa em Cabo Verde quando ela lá foi fazer o seu primeiro levantamento das necessidades informáticas locais com uma ONG de peritos canadianos que em breve a arrastariam consigo para o Québèc já casada com o António José. É verdade, ele chamou-lhe Bloody Mary por causa do seu porte altivo.

    “Porque sabes, miúda – as pessoas têm uma péssima opinião da Maria Tudor – só sabem dizer que ela matou centenas de milhar de ingleses nos seus delírios religiosos – mas estão sempre a esquecer o fundamental – essa mulher foi – para todos os efeitos – a Primeira Rainha de Inglaterra.”

    “Então sabes explicar toda a sua loucura?”

    “Ela nunca conseguir ter filhos.”

    “Eu também nunca vou conseguir. Tenho uma doença. Mas não vou mandar matar milhares de pessoas por causa disso.”

    “Está bem – mas ouve – ela era Rainha e tinha que deixar Herdeiros – é diferente.”

    “Não explica nada.”

    “Pois não – mas sabes – o seu verdadeiro drama – é que ela foi – mesmo – mas é que mesmo – muitíssimo mal amada.”

    “É isso que me desejas?”

    “Claro que não – miúda – pudesse eu amar-te – verias.”

    “Isso é muito fácil de dizer, sabendo tu que vou casar-me para o mês que vem.”

    E depois desatavam os dois a rir. Muito baixinho, para não chamar a atenção de ninguém.

    De súbito – ao ler a alcunha de Bloody Mary que mais ninguém conheceu – Maria Alice recorda-se – também ela – da JUC e das suas lutas redentoras – tal como o Alexandre lhas contara –  noite dentro – e ela só não se lembrava era do Noronha[5], de resto agora está a reviver tudo. Lembra-se de quando dançava – com outros – mas só para ele. E – sobretudo – de quando saíam todos da sopa de lagosta – mas – ninguém notava – os canadianos não são assim muito espertos – eles os dois não iam dormir. Iam antes para qualquer rochedo – conversar de grandes sonhos para futuros que talvez ainda estivessem em aberto – entre risos brandos e partilhas crescentes de pontas de cigarro que brilhavam no escuro a espaços.

    E chega de travessões, please.

    Quem adorava escrever com travessões era o Alexandre, não era eu.

    Eu até lhe perguntei se ele era mesmo historiador, ou se a sua verdadeira vocação era ser escritor.

    Ele disse que eu era fresca, agarrou-me em peso, e atirou-me ao mar.

    Ah pois foi, não custou nada, o nosso rochedo, nessa noite, era mesmo à beira do mar.

    E eu preguei-lhe um grande susto porque fui a nadar por baixo de água até ao hotel.

    O que nós nos ríamos.

    poppy, baby's breath, flowers

    Falavam durante essas noites quentes numa fluência doce, pontuada por toques de mãos suaves e frescos, encostos da cabeça de um no ombro do outro, e beijos cada vez mais intencionais à despedida, sabendo que essa despedida não implicava necessariamente que iam dormir. Iam antes ouvir cantar os galos, recolher aos respectivos quartos, tomar um grande duche, apreciar bem o primeiro de imensos cafés, mudar de roupa, descer à sala, e saborear as delícias do pequeno-almoço quando trancavam os olhares no primeiro sorriso com o primeiro aceno do dia, porque logo a seguir iam trabalhar. Maria Alice recorda-se agora, com maravilhosa clareza, de que nenhum deles se sentiu cansado durante toda a semana. Porque – enfim, conceda-se – quem é que vai experimentar cansaço durante uma semana inteira do que só pode ser – deveras – o mais delicioso cortejamento que há?

    A esposa de Manuel José, que estará ausente durante todo o Verão, respira fundo outra vez.

    Está a respirar fundo cada vez mais vezes.

    Relê esta segunda mensagem de contido alvoroço depois de ter escrito ao gajo uma nota breve, ainda muito calma mas já irresistivelmente cheia de esperança, a devolver a primeira mensagem dele. Aquela tal mensagem em que Alexandre de Noronha vinha obviamente sondar as águas, mas que já era em si mesma tão bonita, tão longa, tão bem escrita – malditos travessões – tão caída em desuso – enfim – e talvez isto explique o trompe l’oeil de parecer apaixonada – mas é verdade, é uma carta tão digamos que enfática que – bom, que – que parece mesmo uma carta de amor.

    Nessa primeira e rutilante[6] carta[7], o gajo diz que a conheceu há uns bons vinte anos na Cidade da Praia, que fez tudo para conseguir sentar-se ao lado dela ao jantar e acabou a subornar o Secretário de Estado do Livro e das Bibliotecas de Cabo-Verde que sacudiu a cabeça com um sorriso matreiro e sussurrou, brandamente,

    Nha crecheu…”

    Logo no primeiro trocar de palavras, e a propósito dos piratas, e do Francis Drake, e de outras histórias de reis e de rainhas, gabou-lhe o porte majestoso, piscou-lhe o olho e chamou-lhe Bloody Mary. Perante a sua surpresa, prometeu-lhe que explicava depois. A coisa estremeceu quando ela lhe pediu um cigarro, porque ele estava exactamente nessa altura a deixar de fumar. Levantou-se para ir comprar cigarros dentro do restaurante, a compra foi demorada como tudo era então demorado em Cabo Verde, e quando voltou já todos os conferencistas tinham partido para a discoteca ao ar livre onde nessa noite tocavam OS TUBARÕES. À primeira coladera, quando ele ia tentar a sua sorte, veio de lá um crioulo de olhos verdes, todo matulão e bem-parecido, que a arrebatou consigo e pareceu não querer mais largá-la – mas ele começou a perceber, pelos olhares penetrantes que ela lhe ia lançando, que a sua Bloody Mary dançava só para si.

    E que bem que dançava, Santo Deus.

    Todos a queriam por par, mas era só para Alexandre que ela sorria.

    Até que, para total assombro dos canadianos, chegou a Cesária Évora – enorme, descalça, de cerveja na mão, sem precisar de microfone. E, logo à primeira morna, foi a sua Bloody Mary quem veio buscá-lo e o arrastou para dentro do terreiro.

    Eu sei que passou imenso tempo, remata Alexandre de Noronha na sua primeira mensagem.

    Talvez ela tenha esquecido tudo – mas ele nunca esqueceu nada.

    E acrescenta, como que com pudor, que está a escrever-lhe porque, talvez, agora que se divorciou…

    … bem, é evidente que ela não vai nem ler – quanto mais responder; mas foi bem escrever-lhe, e lembrar-se[8], adeus.


    Leia também o Episódio 1, o Episódio 2 e o Episódio 3 do folhetim de Verão do PÁGINA UM da autoria de Clara Pinto Correia


    [1] A JUC era a Juventude Universitária Católica, onde se percebe que este gajo pontificou em tempos idos. E as suas “lutas” eram então “redentoras” porque, sendo anteriores ao 25 de Abril, propunham um modelo de sociedade pacífica e equalitária não totalmente grata ao Regime. Ah, sim – Maria Alice, que entretanto esqueceu tudo, agora lembra-se como se fosse ontem.

    [2] Este gajo compõe um estilo. Ninguém o obriga a ter – também – um bom gosto à prova de tudo que possa fazer dele – deveras – um grande escritor.

    [3] Já percebeu que andar descalça estimula quem a rodeia. Além disso, os seus pés merecem muito descanso, dado que andam sempre na rua em saltos altos.

    [4] “de Noronha”? Credo, deve ter anel de brazão e tudo, para isso já me bastou o outro, o Conde.

    [5] “Noronha, era? Bem, naquela altura ainda ninguém em Portugal tinha apelido, e os canadianos muito menos.”

    [6] Determinante adequava-se melhor ao sentido, mas rutilante adequa-se muito melhor ao momento; aliás ao mútuo momento, uma vez que Maria Alice responde, mas quem começou foi o gajo.

    [7] Ficou estabelecido, por muito que ainda não mutuamente mencionado: não era uma mensagem, era uma carta.

    [8] Subtraímos os travessões, mas nota-se que o gajo ainda precisa de marcar os seus lugares para conseguir expressar-se.

  • Maria Alice descobre uma carta em babydoll: Estremoz nem sonha

    Maria Alice descobre uma carta em babydoll: Estremoz nem sonha

    A

    CARTAS DE AMOR

    Em Julho e Agosto de 2023

    Com 40 graus à sombra e luz de dia até às 22 horas

    Especialmente do PÁGINA UM para a SILLY SEASON dos seus leitores

    CLARA PINTO CORREIA traz-nos, em directo de ESTREMOZ

    UM FOLHETIM TÃO ESCALDANTE COMO O VERÃO NAS PROFUNDEZAS DO ALENTEJO

    Baseado, uma vez mais, numa história absolutamente verdadeira


    O cágado não sobe sozinho nas árvores, alguém o colocou lá.” Provérbio angolano

    Traduzido do umbundo Mbeu okulonda ko cisingi, omanu vakapako por José Eduardo Agualusa,

    in A EDUCAÇÃO SENTIMENTAL DOS PÁSSAROS (2011)


    Levanta o queixo, Maria Alice.

    A ideia dos miúdos foi porreira, e a verdade é que já estás a receber mironadas muito mais pessoais e curiosas quando te passeias pelas ruas com o Júnior, ou quando distribuis panfletos da PANGEIA[1] nas esplanadas do Rossio. O teu ar profissional é um dos teus melhores atributos[2]. Agora arrimas-lhe por cima com verdadeiros sapatinhos de trabalho de meio-salto[3], enfrentas os quarenta graus à sombra desta terra como se nada fosse, tiras todo o cabelo da cara num rabo-de-cavalo bem estudado que não deixa cair-te nos olhos nem dois dedos de franja nem uma gotinha de suor, espetas-lhes com um sorriso rasgado que desta vez encadernaste a bâton escarlate, e já está[4]. E quem é que se lembrou de mais esta de vestires uma t-shirt com o decote cortado até ao fundo do colo, com o logotipo da firma, onde todas as setas apontam para o único continente da origem, bem destacado sobre o peito esquerdo, enquanto o teu Júnior se apresenta ao público com o mesmo logo na coleira e na trela? Ah, essa é outra grande ideia dos putos. Um modelito daquelas duas miúdas de Badajoz amigas do priminho que de net não pescam nada mas são muito boas em estilo e corte, o que nos interessa aos serviços.

    Estão a ver? Já está a interessar.

    É um modelito que derrete logo o gelo.

    Se é que alguma vez existiu algum gelo para derreter aqui em Estremoz.

    Woman with Face Make-up Holding Flowers

    Gelo, assim mesmo gelo, isso realmente é mais uma característica da América do Norte.

    — Ó Senhora. Eu posso fazer festas no seu canito?

    — Claro que podes, amorosa. Como é que te chamas?

    — Bia.

    — Oi Bia, ele é o Júnior.

    — E isso que ele tem nos costados, é quê?

    — Na terra dele chamavam-lhe o Ridgeback. É uma espécie de uma crista que todos os cães desta raça têm. Foram criados pelos Boers para caçarem leões na antiga Rodésia, por isso chamam-lhes os Leões da Rodésia. São muito calminhos, muito amiguinhos, muito bonitos, mas na caça ao leão levantam aqui o ridgeback e então valha-nos Deus. Andas à escola[5], Bia?

    — Mais ou menos.

    — Então leva um panfleto da nossa nova loja bué fish, que é a PANGEIA e abre para a semana. Ajudamos toda a gente, imprimimos em papel e em tecido, e até para eventos ou para festas de anos, ajudamos a criar logotipos, prestamos serviços de internet ao domicílio, fazemos descontos especiais para actividades de ONGs e autarquias; e, caso seja preciso, até damos explicações a custo zero. Ah, e claro, tirámos a licença, portanto podemos fazer baby-sitting e deixamos fumar e entrar cães[6].

    Maria Alice não é parva. Sabe perfeitamente que toda esta informação está a ser desperdiçada na menina do grande convívio dos ciganos, ali mesmo na esplanada da FORMOSA, que acaba de dizer-lhe que só vai à escola mais ou menos[7]. Mas a questão é que falou suficientemente alto para toda a gente que foi refugiar-se naquela sombra poder ouvi-la. É sexta-feira, são dez e meia da manhã, e até o vereador da cultura e dos eventos está ali mesmo a dois passos. Entrega-lhe um panfleto, faz-lhe um dos seus sorrisos rasgados, repete o gesto por todas as mesas, combina logo ali umas explicações de geologia para um adolescente do décimo primeiro ano que anda às voltas com a deriva dos continentes sem conseguir desatar bem o embrulho[8], deixa uma pilha no balcão, soma e segue. Atrás dela, no seu rasto sabiamente perfumado a ANGEL[9], ouve-se ainda o eco,

    — … Júnior…

    — … ela sabe, ela sabe…

    — … a mulher do António José…

    — .. Leão da Rodésia..

    — … Estremoz só tem a ganhar…

    — … enfim, Pangeia, está muito bem visto…

    — … O Moisés que se cuide… [10]

    rhodesian ridgeback, running dog, flying dog

    Maria Alice acaricia o cão atrás das orelhas enquanto respira fundo. Decidiu que, a seguir, vai sentar-se ali n’ O ALENTEJANO, mostrar bem tanto as pernas como o Júnior, e meter conversa com os velhotes sobre os serviços ao domicílio da PANGEIA.

    Foi uma grande semana de trabalho, esta que fecha hoje.

    Como o tempo voa, amigos.

    Esta é a semana em que Maria Alice e o primo mais novo de António José concluem finalmente o registo da sua sociedade, recebem o financiamento que pediram para poderem avançar com as suas ideias, ficam endividados até à raiz dos cabelos mas não têm medo de nada, decidem que em breve poderão abrir portas, escolhem para aquela grande aventura o nome de PANGEIA porque é isso mesmo que a internet faz, chamam todos os amigos hackers do priminho para acertarem quem é que faz o quê, também comparecem duas miúdas de Badajoz que tratarão dos modelitos, ela vem como dantes, só de jeans e T-shirt e cara lavada, todos a tratam carinhosamente por kota[11], e corre tudo tão bem que acabam a fumar charros, a fazer brindes, e a rir às gargalhadas.

    Mas agora é preciso vender bem o produto antes de ele estrear.

    Nem que mais não seja, porque ninguém pode ver a PANGEIA vazia.

    E é isto mesmo que implica toda aquela publicidade.

    Ela nunca iria tão longe de sua própria iniciativa.

    As ideias daquela espécie de cartoon ao vivo são ideias dos putos.

    E é que são todas boas ideias.

    Orgulho, Maria Alice, muito orgulho. Está na cara que eles vêem em ti uma grande Libertadora do Carisma Feminino. Género, a Catwoman do Batman. É bom, não é?

    Maria Alice, sempre muito elegante nas suas toilettes de roupa justinha e com Júnior à trela, usa-se a si própria para efeitos publicitários, fria e deliberadamente. A partir de agora, é também para fins publicitários, sem nunca despir as T-shirts com o logotipo, que usa durante as horas de maior canícula o seu chuveiro na horta. À noite, pelo contrário, veste o babydoll, agarra nos cigarros que parecem ganzas, põe os óculos de leitura com a correntezinha dourada, prepara uma bebida, deixa a garrafa do vodka[12] e a taça do gelo em cima da bancada, e vai trabalhar até tarde nos escritórios da loja que abrirá em  breve. Sabe muito bem que, em todos estes cenários, há sempre alguém a ver. Basta o Júnior rosnar, que ela não esconde o seu sorriso. Mais um ponto para a PANGEIA. Na manhã seguinte, enquanto toma os seus primeiros cafés na cozinha, ouve a velha Josefa, cada vez mais fiel devota desta impressionante Grande Libertadora dos Modos de Nós-Mulheres, contar-lhe todos os mexericos da véspera até ao mais ínfimo pormenor.

    Até já mete uma parte em que as miúdas começam a ir à loja de roupa de cama, ali à esquina da que vem do gás à do passeio do Rossio que vai para o Arco da Nossa Senhora[13], exigindo babydolls assim e assado. Ai por cima também traz, assim, um mini-robe transparente? Ai Deus, mas então encomende também o robe, senhora.  Em quais cores é que tem, além do Turquesa? E com mais renda, não tem?

    Glasses with Vodka and Bowl of Olives

    Na realidade, Maria Alice tem andado com o ego imensamente gratificado. Não confessaria a ninguém que não fosse a Josefa, mas as suas relações com o marido há muito tempo que se tornaram frias e materialistas. Quantas vezes é que ele já voltou das suas longas viagens de vender o Bill Gates por todo o Québèc para largar as duas Louis Vuittons cheias de roupa suja dentro da porta, passar meia hora no duche, passar outra meia hora a abonecar-se todo ao espelho, montar-se a correr na scooter brilhante para ir ter com os amigos ao clube de golfe e tell all de roda de uns bons drinks e umas boas risadas, ir com eles às Buffalo Wings da bomba da Mobil do outro lado da cidade, e depois, à noite, gritar,

    — Ó, caralho, Maria, eu não posso estar práqui a foder com um cadáver!

    Oh, aquela mulher reluzente já nem sabe quantas vezes acordou das suas lindas réveries dos vinte anos para dar por si empandeirada para os subúrbios do Québèc, casada com um alentejano básico que não sentiu nunca qualquer atracção pela ideia do Linux, e muito menos quis saber de toda a diferença proposta pelo Steve Jobbs. Quando o conheceu ele era cabo dos forcados dali de Estremoz, gostava de copos e de sarilhos, botava o baixo nos corais, desbastava os poldros vindos das campinas que chegavam aos dois anos sem nunca terem mordido um freio, partia os ossos e sorria, e tratava todas as mulheres por minha querida. E ela, nascida e criada em Moçambique, com a vida de estudante passada em Lisboa, divertia-se à grande e apaixonou-se mesmo.

    Foi só apanhar-se casado e emigrado, que aquela graça especial passou-lhe logo toda a correr.

    Faz bem, então não faz.

    Cartoon ou filme, Catwoman ou Wonderwoman não interessa: é mesmo doce, aquilo de voltar a ser quem foi.

    Nessa noite, a Bela Adormecida decidiu que até faz uma directa se for caso disso. O vodka de mirtilos pousado na bancada veio directamente da Rússia[14]. O babydoll todo rendilhado que vai estrear tem a cor exacta dos frutinhos vermelhos do fundo da garrafa. Como o priminho lhe disse que use também as redes sociais para efeitos publicitários, Maria Alice, que para ser franca odeia esse mundo, lá abre o seu Facebook e o seu Instagram, disposta a remodelá-los de alto a baixo.

    A primeira coisa que faz é apagar todas as mensagens antigas, que, na sua esmagadora maioria, nunca leu.

    Mas o que é isto, quem é este Alexandre de Noronha que passava as noites a ver-me dançar coladeras em Cabo-Verde? E que escreve tão bem, numa mensagem tão longa e tão bonita que parece mesmo uma carta, daquelas que já ninguém escreve?

    Ah pois é.

    Pois é.

    Maria Alice está pronta como um figo maduro.

    E, no meio de toda a quinquilharia, acaba de esbarrar na mensagem de um gajo qualquer que não conhece.

    Acontece que fica logo com vontade de conhecê-lo.

    Será que há mesmo horas de sorte?

    Será que estou tão mocada que perdi o critério?

    Anda cá, Júnior.

    Alexandre de Noronha?


    Leia também o Episódio 1, o Episódio 2 e o Episódio 4 do folhetim de Verão do PÁGINA UM da autoria de Clara Pinto Correia


    [1] Tudo bem, o conceito hoje em dia pode ser polémico, mas também, lá por isso, hoje em dia tudo é polémico, e todos os continentes estarem unidos num só é exactamente o que faz a internet. É ou não é? PANGEIA: no início, todos os continentes estavam unidos num só. É ou não é o que faz a internet? Unir todos os continentes num só. Ah pois é. Pois é.

    [2] A ideia de chamar PANGEIA à loja foi da Maria Alice, evidentemente. Depois ainda passou uma boa meia hora a explicar aos putos o que era a Pangeia e o que foi que lhe aconteceu. Fartaram-se de rir, mas isso foi mais porque quando inventaram o nome já estavam todos mocados.

    [3] Arrimar por cima: expressão alentejana colorida e vivaça que dispensa explicações.

    [4] Mas vocês, realmente – vocês acham que no Verão aquilo era como, enquanto eu vivia no Québèc? A gente sufocava e vinha cinza dos fogos florestais por todos os lados. O que nos valia eram os chuveiros na hortas.

    [5] Maria Alice aprendeu com o linguajar do marido este truque de aproximação regional: aqui em Estremoz não se diz ir à escola, diz-se andar à escola. Por exemplo: António José vai à Farmácia, e cumprimenta a Tita com dois beijinhos. E depois diz-lhe, com um ar dolente e saudoso, Aaah, Maria, sabes. A Tita andou comigo à escola.

    [6] Só mesmo uma pessoa com mais de uma década de América do Norte em cima é que chegava a Estremoz e se lembrava desta do baby-sitting, mas pronto. Vamos ver se pega.

    [7] NOTA BENE: convém não esquecer esta referência à grande população cigana de Estremoz, que virá em breve a ter algum peso no rumo dos eventos. O resultado directo do seu peso populacional invulgar é que, quando vamos a ver, parece-nos mesmo que metade dos homens de Estremoz são do CHEGA!

    [8] Desatar o embrulho: outra expressão colorida e auto-explicativa, que já se usou mais no Português Provinciano e ainda subsiste, orgulhosamente, aqui no coração do Alentejo.

    [9] Thierry Mugler. Escolhido de propósito para esta vistosa mise-en-scène. Deixa atrás de si um rasto delicioso e inconfundível.

    [10] Referência a Moisés Alcaria, legítimo proprietário da net-shop local em que se fundamentou a PANGEIA.

    [11] TODOS não, senão vejamos: estando presentes duas miúdas espanholas, o mais expectável é que tratem Maria Alice por tia.

    [12] É muito raro aquele vodka ser mesmo vodka. Para nunca perder o fio à meada, Maria Alice tem mais por hábito passar a noite a beber água. Mas parece vodka. E fica igualmente bom com água tónica.

    [13] Difícil de dividir em orações. Mas genuíno.

    [14] OK, e desta vez é mesmo vodka. E, se calhar, os cigarros que parecem charros são mesmo charros. Conforme veremos, neste caso a questão é que ninguém aguenta estar completamente sóbrio enquanto remodela de alto a baixo o seu próprio Facebook.

  • Maria Alice agarra na enxada seminua: Estremoz sustém a respiração

    Maria Alice agarra na enxada seminua: Estremoz sustém a respiração

    A

    CARTAS DE AMOR

    Em Julho e Agosto de 2023

    Com 40 graus à sombra e luz de dia até às 22 horas

    Especialmente do PÁGINA UM para a SILLY SEASON dos seus leitores

    CLARA PINTO CORREIA traz-nos, em directo de ESTREMOZ

    UM FOLHETIM TÃO ESCALDANTE COMO O VERÃO NAS PROFUNDEZAS DO ALENTEJO

    Baseado, uma vez mais, numa história absolutamente verdadeira


    O cágado não sobe sozinho nas árvores, alguém o colocou lá.” Provérbio angolano

    Traduzido do umbundo Mbeu okulonda ko cisingi, omanu vakapako por José Eduardo Agualusa,

    in A EDUCAÇÃO SENTIMENTAL DOS PÁSSAROS (2011)


    Calminha, que eu já sei que sou bonita há muitos anos[1].

    Quando vou à cidade, sei que me ponho sexy com aquele ar de quem ficou assim por acaso, e que o faço de propósito para impressionar toda a gente[2]. E, além disso, sei que estou toda bronzeadona – primeiro porque sou morena, segundo porque adoro estrear anualmente o que se arranjar de melhor no departamento dos biquinis brasileiros, e terceiro porque gosto de apreciar o que o Verão tem de melhor, o que para mim inclui guiar sem qualquer pressa por paisagens alentejanas cruzadas por estradinhas desertas, e por fim, passadas duas horas desta espécie de trip de ácido, juntar-me às minhas amigas na curtição voraz das festas da Comporta. Às vezes também vou lá só para respirar fundo, nadar para longe, e dormir ao sol. Se esta gente daqui não faz praia, e portanto não fica com este meu halo dourado tão especial, tomem e embrulhem que a culpa não é minha de certeza[3]. E agora, engulam lá os vossos preconceitos todos de uma vez, porque nada disto quer dizer que eu seja uma mulher minimamente dada ao tédio.

    Aliás, a minha tatuagem enorme no tornozelo esquerdo, com o Pégaso a levantar voo sobre o campo de batalha onde um punhado de Atenienses acaba de triunfar contra a colossal armada Persa[4] que tencionava invadir a Grécia desembarcando na praia de Maratona[5], é uma boa prova disso. Está lá para disfarçar os ferros todos da prótese.

    E, se precisei de uma prótese no tornozelo, foi porque sou uma mulher de acção.

    young woman, hotel, burlesque

    Tinha então dezassete anos. Ninguém entendia como, mas só eu é que conseguia fazer a égua do meu primeiro namorado aqui do sítio, o tal brazonado da Orada que iniciou a sequência de coincidências que me trouxe até ao casarão onde estou agora[6], saltar tão alto, tão largo, e com tanta elegância. Ainda hoje suspeito que o gajo apareceu de repente a derrapar e a buzinar daquela forma estúpida, estávamos nós as duas já a levantar voo por cima do obstáculo, porque tinha inveja do meu deslumbrante potencial equestre, e da forma como toda a população masculina se deslumbrava a contemplá-lo. A Guapa assustou-se, borregou, fez-me cair para o outro lado, e depois caiu ela desamparada para cima de mim, com a pata direita a acertar-me mesmo em cima do tornozelo esquerdo. O que é que eu posso dizer? Claro que o gesso não é a melhor forma de passar o Verão, mas ao menos é uma grande forma de meter conversa. E foi um Verão cheio de autógrafos. O senhor da Orada que se roesse todo de ciumeira alentejana. Bem vistas as coisas, a culpa era dele.

    Agora já não tenho dezassete anos há muito tempo.

    Ah, mas não há como o tempo para requintar os nossos contornos.

    Hoje, quase à beira dos quarenta, sinto-me linda, livre, e feliz da vida, porque o meu segundo marido foi enriquecer-nos para Bruxelas, e eu estou a fazer renascer das cinzas o antigo casarão da família, uma verdadeira mansão que é também um deleite arquitectónico de art déco, que foi desnecessariamente maltratado pelo abandono a partir do dia em que as irmãs mais velhas do António José, aproveitando-se da nossa longa estadia no Québèc, empandeiraram a mãe para um lar e puseram um cadeado grossíssimo no portão.

    Quando cá cheguei, já trazia na pasta um ano inteiro de telemeetings e bastante investigação na área para podermos – eu e um dos primos mais novos do António José – formarmos uma SARL, aproveitarmos a proximidade da Ala Leste da casa em relação às escolas e Centros de Saúde, e abrirmos juntos aquilo a que o povo chama, para encurtar razões, uma “loja de computadores”. Só que a nossa loja teria também um cafezinho muito simpático com umas queijadinhas óptimas e umas empadinhas ainda melhores[7], teria assistência pessoal sempre que solicitada e disponível para resolução de problemas no domicílio, e até teria explicações, se alguém precisasse delas. O meu marido havia de ver. Quando cá chegasse na sua primeira visita, também eu e o seu priminho teríamos ganho juntos uma pequena fortuna.

    Acontece, no entanto, que mesmo para mulheres como Maria Alice existem sempre imprevistos.

    Também, olha que treta. Se nunca me aparecessem uns bons imprevistos pela frente, então eu estaria mumificada – como um faraó do Vale dos Reis, no fundo quase inacessível de uma cripta cheia de jóias[8].

    photo of optical disc drive

    No caso vertente, o imprevisto que leva a esposa de António José a adiar o projecto da “loja de computadores” toda prafrentex é precisar primeiro de reconstruir o casarão, meio arruinado por uma década inteira de abandono. Sem nunca se atrapalhar, a supermulher que faz tudo sozinha vai falar com a Josefa, que conhece desde que conheceu o marido porque é a sempre fiel e muito sábia empregada da família. Numa primeira reunião de estratégia, pede-lhe que junte um grupo de trolhas para um lado, e um grupo de mulheraças para o outro. As missões destes dois grupos, que deitam logo mãos à obra lado a lado com a patroa e com a empregada da família, é reavivarem não só as paredes internas, os vidros, os espelhos, as portas, e os circuitos eléctricos[9], mas também as paredes externas, os canteiros do jardim, o pequeno laranjal que nunca mais foi podado, e todos os sectores cuidadosamente delimitados da horta.

    No meio desta horta, com uma longa linha de alfazemas que crescem até à altura do muro que dá para a rua, há um chuveiro alto, de onde jorra em abundância a água fresquíssima do poço adjacente. Este chuveiro foi aqui instalado, mesmo no meio da plantação de melancias, pelo pai de António José, para que a pessoa possa largar a enxada e refrescar-se sempre que quiser em dias de calor imenso, como os deste Verão que assinala a instalação de Maria Alice em Estremoz.

    É isso mesmo que Maria Alice começa rapidamente a ter por hábito fazer, apenas em topless e sem tirar as botas de borracha. Inicialmente estes banhos de deusa guerreira têm lugar sobretudo ao fim do dia, quando o restauro já avançou mais alguns passos e até já há flores que começam a despontar aqui e além[10]. No entanto, à medida que as obras avançam, a confiança se estreita, o calor aperta, e tudo convida a mais uns minutos de prazer, o topless com botas de borracha começa a repetir-se a diferentes horas da tarde.

    Quando as melancias já estão a ficar maduras e deliciosas, Maria Alice aproveita estas pausas para arrancar mais uma da terra, lavar bem a sua casca na água do chuveiro, cortar umas grandes talhadas com a ponta e mola que trouxe do Mercado e agora anda sempre consigo metida na presilha dos calções, distribuir aquela delícia pelo pessoal que ande ali a trabalhar nesse dia, e ir ela própria comer a sua parte com a água fria a escorrer-lhe em cima.

    O muro que separa a horta do passeio da rua não é assim tão alto como isso, e as alfazemas que o acompanham por dentro foram podadas por forma a acompanhar os seus recortes em círculo.

    A notícia só podia correr depressa.

    Estremoz em peso é sacudido por um frisson como nunca houve outro antes.

    O Júnior já nunca sai de junto da dona. Sempre foi um animal calmo, simpático, e silencioso, como é característico dos Leões da Rodésia[11]. Mas agora alguma coisa mudou de figura. O cão começou a mostrar os dentes.


    Leia também o Episódio 1 do folhetim de Verão do PÁGINA UM da autoria de Clara Pinto Correia


    [1] Não é vaidade. É honestidade. Maria Alice ouve piropos desde os catorze anos, querem que pense o quê de si própria?

    [2] Incluindo, até, as miúdas que vêm a sair da escola. É verdade, aos oito anos já estão a pensar “quando for grande quero ser como aquela gaja,” o que, evidentemente, só lhes faz bem.

    [3] Maria Alice não é uma mulher presunçosa. É, apenas, uma mulher realista. Mesmo trancada dentro de si própria, consegue perfeitamente ver-se de fora. E ninguém pode acusá-la de ver claramente o efeito que exerce sobre os outros, sobretudo enquanto o marido está longe.

    [4] É nestas pequenas referências que se repara que Maria Alice é uma mulher culta. Até conhece o conceito platónico de eternidade, em que o Pégaso, com as suas enormes asas brancas, puxa para cima das nuvens, até à vizinhança do Olimpo, um carro dourado com os heróis caídos em batalha.

    [5] Até aqui é tudo verdade. Só a parte do soldado que correu os 42 quilómetros que separam Maratona de Atenas para anunciar a boa nova, gritou vitória bem alto na praça central, e depois morreu, tal como contada por Plutarco no século III é que é um mito. Pensando bem: alguém morre só de correr 42 quilómetros?

    [6] Ver Primeiro Episódio de CARTAS DE AMOR, “ESTREMOZ SUSPIRA”. Houve, de facto, uma longa cadeia de coincidências que trouxe Maria Alice repetidamente de volta a Estremoz a partir da adolescência. E, como toda a gente sabe, não há coincidências. Esta mulher bonita anda a ser sistematicamente trazida até Estremoz por uma qualquer razão que ainda nos escapa.

    [7] Há duas delícias gastronómicas em Estremoz que são sempre melhores do que em qualquer outro ponto do País: as queijadas de requeijão e as empadas de frango.

    [8] Uma vez mais, Maria Alice deixa entrever a sua cultura. Ou talvez não. No caso vertente, talvez esteja só a dizer-nos que viu todos os filmes da série INDIANA JONES.

    [9] Competências dos trolhas, claro – e não é que Maria Alice não pudesse dirigi-los, mas como adora actividades de outdoors e o priminho do marido adora tudo o que seja esburacar paredes e fazer passar fios de um lado para o outro, ela escolhe supervisionar o jardim e a horta, que são a competência óbvia das mulheres.

    [10] Ela não é propriamente exibicionista; apenas criou certos hábitos no Québèq e gosta deles.

    [11] Quando não estão a caçar leões, evidentemente. O que agora, alias, já nunca acontece. Antes de mais nada, deixou de haver Rodésia. E, sobretudo, é estritamente proibido caçar leões.

  • Blade Runner: a genialidade já tem quatro décadas

    Blade Runner: a genialidade já tem quatro décadas


    Lançado a 25 de Junho de 1982, mas estreado em Portugal apenas em Fevereiro de 1983, Blade Runner é considerado um dos melhores filmes de ficção científica de sempre. Baseado na obra do escritor americano Philip K. Dick, “Do Androids Dream of Electric Sheep?”, publicado em 1968, o filme foi realizado por Ridley Scott, e tem como protagonistas Harrison Ford, Rutger Hauer, Sean Young e Daryl Hannah.

    A história, pelo menos à superfície não parece muito complexa. Num futuro próximo, em 2019, que na verdade agora já passou, a Tyrell Corporation constrói uns androides (denominados de Replicants), Os Nexus 6, para trabalharem como escravos e substituírem os humanos em todos os empreendimentos espaciais, nomeadamente nas colónias.

    Quando um grupo de replicants mais avançados forma uma rebelião e matam várias pessoas para retornarem ao planeta Terra, é chamado um ex-polícia, que tem por nome de código Blade Runner, agora na reforma, para os encontrar e eliminar.

    Aquilo que torna Blade Runner num filme intemporal é um conjunto de temas e estéticas.

    Primeiro, Blade Runner apresenta uma visão do século XXI como uma distopia onde as corporações estão no topo das pirâmides decisionais e literais, conforme se vê logo no princípio do filme.

    Esta distopia combinada com a ideia de inteligência artificial, a estética de pobreza combinada com a tecnologia, patente nas ruas da cidade de Los Angeles, conferem o elemento cyberpunk que muitos consideram ter tido início precisamente neste filme, o que o torna num arquétipo.

    Por outro lado, temos os elementos de film noir, que trazem mais uma dimensão a este filme uma vez que em 1982 o género de ficção científica era parco no que toca à estética e temáticas desse género. Deckard (Harrison Ford) é uma espécie de detective com ambiguidades morais, alcoólico que acaba por salvar Rachael (Sean Young), uma replicant que assume o papel de femme fatale, com as convenções típicas de Noir, cigarro, discurso e pose agressiva, baton e roupas escuras.

    Finalmente a decadência urbana, a noite, e o chiaroscuro, a convenção cénica mais conhecida da estética Noir. Na cena onde Deckard avança na sua ambiguidade e beija Rachael, (que apesar de femme fatale é um robot), a luz e a sombra vinda das persianas são postas sob a cara do actor que expressa a prisão moral onde a personagem se encontra ao sucumbir ao desejo.

    Ainda é de destacar o Bradbury Building como local de filmagem de Blade Runner, mas que é uma homenagem a um dos mais icónicos e clássicos de Noir, Double Indemnity.

    Mas Blade Runner apresenta ainda temas como os opostos raciais e sociais. O multiculturalismo é anexado à pobreza das ruas onde se veem várias raças e a azáfama constante. No topo dos edifícios (a pirâmide simbólica) apenas existem caucasianos, vê-se o pôr do sol e não se ouve barulhos citadinos.

    Outro tema e outra dualidade são os arcos desenvolvidos por Deckard e Batty (Rutger Hauer) ao longo do filme. O ponto de partida de Batty é o desejo de viver e o de Deckard o trabalho de eliminar. Este segue as ordens dos seus superiores e embora os replicants tenham uma vida curta de modo a não poderem desenvolver empatia, é Deckard que parece mais maquinal e implacável na sua missão imposta pela hierarquia. Desse modo, há como que um paradoxo entre o robot que quer ser livre e viver e a frieza laboral do suposto humano que os persegue, e por isso a inversão dos carácteres das personagens.

    É certo que este paradoxo é um ponto de partida que se flexibiliza ao longo do filme, pelo remorso de Deckard após eliminar uma mulher replicant e o peso dessa mágoa que no fim o faz salvar Rachael, a robot fatale.

    Batty começa num registo mais emocional à procura de uma forma de prolongar a sua vida e a dos seus, como uma espécie de protector da sua classe. No entanto, ao perceber que isso não é possível, vinga-se e mata o seu criador, Tyrell e de uma forma visceral, contrapondo a sua construção em que é supostamente um autómato. É mais tarde, antes da sua morte que Batty se redime ao salvar Deckard da sua morte. Batty entende que a vida e a empatia são os valores mais importantes e assim transmuta-se de robot para humano.

    Estas personagens, que se vão transformando ao longo do filme, encerram uma questão filosófica à volta do que é ser um humano e de que é feita a natureza humana. Se existe um pré-determinismo ou se são as nossas escolhas que nos fazem quem nós somos e somos livres para escolher.

    Nesse sentido este tema recai no Existencialismo e Pós-modernismo como pano de fundo já que as personagens principais parecem condenadas a uma consequência, mas como indivíduos escolhem o seu próprio caminho negando as grandes narrativas que lhes são impostas. Os superiores/ criadores que as impõem assumem o papel do discurso dominante veiculado para uma sociedade autoritária que quer tornar o indivíduo numa ferramenta, a que este se rebela.

    O assassinato de Tyrell tem ainda outra conotação tanto religiosa como “Nietzchiana”. Se este é o criador e Batty o criado, a morte de Tyrell simboliza a morte de Deus ainda que num ser imperfeito. A morte do Pai é a ascensão do filho, mas é também a ideia do ubermensch, o super-homem de Nietzsche, já que enquanto estão vivos, os replicants são uma forma melhorada do ser humano por serem mais rápidos, mais fortes e mais capazes, que desejam a liberdade acima das restrições morais.

    O tema da religião reaparece na mão de Batty, quando é pregada, e assim assume a posição de um Jesus (ainda que androide) que morre pelos seus e mostra aos humanos a transfiguração do robot em algo mais.

    Apesar de todos estes temas e estéticas, Blade Runner não teve nem o sucesso nem a importância que hoje lhe é indiscutível. Custou 28 milhões de dólares e teve um retorno à escala mundial de apenas 41 milhões. Foi mais tarde que lhe seria conferido o estatuto de filme de culto, já na fase do DVD. Ainda assim este filme tem algumas versões posteriores ao seu primeiro lançamento.

    É hoje mais consensual que a versão 2007 Director’s Cut é aquela onde o realizador Ridley Scott tem mais liberdade para a sua edição e é por isso aquela que é considerada a melhor versão.

    Seja que versão se veja o que é importante para qualquer amante do género, o melhor é ir ver se ainda não viu, ou então rever esta obra-prima num mundo cinéfilo cheio de primas de obra.

    Blade Runner é sem dúvida um filme à frente do seu tempo e influenciou grandes êxitos do género da ficção científica como por exemplo Matrix ou Quinto Elemento.

  • Estante P1: Junho de 2023

    Estante P1: Junho de 2023

    Título

    Indignação

    Autor

    Philip Roth

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Indignação é o vigésimo sétimo livro de Philip Roth, conta a história da educação do jovem Marcus Messner nas circunstâncias assustadoras e nas obstruções anómalas que a vida acarreta.É uma história de inexperiência, loucura, resistência intelectual, descoberta sexual, coragem e erro contada com toda a energia criativa e todo o engenho de que Roth é possuidor.É simultaneamente uma ruptura inesperada com as narrativas obsidiantes da velhice e suas experiências que são os seus livros mais recentes e um poderoso aditamento às investigações do autor sobre o impacto da história da América na vida do indivíduo vulnerável.

    Título

    Salvar o fogo

    Autor

    Itamar Vieira Junior

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Depois de ter ficado órfão de mãe, Moisés vive com o pai e a sua irmã Luzia na Tapera do Paraguaçu, um povoado cujo domínio das terras pertence à Igreja, que ali detém um mosteiro desde o século XVII. Os irmãos partiram todos em busca de uma vida melhor, mas Luzia foi obrigada a ficar para cuidar do pai e do menino; estigmatizada pelos seus supostos poderes sobrenaturais, leva no entanto uma vida de profundo sentido religioso, trabalhando como lavadeira do mosteiro e educando Moisés rigidamente com o objetivo de o inscrever na escola dos padres e conseguir para ele a educação que nenhum deles pôde ter. Porém, a experiência dessa formação marcará o rapaz de tal modo que ele acabará por deixar intempestivamente a casa.Será só vários anos mais tarde, depois de um grave acontecimento que é o pretexto para a família toda se reunir, que Moisés reencontrará Luzia – uma Luzia arrependida dos silêncios e magoada pelas mentiras, mas simultaneamente combativa, lutando como nunca contra as injustiças, pela posse da terra dos seus antepassados.Épico e lírico, emocionando o leitor a cada nova página, Salvar o Fogo é um romance que mostra que muitas vezes os fantasmas de uma família não se distinguem dos fantasmas de um país. A ferida aberta pelo multipremiado Itamar Vieira Junior nesta obra-prima só o leitor poderá fechar.

    Título

    O piloto de Casablanca

    Autor

    José António Barreiros

    Editora

    Oficina do Livro

    Sinopse

    Durante a Segunda Guerra Mundial, quando voar era uma aventura arriscada, a ligação aérea entre Lisboa, Tânger e Casablanca, celebrizada num dos mais emblemáticos filmes de Hollywood, com Humphrey Bogart e Ingrid Bergman, era exclusivamente assegurada por Portugal, enquanto país neutro no conflito. O piloto que fazia essa rota, por vezes em condições de grande perigo, chamava-se José Cabral e era um comandante de marinha, corajoso e audaz.Graças a esta figura notável da aviação naval, com contactos nos serviços secretos britânicos e norte-americanos, refugiados de guerra salvaram-se da ameaça nazi e diplomatas e militares das forças Aliadas cumpriram missões na operação de desembarque no Norte de África, o princípio do fim do III Reich.Cabral viria a ser galardoado com a mais alta distinção concedida pelos EUA a militares estrangeiros, mas cairia no esquecimento no país onde nasceu. Resgatando a sua memória, José António Barreiros recorda a vida, a bravura e as missões clandestinas deste herói português.

    Título

    As primas 

    Autora

    Aurora Venturini

    Editora

    Alfaguara

    Sinopse

    A obra-prima de uma escritora catapultada para a fama literária mundial aos 85 anos. A história de uma família em que as mulheres procuram fugir à norma, com ecos de Lucia Berlin, Shirley Jackson e Carson McCullers.Na cidade argentina de La Plata, nos anos de 1940, conhecemos Yuna e Petra, duas primas que pertencem à mesma família disfuncional, precária e destinada à desgraça. Pela voz de Yuna, vemos um universo tortuoso de mulheres abandonadas à sua sorte, a braços com a pobreza, a deficiência, o delírio fantasmagórico e a pressão social.Para se evadir do cerco das histórias de ameaças, violações e homicídios, Yuna recorre à sua imaginação artística: a cada episódio de violência, pinta uma nova tela. Vendo na arte uma fuga ao estropiamento familiar, Yuna lança sobre o seu mundo um olhar selvático — ora cândido e perspicaz, ora violento e ensimesmado — e protagoniza uma história que desafia todas as convenções literárias.Aurora Venturini poderia ser uma das peculiares personagens dos seus romances, já que o seu percurso ficou marcado pelo fait-divers de ter vencido um concurso literário para novos talentos quando já tinha escrito dezenas de livros e se aproximava do fim da vida.

    Entre o romance de formação, a delirante autobiografia, o divertimento literário e a radiografia de uma época, As Primas é uma obra que celebra, ao mesmo tempo, as dimensões universal e privada da literatura, revelando a desconcertante originalidade de uma autora que ousa colocar perguntas quase sempre cuidadosamente mantidas em silêncio.

    Título

    Sob a estrela do outono

    Autor

    Knut Hamsun

    Editora

    Cavalo de Ferro

    Sinopse

    Sob a Estrela do Outono, até hoje inédita em português, é unanimemente considerada uma das obras fundamentais de Knut Hamsun.Fugido da “azáfama, dos jornais e das pessoas da cidade”, o protagonista deste romance, ao qual Hamsun empresta o seu próprio nome, Knut Pedersen, refugia-se no campo em busca da verdadeira vida, determinado a conquistar aí a calma e a paz interior.Senhor de si mesmo, vagueia de quinta em quinta, despoja-se da sua roupa elegante para desempenhar o ofício de pedreiro ou lenhador, dá asas à sua veia de inventor, enamora-se de uma mulher casada — um amor proibido que levará este vagabundo idealista de volta ao ponto de partida: um regresso à paixão, ao sofrimento e à cidade.

    Título

    Lucy à beira-mar

    Autor

    Elizabeth Strout

    Editora

    Alfaguara

    Sinopse

    Distinguida com o Prémio Pulitzer, a extraordinária escritora Elizabeth Strout regressa, neste romance, à sua icónica personagem Lucy Barton, protagonista de uma história de empatia, emoção, perda e esperança.Quando o medo pandémico se apodera da cidade, Lucy Barton abandona Manhattan e muda-se com William, o seu ex-marido, para uma pequena cidade costeira no Maine. nos meses que se seguem, os dois vivem numa casa perto do mar, experiência que vai revelar-se transformadora. Lucy e William voltam a ser os companheiros de há tantos anos — a diferença é que se encontram isolados do mundo em colapso, estando a sós com um complexo passado, com as suas memórias e com os seus desejos.Elizabeth Strout explora os interstícios do coração humano e compõe um retrato revolucionário e luminoso das relações íntimas durante os confinamentos. no cerne desta história estão os laços profundos que nos unem, mesmo quando separados: o vazio após a morte de alguém que amamos, ou o consolo de um antigo amor que afinal perdura.

    Título

    Agente Sonya 

    Autor

    Ben Macintyre

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Em 1942, numa pacata aldeia da região verdejante de Cotswolds, no centro de Inglaterra, uma mulher magra e elegante vivia numa pequena casa de campo com os três filhos e o marido, que trabalhava nas imediações como maquinista. Ursula Burton era afetuosa, mas reservada, e falava inglês com um ligeiro sotaque forasteiro. Parecia viver uma vida simples, humilde. Os vizinhos de aldeia sabiam pouco sobre ela.Não sabiam que, na verdade, era uma oficial de alta patente da espionagem soviética. Não sabiam que o marido também era espião, nem que ela comandava uma poderosa rede de agentes a operar na Europa. Por detrás da fachada da sua vida pitoresca, Burton era uma comunista convicta, uma coronel soviética, uma agente experiente que recolhia segredos científicos que permitiriam à União Soviética construir a bomba atómica.Esta história verdadeira, de espionagem, é uma obra-prima sobre a mulher com nome de código «Sonya». Ao longo da sua carreira foi perseguida pelos chineses, japoneses e nazis, pelo MI5, MI6 e o FBI, sem nunca ter sido apanhada. A sua história reflete o grande confronto ideológico do século XX entre o comunismo, o fascismo e a democracia ocidental, e lança uma nova luz sobre as lutas e as lealdades instáveis dos espiões no nosso tempo.

    Título

    Imperatriz

    Autora

    Pearl S. Buck

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Em Imperatriz, Pearl S. Buck dá vida à incrível história de Cixi, a concubina imperial que acabaria por liderar a dinastia Ching.Nascida numa família humilde, Cixi apaixona-se pelo seu primo Jung Lu, um belo guarda imperial – mas ainda em adolescente é escolhida, com a sua irmã e centenas de outras raparigas, para ir morar para a Cidade Proibida.Destacando-se pela sua beleza, Cixi está determinada a tornar-se a preferida do Imperador, e dedica todo o seu talento e astúcia à concretização desse objetivo. Quando o Imperador morre, Cixi encontra-se numa posição que lhe dá o poder supremo, que irá manter durante quase cinquenta anos, usando-o tanto para trazer paz ao império como para promover Jung Lu, a quem amará – em segredo – para sempre.Num mundo de intrigas liderado por homens, Cixi irá tomar a seu cargo várias decisões importantes e será responsável pela modernização da China, sem que nunca tenha recebido por isso o devido crédito. Muito foi escrito sobre Cixi, mas nenhum outro romance recria a sua vida – a sua extraordinária personalidade e, ao mesmo tempo, o mundo das intrigas da Corte e o período de tumulto nacional com o qual ela lidou – tão bem como Imperatriz.

    Título

    Um enfarte no alto do Parque

    Autor

    Francisco Moita Flores

    Editora

    Casa das Letras

    Sinopse

    Francisco Moita Flores preparava-se para iniciar uma sessão de autógrafos na Feira do Livro de Lisboa, de 2022, quando foi acometido por um enfarte agudo do miocárdio, ficando em estado de “morte súbita”. São raras as vítimas que sobrevivem a este estado clínico, caso não lhe sejam rapidamente ministradas manobras de reanimação.Graças à pronta reação de médicos, que se encontravam na Feira, e dos serviços do INEM, foi possível reverter a situação. Moita Flores seria operado de urgência no Hospital de Santa Marta com sucesso.Ainda na fase de convalescença, tendo sido informado do alarido que se criou em torno do caso, decidiu contar a história na qual é o principal personagem. Partindo da sua própria experiência de “morte súbita”, discorre bem-humorado sobre os acontecimentos que se desencadearam na Feira do Livro. O seu objetivo é ajudar na prevenção da doença cardíaca.Com uma narrativa, pontuada aqui e ali com observações engraçadas, muito ao seu estilo, dá o testemunho de quem “morreu” e “ressuscitou”, prendendo o leitor e prevenindo-o para que não sofra de igual ocorrência.

    Título

    Covid – Uma trágico-comédia

    Autor

    Bruno Barata

    Editora

    Edições Vieira da Silva

    Sinopse

    Covid – Uma trágico-comédia, um resumo em tom crítico utilizando o humor, com sarcasmo ilustrativo, à pandemia.Desde a forma como a comunicação social actuou logo no início, às medidas, estudos/recomendações que médicos e investigadores propuseram e governantes impuseram, e estratégias individuais que cada um adoptou, ninguém escapou a uma comédia global.Nada como analisar o comportamento da sociedade enquanto não vem o próximo fim do mundo.

    Título

    O parque dos cães

    Autora

    Sofi Oksanen

    Editora

    Alfaguara

    Sinopse

    Escritora multipremiada, Sofi Oksanen regressa com um romance sobre a condição feminina, a exploração do corpo da mulher, a maternidade e a teia criminosa e lucrativa em torno daquelas que tudo perderam.O Parque dos Cães oscila entre dois mundos: a Helsínquia da atualidade e a Ucrânia que conquistou a independência, após o colapso da União Soviética. Do cruzamento destas duas realidades, surge uma outra: a endémica corrupção do Leste, alimentando a ganância voraz do Ocidente. Nesta interseção, conhecemos duas mulheres que partilham uma história de lealdade, amor e confiança traída. Dão por si arrastadas para uma torrente de lutas de poder que opõe famílias influentes, mas que também opõe sexo feminino e sexo masculino. A razão é só uma: o corpo da mulher tem a capacidade de dar vida e, por causa disso, torna-se fonte de lucro.Sofi Oksanen lança-se mais uma vez num tema fraturante e incómodo do mundo atual, numa narrativa que oscila entre o thriller psicológico e a mais comovente humanidade. O Parque dos Cães retrata a vida de uma mulher que se descobre incapaz de fugir à memória do filho que perdeu, aos fantasmas que a assombram e às mentiras que lhe salvaram a vida.Esta é a história do lado negro da indústria da fertilidade, mas também do ponto a que todos somos capazes de chegar para concretizar sonhos impossíveis.

    Título

    O desertor

    Autor

    Abdulrazak Gurnah

    Editora

    Cavalo de Ferro

    Sinopse

    Obra representativa do talento de Abdulrazak Gurnah, O Desertor evoca o complexo ambiente social, religioso e cultural da África Oriental na época colonial através de duas histórias de amor, separadas pelo tempo, mas unidas pelo seu desfecho, evidenciando o intricado mosaico de uma África ainda desconhecida.Ao romper de mais uma manhã, Hassanali está a caminho da mesquita quando um forasteiro branco, vindo do deserto, desaba a seus pés. Hassanali decide ajudar aquele homem — um explorador e orientalista inglês de nome Martin Pearce — levando-o depois para casa de um oficial, seu conterrâneo.  Quando Pearce regressa para agradecer a Hassanali por lhe ter salvado a vida, também conhece a irmã dele, Rehana, com quem viverá uma história de amor proibido.

    Título

    Sempre

    Autor

    Morris Gleitzman

    Editora

    Fábula

    Sinopse

    “Manter a esperança — sempre. É o meu lema.”Felix, um órfão judeu, polaco, que sobreviveu aos horrores da Segunda Guerra Mundial, tem agora 87 anos. Um dia, aparece-lhe em casa, na Austrália, um menino de 10 anos, Wassim, vindo de um país da Europa de Leste, com um pedido de ajuda que ele não vai conseguir recusar. De alguma forma, a história de ambos está interligada e a inocência e a esperança de Wassim, perante problemas dramáticos, convencem Felix a envolver-se numa aventura que o leva a revisitar pessoas e memórias que pensava nunca mais ter de reviver.A narração desta obra é feita alternadamente por estes dois heróis, um idoso e uma criança, e é comovente como ambos são igualmente corajosos, solidários e determinados. Além do nazismo, aborda questões atuais como o racismo, a condição de refugiado e a violência no mundo moderno. Felizmente a maldade não sai sempre vencedora.O último livro da série juvenil sobre a vida de Felix, um órfão judeu marcado pela Segunda Guerra Mundial, sobre os horrores da guerra e as razões de esperança no melhor da humanidade. Tão emocionante, positivo, cativante e inspirador como os anteriores. 

    Título

    Linguagens da verdade – Ensaios 2003-2020

    Autor

    Salman Rushdie

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Salman Rushdie é celebrado como “um mestre da narrativa contínua” (The New Yorker), iluminando verdades da nossa sociedade e cultura através da sua prosa deslumbrante e, muitas vezes, cáustica. Esta coletânea de textos de não-ficção reúne ensaios, críticas e discursos perspicazes e inspiradores, que se focam na relação de Rushdie com a palavra escrita e fortalecem o seu lugar como um dos pensadores mais originais do nosso tempo. 

    Linguagens da Verdade reúne textos escritos entre 2003 e 2020 e demonstra o envolvimento intelectual de Salman Rushdie com certos períodos de mudanças culturais. Mergulhando o leitor numa ampla variedade de assuntos, explora a natureza do ato de narrar como uma necessidade humana, e o resultado é uma carta de amor à literatura. Rushdie analisa o que obras de autores desde Shakespeare e Cervantes até Samuel Beckett, Eudora Welty e Toni Morrison significam para ele, tanto na página impressa como a nível pessoal. Ao mesmo tempo, tenta aprofundar a natureza da “verdade”, deleitando-se com a vibrante maleabilidade da linguagem e das linhas criativas que podem unir arte e vida, e revisita temas como a migração, o multiculturalismo e a censura.

    Título

    Como um marinheiro eu partirei

    Autor

    Nuno Costa Santos

    Editora

    Elsinore

    Sinopse

    Uma narrativa profundamente humana que revisita a carreira e a vida do famoso cantor belga Jacques Brel e a sua passagem crepuscular pelos Açores.”Um homem fuma um cigarro à proa de um iate, concentrado no som do mar.”Este homem é Jacques Brel, compositor e intérprete de canções de um lirismo e elaboração extraordinários, explosivas, contagiantes, que arrebatam audiências. De espírito rebelde e inconformado, no auge da sua popularidade, Brel toma a decisão intempestiva de abandonar para sempre os palcos.Romance, biografia, reportagem, reflexão sobre os nossos medos mais secretos, em Como um Marinheiro Eu Partirei, Nuno Costa Santos compõe com a força da Literatura uma indagação sobre a identidade pessoal.

    Título

    Amigos até ao fim

    Autor

    John Le Carré

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    No seguimento da guerra do Iraque, o inglês Edward “Ted” Mundy, filho de um major na reserva do antigo exército indiano, escritor falhado e guia turístico na Baviera, vê reaparecer o seu passado na pessoa de Sacha, o militante da Alemanha de Leste que ele encontrara nos finais dos anos 60 numa Berlim entregue à agitação revolucionária, e que tornou depois a ver no espelho embaciado dos espiões da Guerra Fria, para a montagem de uma operação de agente duplo. Mas os tempos mudaram, e a amizade dos dois, renovada em nome de um idealismo tornado obsoleto, vai ser minada pelas cínicas manobras de uma América mais imperialista do que nunca.

    Com este romance, Le Carré fez o epitáfio da espionagem à moda antiga e dos valores ultrapassados que estruturavam o universo dos agentes secretos; depois do 11 de Setembro, as “causas justas” perderam o seu valor quando a América de Bush impôs a todo o mundo a marcha forçada da sua autoglorificação triunfalista e hegemónica.Lançando um olhar cruelmente céptico sobre as manobras maquiavélicas de uma América envolta na sua boa consciência, le Carré denuncia também a cega mesquinhez do homem, e a sua mensagem desesperada perseguirá o leitor durante muito tempo após a leitura da última linha.

    Título

    A secretária de Churchill

    Autora

    Susan Elia Macneal

    Editora

    Saída de Emergência

    Sinopse

    Numa era de desafios sem precedentes, ela pode ser a única hipótese de vencer a guerra…Londres, 1940. Churchill chegou ao poder e a guerra alastra. Mas isso não detém Maggie Hope, uma jovem com um dom natural para decifrar códigos que rivaliza com as mentes mais brilhantes do governo. Em tempos conturbados e mortíferos, o acesso à Sala de Guerra do primeiro-ministro dá a Maggie a oportunidade única de desvendar as conspirações de um grupo determinado a alterar o curso da História.

    Enredada numa rede de espiões, homicídios e intriga, a jovem tem de trabalhar para equilibrar o seu dever com a Pátria e as suas oportunidades de sobreviver. E quando se vê envolvida num mistério que envolve a sua própria família, Maggie descobre que a sua inteligência é tudo o que se interpõe entre o plano mortal de um assassino e o próprio Churchill. 

    Uma estreia ambiciosa e uma personagem fascinante que promete tensão e mistério para os próximos volumes.

    Título

    Atlas do histórico do Mediterrâneo – Da Antiguidade aos nossos dias

    Autor

    Florian Louis

    Editora

    Guerra e Paz

    Sinopse

    Compreender este espaço compósito permite-nos compreender a história dos territórios e países que o delimitam e que com ele têm interagido desde a Antiguidade:• Um mar fértil, que viu nascer e crescer os grandes impérios mesopotâmico, grego e romano;• Um mar agitado, entre conquistas bizantinas, Cruzadas, Reconquista e estabelecimento do Império Otomano;• Um mar dominado por uma Europa hegemónica a partir do final do século XVIII;• Um mar turbulento onde estão em jogo grandes desafios contemporâneos – conflitos, crise migratória e questões ambientais.Perto de 90 mapas e documentos ajudam a recriar a história rica e viva deste frágil mosaico, que deve enfrentar o desafio de permanecer um elo entre as suas margens.

    Título

    Ensino superior e desenvolvimento

    Autor

    José Ferreira Gomes

    Editora

    Fundação Francisco Manuel dos Santos

    Sinopse

    Como tem evoluído o sistema português de ensino superior? Com que política e investimento estatais, rede institucional, procura estudantil e retrato de docentes? Como se incentiva, financia e produz ciência nas universidades e com que ligação à administração pública e ao setor produtivo privado?Neste livro faz-se uma análise do sistema de ensino superior e da investigação científica numa perspetiva de comparação internacional e de serviço público disponibilizado aos cidadãos. Descreve-se o enorme atraso educativo acumulado nos 150 anos anteriores à Primeira Guerra Mundial e a lenta recuperação até fins do século passado. na ciência, enquanto atividade profissionalizada, a nossa história não ultrapassa meio século. Tendo atingido hoje indicadores educativos e científicos comparáveis aos dos nossos pares europeus, interessa compreender as razões do seu moderado impacto no desenvolvimento económico e social do país.

    Título

    Receitas & estórias

    Autor

    Octávio Viana

    Editora

    Thorn Publishers

    Sinopse

    Nunca houve um livro de receitas como este, nem um livro de estórias que pudesse divertir tanto, ao mesmo tempo que ensina qualquer pessoa a cozinhar de forma simples, fácil e rápida.

    O autor, não sendo um chef e nem tão pouco versado na arte culinária, brinda-nos com receitas fáceis de executar por qualquer pessoa, mas que ainda assim são pratos espetaculares para levar até à mesa mais exigente.

    Nesta deliciosa obra, o autor resgata da sua memória receitas que revelam uma soberba e maravilhosa mistura de sabores, aromas e cores, acompanhadas sempre com uma pitada de fabulosas estórias e histórias que vão desde a origem do cioccolato cremino, em Torino, Itália, até às aventuras pessoais vividas por aí.

    As receitas tanto podem ser usadas para confecionar um almoço rápido, como um jantar soberbo e elaborado, uma deliciosa sobremesa conventual portuguesa ou um verdadeiro gelato artesanal italiano.

    Se quer descobrir os segredos de um bom risotto de trufa branca de Alba, receita da Paola, do tiramisù da pastelaria Nascimben, da mousse de chocolate da Inês, do gelato cremino da gelataria Ariosto, do pesto genovese da Chiara, do creme de pistacchio da Mariangela, entre outros deliciosos segredos, sempre com uma estória para cada receita (ou uma receita para cada estória), este é o livro certo).

    Título

    Pedro Páramo

    Autor

    Juan Ruflo

    Editora

    Cavalo de Ferro

    Sinopse

    O seminal Pedro Páramo, de Juan Rulfo, é considerado um dos livros mais influentes, enigmáticos e sublimes da Literatura universal.Hoje considerada uma Obra Representativa da Unesco e “um dos livros mais influentes do século”, a publicação de Pedro Páramo, em 1955, representou um ponto de viragem na literatura hispano-americana e mundial, que ajudou a renovar.”Álvaro Mutis subiu, a passos largos, os sete pisos da minha casa comum pacote de livros, separou do monte o mais pequeno e curto e disse-me, morto de riso:

    – Leia isto, carago, para que aprenda!

    Era Pedro Páramo

    Nessa noite não consegui adormecer enquanto não terminei a segunda leitura. Nunca, desde a noite tremenda em que li A Metamorfose, de Kafka, numa lúgubre pensão para estudantes em Bogotá – quase dez anos antes -, eu sofrera semelhante comoção (…).

    Não são muito mais de 300 páginas, mas são quase tantas, e creio que tão perduráveis, como aquelas que conhecemos de Sófocles.”Do texto introdutório de Gabriel García Márquez, Prémio Nobel de Literatura.A obra de Juan Rulfo influenciou de forma decisiva autores distinguidos com o Prémio Nobel de Literatura, como Gabriel García Márquez e Octávio Paz.

    Título

    Galileu em Pádua

    Autor

    Alessandro De Angelis

    Editora

    Gradiva

    Sinopse

    Quando, aos 28 anos, Galileu Galilei obtém a prestigiante cátedra de Matemática da Universidade de Pádua, tem tanta fama de cientista genial como de pessoa conflituosa.

    Não se licenciou, bebe demasiado, frequenta bordéis; um pequeno poema grosseiro contra os professores custou-lhe a renovação do contrato em Pisa, enquanto em Bolonha mentiu sobre o seu currículo. E, no entanto – sem descuidar os prazeres da vida, que adorará partilhar com o amigo Sagredo -, em Pádua, Galileu fará a sua entrada no milieu da cultura e da política mundial; verá nascer os seus três filhos; e apontará o cannocchiale para o céu nas suas primeiras observações, que mudarão a História do Mundo. 

    Alessandro de Angelis revela um Galileu pouco conhecido, imperfeito, memorável, num livro que, assentando numa rigorosa pesquisa história, joga com os mundos da ficção e da não ficção e narra os dezoito anos desregrados e tempestuosos que Galileu definirá como os melhores da minha vida.

    Título

    O homem sentimental

    Autor

    Javier Marías

    Editora

    Alfaguara

    Sinopse

    Decorreram quatro anos desde que o cantor lírico León de Nápoles viu pela primeira vez, no comboio entre Veneza e Madrid, Natalia Manur, acompanhada pelo marido, um abastado banqueiro, e pelo misterioso Dato. É nessa carruagem e entre estas quatro personagens que começa uma história de paixões levada até às últimas consequências.

    Em torno dos protagonistas, gravitam outras figuras: uma prostituta sempre com pressa, uma antiga estrela da ópera, um meticuloso viúvo, um velho amor. Quem será, no fim de contas, o «homem sentimental»?

    Um artista e pensador, ou um homem de negócios e de ação? Frequentemente comparado com obras de Proust e de Unamuno – pelo refinamento literário e pela engenhosa construção das personagens e do enredo – O homem sentimental é um romance de amor em que o amor não é visto nem vivido, mas antes intuído e relembrado, como se a sua essência fosse a melancolia e o mistério.

    Uma história cujo ritmo se acelera progressivamente, atravessada pela habitual ironia fina de Javier Marías, que a conduz a um imprevisível desfecho.

    Título

    Quem sai aos seus

    Autora

    Liane Moriarty

    Editora

    Asa

    Sinopse

    Vista de fora, a família Delaney é perfeita. Joy e o marido, Stan, são treinadores de ténis famosos e arrasam nos courts e fora deles. Os seus quatro filhos – Amy, Logan, Troy e Brooke – já são independentes. Após vidas ativas tão intensas, Joy e Stan decidem vender a sua reputada academia de ténis e desfrutar da tranquilidade da reforma.

    Mas quando uma mulher misteriosa entra inesperadamente na vida do casal e Joy desaparece sem explicação, deixando apenas uma mensagem enigmática, tudo é subitamente posto em causa.

    A polícia interroga Stan. Para alguém que se diz inocente, o marido parece ter muito a esconder. Dois dos filhos acreditam na inocência do pai, mas os outros dois não têm assim tanta certeza. Divididos, eles têm pela frente o desafio mais duro e a pergunta mais arrepiante das suas vidas: será que alguma vez conheceram verdadeiramente os pais?

    Está na hora de os irmãos Delaney reavaliarem a história da família…

    Os direitos para TV de Quem Sai aos Seus foram já adquiridos, após o estrondoso sucesso das adaptações televisivas das obras da mesma autora: Pequenas grandes mentiras e Nove perfeitos desconhecidos (ambas protagonizadas por Nicole Kidman).

    Título

    As emoções de Leopoldo

    Autora

    Deborah Marcero

    Editora

    Fábula

    Sinopse

    O Leopoldo não gosta de sentir medo. Nem tristeza, raiva, solidão ou vergonha.

    Por isso, tem uma ideia: guardar essas emoções em frascos, bem fechados, para não o perturbarem.

    Este livro maravilhoso, da mesma autora de Os tesouros do Leopoldo, pode contribuir para o processo de aprender a controlar as nossas emoções, pelo qual todos temos de passar.

    Título

    Não obedeças mais

    Autor

    Gustavo Santos

    Editora

    Alma dos Livros

    Recensão

    Quando iniciei a minha aventura literária a minha missão era levar amor-próprio a quem me lia. Não era, não é, e nunca será, ser aceite ou aclamado por todos.

    Com este livro aprofundo a necessidade de cada um se comprometer com a sua própria verdade, de forma que atinja a liberdade ilimitada que tem e que ninguém lhe pode dar ou roubar.

    Para isso há que tirar o medo da vontade, há que enfrentar o S.I.S.T.E.M.A., olhos nos olhos, porque se há um ponto fraco do medo, é, sem sombra de dúvida, ser olhado de frente.

    Nestas páginas, viverás o teu combate pessoal. Serás tão abanado como acolhido. Sentir-te-ás tão só como acompanhado; tão cansado como renovado; tão revoltado como apaziguado.

    Podem dizer que é polémico. Mas, também, num mundo cheio de mentiras, qualquer verdade é polémica.

    Título

    Sul

    Autor

    Ernest Shackleton

    Editora

    Alma dos Livros

    Sinopse

    Ano de 1914. Enquanto a sombra da guerra cai sobre a Europa, um grupo liderado pelo experiente explorador Ernest Shackleton propõe-se atravessar pela primeira vez o continente antártico. A distância de aproximadamente 2900 quilómetros será percorrida, em grande parte, sobre terreno desconhecido.

    A determinação inabalável, a lealdade e a resistência deste pequeno grupo de homens, isolado durante quase dois anos nos bastiões do gelo polar, esforçando‑se por levar a cabo a sua missão, são uma narrativa única na história da exploração da Antártida.

    Espera-os uma grande aventura de relatos inesquecíveis, dias extenuantes, noites de solidão e experiências únicas. O otimismo inicial é de curta duração e, à medida que uma vasta extensão de gelo envolve o navio no qual viajam apertando-o até quebrar, a tripulação de 28 homens é abandonada à sobrevivência na imensidão do gelo polar.

    Numa luta épica contra os elementos, Shackleton lidera a sua equipa numa busca angustiante pela sobrevivência nalguns dos terrenos mais inóspitos do mundo. Mares gelados e tempestuosos cheios de ondas gigantes, icebergues colossais, um frio atroz que não lhes dá tréguas e a fome sempre iminente são os inimigos mortais destes homens que lutam a todo o custo para permanecer vivos.

    A sua viagem será para sempre recordada como prova da força de vontade e do poder da resistência humana.

    Título

    A arte de vencer uma discussão sem precisar de ter razão

    Autor

    Arthur Schopenhauer

    Editora

    Alma dos Livros

    Sinopse

    Acontece com frequência uma pessoa estar objetivamente certa e, no entanto, aos olhos dos outros e, às vezes, aos seus próprios, sair-se pior numa discussão, sendo confundida ou refutada por argumentos meramente superficiais.

    Por exemplo, apresenta uma prova de alguma afirmação, mas o seu adversário refuta-a e, assim, parece ter refutado a afirmação para a qual, no entanto, pode haver outras provas. Neste caso, é claro, o adversário e a pessoa trocam de lugar – ele sai-se melhor, embora, na verdade, esteja errado.

    Assim, a vitória numa disputa deve-se muitas vezes não tanto à correção de um julgamento ao declarar uma afirmação, mas sim à astúcia e à argumentação com que ela foi defendida.

    Se o leitor perguntar como é que isto acontece, respondemos que é simplesmente a vileza natural da natureza humana. Se a natureza humana fosse inteiramente honrada, não deveríamos, em nenhum debate, ter outro objetivo que não a descoberta da verdade.

    Para vencer uma discussão não é fundamental ter razão, é apenas necessária a arte e o engenho de refutar as afirmações do adversário e conduzir a audiência a tomar o seu partido.

    A arte de vencer uma discussão sem precisar de ter razão é a arte de disputar uma conversa de modo a ganhar a contenda mantendo o seu ponto de vista, independentemente de estar certo ou errado.

    Arthur Schopenhauer propõe explicar de que maneira podemos fazer com que as nossas ideias tenham sucesso apesar da sua falsidade ou da sua inconsistência. O filósofo precursor do pessimismo aponta que a verdade objetiva de uma afirmação e a sua aprovação por aqueles que a discutem não são a mesma coisa. Devido à perversidade natural do ser humano, nas disputas quotidianas, de facto, o objetivo não é a descoberta da verdade, mas sim o desejo fútil de ter razão.

    Título

    O homem que plantava árvores

    Autor

    Jean Giono

    Editora

    Alma dos Livros

    Sinopse

    Uma parábola sobre a missão do ser humano no planeta e das virtudes da sua ação positiva sobre o meio onde vive. Conta-nos a história de um homem que, com o seu esforço solitário, constante e paciente, transforma a região onde vive num lugar especial.

    Com as próprias mãos e uma generosidade sem limites, faz, do nada, surgir uma floresta inteira – com um ecossistema rico e sustentável. Lembra-nos de como as nossas pequenas ações diárias podem ter um grande impacto com o decorrer dos anos. Um verdadeiro hino de esperança, de generosidade, de fé, de humildade, de perseverança e de amor à vida.

    O homem que plantava árvores, de Jean Giono, é uma narrativa breve, mas brilhante, uma verdadeira joia recheada de mensagens ecológicas e humanistas, que alcançou um enorme sucesso mundial. É uma parábola sobre a missão do ser humano no planeta e das virtudes da sua ação positiva sobre o meio onde vive.

    Conta-nos a história de um homem que, com o seu esforço solitário, constante e paciente, transforma a região onde vive num lugar especial.

    Título

    1177 a.C.: O ano em que a civilização colapsou

    Autor

    Eric H. Cline

    Editora

    Alma dos Livros

    Sinopse

    O ano de 1177 a. C. foi um ponto de viragem para o mundo antigo. Grupos conhecidos como Os Povos do Mar invadiram o Egito. O exército e a marinha dos faraós conseguiram vencê-los, mas a vitória enfraqueceu o território, que depressa entrou em declínio, arrastando consigo as civilizações vizinhas.

    Depois de séculos de evolução cultural e tecnológica, as regiões mediterrânicas conheceram uma paragem abrupta. Grandes impérios e pequenos reinos colapsaram subitamente. Mas, sozinhos, os Povos do Mar não poderiam ter causado um colapso tão generalizado. O que foi, então, que aconteceu?

    Apesar da distância que nos separa dessas civilizações ser superior a três milénios, são maiores os paralelismos do que se possa pensar à partida: embargos económicos, intrigas internacionais, desinformação militar deliberada, rebeliões, migrações e alterações climáticas.

    E se estivermos apenas no início de uma outra tempestade perfeita de fatores de stress nas nossas sociedades? Haverá mais eventos cataclísmicos a caminho? Teremos resistência suficiente para ultrapassar o mais que nos for atirado ou caminhamos para o colapso dos múltiplos elementos que compõem a nossa complexa sociedade global?