Categoria: Cultura

  • Lourenço Cazarré vence Prémio Imprensa Nacional/Ferreira de Castro

    Lourenço Cazarré vence Prémio Imprensa Nacional/Ferreira de Castro


    O inédito Memória de Simeão Boa Morte e Outros Contos Poéticos, do escritor brasileiro Lourenço Cazarré, é o grande vencedor da 5ª edição do Prémio Imprensa Nacional/Ferreira de Castro, foi ontem anunciado. O galardão, atribuído em parceria com o Ministério dos Negócios Estrangeiros, pretende distinguir portugueses e lusodescendentes a residir no estrangeiro. Além de um valor pecuniário (5.000 euros), Cazarré terá esta obra premiada publicada pela chancela da Imprensa Nacional.

    Nascido em 1953 na cidade brasileira de Pelotas, no Rio Grande do Sul, Lourenço Cazarré descende de portugueses de Cinfães, uma vila do distrito de Viseu. Os seus avôs emigraram para o outro lado do Atlântico na transição para o século XX. É pai do actor Juliano Cazarré.

    Autor de quase meia centena de livros, entre romances, novelas e contos, a sua obra tem sido distinguida no Brasil com vários prémios, dos quais se destacam o Prémio Jabuti de Literatura Infanto-Juvenil (Nadando contra a morte, 1998), o Prémio Biblioteca Nacional (Os filhos do deserto combatem na solidão, em 2018) e o Prémio Paraná de Literatura (Kzar Alexandre, o louco de Pelotas, em 2018).

    Lourenço Cazarré

    Em 2009, Lourenço Cazarré publicou também ao romance A misteriosa morte de Miguela de Alcazar, que ‘convoca’, como personagens, diversos escritores de livros policiais, e onde se destaca um português, o gerente do hotel onde ocorre um homicídio. Esta obra está agora a ser reescrita em parceria com o director do PÁGINA UM, o também escritor Pedro Almeida Vieira, e publicada em folhetim aos domingos.

    Lourenço Cazarré tem também colaborado no PÁGINA UM com diversos textos e ensaios, prevendo-se para breve a publicação de uma resenha sobre um livro de crónicas de Eça de Queirós.

    De acordo com o comunicado de imprensa, o Prémio Imprensa Nacional/Ferreira de Castro, além de homenagear a figura incontornável e exemplar de Ferreira de Castro, pretende reforçar os vínculos de pertença à língua e cultura portuguesas, estimular a participação de portugueses residentes no estrangeiro e lusodescendentes, prestando, assim, às comunidades portuguesas dispersas pelo mundo o justo reconhecimento pelas atividades que desenvolvem nos seus países de acolhimento.

    Concorreram à 5ª edição deste prémio um total de 69 candidaturas provenientes da Bélgica, Reino Unido, Estados Unidos da América, Cabo Verde, Brasil, França, Irlanda, Suíça, Espanha, Canadá, Sri Lanka e Portugal.


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  • Estante P1: Dezembro de 2023

    Estante P1: Dezembro de 2023

    Título

    Miséria e esplendor da tradução

    Autor

    José Ortega y Gasset

    Editora

    Guerra & Paz

    Sinopse

    Um dos grandes textos da filosofia da tradução no século XX e uma contribuição continuamente fecunda para o pensamento sobre o acto de traduzir, Miséria e Esplendor da Tradução, de José Ortega y Gasset, nunca tinha sido publicado em Portugal, apesar de há muito se encontrar traduzido em vários idiomas e em vários países.

    Este famoso ensaio, escrito em Paris, durante o exílio do filósofo espanhol na capital francesa, foi originalmente publicado em 1937 e por capítulos num diário de Buenos Aires. Miséria e Esplendor da Tradução apresenta-se como a presumível transcrição de uma sessão no Collège de France, sendo Ortega uma voz entre outras, num modelo inspirado nos diálogos platónicos.

    Logo no início, o autor remete para a famosa traição do tradutor, Traduttore, traditore, mas o título liga-o indelevelmente a Balzac e ao seu Esplendores e Misérias das Cortesãs, criando, entre as duas profissões mais antigas do mundo, um elo que se funda na necessidade e na impossibilidade que ambas colmatam.

    Talvez também por isso Miséria e Esplendor da Tradução continue a ser um dos ensaios em língua espanhola sobre tradução mais citados de sempre.

    Título

    De plebeias a princesas e rainhas – Os contos de fadas da actual realeza europeia

    Autor

    Alberto Miranda

    Editora

    Guerra & Paz

    Sinopse

    Seis actuais soberanas europeias, três princesas herdeiras e um futuro príncipe consorte são os protagonistas deste livro. Em comum, têm o facto de não serem oriundos da realeza.

    Sónia da Noruega desesperou dez anos para ser aceite como noiva real. Sílvia da Suécia precisou de prudência para passar de plebeia a rainha. Maria Teresa do Luxemburgo teve de se fazer aceitar numa corte sem princesas vindas do povo. Máxima dos Países Baixos não tinha nenhum contacto com a realeza até conhecer Willem-Alexander. Letizia era um rosto bem conhecido dos espanhóis, mas o país nunca pensou que a jornalista da TVE fosse a escolha do príncipe herdeiro. Charlene do Mónaco abandonou a sua carreira olímpica por amor. Mette-Marit da Noruega tinha tudo menos um passado real… Mary da Dinamarca não fazia a menor ideia de que o homem por quem se apaixonou estava na linha de sucessão para ser um futuro rei. Kate era plebeia e encontrou a sua cara-metade nos bancos da universidade. Daniel da Suécia passou de personal trainer da princesa herdeira a seu marido graças ao Cupido.

    Entre esfera pública e vida privada, Alberto Miranda conta como várias lutas de sofrimento e de superação trouxeram ventos de mudança às monarquias europeias, unindo as razões de Estado às razões do coração.

    Título

    A Quinta dos Animais – O Triunfo dos Porcos

    Autor

    George Orwell

    Editora

    Guerra & Paz

    Sinopse 

    Fartos das condições em que vivem os animais da quinta, o velho Major, um porco benevolente e sábio, incentiva os animais à revolta contra a opressão de que são alvo por parte do seu dono, o senhor Jones. A rebelião é bem-sucedida e os animais criam, entre si, um sistema de pensamento que fará com que haja igualdade entre todos. No entanto, com a sedução do poder, poderão os ideais que marcaram o início da rebelião vingar?

    Sob a forma de fábula, Orwell faz uma mordaz alegoria sociopolítica em que descreve a história da União Soviética, fazendo com que os episódios da obra acompanhem cronologicamente o desenrolar dos seus acontecimentos históricos: desde a revolução de 1917 até à conferência de Teerão.

    A Quinta dos Animais – O Triunfo dos Porcos é, ainda hoje, além de sempre controversa, uma das mais importantes e relevantes contribuições literárias acerca da corrupção dos ideais de igualdade e liberdade pelo poder. Poderão os porcos vencer?

    Título

    Maria! Não me mates, que sou tua mãe!

    Autor

    Camilo Castelo Branco

    Editora

    Guerra & Paz

    Sinopse

    Com este folheto de cordel nasceu um dos maiores prosadores da língua portuguesa.

    Maria! Não me mates, que sou tua mãe! pode parecer apenas uma narrativa de faca e alguidar, mas a verdade é que já contém o fulcro dos grandes romances de Camilo, o fatal amor de perdição e a presença do macabro. Camilo publicou-o anonimamente em 1848. E saíram, depois, mais duas edições, também anónimas que foram autênticos bestsellers. Só 40 anos depois se soube que Camilo era o autor. Autor só do primeiro folheto ou também dos que saíram com o título Matricídio sem exemplo? Os especialistas dividem-se, mas nas Obras Completas da Lello Editores e na edição brasileira da Loyola e Giordano publicam-se a 1ª edição e a 3ª, que inclui já o julgamento e sentença de Maria José, a assassina de sua mãe.

    Pela primeira vez num livro só, são essas versões que publicamos, defendendo que ambas são de Camilo e oferecendo aos leitores todos os elementos para que desfrutem destes textos deliciosos, tão tétricos como irónicos, e decidam por si mesmos.

    Título

    O Romântico

    Autor

    William Boyd

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Nascido em 1799, Cashel Greville Ross vive uma infinidade de vidas: tanto alegres como devastadoras, entre anos de sorte e perdas inesperadas. De County Cork a Londres, de Waterloo a Zanzibar, Cashel procura a sua fortuna por todos os continentes, na guerra e na paz.

    Enfrenta uma terrível escolha moral numa aldeia do Sri Lanka, integrando o exército das Índias Orientais. Em Pisa, entra no mundo dos poetas românticos. Em Ravena, conhece uma mulher que viverá no seu coração para o resto dos seus dias. À medida que viaja pelo mundo como soldado, agricultor, criminoso, escritor, pai, amante, experimenta todas as vicissitudes da vida e, através da turbulência acelerada do século XIX, descobre quem é verdadeiramente.

    Neste íntimo, mas panorâmico, romance sobre a própria vida, somos levados pelo coração pulsante d’O Romântico na montanha-russa aleatória que é a existência.

    Título

    Está tudo bem

    Autora

    Cecilia Rabess

    Editora

    Edições Asa

    Sinopse

    No seu primeiro dia de trabalho como analista financeira na Goldman Sachs, Jess, de 22 anos, fica frustrada ao constatar que fará parte da equipa do seu grande rival na faculdade: o conservador, privilegiado – e branco – Josh. Jess, que é a única mulher negra no escritório, sente-se ignorada e subestimada. E embora Josh não a poupe nas críticas que lhe faz – da atitude pessoal ao desempenho profissional – a verdade é que a apoia sempre que ela precisa, chegando a enfrentar os restantes colegas.

    À medida que a rotina os aproxima, os preconceitos de um e outro começam a diluir-se. Entre almoços no escritório e cocktails de fim de tarde, a relação de trabalho transforma-se lentamente em algo semelhante a uma amizade. Até ao dia em que se envolvem num romance eletrizante e tempestuoso, que os choca a ambos.

    Mas as diferenças entre eles são demasiado profundas. Jess, que está agora a começar a descobrir quem é, vê-se forçada a perguntar a si própria quanto está disposta a ceder por amor, e até, na verdade, se o deve fazer de todo. Um fantástico romance de estreia, que nos apresenta Cecilia Rabess como um talento literário a não perder de vista, Está tudo bem coloca-nos diante de um espelho e obriga-nos a ver as mais duras verdades sobre nós próprios. Afinal, quem somos por detrás das nossas escolhas?

    Título

    Mapa cor de sangue

    Autor

    Rui Cardoso

    Editora

    Oficina do Livro

    Sinopse

    Portugal, 1808. Uma revolução social acompanha os levantamentos patrióticos. O povo insurge-se contra a velha ordem dos fidalgos e eclesiásticos e, ao mesmo tempo, contra o jugo do invasor francês. Em Melgaço e Beja, populares lincham os magistrados. Em Foz Côa, casas de famílias abastadas são saqueadas. Por outro lado, quem ousa rebelar-se contra os franceses é punido. Os habitantes de Vila Viçosa, Rio Maior, Alpedrinha e Régua são brutalmente castigados pelos soldados de Napoleão, mas nada se compara aos massacres em Leiria e Beja.

    Os ingleses desembarcam e os franceses negoceiam a saída. Mas regressam menos de um ano depois. A guerrilha é espontânea, heroica e impiedosa. O general Bernardim Freire de Andrade é linchado pelo povo. E a entrada das tropas napoleónicas no Porto fica marcada por lutas casa a casa e pelo desastre da Ponte das Barcas, no qual milhares de pessoas perdem a vida. Fuzila-se e incendeia-se como método de contra-insurreição. Em São João da Madeira, a retaliação pela morte de um oficial francês leva à execução de um em cada cinco homens e rapazes da Arrifana.

    A resistência em Amarante exaspera os franceses, que incendeiam a cidade. Em agosto de 1810, o rio Côa tinge-se de sangue no prelúdio do cerco de Almeida, onde morrem meio milhar de defensores. Serão depois as vertentes do Buçaco a ficar juncadas de corpos de combatentes. Portugal entrava no século XIX de forma violenta e traumática. Às invasões seguir-se-á a luta entre liberais e absolutistas, e mesmo depois da vitória dos primeiros, haverá quase 20 anos de instabilidade, golpes militares e revoluções… O retrato sangrento de uma época em Portugal que põe em causa o mito dos brandos costumes.

    Título

    O rei sem abrigo – Don Juan Carlos I de Espanha

    Autor

    José de Bouza Serrano

    Editora

    Oficina do Livro

    Sinopse

    José de Bouza Serrano, que conheceu Juan Carlos nos anos 80, quando era um jovem diplomata colocado na Embaixada de Portugal em Madrid, recorda neste livro o agitado percurso de vida do monarca nascido no exílio – condição em que, de certa forma, se encontra novamente.

    Numa narrativa com um cunho muito pessoal, graças aos laços familiares, afectivos e profissionais do autor com o país vizinho, Bouza Serrano lembra a infância solitária e a adolescência atribulada de Juan Carlos, vividas entre Portugal e Espanha, a sua complexa relação com o ditador Francisco Franco e os problemas que enfrentou nos últimos anos, nomeadamente os escândalos financeiros e o romance com Corinna Larsen – a grave doença do Corinna Vírus -, que culminaram com a abdicação e o posterior autoexílio.

    Irá Juan Carlos acabar os seus dias longe do país onde reinou durante quase quarenta anos e que tanto lhe deve? Voltará apenas depois de morto, ao panteão de reis no Escorial?

    O retrato de um dos mais fascinantes monarcas europeus.

    Título

    O Cavaleiro Inexistente

    Autor

    Italo Calvino

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Ambientada numa improvável Idade Média, mas mais próxima do que nunca da realidade do nosso tempo, O Cavaleiro Inexistente é uma fantasia histórica sobre o eficientíssimo e meticuloso Agilulfo – cavaleiro que, afinal, mais não é do que uma armadura vazia – e o seu surpreendente escudeiro Gurdulu – que existe de facto, embora não saiba o que fazer à vida que tem, acabando por se perder entre as coisas do mundo.

    Agilulfo, paladino de Carlos Magno, é um cavaleiro valente e nobre. Tem apenas um defeito: não existe. Ou melhor, a sua existência está limita à armadura que veste: brilhante, branca e… vazia. Agilulfo não consegue comer nem dormir porque, se perder a concentração, mesmo que por um momento, deixa de existir. Acompanhado pelo seu escudeiro Gurdulu, enquanto Carlos Magno sitia Paris, Agilulfo irá correr toda a França, a Inglaterra e o Norte de África para confirmar a castidade da filha do rei da Escócia, que salvou, 15 anos antes, de uma violação.

    Nesta espirituosa paródia aos romances de cavalaria, sob a forma de uma história contada por uma freira, há surpreendentes achados narrativos, e a confissão final da freira não é o menor deles.

    Título

    Hotel Savoy

    Autor

    Joseph Roth

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    «Hotel Savoy, hotel em que uns vivem e outros morrem…»

    Um jovem judeu vienense, prisioneiro durante três anos, regressa a casa depois de ser libertado de um campo siberiano, no final da Primeira Guerra Mundial. Ainda em terra estrangeira, numa das paragens que faz pelo caminho, ficará hospedado no Hotel Savoy, cenário suspenso numa atmosfera desconcertante e ilusória.

    Este é um tempo de mudança para ele e para a comunidade judaica local. Novos hábitos, novos negócios, novos desejos insinuam-se por entre um mundo que doravante se sabe condenado ao efémero. E todo esse universo feérico, lúgubre, espaventosos e miserável vive e agita-se em torno do hotel, um edifício gigantesco semelhante a tantos outros em todas as cidades do continente, espécie de símbolo, ao mesmo tempo acolhedor e perverso, dos contrastes e dos dramas que marcam a vida de todos os dias.

    Conforme explica, no final do livro, o ativista Zvonimir aos emigrantes que chegam de Leste, o Hotel Savoy «é um palácio rico e uma prisão. Nos andares de baixo moram, em quartos amplos e bonitos, os ricos… e, nos andares de cima, os pobres diabos que não têm dinheiro para pagar os quartos». Porém, como sucede a todos os palácios e a todas as prisões em épocas de vertiginosa mudança, o hotel e os seus habitantes caminham cegamente para o abismo…

    Irónico, crítico, conciso e poético, Joseph Roth transporta-nos para a vida agitada deste hotel em particular, como um apicultor experiente num enxame em convulsão.

    Título

    Mais além, o mar

    Autora

    Laura Spence-Ash

    Editora

    Edições Asa

    Sinopse

    1940. Londres está em chamas.

    Sob o intenso bombardeamento alemão, Millie e Reginald Thompson tomam a decisão mais difícil das suas vidas: enviar a filha de 11 anos, Beatrix, para longe da devastação da guerra, separando a família. É assim que Bea se junta ao grupo de crianças assustadas e solitárias que rumam aos Estados Unidos em busca de refúgio.

    Já em Boston, é recebida pelos Gregory, que a integram carinhosamente nas suas rotinas descontraídas. Aos poucos, Bea habitua-se aos seus costumes, que incluem verões na costa do Maine, festas e muitos amigos. Aproxima-se dos seus novos “irmãos”, William e Gerald.

    A menina tímida vai dando lugar a uma jovem confiante e descontraída, que sente ali – com a sua família “emprestada” – a alegria que nunca sentiu com os pais na tristonha vida que partilhavam em Inglaterra. À medida que os anos passam, as recordações dessa existência anterior parecem evaporar-se – até ao dia em que, tendo terminado a guerra, recebe a notícia de que chegou a hora de regressar a casa.

    Chegará como uma desconhecida a essa casa original de contornos agora esbatidos, onde a mãe a aguarda, incerta quanto ao futuro, com o coração irremediavelmente preso no passado.

    Título

    Construa a vida que quer – A Arte e a Ciência de se tornar mais feliz

    Autores

    Arthur C. Brooks; Oprah Winfrey

    Editora

    Casa das Letras

    Sinopse

    Em Construa a vida que quer, o professor de Harvard Arthur C. Brooks e Oprah Winfrey convidam-no a iniciar uma viagem rumo à verdadeira felicidade, independentemente do desafio das suas circunstâncias. Combinando as suas décadas de experiência a estudar a felicidade de todos os ângulos, mostram-lhe como melhorar a sua vida agora mesmo – em vez de esperar que o mundo exterior mude.

    Aprenderá a:

    – Gerir as suas emoções para que estas deixem de controlar a sua visão e o seu comportamento- Transformar as dificuldades e os desafios inevitáveis da vida em oportunidades de crescimento- Fortalecer os seus laços familiares, gerindo as suas expectativas e criando confiança- Criar e preservar amizades profundas e duradouras em qualquer idade- Desenvolver uma abordagem ao trabalho que se adapte à sua vida e lhe dê satisfação- Encontrar a sua paz interior com uma prática espiritual

    Construa a vida que quer apresenta-lhe a ciência de vanguarda que pode mudar a sua vida, em termos compreensíveis e com estratégias exequíveis. Ao longo do caminho, Arthur e Oprah partilham a sabedoria adquirida com muito esforço nas suas próprias vidas e carreiras. Em cada página, as suas capacidades de felicidade aumentarão e aprenderá informações surpreendentes que mal pode esperar para partilhar com os outros.

    Construa a vida que quer é o seu projeto para uma vida melhor.

    Título

    A malnascida

    Autora

    Beatrice Salvioni

    Editora

    Alfaguara

    Sinopse

    Com ecos de autores como Natalia Ginzburg, Alberto Moravia ou Elena Ferrante, eis a estreia fulgurante de uma escritora cuja mestria literária se dedica, neste romance, à procura da origem do mal e dos obstáculos à liberdade individual.

    Monza, Itália, 1936. Francesca, de 13 anos, está nas margens do rio Lambro, vergada sob o peso de um homem morto que tentou violá-la. Maddalena, amiga de Francesca, sai da água e ajuda-a a livrar-se do corpo: escondem-no no meio de arbustos. Este momento é um marco inolvidável na relação entre as duas raparigas, que começa um ano antes, quando Francesca se deixa fascinar por aquela a quem todos chamam «a Malnascida»: uma rebelde de origens humildes e com estranhos poderes.

    Contrariando a vontade da sua mãe, obcecada pelas convenções sociais burguesas, e ignorando os rumores que atribuem várias mortes à Malnascida, Francesca junta-se ao seu bando de amigos problemáticos, ávida por descobrir um modo de vida em absoluta liberdade. Entre as duas amigas, contudo, imiscui-se a guerra e o fascismo. Francesca e Maddalena terão de fazer uma difícil escolha: aliar-se contra a opressão social e a injustiça, ou deixar que o curso da História as separe para sempre.

    A malnascida é o elogiado romance de estreia da italiana Beatrice Salvioni, distinguido com o prémio literário Scuola Holden, criado pelo premiado escritor Alessandro Baricco. Uma inesquecível história de amizade e crescimento, sob o pano de fundo da Itália fascista.

  • A misteriosa morte de Miguela de Alcazar

    A misteriosa morte de Miguela de Alcazar


    Um romance policial do brasileiro Lourenço Cazarré…

    … em nova versão com o aportuguesado dedo (e ironia) de Pedro Almeida Vieira


    46 – A satisfação de um meganha lendo um belo laudo de autópsia

    Jerônimo Aroeira empertigou-se, tossiu, limpou a garganta e lascou:

    – Na análise do corpo da senhorita Miguela de Alcazar y Casas de Bourbon, espanhola, 96 anos, solteira, foi identificada a presença de três tipos de veneno. Nas vísceras, em meio a restos de uma refeição, composta de arroz, feijão, carne e batata frita, detectamos a presença de arsênico em alta concentração. No sistema nervoso central, encontramos neurotoxina de serpente, do tipo viperidae, que pode ter sido injetada no corpo da vítima a partir de uma minúscula perfuração que localizamos no pescoço. Por fim, encontramos também traços significativos de estricnina, notadamente nos lábios e na língua da vítima.

    O olhar do delegado, desejoso de constatar a surpresa dos escritores diante daquela bela peça de oratória necrológica, percorreu ligeiro ao redor da mesa. Correu em vão, porque, até mais do antes, os olhares dos escritores estavam cravados na toalha suja.

    Do outro lado da mesa, mas exatamente na minha frente, Batota ergueu seu polegar direito, que era grosso como tronco de sequoia. Com aquele gesto, ele queria me informar que estava favoravelmente impressionado com o trabalho do legista.

    Após um fundo suspiro, o policial retomou a leitura:

     – Quando analisávamos a caixa craniana da vítima, observamos um ligeiro afundamento, na nuca, resultante de golpe. Pelo exame da região occipital, verificamos que se tratava de ferimento recentíssimo. Tal lesão foi causada por objeto pesado, certamente arredondado. Embora não tenhamos podido avaliar, no pouco tempo que nos foi concedido, a total extensão do referido dano, se mortal ou não, podemos assegurar que ele foi considerável, tendo em vista a fragilidade dos ossos da vítima pela sua idade muito adiantada.

    O pasmo era geral. Ninguém ali, nem os escritores, nem Batota, nem eu, esperava um estudo tão detalhado e tão bem escrito. E realizado em tão pouco tempo.

    – Estou abismado com esta peça criminalística – comentou Batota. – O mundo inteiro, sejamos sinceros, nada espera de um brasileiro que não a mais completa e absoluta incompetência.

    Com o braço direito dobrado, bati com força no bíceps. Ou seja, respondi-lhe com uma banana. Ou com um manguito, como dizem nas tavernas onde cantam os fadistas.

    Ignorando minha pantomima, o delegado prosseguia:

    – A análise dos pulmões mostrou danos recentes e extensos: paredes violentamente corroídas e alvéolos estranhamente rígidos. Na parte inferior do pulmão esquerdo, havia importante quantidade de sangue. Concluímos desses indícios, que a vítima evidentemente inalou algum tipo de gás letal. Esse gás, inequivocamente, lhe enrijeceu os alvéolos, que ficaram como que petrificados. Logramos recolher uma pequena amostra do elemento químico que causou os severos danos às paredes do órgão respiratório. Submetemo-lo a um exame, mas não conseguimos identificá-lo com precisão. Acreditamos, porém, que se trata de um novo composto mortífero, sintetizado recentemente em laboratórios do Leste europeu, o russorum venenorum mortalis, do qual tivemos notícia através de publicações acadêmicas. 

    Havia soberba, e muita, na cara feiosa de Aroeira enquanto lia aquele belíssimo documento oficial.

    Ora, esta leitura tão arrasadora fez evaporar parcela considerável do álcool que eu havia ingerido. Que, convenhamos, não fora pouco. Cada palavra pronunciada pelo delegado soprava para mais longe a nuvem que toldava minha cachola. A cada frase dele, eu ficava mais esperto.

    Por fim, veio o arremate:

    – Concluindo, ao examinarmos o coração, detectamos também que a vítima sofreu um enfarto agudo do miocárdio. Não se pôde constatar, com precisão, se esse evento determinou o óbito ou não. Experiências científicas recentes comprovaram que, em pessoas de idade avançada, tais infartos são menos devastadores. Em função disso, julgamos que, no caso em estudo, são significativas as possibilidades de o ataque cardíaco ter apenas contribuído para a morte. Dito de outra forma: só se juntando aos demais prejuízos sofridos pela vítima, quais sejam envenenamento múltiplo e pancada, a síncope cardíaca pode ter acarretado o falecimento. Fazemos, no entanto, uma ressalva. Em se tratando de uma morte tão intrincada como a que tivemos sob as lentes do nosso microscópio, não se pode afastar a hipótese de estarmos diante de um enfarte malignamente induzido.

    Aroeira dobrou o laudo com gestos vagarosos e majestáticos e o guardou no bolso interno do casaco. Julgando-se, no íntimo, o Rei da Cocada Preta.


    47 – A vacilante habilidade dos cachaceiros

    Depois daquela leitura, as engrenagens do meu cérebro voltaram a se movimentar. Em baixa velocidade, devo admitir. Mas o certo é comecei a perceber a ligação entre certas frases ditas pelo delegado e outras frases que eu escutara ao longo daquela tarde.

    No entanto, sem sequer esboçar um pedido de autorização, Jerônimo Aroeira abriu uma garrafa de vinho, levou-a aos beiços e sugou, num só gole demorado, tudo o que nela havia. E, a seguir, com a maior calma deste mundo cão, voltou a falar em um tom de voz ainda mais grave:

    – Em uma já longa carreira policial, nunca tive caso semelhante em minhas mãos. Morte em cima de morte. O crime mais parecido a este de que me lembro foi praticado, no Rio de Janeiro, por um louco que tinha a mania de se dizer poeta. Depois de matar a pauladas um companheiro de hospício, também versejador, o sujeito resolveu degolá-lo para não deixar aberta a possibilidade de uma ressurreição. Mas como a cabeça, já autônoma, continuasse a declamar dodecassílabos, o poeta alucinado decidiu jogá-la ao mar para que se afogasse. Por que tudo isso? Porque o poeta assassinado tinha a mania de dizer que pertencia à Academia Brasileira de Letras e que, portanto, era imortal.

    Era visível e bem palpável o nervosismo dos escritores perante a leitura de Aroeira. Perguntei-me: estarão tensos apenas porque não esperavam laudo tão acurado ou terão algum outro motivo, mais profundo, para ficarem inquietos?

    Implacável, continuou o delegado, como se apreciasse mais o impacto de suas revelações do que a sua função de meganha:

    – Hoje, aqui, tivemos uma vítima à qual foram impostas muitas mortes: triplo envenenamento, inalação de gás letal, pancada e, para culminar, um belo enfarte. Seguramente provocado. Senhoras e senhores, eu nunca ouvi falar em crime semelhante. É crueldade demais! E foi cometida neste hotel.

    O policial voltou-se então para o gerente do hotel:

    – Senhor Batota, vamos ter uma longa noite pela frente. Assim, ordene ao garçom que traga novas garrafas para completar a lotação do carrinho! Como as pessoas aqui presentes terão de falar bastante, quero uma boa provisão de líquidos para que todos refresquem permanentemente a garganta. In vino veritas.

    Fiquei surpreendido com a sagacidade, digamos, etílica, demonstrada ali pelo homem da lei e da ordem. O português se levantou e, um tanto vacilante, foi até o telefone.

    Enquanto em voz baixa o Batota se entendia com o garçom, o delegado Aroeira levantou-se e, com as mãos às costas, calado, pensativo, passou a caminhar ao redor da mesa.

    Pouco depois, surgiu o garçom equilibrando precariamente uma imensa bandeja na qual luziam incontáveis garrafas. O pobre homem estava ainda mais bêbado. Temi que ele derrubasse alguma botelha ao passá-la para o carinho, mas não ocorreu nenhum acidente. Ele era dotado da vacilante habilidade dos cachaceiros escolados. Detinha-se sempre a um milímetro do desastre.

    Sentado na pontinha da cadeira, muito tenso, assisti à transferência das garrafas. Se aquele garçom quebrasse uma só delas, eu lhe arrebentaria os óculos com um murro. Tomo como ofensa pessoal qualquer dano a uma garrafa, seja de que bebida for.

    Conheço muito garçons que trabalham embriagados. Afinal, não é tarefa das mais complicadas trazer pratos cheios e levá-los embora depois, vazios. E eles sempre podem tomar de graça uns restinhos de vinho caro porque as mulheres, para se mostrarem sofisticadas, costumam deixar um golinho no fundo da taça.

    Pois bem, abastecido o carrinho, o garçom tentou achar o caminho de volta ao elevador, mas, seu caminhar incerto e trêmulo o levou diretamente a uma janela aberta. Pensei que escolheria a forma mais rápida de descer ao térreo: voando. Porém, um tropeção em uma cadeira o desviou da morte o lançou com precisão na porta escancarada do ascensor, que o engoliu.

    Espichei uns olhos babosos para o carrinho de bebida. Já estava praticamente sóbrio de novo, pronto para mais uma saturnal. Bebida de graça é uma coisa muito linda, bebida boa de graça é algo maravilhoso.

    – Sirvam-se, senhores – comandou o delegado.

    Voei para o carrinho e, com gestos rápidos e precisos, enchi um copo com Joãozinho Caminhador de quinze anos, rótulo azul. Nunca, jamais coloco cubos de gelo no meu copo. Segundo um amigo meu, engenheiro físico-químico, cubo de gelo só serve para ocupar espaço no copo. Além disso, cá entre nós, gelo pode irritar a garganta do bebedor.

    Enquanto os escritores se serviam, Aroeira, mamando no gargalo de uma garrafa de gim, os observava com atenção. Eu também estava alerta porque, como o delegado, ali me encontrava a serviço.

    Bugres e Fedorova pegaram pelo pescoço garrafas já destampadas. Ele foi de vinho; ela, de cachaça. Pragmáticos, evitavam desse modo o trabalho de encher o copo a todo instante. O poeta argentino, o mais agitado da mesa, falava em voz alta e ria nervosamente. Seu comportamento atraiu a atenção do delegado, que se dirigiu a ele em tom casual:

    – Senhor Bugres, o que tem o senhor, um homem cultíssimo, a nos dizer sobre a morte, ou, melhor, sobre as múltiplas mortes de Miguela de Alcazar?

    O autor de A biblioteca de Babel só respondeu depois de tomar um quase infindável gole de vinho:

    – Pouca coisa. Miguela era uma espanhola e, como sabemos, os espanhóis sofrem de um avassalador sentimento de inferioridade diante de nós, argentinos. Não suportam que sejamos mais ricos, elegantes e inteligentes do que eles. Mas a pobre Miguela de Alcazar me odiava também porque há décadas venho sendo lembrado para receber o Nobel, enquanto o nome dela jamais foi sequer mencionado.

    Batota intrometeu-se:

    – Mas, ao final das contas, o senhor também nunca recebeu o Nobel!

    – Felizmente. Se eu o tivesse recebido, provavelmente Miguela de Alcazar teria cravado um punhal no meu coração. Não suportaria essa derradeira, embora justa, humilhação.

    – Não estou interessado na disputa de vaidade entre cucarachas – rosnou Aroeira. – Tendo em vista a autópsia, meus homens neste momento estão fazendo uma varredura no apartamento 1313. Certamente, encontrarão traços de sua passagem por lá, senhor Bugres. Portanto, poupe-me a trabalheira e me diga: por que motivo o senhor matou a velha?

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    48 – Palavras vivem trocando de sentido

    A dureza daquela pergunta – feita de chofre, como dizem na terrinha dos comedores de bacalhau – espantou a todos nós.

    – Não gosto das suas frases, delegado! – o poeta bateu com a ponta da bengala no chão. – O senhor vai diretamente ao ponto. A verdadeira linguagem, no entanto, é labiríntica, sinuosa. Devemos andar por ela em círculos, tateando. Feito o alerta, eu lhe respondo: não matei Miguela de Alcazar, mas não afirmo isso de forma categórica.

    – Como assim? – espantou-se o policial. – Explique-se melhor!

    Bugres prosseguiu:

    – Reconheço, no entanto, que posso ter contribuído para a morte dela, sim. Porém, se isso ocorreu, foi sem que eu o desejasse.

    – Não sou bom em gramática – disse o delegado, fazendo cara de nojo. – Aliás, das incontáveis regras que regem nossa intrincada língua portuguesa, só guardei uma: não se coloca vírgula entre sujeito e verbo. Portanto, não entendi exatamente aonde o senhor quer chegar com esse palavrório.

    – Realmente, para meter bandidos na cadeia, o senhor delegado não necessita de sintaxe sofisticada – comentou o argentino. – Mas, voltando ao principal, falarei agora da minha hipotética participação na morte de Miguela de Alcazar. Se contribui para o falecimento dela, foi com uma inocente brincadeirinha…

    – Brincadeirinha?

    – Exato, delegado. Miguela costumava ler logo após o almoço. Sabedor disso, coloquei um bilhetinho zombeteiro dentro do livro que ela estava lendo. Pode ser que ela tenha visto o tal bilhete…

    – Conte melhor essa história! – exigiu o policial.

    – Bem, tudo começou na portaria deste hotel. Quando nos registrávamos, escutei o porteiro dizer a Miguela que ela ficaria hospedada no apartamento número 1313. No mesmo instante, lembrei-me de que a Bíblia que Miguela costumava ler tinha exatamente 1313 páginas. Possuo um exemplar da mesma edição, que saiu do prelo do impressor Juan Cabeza de Toro, em Barcelona, em 1796. Foi com grande gosto que li essa edição, num internato suíço. Quando ainda não era cego, é evidente…

    – Volte para a história central – resmungou o delegado, já impaciente.

    – Ali mesmo, na portaria, discretamente, rabisquei um bilhetinho. Escrevi-o com a mão esquerda para disfarçar minha letra. Depois, pedi a Miguela que me deixasse tocar sua Bíblia. Aleguei que queria cheirar a encadernação em couro. Coloquei então o bilhete na última página. E pensei assim: se por acaso o encontrar, Miguela terá um belo susto.

    – O que dizia o bilhetinho?

    – Não lembro, delegado. Usei várias palavras, mas não me recordo em que ordem eu as escrevi. Dizem que as palavras costumam trocar de lugar na frase depois de escritas. Assim, com o passar do tempo, os textos assumem novos sentidos. Por vezes divergentes dos originários. Num conto famoso levantei a hipótese de que, fechado um livro, as palavras se movem de uma página a outra, a fim de confraternizar…

    – Não li esse conto – cortou o policial, seco. – E, se o tivesse lido, decerto não teria gostado. Não me venha com lengalengas! Não tente tirar o corpo fora! O senhor sabe exatamente o que escreveu no bilhete. Portanto, fale a verdade!

    E avançou ameaçador para o argentino, talvez para dar-lhe um susto, levando-o a confessar. Não levou em conta que o grande vate argentino, como os imensos Milton e Homero, vivia na escuridão perene.

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    (cont.)


    Sobre os autores (actividade literária)

    Nascido em Pelotas, no Estado brasileiro do Rio Grande do Sul, em 1953, Lourenço Cazarré é autor de mais de 35 livros, entre novelas juvenis, contos e romances. Participou em 17 antologias de contos. Recebeu mais de 20 prémios literários de âmbito nacional, tendo vencido por duas vezes o maior certame literário dos anos 80, a Bienal Nestlé, nas categorias romance, com O calidoscópio e a ampulheta (1982), e contos, com Enfeitiçados todos nós (1984). Um de seus livros para jovens, Nadando contra a morte, recebeu o Prémio Jabuti, em 1998, e o selo de “Altamente Recomendável para Jovens”, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Ganhou ainda o Concurso Nacional de Contos Josué Guimarães, em 1993, e o Prémio Brasília para Livros Juvenis, em 1990. Em 2002, recebeu o Prémio Açorianos da Prefeitura de Porto Alegre, pelo melhor livro de contos, Ilhados. Como teatrólogo, foi premiado no Concurso Nacional de Dramaturgia da Funarte (regiões Norte e Centro-Oeste), em 2005, com a peça Umas poucas cenas vistas do caos. A primeira versão de A misteriosa morte de Miguela de Alcazar foi publicada no Brasil em 2009.

    Nascido em Coimbra, em 1969, Pedro Almeida Vieira teve a sua estreia na ficção em 2004 com o romance Nove mil passos, que aborda a construção do Aqueduto das Águas Livres, a que se seguiu no ano seguinte O profeta do castigo divino, com foco na vida do jesuíta Gabriel Malagrida e a trama no período imediatamente anterior ao terramoto de Lisboa de 1755. Em 2009 regressou ao romance do género histórico, com A mão esquerda de Deus, finalista do Prémio Literário Casino da Póvoa. Em 2011 e 2013 publicou um conjunto de crónicas em dois volumes sobre crimes em Portugal até à abolição da pena de morte, sob os títulos Crime e castigo no país dos brandos costumes e Crime e castigo: o povo não é sereno, com ilustrações do brasileiro Enio Squeff. Foi também o responsável pela redescoberta da obra de Guilherme Centazzi (1808-1875), médico natural de Faro, precursor do romance moderno português, reeditando o romance O Estudante de Coimbra, tarefa que lhe mereceu a Menção Honrosa do Prémio Grémio Literário de Lisboa em 2012. Publicou ainda um conjunto de crónicas sobre o Brasil colonial, compiladas na obra Assim se pariu o Brasil, com edição portuguesa em 2015, edição brasileira (português do Brasil) em 2016, e edição italiana em 2020. É autor também de diversos contos, além de ensaios na área do ambiente, entre os quais se destacam O estrago da Nação (2003) e Portugal: o vermelho e o negro (2006).

  • A misteriosa morte de Miguela de Alcazar

    A misteriosa morte de Miguela de Alcazar


    Um romance policial do brasileiro Lourenço Cazarré…

    … em nova versão com o aportuguesado dedo (e ironia) de Pedro Almeida Vieira


    43 – De como os dinossauros inventaram o vinho

    Assim que Batota saiu para comandar a discretíssima transferência da morta para o rabecão do IML, todos os escritores se dirigiram aos seus apartamentos.

    Só eu permaneci no salão. Jogado em uma cadeira, escutava atentamente as fitas que já gravara. A medida que os registros refrescavam minha memória, eu registrava na minha caderneta todas as frases mais fortes e retocava aquelas que, antes, anotara precariamente.

    Aquilo se estendeu por muito tempo. Fiquei impressionado com o grande número de frases ambíguas, comprometedoras mesmo, pronunciadas pelos escritores. O que o meu gravador registrara não os ajudava em nada. Aliás, provava que todos eles em algum momento, como diz a gíria, haviam pisado no tomate. Por duas ou três frases, todos eles surgiam como potenciais suspeitos. Todos ou quase todos tinham falado muito mal de Miguela de Alcazar. Caso se constatasse que a anciã fora mesmo assassinada, todos eles poderiam ser, em tese, autores do crime.

    Tendo como base o número de frases comprometedoras pronunciadas por cada um, esbocei uma detalhada tabela de suspeição.

    Depois, rascunhei o esquema da reportagem que escreveria para o Correio de Brasília.

    Lá pelas tantas, cabeceei. Acomodei-me em uma poltrona da plateia e cai num sono agitado. Sonhei com facas ensanguentadas, estampidos, gemidos, gritos de terror, corpos sem cabeça e cabeças sem corpo.

    Despertei sobressaltado com uma vigorosa palmada que Batota me deu no joelho.

    – Como podes estar a dormir num dia como este, pá?

    – Cansaço acumulado – bocejei. – Que horas são?

    – Sete menos dez. Vamos começar a noite com uma sessão de aperitivos.

    Em cima do estrado, o garçom míope distribuía pratos e talheres pela imaculada toalha branca que cobria a mesa redonda. Num carrinho ao lado da mesa, havia muitas garrafas.

    Garrafas! Esse é o meu ponto mais fraco, confesso. Sei que quase invariavelmente elas contêm líquidos relaxantes. Gosto igualmente de vinho, gin, rum, uísque ou cerveja. Em grande quantidade, de preferência. A qualidade é importante, eu sei, mas, como meu salário é modesto, em geral, não me concentro nesse quesito. Antegozando o surdo estouro das rolhas ou o suave rascar de tampas sendo giradas, comecei a salivar.

    Lembrei, então, que não havia bebido um só copo de água durante aquela longa tarde. Minha língua colou-se de imediato ao céu da boca.

    – Água! – gemi.

    O garçom veio até onde eu estava com uma bela garrafinha verde de água Perrier. Bebia-a de um só gole.

     – Me dê mais duas – pedi.

    – Nunca vi ninguém gostar tanto de água! – espantou-se Batota.

    – Odeio água – expliquei. – Só bebo água quando preciso lavar o salão antes de um baile.

    – Salão? Baile?

    – Baile de destilados e fermentados – apontei o carrinho das bebidas. – Pretendo beber uma barbaridade. São raras as ocasiões em que me vejo diante de tantas belas garrafas.

    – Gostas de beber?

    – Gostar é um verbo que não expressa a grandeza do meu sentimento, seu Manoel. Ainda não foi inventado um verbo que…

    – Em Portugal, adoramos o vinho.

    – O verbo adorar não está mal, mas ainda está bem distante de descrever o meu verdadeiro sentimento por destilados e fermentados.

    Resolvi então deitar um pouco de falação sobre essa minha paixão:

    – A ligação dos homens com a bebida começou com o vinho. No início dos tempos, nossos ancestrais não eram nem carnívoros nem herbívoros. Eram bebedores. Bebiam água com lodo. De quando em quando, engoliam um peixinho e isso melhorava a dieta deles. Certo dia um raio fez cair uma videira num riacho. Aí, no dia seguinte, as uvas foram pisoteadas por uma manada de dinossauros. Um hominídeo que ia passando bebeu aquela água avermelhada e ficou eufórico…

    Batota olhou para mim entre o interessado e o espantado. Talvez estivesse a pensar que aquelas garrafinhas verdes de água Perier, que eu devorara, continham afinal puro uísque.

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    44 – Sobre os hábitos alimentares dos brasileiros

    Minha empolgada historieta sobre a gênese do vinho foi interrompida pela chegada dos escritores. Às sete horas em ponto, em silêncio, formando um bloco, regressaram à sala de reuniões. Ao ver que não faltava nenhum dos seis, senti-me aliviado.

    Depois que todos assumiram seus lugares à mesa, Batota, com um gesto firme de cabeça, ordenou-me que sentasse. Por sorte, minha cadeira estava ao lado do carrinho de bebidas. Espichei um rápido olhar sedento às garrafas. Não registrei ali a falta de nenhum dos principais destilados. Havia desde vomitórios, como vermute, até o néctar dos biriteiros, que se chama uísque.

    – Façamos os devidos brindes aos deuses da literatura! – berrou Batota.

    Verti uísque num copo. Controlei-me para não encher até a borda. Recusei, com um esgar de asco, os cubos de gelo que o garçom me ofereceu.

    – Viva Gógol! – gritou Fedorova.

    – Salve Shakespeare! – silvou Águeda Christine.

    – Glória a Mérimée! – fumaceou Sim Et Non.

    – Vida eterna a Lao Tsé! – prosseguiu Foo.

    – Uísque farto para o cachaceiro do Poe! – berrou Dax.

    – E vinho para Cervantes! – acrescentou Bugres.

    A cada saudação, eu esvaziava um copo, com um só gole.

    Quando chegou a ocasião que julguei propícia para o meu pronunciamento, berrei:

    – Que não falte um boteco no céu para Graciliano Ramos!

    – Para sempre viva Camões! – ecoou Batota. – E, já agora, que Fernando Pessoa esteja ao seu lado!

    – Felizmente, os deuses da literatura são numerosos – disse Fedorova, segurando pelo gargalo uma garrafa de vodca. – Viva Tchecov!

    Só então notei que todos ali, como eu, eram grandes apreciadores de substâncias líquidas. Embora idosos, todos eles vertiam generosas doses nos respectivos copos e imediatamente os esvaziavam.

    O derradeiro viva foi dado por Sim Et Non:

    – Que Deus acolha Miguela de Alcazar na sua bem guarnecida adega!

    Às oito horas em ponto, como anunciara Batota, transportadas em carrinhos, chegaram as muitas travessas fumegantes. O português levantou-se para ajudar o garçom a servir.

    Mesmo já bastante zonzo, lembrei que precisava forrar o bucho. Bem alimentado, eu poderia lutar melhor contra o carrinho de bebidas. Saco vazio não para em pé, dizia meu pai.

    Confesso que fiquei espantado com a capacidade de absorção de líquidos e de sólidos por parte daquela velharia. Sou incapaz de dizer quem mais mastigou ou engoliu. Até escritores milionários saem do sério quando a boca é livre e a bebida é de graça.

    Lá pelas tantas, os comes e os bebes desataram todas as línguas. Passou a reinar naquela sala um clima de total descontração. Bolinhas de miolo de pão, embebidas em molho, voavam de um lado a outro. Azeitonas e ervilhas eram os outros projéteis utilizados. Senti-me de volta à hora da merenda no grupo escolar do Alegrete onde estudei. Enfiei um aspargo pelo decote de Fedorova. Ela adorou.

    Por uma longa hora estendeu-se aquela comilança.

    Aqui, neste exato trecho do livro, permitam-me breve digressão a respeito dos hábitos alimentares dos brasileiros.

    O Brasil é o país onde mais se come no mundo. Dizem que na França come-se a melhor comida. Pode até ser, mas lá não se come muito. Nós, brasileiros, desprezamos molhos sofisticados, condimentos raros e porções delicadas. Comemos no atacado. Quer carne? Pois muito bem, aqui vai um quilo de picanha gorda. Bom proveito, seu animal, coma até morrer! Quer feijoada? Pois engula três pratos cheios até a borda e depois procure ajuda veterinária, seu cavalo!

    Eu poderia aqui dizer também que em certas áreas do Brasil come-se mal. E pouco. É um calango hoje, um ratinho daqui a uma semana. E mandioca, quando há, pouca. Poderia até me estender sobre isso, mas não o faço porque sei que leitores de livros policiais, em geral, odeiam ler sobre fome ou miséria.

    Ainda me lembrei de perguntar como era a comilança em Portugal ao Batota, mas o gerente estava sempre de boca cheia, comendo bacalhau como se não houvesse amanhã.

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    45 – Grupo orquestrado de assassinos cruéis

    Voltemos ao regabofe.

    Entre gargalhadas e arrotos, comemos. Muito.

    Só paramos de mastigar quando a porta do salão se abriu em par e deu passagem à figura miúda e bem armada de Jerônimo Aroeira.

    – Rango pra mais um! – gritou o titular da Primeira Delegacia de Polícia de Brasília e se acomodou em uma cadeira que colocou ao lado da do Batota.

    O clima descontraído dissipou-se. Consigo, Aroeira trouxera da rua uma nuvem escuríssima, que estacionou sobre nós. Perdemos a alegria e o restinho de apetite. Com exceção do Batota, que continuava a aterrar, com grandes garfadas de bacalhau, o seu mui dilatado ventre.

    – Bacalhoada! – ordenou o delegado, depois de lançar um olhar famélico ao prato do português.

    Veio a bacalhoada num prato tão monumental que alimentaria, facilmente, um time de rúgbi. Aroeira o derrotou em pouco tempo. O delegado era daquele tipo de gente que considera o ato de mastigar uma insensatez que só nos leva ao desgaste desnecessário dos dentes. Engolia garfada em cima de garfada. Parecia foguista de trem antigo alimentando a caldeira com pás de carvão.

    Enquanto comia, Aroeira matutava. Via-se, pela vibração das veias das têmporas, o esforço dos neurônios do policial. Estava mergulhado em elucubrações profundas. 

    De repente, meu coração brasileiro se encheu de esperança: e se Jerônimo Aroeira, aquele modesto delegado tupinambá, sobrepujasse em argúcia os criadores dos mais famosos tiras fictícios do mundo?

    Foi um impulso ingênuo, reconheço hoje, mas a minha inteligência estava bastante comprometida pela ingestão de licores proibidos para menores de idade.

    Depois de atirar a última pá de bacalhau para dentro da goela, Aroeira comandou:

    – Que o garçom se retire!

    O pobre trabalhador míope, que se encontrava completamente embriagado, sumiu sem fazer ruído. Eu havia percebido que ele bebia discretamente toda vez que se voltava de costas para nós a fim de servir mais uma dose. Com gestos rápidos, enchia um pequeno copo com uísque, que a seguir sugava por um canudo. Inicialmente, tolo que sou, acreditei que ele estava provando as bebidas para ver se alguma delas estava envenenada. Assim, gastei um bom tempo até perceber que o garçom catacego era só mais um pinguço em uma sala cheia de cachaceiros.

    Quando se desfez o barulho do elevador, o que significava que o garçom havia chegado ao térreo, Aroeira abriu o paletó. Com um gesto muito lento, teatral, puxou do bolso um envelope lacrado e, com voz solene, anunciou:

    – Senhoras e senhoras, passo agora a ler o laudo da autópsia realizada, pelo doutor Abelardo Nepomuceno Crescente, no corpo da senhora Miguela de Alcazar…

    Fez uma breve pausa e completou:

     – Que foi brutalmente assassinada.

    O silêncio adensou-se em torno de nós.

    Por cima da mesa, entre restos de comida, manchas de molho, talheres sujos e copos embaçados, rastejavam, ariscos, os assustados olhares dos escritores.

    – Sim, contrariando a abalizada opinião de um policial experimentado como eu, a escritora espanhola foi morta. Aliás, ela foi morta mais de uma vez, se é que se pode dizer isso. Foi assassinada por um profissional do crime, impiedoso e sádico. Aliás, eu me sinto mais inclinado a considerar que ela foi morta por um grupo orquestrado de assassinos cruéis e implacáveis.

    Neste ponto, de volta ao silêncio, o olhar do delegado passou a circundar a mesa. Movia-se lentamente de um rosto a outro. Por um demorado minuto, digamos, aquele olhar arguto fixava-se em cada face. E depois passava a outra.

    Acossados por aqueles cintilantes olhos inquisidores, os escritores baixavam a vista, constrangidos, já meio culpados. Com a exceção, é claro, do poeta argentino, que parecia olhar diretamente para as lâmpadas do lustre.

    Concluída a observação de todos os rostos, o delegado anunciou: – Passo agora a ler o laudo!

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    (cont.)


    Sobre os autores (actividade literária)

    Nascido em Pelotas, no Estado brasileiro do Rio Grande do Sul, em 1953, Lourenço Cazarré é autor de mais de 35 livros, entre novelas juvenis, contos e romances. Participou em 17 antologias de contos. Recebeu mais de 20 prémios literários de âmbito nacional, tendo vencido por duas vezes o maior certame literário dos anos 80, a Bienal Nestlé, nas categorias romance, com O calidoscópio e a ampulheta (1982), e contos, com Enfeitiçados todos nós (1984). Um de seus livros para jovens, Nadando contra a morte, recebeu o Prémio Jabuti, em 1998, e o selo de “Altamente Recomendável para Jovens”, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Ganhou ainda o Concurso Nacional de Contos Josué Guimarães, em 1993, e o Prémio Brasília para Livros Juvenis, em 1990. Em 2002, recebeu o Prémio Açorianos da Prefeitura de Porto Alegre, pelo melhor livro de contos, Ilhados. Como teatrólogo, foi premiado no Concurso Nacional de Dramaturgia da Funarte (regiões Norte e Centro-Oeste), em 2005, com a peça Umas poucas cenas vistas do caos. A primeira versão de A misteriosa morte de Miguela de Alcazar foi publicada no Brasil em 2009.

    Nascido em Coimbra, em 1969, Pedro Almeida Vieira teve a sua estreia na ficção em 2004 com o romance Nove mil passos, que aborda a construção do Aqueduto das Águas Livres, a que se seguiu no ano seguinte O profeta do castigo divino, com foco na vida do jesuíta Gabriel Malagrida e a trama no período imediatamente anterior ao terramoto de Lisboa de 1755. Em 2009 regressou ao romance do género histórico, com A mão esquerda de Deus, finalista do Prémio Literário Casino da Póvoa. Em 2011 e 2013 publicou um conjunto de crónicas em dois volumes sobre crimes em Portugal até à abolição da pena de morte, sob os títulos Crime e castigo no país dos brandos costumes e Crime e castigo: o povo não é sereno, com ilustrações do brasileiro Enio Squeff. Foi também o responsável pela redescoberta da obra de Guilherme Centazzi (1808-1875), médico natural de Faro, precursor do romance moderno português, reeditando o romance O Estudante de Coimbra, tarefa que lhe mereceu a Menção Honrosa do Prémio Grémio Literário de Lisboa em 2012. Publicou ainda um conjunto de crónicas sobre o Brasil colonial, compiladas na obra Assim se pariu o Brasil, com edição portuguesa em 2015, edição brasileira (português do Brasil) em 2016, e edição italiana em 2020. É autor também de diversos contos, além de ensaios na área do ambiente, entre os quais se destacam O estrago da Nação (2003) e Portugal: o vermelho e o negro (2006).

  • A misteriosa morte de Miguela de Alcazar

    A misteriosa morte de Miguela de Alcazar


    Um romance policial do brasileiro Lourenço Cazarré…

    … em nova versão com o aportuguesado dedo (e ironia) de Pedro Almeida Vieira


    40 – Uma tempestade não dura um dia

    Chegando ao apartamento 1313, o escritor da nação mais populosa da Universo dirigiu-se logo à cama da escritora morta. Para minha surpresa, enfiou-se debaixo dela, para logo sair, espirrando forte. Eu e o gerente ficámos pasmos.

    – Que poeirada, meu! – disse ele entre um espirro e outro. – Na China, mano, quando tem muita poeira debaixo da cama, a gente costuma dizer: ou o cabo da vassoura é curto ou a camareira é preguiçosa.

    – Não se preocupe, senhor Foo! – disse Batota, embaraçado. – Vou tratar de arrancar a cabeça da nossa camareira. Os malditos empregados são todos brasileiros, ou seja, são todos preguiçosos!

    – Segura a franga, Batota! – estrilei. – Não fale mal dos brasileiros outra vez na minha frente! Tivemos que aturar vocês, portugas da Europa, por mais de trezentos anos. Foi demais. Roubaram o que puderam daqui e só nos deixaram, em troca, meia dúzia de piadas ruins.

    – Meia dúzia? Mentira! São milhões!

    Nossa discussão foi interrompida por uma intrigante frase dita pelo escritor que, naquele momento, examinava as cobertas da cama, perfeitamente estendidas:

    – Nem os fortes nem os violentos morrem no seu próprio leito, mano.

    Batota piscou um olho zombeteiro para mim e dirigiu-se ao chinês:

    – O que quer dizer o senhor Foo com essas palavras? Que dona Miguela era forte ou violenta? Que foi assassinada?

    – Creio que foi assassinada, meu. Mas ainda não achei nenhuma pista concreta sobre sua morte.  Diz o Tao te king: “O bom andarilho não deixa pegadas”.

    – Já também começo a pensar que dona Miguela foi mesmo assassinada – palpitou Batota. – Nesse caso, oh, como eu gostaria de estrafegar o pescoço do assassino desta pobre espanhola com as minhas mãos! Ou quebrar-lhe a nuca…

    – Interessante – Foo encarou interrogativamente o português. – O mano gostaria de decapitar a camareira e de esgoelar o assassino… Puta, meu, você resolve tudo com a força das mãos?

    – É só o meu modo enfático de falar – defendeu-se o lusitano. E, dando-me uma cotovelada nas costelas, perguntou: – Sou ou não sou um homem pacífico, Campestre?

    – Eu, fora! – reagi.

    – Sabe o que diz o Tao te king sobre o uso inadequado das mãos? – perguntou Foo. E ele próprio respondeu: – “Quem toma a seu encargo o lugar do céu para aplicar a morte, faz como quem quer serrar no lugar do carpinteiro: ao serrar, dificilmente salvará sua mão”.

    – Que belo ensinamento! – extasiou-se o gerente do hotel. – Estou a admirar muito as frases chinesas. São breves, plenas de poesia e verdade.

    – As palavras verazes não são belas, mano, já as palavras belas, pelo seu lado, não são verazes!

    Parado diante da morta, o chinês observava atentamente a sua cabeça:

    – Ôrra, meu, essa mantilha está muito esquisita aqui no alto da cabeça! Parece ter sido apertada contra o crânio.

    – O senhor está a querer dizer o quê? – perguntou Batota.

    – A sabedoria chinesa ensina que devemos nos preocupar com o conjunto e não com os detalhes.

    – E que raio de conjunto é esse? – quis saber o lusitano.

    – Ô, mano, não me obrigue a falar demais Falar pouco é o natural. Uma ventania não pode durar uma manhã, uma tempestade não dura um dia.

    – Desculpe-me se lhe faço tantas perguntas – insistiu o português. – Mas o senhor está a falar por parábolas e eu cá prefiro coisas mais diretas: pão, pão, queijo, queijo. Mas, admito que, de entre todos os escritores neste hotel, o senhor é aquele que se mostra mais sábio.

    – O sábio cala, quem não sabe fala – retrucou Foo.

    Depois dessas palavras, o luso cruzou os braços e, emburrado, calou-se.

    Já o escritor ajoelhou-se e começou então a examinar, com lupa, o tapete persa que cobria boa parte do chão do apartamento. Findo o demorado exame, disse:

    – Tentei ir além do limite das aparências, mas permaneceu em mim o mistério. Talvez porque eu tenha falado demais, mano. No caminho do céu não devemos fazer perguntas, pois o certo é que sempre obteremos as respostas.

    – Ao fim e ao cabo, o senhor não saiu de cima do muro! – exaltou-se o gerente do hotel. – E nem Não sabe se dona Miguela foi morta ou se morreu. Pois muito bem… Então eu pergunto-lhe à queima-roupa: foi o senhor quem matou dona Miguela?

    Espantado, voltei-me para o português. Com o rosto arroxeado de indignação, me pareceu que ele estava disposto a dar um murro no chinês. Mas em vez de temer a reação de Batota, o homem continuou a filosofar:

    – Quem segue o caminho do bem, não utiliza a violência, meu, porque aos atos armados sempre responderá a violência. 

    Sempre rindo e pisando macio, Foo foi deslizando para o corredor.

    – Chinesinho escorregadio, não achas? – murmurou Batota.

    – Escorregadio e esperto – completei. – Mas até gostei das frases ocas que ele recitou para nós.

    lightning strike on cloudy sky during night time

    41 – Seres humanos só têm paz quando estão lendo

    De novo retornamos ao salão, a fim de buscar Jorge Luís Bugres, que seria o último a examinar o fatídico apartamento 1313.

    – Não estou com muita fé no argentino – disse-me Batota, no corredor. – Acho que não bate bem da bola.

    – Mas é um grande contista – ponderei. – Ele se diverte bastante zombando dos seus leitores.

    Olhei o relógio. Eram exatamente cinco horas quando chegamos à porta do salão. Paramos no umbral. Diante da janela, de costas para nós, Bugres recitou:

    O mais era morte e somente morte

    Às cinco horas da tarde.

    Ai que terríveis cinco horas da tarde!

    Eram cinco horas em todos os relógios!

    Eram cinco horas da tarde em sombra!

    Batota bateu palmas entusiasmadas. Dava para entender que adorava mesmo o homem.

    Ainda estendida na poltrona, Fedorova abriu seus olhos cinzentos e os cravou em nós. Sim Et Non baforou mais forte.

    – Viemos buscá-lo, senhor Bugres – anunciou o português. – Que belo poema era esse que o senhor recitava?

    – “Pranto por Ignácio Sanchez Mejias”, de Federico Garcia Llorca. Meu relógio de pulso tem um alarme que sempre vibra às cinco em ponto da tarde. É a hora preferida da morte. E a morte é a negação da aventura, a extinção das personagens, o fim do narrador.

    De braços dados, Bugres e Batota iniciaram então a caminhada em direção ao apartamento da defunta. Estranhamente, foram em silêncio até lá.

    Já dentro do 1313, o argentino pediu ao português que o sentasse na beirada da cama, de onde, mais que falar, discursou:

    – As camas guardam o calor e o formato de todos os corpos que desfrutaram delas. Heráclito de Halicarnasso assegura no Rerum delirium que existe uma cama primordial onde estão reunidas todas as formas humanas, mesmo as mais hediondas.

    – Vossas frases são lindas, senhor Bugres! – deslumbrou-se o Batota. – Pena que eu não as compreenda completamente. Como, aliás, pouco entendi o escritor chinês. Aprecio frases filosóficas, embora nem sempre apanhe todo o significado delas.

    – A verdade e a beleza morrem junto com o som das palavras, quando este se desfaz no ar.

    – Ai, Jesus, mais uma bela frase! – aplaudiu o português. – Devia trazer comigo papel e caneta para apontar. Mas diga-me: o que exatamente quer fazer o senhor neste quarto, visto que nada vê?

    – Os cegos investigam com todos os outros sentidos, melhor do que aqueles que vêem. Recorrendo ao olfato, posso lhe afirmar que Sim Et Non esteve parado no centro deste apartamento pois o cachimbo dele fede tanto quanto o baú de roupas íntimas da tripulação de um navio pirata. Sei também que o chinês meteu-se debaixo desta cama – e o poeta argentino bateu com a mão ossuda na colcha. – porque ele usa um perfume adocicado que é praticamente um vomitório. Eu poderia falar também da movimentação de Fedorova e de Águeda Christine, mas, como as mulheres abusam dos perfumes, não haveria mérito nas minhas constatações.

    Batota e eu nos entreolhamos impressionados.

    Bugres voltou a falar:

    – Recorrendo a outro sentido, a audição, eu diria que neste exato momento soa o melancólico lamento de uma sirene de ambulância. Pela premência com que ecoa, eu diria que está vindo para cá a fim de levar o corpo da nossa desventurada Miguela de Alcazar.

    Só passados alguns segundos, Batota e eu ouvimos o som de uma ambulância, ainda distante.

    O argentino pigarreou antes de perguntar:

    – Poderiam vocês me dizer em que posição está a nossa morta?

    Batota, solícito, sintetizou:

    – Recostada à poltrona, junto à mesa, ao lado do abajur, diante da janela aberta. Estava lendo. Parece muito serena.

    – Serena, sim. O ser humano só tem paz enquanto lê. Durante a leitura, nossa alma vagueia pelo ilimitado mundo da imaginação.

    white cup with saucer near bok

    42 – O corpo sem vida da nossa colega falecida

    Burges regastou-nos do silêncio reflexivo no qual nos havia mergulhado:

    – Mas que livro lia Miguela? – perguntou.

    – O livro santo, don Jorge! – disse o português, profundamente emocionado. – A Bíblia Sagrada!

    – Mas em que trecho ela se encontrava? Lia a erótica canção de amor do rei Salomão? O conto satírico de Jonas? Ou antes a turbulenta peroração de Jó contra a insensibilidade de Deus?

    – Nenhum desses livros, mestre – respondeu Batota. – Palmilhava a derradeira página do Apocalipse.

    Mortalmente pálido, o escritor argentino levantou-se de um salto. Trêmulo, com a ponta da bengala metralhando o piso, murmurou:

    – Tirem-me já daqui!

    Quando Batota e Bugres de braços dados deixavam o apartamento de dona Miguela, ouvi bem próxima a sirene. Cheguei na janela a tempo de ver a espetacular freada do veículo no estacionamento do hotel. Era uma camionete tetricamente negra que ostentava letras imensas no capô: IML.

    Dela desceram três homens que se encaminharam a passos largos para a entrada do hotel. Saí do apartamento e fiquei parado perto do elevador à espera deles.

    Pouco depois, abriu-se a porta do elevador e por ela saíram os homens que eu vira pouco antes. Levei-os até a sala de reunião, onde se encontravam Batota e os escritores.

    Depois que o gerente informou aos agentes que aquelas pessoas ali reunidas, oriundas de diversos países, eram autoras de livros policiais e que sabiam falar muito bem português, o mais baixo e mais gordo dos três pronunciou-se no mais puro sotaque curitibano:

    – Sou o doutor Abelardo Nepomuceno Crescente, legista-chefe do Instituto Médico Legal de Brasília. Coincidentemente, nas horas vagas, escrevo livros policiais, desses que são vendidos em bancas. Portanto, sou colega dos senhores. Conheço bastante bem o metiê. Fiquei muito abalado ao saber que a morta é doña Miguela de Alcazar. Assim, aqui estou para levar o corpo sem vida da nossa colega falecida ao meu laboratório, onde farei, em pouquíssimo tempo, a mais meticulosa autópsia da minha vida.

    – Abra bem os olhos ao cortar o cadáver dessa pobre mulher – disse Bugres. – São inúmeros e intrincados os caminhos que levam ao inferno.

    – Ainda não gastou seu rol de frases ambíguas, senhor Bugres? – mais ralhou que perguntou Batota, talvez agastado pela forma intempestiva como quisera sair do 1313. – O senhor não poderia ser mais preciso nessa insinuação?

    – Claro que não! – retrucou o argentino. – Faço parte do grupo dos autores oraculares, aqueles cujas frases têm que ser decifradas. Mas esperemos a leitura do documento de alta literatura que certamente será o laudo do doutor Abelardo Nepomuceno. Só depois desse laudo, se necessário, falarei abertamente.

    – O ministro das Relações Exteriores se interessou pessoalmente por este caso – continuou o legista, mantendo a pose de sujeito de grande importância que exibia desde a chegada. – Ligou-me ainda há pouco pedindo empenho e dedicação. Garanti a ele que o resultado da autópsia, impecavelmente científica, sairá ainda hoje.

    – Será bom demais da conta se ocorrer o que o senhor anuncia – comentou Águeda Christine. – Temos urgência em saber se a pobrezinha foi morta ou não.

    O gerente se intrometeu.

    – Venha por aqui, doutor! – agitou-se Batota, empurrando o legista em direção ao corredor. – Precisamos retirar o corpo com muita discrição, pelo elevador de serviço, para não assustar os demais hóspedes!

    O português voltou-se para nós e, fazendo o gesto de quem parece querer espantar galinhas, disse:

    – Os senhores podem descansar um pouco. Aqui ou em vossos quartos. Mas regressem às sete horas, quando a gerência do hotel vos oferecerá uns drinques. O jantar será servido pontualmente às oito da noite.

    – Bah, tchê, pra mim, qualquer corte de carne de vaca serve – disse Dax. – Pode ser costela ou picanha. O importante é que venha sangrando, porém sem veneno.

    – Quer dizer, então, que hoje não teremos uma reunião de trabalho? – indagou Fedorova. – Eu estava arretada por um debate. Russos gostam mais de polêmica do que baiano de rede.

    – A gente debate amanhã, sô- sugeriu Águeda Christine. – Desde que nenhum outro de nós morra até lá, claro.

    human statues on building deck

    (cont.)


    Sobre os autores (actividade literária)

    Nascido em Pelotas, no Estado brasileiro do Rio Grande do Sul, em 1953, Lourenço Cazarré é autor de mais de 35 livros, entre novelas juvenis, contos e romances. Participou em 17 antologias de contos. Recebeu mais de 20 prémios literários de âmbito nacional, tendo vencido por duas vezes o maior certame literário dos anos 80, a Bienal Nestlé, nas categorias romance, com O calidoscópio e a ampulheta (1982), e contos, com Enfeitiçados todos nós (1984). Um de seus livros para jovens, Nadando contra a morte, recebeu o Prémio Jabuti, em 1998, e o selo de “Altamente Recomendável para Jovens”, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Ganhou ainda o Concurso Nacional de Contos Josué Guimarães, em 1993, e o Prémio Brasília para Livros Juvenis, em 1990. Em 2002, recebeu o Prémio Açorianos da Prefeitura de Porto Alegre, pelo melhor livro de contos, Ilhados. Como teatrólogo, foi premiado no Concurso Nacional de Dramaturgia da Funarte (regiões Norte e Centro-Oeste), em 2005, com a peça Umas poucas cenas vistas do caos. A primeira versão de A misteriosa morte de Miguela de Alcazar foi publicada no Brasil em 2009.

    Nascido em Coimbra, em 1969, Pedro Almeida Vieira teve a sua estreia na ficção em 2004 com o romance Nove mil passos, que aborda a construção do Aqueduto das Águas Livres, a que se seguiu no ano seguinte O profeta do castigo divino, com foco na vida do jesuíta Gabriel Malagrida e a trama no período imediatamente anterior ao terramoto de Lisboa de 1755. Em 2009 regressou ao romance do género histórico, com A mão esquerda de Deus, finalista do Prémio Literário Casino da Póvoa. Em 2011 e 2013 publicou um conjunto de crónicas em dois volumes sobre crimes em Portugal até à abolição da pena de morte, sob os títulos Crime e castigo no país dos brandos costumes e Crime e castigo: o povo não é sereno, com ilustrações do brasileiro Enio Squeff. Foi também o responsável pela redescoberta da obra de Guilherme Centazzi (1808-1875), médico natural de Faro, precursor do romance moderno português, reeditando o romance O Estudante de Coimbra, tarefa que lhe mereceu a Menção Honrosa do Prémio Grémio Literário de Lisboa em 2012. Publicou ainda um conjunto de crónicas sobre o Brasil colonial, compiladas na obra Assim se pariu o Brasil, com edição portuguesa em 2015, edição brasileira (português do Brasil) em 2016, e edição italiana em 2020. É autor também de diversos contos, além de ensaios na área do ambiente, entre os quais se destacam O estrago da Nação (2003) e Portugal: o vermelho e o negro (2006).

  • Zé Pedro: Junta de Freguesia dos Olivais está a montar local de ‘culto’ aos Xutos & Pontapés

    Zé Pedro: Junta de Freguesia dos Olivais está a montar local de ‘culto’ aos Xutos & Pontapés


    O guitarrista e fundador dos Xutos & Pontapés, falecido em 2017, vai ter um lugar de ‘culto’ na freguesia onde cresceu, em Lisboa. A Junta de Freguesia dos Olivais já encomendou a escultura a ser instalada no jardim que em Novembro do ano passado recebeu o nome de Zé Pedro. O espaço ainda beneficiará de mais melhoramentos e o objectivo da autarquia é transformar aquela zona verde num local de visita e peregrinação de fãs do músico e da banda que foi fundada há 45 anos nesta freguesia lisboeta. Pedro Barbosa foi o artista escolhido para criar a escultura em homenagem a Zé Pedro. A cerimónia de homenagem à ‘estrela de rock’ está agendada para o próximo dia 6 de Maio, coincidindo com o 627º aniversário daquela freguesia.


    Na freguesia dos Olivais, na zona oriental de Lisboa, vai nascer um local de ‘culto’ aos Xutos & Pontapés e sobretudo de homenagem a Zé Pedro, seu guitarrista e fundador, falecido em 30 de Novembro de 2017, aos 61 anos. Depois da autarquia de Lisboa ter decidido baptizar com o nome do músico o jardim na envolvente da Rua General Silva Freire, estão previstos melhoramentos paisagísticos e ainda uma escultura de Zé Pedro, baptizado José Pedro Amaro dos Santos Reis.

    A Junta de Freguesia dos Olivais já encomendou a obra ao escultor Pedro Barbosa, que reside no Porto, através de um contrato por ajuste directo no valor de 45.000 euros, celebrado no dia 15 de Dezembro, e divulgado no Portal Base de sexta-feira passada. A escolha deste procedimento, previsto do Código dos Contratos Públicos, foi no sentido de obter a colaboração e aprovação da família de Zé Pedro, nascido no Hospital Militar da Estrela, tendo depois vivido em Timor, até regressar à capital aos seis anos, para os Olivais, onde fundaria a icónica banda de rock portuguesa.

    Zé Pedro, fundador e guitarrista da banda Xutos & Pontapés

    A actriz e cantora Wanda Stuart – que é membro do executivo da Junta dos Olivais, com o pelouro das políticas culturais –, disse ao PÁGINA UM que o objectivo é tornar “aquele jardim um local de ‘culto’ para que os fãs prestem homenagem ao Zé Pedro”. O jardim está, na verdade, bem localizado, por ficar nas imediações da estação de metropolitano da Encarnação. O actual jardim, aliás, passará a ocupar uma área maior “abrangendo todo o quarteirão, e vai ter alguns elementos”, incluindo a estátua a homenagear o músico, salientou Wanda Stuart.

    O descerrar da placa toponímica e inauguração do jardim, incluindo a apresentação da escultura, ocorrerá em 6 de Maio, data em que a freguesia celebra o seu 627º aniversário. O evento deverá contar com a presença dos elementos da banda Xutos & Pontapés, e incluirá um concerto por artista a anunciar.

    Wanda Stuart, que diz ter crescido “no prédio em frente ao do Zé Pedro”, acompanhou o crescimento do músico e a fundação dos Xutos & Pontapés. A meio do seu mandato naquela Junta de Freguesia, expressou que a vontade de homenagear o músico já existia quando surgiu a petição em 2018 para dar o seu nome ao jardim, que contou com um pouco menos de 1.800 assinaturas, mas ganhou força no último ano. A Câmara Municipal de Lisboa acabaria por aprovar a atribuição do nome de Zé Pedro, após a ‘luz verde’ da Assembleia Municipal de Lisboa em Maio do ano passado.

    “Quando soubemos da petição, pensámos em juntarmo-nos à homenagem”, recorda Wanda Stuart, manifestando o desejo de o jardim, que se localiza nas imediações da própria sede da Junta de Freguesia dos Olivais, “se torne num local de culto”. O previsto arranjo do jardim, constituída por uma ‘mancha verde’ que rodeia alguns prédios, abrangerá o quarteirão, permitindo “embelezar aquela área”.

    Wanda Stuart está confiante de esta homenagem ser bem-recebida: “O Zé Pedro é uma pessoa unânime. Toda a gente lhe tem carinho”. A escolha do escultor, feita com a família do músico, teve em conta a “linguagem” artística expressada por Pedro Barbosa nas suas obras, tendo estado na mesa outros artistas.

    Não se conhece, contudo, se a escultura representará Zé Pedro em corpo inteiro e se incluirá a sua omnipresente guitarra, embora as esculturas deste artista sejam, geralmente, realistas. “É um escultor muito talentoso, e tenho a certeza vai também fazer justiça ao talento e carisma do Zé Pedro”, acrescenta Wanda Stuart. O escultor Pedro Barbosa nasceu em 1978 em Tomar, sendo licenciado em Artes Plásticas pela Faculdade de Belas Artes da Universidade do Porto.

  • A misteriosa morte de Miguela de Alcazar

    A misteriosa morte de Miguela de Alcazar


    Um romance policial do brasileiro Lourenço Cazarré…

    … em nova versão com o aportuguesado dedo (e ironia) de Pedro Almeida Vieira


    37 – Edgar Allan Poe não teve culpa de nascer naquele país estúrdio

    A irada reação do gerente do hotel não pegou bem. Os dois escritores trocaram um longo olhar cheio de significados que não metiam o lusitano em bons lençóis.

    – Veja como são as coisas, Águeda – disse o francês. – É um clássico: o portuga pode muito bem ter envenenado a comida da velha. Ou na própria cozinha ou, mais discretamente, no caminho até este apartamento…

    – Deus me livre e guarde! – persignou-se Batota.

    – Não te preocupa já, malandro – apressou-se o escritor a acalmá-lo. – Só vou te responsabilizar depois que a autópsia confirmar a morte por envenenamento culinário.

    – Deixe de ser bobo, sô! – reagiu a escritora. – Mantenho a tese do envenenamento do livro. É a hipótese mais elaborada. E nós, ingleses, sempre raciocinamos de maneira mais sofisticada. É por isso que os países anglo-saxônicos são os mais ricos do mundo. O pensamento requintado nos distanciou da gentalha, seja ela nórdica, eslava, germânica ou latina. Rejeito a ideia de veneno no feijão. Ainda se fosse no faisão!

    – A tua tese não se sustenta – retrucou o francês. – O assassino, além de ter de saber que se a bruxa espanhola lambia os dedos, precisaria saber se ela virava as folhas pegando-as pelo alto ou por baixo. Restaria ainda o problema da potência do veneno, que teria que ser altamente concentrado…

    A inglesa sacudiu os ombros magros, bateu o pé no chão e insistiu:

    – Com ou sem veneno, estou certa de que aqui ocorreu um crime do tipo “quarto fechado”. O assassino já foi quando a morte sucede.

    – Discordo! – o francês foi enfático. – Aqui houve um crime comum. Digamos, em tese, que o assassino tenha sido mesmo o português. Depois de entregar a comida envenenada, o que fez ele? Fechou o quarto com a chave-mestra só para que os idiotas fossem levados a pensar em crime de quarto fechado.

    – Valha-me Santo Antônio! – Batota persignou-se. – Sou inocente! Sou inocente! Que loucura é esta! Não me acusem nem mesmo em tese! Tirem-me dessa!

    – Não atrapalhe o nosso debate intelectual! – ralhou Águeda Christine com Batota e, depois, dirigiu-se novamente a Sim Et Non, como se não tivesse sido obrigada a interromper a linha de pensamento: – Aposto o qu’ocê quiser que aqui houve um crime de quarto fechado.

    Em meio a uma nuvem mais robusta de fumaça, o francês ironizou:

    – Esse negócio de quarto fechado é apenas uma tola brincadeira inventada por um americano macabro.

    – Não fale mal de Edgar Alan Poe! – reagiu a mulher. – O tadinho não teve culpa de ter nascido naquele país estúrdio. Era um gênio!

    Neste ponto do livro, devo dar uma breve explicação. Os historiadores da literatura policial parecem concordar que o conto “Os Crimes da Rua Morgue”, de Edgar Alan Poe, foi o primeiro exemplo de assassinato em “quarto fechado”. Ou seja, quando um crime é cometido num lugar supostamente inacessível a um ser humano.

    Convém dizer também que, ao contrário de Dax e Fedorova, que tinham se movimentado por todo o quarto, Águeda Christine e Sim Et Non mantiveram-se o tempo todo nos mesmos lugares, imóveis.

    Como também já disse, a autora de Assassinato no Expresso Liverpool-Manchester concentrou sua atenção no cadáver. Parada diante da falecida, examinou com muita atenção a roupa que ela vestia. A seguir, passou ao rosto, do qual verificou ruga por ruga. Herculano Poire, o detetive criado por Águeda Christine, como sabemos todos, também era um grande observador.

    Já o autor de Sangue na névoa permaneceu imóvel no centro da peça, quieto, fumando enquanto dissimuladamente olhava ao redor. Exatamente como faria o detetive Jales Maigrot, cujo método consistia em mergulhar profundamente na atmosfera do local onde havia sido cometido o crime. Assim, integrando-se ao cenário fatídico, Maigrot acabava por identificar-se espiritualmente com o criminoso. No fim, encurralado por forte pressão psicológica, o assassino acabava confessando o crime que cometera.

    brown wooden panel door beside gray concrete wall

    38 – Da afetação dos atores ingleses com seus bigodinhos ridículos

    – Jogo meu pescoço que a velha baranga foi assassinada! – clamou, em tom de aposta o francês. – Ô portuga, manda fechar todas as portas e janelas do hotel. Que ninguém deixe o prédio!

    Surpresos, Águeda Christine, Batota e eu encaramos o francês, que continuou:

    – Se o assassino ainda estiver entre nós, ele não escapará. Eu o descobrirei. Olhos nos olhos! É assim que consigo penetrar nos mais escuros desvãos da alma humana.

    – Larga de bobagem, filhinho – disse a escritora inglesa, com um sorriso de gozo. – Alma não tem vão nem desvão. Eu também já sei que Miguela foi assassinada e que o assassino ainda não deixou o hotel. Logo mostrarei as provas. Anglo-saxões têm o péssimo costume de respaldar com provas aquilo que afirmam.

    – O senhor Sim et Non ainda continua desconfiado de mim? – perguntou, trêmulo, um agora inseguro Batota.

    – Todos aqui são suspeitos – respondeu o francês. – Mas você, vascaíno, joga no segundo time, junto com os demais serviçais do hotel. No primeiro time, na verdade, estamos nós, os escritores.

    – Verdade verdadeira, sô – concordou Águeda Christine. – Somos os principais suspeitos. Mas uns tinham motivos mais fortes para matar a pobre mulher. Ocê, por exemplo. Além de vender mais livros qu’ocê, Miguela era adorada pelos críticos literários franceses, que desprezam ocê. Ora, inveja e despeito literários são fortes motivos para um francês matar alguém.

    – Não seja modesta, Aguedinha! Você odiava ela bem mais que eu porque Miguela teve sucesso também nas versões cinematográficas dos seus livros. E tu nunca teve sorte com as filmagens dos teus textos, por causa daqueles afetados atores ingleses com seus bigodinhos ridículos.

    O corpo magro de Águeda Christine se encolheu, como o de um gato prestes a saltar sobre um rato. De seu lado, o francês fechou a mão em torno da haste do cachimbo.

    Batota já mais descansado, vendo-se menos suspeito, tomou seus ares de maestro e bateu palmas.

    – Têm de sair agora, por favor. Acabou vosso tempo.

    Foi uma atitude providencial. Um segundo mais e eles teriam se engalfinhado.


    39 – Os turistas destruíram todas as paisagens

    – A conversa entre o francês e a inglesa foi estranha, mas deveras interessante – confidenciou Batota enquanto nos dirigíamos à sala de reuniões a fim de buscar Foo Lee Shi Man. – Mas fiquei um pouco frustrado. Vi muito palpite e pouca investigação. Esperava mais investigação e menos palpites.

    – Eu também. Achei que Águeda Christine ia falar da manchinha vermelha no pescoço da falecida ou da Bíblia aberta na página 1313. Em suma, esperava que ela descobrisse o que eu notei logo de saída.

    – E Sim Et Non ainda esteve pior – completou o português. – Ficou ali sempre parado como uma chaminé a soltar fumo. Não fez mais que lançar farpas a lady Águeda.

    – Mas eram farpas interessantíssimas! – ponderei. – De todo modo, eles deixaram claras suas preferências por diferentes tipos de crime e métodos de investigação.

    – Não concordo com a teoria de lady Águeda. O crime de quarto fechado não se adapta ao nosso caso, Campestre.

    Achei óbvias as razões para o gerente não ser adepto dessa tese, que o colocaria no topo dos suspeitos, mas não o quis contrariar nem inquietar, se bem que até lhe faria bem para vingar a recepção que me fizera com a pistola.

    – Gostei mais da tese do francês, seu Manoel. – É, sem dúvida, mais plausível que alguém tenha fechado a porta após o crime, a fim de nos induzir ao erro.

    Afundados nessas altas cogitações, chegamos ao salão. Sim Et Non e Águeda Christine assumiram seus lugares na mesa. Estirada em uma poltrona, Fedorova dormia. Ao lado dela, no chão, repousava uma segunda garrafa de malvada, já pela metade. Dax sumira e Bugres estava parado diante de uma janela aberta.

    – Bela paisagem, não? – perguntou Batota, à guisa de saudação, batendo nas costas do argentino.

    – Todas as paisagens do mundo foram destruídas pelos turistas orientais com seus impiedosos flashes – retrucou o poeta cego de Buenos Aires com sua voz rouca. – Mas Platão já previu essa catástrofe quando escreveu que todas as paisagens serão gravadas numa só chapa de aço pelos artesãos do Hades. Para Tarso de Creta, numa mesma paisagem estão presentes, sempre, as quatro estações. A neve já contém as sementes do verão e…

    Já desinteressado do que dizia o latino-americano, Batota voltou-se para o chinês:

    – Senhor Foo, chegou a vossa vez.

    O escritor chinês ampliou o sorriso. Perguntei-me: por que estará esse china sempre rindo? Não será esse o riso de alguém que permanentemente debocha dos outros?

    Parêntese literário.

    Reproduzo aqui trecho de artigo escrito por um renomado crítico literário francês, Jean Pierre de GrandMont Grenelle Des Oiseaux Rouges, sobre a obra de Foo Lee Shi Man:

    “No rastro de teses de Soren Kierkegaard e Michel Foucault, afirmo que o reconhecido escritor Foo Lee Shi Man – dono de ridente máscara amarela, na qual se vê estampada, em todas as suas nuances, sombrias ou solares, a verdadeira alma chinesa – prefere, em suas composições autorais, registrar apenas fragmentos mínimos do todo universal, de modo a ressaltar atos que são paradigmas de elevação e queda, de glória e abjeção”.

    Fim do parêntese.

    E, de repente, com um movimento flexível, Foo desviou de Batota e enveredou pelo corredor. O gerente do hotel e eu fomos atrás do chinês, que parecia deslizar sobre o piso de cerâmica.

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    (cont.)


    Sobre os autores (actividade literária)

    Nascido em Pelotas, no Estado brasileiro do Rio Grande do Sul, em 1953, Lourenço Cazarré é autor de mais de 35 livros, entre novelas juvenis, contos e romances. Participou em 17 antologias de contos. Recebeu mais de 20 prémios literários de âmbito nacional, tendo vencido por duas vezes o maior certame literário dos anos 80, a Bienal Nestlé, nas categorias romance, com O calidoscópio e a ampulheta (1982), e contos, com Enfeitiçados todos nós (1984). Um de seus livros para jovens, Nadando contra a morte, recebeu o Prémio Jabuti, em 1998, e o selo de “Altamente Recomendável para Jovens”, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Ganhou ainda o Concurso Nacional de Contos Josué Guimarães, em 1993, e o Prémio Brasília para Livros Juvenis, em 1990. Em 2002, recebeu o Prémio Açorianos da Prefeitura de Porto Alegre, pelo melhor livro de contos, Ilhados. Como teatrólogo, foi premiado no Concurso Nacional de Dramaturgia da Funarte (regiões Norte e Centro-Oeste), em 2005, com a peça Umas poucas cenas vistas do caos. A primeira versão de A misteriosa morte de Miguela de Alcazar foi publicada no Brasil em 2009.

    Nascido em Coimbra, em 1969, Pedro Almeida Vieira teve a sua estreia na ficção em 2004 com o romance Nove mil passos, que aborda a construção do Aqueduto das Águas Livres, a que se seguiu no ano seguinte O profeta do castigo divino, com foco na vida do jesuíta Gabriel Malagrida e a trama no período imediatamente anterior ao terramoto de Lisboa de 1755. Em 2009 regressou ao romance do género histórico, com A mão esquerda de Deus, finalista do Prémio Literário Casino da Póvoa. Em 2011 e 2013 publicou um conjunto de crónicas em dois volumes sobre crimes em Portugal até à abolição da pena de morte, sob os títulos Crime e castigo no país dos brandos costumes e Crime e castigo: o povo não é sereno, com ilustrações do brasileiro Enio Squeff. Foi também o responsável pela redescoberta da obra de Guilherme Centazzi (1808-1875), médico natural de Faro, precursor do romance moderno português, reeditando o romance O Estudante de Coimbra, tarefa que lhe mereceu a Menção Honrosa do Prémio Grémio Literário de Lisboa em 2012. Publicou ainda um conjunto de crónicas sobre o Brasil colonial, compiladas na obra Assim se pariu o Brasil, com edição portuguesa em 2015, edição brasileira (português do Brasil) em 2016, e edição italiana em 2020. É autor também de diversos contos, além de ensaios na área do ambiente, entre os quais se destacam O estrago da Nação (2003) e Portugal: o vermelho e o negro (2006).

  • A misteriosa morte de Miguela de Alcazar

    A misteriosa morte de Miguela de Alcazar


    Um romance policial do brasileiro Lourenço Cazarré…

    … em nova versão com o aportuguesado dedo (e ironia) de Pedro Almeida Vieira


    34 – O insuperável prazer de matar

    Olhei espantado para Fedorova Smerdlova. Sabia do seu teatro, mas pareceu-me demasiado suspeitoso querer meter todos como suspeitos.

    – A senhora poderia explicar melhor esta sua última frase? – indaguei.

    – Claro! De que nós, chamados civilizados, nos alimentamos? De morte. Só vivemos porque sacrificamos animais e vegetais.

    – Vegetais?

    – Por acaso um amarelo como tu acha menos bárbaro arrancar uma mandioca da terra do que degolar um bode?

    – É uma tese insólita, mas interessante – admiti. – E então a senhora acha que a morte de dona Miguela foi natural?

    Depois de emitir um formidável soluço, a russa falou com voz embargada:

    – Olhe bem pra Mikuchina, cabra da peste! Ela era uma muié sabidamente elegante, mas está de mantilha. Ora, nem mesmo uma beata espanhola gostaria de morrer com uma porcaria dessas no quengo! Por causa dessa mantilha, sou tentada a dizer que a coitadinha teve morte fulminante.

    – Mas a morte que a fulminou terá sido natural ou provocada? – insisti.

    – Meu sensível coração russo me diz que a Mikahilachka foi assassinada. E por quê? Ou porquê? Ora, porque sinto que sua pobre alma ainda vaga pelos corredores desse hotel. O espírito dos que morrem de causas naturais sobe direto ao céu.

    – Como alguém a poderia matar se ela estava num quarto fechado à chave? – perguntou Batota.

    – Observei atentamente esta bosta de apartamento e não vi nem sinal da passagem de um assassino por aqui – disse a russa. – Por isso, conclui que a morte chegou aqui de maneira invisível.

    – Invisível! – entusiasmou-se o português. – Então a senhora acredita em fantasmas, duendes e vampiros?

    – Não. Falo de substâncias invisíveis! Gases venenosos, por exemplo. Matar com gás é um verdadeiro esporte em meu país. No tenebroso inverno russo, esposas ciumentas e cornos revoltados se utilizam do sistema de aquecimento para se livrar de cônjuges safados.

    – Mas o cheiro de gás não teria sido percebido pelas outras pessoas? – indaguei.

    – A ciência é coisa do Cão – rugiu a russa. – Já inventaram até um gás letal inodoro.

    – E o motivo, dona Fedorova? – questionei. – O que teria, na sua opinião, levado alguém a matar dona Miguela?

    – Oxente, quanta ignorança! Hoje em dia, mata-se mais sem motivo. Mata-se simplesmente pelo insuperável prazer de eliminar um ser humano. Mas, no caso de Mikahiloka, eu diria que vingança ou inveja movimentaram a mão do lazarento matador.

    Fedorova levou a garrafa aos beiços e, de um só gole, sugou o que havia de cachaça dentro dela. Que não era pouca coisa. Depois de bater repetidamente no próprio peito, como Tarzan quando vê um cipó, ela se retirou do apartamento 1313, chorando, soprando fétidas nuvens de tabaco. Mas ainda rematou:

    – Pobre Mikutinka! Oh, minha doce alma gêmea, quem saberia dizer por que teu livro O touro maltês tem tantos trechos que parecem copiados do meu Contravenção e penalidade? Se nossos livros são tão parecidos, por que o meu vendeu apenas sete milhões de exemplares enquanto o teu vendeu vinte milhões?

    Batota e eu nos entreolhamos.

    – Ouviu bem essas últimas frases? – murmurei no ouvido do português. – Esta senhora russa tem os dois motivos que ela mesma apresentou como prováveis para o assassinato: vingança pelo plágio de seu livro e inveja pela vendagem maior da espanhola.

    Batota também me olhou espantado. Mas pareceu-me que não compartilhava minhas suspeitas, embora certamente reconhecesse o valor do meu argumento.

    – Vou buscar agora a senhora Águeda Christine – retrucou-me ele, emburrado. – Espero que sejas mais respeitoso com ela, que não lhe faças tantas perguntas inoportunas e inconvenientes.

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    35 – Cadáveres apodrecem mais rápidos nos trópicos

    Quando Batota chegou de novo à sala de reuniões, lady Águeda Christine informou que Sim Et Non e ela haviam decidido investigar juntos o quarto de dona Miguela.

    – Não imaginava que fossem tão amigos – comoveu-se o português.

    – Não é o caso, moço – disse a escritora inglesa. – Na verdade, a gente se odeia. Não é assim, Sim?

    – Se odeia pra cacete – concordou o francês. – É ódio maior que o Maracanã lotado.

    – Se é assim, não entendo porque desejam entrar juntos – ponderou o gerente do hotel.

    – As coisas mais interessantes são as incompreensíveis – disse a escritora britânica. – Entrando juntos, teremos chances iguais na investigação. E deste modo o mais inteligente encontrará as pistas mais consistentes.

    – É isso aí, sangue bom – ajuntou Sim Et Non. – O derrotado terá três saídas: cortar os pulsos, atear fogo às vestes ou beber formicida.

    – Deixe de ser aborrecido, bobinho – disse Águeda Christine. E, voltando-se para Batota, acrescentou: – Juntos, a gente se vigia mutuamente. Assim, posso evitar que o danadinho do Sim falsifique ou roube provas.

    Como a frase surpreendeu o francês no início de uma funda baforada, ele não pode responder de imediato.

    – Vamos logo até ao 1313 – comandou Batota. – Não se sabe quanto tempo demorará a chegar o rabecão da Polícia.

    – Se é que virá – comentou Sim Et Non. – Aliás, nos trópicos os cadáveres apodrecem rapidamente. Os políticos, também. A senhora sabe, lady Águeda, qual a diferença entre um político europeu e um latino-americano?

    – Uai, nossos políticos roubam menos – respondeu a inglesa. – Cobram percentagens menores dos corruptores.

    – Nada disso! – chiou o francês. – A diferença é que os europeus roubam para a caixinha do partido, enquanto os cucarachas roubam para eles próprios. Mas coincidem em um ponto: ambos depositam o dinheiro roubado na Suíça.

    – Ocê tem razão, Sim. Esse trem da corrupção funciona desse jeitinho mesmo… Mas eu não sabia qu’ocê se interessava por política.

    – Não me interesso por política, cacete! Eu me interesso por crime, o que vem a dar no mesmo.

    Lado a lado, parecendo afinal dois bons compinchas, caminhavam a alta escritora inglesa e o francês baixote. Atrás deles, de gravador ligado e tomando notas frenéticas, seguia eu, ao lado de Batota.

    – Também há uma grande diferença entre os escritores policiais ingleses e americanos – disse Sim Et Non. – Americanos gostam de crimes sangrentos e de detetives brutais. Já os britânicos preferem crimes intrincados e detetives cultos…

    – Temos outra grande diferença dos americanos – acrescentou a escritora. – Escrevemos em inglês. Eles usam um dialeto, o cauboiês.

    – Ingleses são razoáveis autores de novelas policiais – reconheceu o francês. – Pena que os crimes que inventam sejam tão rocambolescos que seus livros acabam parecendo bolos confeitados.

    – Gosto demais da conta dos detetives franceses – sibilou lady Águeda. – Fico impressionada com os automóveis que eles usam. São carros que têm mais marchas à ré do que à frente: são melhores para fugir mais depressa dos bandidos.

    E lá foram entretidos na conversa até ao 1313.

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    36 – Os assassinos de hoje preferem tiros e facadas

    Ao chegarmos ao apartamento da falecida Miguela de Alcazar, os dois escritores estavam quase saindo na pancada, apesar dos risinhos falsamente cordiais que trocavam.

    Lado a lado, a inglesa e o francês entraram ambos com o pé direito no apartamento 1313. Batota e eu nos detivemos no umbral a observá-los.

    A escritora dirigiu-se diretamente para a falecida. Parou a um passo dela, abaixou-se e se pôs a observar-lhe atentamente o rosto.

    Já o escritor se colocou exatamente no centro do quarto, abriu um pouco as pernas e cruzou os braços. Quase imperceptivelmente, movia o pescoço. Com os olhos semicerrados percorria o apartamento. De quando em quando, lançava uma nuvem de fumaça de tabaco.

    – Atenção, Campestre – murmurou Batota junto ao meu ouvido. – Desde o primeiro momento eles mostram-se muito diferentes. Lady Águeda parece-me pessoa pragmática, que quer logo descobrir alguma coisa por observação direta. Já mestre Sim Et Non surge-me mais espiritual, quer deixar-se impregnar pelo ambiente. Em suma, ele trabalha mais com a intuição; ela, com a razão.

    Surpreso, voltei-me para o português, mas não pude retrucar porque a escritora britânica começara a falar:

    – Os peritos brasileiros deveriam ter examinado melhor essa Bíblia. Há manchas no alto das páginas. Acho que essas páginas foram manipuladas por dedos enfiados em alguma substância líquida. Veneno, melhor dizendo.

    Batota e eu trocamos um olhar estupefato.

    Após um minuto de silêncio respeitoso, Sim Et Non soltou um risinho debochado:

    – Tu taix brincando! Miguela teria que ler umas vinte mil páginas pra se envenenar desse modo!

    – Uai, é óbvio que não! – a voz da escritora inglesa tremeu ligeiramente. Era visível o esforço que ela fazia para controlar a raiva. – Depende do grau de toxicidade desse trem de veneno.

    – Vocês, ingleses, são antiquados pra cacete! – retrucou o francês. – Por que não abandonam essa mania de estar sempre a envenenar as vítimas, como os russos? Os assassinos de hoje preferem tiros e facadas…

    E a seguir, como se tivesse tido uma súbita ideia, ele voltou-se para Batota:

    – Oh, vascaíno, por falar em veneno, me diz uma coisa: o que a Miguela comeu no almoço de hoje?

    – Feijão com arroz, bife e batatas fritas. E bebeu limonada.

    – Uai, como é qu´ocê sabe disso, assim na pontinha da língua? – perguntou Águeda Christine, desconfiada.

    – Oh, carago! – reagiu bruscamente o português. – Sei disso porque fui eu que preparei o prato. Ela telefonou-me ao meio-dia a dizer o que queria comer. E mencionou as quantidades exatas. Para mim, foi uma honra confeccionar e servir-lhe o almoço. E depois fui eu próprio que trouxe o prato para aqui. Está a desconfiar de mim?

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    (cont.)


    Sobre os autores (actividade literária)

    Nascido em Pelotas, no Estado brasileiro do Rio Grande do Sul, em 1953, Lourenço Cazarré é autor de mais de 35 livros, entre novelas juvenis, contos e romances. Participou em 17 antologias de contos. Recebeu mais de 20 prémios literários de âmbito nacional, tendo vencido por duas vezes o maior certame literário dos anos 80, a Bienal Nestlé, nas categorias romance, com O calidoscópio e a ampulheta (1982), e contos, com Enfeitiçados todos nós (1984). Um de seus livros para jovens, Nadando contra a morte, recebeu o Prémio Jabuti, em 1998, e o selo de “Altamente Recomendável para Jovens”, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Ganhou ainda o Concurso Nacional de Contos Josué Guimarães, em 1993, e o Prémio Brasília para Livros Juvenis, em 1990. Em 2002, recebeu o Prémio Açorianos da Prefeitura de Porto Alegre, pelo melhor livro de contos, Ilhados. Como teatrólogo, foi premiado no Concurso Nacional de Dramaturgia da Funarte (regiões Norte e Centro-Oeste), em 2005, com a peça Umas poucas cenas vistas do caos. A primeira versão de A misteriosa morte de Miguela de Alcazar foi publicada no Brasil em 2009.

    Nascido em Coimbra, em 1969, Pedro Almeida Vieira teve a sua estreia na ficção em 2004 com o romance Nove mil passos, que aborda a construção do Aqueduto das Águas Livres, a que se seguiu no ano seguinte O profeta do castigo divino, com foco na vida do jesuíta Gabriel Malagrida e a trama no período imediatamente anterior ao terramoto de Lisboa de 1755. Em 2009 regressou ao romance do género histórico, com A mão esquerda de Deus, finalista do Prémio Literário Casino da Póvoa. Em 2011 e 2013 publicou um conjunto de crónicas em dois volumes sobre crimes em Portugal até à abolição da pena de morte, sob os títulos Crime e castigo no país dos brandos costumes e Crime e castigo: o povo não é sereno, com ilustrações do brasileiro Enio Squeff. Foi também o responsável pela redescoberta da obra de Guilherme Centazzi (1808-1875), médico natural de Faro, precursor do romance moderno português, reeditando o romance O Estudante de Coimbra, tarefa que lhe mereceu a Menção Honrosa do Prémio Grémio Literário de Lisboa em 2012. Publicou ainda um conjunto de crónicas sobre o Brasil colonial, compiladas na obra Assim se pariu o Brasil, com edição portuguesa em 2015, edição brasileira (português do Brasil) em 2016, e edição italiana em 2020. É autor também de diversos contos, além de ensaios na área do ambiente, entre os quais se destacam O estrago da Nação (2003) e Portugal: o vermelho e o negro (2006).

  • Estante P1: Novembro de 2023

    Estante P1: Novembro de 2023

    Título

    Assim se faz Portugal

    Autores

    Luísa Costa Gomes, Filipe Homem Fonseca, Afonso Cruz, Manuel Monteiro, Maria Rueff

    Editora

    Minotauro

    Sinopse

    Assim Se Faz Portugal é o país a ver-se ao espelho. É sátira, é reflexão, é humor. É Portugal no seu melhor pela pena afiada de Luísa Costa Gomes, Filipe Homem Fonseca, Afonso Cruz e Manuel Monteiro.

    De uma sucessão de desafios – primeiro, da TSF a Maria Rueff, que, por sua vez, instou os quatro escritores a darem largas à sua arte –, surgiu a rubrica radiofónica, que é também podcast, um exercício de caracterização do nosso país, a personagem principal. Agora em livro, eis o primeiro lote de crónicas ditas por Maria Rueff – que assina aqui o prefácio – e emitidas na TSF entre 20 de Março e 7 de Julho de 2023, para a memória futura e para gáudio dos leitores. Destrutai!

    Título

    A religião woke

    Autor

    Jean-François Braunstein

    Editora

    Guerra & Paz

    Sinopse

    Uma onda de loucura e intolerância está a varrer o mundo ocidental. Com origem nas universidades americanas, a religião woke está a varrer tudo à sua passagem: universidades, escolas, empresas, meios de comunicação social e cultura.

    Esta religião, propagandeia, em nome da luta contra a discriminação, dogmas no mínimo inauditos:

    A «teoria de género» professa que o sexo e o corpo não existem e que a consciência é que importa.

    A «teoria crítica da raça» afirma que todos os brancos são racistas, mas que nenhuma pessoa «racializada» o é.

    A «epistemologia do ponto de vista» defende que todo o conhecimento é «situado» e que não existe ciência objectiva, nem mesmo as ciências exactas.

    O objectivo dos wokes é «desconstruir» todo o património cultural e científico e pôr-se a postos para a instauração de uma ditadura em nome do «bem» e da «justiça social».

    É tudo isto e muito mais que Braunstein explica e contextualiza neste A religião woke, apoiado por textos, teses, conferências e ensaios, que cita e explica longamente, para denunciar esta nova religião que destrói a liberdade.

    Um ensaio chocante e salutar.

    Título

    Ouro branco

    Autor

    Giles Milton

    Editora

    Saída de Emergência

    Sinopse 

    Ouro branco descreve uma situação quase desconhecida da História: os milhões de europeus raptados das suas casas e levados para os grandes mercados de escravos no norte de África. Forçados a suportar condições degradantes, poucos foram os que sobreviveram para contar a história.

    Baseando-se no testemunho de Thomas Pellow, um desses escravos brancos capturado no mar, Giles Milton reconstrói vividamente um capítulo perturbador e inexplorado da História. Thomas foi comprado pelo tirânico sultão de Marrocos, que construía um palácio imperial de enorme grandeza, exclusivamente com trabalho escravo cristão.

    Depois de longos períodos de tortura, Thomas converteu-se ao Islão e tornou-se no escravo pessoal do sultão – testemunhando o esplendor da corte imperial e o terror diário de um regime cruel –, antes de finalmente conseguir escapar.

    Arrepiante, impecavelmente investigado e brilhantemente conseguido, Ouro branco narra um capítulo explosivo da História com o ritmo e entusiasmo dos melhores historiadores.

    Título

    Moral: a invenção do Bem e do Mal

    Autor

    Hanno Sauer

    Editora

    Saída de Emergência

    Sinopse

    As sociedades modernas parecem sociedades em crise: os valores universais estão desgastados e uma moralidade partilhada parece ser coisa do passado. Contudo, esta é uma aparência ilusória: de facto, há valores universais que todos partilhamos. E, se compreendermos a origem da nossa moralidade, compreenderemos também o seu futuro.

    Moral revisita a história da nossa moralidade em sete capítulos que revelam as convulsões morais cruciais da evolução humana. Numa perspetiva genealógica, começa na emergência da Humanidade há 5 milhões de anos, passa pela ascensão das primeiras civilizações há 5000 anos e termina na dinâmica do progresso moral dos últimos 50 anos.

    Nesta viagem fascinante e inspiradora, o autor apresenta as contradições e os potenciais conflitos das nossas identidades morais, mas torna claro que partilhamos valores fundamentais que se aplicam a todos os seres humanos ao longo de todos os tempos.

    Título

    A rapariga nas garras da águia

    Autora

    Karin Smirnoff

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Lisbeth Salander está de volta numa sequela arrepiante e altamente atual da série Millennium, escrita pela autora sueca de best-sellers Karin Smirnoff.

    No extremo norte da Suécia sopram ventos de mudança: os seus recursos naturais inexplorados suscitam uma corrida ao ouro, com o submundo do crime à cabeça. Mas não é a promessa de riqueza que leva Lisbeth Salander à pequena vila de Gasskas. Lisbeth foi nomeada tutora da sobrinha Svala, cuja mãe desapareceu. Duas coisas se tornam de imediato evidentes: Svala é uma adolescente com dotes extraordinários… e está a ser vigiada.

    Mikael Blomkvist também está a caminho do Norte, para ajudar no casamento da filha com um dos políticos mais influentes da região. Blomkvist já viveu melhores dias: a revista Millennium imprimiu o seu último número e as relações com a filha estão tensas. Como se isso não bastasse, há rumores inquietantes a respeito do homem com quem esta está prestes a casar-se. Quando a verdade vem à tona e a violência eclode, Lisbeth Salander revela-se a última esperança de Mikael Blomkvist.

    Neste thriller de tirar o fôlego, o Norte gelado da Suécia será o palco onde Lisbeth, Mikael e a indomável Svala irão enfrentar uma rede de corrupção ligada à exploração de energias renováveis e combater a violência contra as mulheres, num ambiente político em que a extrema-direita está numa ascensão imparável.

    Título

    Tasmânia

    Autor

    Paolo Giordano

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    A nova obra-prima de Paolo Giordano: um romance sobre o que acontece connosco e não conseguimos explicar.

    Em novembro de 2015, o narrador, um escritor e jornalista com formação científica, desloca-se a Paris para assistir à Cimeira do Clima (COP21), poucos dias depois dos atentados jihadistas. A crise que paira sobre a cidade parece espelhar uma crise mais íntima: aquela que atravessa a sua relação com Lorenza. Na procura de um sentido para tudo o que está a viver, para os seus medos e dúvidas, enquanto prepara um livro sobre os efeitos radioativos da bomba atómica, cruza-se com várias personagens atípicas, que serão mais relevantes do que imagina. Uma das coisas que casualmente irá descobrir é que, no caso de uma grande catástrofe mundial, a Tasmânia é um dos melhores lugares para procurar refúgio. Mas a sua crise não é, decididamente, só sua: é a crise de todos nós, das nossas vidas e do planeta.

    Tasmânia é um romance sobre o futuro. O futuro que tememos e desejamos, aquele que não teremos, que podemos mudar, que estamos a construir. Um romance sensível e contemporâneo, que aborda o tema do apocalipse em todas as suas nuances: as alterações climáticas, o terrorismo religioso, a cultura do cancelamento, a fragilidade da amizade, os casamentos desfeitos e a paternidade falhada – e, por detrás de tudo, a ameaça da bomba atómica. O medo e a surpresa de perder o controlo são os sentimentos do nosso tempo, e a voz terna de Paolo Giordano consegue expressá-los como ninguém.

    Título

    Colonialismo, um juízo moral

    Autor

    Nigel Biggar

    Editora

    Guerra & Paz

    Sinopse

    Após a dissolução do império soviético em 1989, muitos acreditaram que o domínio global da democracia liberal tinha sido assegurado para sempre. Actualmente, porém, com a Rússia a agitar o seu sabre nas fronteiras da Europa e com a China a desafiar a ordem mundial, o Ocidente enfrenta grandes ameaças. Mas estas ameaças não são apenas externas, pois o movimento de descolonização da História corrói a autoconfiança do Ocidente ao querer recontar a história do domínio colonial europeu e americano como uma ladainha de racismo, exploração e violência assassina maciça.

    Mas, terá o Império Britânico sido movido sobretudo pela ganância e pelo desejo de dominação? Deveremos falar de «colonialismo e escravatura» como se fossem a mesma coisa? O Império terá sido essencialmente violento e a sua violência generalizadamente racista e terrorista? Até que ponto se baseou no roubo de terras e na exploração económica? Houve genocídios? O governo colonial não-democrático terá sido necessariamente um governo ilegítimo?

    Em Colonialismo, um juízo moral, Nigel Biggar põe à prova as respostas que actualmente se querem dar a estas e a outras questões, oferecendo um questionamento moral ao passado colonial e contestando forensicamente aquilo que afirma serem falsidades prejudiciais ao futuro do Ocidente.

    Título

    O eu é um outro

    Autor

    Jon Fosse

    Editora

    Cavalo de Ferro

    Sinopse

    Asle, um velho pintor viúvo e solitário, está a preparar a sua próxima exposição em Bjørgvin, como sempre acontece na época do Advento. Defronte da sua última tela, Asle embarca numa longa meditação sobre os seus tempos de infância e de juventude, marcados por uma mãe severa e um pai afável, pela descoberta do álcool e da vocação para a pintura, pelo primeiro encontro com um outro Asle, também ele pintor, seu doppelgänger, que o encoraja a candidatar-se à Escola de Belas-Artes, onde conhecerá Ales, por quem se apaixonará e mudará de vida.

    Segundo volume de Septologia, uma das obras de ficção mais importantes da actual literatura escandinava, O eu é um outro é um romance sobre o amor, a arte, Deus, a passagem do tempo e a morte escrito na prosa encantatória e quase sagrada do originalíssimo e aclamado escritor norueguês Jon Fosse.

    Título

    Da próxima vez, o fogo

    Autor

    James Baldwin

    Editora

    Alfaguara

    Sinopse

    «Deus mostrou a Noé o sinal do arco-íris, não mais haverá água, da próxima vez, o fogo!»

    Este livro galvanizou toda uma nação quando foi publicado pela primeira vez, em 1963. Foi um dos primeiros a dar voz à luta do Movimento dos Direitos Civis. Composto por dois textos intensamente pessoais — «A minha masmorra estremeceu», uma carta ao seu sobrinho, escrita no centenário da abolição da escravatura nos Estados Unidos, e «Aos pés da cruz», ensaio sobre a relação entre raça e religião —, Da próxima vez, o fogo revela-nos a vida singular de James Baldwin, politicamente comprometida e interiormente conturbada.

    Ao mesmo tempo que nos dá conta do que foi crescer no bairro nova-iorquino do Harlem, faz uma condenação sem reservas do terrível legado da discriminação racial na sociedade americana. Enquanto reflete sobre os dilemas da espiritualidade à luz da religião e da sexualidade, lança um olhar provocatório sobre as contradições políticas que condenam os negros à invisibilidade ou à violência, desferindo um ataque direto, mas pacificador, à hipocrisia que reside no coração do país da liberdade.

    Depois dos romances O quarto de Giovanni, Se esta rua falasse e Se o disseres na montanha, eis um dos testemunhos mais inspiradores de sempre sobre as profundas raízes dos conflitos raciais na América e sobre a procura íntima de um lugar para si no mundo. Um clássico da literatura, disponível pela primeira vez em Portugal.

    Título

    Matemáticas da escrita

    Autor

    Charles Bukowski

    Editora

    Alfaguara

    Sinopse

    «A palavra. Estou a caminho da pista, é dia de abertura do Hollywood Park, mas eu vou falar-vos da palavra. Para fixar a palavra como deve ser, é preciso: coragem, ver a forma, viver a vida e depô-la na frase. […] o génio pode ser a capacidade de dizer algo profundo de uma forma simples, ou mesmo de dizer uma coisa simples de forma ainda mais simples.»

    Coligindo textos de natureza diversa, entre contos, entrevistas e crónicas, este livro mostra-nos como Bukowski perspetiva e pensa sobre o seu próprio ofício: usando de toda a insolência e autodeflação, derruba pressupostos míticos apenas com recurso à sua máquina de escrever e a uma cerveja.

    Ao acompanhar as aventuras do escritor em leituras públicas, festas literárias, décors de filmes e muitos bares, o leitor vai conhecendo profundamente o seu espírito crítico. Matemáticas da escrita é, ao mesmo tempo, um guia perfeito para o homem por detrás do mito, e para o escritor disciplinado por detrás do bêbado incorrigível.

    Cínico e desempoeirado como sempre, Bukowski oferece-nos aqui uma lição preciosa sobre a difícil arte da escrita, sobre a ainda mais difícil arte de viver da escrita, e sobre a vaidade e fragilidade da natureza humana.

    Título

    Empúsio

    Autora

    Olga Tokarczuk

    Editora

    Cavalo de Ferro

    Sinopse

    Setembro de 1913. Mieczyslaw Wojnicz, estudante de Engenharia de Lviv, chega à cidade termal de Görbersdorf, na Baixa Silésia, sede de um dos mais famosos sanatórios da Europa e do mundo. É aqui, no sopé das montanhas, beneficiando de métodos inovadores, que espera travar a progressão da sua tuberculose.

    Na Hospedaria para Cavalheiros onde reside, doentes oriundos de Viena, Königsberg, Breslau e Berlim juntam-se ao serão para tomar um cálice do retemperante licor Schwärmerei e filosofar sobre a natureza do mundo e de Deus, a política, ou o papel das mulheres. Contudo, não são só as grandes polémicas intelectuais da época que ocupam a mente destes homens. Há notícias de corpos sem vida encontrados mutilados na floresta circundante, dando a ideia de que forças obscuras estão à espreita escolhendo o seu próximo alvo.

    Livro que marca o regresso de Olga Tokarczuk ao romance após a atribuição do Prémio Nobel de Literatura em 2019, Empúsio – amálgama linguística de Empusa, figura mitológica grega, e Simpósio – pode ser lido como um diálogo com a grande tradição literária europeia e os seus dogmas, em particular com A Montanha Mágica, de Thomas Mann, apresentando um protagonista que se revela símbolo de resistência e de anseio por um mundo radicalmente diferente.

    Título

    As cinco mães de Serafim

    Autor

    Rodrigo Guedes de Carvalho

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    O que é uma família?

    Foz do Douro, 1923. Nasce Maria Virgínia Landim da Silva, em casa imponente da alta burguesia. Demonstra desde criança uma personalidade vincada, a firmeza de um propósito, um sentido de missão.Foz do Douro, 2023. O maestro Miguel Serafim, filho de Maria Virgínia, aguarda com ansiedade o reencontro com um amigo de adolescência que não vê há décadas. Abraçam-se, emocionados. Têm de preparar a celebração de um aniversário muito especial. E assim começamos a percorrer uma história que se estende por um século.

    Há paixões, fé e mentiras, numa galeria de personagens inesquecíveis. Juras e traições. Segredos tão fundos e inconfessáveis que nos fazem regressar constantemente à pergunta: o que é uma família?

    Em múltiplos cruzamentos entre o Porto, o Minho, a Galiza e Trás-os-Montes, o romance viaja entre o nevoeiro de um passado doloroso e a força terna da união de três amigos de infância.

    Talvez a amizade seja um outro nome para família.

    Talvez a amizade seja um outro nome do amor.

    Título

    A malnascida

    Autora

    Beatrice Salvioni

    Editora

    Alfaguara

    Sinopse

    Com ecos de autores como Natalia Ginzburg, Alberto Moravia ou Elena Ferrante, eis a estreia fulgurante de uma escritora cuja mestria literária se dedica, neste romance, à procura da origem do mal e dos obstáculos à liberdade individual.

    Monza, Itália, 1936. Francesca, de 13 anos, está nas margens do rio Lambro, vergada sob o peso de um homem morto que tentou violá-la. Maddalena, amiga de Francesca, sai da água e ajuda-a a livrar-se do corpo: escondem-no no meio de arbustos. Este momento é um marco inolvidável na relação entre as duas raparigas, que começa um ano antes, quando Francesca se deixa fascinar por aquela a quem todos chamam «a Malnascida»: uma rebelde de origens humildes e com estranhos poderes.

    Contrariando a vontade da sua mãe, obcecada pelas convenções sociais burguesas, e ignorando os rumores que atribuem várias mortes à Malnascida, Francesca junta-se ao seu bando de amigos problemáticos, ávida por descobrir um modo de vida em absoluta liberdade. Entre as duas amigas, contudo, imiscui-se a guerra e o fascismo. Francesca e Maddalena terão de fazer uma difícil escolha: aliar-se contra a opressão social e a injustiça, ou deixar que o curso da História as separe para sempre.

    A malnascida é o elogiado romance de estreia da italiana Beatrice Salvioni, distinguido com o prémio literário Scuola Holden, criado pelo premiado escritor Alessandro Baricco. Uma inesquecível história de amizade e crescimento, sob o pano de fundo da Itália fascista.

    Título

    Sem rasto

    Autores

    Luís Francisco e José Bento Amaro

    Editora

    Oficina do Livro

    Sinopse

    Há poucas interrogações tão perturbadoras como as que envolvem pessoas desaparecidas. Maddie McCann e Rui Pedro são nomes que a opinião pública fixou, mas existem várias outras histórias passadas no nosso país que também permanecem na maior das obscuridades.

    Em Janeiro de 1990, Hélder Carriço partiu de Santo André para ir comprar uma prancha de surf a São Torpes – depois, o rapaz de dezasseis anos desapareceu sem deixar rasto. Quatro anos mais tarde, Cláudia Silva e Sousa, de sete anos, eclipsou-se de uma aldeia do Minho, no curto trajecto entre a escola e a casa que fazia sempre. Sofia Oliveira era apenas uma criança de colo quando, em 2004, o pai a levou de Câmara de Lobos para parte incerta, guardando desde então o segredo do actual paradeiro da filha. Mário Sousinha saiu de casa num fatídico dia de 2019 e não voltou: ninguém sabe se foi morto ou se cometeu suicídio, se teve um acidente ou quis fugir. E qual terá sido o destino de Rosiney Oliveira, logo depois de ser despedida de um restaurante e nunca mais ter dado sinais de vida?

    Num conjunto de quebra-cabeças que perduram até aos dias de hoje, resistindo às investigações da polícia e alimentando o desassossego de famílias torturadas pela dúvida, Sem rasto reconstitui com precisão e grande mestria narrativa alguns dos mais enigmáticos casos de crianças, adolescentes e adultos desaparecidos em Portugal.

    Título

    Terra sangrenta

    Autor

    Timothy Snyder

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    No coração da Europa, em meados do século XX, os regimes Nazi e Soviético mataram 14 milhões de pessoas na Terra Sangrenta, os territórios situados entre Berlim e Moscovo.

    Durante um período de doze anos, nesses campos de morte – as atuais Ucrânia, Bielorrússia, Polónia, Rússia ocidental e costa Leste do Báltico – foram assassinadas, em média, por ano, um milhão de pessoas, devido a políticas deliberadas não relacionadas com confrontos militares.

    Neste livro extraordinariamente bem investigado e fundamentado, Timothy Snyder apresenta um trabalho pioneiro sobre a motivação e os métodos empregados por Estaline e Hitler nessa região, e demonstra que os massacres em massa então cometidos eram duas faces da mesma moeda.

    Integrando um novo epílogo sobre a relevância destes acontecimentos no atual declínio da democracia, Terra sangrenta é de leitura obrigatória para entender uma das maiores tragédias da história moderna – e como ela se liga ao tempo presente.

    Título

    Tivemos de remover este post

    Autora

    Hanna Bervoets

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    Kayleigh está cheia de dívidas e por isso aceita um emprego como moderadora de conteúdos de uma rede social, cujo nome está absolutamente proibida de mencionar. O seu trabalho consiste em decidir, segundo regras muito apertadas e em constante mudança, que textos, vídeos ou fotos devem ser removidos da plataforma, passando grande parte dos dias a testemunhar o pior de que a humanidade é capaz. Mas Kayleigh ganha bem, é boa no que faz, arranjou amigos entre os colegas e até se apaixonou por uma delas, pelo que, pela primeira vez na sua vida, o futuro parece sorrir-lhe. Só que, de repente, um após outro, os colegas começam a entrar em colapso e a despedir-se, quando não a abraçar as mesmas causas que supostamente deviam censurar…

    Ambientado no universo tóxico das redes sociais, Tivemos de remover este post é uma história poderosa e absolutamente pertinente sobre quem determina hoje a nossa visão do mundo. Explorando o conceito de moralidade e a forma como este se tornou completamente fluido, destaca o poder das grandes empresas tecnológicas e a forma como controlam, direta ou indiretamente, as nossas vidas.

    Título

    História das religiões

    Autor

    João Gouveia Monteiro

    Editora

    Manuscrito

    Sinopse

    Por onde vamos viajar? Por uma geografia que se estende da Escandinávia até África e do Brasil até à China, com epicentro na região do Crescente Fértil. a cronologia principia no terceiro milénio a.C.

    É espantosa a influência que estas tradições religiosas tiveram na nossa cultura. Pense-se nas ideias de Juízo Final, de ressurreição e de Paraíso. Ou nos revivalismos a que algumas deram lugar, como no caso das mundividências celta e escandinava, com a sua celebração da Natureza, visível na obra de Tolkien. Quem não conhece O Senhor dos Anéis?

    Na primeira parte, são apresentados seis politeísmos antigos: as religiões étnicas (com exemplos de Moçambique e do Brasil); as religiões da Mesopotâmia (em especial, da Suméria); a fabulosa religião do Antigo Egito; os casos dos Celtas e dos Nórdicos; e as religiões da Grécia e da Roma antigas, sementes da ideia de Europa. Há ainda um capítulo sobre o Zoroastrismo – o monoteísmo dual que foi a religião oficial da Pérsia durante doze séculos.

    Na segunda parte, uma mão experiente propõe-nos uma antevisão dos modelos religiosos do futuro: o teocrático; o da religião oficial nacional; o secular radical; e o multirreligioso. A terceira parte é dedicada ao Taoismo, a joia espiritual da China Antiga. O Tao te Ching de Laozi é, depois da Bíblia, um dos livros mais traduzidos em todo o mundo. Um seu continuador, Zhuangzi, também maravilhou muitos pensadores ocidentais, de Heraclito a Heidegger.

    Vale a pena a experiência desta leitura. Como escreveu Tolkien, «nem todos os que vagueiam estão perdidos». Fizemos, por isso, uma obra rigorosa e muito didática. Embarque connosco, porque – dizia Eduardo Lourenço – «mais importante do que o destino é a viagem»!

    Título

    Os segredos para ler e influenciar pessoas

    Autor

    Alexandre Machado

    Editora

    Manuscrito

    Sinopse

    Nos bastidores da nossa vida normal, os serviços secretos de inteligência atuam todos os dias. Nas sombras, com recurso a técnicas de influência, persuasão e controlo, estes operacionais enganam mestres do crime, por vezes, durante anos. É fundamental que assim seja: só desta forma é possível desmantelar redes de tráfico, apanhar assassinos e proteger inocentes

    E se essas técnicas confidenciais viessem a público? e se tivéssemos acesso aos segredos da manipulação humana, para aprender a ler pessoas, prever comportamentos, recolher informação, influenciar e persuadir?

    Depois de um longo e criterioso processo de autorização por parte das agências de inteligência e governos, o resultado está aqui. Alexandre Machado, conselheiro de unidades de operações psicológicas (PsyOps), revela pela primeira vez em livro as técnicas dos serviços secretos de inteligência.

    Neste livro, vai descobrir como:

    – Ler pessoas;- Detectar mentiras;- Influenciar indivíduos, isoladamente ou em grupo;- Prever e induzir comportamentos;- Causar uma boa primeira impressão;- Ser um líder eficiente.

    Ao perceber de que forma estamos programados pelo nosso cérebro para agir de determinada forma, saberá utilizar isso a seu favor.

    Preparado? A recruta começa agora!

    Título

    Pequeno-almoço de campeões

    Autor

    Kurt Vonnegut

    Editora

    Alfaguara 

    Sinopse

    Um marco da ficção norte-americana do século xx, tendo confirmado Vonnegut como um dos escritores mais influentes do seu tempo. Uma história onde a imaginação ácida e impiedosa do autor se revela em pleno.

    Narrativa frenética e desconcertante, súmula das obsessões do autor, composição da paisagem humana de uma certa América, veículo de transmissão de recados políticos e sociais: Pequeno-almoço de campeões condensa tudo isto, numa história meticulosamente urdida para deleite do leitor. O núcleo deste romance é o escritor de ficção científica Kilgore Trout, uma das mais veneradas personagens de Kurt Vonnegut. Numa das suas deambulações, Trout descobre, com horror, que Wayne Hoover, um bem-sucedido vendedor de carros, interpreta à letra as rocambolescas teorias apresentadas nos seus livros. E isso está a levá-lo à loucura. O que se segue é uma sátira deliciosa e inquietante sobre guerra, sexo, racismo, sucesso e política. O resultado é uma espécie de guia para entender o século xx.

    Com um mecanismo de revelações em camadas sucessivas, Vonnegut, um dos terráqueos mais divertidos de que há memória, apresenta-nos nada mais nada menos do que o planeta Terra, num romance brilhante e divertidíssimo, que o consagrou como um dos escritores mais instigantes do nosso tempo.

    Título

    Nós

    Autor

    Manuel Vilas

    Editora

    Alfaguara

    Sinopse

    Irene acreditava ter vivido um casamento perfeito, ao longo dos anos de entrega total e paixão ardente entre si e Marcelo, o marido agora falecido. Viviam um para o outro, como se cada novo dia fosse o primeiro. Esta relação acabou por afastá-los da realidade que os rodeava. com a perda e a dor do luto, o mundo de Irene desaba — até que ela descobre uma forma insólita de continuar a viver junto de Marcelo.

    É esta forma de invocar o grande amor de uma vida que constitui o cerne desta fantasia literária, ao longo de cuja leitura compreendemos a força avassaladora da solidão. Um romance que explora os limites do sentimento amoroso e que empreende uma viagem às profundezas da alma de uma mulher presa numa utopia íntima e irreal — uma mulher tão apaixonada, que o seu amor parece ser capaz de enganar o tempo, o esquecimento e até a morte. Nós incorpora a singularidade e o estilo poético inconfundível de toda a obra literária de Manuel Vilas.

    Título

    O Livro dos mortos do Antigo Egito

    Tradução do inglês

    Filipa Aguiar

    Editora

    Marcador

    Sinopse

    Misterioso, poderoso e comovente, O Livro dos Mortos do Antigo Egito é um dos textos mais antigos e influentes de toda a História. É composto por uma combinação de orações, feitiços e discursos que os antigos egípcios enterravam com os seus mortos, com o objetivo de ajudar os falecidos na sua «viagem» para a vida após a morte.

    Esta edição contém imagens do requintado papiro de Ani – um antigo escriba egípcio – na sua totalidade. Meticulosamente inscrito com hieróglifos e ilustrações dos rituais da vida após a morte, o papiro é apresentado com a tradução do aclamado egiptólogo E. A. Wallis Budge.

    Título

    A arte da guerra

    Autor

    Sun Tzu

    Editora

    Marcador

    Sinopse

    Escrito cerca do século VI a. C., A arte da guerra é um dos mais antigos livros sobre estratégia militar, e provavelmente o melhor. Ensina-nos a pensar com rapidez quando a batalha começa e a apanhar o nosso inimigo desprevenido.

    Desde que foi traduzido, contou entre os seus leitores com Napoleão, MacArthur, Montgomery, Mao Zedong e o general Van Riper, o qual ajudou a planear as operações Escudo do Deserto e Tempestade no Deserto.

    As lições de A arte da guerra ainda são válidas, e esta bonita edição inclui um fascinante posfácio sobre a forma como as ideias de Sun Tzu têm sido aplicadas nos negócios, no desporto e noutras áreas da vida.

    É ideal para quem pretenda ser mais astuto do que a oposição e apanhá-la de surpresa.

    Com ilustrações autênticas.

    Título

    A dança dos loucos

    Autor

    Sérgio Luís de Carvalho

    Editora

    Clube do Autor

    Sinopse

    No dia 19 de abril de 1506 em Lisboa, em pleno domingo de Páscoa, um homem explicou por que razão uma cruz de prata brilhava intensamente na Igreja de São Domingos, no Rossio. Esse simples facto desencadeou uma das maiores matanças da História de Portugal. Devastado, Mestre Navarro parte com as filhas para longe da perseguição.

    No dia 14 de julho de 1518 a senhora Troffea começou a dançar freneticamente e sem razão aparente. Em vão a tentaram ajudar, mas a senhora não conseguia parar. Ao fim de alguns dias, eram mais de quatrocentas pessoas a dançar ininterruptamente, alheadas e desesperadas. Foi o início de uma das mais estranhas e bizarras epidemias da História.

    Que ligação haverá entre estes dois acontecimentos, um tão trágico, outro tão pícaro?

    Título

    A máquina de Joseph Walser

    Autor

    Gonçalo M. Tavares

    Editora

    Relógio d’Água

    Sinopse

    No romance A máquina de Joseph Walser, pertencente à série O reino, o protagonista, Joseph Walser, trabalhador modesto numa fábrica e coleccionador obsessivo de pequenas peças metálicas, vai sobrevivendo à violência da guerra e à vida familiar deprimente, com uma apatia que, por vezes, de longe, parece uma espécie de sabedoria.

    O seu corpo sobrevive às traições, que comete e que sobre ele são cometidas, e resiste às bombas, mas diante da máquina de trabalho o seu corpo cede, não resiste. Mas ainda assim sobrevive. Joseph Walser é um sobrevivente.

    Título

    A vida bem vivida

    Autora

    Gladys McGarey

    Editora

    Lua de Papel

    Sinopse

    “Os médicos não curam os pacientes; os pacientes é que se curam a si próprios”, escreve Gladys McGarey, aos 102 anos. A médica sabe do que fala. Começou a exercer medicina há mais de oito décadas, num tempo em que as mulheres nem sequer podiam abrir contas bancárias. E era já octogenária quando resolveu ir para o Afeganistão ensinar os cuidados a ter durante o parto, reduzindo assim, drasticamente, a mortalidade infantil naquele país.

    Juntamente com o marido, revolucionou o entendimento da sua profissão, ao lançar as bases da medicina holística nos Estados Unidos. Percebeu que não se pode separar o corpo da mente, concluindo que para tratar uma doença primeiro é preciso descobrir as suas causas. Não basta examinar o paciente: é necessário ouvir a sua história.

    A sabedoria que acumulou surge resumida neste livro, que revela seis segredos que a autora põe em prática no seu dia a dia, como pessoa, mulher, mãe de seis filhos, avó, bisavó e trisavó… E se o primeiro segredo é a âncora para toda a sua filosofia de vida (“estamos aqui por um motivo”), o último completa o ciclo: gaste a energia sem medo, porque ela é inesgotável…

    A vida bem vivida acompanha o percurso desta mulher extraordinária, reunindo histórias reais, dela e dos pacientes, em que (nas palavras do professor Robert Waldinger, da Universidade de Harvard), descobrimos “verdades ricas e complexas, que vão ecoar nos corações e mentes dos leitores”.

    Título

    As minhas estúpidas intenções

    Autor

    Bernardo Zannoni

    Editora

    Dom Quixote

    Sinopse

    As minhas estúpidas intenções é a história fascinante de Archy, um macho de fuinha nascido na miséria, mutilado ainda jovem por um acidente e vendido como escravo pela mãe a um raposo usurário chamado Solomon, que, considerando-o esperto, resolve ensiná-lo a ler a Bíblia em segredo. Este conhecimento faz de Archy um milagre da zoologia, mas também um ser estranho que acaba por não encaixar em lugar nenhum.

    À medida que a vida de Archy é transformada pela descoberta da escrita – e de uma entidade bastante ambígua chamada Deus -, ele começa paradoxalmente a ter saudades da sua velha existência guiada pelo instinto. Mas não pode desaprender o que aprendeu, nem conciliar as suas pulsões mais selvagens com dilemas éticos ou o seu desejo de transcendência com as suas necessidades animais. Escrever sobre a sua vida e passar a outros o conhecimento é a tentativa de Archy de vingar o destino a que a mãe, afinal, o quis condenar.

    Vencedor de uma série de prémios no ano da sua publicação, este é um romance de estreia a todos os títulos excepcional.

    Título

    A Bíblia

    Autor

    Péter Nádas

    Editora

    Cavalo de Ferro

    Sinopse

    Budapeste, anos 1950. Uma vila situada na colina da cidade e o seu jardim de inverno constituem o pequeno reino protegido onde Gyuri, filho de altos funcionários do partido, passa dias indolentes na companhia dos avós. À tarde, depois da escola, deambula, lê, espreita os vizinhos, ou simplesmente não faz nada, limita-se a ficar à espera, a ver o que acontece, aguardando pela noite e pela chegada dos seus pais.

    A entrada ao serviço de uma jovem doméstica vinda do campo irá, porém, perturbar o falso equilíbrio e a tranquilidade do lar, trazendo à superfície crueldades e pulsões ocultas que irão marcar o fim da inocência de Gyuri e da sua família.

    Publicado originalmente em 1967, A Bíblia é o curto romance de estreia de Péter Nádas, considerado um dos maiores nomes da literatura mundial, traduzido pela primeira vez no nosso país.

    Título

    O declínio do anjo

    Autor

    Yukio Mishima

    Editora

    Livros do Brasil

    Sinopse

    O último volume da tetralogia «Mar da Fertilidade».

    No final dos anos de 1960, Shigekuni Honda está reformado, rico e sem filhos. Quando conhece Toru, um órfão de dezasseis anos, acredita ter descoberto nele a reencarnação do seu amigo de infância Kiyoaki Matsugae e adota-o como seu herdeiro. Honda educa-o e observa-o, interrogando-se sobre se também a vida de Toru irá ser abrupta e precocemente interrompida. Desfecho dramático da tetralogia «Mar da Fertilidade», O declínio do anjo ata por fim o entrançado de temas dos três primeiros volumes: a decadência dos valores tradicionais japoneses, a essência da filosofia budista e a visão apocalíptica do mundo moderno. Pouco depois de escrever as últimas linhas deste romance, Mishima suicidou-se, praticando seppuku.

    Título

    Mentiras de mulher

    Autora

    Ludmila Ulitskaya

    Editora

    Cavalo de Ferro

    Sinopse

    Um romance composto por várias narrativas que abrem a porta para a vida interior de mulheres da sociedade russa nos anos seguintes à queda do regime soviético.

    Génia, intelectual soviética, mãe e a braços com um casamento fracassado, tem o dom de atrair as confidências de mulheres com quem se vai cruzando ao longo dos anos. São relatos de intimidade, histórias de lutos, adultérios, ligações escandalosas e ilusões perdidas que Génia escuta com benevolente ingenuidade, compaixão e não menos surpresa, pois todas elas acabam, invariavelmente, por se revelar falsas.

    Artificiosas, inofensivas e quase infantis, as mentiras que estas mulheres contam a si mesmas, sem necessidade aparente, revelam-se fonte de reinvenção e sobrevivência perante a desilusão que sentem com a vida e a estreiteza do seu mundo.

    Mosaico de várias histórias, Mentiras de mulher é, segundo a autora, o romance mais verdadeiro que alguma vez escreveu. Com a sua invulgar mão de romancista, Ulitskaya abre uma porta para a vida interior de mulheres resilientes, astutas e corajosas, de diferentes origens, idades e destinos, cuja arte de saber viver está intimamente ligada à arte de contar histórias.

    Título

    Liberta-te de emoções tóxicas

    Autor

    Habib Sadeghi

    Editora

    Albatroz

    Sinopse

    Quando, há mais de 20 anos, lutava para recuperar de um cancro, o Dr. Sadegh percebeu que as emoções negativas causavam danos reais a nível celular. Focado em limpar a mente para ajudar a curar o seu corpo, desenvolveu uma poderosa estratégia de 12 passos que lhe permitiu identificar as questões emocionais que o estavam a bloquear, alcançando uma sensação de paz, de controlo e de renovação de energia.

    Baseado na estratégia desenvolvida pelo Dr. Habib Sadegh, Liberta-te de emoções tóxicas, irá ajudar-te a:

    • Definires uma intenção clara;• Expurgares emoções negativas;• Praticares o autoperdão compassivo;• Recentrares a energia negativa para ir além da dúvida e do medo;• Fazeres as perguntas certas que te ajudarão a gerir relacionamentos.

    Seguindo os doze passos deste poderoso guia serás capaz de limpar a tua mente e curar o teu corpo, transformando obstáculos em oportunidades de cura e de energização.

    Título

    O imenso, sereno e doce rio

    Autor

    Rui de Azevedo Teixeira

    Editora

    Guerra & Paz

    Sinopse

    Circe, Ulisses, Penélope?!

    A paixão entre a militante do PCP e o «fascista» comando começou pela voz, «capaz de derreter os ossos a um homem», e pelo masculino «melhor cheiro do mundo». Ana de Jesus Roriz e Paulo de Trava Lobo, entre terramotos de cama, conversavam sobre o meio literário e discutiam o país e a política.

    Às coçadas histórias comunistas de Ana, Paulo contrapunha a «transcendência vazia» do comunismo ou o «Ketman estético». As ásperas discussões – «penedo mental», «assassino de guerrilheiros» – acabavam, contudo, macias sobre os lençóis. Na verdade, ambos sentiam no outro o fascínio pelo melhor inimigo, pelo dono do «defeito perfeito». Entre os Jardins do Éden e o Inferno, aos solavancos, viviam un amour vache por Lisboa, Alentejo e Linha.

    Mas havia Iza, a mulher de Paulo, o amor que o fazia transbordar de ternura.E, como sempre com o antigo comando, a violência. Em Moçambique, no Rio, no Porto…

  • A misteriosa morte de Miguela de Alcazar

    A misteriosa morte de Miguela de Alcazar


    Um romance policial do brasileiro Lourenço Cazarré…

    … em nova versão com o aportuguesado dedo (e ironia) de Pedro Almeida Vieira


    31 – O repórter sucumbe à doença infantil do antiamericanismo

    Um a zero para o americano. O danado tinha me passado a perna. Uma onda de furibundo ardor nacionalista subiu-me do ventre ao pescoço. Eu precisava restabelecer minha condição de cidadão de uma nação de espertinhos. Nós, brasileiros, é que somos especialistas em gozar a cara dos outros.

    Passei a torcer para que Dax se interessasse pela Bíblia da falecida. Seria um indicativo de que ele sabia da existência do bilhetinho. Mas o americano não dava bola para o livrão. Girava pelo quarto e fazia anotações – com suas grandes mãos enluvadas – num caderninho.

    – Livro muito interessante este, não é, seu Batota? – comentei, tentando atrair a atenção de Dax.

    – Que livro, ó pá? – perguntou-me, desatento, o português.

    – A Bíblia! – respondi em voz alta.

    Dax, que estava analisando a arrumação da cama, mordeu a isca:

    – Bíblia? Livro muito chinelão. Até meio mal escrito. Tem personagens demais, pouca ação, linguagem enrolada e enredo confuso. É obra de amador, tchê!

    Não demorei em reagir à análise tão depreciativa:

    – Mas é o livro mais lido e vendido em todo o mundo!

    – Também, com a equipe de propagandistas que ele tem! São milhões de padres e pastores ameaçando bilhões de pessoas todo domingo. Se não lerem a Bíblia, vão virar churrasco no inferno!

    Dois a zero para o gringo, reconheci. A continuar assim vai dar cabazada, como os portugas dizem no futebol quando se tomam muitos gols sem resposta. 

    Calado, concentrado, Dax vasculhou o gigantesco guarda-roupa, os criados-mudos e o interior do frigobar. Finalmente, voltou para junto do corpo da escritora espanhola.

    – Estranhou alguma coisa, senhor Dax? – perguntou Batota.

    – Muitas.

    – O senhor poderia dizer-me quais.

    – Não! De jeito nenhum. Vivo disso. Ganho uns trocos com esse tipo de coisa. Com base nos detalhes estranhos que percebi, escreverei um livro que se chamará Um cadáver lê a Bíblia.

    – Não será pecado ganhar dinheiro com uma obra que tenha esse título? – indagou o gerente do hotel.

    – Bah, se a gente olha com atenção, todas as formas de ganhar dinheiro são, na verdade, variadas espécies de trapaça – filosofou Dax. – No fundo, todos nós lutamos pra acalmar o estômago. A diferença essencial é que uns poucos matam a fome com filé e a grande maioria se contenta com carne de pescoço.

    – Os americanos comem todo o filé produzido no mundo – provoquei. – Deixam só a pelanca para os outros.

    – E daí, tchê, qual é o teu problema? – retrucou Dax, irritado. – Por que tu não vais te queixar ao Papa?

    Batota puxou-me para perto da porta e sussurrou:

    – Que tens tu, pá? Sofres da doença infantil do antiamericanismo? Por que ficas para aí a chatear o senhor Chamber? Que mal te fez ele?

    Também em voz baixa, respondi:

    – Eu o ataco porque ele é um cara muito suspeito. Usou luvas!

    – Não vejo nada de estranho que se use luvas durante uma investigação, pá.

    – Raciocine, seu Batota! Digamos que dona Miguela tenha sido assassinada. Se durante a investigação forem encontradas aqui impressões digitais de Dax, ele dirá que elas foram “plantadas” e pedirá nosso testemunho. Seremos obrigados a dizer que ele usava luvas. Compreendeu? Tudo não passou de um álibi para ele se livrar de um crime que pode ter praticado!

    – Porra, miúdo! – espantou-se o português. – Estou a ver que ou és um gênio, mais sagaz que Sherlock, ou então és uma besta quadrada!

    Depois de fuzilar-me com um olhar inamistoso, o americano deixou às pressas o apartamento 1313.

    closeup photo of USA flag

    32 – A profunda afeição dos russos pelos frascos

    De acordo com a ordem estabelecida no sorteio, Fedorova foi a segunda a investigar o apartamento de dona Miguela.

    A russa já entrou nele debulhando-se em lágrimas. Chorava aos berros, lacrimejava aos jarros.

    A chuva lacrimal era ruim para a – perdoem o cacófato! – estética dela. O riacho de lágrimas atravessava as cavernas de rímel dos olhos e corria desembestado pela planície carmim das bochechas.

    Logo surgiram duas manchas irregulares, puxando para o marrom, nas laterais do rosto da escritora eslava. As manchas nasciam afastadas, uma de cada olho, mas juntavam-se embaixo do queixo largo e, depois, pingavam da papada flácida para o chão.

    Segurando na mão direita a garrafa de pinga que recebera do garçom míope, e tendo ainda encalacrado entre os beiços um toco do formidável charuto, a camarada soviética rugia:

    – Oh, minha pequenina Mika da muléstia, por que os deuses dos infernos vieram até este país carnavalesco pra te arrebatar de nós, teus pares? Por que os céus determinaram tua morte justo hoje quando nos encontramos reunidos em torno do ardente samovar da literatura?

    Eu bebia com interesse o que dizia ela no seu arrastado e fanhoso sotaque cearense, mas me perguntava: para que todo esse show?

    Como eu sabia que Fedorova e Miguela não se amavam tanto assim, conclui que aquela performance decorria da excessiva ingestão de sumo de cana.

    Depois de ajoelhar-se diante do corpo de Miguela, Fedorova soltou a garrafa no carpete, levou as mãos aos cabelos e se pôs a puxá-los. Arrancou uns bons chumaços.

    Além dos gritos, lágrimas e extração capilar, de vez em quando ela dava murros no próprio peito. E, como pessoa possuída por espírito ruim, perorava entre baforadas:

    – Embora tenhas nascido no berço de ouro da burguesia exploradora, eu sei que tu, Mikhaila da peste, amavas os mujiques do teu país! Tua morte é uma grande perda para a literatura do crime!

    Não demorei a perceber que, apesar da autoflagelação cenográfica, a russa observava atentamente o cenário. Seus rasgados olhos cinzentos corriam pelo rosto da morta, pela sua roupa e arrastavam-se pelo chão ao redor do cadáver.

    De repente, me deu um estalo. Fedorova estava reproduzindo diante de nós trechos do célebre monólogo do arrependimento tardio de Raspadecova, a criminosa de Contravenção e penalidade. Sim, porque depois de matar a velha usurária, Raspadecova fala dela com muito carinho. Afinal, a megera está morta. E a morte, na Rússia, como no mundo todo, redime as pessoas. Lá como cá, todo canalha em vida vira gente boa quando veste o paletó de madeira.

    Sempre chorando, a novelista eslava levantou-se. Pegou o cinzeiro, mas não bateu nele o charuto para livrá-lo da cinza. Não! O que fez foi aproximar dele o seu monumental narigão para farejar resquícios de tabaco.

    A seguir, agachou-se e examinou demoradamente embaixo da cama. Depois passou aos armários, cujas portas escancarou, sempre discursando em voz alta:

    – Vejam, amarelos, como Mikhaila mantinha em ordem o danado do seu apartamento! Sua mala está aqui dentro, fechada. E parece que ninguém forçou a fechadura. De que morreu, ó deuses, a doce Mikólia?

    – Como sofre essa pobre rapariga! – sussurrou-me Batota, de olhos marejados. – A senhora Fedorova é realmente uma alma sensível, é um ser muito mais humano.

    – Todas as pessoas são igualmente humanas – contestei. – Mas não se emocione com a encenação, seu Manoel. Sem drama, a vida não tem graça para os russos. Na verdade, creio que ela já está rabiscando mentalmente o livro que escreverá depois sobre o assunto. Essa choradeira toda certamente será incorporada ao texto.

    – Como podes estar a ser tão cínico, meu pelintra? Estamos a presenciar aqui o mais comovente sofrimento, fruto derivado de sincera admiração e companheirismo, e tu vens falar-me de encenação…

    a very tall building with a clock on it's side

    33 – Livre dos padecimentos e turbações da terra

    A nossa discussão, entre mim e o português, ou entre eu e o português – nem sei como escrever, maldita língua! -, foi interrompida por novas e interessantes frases pronunciadas pela escritora de São Petersburgo:

    – Para onde terão ido as pequeninas garrafas de uísque que deveriam estar em cima da tua geladeirinha, Mikahilichenka? Teriam sido roubadas pelos cossacos ou pelos tártaros?

    – Viu como nada lhe escapa? – sussurrei ao português. – Ela já descobriu que os agentes de Aroeira embolsaram as garrafinhas.

    – Que monumental poder de percepção tem esta rapariga! – espantou-se Batota. – Como deu ela pela falta das miniaturas?

    – Pelo faro – expliquei. – Russos sentem o cheiro de birita mesmo quando as garrafas estão muito bem arrolhadas.

    – Para de falar mal dos russos, primata! – sibilou Batota. – Não te lembras de Tolstói, Tchecov e Gógol?

    – Mas eu até gosto muito dos russos – confessei. – Aliás, Brasil e Rússia se parecem muito. São países enormes e igualmente atrasados. Lá como cá vigoram a mais desenfreada corrupção, a violência extrema e a miséria mais hedionda. Mas nós temos uma grande vantagem sobre os russos: a cachaça deixa o sujeito mais alegre enquanto a vodca inclina o seu bebedor mais à melancolia.

    – Chega de baixa sociologia, chica!, pá! – impacientou-se o gerente do hotel. – Deixa-me degustar a alta qualidade literária das amargas lágrimas de Fedorova Smerdlova.

    Então, como se estivesse esperando que nos calássemos, a robusta senhora eslava salmodiou:

    – Oxente, a morte se encontra instalada no coração do regime capitalista. Será que Mikachenka se suicidou por ter entendido que o Ocidente está vertiginosamente descendo a ladeira dos valores humanos como um jegue sobrecarregado com odres de pinga?

    Aquela fala foi demais para o emotivo Batota, que resolveu entrar no jogo cênico de Fedorova. Rosto lavado por lágrimas, o conterrâneo de Fernando Pessoa ajoelhou-se diante do cadáver de Miguela de Alcazar e, com a mão espalmada sobre o poderoso torso, recitou, em altos brados:

    Alma minha gentil que te partiste,

    Tão cedo desta vida, descontente

    Repousa lá no céu eternamente 

    E viva eu cá na terra sempre triste.

    Fedorova voltou-se para Batota:

    – Hoteleiro da muléstia, enquanto recitavas o lírico Camões, eu me vi transportada à Rússia milenar, onde florescem os girassóis! Senti que anjos me retiravam deste quarto, entre cujas paredes se aninhou a famélica e sedenta morte, e me conduziam por entre nuvens…

    A mais contagiosa das doenças é um mal que não tem cura, mais conhecido como loucura. A desembestada maluquice da russa tinha despertado a dormente demência de Batota.

    Tudo o que relato passou-se na minha frente. Era como se eu estivesse escrevendo um livro e, de repente, enlouquecidos, os personagens tivessem assumido o controle da narrativa.

    Ou eu entrava no jogo deles, e me fazia de doido, ou dava-lhes um tranco para voltassem à chamada realidade palpável, essa coisa desprezível – odiada pela gente sofisticada e bem pensante – em que vivemos nós, os assalariados.

    Optei por fazer-me de pirado:

    – Por que choras, generosa Fedorova, se Mikhailuchenka já se encontra no vaporoso céu descansando dos padecimentos e turbações desta desolada terra?

    – Não sofro só por Mikahila, muléqui. Choro também pela pobre alma da atormentada criatura que pode ter causado o falecimento da nossa companheira.

    – Mas quem poderia ter causado, mesmo que sem querer, a morte da pobre Mikahila? – perguntei, intrigado.

    – Arre égua, meu bichinho! Nós! Potencialmente, somos todos assassinos. O mal está encravado em nossas vísceras. Se baixamos a defesa por um segundo, assim o ódio transborda do nosso coração.

    gold downlight chandelier

    (cont.)


    Sobre os autores (actividade literária)

    Nascido em Pelotas, no Estado brasileiro do Rio Grande do Sul, em 1953, Lourenço Cazarré é autor de mais de 35 livros, entre novelas juvenis, contos e romances. Participou em 17 antologias de contos. Recebeu mais de 20 prémios literários de âmbito nacional, tendo vencido por duas vezes o maior certame literário dos anos 80, a Bienal Nestlé, nas categorias romance, com O calidoscópio e a ampulheta (1982), e contos, com Enfeitiçados todos nós (1984). Um de seus livros para jovens, Nadando contra a morte, recebeu o Prémio Jabuti, em 1998, e o selo de “Altamente Recomendável para Jovens”, da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ). Ganhou ainda o Concurso Nacional de Contos Josué Guimarães, em 1993, e o Prémio Brasília para Livros Juvenis, em 1990. Em 2002, recebeu o Prémio Açorianos da Prefeitura de Porto Alegre, pelo melhor livro de contos, Ilhados. Como teatrólogo, foi premiado no Concurso Nacional de Dramaturgia da Funarte (regiões Norte e Centro-Oeste), em 2005, com a peça Umas poucas cenas vistas do caos. A primeira versão de A misteriosa morte de Miguela de Alcazar foi publicada no Brasil em 2009.

    Nascido em Coimbra, em 1969, Pedro Almeida Vieira teve a sua estreia na ficção em 2004 com o romance Nove mil passos, que aborda a construção do Aqueduto das Águas Livres, a que se seguiu no ano seguinte O profeta do castigo divino, com foco na vida do jesuíta Gabriel Malagrida e a trama no período imediatamente anterior ao terramoto de Lisboa de 1755. Em 2009 regressou ao romance do género histórico, com A mão esquerda de Deus, finalista do Prémio Literário Casino da Póvoa. Em 2011 e 2013 publicou um conjunto de crónicas em dois volumes sobre crimes em Portugal até à abolição da pena de morte, sob os títulos Crime e castigo no país dos brandos costumes e Crime e castigo: o povo não é sereno, com ilustrações do brasileiro Enio Squeff. Foi também o responsável pela redescoberta da obra de Guilherme Centazzi (1808-1875), médico natural de Faro, precursor do romance moderno português, reeditando o romance O Estudante de Coimbra, tarefa que lhe mereceu a Menção Honrosa do Prémio Grémio Literário de Lisboa em 2012. Publicou ainda um conjunto de crónicas sobre o Brasil colonial, compiladas na obra Assim se pariu o Brasil, com edição portuguesa em 2015, edição brasileira (português do Brasil) em 2016, e edição italiana em 2020. É autor também de diversos contos, além de ensaios na área do ambiente, entre os quais se destacam O estrago da Nação (2003) e Portugal: o vermelho e o negro (2006).