Autor: Redacção PÁGINA UM

  • Correio Mercantil de Brás Cubas: conheça uma ‘amostra’

    Correio Mercantil de Brás Cubas: conheça uma ‘amostra’


    COMPRE NA LOJA DO PÁGINA UM

    Envio com autógrafo

    ***

    Há momentos históricos no percurso do PÁGINA UM, e há outros que, podendo não ser históricos, são profundamente sentidos, quase íntimos. A publicação do primeiro livro com a chancela do jornal pertence a esta segunda categoria: não é apenas um marco editorial, é também um gesto de afecto e de compromisso.

    Bem sei que se trata de um livro em nome próprio, que assinala o meu regresso à Literatura após uma década de interregno, e que o faço com uma certa imprudente ousadia: ao longo do último ano, dei nova vida a Brás Cubas, a célebre personagem póstuma de Machado de Assis, para analisar, com mordacidade e ironia, a política e a sociedade portuguesa. Caberá aos leitores – e, inevitavelmente, aos críticos – decidir se se trata de um mero pastiche ou de uma homenagem conseguida.

    Com o passar dos meses, porém, percebi que estas crónicas não deviam ficar condenadas a uma existência simultaneamente efémera e perene na Internet. Mereciam antes um relicário mais digno: a forma impressa, que continua a ser o altar maior onde a Literatura encontra a sua eternidade. Assim nasceu, o Correio Mercantil de Brás Cubas.

    Deixamos para a vossa apreciação (e crítica) prólogo assinado pelo próprio Brás Cubas, bem como três crónicas de amostra – que, confessadamente, são as mais fracas da meia centena que compõe a obra. Pode adquirir o(s) seu(s) exemplar(es) na loja do PÁGINA UM ou escrever-nos para loja@paginaum.pt.

    Pedro Almeida Vieira

    ———-

    Prólogo de papel passado, ou a inconveniência tipográfica da minha ressurreição literária

    Estimadas leitoras e veneráveis leitores — sois vós agora, por artimanha editorial, os destinatários de um volume que, em bom rigor e decência metafísica, jamais deveria ter existido. Refiro-me, é claro, a este opúsculo desmesurado, baptizado Correio Mercantil de Brás Cubas, em cujas páginas se alojam, com impunidade tipográfica, as minhas mais recentes epístolas ao mundo dos vivos.

    Antes de mais, assinale-se o óbvio: um defunto não escreve livros. Pode, quando muito, soprar crónicas ao ouvido de escribas cansados, insinuar sarcasmos ao teclado de jornalistas descontentes ou, com a audácia dos espectros persistentes, lançar ironias em formato digital, tão voláteis como ectoplasma em dia de vento. Com a sua natureza evanescente, o meio electrónico condiz com a condição ectoplasmática de quem, como eu, já não tem carne, mas conserva os nervos do espírito Agora, transladar tal obra para o papel — esse nobre e vetusto suporte que se esfarrapa, se dobra, se encaderna e, pior ainda, se arquiva — é exercício de teimosia editorial, quase necromancia gráfica. Mas que hei-de eu fazer? Até os mortos têm editores.

    Confesso, pois, a minha estupefacção inicial. Um livro? Meu? Novamente? Depois de quase um século e meio de retiro no ossário da Literatura? Que insulto à compostura tumular! O papel, ao contrário do éter digital, compromete, fixa, torna oficial — e, para mal dos meus pecados, cria leitores com marca-páginas. Eis a tragédia: tornar-me autor reincidente sem sequer ter tido tempo para renegociar os direitos de autor com São Pedro.

    Dir-me-eis: “E as crónicas, Brás Cubas, essas que compusestes para o PÁGINA UM com desdém filosófico e fel risonho, que destino julgáveis que teriam?” Ó ingénuos! Julgava-as como folhas ao vento, para distrair os espíritos e afligir os vivos. Eram, à nascença, textos para correr mundo com leveza, não para serem impressos com ISBN. Escrevi-as como quem lança garrafas ao mar da internet, não como quem ergue catedrais de sarcasmo. Eis, portanto, a minha justificação: nunca foi minha intenção compor uma obra; apenas uma perturbação intermitente do vosso bom senso.

    Mas já que me imprimem — e com capa, lombada e prólogo, veja-se! —, cumpre-me esclarecer o propósito deste volume. Não é um romance, ainda que contenha personagens mais absurdas do que os de Balzac; não é um ensaio, embora se veja nele mais pensamento do que em muitos tratados universitários; tampouco é um panfleto, mesmo que esmurre com elegância vários dogmas do vosso tempo. Trata-se, tão-só, de um modesto inventário da loucura contemporânea, registado por um defunto com bom ouvido, má-língua e infinito tempo para observar as vossas insanidades.

    Em cada crónica aqui reunida — sim, crónicas, pois não se lhes pode chamar sermões, nem sentenças, nem editoriais — encontrarão uma tentativa de compreender a grotesca metamorfose do vosso século, essa era em que os reis se fazem bobos para ganharem votos, os moralistas se vendem a fundações, os artistas facturam em nome do sublime e os jornalistas já não investigam, mas reverenciam. O meu olhar não é neutro, porque os mortos não são imparciais: não tendo mais a perder, só nos resta a liberdade de rir.

    De António Costa a Cristina Ferreira, do Santo Padre às jerricanocracias lusas, da estética subsidiada à electricidade perdida, e com uma embirração especial para com os jornalistas e o Almirante Gouveia e Melo, percorro — com a ajuda do meu indispensável piparote — as misérias, as farsas, os eufemismos e os escândalos ocultos de uma Pátria que parece hoje menos uma Nação e mais uma anedota com impostos e taxas. As minhas crónicas são, portanto, actas da vossa decadência, redigidas por um escrivão sem corpo, mas com memória.

    E se há mérito nesta publicação, não me pertence inteiramente. Há, de facto, um vivo que se prestou ao vexame de me servir de médium e de amanuense, um tal Pedro Almeida Vieira — literato outrora conhecido, depois silente, agora ressurgido, como eu, mas ainda de carne e muitos ossos, muito cabelo e já alguma gordura — que, por nostalgia ou insanidade, vem prestar-me corpo tipográfico. É ele quem assina por mim na contabilidade dos livreiros, embora se saiba que, neste acordo, a alma sou eu. Em boa verdade, é o seu regresso à literatura; no meu caso, é apenas uma recaída.

    E assim vos deixo, leitoras de sensibilidade e leitores de coragem, com este compêndio de mordacidade. Não é obra de amor, mas de lucidez; não consola, mas esclarece; não perdoa, mas diverte. Se rirdes, cumpri o meu intento. Se vos ofenderdes, melhor ainda

    Brás Cubas

  • O PÁGINA UM está a recrutar

    O PÁGINA UM está a recrutar


    O PÁGINA UM — e os seus projectos jornalísticos complementares a lançar ainda este ano — está a reforçar a redacção em Lisboa e procura profissionais motivados, independentes e rigorosos, com paixão pelo jornalismo e sentido de missão pública.

    white and black typewriter on table

    As vagas abertas são:

    2 Estágios curriculares ou profissionais (para efeitos de inscrição na CCPJ) — bolsa de estágio e formação incluída;

    1 Jornalista Júnior, com contrato inicial a termo certo, em regime de tempo inteiro e presencial;

    1 Jornalista Sénior, com experiência comprovada e espírito crítico, igualmente em regime de tempo inteiro e presencial;

    1 Administrativo, com domínio das rotinas editoriais, tratamento documental e apoio à gestão.

    Todos os candidatos devem enviar:

    Curriculum vitae detalhado;

    Três trabalhos distintos (publicados na imprensa escrita ou, no caso dos estagiários, trabalhos académicos relevantes);

    Intervalo remuneratório pretendido.

    As candidaturas devem ser enviadas até 7 de Novembro de 2025 para o e-mail:
    📩 pavieira@paginaum.pt

    O PÁGINA UM privilegia a independência editorial, a investigação documental e a escrita rigorosa. Procuramos quem queira fazer jornalismo de verdade — sem concessões nem filtros.

  • Correio Mercantil de Brás Cubas: lançamento

    Correio Mercantil de Brás Cubas: lançamento


    COMPRE NA LOJA DO PÁGINA UM

    Envio com autógrafo

    O PÁGINA UM e o Távola Jazz Club têm a honra de convidar para o lançamento do livro Correio Mercantil de Brás Cubas, da autoria de Pedro Almeida Vieira (e, por via espiritual, do próprio Brás Cubas), a realizar-se na terça-feira, 21 de Outubro, às 19h00, no Távola Jazz Club — Rua Coronel Bento Roma, 16, Lisboa (junto à Avenida dos Estados Unidos da América e a escassos passos da estação de Metro de Roma).

    Além do autor, o evento contará com a presença dos escritores Sérgio Luís de Carvalho e Lourenço Cazarré, que farão a apresentação da obra entre citações, ironias e uma ou outra provocação filosófica que nem o defunto Brás Cubas desdenharia.

    Correio Mercantil de Brás Cubas: o livro

    Depois da sessão literária — que decorrerá entre as 19h00 e as 21h00 — realiza-se, às 22h00, um concerto de jazz ao vivo, como sucede, aliás, todas as noites. Durante o concerto — onde estará, no saxofone, o nosso webdesigner José Maria Gonçalves Pereira (Zé Maria) — será igualmente possível adquirir exemplares do livro e pedir autógrafos ao autor Pedro Almeida Vieira. No entanto, para assistir ao espectáculo, a partir das 22h00, é necessário pagar 10 euros, a debitar no cartão de consumo.

    NOTAS IMPORTANTES:

    À entrada da sessão literária será entregue um cartão de consumo, apenas cobrado em caso de consumo de bebidas.

    Preço do livro (disponível para compra na sessão): 17,5 euros por exemplar.

    Pagamentos: transferência bancária, MBWAY ou dinheiro. Caso não lhe seja possível estar presente, pode adquirir o(s) livro(s) através da loja PÁGINA UM: https://paginaum.myshopify.com/products/correio-mercantil-de-bras-cubas-de-pedro-almeida-vieira

    Para quem desejar mais de dois exemplares autografados recomenda-se indicar antecipadamente a quantidade pretendida para loja@paginaum.pt.

    Entre livros, defuntos e saxofones, o próximo dia 21 promete uma noite em que o humor de além-túmulo encontrará o melhor jazz de Lisboa.

    Távola Jazz Club – Lisboa, 21 de Outubro, às 19h00 (Rua Coronel Bento Roma, 16, Lisboa)

    Apresentação literária (até às 21h00): Entrada livre

    Concerto às 22h00 – Valor: 10 euros

    Aviso: Estamos a processar os envios dos livros já adquiridos. Este é um processo lento, que está condicionada pela nossa estrutura pequena, a que acresce os autógrafos personalizados. Além disso, queremos continuar a manter o ritmo noticioso do PÁGINA UM. Já foram enviados cerca de 300 exemplares e nos próximos dias contamos enviar outros tantos.

    ***

    Há momentos históricos no percurso do PÁGINA UM, e há outros que, podendo não ser históricos, são profundamente sentidos, quase íntimos. A publicação do primeiro livro com a chancela do jornal pertence a esta segunda categoria: não é apenas um marco editorial, é também um gesto de afecto e de compromisso.

    Bem sei que se trata de um livro em nome próprio, que assinala o meu regresso à Literatura após uma década de interregno, e que o faço com uma certa imprudente ousadia: ao longo do último ano, dei nova vida a Brás Cubas, a célebre personagem póstuma de Machado de Assis, para analisar, com mordacidade e ironia, a política e a sociedade portuguesa. Caberá aos leitores – e, inevitavelmente, aos críticos – decidir se se trata de um mero pastiche ou de uma homenagem conseguida.

    Com o passar dos meses, porém, percebi que estas crónicas não deviam ficar condenadas a uma existência simultaneamente efémera e perene na Internet. Mereciam antes um relicário mais digno: a forma impressa, que continua a ser o altar maior onde a Literatura encontra a sua eternidade. Assim nasceu, o Correio Mercantil de Brás Cubas.

    Deixamos para a vossa apreciação (e crítica) prólogo assinado pelo próprio Brás Cubas, bem como três crónicas de amostra – que, confessadamente, são as mais fracas da meia centena que compõe a obra. Pode adquirir o(s) seu(s) exemplar(es) na loja do PÁGINA UM ou escrever-nos para loja@paginaum.pt.

    Pedro Almeida Vieira

    ———-

    Prólogo de papel passado, ou a inconveniência tipográfica da minha ressurreição literária

    Estimadas leitoras e veneráveis leitores — sois vós agora, por artimanha editorial, os destinatários de um volume que, em bom rigor e decência metafísica, jamais deveria ter existido. Refiro-me, é claro, a este opúsculo desmesurado, baptizado Correio Mercantil de Brás Cubas, em cujas páginas se alojam, com impunidade tipográfica, as minhas mais recentes epístolas ao mundo dos vivos.

    Antes de mais, assinale-se o óbvio: um defunto não escreve livros. Pode, quando muito, soprar crónicas ao ouvido de escribas cansados, insinuar sarcasmos ao teclado de jornalistas descontentes ou, com a audácia dos espectros persistentes, lançar ironias em formato digital, tão voláteis como ectoplasma em dia de vento. Com a sua natureza evanescente, o meio electrónico condiz com a condição ectoplasmática de quem, como eu, já não tem carne, mas conserva os nervos do espírito Agora, transladar tal obra para o papel — esse nobre e vetusto suporte que se esfarrapa, se dobra, se encaderna e, pior ainda, se arquiva — é exercício de teimosia editorial, quase necromancia gráfica. Mas que hei-de eu fazer? Até os mortos têm editores.

    Confesso, pois, a minha estupefacção inicial. Um livro? Meu? Novamente? Depois de quase um século e meio de retiro no ossário da Literatura? Que insulto à compostura tumular! O papel, ao contrário do éter digital, compromete, fixa, torna oficial — e, para mal dos meus pecados, cria leitores com marca-páginas. Eis a tragédia: tornar-me autor reincidente sem sequer ter tido tempo para renegociar os direitos de autor com São Pedro.

    Dir-me-eis: “E as crónicas, Brás Cubas, essas que compusestes para o PÁGINA UM com desdém filosófico e fel risonho, que destino julgáveis que teriam?” Ó ingénuos! Julgava-as como folhas ao vento, para distrair os espíritos e afligir os vivos. Eram, à nascença, textos para correr mundo com leveza, não para serem impressos com ISBN. Escrevi-as como quem lança garrafas ao mar da internet, não como quem ergue catedrais de sarcasmo. Eis, portanto, a minha justificação: nunca foi minha intenção compor uma obra; apenas uma perturbação intermitente do vosso bom senso.

    Mas já que me imprimem — e com capa, lombada e prólogo, veja-se! —, cumpre-me esclarecer o propósito deste volume. Não é um romance, ainda que contenha personagens mais absurdas do que os de Balzac; não é um ensaio, embora se veja nele mais pensamento do que em muitos tratados universitários; tampouco é um panfleto, mesmo que esmurre com elegância vários dogmas do vosso tempo. Trata-se, tão-só, de um modesto inventário da loucura contemporânea, registado por um defunto com bom ouvido, má-língua e infinito tempo para observar as vossas insanidades.

    Em cada crónica aqui reunida — sim, crónicas, pois não se lhes pode chamar sermões, nem sentenças, nem editoriais — encontrarão uma tentativa de compreender a grotesca metamorfose do vosso século, essa era em que os reis se fazem bobos para ganharem votos, os moralistas se vendem a fundações, os artistas facturam em nome do sublime e os jornalistas já não investigam, mas reverenciam. O meu olhar não é neutro, porque os mortos não são imparciais: não tendo mais a perder, só nos resta a liberdade de rir.

    De António Costa a Cristina Ferreira, do Santo Padre às jerricanocracias lusas, da estética subsidiada à electricidade perdida, e com uma embirração especial para com os jornalistas e o Almirante Gouveia e Melo, percorro — com a ajuda do meu indispensável piparote — as misérias, as farsas, os eufemismos e os escândalos ocultos de uma Pátria que parece hoje menos uma Nação e mais uma anedota com impostos e taxas. As minhas crónicas são, portanto, actas da vossa decadência, redigidas por um escrivão sem corpo, mas com memória.

    E se há mérito nesta publicação, não me pertence inteiramente. Há, de facto, um vivo que se prestou ao vexame de me servir de médium e de amanuense, um tal Pedro Almeida Vieira — literato outrora conhecido, depois silente, agora ressurgido, como eu, mas ainda de carne e muitos ossos, muito cabelo e já alguma gordura — que, por nostalgia ou insanidade, vem prestar-me corpo tipográfico. É ele quem assina por mim na contabilidade dos livreiros, embora se saiba que, neste acordo, a alma sou eu. Em boa verdade, é o seu regresso à literatura; no meu caso, é apenas uma recaída.

    E assim vos deixo, leitoras de sensibilidade e leitores de coragem, com este compêndio de mordacidade. Não é obra de amor, mas de lucidez; não consola, mas esclarece; não perdoa, mas diverte. Se rirdes, cumpri o meu intento. Se vos ofenderdes, melhor ainda

    Brás Cubas

  • Ministério Público arquiva processo instaurado por ministra da Saúde contra o PÁGINA UM

    Ministério Público arquiva processo instaurado por ministra da Saúde contra o PÁGINA UM


    O Ministério Público arquivou o inquérito-crime por alegada difamação movido contra o director do PÁGINA UM, que juntava, no mesmo lado da barricada, a actual ministra da Saúde, Ana Paula Martins, o deputado social-democrata Miguel Guimarães, Eurico Castro Alves — amigo pessoal de Luís Montenegro, com quem passou férias no Brasil —, a Ordem dos Médicos, a Ordem dos Farmacêuticos e a indústria farmacêutica, através da APIFARMA. A decisão, saída do DIAP de Lisboa e firmada em despacho com cerca de 72 páginas, conclui, sem ambiguidades, que a investigação jornalística do jornalista Pedro Almeida Vieira não preenche o tipo legal de crime de difamação.

    Em causa estava um conjunto de reportagens e artigos de opinião sobre a campanha “Todos por Quem Cuida”, nascida sob os melhores propósitos em Março de 2020 e transformada, com o correr dos meses, num labirinto de regras elásticas, contabilidade paralela e uma arquitectura bancária difícil de explicar em qualquer manual de boas práticas. Na altura, a ministra da Saúde era bastonária da Ordem dos Farmacêuticos e Miguel Guimarães ocupava a mesma função na Ordem dos Médicos, e foram os estrategos e ‘gerentes’ da referida campanha, que lhes concedeu reconhecimento público.

    Ana Paula Martins, ministra da Saúde, juntou-se à indústria farmacêutica para processar o PÁGINA UM. O Ministério Público arquivou o processo-crime. / Foto: D.R.

    A narrativa oficial foi durante muito tempo a do altruísmo: num país então assustado e um sistema de saúde sob pressão, duas ordens profissionais — a dos Médicos e a dos Farmacêuticos —, com o apoio da indústria farmacêutica, ergueram um canal para comprar e fazer chegar equipamento a quem dele carecia. A narrativa factual, reconstituída pelo PÁGINA UM com base em documentação administrativa, bancária e contabilística — que somente foi obtida após uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa —, revelou um esqueleto muito diferente escondido num armário de promiscuidades e impunidades.

    Desde logo, a conta por onde circularam cerca de 1,4 milhões de euros não era institucional. Não pertencia à Ordem dos Médicos, nem à Ordem dos Farmacêuticos, nem sequer à APIFARMA. Era uma conta particular, aberta a 2 de Abril de 2020, titulada por Miguel Guimarães (como primeiro titular), Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves, movimentada com duas assinaturas. Estavam, portanto, três pessoas — independentemente dos cargos que ocupavam — a gerir donativos que o público associava a duas corporações profissionais.

    Acresce que, a par desta singularidade, foram emitidas facturas em nome da Ordem dos Médicos, que deram entrada na sua contabilidade, mas os pagamentos eram satisfeitos através daquela conta privada, criando um “entre-dois” contabilístico que vem nos livros com outro nome: contabilidade paralela com possibilidade de criação de um ‘saco azul’ na Ordem dos Médicos. Nestas circunstâncias, e por definição, a linha entre a excepcionalidade administrativa e o expediente torna-se demasiado ténue.

    Miguel Guimarães, antigo bastonário da Ordem dos Médicos e actual deputado do PSD: a pandemia, onde inquisitorialmente perseguiu colegas médicos com opiniões contrárias à sua, apesar de ser um mero urologista, deu-lhe projecção política. / Foto: D.R.

    É aqui que a investigação jornalística assinalou — e documentou — outras fracturas. Os donativos superiores a 500 euros estavam sujeitos a Imposto do Selo de 10%; a estimativa conservadora apontava para cerca de 125 mil euros não liquidados ao qual Ana Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves se furtaram, independentemente da campanha ser altruísta. Além disso, a esmagadora maioria dos apoios de origem farmacêutica não foi publicitada no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed, como a lei exige, e foi montada uma coreografia de declarações de mecenato para que as doadoras pudessem aproveitar benefícios fiscais reforçados, sem que houvesse o correspondente espelho documental de compras efectuadas por essas mesmas doadoras.

    Isto é, o dinheiro entrou na conta de três particulares (Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves), as aquisições foram pagas por essa conta, os bens foram entregues a hospitais, IPSS e outros destinatários, embora as declarações destinadas a sacar benefícios fiscais tenham aparecido em nome das farmacêuticas. O efeito combinado foi o de maximizar deduções, à margem da lei e das regras fiscais, de quem deu o dinheiro e dissolver o lastro financeiro entre quem pagou, quem facturou e quem recebeu.

    Uma posterior auditoria encomendada pela Ordem dos Médicos à BDO — apresentada como “prestação de serviços de auditoria às actividades e contas do fundo solidário” — confirmou o IBAN público, mas não equacionou a anomalia essencial: a conta não era institucional. E, no capítulo crucial, não enfrentou o desfasamento entre facturação na Ordem dos Médicos e pagamentos por terceiros, como se a mecânica fosse irrelevante para o relato da lisura. Quando o PÁGINA UM questionou a BDO sobre estas matérias, o seu representante legal, Pedro Guerra Alves, ameaçou com um processo judicial antes mesmo de ter sido publicada a notícia.

    João Almeida Lopes, presidente da Apifarma: a indústria farmacêutica, que enviou cerca de 1,3 milhões de euros para uma conta conjunta de Ana Paula Martins, Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves durante a pandemia, conseguiu depois articular-se com os ‘gerentes’ da campanha “Todos por Quem Cuida” e as duas ordens profissionais, para contratarem a onerosa sociedade de advogados Morais Leitão. / Foto: D.R.

    Saliente-se que a documentação operacional da campanha “Todos por Quem Cuida” esteve blindada cerca de dois anos. O acesso só sucedeu por sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, circunstância que, por si, diz muito sobre a cultura de transparência a Ordem dos Médicos e da Ordem dos Farmacêuticos, na altura dirigidos por Miguel Guimarães e Ana Paula Martins, respectivamente.

    Já sob a liderança de Carlos Cortes, os relatórios e contas de 2022 e 2023 da Ordem dos Médicos introduziram, pela primeira vez, uma nota às demonstrações financeiras a explicar que os três responsáveis pela campanha “ficaram fiéis depositários” de contribuições e, no “uso criterioso desses fundos”, canalizaram material para instituições e profissionais. Uma ‘lavagem’ mal feita.

    Com efeito, a expressão — “fiéis depositários” — não tem, neste contexto, enquadramento judicial, não correspondendo ao que o Código Civil chama depósito, e mais parece uma retroversão narrativa para dar cobertura a um desenho que, em termos formais, jamais deveria ter acontecido. Tão relevante como o que se escreve é o que não se escrevia antes: nos relatórios de 2020 e 2021, a mesma campanha surge sem rasto equivalente, como se a sua dimensão financeira e o circuito dos pagamentos coubessem numa nota de rodapé invisível. O contraste não é um detalhe; é um indício.

    Eurico Castro Alves, ao centro (o único sem máscara): amigo especial de Luís Montenegro, ministro-sombra da Saúde, foi o elo de ligação da indústria farmacêutica na campanha “Todos por Quem Cuida” que geriu 1,4 milhões de euros com contabilidade paralela, fuga aos impostos e benefícios fiscais indevidos.

    No âmbito da campanha, houve possibilidade para vários ‘favores’. Por exemplo, Miguel Guimarães permitiu que um donativo de máscaras se transformasse num esquema lucrativo da farmacêutica Merck. Também com dinheiros da campanha negociou-se com Gouveia e Melo, e com o Hospital das Forças Armadas, a vacinação de médicos não prioritários em Março de 2021, ultrapassando-se competências e a norma da Direcção-Geral da Saúde.

    No âmbito desse processo, Miguel Guimarães — que ascenderia depois a deputado social-democrata — aproveitou também para dar uma ‘boleia ilegal’ a uma “personalidade política” para que lhe fosse administrada uma dose de vacina contra a covid-19, não estando nas prioridades, por uma “questão de necessidade e oportunidade”. Nunca foi revelada a identidade nem de que “necessidade e oportunidade” se tratavam, e uma auditoria da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS), liderada por Carlos Carapeto, não se mostrou interessada em desvendar. Passou uma esponja sobre este assunto.

    Foi neste contexto que, perante a baixa repercussão pública e mesmo judicial das denúncias do PÁGINA UM, os visados se sentiram seguros da sua impunidade e se juntaram numa queixa por difamação, pedindo ao direito penal que tratasse como delito o que é, por natureza, escrutínio público. E curiosamente, todos se juntaram para serem representados pela sociedade de advogados Morais Leitão. Ou seja, a indústria farmacêutica e a ministra da Saúde fizeram uma ‘vaquinha’ para contratarem o mesmo advogado.

    Carlos Cortes, actual bastonário da Ordem dos Médicos: apesar de as queixas contra o PÁGINA UM terem provindo do seu antecessor, Miguel Guimarães, nunca explicou a contabilidade paralela da campanha “Todos por Quem Cuida” que fez entrar facturas sem fluxo financeiro de saída, o que permitia a criação de um ‘saco azul’. Apesar deste arquivamento, a Ordem dos Médicos tem outro processo activo contra o PÁGINA UM que irá para julgamento em Novembro. / Foto: D.R.

    Porém, o Ministério Público não se comoveu com a procissão de títulos, cargos e poder financeiro e político dos acusadores. O procurador Nuno Morna de Oliveira arrolou as peças jornalísticas com data e hora, reuniu as versões em confronto, cotejou documentos, anotou justificações sobre a urgência pandémica, a dupla assinatura nos movimentos bancários, a existência de regulamentos e comissões e as alegadas isenções fiscais, e fez o que a lei manda: ponderou honra e liberdade de expressão, direito penal e interesse público.

    O despacho do procurador recupera a Constituição, invoca a Convenção Europeia dos Direitos do Homem e a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, que tem, há décadas, uma linha firme: figuras públicas e instituições com poderes e dinheiros devem suportar um nível mais elevado de crítica; a crítica pode ser dura, pode recorrer à hipérbole e à ironia, desde que ancorada em base factual suficiente e dirigida à conduta pública, não ao insulto gratuito. E foi nesta moldura que o magistrado escreve o essencial: “a conduta imputada ao arguido [Pedro Almeida Vieira] não integra o crime de difamação”, pelo que se determinou o arquivamento do processo.

    A relevância deste despacho ultrapassa o seu efeito imediato. Primeiro, porque não é um cheque em branco passado às práticas que foram expostas. O Ministério Público considera que não é difamação, no contexto dos factos revelados pelo PÁGINA UM, revelar que não é valida nem legal a opção da ministra da Saúde e do agora deputado social-democrata Miguel Guimarães por uma conta privada para gerir donativos que o público associava às ordens profissionais, de acusar a omissão no Portal do Infarmed, de destacar o não pagamento de Imposto do Selo, e de apontar contabilidade paralela e declarações falsas destinadas a benefícios fiscais.

    Extracto do e-mail de 17 de Março de 2021 enviado por Miguel Guimarães a Gouveia, admitindo a administração de uma dose “em Lisboa a uma personalidade política, por uma questão de necessidade e oportunidade”. Este e-mail era um dos documentos a que o PÁGINA UM teve acesso, por sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, para verificar a gestão da campanha “Todos por Quem Cuida”, cujo dinheiro serviu para negociar com Gouveia e Melo, a troco de 27 mil euros entregues ao Hospital das Forças Armadas, a vacinação de médicos não-prioritários contra as normas então em vigor da Direcção-Geral da Saúde (DGS).

    Diz apenas — e é muito — que não se criminaliza jornalismo que trabalha com documentos, cronologia, números e perguntas legítimas. Segundo, porque reinstala a liberdade de imprensa como função institucional do Estado de Direito: onde há dinheiro, função pública, apoios e regulação, há interesse público máximo e, por isso, tolerância reforçada para a crítica que desmonta narrativas convenientes.

    Há, ainda, a pedagogia que interessa reter. Quando duas ordens profissionais, com capacidade financeira e influência pública, optam por uma engenharia financeira que dispensa as suas próprias contas oficiais e deposita 1,4 milhões de euros numa conta de três pessoas, o ónus de explicação não é de quem pergunta: é de quem decidiu, assinou e geriu – e depois ainda é ‘galardoado’ com cargos públicos que mexem com verbas que tornam 1,4 milhões de euros em trocos.

    Note-se, contudo, que a ministra da Saúde, em articulação com a indústria farmacêutica (Apifarma), e demais queixosos, pode requisitar à sociedade de advogados Morais Leitão para que requeira abertura de instrução para levar o caso à barra do tribunal. Dinheiro para isso, não faltará nunca, certamente.

    ***

    Artigos analisados pelo Ministério Público publicados pelo PÁGINA UM

    i) em 09.12.2022, um artigo com o título “Fundo solidário de farmacêuticas deu condições para criar “saco azul” de mais de 968 mil euros na Ordem dos Médicos… e há muito mais”;

    ii) em 11.12.2022, um artigo de opinião com o título “Senhor Doutor Miguel Guimarães, o seu fundo é de barro e não é nada à prova de bala”;

    iii) em 23.02.2024, um artigo com o título “Miguel Guimarães e Ana Paula Martins geriram em conta pessoa fundo solidário de 1,4 milhões pejado de irregularidades. Não se sabe onde para a auditoria prometida”;

    iv) em 03.04.2024 e 04.04.2025, respectivamente, um artigo intitulado “campanha solidária na pandemia pejada de ilegalidades e irregularidades fiscais – Ministra da Saúde geriu em conta pessoal 1,3 milhões de euros dados por farmacêuticas sem pagar imposto de selo” e “Das forças e das fraquezas da imprensa mastodôntica”;

    v) em 19.07.2024, um artigo intitulado “Farmacêuticas doaram cerca de 1,3 milhões de euros a Ana Paula Martins e Miguel Guimarães – Pseudo-auditoria da BDO tenta limpar ilegalidades de campanha gerida por conta pessoal da ministra da Saúde e de Deputado do PSD”.

  • Paulo Moreiras vence Prémio de Ficção Narrativa

    Paulo Moreiras vence Prémio de Ficção Narrativa


    O escritor Paulo Moreiras, colaborador habitual do PÁGINA UM nas recensões literárias, foi distinguido esta terça-feira com o Prémio PEN de Ficção Narrativa pelo romance ‘A Vida Airada de Dom Perdigote‘, uma das obras mais vibrantes da ficção portuguesa recente. O júri, composto por Sérgio Guimarães Sousa, Teresa Carvalho e Everton Machado, atribuiu o galardão por unanimidade, elogiando o “notável fôlego romanesco” e o “virtuosismo no género picaresco e no romance histórico”. O prémio é patrocinado pela Direção-Geral do Livro, dos Arquivos e das Bibliotecas (DGLAB).

    Com este reconhecimento, Paulo Moreiras consolida-se como um dos grandes continuadores da tradição picaresca na literatura portuguesa contemporânea, com uma escrita de “opulência lexical invulgar”, como vincou o júri do prémio, e de uma expressividade literária rara, patente também nos seus romances anteriores, como a ‘Demanda de D. Fuas Bragatela‘ (2002), ‘Os Dias de Saturno‘ (2009) e ‘O Ouro dos Corcundas‘ (2011), para além de uma vasta obra literária em redor da gastronomia tradicional, do contos e até da poesia.

    Aproveitamos para recordar a conversa entre amigos e apaixonados pela literatura que o escritor manteve com Pedro Almeida Vieira na Biblioteca do PÁGINA UM, onde ambos partilharam reflexões sobre o humor, o artifício narrativo e o prazer da escrita — um diálogo que ganha agora novo brilho com esta justíssima distinção.

    ****

    Há escritores que impressionam pela vastidão do seu vocabulário ou pela erudição das suas referências. Outros, mais raros, conquistam os leitores pela autenticidade com que erguem uma obra onde forma e substância se entrelaçam como os aromas de um prato bem apurado. Paulo Moreiras pertence a este segundo grupo, mas bebe também no primeiro: é um escritor de corpo inteiro, daqueles que escrevem como vivem – com intensidade, com gosto, com ironia e com apurada consciência da língua como território de criação e de prazer.

    Mas Paulo Moreiras tem outras particularidades: não separa a literatura da vida, nem a vida da mesa – porque em ambas há uma celebração do humano. E é talvez por isso que o seu percurso literário, embora diverso nos géneros, revela uma coerência que só os verdadeiros artesãos da palavra conseguem manter. A sua escrita, depurada mas sensorial, combina a sofisticação estilística com um olhar agudo sobre a História e a natureza humana, frequentemente cruzando o riso e o desalento com uma elegância pouco comum no nosso panorama literário.

    Paulo Moreiras na Biblioteca do Página Um.

    Entre as suas obras mais emblemáticas, O Ouro dos Corcundas, Os Dias de Saturno e sobretudo A Demanda de D. Fuas Bragatela – talvez o mais exemplar da sua veia picaresca – são testemunhos de um autor que sabe percorrer os meandros da alma portuguesa com irreverência e ternura, evocando, por vezes, o espírito de Quevedo ou de Camilo, mas com uma voz inconfundivelmente própria. O pícaro de Paulo Moreiras – que atinge um apogeu (mas não o Apogeu) com A Vida Airada de Dom Perdigote, publicado em 2023, não é apenas o malandro que engana o mundo: é também o homem que, ao tropeçar na sua própria condição, revela os vícios e virtudes de todos nós.

    A escrita de Paulo Moreiras cheira a terra molhada, a tascas escuras, a pergaminhos esquecidos, e talvez meta peixe grelhado e ironia bem temperada. Esse mesmo requinte surge na construção das suas personagens e enredos, onde está à mesa a gastronomia, onde se revela igualmente exímio. Não é de espantar que seja presença regular no PÁGIINA UM, onde colabora com recensões que se movem entre a história dos alimentos, a crítica culinária e a memória gustativa — textos onde a erudição se mistura com o prazer do paladar, numa escrita que dá vontade de ler com os olhos e com o estômago.

    Paulo Moreiras não é apenas um autor: é um contador de histórias, um desenhador de sabores, um filósofo das pequenas coisas. E é com esse espírito — culto, mordaz, mas também afável e generoso — que chega hoje à BIBLIOTECA DO PÁGINA UM. A conversa com Pedro Almeida Vieira não é uma entrevista nem uma conferência: é um reencontro de amigos que cultivam alíngua que falamos e honram pão que comemos.

    Entre os romances patentes na Biblioteca do PÁGINA UM, Paulo Moreiras recomenda os romances ‘Eurico, o Presbítero’ (1844), de Alexandre Herculano; ‘Vida e Obras de Dom Gibão’, de João Palma-Ferreira (1987); ‘As Viúvas de Dom Rufia’ (2016), de Carlos Campaniço; e ‘O Feitiço da Índia’ (2012), de Miguel Real.

    Pormenor da biblioteca ‘caseira’ de Paulo Moreiras.
  • Lisboa Fadista, de Sérgio Luís de Carvalho

    Lisboa Fadista, de Sérgio Luís de Carvalho


    PRÉ-PUBLICAÇÃO DE

    LISBOA FADISTA, de Sérgio Luís de Carvalho (Parsifal)

    Leia aqui a introdução do livro e o seu índice

    GESTAÇÃO

    Se há coisa sobre o fado que é controversa e polémica, é a sua origem. E talvez estejamos ainda longe de termos uma teoria incontestada sobre este assunto. Alguma vez lá chegaremos? Bem, ao contrário do que muitas vezes se pensa, as novas teorias e as novas conclusões em História não decorrem tanto do aparecimento de novos e determinantes documentos até aqui desconhecidos, mas decorrem sobretudo de novas formas de olharmos os documentos já existentes. Por outras palavras, as mais das vezes é o nosso olhar sobre as fontes históricas que se altera e não as próprias fontes em si ou o que elas dizem. Note-se que trazemos aqui a asserção “documento” e “fonte histórica” num sentido muito lato…

    Perante isto, o que temos? Temos teorias sobre o nascimento do fado, decerto. De entre essas teorias, iremos, neste primeiro capítulo, narrar as duas atualmente mais sustentadas e mais valoradas, a que acrescentaremos uma terceira, que hoje está um pouco posta de lado. Mas… nunca se sabe.

    A primeira, defendida, entre outros, por Rui Vieira Nery, enfatiza a importância decisiva das modinhas populares e das danças africanas (particularmente, do lundum) na origem do nosso fado.

    A segunda, pugnada, entre outros, por José Alberto Sardinha, defende que o fado resulta da evolução das antigas cantigas do Cancioneiro tradicional português, cantigas essas que, ao longo dos tempos, se foram popularizando no país e, sobretudo, em Lisboa, por intermédio dos cantores ambulantes, herdeiros da tradição do velho Cancioneiro.

    A terceira, hoje, menos defendida, entronca o nosso fado na tradição musical árabe. Um dos seus principais cultores é o historiador e arabista Adalberto Alves.

    Assim sendo, iremos de seguida descrever os principais argumentos destas teses.

    A origem do fado: a tese do lundum afro-brasileiro

    Comecemos pela tese defendida por Rui Vieira Nery – entrem outros –, que enfatiza a origem afro-brasileira do fado, uma origem que entronca nas danças, sons e ritmos que os escravos africanos levaram para o Brasil-colónia. Dessas danças, tem particular destaque o lundum.

    Para melhor enquadrarmos esta tese, parece-nos curial recuar aos séculos XVI e XVII, quando a capital era um local de confluência de várias culturas, de que se realça a cultura africana, representada pelos muitos escravos existentes na cidade – estima-se que seriam cerca de 10% da população para os séculos referidos (ver, desta coleção, Lisboa Africana). Dessa confluência, ter-se-á lentamente forjado um caldo de cultura e um ambiente que, nas primeiras décadas do século XIX, favoreceu a eclosão do fado em Lisboa. De facto, a cidade vivia, desde os tempos da Expansão, num clima cultural no qual fermentavam as tais danças, sons e ritmos, fruto de uma mescla de gentes e de costumes que se afirmou na capital a partir desses séculos.

    É verdade que, entre as classes mais altas, os costumes musicais reproduziam, em grande parte, as danças e os sons que existiam na Europa do seu tempo. Desde os finais da Idade Média, na corte e nos salões aristocráticos, dançavam-se as carolas e as estampidas, tal como em Paris; ao mesmo tempo e nos mesmos salões (mas também nas ruas), bailavam-se as mouriscas, como em Sevilha.

    E não esquecer a pavana, herdeira das famosas basse dances transpirenaicas. Enfim, eram galantes danças de salão, escutadas e bailadas por cá, à imitação do que se fazia lá fora (o termo português “contradança” vem do inglês country dances, por exemplo). Porém, era já clara alguma “contaminação” de ritmos mais populares, de que as citadas mouriscas são um exemplo.

    Todavia, numa curiosa mescla, algumas destas danças e destes ritmos de salão podiam ter uma “versão popular”, isto é, algumas podiam sair dos espaços aristocráticos e “descer” às ruas, onde a populaça as podia bailar e cantar com o seu jeito mais solto e os seus maneirismos mais desabridos.

    É assim que encontramos descrições de dança nos autos vicentinos, em que o mundo cortesão e o popular não têm fronteiras claras. Afinal, foi bailando e cantando que o finório frade cortesão se acercou das barcas da Glória e do Inferno, exclamando:

    — Deo gratias! Sou cortesão.

    Perante isso, perguntou-lhe o Diabo:

    — Sabes também o tordião?

    Ora, o tordião era uma espécie de cantilena popular bailada. Sim, o frade, que claramente se dava com as elites (declara-se “cortesão”), também sabia as artes do povo. E não foi bailando uma dança popular que Mofina Mendes partiu o pote de azeite? Ao mesmo tempo, no Auto da Fama, há clara referência a uma dança que percorria quer os salões finos, quer os bairros populares de Lisboa:

    “E achareis / em calma suas galés / e as velas feitas em isca / e balhando à mourisca / dentro gente português” (itálico nosso).

    Fixemos este dado: apesar de haver danças tendencialmente de salões nobres e danças tendencialmente populares, as coisas tendiam a misturar-se, num sincretismo que só beneficiava essas danças.

    A partir, sobretudo, do século XVI, com a chegada de imensos escravos – na grande maioria, africanos –, o panorama musical lisboeta ganha novos contornos e novas cores. Uma panóplia de sons desacostumados começa a escutar-se nas ruas da cidade, já que foi aqui que a maioria desses escravos se fixou. A partir de então, formou­-se o tal caldo de cultura musical em que sons e ritmos se cruzavam livremente, forjando outros sons e outros ritmos.

    Olhando com alguma atenção para as fontes, não teremos muita dificuldade em detetar a influência desses africanos (escravos e/ou forros) que compunham a paisagem visual da cidade, e graças aos quais Lisboa recebeu o bonito epíteto de “Cidade de Xadrez”, já que o preto e o branco das peles se cruzavam nas ruas, nas praças, nos becos.

    Estamos em pleno século XVI. O panorama da música popular lisboeta por esses tempos parece ser uma mescla entre a exuberância sensual dos corpos dos negros e a melancolia quase doentia das almas brancas. O caldo ia borbulhando…

    Ora, as danças e as músicas que compunham esse panorama têm nome: era a fofa e o oitavado, as cheganças e o fandango, o cumbé e o batoque, a charamba e o arrepia, a comporta e o lundum.

    De algumas, conhecemos as características. O fandango, por exemplo, era um tipo de dança popular ibérica marcado por rodopios e saltinhos, acompanhado por guitarra e castanholas.

    O fandango chegou ao nosso país durante o século XVIII, oriundo de Espanha. A partir daí, foi um sucesso, já que o seu ritmo era contagiante. Inicialmente, fez sucesso como dança de fidalgos em salões aristocráticos, mas não tardou que chegasse aos tascos, às tabernas ribeirinhas e aos malcozinhados que pululavam por Lisboa, frequentados por marujada e criadagem, por mesteirais e, claro, por escravos e forros (escravos alforriados, isto é, libertos). Tornou-se popular, interclassista, ultrapassando a cor da pele e a barreira dos géneros e condições, pois parece que até nos conventos era dançado. E como todas as melodias e danças nas quais os pares se confrontavam e entrelaçavam, não tardou a tornar-se veículo de sedução.

    Outra dança e outro ritmo que se escutava por Lisboa era o cumbé. Estamos perante uma manifestação etnográfica de clara origem africana, oriunda sobretudo da área da Guiné. O termo será de origem bantu (grupo etnolinguístico localizado, sobretudo, na África subsariana) e remete precisamente para um ritmo e dança da Guiné Equatorial.

    Como se bailava o cumbé, na Lisboa do Antigo Regime? Em Lisboa, como mais tarde por toda a América Latina, os participantes juntavam-se num círculo, cujo centro era ocupado pelos dançarinos, rodeados, por seu turno, por músicos com os respetivos instrumentos de percussão. Os movimentos eram sensuais e libidinosos, galantes e sedutores, característicos dos ritmos africanos que para aqui eram trazidos pelos escravos.

    O cumbé tem um desenvolvimento curioso que iremos aqui referir de forma sucinta. Depois da Europa, foi levado para a América Latina pelos escravos oriundos da Guiné. Ali se desenvolveu e evoluiu, estando na origem da que hoje é conhecida como a cúmbia, dança típica de vários países sul-americanos, principalmente da Colômbia.

    Aparentada com o cumbé, era também a fofa, referida pela primeira vez no “Folheto de Ambas Lisboas”, em 6 de outubro de 1730. Nas páginas deste folheto satírico que se publicou na capital entre 1730 e 1731, aponta-se a fofa como sendo uma forma de dança praticada ao lado do cumbé. Neste folheto, é referida como sendo bailada pelos negros de Lisboa na Festa do Rosário do dia 1 de outubro – um domingo – daquele ano de 1730, em Alfama. Note-se que a principal confraria lisboeta dedicada aos negros da capital era, precisamente, a Confraria do Rosário dos Pretos, situada no Rossio.

    Seja como for, teve grande aceitação entre os alfacinhas (não só nos negros), de tal modo que poucos anos depois, em 1766, o francês Charles François Dumouriez (1739-1823), que se tornaria célebre como general e diplomata, a descrevia como sendo uma “dança nacional”, opinião confirmada em 1777 por Louis Marie Florent du Châtelet, ao vê-la bailada pelas gentes pelas praças e largos olissiponenses (1727-1793).

    Lisboa Fadista integra a colecção de obras de Sérgio Luís de Carvalho dedicada à cidade de Lisboa, que as Edições Parsifal têm vindo a publicar, e da qual já fazem parte os seguintes títulos:

    Lisboa Nazi (2018)

    Lisboa Judaica (2021)

    Lisboa Árabe (2022)

    Lisboa Maldita (2023)

    Lisboa Africana (2024)

    Lisboa Maçónica (2025)

  • Usámos IA para denunciar quem usa IA sem vergonha

    Usámos IA para denunciar quem usa IA sem vergonha


    Nota introdutória

    O uso de inteligência artificial nas redacções é hoje um dos temas mais controversos — talvez mesmo um dos mais fracturantes — não apenas porque afecta a produção de jornalistas humanos, mas também porque, ao contrário do que muitos imaginam, as ‘máquinas’ não são infalíveis e, pior, têm uma ‘imaginação’ que pode gerar situações e factos inexistentes, que escapam ao escrutínio dos leitores e dos próprios editores.

    No final de Agosto, uma polémica sacudiu o mundo dos media quando as reputadas revistas Wired e Business Insider publicaram reportagens assinadas por uma alegada correspondente chamada Margaux Blanchard, que afinal nunca existiu. Os textos tinham sido produzidos com recurso a inteligência artificial por alguém que, deliberadamente, os submeteu às redacções, criando uma personagem fictícia para lhes dar verosimilhança, e entregando reportagens falsas numa cidade inexistente. O embuste passou pelos filtros editoriais, revelando fragilidades graves nos mecanismos de verificação jornalística.

    a robot holding a gun next to a pile of rolls of toilet paper

    O uso de IA não deve ser proibido nas redacções, mas tem de ser cuidadosamente supervisionado — talvez até com mais atenção do que um jornalista estagiário. A IA é uma ferramenta de poder descomunal: pode processar e cruzar dados, analisar informação, rever ortografia, gerar imagens, transcrever entrevistas e compor textos a uma velocidade descomunal  que nenhum humano consegue igualar. Mas quanto maior a potência da máquina, maior o cuidado exigido ao condutor.

    Costumo dizer que um bom jornalista conduz um topo de gama: e se lhe dermos um Fórmula 1 (IA), poderá ir muito mais rápido e chegar mais longe, mas terá também de redobrar a atenção, manter as mãos firmes e os olhos no asfalto — porque um pequeno erro pode significar sair de pista e esbardalhar-se de forma catastrófica. Darem a alguém, que nem sequer saber conduzir bem um simples carro, um Fórmula 1 é garantia de que se espetará na primeira esquina – ou, se calhar, nem consegue arrancar.

    O grande problema do jornalismo contemporâneo é deixar-se deslumbrar com a IA sem perceber que quanto mais sofisticada for a ferramenta, mais rigorosa tem de ser a supervisão. Uma bicicleta e um avião são ambos meios de transporte, mas ninguém pilota um Airbus com a displicência de quem pedala na ciclovia. A velocidade de produção textual com IA é vertiginosa: em segundos é possível reescrever uma peça de qualquer órgão de comunicação social, dar-lhe nova roupagem e atenuar o risco de acusações de plágio com prova, criando algo que parece original. No limite, pode criar-se uma redacção que vive apenas de parasitar o trabalho alheio, sem acrescentar investigação própria nem valor jornalístico.

    white and black typewriter with white printer paper

    Porém, a velocidade com que a credibilidade pode ser destruída é ainda maior. Uma única citação mal atribuída ou um dado inventado pode ser replicado milhares de vezes em minutos, criando um efeito de cascata impossível de controlar.

    Pequenos erros que num jornal tradicional seriam corrigidos discretamente no dia seguinte podem, no ecossistema digital, transformar-se numa bola de neve que mina de forma irreversível a confiança do leitor.

    Foi precisamente para sublinhar este dilema que decidimos produzir um artigo relatando o caso Wired / Business Insider usando apenas inteligência artificial. Limitámo-nos a fornecer o texto original do Techdirt e instruções para o Mafarrico — baptizámos o nosso sistema do ChatGPT, que nos últimos meses já reviu dezenas de artigos do PÁGINA UM e auxiliei muitas análises — redigir ao estilo da nossa redacção.

    a close up of a keyboard with a blue button

    Mas, desta vez, abdicámos propositadamente de qualquer verificação editorial ou sequer revisão gramatical. Ou seja, o texto que iremos publicar é um texto em bruto sem o habitual selo de qualidade do PÁGINA UM. E talvez o mais surpreendente seja isto: o artigo do Mafarrico foi gerado em menos de dez segundos, enquanto este texto, que escrevi à mão, demorou mais de uma hora a ser concluído, e andei a pensar nele desde ontem.

    O jornalismo – e essa é talvez a mensagem principal que gostaria de deixar – é mais do que escrever textos, e por isso mesmo a IA nunca conseguirá substituir o jornalismo puro. Pode, quando muito, criar sucedâneos – mais baratos, é certo, mas de qualidade inferior, incapaz de ser ‘mordido’ sequer por quem deseja ser e estar bem informado.

    Pedro Almeida Vieira

    ***

    Usámos IA para denunciar quem usa IA sem vergonha

    (Texto criado pelo Mafarrico – conta profissional do PÁGINA UM no ChatGPT sem qualquer revisão humana, depois de ser instruído a escrever um texto crítico baseado na informação de um artigo da Techdirt)

    Este texto foi escrito com recurso a inteligência artificial. Sim, leu bem: IA a denunciar o mau uso da IA. É a prova viva de que a tecnologia não é o problema — o problema são as redações que despedem jornalistas, abdicam de editores e contratam fantasmas digitais para encher páginas com histórias inventadas.

    Na semana passada, Wired e Business Insider foram apanhados a publicar artigos de uma alegada jornalista chamada Margaux Blanchard — que afinal não existe, tal como a cidade do Colorado onde dizia que havia um centro secreto de formação para investigação de mortes. Tudo escrito com IA, sem uma verificação de factos decente, sem um editor sénior a levantar sobrancelhas.

    A revelação partiu do Press Gazette: pelo menos seis publicações caíram na esparrela, publicando histórias que iam desde casamentos virtuais no Roblox até personagens e lugares completamente fictícios. A cereja no topo? Só descobriram a farsa quando a “jornalista” se recusou a receber o pagamento pelos canais normais.

    O Wired fez meia-culpa, admitindo que não seguiu os seus próprios protocolos de verificação e edição. Já o Business Insider, especialista em clickbait e em despedir jornalistas, continua no caminho de transformar a informação num repositório de conteúdo barato, bom para encher feeds mas mau para informar cidadãos.

    O episódio é sintoma de uma indústria em colapso: redações esvaziadas, corte de custos, automação apressada, algoritmos que mandam mais do que editores. Resultado? Um ecossistema fértil para fraudes, desinformação e charlatães digitais. A ironia é que, enquanto o jornalismo real é despedido, o falso jornalismo prolifera — e com selo de qualidade de grandes marcas mediáticas.

    Aqui, no PÁGINA UM, usamos IA como se deve: para pensar melhor, cruzar dados, aumentar o rigor. Não para inventar cidades e pessoas. O jornalismo precisa de jornalistas — e de leitores exigentes. O resto são fantasmas digitais.

  • Global Notícias: a casa do Diário de Notícias arde e o seu director quer encontrar ‘rachas’ no PÁGINA UM?

    Global Notícias: a casa do Diário de Notícias arde e o seu director quer encontrar ‘rachas’ no PÁGINA UM?

    O director do Diário de Notícias, Filipe Alves, decidiu analisar as contas do PÁGINA UM, escolhendo escalpelizar de forma enviesada a rubrica de Fornecimentos e Serviços Externos, no valor anual de cerca de 60 mil euros. Ora, é precisamente nesta rubrica que se incluem contabilisticamente as despesas correntes de funcionamento — renda da redacção, serviços de electricidade, água, comunicações, contabilidade, gestão do site, bem como custos associados à investigação jornalística e material informático.

    A informação é pública: metade do orçamento do PÁGINA UM (em 2024, as receitas por donativos rondaram cerca de 5.000 euros por mês), destina-se ao pagamento de honorários pelo trabalho jornalístico, e não apenas dos ‘jornalistas residentes’. Apesar disso, Filipe Alves preferiu construir uma narrativa absurda, insinuando ilegalidades, ao criticar o facto de eu, como director do PÁGINA UM, não ter assinado um contrato de trabalho com a empresa PÁGINA UM Lda., do qual sou gerente e sócio maioritário (uma das condições deste projecto).

    Ou seja, o director do Diário de Notícias, que passou por jornais ecoómicos, acha que eu deveria ter feito um contrato entre “eu e mim”, juridicamente impossível — e encontra ‘ilegalidades’ por emitir recibos verdes apenas para tarefas literárias, no montante global de 6.000 euros em 2024, como se fosse ‘crime’ eu não ter contrato e receber mais, mesmo que isso implicasse endividamento do projecto, pois as receitas não dão, por agora, para mais.

    Mais grave e contraditório é Filipe Alves acusar o PÁGINA UM de falta de transparência quando, pelo contrário, se optou pela figura societária de uma empresa, sujeita a fiscalização da Autoridade Tributária e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), precisamente por ser o modelo mais exigente em matéria de transparência e supervisão.

    A perplexidade torna-se maior quando se recorda que a Global Notícias, empresa que detém o Diário de Notícias e ainda 30% da Notícias Ilimitadas (proprietária do Jornal de Notícias e da TSF), não cumpriu sequer a obrigação legal de entrega das contas anuais através da Informação Empresarial Simplificada (IES) ao Instituto dos Registos e do Notariado, cujo prazo, já prorrogado por 10 dias, terminou a 25 de Julho.

    Por isso, o PÁGINA UM decidiu disponibilizar um contador em tempo real, lembrando a cada segundo o atraso da Global Notícias no cumprimento das suas obrigações legais. Talvez assim Filipe Alves se recorde de olhar para dentro da sua própria casa a arder — em incumprimento — em vez de inventar falhas inexistentes na casa sólida e transparente dos outros. Até porque, em 2023, só ao Estado, a Global Notícias devia mais 8 milhões de euros. Mas o que é isso, para o Filipe Alves, quando se pode lançar lama para o PÁGINA UM?

  • Correio Mercantil de Brás Cubas

    Correio Mercantil de Brás Cubas


    PRÉ-VENDA NA LOJA DO PÁGINA UM

    17,50 euros (com portes incluídos para território nacional)

    Leia aqui o prólogo e três das crónicas

    O regresso literário de Brás Cubas em pleno século XXI, agora pela pena de Pedro Almeida Vieira, numa obra de humor erudito e crítica social mordaz. As crónicas revistas e aumentadas numa edição esmerada.

    O Correio Mercantil de Brás Cubas reinventa a tradição machadiana e oferece ao leitor crónicas satíricas sobre política, jornalismo e costumes contemporâneos, não do Brasil do século XIX, mas do Portugal do século XXI.

    Esta é a edição príncipe, impressa em tiragem exclusiva para os leitores do PÁGINA UM, que ostentará o nome dos subscritores em pré-venda até 12 de Setembro.

    Uma oportunidade única de figurar para sempre nas páginas de uma obra que alia inteligência, ironia e actualidade.

    ————

    Envio dos livros a partir de 15 de Outubro. Será enviado recibo.

    Em caso de dúvida ou para aquisição em quantidade, por favor envie mensagem para loja@paginaum.pt

    PRÉ-VENDA NA LOJA DO PÁGINA UM

    ———-

    Prólogo de papel passado, ou a inconveniência tipográfica da minha ressurreição literária

    Estimadas leitoras e veneráveis leitores — sois vós agora, por artimanha editorial, os destinatários de um volume que, em bom rigor e decência metafísica, jamais deveria ter existido. Refiro-me, é claro, a este opúsculo desmesurado, baptizado Correio Mercantil de Brás Cubas, em cujas páginas se alojam, com impunidade tipográfica, as minhas mais recentes epístolas ao mundo dos vivos.

    Antes de mais, assinale-se o óbvio: um defunto não escreve livros. Pode, quando muito, soprar crónicas ao ouvido de escribas cansados, insinuar sarcasmos ao teclado de jornalistas descontentes ou, com a audácia dos espectros persistentes, lançar ironias em formato digital, tão voláteis como ectoplasma em dia de vento. Com a sua natureza evanescente, o meio electrónico condiz com a condição ectoplasmática de quem, como eu, já não tem carne, mas conserva os nervos do espírito Agora, transladar tal obra para o papel — esse nobre e vetusto suporte que se esfarrapa, se dobra, se encaderna e, pior ainda, se arquiva — é exercício de teimosia editorial, quase necromancia gráfica. Mas que hei-de eu fazer? Até os mortos têm editores.

    Confesso, pois, a minha estupefacção inicial. Um livro? Meu? Novamente? Depois de quase um século e meio de retiro no ossário da Literatura? Que insulto à compostura tumular! O papel, ao contrário do éter digital, compromete, fixa, torna oficial — e, para mal dos meus pecados, cria leitores com marca-páginas. Eis a tragédia: tornar-me autor reincidente sem sequer ter tido tempo para renegociar os direitos de autor com São Pedro.

    Dir-me-eis: “E as crónicas, Brás Cubas, essas que compusestes para o PÁGINA UM com desdém filosófico e fel risonho, que destino julgáveis que teriam?” Ó ingénuos! Julgava-as como folhas ao vento, para distrair os espíritos e afligir os vivos. Eram, à nascença, textos para correr mundo com leveza, não para serem impressos com ISBN. Escrevi-as como quem lança garrafas ao mar da internet, não como quem ergue catedrais de sarcasmo. Eis, portanto, a minha justificação: nunca foi minha intenção compor uma obra; apenas uma perturbação intermitente do vosso bom senso.

    Mas já que me imprimem — e com capa, lombada e prólogo, veja-se! —, cumpre-me esclarecer o propósito deste volume. Não é um romance, ainda que contenha personagens mais absurdas do que os de Balzac; não é um ensaio, embora se veja nele mais pensamento do que em muitos tratados universitários; tampouco é um panfleto, mesmo que esmurre com elegância vários dogmas do vosso tempo. Trata-se, tão-só, de um modesto inventário da loucura contemporânea, registado por um defunto com bom ouvido, má-língua e infinito tempo para observar as vossas insanidades.

    Em cada crónica aqui reunida — sim, crónicas, pois não se lhes pode chamar sermões, nem sentenças, nem editoriais — encontrarão uma tentativa de compreender a grotesca metamorfose do vosso século, essa era em que os reis se fazem bobos para ganharem votos, os moralistas se vendem a fundações, os artistas facturam em nome do sublime e os jornalistas já não investigam, mas reverenciam. O meu olhar não é neutro, porque os mortos não são imparciais: não tendo mais a perder, só nos resta a liberdade de rir.

    De António Costa a Cristina Ferreira, do Santo Padre às jerricanocracias lusas, da estética subsidiada à electricidade perdida, e com uma embirração especial para com os jornalistas e o Almirante Gouveia e Melo, percorro — com a ajuda do meu indispensável piparote — as misérias, as farsas, os eufemismos e os escândalos ocultos de uma Pátria que parece hoje menos uma Nação e mais uma anedota com impostos e taxas. As minhas crónicas são, portanto, actas da vossa decadência, redigidas por um escrivão sem corpo, mas com memória.

    E se há mérito nesta publicação, não me pertence inteiramente. Há, de facto, um vivo que se prestou ao vexame de me servir de médium e de amanuense, um tal Pedro Almeida Vieira — literato outrora conhecido, depois silente, agora ressurgido, como eu, mas ainda de carne e muitos ossos, muito cabelo e já alguma gordura — que, por nostalgia ou insanidade, vem prestar-me corpo tipográfico. É ele quem assina por mim na contabilidade dos livreiros, embora se saiba que, neste acordo, a alma sou eu. Em boa verdade, é o seu regresso à literatura; no meu caso, é apenas uma recaída.

    E assim vos deixo, leitoras de sensibilidade e leitores de coragem, com este compêndio de mordacidade. Não é obra de amor, mas de lucidez; não consola, mas esclarece; não perdoa, mas diverte. Se rirdes, cumpri o meu intento. Se vos ofenderdes, melhor ainda

    Brás Cubas

  • Pivot da CNN Portugal solicitou que o Ministério Público encerre o PÁGINA UM

    Pivot da CNN Portugal solicitou que o Ministério Público encerre o PÁGINA UM


    O jornalista José Gabriel Quaresma, também pivot da CNN Portugal, apresentou um pedido ao Ministério Público para “encerramento do jornal PÁGINA UM, em virtude”, diz, “das graves irregularidades e da disseminação de notícias falsas”. O pedido foi também comunicado à Entidade Reguladora para a Comunicação Social – que entretanto abriu um processo sem qualquer análise prévia das acusações –, à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) e ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas.

    Em causa estão diversos artigos do PÁGINA UM – e mesmo uma crónica satírica assinada por Brás Cubas – que incidem, em partes ou na globalidade, na actividade do jornalista da CNN Portugal que se mostra incompatível com o Estatuto do Jornalista.

    José Gabriel Quaresma é pivot da CNN Portugal. Foto: Printscreen de uma das emissões.

    Esta solicitação de encerramento de um jornal é inédita em Portugal no período da democracia, ainda mais por ser exigida por um jornalista de um importante órgão de comunicação social – a CNN, detida pela Media Capital  e controlada pelo empresário Mário Ferreira – contra um jornal independente que não tem, até agora, qualquer condenação nos tribunais sobre qualquer matéria nem cometeu qualquer infracção de carácter sancionatório pelos reguladores, quer pela ERC quer pela CCPJ.

    Quaresma, que detém a carteira profissional de jornalista número 1713, reage assim depois de terem sido denunciadas as suas actividades de formador (media training ), coach e consultor de comunicação claramente incompatíveis com o Estatuto do Jornalista. De acordo com este diploma legal, o exercício da profissão de jornalista é incompatível com o desempenho de, entre outras, “funções remuneradas de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de orientação e execução de estratégias comerciais”.

    Ora, José Gabriel Quaresma tem vindo, sobretudo nos últimos anos, e à boleia do seu estatuto de pivot da CNN, a desenvolver actividade intensa de formação e de coaching na área da comunicação, sobretudo através da empresa que criou em 2023, a Sardine Conjugation, e que nem sequer divulga as suas contas anuais, incumprindo a lei. Tem, além disso, conhecidas ligações maçónicas. Ainda recentemente foi ‘apanhado’ num vídeo de um ritual da Maçonaria ao lado de António Pinto Pereira, antigo deputado do Chega e candidato à autarquia de Cascais pela Nova Direita.

    Apresentação de José Gabriel Quaresma no seu site, detido pela sua empresa de comunicação Sardine Conjugation, e onde oferece uma panóplia de serviços. Quaresma considera que expor estas situações, usando imagens públicas viola a sua privacidade e direitos de autor.

    Quaresma detém 70% do capital social da empresa, sendo também seu gerente. No objecto social da empresa estão actividades incompatíveis com o jornalismo: “consultadoria em comunicação, formação, media training e consultadoria online”. No site da Sardine Conjugation, onde José Gabriel Quaresma se apresenta como “um especialista reconhecido, em comunicação, com experiência e capacidades técnicas e humanas que o posicionam como um guia essencial para quem procura aperfeiçoar as suas competências em comunicação”, há uma panóplia de serviços que colocam em causa a isenção de um jornalista – além da ilegalidade.

    Com efeito, o pivot da CNN Portugal – que quer encerrar o PÁGINA UM – oferece um portefólio diversificado de serviços na área da comunicação, combinando formação, mentoria e apresentações públicas. Inclui programas de mentoria personalizada para desenvolvimento de competências estratégicas de comunicação; masterclasses sobre saúde mental nas organizações e sobre “Comunicar com Impacto”; workshops práticos que vão desde falar em público, escrita de discursos e storytelling até técnicas para enfrentar câmaras e criar conteúdos para redes sociais; apresentação e moderação de eventos, com ênfase na gestão da comunicação e no envolvimento de diferentes públicos; e actuação como keynote speaker em empresas, escolas e universidades, transmitindo experiências e técnicas que, segundo o próprio, visam gerar impacto e resultados tangíveis.

    Aparentemente, não lhe têm faltado clientes – embora não se saiba a facturação, porque a Sardine Conjugation não apresentou as demonstrações financeiras de 2023 e de 2024 na Base de Dados das Contas Anuais. Nos últimos meses, e já depois das notícias do PÁGINA UM, José Gabriel Quaresma acrescentou, a par da sua actividade de jornalista na CNN Portugal, a função de “Coach de Comunicação” na Turim Hotel Group e na Centralmed, como freelancer, e ainda de formador em cursos (não académicos) de comunicação na Universidade de Aveiro. Além disso, desde 2012 treina a Força Aérea a comunicar com a imprensa – tudo isto actividades incompatíveis.

    José Gabriel Quaresma faz publicidade activa dos seus serviços de serviços de “treinamento corporativo”, de coaching, consultoria e redacção. No LinkedIn, a última vez foi há uma semana.

    Mas, apesar destas evidências, Quaresma – que aparentemente não foi escrutinado nem pela sua entidade empregadora nem da CCPJ por acumular actividades de consultor de comunicação com o jornalismo – sentiu-se encorajado a lançar um chorrilho de acusações contra o PÁGINA UM, não apenas reputando de falsas as notícias – que apresentam provas e evidências – como garantindo que foram usados “documentos de carácter privado”.

    Note-se que o PÁGINA UM apenas usou printscreens (capturas de ecrã) de imagens das redes sociais e do site de José Gabriel Quaresma, de acesso público, exactamente para demonstrar as suas actividades incompatíveis, não havendo, pelo contrário, qualquer violação legal.

    Mas Quaresma vai mais longe e acusa o PÁGINA UM de usar “conteúdos” da sua autoria e lança a suspeita de que o jornal até tenha tido acesso a documentos privados que estavam guardados no seu computador.

    Na sua página do LinkedIn, Quaresma revela, por vezes, clientes satisfeitos com as suas formações em comunicação.

    Para compor o ramalhete, o pivot da CNN Portugal aponta ainda a existência de alegadas irregularidades na ficha técnica do PÁGINA UM, entre as quais destaca a inclusão do Serafim como mascote.

    Quaresma, que nem sequer terá entendido a ironia desta inclusão (permitida pelas interpretações da ERC, uma vez que, segundo o regulador, a Lei de Imprensa não impede que outros elementos, para além dos que discrimina, integrem a ficha técnica, pelo que não existe violação de lei), diz que o Serafim é um cão – uma ultrajante falsidade, uma vez que o Serafim é um verdadeiro gato com a provecta idade de 17 anos, e que dá o seu nome à rubrica satírica Arranhadelas’. Quaresma – que se intitula de Chief Magic Officer [Director-Chefe de Magia, em tradução livre] da Sardine Conjugation – diz que a existência de uma mascote pelo PÁGINA UM aparenta “descompensação psíquica, sem qualquer ironia e alegadamente”.

    O pivot da CNN Portugal e gerente de uma empresa de treino em comunicação defende ainda que o modelo de financiamento do PÁGINA UM é “irregular”, por ser, diz, “o único órgão de comunicação social registado na ERC, que eu tenha conhecimento, que solicita doações directas aos leitores”, algo que, na sua opinião, “pode condicionar a linha editorial e a independência do jornal”.

    José Gabriel Quaresma acusa o PÁGINA UM de não o ouvir, mas vedou o acesso ao jornal á sua página do LinkedIn. Em todo o caso, até já comunicou com o PÁGINA UM, sendo as suas declarações integralmente transcritas. Jocosamente fez também um donativo de 50 cêntimos ao PÁGINA UM, através da sua empresa de comunicação Sardine Conjugation.

    A acusação da eventual ocorrência de influências externas sobre a direcção editorial do PÁGINA UM, um jornal de acesso livre, por via de se financiar através dos seus leitores – e que teve 595 donativos no mês passado e contabilizou receitas de 63 mil euros em 2024 e ostenta um passivo virtualmente nulo – não deixa de ser curiosa, sobretudo por vir de um jornalista da CNN Portugal.

    Com efeito, a empresa que detém a TVI (dona da CNN Portugal), e que paga o salário de jornalista de José Gabriel Quaresma, contabiliza um passivo de 91 milhões de euros e o seu detentor, o Grupo Media Capital, tem como accionistas uma sociedade por quotas (Zenithodissey) e quatro sociedades anónimas (Pluris Investments, Trium, Biz Partners e CIN), além de outras entidades minoritárias, estando assim muitíssimo mais dependente de influência externa. Acrescente-se ainda que a prática de donativos por leitores tem sido vista, mesmo internacionalmente, como um selo de independência, sendo usado nomeadamente pelo Guardian e Associated Press.

    Em todo o caso, isso pouco interessa para José Gabriel Quaresma que, nas suas denúncias, além de requerer o encerramento do PÁGINA UM – justificando que “a democracia não pode permitir que se tente manchar uma carreira intocável (a minha) sem que uma única coisa afirmada seja verdade, nem uma. É intolerável, a democracia, assim”, conclui –, exige também a “adopção de medidas sancionatórias fortes e definitivas”.

    Extracto da queixa de José Gabriel Quaresma ao Ministério Público, à ERC, à CCPJ e ao Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas onde se solicita o encerramento do jornal PÁGINA UM.

    E acrescenta ainda que “a existência destas plataformas [referindo-se ao PÁGINA UM], com o aval da ERC, apenas servem para destruir o já a definhar jornalismo, porque nestes casos não existe jornalismo”.

    Quaresma acusa o PÁGINA UM de nunca ter sido contactado para exercer o contraditório, o que é falso. Na verdade, o pivot da CNN Portugal até bloqueou o acesso ao seu perfil do LinkedIn numa tentativa de esconder as suas actividades mercantilistas apoiadas no jornalismo.