Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Dona da revista Visão mente no Portal da Transparência dos Media. E ERC deixa

    Dona da revista Visão mente no Portal da Transparência dos Media. E ERC deixa

    Está tudo documentado pelo PÁGINA UM e é indesmentível. No ano de 2020, Luís Delgado, proprietário da Trust in News, até assumiu ter uma dívida de 5,1 milhões de euros à Autoridade Tributária e Aduaneira. Mas nos dois anos seguintes, à medida que o calote ao Estado aumentava, até atingir escandalosos 11,4 milhões de euros (numa empresa com capital social de 10 mil euros), o proprietário da revista Visão (entre outras marcas adquirida à Impresa em 2018) começou a esconder da Entidade Reguladora da Comunicação Social a lista de entidades com maior peso no passivo: o Novo Banco, a Impresa e a Autoridade Tributária e Aduaneira, que deverá já ter um peso de 42%. Ou seja, o Estado tem, na prática, se assim desejar, um poder decisório. Apesar da gravidade da situação, a ERC e o Ministério das Finanças mantêm silêncio. E a Trust in News formalmente nem um ai diz. A impunidade aparenta ser total.

    Nota: Por “alerta” de pessoas com legitimidade, e reconhecendo a eventualidade de o uso de fotografias divulgadas livremente nas redes sociais poder ser considerado uma violação dos direitos autorais, mesmo se de figuras públicas, o PÁGINA UM decidiu retirar algumas fotografias e substituí-las por uma imagem alusiva à transparência. Em todo o caso, o PÁGINA UM alertou as ditas pessoas com legitimidade que o não pagamentos de impostos e taxas ao Estado constituem crimes, bem como concorrência desleal entre órgãos de comunicação social.


    Até finais de Junho, a Trust in News – tal como todas as empresas de media ou que detenham periódicos, o que inclui até partidos políticos – teve que entregar declarações no Portal da Transparência dos Media relativas ao exercício de 2022. E a dona das revistas Visão e Exame, entre outras, assim fez – mas pelo segundo ano consecutivo, com falsas declarações, omitindo intencionalmente a identificação das “pessoas singulares ou colectivas que representam mais de 10% da soma do montante do total de passivos no balanço e dos passivos contingentes com impacto material nas decisões económicas, incluindo a respectiva percentagem e as rubricas a que se referem”.

    Esta situação foi transmitida pelo PÁGINA UM à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) no passado dia 21, para comentários, tendo sido feita nova insistência esta semana. Sem sucesso: silêncio absoluto.

    Mafalda Anjos, directora da revista Visão, o principal activo da Trust in News, uma empresa com 10 mil euros de capital social e agora também com uma dívida ao Estado de 11,4 milhões de euros. Mafalda Anjos é licenciada em Direito e experiente jornalista na área da Economia e foi ainda publisher de todas as revistas da Trust in News até finais de 2022. Na foto, há três anos, no Palácio de Belém, a convite do seu antigo professor, Marcelo Rebelo de Sousa.

    De acordo com a consulta do Portal da Transparência da ERC, tanto nos registos de 2021 como nos de 2022, a Trust in News – empresa unipessoal detida pelo ex-jornalista Luís Delgado, que não tem sido possível contactar nem respondeu aos e-mails – anotou os diversos elementos exigidos (activo total  capital próprio, passivo total e contingente, rendimentos totais, rendimentos operacionais e resultados líquidos), mas declarou que não tinha clientes relevantes (com mais de 10% da facturação) e que não havia entidades consideradas detentoras relevantes do passivos. Algo que é completamente falso.

    Com efeito, nas contas depositadas pela Trust in News respeitante ao ano de 2022 na Base de Dados das Contas Anuais (BDCA), verifica-se que a rubrica “Estado e outros entes públicos”, no Passivo Corrente (ou seja, com obrigação de pagamento em menos de um ano), totaliza 11.428.292,79 euros.

    Como o passivo total ronda os 27,2 milhões de euros, significa que as dívidas ao Estado atingem os 42%. Sendo certo que essas dívidas podem não ser exclusivas à Autoridade Tributária e Aduaneira, certo é que deverá ser esta a entidade credora mais relevante. Até pelo que se conhecia até 2020 – mas já se vai a esse ponto.

    A situação da Trust in News é sui generis. No final de 2022, uma empresa de 10 mil euros de capital social e de pouco mais de 33 mil euros de capitais próprios, ostentava uma dívida ao Estado de 11,4 milhões de euros, uma dívida à Impresa superior a 4 milhões de euros e financiamentos bancários de 5,5 milhões de euros.

    Além deste passivo, há mais duas entidades detentoras do passivo que deveriam contar do registo da Trust in News no Portal da Transparência, e que intencionalmente foram omitidas. Uma é o Novo Banco. Na página 13 da prestação de contas, a empresa de Luís Delgado refere que tem empréstimos de médio e longo prazo no Novo Banco, com início a 2 de Julho de 2018, com um saldo de 3.464.875 euros no final do ano passado.

    Contas feitas, o Novo Banco detém 12,7% do passivo da Trust in News, logo essa informação deveria constar da Plataforma da ERC. Já os passivos detidos pelo Millenium BCP, da ordem dos 1,9 milhões de euros (cerca de 7,1% do total), não tinham de ser referidos por não ultrapassarem os 10%.

    Contudo, já a dívida ainda não paga pela Trust in News pela aquisição do portfolio das antigas revistas da Impresa, Luís Delgado tinha a obrigação de também declarar no Portal da Transparência. Conforme ontem o PÁGINA UM revelou, o mais recente relatório e contas da Impresa, coloca a dívida nominal da Trust in News em 4.094.295 euros, ou seja, representa 15,1% do total do passivo.

    Luís Delgado (à esquerda), proprietário da Trust in News, aumentou a dívida ao Estado em mais de 9 milhões de euros

    Se observarmos as contas de 2021, também depositadas no BDCA, as lacunas intencionais de informação por parte da Trust in News mantêm-se, mas com valores ligeiramente diferentes. No exercício fiscal de 2021, o passivo da dona da Visão era então mais baixo (cerca de 23,6 milhões de euros), mas devia também ter declarado detentores relevantes, o que não fez.

    Nesse ano, a dívida ao Estado era de 8.228.121,09 euros – o que significa que, no ano passado, o Governo permitiu que Luís Delgado aumentasse o “calote público” em mais 3,2 milhões de euros. Contas feitas, o passivo ao Estado era de 34,8%. Quanto ao Novo Banco, a dívida era então de 3.584.875 euros, ou seja, 15,2% do passivo total. Devia ter sido declarado na Plataforma da Transparência, mas não foi.

    As dívidas ao Millennium BCP totalizavam então um pouco mais de 2,1 milhões de euros, ficando ligeiramente abaixo (9,1%) do limiar dos 10% que exigia declaração. Quanto à dívida à Impresa em 2021, o grupo liderado por Pinto Balsemão inscreveu direitos a receber ainda 4.321.513 euros, o valor nominal, algo que representava então 18,3% do passivo total da Trust in News. Deveria ter sido declarado à ERC, mas não foi.

    A dívida da dona da Visão não é para brincadeira. É um “elefante na sala” do Governo, que não quer explicar como uma empresa de 10 mil euros tem “autorização” para meter um calote de 10,4 milhões de euros ao Estado, com subida na ordem dos 3 milhões por ano no último triénio.

    Para não restarem dúvidas sobre esta obrigatoriedade – e sobre o intencional esquecimento da Trust in News, até por serem dados relevantes –, a empresa de Luís Delgado identificou, nos seus três primeiros anos de existência, os detentores do passivo (acima dos 10%).

    Conforme se pode confirmar no Portal da ERC, em 2018, quando o passivo ainda só era de cerca de 18,3 milhões de euros, a Trust in News apontava como detentor relevante do passivo o Novo Banco (15%) e a Impresa Publishing (34%). Nesse ano, não foi declarada dívida relevante ao Estado, porque, na verdade, não ultrapassava então os 10%. A rubrica “Estado e outros entes públicos” situava-se nos 942.819,75 euros, ou seja, era apenas de 5,2%. Portanto, entre 2018 e 2022, a dívida ao Estado da dona da Visão passou de 5,2% para 42% do total do passivo, sem qualquer intervenção governamental ou da máquina da Administração Pública.  

    Em 2019, a Trust in News também fez declarações correctas. A Impresa (24%) e o Novo Banco (22%) eram, efectivamente os únicos detentores relevantes do passivo. A dívida ao Estado, embora então tivesse subido para cerca de 1,58 milhões de euros, ainda ficavam aquém do limiar dos 10%, uma vez que o passivo da empresa de Luís Delgado situava-se, nesse ano, nos 16,8 milhões de euros.

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    Apesar das dívidas, a Trust in News consegue, através da organização de eventos, congregar figuras públicas de vários quadrantes políticos. Uma receita para não ser incomodada pelas crescentes dívidas?

    As dívidas ao Estado ultrapassaram os 10% – e, portanto, a obrigatoriedade de as revelar no Portal da Transparência da ERC – no ano de 2020, e logo com uma entrada de leão. Numa altura em que o passivo subira para os 20,46 milhões de euros, a dívida ao Novo Banco representava 17% e à Impresa 22%, mas as dívidas ao Estado eram assumidas pela dona da Visão como sendo à Autoridade Tributária e com um peso de 25%.

    Tendo em conta o então valor do passivo, significava que Luís Delgado deixara crescer as dívidas fiscais, no ano de 2020, até aos 5,1 milhões de euros, o que coincide, grosso modo, com a rubrica do Passivo Corrente identificada como “Estado e outros entes públicos”.

    O peso elevado, e dir-se-ia exclusivo, da dívida admitida pela Trust in News à Autoridade Tributária em 2020 leva a crer que grande parte, ou mesmo a totalidade, dos 11,4 milhões de euros de calote público em 2022 seja referente a dívidas fiscais.

    Apesar de manter um calote de 4 milhões de euros, num negócio (compra das revistas) que deveria ter sido pago na íntegra no final do primeiro semestre de 2020, a Impresa não aparente estar zangada com Luís Delgado. O proprietário da Trust in News contínua a ser comentador frequente da SIC Notícias.

    Somente o Ministério das Finanças poderia informar, mas apesar das tentativas do PÁGINA UM não se obteve qualquer resposta. Fernando Medina continua, assim, sem explicar como uma empresa de media com um capital social de apenas 10 mil euros, e que até tem tido contratos com entidades públicas, consegue manter-se a funcionar com uma colossal dívida fiscal que não tem parado de subir sobretudo nos últimos três anos.

    Quanto à ERC, que sobre algumas empresas de media se mostra muito zelosa – ainda esta semana, para irrelevantes acréscimos no relatório do Governo Societário solicitou informações ao PÁGINA UM –, continua sem responder às perguntas relacionadas com as falsas declarações da Trust in News. O PÁGINA UM colocou questões já por duas vezes à entidade reguladora dos media, incluindo na segunda vez um outro caso de extrema gravidade, que será revelado em breve, tendo esbarrado sempre com o silêncio. De facto, o silêncio parece mesmo ser a alma deste negócio de dívidas públicas, de falta de transparência e de ausência de legalidade.


    N.D. O PÁGINA UM tem realizado esta investigação utilizando as demonstrações financeiras da Trust in News desde a sua criação em 2017, tendo feito essa aquisição junto da Base de Dados das Contas Anuasi. Por uma questão de transparência e de serviço públicos, disponibilizamos aos leitores esses relatórios financeiros relativos anos anos de 2017, de 2018, de 2019, de 2020, de 2021 e de 2022.

  • Novo Banco usado para pagar compra da Visão e outras revistas, mas “torneira” fechou

    Novo Banco usado para pagar compra da Visão e outras revistas, mas “torneira” fechou

    Além da dívida astronómica de 11,4 milhões ao Estado, a dona das revistas Visão, Exame, Caras e Jornal de Letras (entre outros títulos) tem sistematicamente falhado os acordos de pagamento do negócio de compra em 2018 ao Grupo Impresa. Anunciado por um valor de 10,2 milhões de euros, o montante devia ter sido pago em dois anos e meio. E começou a ser, sobretudo com empréstimo do Novo Banco, mas a torneira fechou a partir de 2020 face aos fracos resultados económicos. Agora, várias renegociações da dívida depois, a Impresa ainda está para ver a cor a mais de 4 milhões de euros, prevendo-se agora que o pagamento pela Trust in News se estenda até 2036. Mas se o prazo de pagamento for cumprido, e o ritmo de crescimento da dívida ao Estado se mantiver sem intervenção do Governo, em 2036 os contribuintes terão já a haver da Trust in News mais de 50 milhões de euros. O Ministério das Finanças continua sem dar explicações.

    Nota: Por “alerta” de pessoa com legitimidade, e reconhecendo a eventualidade de o uso de fotografias divulgadas livremente nas redes sociais poder ser considerado uma violação dos direitos autorais, mesmo se de figuras públicas, o PÁGINA UM decidiu retirar algumas fotografias e substituí-las por uma imagem alusiva à transparência.


    Foi anunciado, no início de Janeiro de 2018, como um dos grandes negócios de media em Portugal: o Grupo Impresa vendia um conjunto de 12 títulos – onde pontificavam as revistas Visão, Exame e Caras e o Jornal de Letras – à Trust in News, uma empresa unipessoal fundada meses antes pelo ex-jornalista Luís Delgado. O montante, divulgado em comunicado à CMVM, era chorudo: 10,2 milhões de euros, embora, na altura, a Impresa tenha declarado que “o impacte contabilístico ainda não está totalmente avaliado”.

    Alguns anos depois – na verdade, cerca de cinco e meio –, e com meia dezena de exercícios fiscais em relatórios e contas, aquilo que resulta deste negócio é basicamente uma empresa, a Trust in News, com um gigantesco calote ao Estado e com a Impresa em vias de ter de assumir um prejuízo de pelo mais de 4 milhões nesta transacção. Sobretudo se o Estado intervir para recuperar ainda alguma parte dos 11,4 milhões de euros de dívidas acumuladas pela Trust in News sobretudo nos últimos quatro anos.

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    A Visão fez 30 anos em Março deste ano e é um dos principais títulos da Trust in News.

    Embora a empresa de Luís Delgado não tenha ainda dado qualquer resposta às perguntas do PÁGINA UM e a Impresa diga que “não se pronuncia sobre a situação económica e financeira de empresas exógenas”, o cruzamento de informação financeira permite concluir que só em 2018 a Trust in News terá pagado valores relevantes para saldar a compra das revistas.

    Com efeito, no relatório e contas de 2018 do Grupo Impresa surge a informação de que o acordo com a Trust in News estipulava o pagamento dos 10,2 milhões de euros “em dois anos e meio”. Porém, no final de 2019, de acordo com o relatório e contas desse ano da Impresa, a dívida ainda estava nos 4,55 milhões, acrescentando-se que em 31 de Dezembro de 2018 o valor nominal da conta a receber da TIN [Trust in News] era de 6.300.000 Euros”. Mais se acrescentava que se renegociara o plano de reembolso, pelo que Luís Delgado teria de pagar 2,15 milhões de euros em 2020 e 2,4 milhões em 2021.

    Não sendo claro se a renegociação implicou um abaixamento do valor do negócio, certo é que em quase dois anos – tendo em conta a realização do negócio em 2 de Janeiro de 2018 –, a Trust in News tinha pagado, no máximo, 5,65 milhões de euros à Impresa até finais de 2019. No acordo inicial – pagamento em dois anos e meio – teria de se pagar 8,16 milhões de euros até 2020 e o remanescente (2,04 milhões de euros) no primeiro semestre de 2021.

    Luís Delgado (à esquerda) comprou em 2 de Janeiro de 2018 à Impresa um conjunto de títulos, entre as quais a revista Visão, num negócio oficialmente envolvendo o pagamento de 10,2 milhões de euros a ser concrtizado em dois anos e meio. Em finais de 2022 ainda faltava pagar cerca de 40% desse valor.

    Mesmo assim, nesta fase, o pagamento da Trust in News não foi com verbas de Luís Delgado nem de qualquer investidor externo, porque a empresa é unipessoal (apenas detida por Luís Delgado), e tem um capital social diminuto (10.000 euros).

    No balanço de 2018 da Trust in News nota-se, aliás, que foi “herdado” um passivo significativo (quase 19,3 milhões de euros) à “boleia” de um activo onde se destacava um valor atribuído às marcas (activos intangíveis) da ordem dos 10,8 milhões de euros. Entre este passivo da Trust in News destacavam-se, então, os 6,2 milhões de euros ainda por pagar à Impresa e mais 2,7 milhões de um empréstimo ao Novo Banco.

    Em suma, mesmo intervencionado pelo Estado, o Novo Banco dispôs-se a emprestar a curto prazo pelo menos 2,7 milhões de euros a uma empresa com um capital social de 10 mil euros, a Trust in News, para saldar parte da compra das revistas à Impresa.

    Em 2019, o Novo Banco ainda emprestaria mais dinheiro à Trust in News. No final desse ano, a empresa de Luís Delgado já devia 3,7 milhões de euros ao Novo Banco, ou seja, a dívida para esta instituição financeira aumentara cerca de um milhão de euros. No entanto, globalmente, os financiamentos bancários à Trust in News já ascendiam aos 4,5 milhões de euros.

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    António Costa, primeiro-ministro, Mafalda Anjos, directora da Visão, e Luís Delgado, proprietário da Trust in News, num evento em Abril de 2018. Os contribuintes têm poucos motivos para rir: as dívidas ao Estado desta empresa já ultrapassam os 11,4 milhões de euros. E ninguém no Governo interveio.

    Foi a partir de 2020 que a Trust in News praticamente deixou de pagar a compra das revistas à Impresa, altura em que também começou a não pagar ao Estado. No relatório e contas da Impresa de 2020 refere-se que o valor nominal da dívida era ainda de 4,43 milhões de euros. Ou seja, Luís Delgado apenas pagou 120 mil euros à empresa de Pinto Balsemão durante todo o ano de 2020, quando tinha prometido pagar-lhe, nesse período, 2,15 milhões de euros.

    Resultado: a Impresa concordou em renegociar a dívida, remetendo o plano de reembolso para 2023, sendo que em 2021 Luís Delgado teria de pagar 300 mil euros, e depois 2,63 milhões em 2022 e 1,5 milhões em 2023.

    Se a Impresa tinha esperanças ou não na palavra de Luís Delgado, não se sabe, porque “não se pronuncia sobre a situação económica e financeira de empresas exógenas”. Mas os dados são indesmentíveis. Nas contas de 2021, a Impresa declarou que o valor nominal da dívida da Trust in News situava-se nos 4.321.513 euros. Ou seja, se o compromisso do ano anterior era o de Luís Delgado pagar 300 mil euros em 2021 (de um total de 4,43 milhões), na verdade saldou apenas 110 mil euros. Mais: a Impresa já admitia vir receber apenas cerca de 3,55 milhões de euros, por ser esse o valor inscrito na rubrica “outras contas a receber”.

    Antes da venda em 2018 do portfolio das revistas à Trust in News, a Impresa, fundada por Francisco Pinto Balsemão, teve de reconhecer imparidades (prejuízos de 22 milhões de euros). A venda por 10,2 milhões de euros, está afinal a ser difícil de finalizar.

    Na iminência de ter de assumir perdas por imparidade ainda avultadas, da ordem dos 4 milhões de euros – com consequências imediatas danosas para os resultados líquidos – a Impresa acabou por concordar em negociar a dívida da Trust in News. No relatório de 2021 da Impresa salienta-se que houve nova revisão do “plano de pagamentos do montante em dívida, estendendo o mesmo até 2036, prevendo o pagamento de prestações mensais de 25.000 Euros, a ser realizado pela cessão de créditos futuros da TIN [Trust in News] relativo à exploração das suas propriedades digitais, que se encontra a ser gerido por um terceiro.”

    Um pagamento mensal de 25 mil euros daria um total de 300 mil euros em 2022, mas mais uma vez Luís Delgado falhou. De acordo com o mais recente relatório e contas da Impresa, a dívida nominal da Trust in News situava-se, no final de 2022, em 4.094.295 euros. Ou seja, Luís Delgado pagou a Balsemão menos de 19 mil euros por mês.

    Não se pode dizer que o Grupo Impresa está, para já, a “arder” muito. Só no ano passado, em cada mês, a Trust in News aumentou a dívida ao Estado em quase 270 mil euros por mês, o que deu 3,2 milhões a mais ao longo de todo o ano. Mesmo assim, “apenas” uma parte do total de 11,4 milhões de dívidas ao erário público da Trust in News, sobretudo à Autoridade Tributária e Aduaneira. Nada que aparentemente incomode Fernando Medina que continua sem esclarecer o PÁGINA UM sobre se vai tomar alguma medida face à situação da Trust in News.

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    Mafalda Anjos, ao centro, é directora da Visão e foi publisher de todos os títulos da Trust in News até Dezembro do ano passado.

    Em todo o caso, se houver intervenção estatal para ressarcir a dívida da Trust in News, não é só a sobrevivência desta empresa de media que estará em causa, porque tal afectará, de forma indelével, a Impresa e também bancos. Por exemplo, nas contas de 2022, a dona da Visão diz ter também uma dívida de médio e longo prazo de quase 3,5 milhões de euros ao Novo Banco e uma de curto prazo de 752 mil euros ao Millennium BCP, além de um contrato de factoring com a mesma instituição bancária de quase 1,2 milhões de euros.

    Aliás, no actual cenário, até os trabalhadores poderiam sair bastante prejudicados, uma vez que o Estado, em caso de insolvência, detém primazia na alienação dos activos até ser saldada a dívida de 11,4 milhões de euros.


    N.D. Pelas 02:22 horas de 27 de Julho foi corrigida a referência à situação de Mafalda Anjos como publisher das revistas da Trust in News. Essa função foi desempenhada entre Janeiro de 2018 e Dezembro de 2022. Mafalda Anjos mantém-se agora apenas com directora das revistas Visão, Visão Saúde, Visão Biografia e A Nossa Prima, conforme consta da sua página no LinkedIn.

  • Respondeu com atraso e só depois de processo em tribunal? Paga custas!

    Respondeu com atraso e só depois de processo em tribunal? Paga custas!

    A Parque Escolar – que mudou de nome para Construções Públicas, para também dinamizar a habitação pública – não mostrava contas e nem se incomodava com críticas dos partidos da oposição nem com notícias da imprensa. O PÁGINA UM meteu um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa no passado em Maio, e os Ministérios das Finanças e da Educação apressaram-se a aprovar os relatórios de 2019, 2020 e 2021. E prometem para breve o de 2022. Não se livraram de pagar as custas do processo.


    A Construção Pública – a nova denominação da antiga Parque Escolar – foi condenada na passada semana pelo Tribunal Administrativo de Lisboa a pagar as custas do processo de uma intimação intentado pelo PÁGINA UM. Em causa estava a consulta dos relatórios e contas desde 2019, que esta empresa pública reiteradamente insistia não divulgar, alegando falta de aprovação pela tutela.

    Numa primeira fase, a administração da então Parque Escolar ignorou simplesmente o pedido do PÁGINA UM para consulta das demonstrações financeiras e relatórios complementares, mas já não pôde ignorar as solicitações do Tribunal Administrativo.

    Com efeito, no passado dia 8 de Maio, perante o incompreensível e injustificável silêncio, o PÁGINA UM decidiu apresentar um processo de intimação ao Tribunal Administrativo para forçar o desbloqueamento, o que levou os Ministérios das Finanças e da Educação a desencadearem uma aprovação célere das contas daquele triénio, que acabaram sendo enviadas em 25 de Maio passado, e também colocadas no site desta empresa pública.

    Mas apesar disso, e de considerar que ainda se deve aguardar pela aprovação da tutela das contas do ano passado, a juíza Joana Ferreira Águeda considerou que como “à data em que apresentou o presente processo (08.05.2023), o requerente [PÁGINA UM] ainda não tinha tido acesso aos documentos em causa, o que só veio a ocorrer em 25.05.2023”, a Construções Públicas deve “ser responsável pelas custas devidas nos presentes autos.”

    Este tipo de sentença acaba por ser um desincentivo à Administração Pública para manter uma atitude obscurantista.

    A administração da Construções Públicas remeteu, também com atraso, ao PÁGINA UM os ofícios enviados à tutela com as contas dos exercícios a partir de 2019, para aprovação que se encontravam “engavetados” há vários anos.

    De acordo com as datas desses ofícios, o relatório de 2019 estava na posse da Secretaria de Estado do Tesouro e do Ministério da Educação desde Novembro de 2020, o relatório de 2020 desde Maio de 2021 e o relatório de 2021 desde Maio de 2022.

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    Recorde-se que em Maio do ano passado, o ministro da Educação, João Costa, prometera a divulgação das contas de 2019, 2020 e 2021 da Parque Escolar “brevemente”. Mas afinal, somente com a intimação do PÁGINA UM se apressou, com Fernando Medina, a aprová-las e divulgar no site da empresa pública.

    De acordo com análise do PÁGINA UM, a dívida da Construções Públicas era, no final de 2021, de quase 152 milhões de euros, com o passivo não corrente a ascender aos 1.061,4 milhões de euros. No total, o passivo total situava-se nos 1.214,1 milhões de euros.

    O aumento da dívida acaba por relativizar os resultados líquidos positivos, até porque os activos da Parque Escolar beneficiaram bastante pelo aumento de capital estatutário no valor de cerca de 342,5 milhões de euros por incorporação de 138 escolas e por conversão de um empréstimo da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, após dação em cumprimento do Palácio Valadares, no Largo do Carmo, em Lisboa.

    Um dos aspectos mais relevantes dos relatórios e contas, prende-se com as reservas feitas pelo auditor das demonstrações financeiras, a cargo da Grant Thornton.

    Por exemplo, no relatório de 2019 – que somente em finais de Maio viu a luz do dia, após a intervenção do PÁGINA UM –, o auditor criticou a forma de cálculos das depreciações das propriedades de investimento (que incluem escolas), que além do mais, em diversas obras em curso, não tiveram ainda os terrenos transmitidos para a empresa pública, nem foram “objecto de avaliação por peritos independentes”.

    João Costa, ministro da Educação, em Maio do ano passado prometeu que divulgaria as contas de 2019, 2020 e 2021 da Parque Escolar “brevemente”. Só com a intimação do PÁGINA UM se apressou, com Fernando Medina, a aprová-las e divulgar no site da empresa pública.

    Também é considerado que os cerca de 37 milhões de euros de provisões – devidos a processos judiciais em curso – podem não ser suficientes.

    Mais grave ainda foi o alerta transmitido pelo auditor de que “na realização de diversos concursos públicos, verificou-se que houve concertação de preços entre as empresas fornecedoras de monoblocos, no que respeita ao preço de transporte, montagem, aluguer e desmontagem dos mesmos, durante as várias fases de realização das obras”.

    A Grant Thornton escreveu então que “esta situação originou gastos adicionais (…), cujo montante total não foi, ainda, possível de quantificar.”

    Outra situação irregular passa-se com o mobiliário escolar e sobretudo com o equipamento informático. O auditor salienta que “não foram objecto de inventariação física”, acrescentando que, desse modo, “não podemos concluir, na presente data, sobre a existência de todos os bens e, consequentemente, do respectivo valor registado no balanço”.

    Os alertas de desconformidades mantiveram-se no relatório de 2020 e 2021, praticamente nos mesmos moldes.

    Saliente-se que, no dia 23 do mês passado foram alterados os estatutos da Parque Escolar, agora denominada Construções Públicas para encaixar as funções que o Governo lhe pretende dar no Programa Mais Habitação.

    Nos novos estatutos, a Construções Públicas passar a ter intervenção no “planeamento, gestão, desenvolvimento e execução de programas e projetos de construção, reconstrução, adaptação, reabilitação, requalificação, modernização, valorização, manutenção e conservação de edifícios, equipamentos e outro património imobiliário próprio ou alheio, designadamente nos domínios da educação e da habitação, bem como a prestação de serviços de consultoria, assessoria e gestão de contratos públicos, naqueles âmbitos, relativos a património público alheio”, mantendo as suas funções anteriores na gestão do património escolar.

    No domínio da habitação, o objecto da Construção Pública passa a incluir “a conceção, desenvolvimento e implementação de projetos habitacionais, em articulação com as entidades públicas com atribuições neste domínio, designadamente com o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana”, incluindo-se ainda “a elaboração dos projectos, a construção, bem como a fiscalização, o acompanhamento e a assistência técnica nas diversas fases de concretização do objecto previsto no presente artigo, assegurando padrões elevados de qualidade técnica e controlo económico.”

    Continua-se, contudo, sem saber ainda o ponto de partida. Ou seja, qual a dívida em 2022 e qual o investimento previsto. E falta também garantir outra coisa: maior transparência nas contas.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Promiscuidades com farmacêuticas: Filipe Froes está a um mês de beneficiar de prescrição

    Promiscuidades com farmacêuticas: Filipe Froes está a um mês de beneficiar de prescrição

    Falta apenas um mês para o pneumologista Filipe Froes se livrar de um castigo pelas suas ligações alegadamente à margem da lei com as farmacêuticas. Apesar de todas as evidências e proveitos mensais acima dos 4.000 euros, um dos “rostos da pandemia” está quase a ver o seu processo disciplinar arquivado por prescrição, sob a forma de “veto de gaveta”. A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) começou por investigar Froes em Setembro de 2021, e decidiu em Fevereiro do ano passado instaurar-lhe um procedimento disciplinar. Mas, aparentemente, tudo serviu afinal para colocar um manto de esquecimento e segredo. Ao fim de 17 meses, nem sequer se concluiu a fase de instrução, e a prescrição está a caminho. Sem castigo. O inspector-geral da IGAS não dá explicações, mas o PÁGINA UM continua a lutar nos tribunais para conhecer os meandros desta (muito) provável prescrição.


    A Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) não concluiu ainda sequer a fase de instrução do procedimento disciplinar contra o pneumologista Filipe Froes, que se iniciou em 19 de Fevereiro do ano passado, e que, por isso, deverá manter-se secreto, incluindo o relatório de averiguações que o antecedeu. Esta é a decisão de uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa à intimação colocada pelo PÁGINA UM para a aceder, pelo menos, ao relatório de averiguações que decorreu entre Setembro de 2021 e Fevereiro de 2022.

    A consequência imediata será a prescrição no próximo dia 19 de Agosto deste processo, e o respectivo arquivamento sem qualquer penalização para um dos “rostos públicos” da luta contra a covid-19, mas também um dos médicos com maiores e mais promíscuas ligações comerciais com as farmacêuticas, muitas das quais com chorudos negócios associados à pandemia.

    Filipe Froes (ao centro) foi mandatário da candidatura de Carlos Cortes (quarto à esquerda), actual bastonário da Ordem dos Médicos.

    Na base da instauração de um processo disciplinar a Filipe Froes estiveram, e estão, as suas relações com a indústria farmacêutica, que mereceram em Setembro de 2021 um processo formal de averiguações por parte da IGAS, então revelado pelos semanários O Novo e Expresso, por fortes indícios de irregularidades e/ ou ilegalidades nas parcerias entre farmacêuticas e aquele pneumologista.

    Apesar de trabalhar em exclusividade no Serviço Nacional de Saúde (SNS), Filipe Froes é um dos médicos portugueses com maiores relações com as farmacêuticas, que aumentaram com a sua exposição pública no decurso da pandemia.

    Além de coordenar uma unidade de cuidados intensivos do Hospital Pulido Valente, este pneumologista também liderou o Gabinete de Crise da Ordem dos Médicos para a Covid-19 e é ainda consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS), participado activamente na elaboração de normas técnicas relacionadas com a pandemia. Foi também mandatário da lista de Carlos Cortes, o actual bastonário da Ordem dos Médicos.

    Froes foi também um grande promotor do uso e da compra pelo Estado de antivirais e anticorpos monoclonais, como o molnupiravir, da Merck Sharp & Dohme, recentemente retirado do mercado por se ter confirmado que afinal era completamente ineficaz.

    Carlos Carapeto, inspector-geral das Actividades em Saúde, instarou um processo disciplinar depois de um relatório que detectou ilegalidades contra Filipe Froes. Mas aparentemente “engavetou” o processo, porque ao fim de 17 meses nem sequer se concluiu a fase de instrução. Tudo prescreve daqui a um mês.

    Este ano, também se soube que Filipe Froes recebeu 750 euros da farmacêutica da AstraZeneca apenas por ter participado na sessão de lançamento do Evusheld, um fármaco constituído por anticorpos monoclonais que até foram suspensos pela Food and Drug Administration (FDA).

    De acordo com o Portal da Transparência e Publicidade, Froes estabeleceu, desde 2013, mais de 270 contratos comerciais, em seu nome ou na sua empresa Terras & Froes, com 22 farmacêuticas. O montante global já ultrapassou largamente os 400 mil euros. Nos dois primeiros anos da pandemia (2020 e 2021), o pneumologista encaixou uma média mensal de 4.065 euros, valor superior ao que ganha como médico do SNS. No ano passado também ultrapassou a fasquia dos 4.000 euros por mês.

    Este ano, Froes continua a facturar. Em consulta ao Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed verifica-se que foram contabilizados 25.194 euros de apoios e honorários na sua conta bancária ou na da sua empresa (Terras & Froes) provenientes de quatro farmacêuticas, com destaque para a Merck Sharp & Dohme (12.341 euros) e a AstraZeneca (10.475 euros). Ou seja, uma média mensal também superior a 4.000 euros.

    Sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, deste mês, considera que processo disciplinar contra Filipe Froes, e o processo de averiguações, são documentos administrativos mas que se mantêm secretos até á conclusão ou arquivamento. Prescrição ocorre daqui a um mês.

    Convém salientar que o Infarmed não faz, por rotina, qualquer tipo de fiscalização destes registos, pelo que se mostra fácil receber dinheiro e outras ofertas de farmacêuticas sem declaração no Portal da Transparência, como aliás fez o antigo bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães.

    Sabendo-se que o processo de averiguações só avançaria para uma fase posterior se se tivesse apurado matéria suficiente para uma “condenação” em processo disciplinar, o PÁGINA UM requereu à IGAS a consulta de um vasto conjunto de processos disciplinares ainda em 2022, o que foi inicialmente recusado.

    Em finais de Outubro do ano passado, o PÁGINA UM chegou a obter uma sentença favorável do Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder a várias dezenas de processos intentados nos últimos anos pelo IGAS, mas, ao contrário do expectável, não estava ainda incluído qualquer documento referente a Filipe Froes.

    Mais tarde, em finais de Novembro, a IGAS acabou por revelar ao PÁGINA UM que o processo de averiguações sobre Filipe Froes, que fora conhecido desde Setembro de 2021, tinha resultado num processo disciplinar em 19 de Fevereiro de 2022, por determinação do inspector-geral Carlos Carapeto.

    Quando se concluiu um ano desde a conclusão do processo de averiguações, o PÁGINA UM solicitou uma cópia, mas a IGAS informou que estaria integrado no processo disciplinar, dando-se assim uma aura de secretismo. Mas, a ser verdade, esse secretismo só se manteria, de acordo com a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, até à conclusão da fase de instrução.

    Na sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, conhecida este mês, o juiz Nuno Domingues considera que, embora “a informação em causa tem natureza administrativa, todavia, resulta dos autos que essa mesma informação ocorre em momento prévio à instauração do Proc. N.º 1/2022-INQ e afigura-se ao tribunal que está em conexão com a posterior instauração do procedimento disciplinar, na medida em que a informação reporta-se a processo de esclarecimento que tem clara repercussão e conexão na instauração do procedimento disciplinar”.

    Nessa medida, adianta o magistrado que “não podendo os dois procedimentos ser indissociáveis” e que “ainda não foi proferido despacho de acusação (ou de arquivamento)”, conclui que o PÁGINA UM não tem ainda direito de consulta.

    O juiz, porém, nem sequer estranhou que ao fim de quase 17 meses não houvesse sequer despacho de acusação ou de arquivamento – o que tornaria públicos os documentos –, sabendo-se que o Regime Disciplinar dos Trabalhadores em Funções Públicas determina a prescrição ao fim de 18 meses.

    Contudo, o juiz que analisou a intimação do PÁGINA UM nem sequer pediu um comprovativo da veracidade das declarações do Ministério da Saúde nem sequer determinou a obrigatoriedade de ser disponibilizada a totalidade da documentação relativa ao processo de Filipe Froes a partir de 19 de Agosto, data em que tudo prescreverá ou terá de estar concluído.

    Defesa da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, que mantém o processo disciplinar contra Filipe Froes até à prescrição, foi assumida pelo Ministério da Saúde.

    Por esse motivo, o PÁGINA UM recorreu hoje mesmo para o Tribunal Central Administrativo Sul para que considere nula a sentença do juiz Nuno Domingues. Independentemente da decisão do recurso, o PÁGINA UM não desistirá de conhecer os contornos de um processo disciplinar que, tudo indica, foi “engavetado” para manter sob segredo – e sem castigo algum – as relações comerciais entre farmacêuticas e Filipe Froes.

    O PÁGINA UM pediu, na semana passada, esclarecimentos a Carlos Carapeto, inspector-geral da IGAS, sobre a iminência da prescrição, e dos motivos para tamanha demora na conclusão da fase de instrução. Foi também perguntado “se houve qualquer pressão governamental, política, empresarial ou de outra natureza (mesmo que válida e legal) para evitar o desenrolar normal do referido procedimento disciplinar até que fosse, como certamente sucederá, arquivado por prescrição” o procedimento disciplinar a Filipe Froes. Não se obteve qualquer reacção.


    Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Saliente-se que o PÁGINA UM tem de garantir uma “provisão” para as situações em que possa ter sentenças desfavoráveis, o que acarretará o pagamentos de custas que podem ser elevadas por cada processo perdido.

  • As civilizações empilhadas num mar

    As civilizações empilhadas num mar

    Título

    Atlas histórico do Mediterrâneo

    Autor

    FLORIAN LOUIS (tradução: Luís Filipe Pontes)

    Editora

    Guerra & Paz (Janeiro de 2023)

    Cotação

    17/20

    Recensão

    Em cada novo número, a Guerra & Paz merece todos os elogios pela colecção que começa a compor, por contribuir, digamos assim, para se recuperar o amor perdido ao livro físico perante a avalanche tecnológica assente no digital.

    aqui tivemos a oportunidade de abordar, no caso sobre a água, esta coleccção Atlas, que já conta agora com 12 temas, criteriosamente escolhidos e sabiamente escritos, abordando quer períodos históricos (Primeira Guerra Mundial, Holocausto e Guerra Fria, por agora, presume-se), quer países ou impérios (Antigo Egipto, Império Romano, Estados Unidos), quer regiões (África, Médio Oriente), quer temáticas “globalistas” (Água, Escrita e Fronteiras).

    Claramente, o objectivo destas obras não é apresentar um tratado sobre estes assuntos, até pela sua vastidão, e porque, por regra, não passam das 200 páginas. O interesse desta colecção é, exactamente, o oposto: depurar a vastidão para apresentar o essencial, aguçando o apetite para se poder buscar mais. E aí, no final, é apresentada uma extensa lista de referências bibliográficas, sobretudo de índole académica.

    Porém, aquilo que mais se destaca nos livros desta colecção, e este Atlas histórico do Mediterrâneo não constitui excepção, é o detalhe da cartografia que acompanha os curtos mas informativos textos que se vão sucedendo ao longo das páginas. 

    Mas independentemente desta parte mais “lúdica” do livro, este Atlas histórico do Mediterrâneo tem também o condão de relembrar o magistral trabalho histórico de Fernando Braudel, que durante décadas estudou o Mediterrâneo, não como um simples mar banhando o sul da Europa, o Norte de África e uma pequena parte ocidental da Ásia, mas sim um mar “no meio de terras” (mediterraneus, com “várias civilizações empilhadas umas em cima das outras”.

    E são essa “pilhas” de História que nos são presenteadas, desde o berço da Civilização na Mesopotâmia (embora Eufrates e Tigre desaguem no Golfo Pérsico), passando pelo Egipto e pelos Fenícios, até aos nossos dias.

    Distribuído por cinco grandes capítulos temáticos ou por períodos históricos (até à queda do Império Romano; desde a expansão islâmica na Europa até à dominância dos territórios marítimos pelos povos europeus; desde a expansão otomana às guerras e pilhagens de corso dos séculos XVI, XVII e ainda XVIII; os processos independentistas e de unificação de importantes países como a Grécia e a Itália; e, por fim, os tempos mais recentes da História, isto é, o século XX), este livro confirma-nos como o Mediterrâneo assistiu, quer pelas armas quer pelo comércio, às glórias e às derrotas de muitos povos, à ascensão e queda de outros tantos, dando naquilo que hoje conhecemos na complexidade do Sul da Europa, Norte de África e mesmo Médio Oriente.

    E permite-nos concluir que, enfim, e na verdade, estamos, aqui, em Portugal, com mais raízes mediterrânicas do que propriamente europeias, mesmo se nos localizamos um pouco na extremidade desta vasta região, e, por ser tão ambicionada, tivemos, para crescer, de olhar ainda mais além, para o grandioso Atlântico, cujo Atlas esperamos que também venha um dia a ser publicado pela Guerra & Paz.

  • O PÁGINA UM: um ano e meio de vida em prol do verdadeiro jornalismo

    O PÁGINA UM: um ano e meio de vida em prol do verdadeiro jornalismo


    Nascemos há um ano e meio, era o dia 21 de Dezembro de 2021.

    Nascemos para mostrar que pode haver jornalismo independente, com princípios e incómodo, e por isso mesmo perseguido.

    Em 18 meses fizemos o que todos não fizeram em 18 anos: exigir em tribunais administrativos o acesso à informação.

    Denunciámos as promiscuidades da imprensa mainstream, que está a aniquilar os princípios do jornalismo, e por isso tenho à perna três “reguladores”; e pelo menos dois processos judiciais em que sou arguido (e ainda sem acusação).

    Com uma pequena redacção, publicámos já 1.444 textos, entre artigos de investigação jornalística, entrevistas, opinião e recensões.

    Somos o único jornal que tem como único activo a sua credibilidade, que a expõe apenas ao leitores, que são a nossa única fonte de financiamento. Não escrevemos para agradar aos nossos anunciantes, porque não os temos; nem para agradar aos nossos potenciais parceiros comerciais, porque não os queremos; nem para agradar ao poder, porque só os queremos sindicar.

    Em 18 meses, continuamos e continuaremos sem publicidade nem parcerias comerciais. Pelos nossos leitores. Para os nossos leitores. Obrigado pelo vosso apoio.

  • Juros (e suas lições), Escola pública (e Estado) & Estados Unidos

    Juros (e suas lições), Escola pública (e Estado) & Estados Unidos


    Pedro Almeida Vieira e Luís Gomes reencontram-se no 19º episódio de Os economistas do diabo. A conversa começa com a rubrica Memórias de elefante, dedicada ao (inicial) esquecimento oficial da inauguração do memorial às vítimas dos incêndios rurais de Pedrógão Grande e de outras regiões durante 2017, e também ao esquecimento do Governo em matéria de política florestal.

    Nos temas em análise, propriamente ditos, em cima da mesa o constante crescimento das taxas de juro, das suas causas e consequência, e ainda o ranking das escolas e o seu significado como indicador do falhanço do Estado Social. Para terminar, uma breve passagem pelos preparativos para as eleições presidenciais norte-americanas. E houve mais assuntos. E mais divergência…

    Acesso: LIVRE

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  • Reuniões autárquicas: Comissão Nacional de Protecção de Dados e Entidade Reguladora para a Comunicação Social com visões antagónicas

    Reuniões autárquicas: Comissão Nacional de Protecção de Dados e Entidade Reguladora para a Comunicação Social com visões antagónicas

    Gravar som e/ ou imagens de sessões públicas de órgãos autárquicos, para transmitir online, pode expor a vida privada de quem nem sequer piou. Por isso, tem de ser pedida autorização expressa sem a qual nada feito. Esta é a visão redutora de uma orientação da Comissão Nacional de Protecção de Dados, mas que entra em conflito com uma deliberação praticamente da mesma data da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, para quem as restrições para usar equipamentos de gravação se equipara à denegação do exercício do direito a informar.


    Dois pareceres com poucos dias de distância – o primeiro da Comissão Nacional de Proteção de Dados (CNPD) e o segundo da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) – ameaçam causar interpretações antagónicas para a captação de imagens e sons de reuniões de órgãos autárquicos quer por parte do público quer por parte sobretudo dos jornalistas.

    Em Abril passado, uma orientação da CNPD, a pretexto de vários pedidos de esclarecimento sobre a transmissão na Internet das reuniões camarárias e de Juntas de Freguesia considerou que “a transmissão áudio e vídeo em direto e online das reuniões dos principais órgãos autárquicos corresponde a um tratamento de dados pessoais (…) por implicar a recolha e divulgação de informação relativa a pessoas singulares identificadas ou identificáveis”.

    black and gray corded device

    Para este organismo, com uma visão extremamente lata sobre o conceito de dados nominativos, em causa está “não apenas a imagem das pessoas, o que revela ainda o local e contexto em que se encontram em determinado momento, como também o conteúdo das suas declarações, as quais podem expor, entre outros dados pessoais, aspetos da vida privada dos declarantes ou de terceiros e revelar convicções políticas, filosóficas ou de outra natureza.”

    A CNPD considera que a transmissão dessas imagens e mesmo das opiniões que possam ser transmitidas durante uma reunião autárquica “pode ainda promover ou facilitar a estigmatização e discriminação das pessoas cujos dados sejam assim divulgados, tendo em conta o risco de reutilização dos dados pessoais expostos na Internet”, concluindo que “a exposição da vida privada é irreversível”.

    Na orientação, a CNPD defende que as reuniões autárquicas são distintas das sessões na Assembleia da República, uma vez que naquelas os participantes “não o fazem na qualidade de cidadãos para expor as suas necessidades ou as suas perspetivas pessoais quanto às necessidades públicas”, mas sim “em termos que facilmente resultam na exposição da vida privada e familiar”.

    Fotografia: Médio Tejo

    Nessa medida, a CNPD considera que deve ser obtido “o consentimento prévio e expresso de todos as pessoas abrangidas pela filmagem e transmissão”, devendo todos serem alertados “especificamente para o facto de as imagens e som, uma vez disponibilizados online, serem suscetíveis de reutilização e difusão por terceiros”.

    A interpretação da CNPD vai não apenas a quem faça declarações como aqueles que lá estejam a assistir, incluindo os “trabalhadores que prestem apoio durante a reunião”.

    Esta visão absolutamente restritiva – que acabará por abranger a captação de imagens e sons por profissionais da comunicação social, quer para transmissão em directo quer para uso noticioso – entra assim em conflito com o direito de acesso à informação por parte dos jornalistas, que inclui captação de som e imagem sem autorização específica nas reuniões autárquicas por se realizarem em locais públicos.

    man in black suit jacket standing in front of people

    E é nesse contexto que a ERC se debruça numa deliberação aprovada em 27 de Abril, mas apenas divulgada esta semana, a pedido de esclarecimento do jornal regional Notícias LX sobre se “será legítima a proibição de recolha de sons e imagens em reuniões públicas de órgãos autárquicos”.

    Na sua deliberação, a ERC defende que, “como princípio de ordem geral, e no âmbito das reuniões públicas de um órgão autárquico, será inadmissível o estabelecimento, por iniciativa do órgão promotor da reunião, de toda e qualquer limitação que objetivamente contenda com o regular desempenho da atividade profissional aí exercida por um jornalista, e que, simultaneamente, não se revele estritamente necessária ou adequada a assegurar o normal funcionamento de tais reuniões.”

    Na sua exposição, este regulador acrescenta que “por princípio, não devem ser colocadas quaisquer restrições injustificadas à captação, reprodução e divulgação do conteúdo com relevo informativo derivado da realização de uma reunião pública de um órgão autárquico”, acrescentando que “restrições ou proibições de recolha de sons e imagens (…) apenas em circunstâncias excecionais e devidamente justificadas será de tolerar, por contender com aspetos essenciais da própria cobertura informativa do evento em causa”.

    E diz mesmo que existe sim “o direito que os órgãos de comunicação social têm de utilizar os meios técnicos necessários ao desempenho da sua atividade (…) para efeitos de efetivação do exercício do seu direito de acesso a locais públicos para fins de cobertura informativa”, pelo que “vedar a jornalistas o acesso ou a permanência a locais públicos para efeitos de cobertura informativa ou proibir-lhes a utilização nesses mesmos locais dos meios técnicos e humanos necessários ao desempenho da sua atividade, representam condutas juridicamente equiparáveis, pela negativa, do ponto de vista de denegação do exercício do direito a informar e, em última instância, da própria liberdade de informação.”

    Aliás, o Conselho Regulador da ERC recorda até que “preenche o tipo de crime de atentado à liberdade de informação ‘quem, com o intuito de atentar contra a liberdade de informação, apreender ou danificar quaisquer materiais necessários ao exercício da atividade jornalística pelos possuidores dos títulos previstos na presente lei ou impedir a entrada ou permanência em locais públicos para fins de cobertura informativa’, que pode ser punido com prisão até um ano ou com multa até 120 dias”.

    E, por fim, a ERC até reitera “a particular valorização conferida, no contexto apontado, à obediência estrita ao imperativo constitucional de ausência de discriminações em matéria de direito de acesso, frequentemente violado através da imposição de condicionamentos arbitrários, intuitu personae, a agentes de informação considerados hostis pelos organizadores de eventos abertos à comunicação social.”

  • Não suportemos a normalização do pântano

    Não suportemos a normalização do pântano


    Temos mais um escândalo com Medina. Ou melhor dizendo, este também mete Duarte Cordeiro. E também o inefável Luís Filipe Vieira. E mais ainda umas cunhas para tachos.

    Coisas banais nos tempos que correm, num Governo que já não é Governo se não tiver um escândalo semanal. Cada novo escândalo dos membros do Governo Costa é mais um elefante a passar desapercebido no meio de uma cidade: esse novo escândalo consegue esse feito porque segue em manada, rodeado de outros elefantes, de outros escândalos.

    Começa a ser necessário fazer uma lista para não esquecer de se enumerar todos os escândalos dos últimos meses com membros do Governo, ou seus adjuntos.

    Quem se recorda ainda de Miguel Alves, secretário de Estado-adjunto do Primeiro Ministro, que se demitiu em Novembro do ano passado, acusado de crime de prevaricação?

    E do marido de Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial, que, além de receber uns subsidiozitos que não eram para todos, se associou a um chinês acusado por corrupção activa?

    E já agora, de Tiago Cunha, o assessor de Mariana Vieira da Silva, 21 aninhos, saído da Universidade directamente para um gabinete ministerial a facturar 3.700 euros?

    De Alexandra Reis, demitida de secretária de Estado do Tesouro em Dezembro do ano passado, provavelmente todos se recordam. Bem como das consequências que a sua indemnização da TAP teve na demissão de Pedro Nuno Santos, de super-ministro das Infraestruturas e Habitação, bem como da saída do secretário de Estado Hugo Mendes.

    Aliás, ao pé do caso TAP – que teve “ondas” com a inenarrável cena do novo Ministério de Galamba & Companhia –, já nem sequer damos importância a todo um rol de pequenos e grandes escândalos.

    Como, por exemplo, a contratação (gorada) de Rita Marques, secretária de Estado do Turismo até Março do ano passado, por uma empresa que obtivera benefícios enquanto ela fora governante.

    Ou ainda o caso de Manuel Pizarro, que aceitou ser ministro da Saúde enquanto se mantinha como gerente de uma estranha empresa de consultadoria sobre a qual se ignora quem tenham sido os clientes.

    Também pouca repercussão já tiveram as habilidades de João Gomes Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros, na renovação da sua carta de condução caducada, sem contar já com a empresa onde partilha sociedade com um sócio condenado por fraude fiscal.

    E já poucos se recordam da fugaz Carla Alves, secretária de Estado da Agricultura por 24 horas, por conta de contas arrestadas do seu marido, antigo autarca de Vinhais.

    Enfim, talvez esteja a escapar-me algum caso, mas todos estes são a ponta de um icebergue da cultura de corrupção moral – certamente não apenas moral, ainda mais sabendo-se que os três últimos anos os ajustes directos se tornaram uma prática banal na Administração da res publica – que tem sido alimentada e estimulada por António Costa.

    A operação Tutti Frutti, onde de novo surge o nome de Medina como peça principal, terá, do ponto de vista político, o mesmo tratamento por parte de António Costa que deu a todos os escândalos anteriores: deixa andar.

    O país transformou-se num couto de imoralidades, numa mina de saque, onde a indecência se banqueteia alarvemente. Em menos de um ano, Costa apenas saltita de escândalo em escândalo, como pedras, no meio de um pântano. Não governa; governa-se e os seus apaniguados assumem os escândalos com naturalidade. É só mais um antes do seguinte.

    Como se o seu objectivo deles fosse atapetar o pântano com tantas pedras como escândalos para não se afundarem. O problema é que podem eles não se afundarem, mas o ar fétido é insuportável.

    Não podemos admitir a normalização do pântano.

  • A morte do Jornalismo pela pena de dois carrascos

    A morte do Jornalismo pela pena de dois carrascos


    Este editorial estava simplesmente para se intitular Quo vadis, Jornalismo?, mas soou-me demasiado reflexivo. E não poderia ser. É mais um manifesto. Um manifesto a favor da sobrevivência da nobre profissão do Jornalismo e da função primordial da Comunicação Social, e contra aqueles que eliminam sorrateiramente, como lobos vestidos de pele de ovelha, a independência dos jornalistas, enquanto batem muito no peito com o cravo na lapela.

    Detesto hipócritas – e é sobre dois hipócritas que quero escrever. Como um é mulher e outro homem, está aqui consagrada a paridade, e confirmado que o deslustre não escolhe géneros.

    man sitting on chair holding newspaper on fire

    Pois bem, depois de um parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) sobre pedidos de documentos administrativos feitos pelo PÁGINA UM, e recusados pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), houve dois jornalistas que integram o Secretariado da dita entidade que ontem deram a sua decisão.

    Destaco uma frase – toda ela um tratado – como argumento para manter a recusa do acesso a actas – a simples actas, ó Céus! – das suas reuniões, assinadas pelos jornalistas Licínia Girão e Jacinto Godinho, que formam o Secretariado da CCPJ:

    Não existindo a concretização de uma finalidade específica para aceder às atas do Plenário (que, sobretudo, contém informação relativa a jornalistas, apreciações e ou juízos de valor sobre estes e, ainda outros dados suscetíveis de pôr em causa o seu bom nome) sendo, como se demonstrou, insuficiente evocar a qualidade de jornalista para aceder a documentos que pela natureza do seu conteúdo são nominativos, é legítima a avaliação da CCPJ no que respeita aos eventuais fins para que possam ser usados os documentos caso a eles o requerente tivesse acesso.

    Há momentos em que sinto vergonha alheia. E também incredulidade. E falta de empatia. Tenho dificuldades de me colocar na pele de Licínia Girão e de Jacinto Godinho – ainda mais neste, outrora reputado repórter de investigação premiado da RTP e professor de Comunicação Social numa universidade pública, que até aprecia contar histórias contra a PIDE – para compreender como o seu azedume ao PÁGINA UM, e a mim, os pode fazer escrever tamanha monstruosidade atentatória da Liberdade de Imprensa.

    Licínia Girão

    Agora um jornalista tem necessidade de concretizar a “finalidade específica” para aceder a documentos públicos, como simples actas?

    E sobretudo se esses documentos contêm “informação relativa a jornalistas”? São agora os jornalistas insindicáveis? Podem eles cometer as maiores barbaridades e corporativamente ser tudo escondido?

    Se assim é, porque não conceder similar benesse a políticos, magistrados, administradores públicos, funcionários públicos, enfim, a todos?

    Ademais, se a CCPJ assume ser legítimo a sua avaliação “no que respeita aos eventuais fins para que possam ser usados os documentos”, por que não considerar então legítimo que o Governo implemente um Serviço de Exame Prévio aos pedidos de jornalistas, recusando liminar e discricionariamente se estes não forem “simpáticos”?

    Só esta frase de Licínia Girão e Jacinto Godinho merecia que jornalistas com um pingo de decência nesta pobre democracia se insurgissem e os corressem a pontapé do Palácio Foz. Mais não seria necessário; mas também nunca menos. Merecem. São gente desta jaez que assassina, literalmente, o Jornalismo; que já perderam os escrúpulos e a vergonha por um par de vinténs, ou já perderam a noção do que escrevem, das posturas que tomam, das consequências dos seus actos e das suas mesquinhas raivas.

    Jacinto Godinho

    A frase acima exposta é o corolário daquilo que nenhum jornalista pode aceitar – porém, é uma frase escrita por jornalistas, defendida por jornalistas e aplicada por jornalistas. E apenas porque assumem eles que os ando a “perseguir” e a fazer pedidos “manifestamente abusivos”.

    E, no entanto, estou a fazer no PÁGINA UM a essência do Jornalismo: perguntar, sindicar, expor, denunciar, informar – usando todos os expedientes legais, incluindo judiciais. Livremente. Sem agendas. Sem interesses económicos, financeiros, partidários e ideológicos. A minha independência mete-lhes medo, porque imprevisível e incontrolável. Por isso, fazem-se de vítimas de perseguição se lhes faço quatro pedidos de documentos. A hipocrisia em seu esplendor.

    Que achará então o Governo e outras entidades quando o PÁGINA Um, perante recusas similares a pedidos de documentos, apresenta intimações no Tribunal Administrativo?

    Devem essas entidades – listemo-las: Conselho Superior da Magistratura, Infarmed, Ordem dos Médicos, Ordem dos Farmacêuticos, Ministério da Saúde, Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, Administração Central dos Sistema de Saúde, Entidade Reguladora para a Comunicação Social, Banco de Portugal, Instituto Superior Técnico, Presidência do Conselho de Ministros e Parque Escolar –, algumas já com mais do que um processo de intimação nos tribunais, juntarem-se, em coro aos jornalistas Licínia Girão e Jacinto Godinho, e promoverem um clube anti-PÁGINA UM para me meterem em ordem? Talvez pelourinho?

    Presumo que seria dia de festa numa Comissão que acredita os títulos (carteiras) de uma profissão cada vez mais desacreditada aos olhos dos cidadãos.

    Não foi para assistir a vergonhosas atitudes destes pequenos ditadores travestidos de jornalistas que se estabeleceu a democracia.

    Fico por aqui, poupando a análise do argumentário de 11 páginas – que pode ser lido aqui, na íntegra –, onde os ditos Licínia Girão e Jacinto Godinho expõem os seus motivos salazarentos para recusar, entre outros documentos, o acesso a processos concluídos a jornalistas em violações da ética profissional e aos ganhos em senhas de presença e outros rendimentos para gerirem um organismo público.

    O caso seguirá, obviamente, em breve, para as instâncias judiciais. Até lá, espero que os jornalistas decentes não se calem agora, pois se assim procederem, um dia, quando quiserem falar, talvez o “trabalhinho sujo” de tipos como Licínia Girão e Jacinto Godinho tenha já contribuído para lhes tirarem a língua. Ou as mãos. E até também as pernas. Ou mesmo a cabeça.