Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Parque Escolar: contas aprovadas pela tutela a “toque de caixa”. Dívida subiu para 1.213 milhões de euros em 2021

    Parque Escolar: contas aprovadas pela tutela a “toque de caixa”. Dívida subiu para 1.213 milhões de euros em 2021

    Nos últimos quatro anos, a Parque Escolar – escolhida agora para dinamizar a habitação pública – não mostrava contas e nem se incomodava com críticas dos partidos da oposição nem com notícias da imprensa. O PÁGINA UM meteu um processo de intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa no passado dia 8. Esta semana, os Ministérios das Finanças e da Educação apressaram-se a aprovar os relatórios de 2019, 2020 e 2021. E prometem para breve o de 2022. Para já, ficou-se a saber que a dívida total ascende aos 1.213 milhões de euros, e há ainda um conjunto de anomalias contabilísticas detectadas pelo auditor.


    A Parque Escolar – a empresa estatal que, em breve, ficará com a função de construção pública, mudando mesmo de denominação – colocou esta tarde os relatórios e contas de 2019, 2020 e 2021 no seu site. Esta decisão vem no seguimento de uma intimação apresentada no mês passado pelo PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa.

    A administração desta empresa – que passará a denominar-se Construção Pública, tendo o diploma da sua reestruturação sido promulgado pelo Presidente da República na semana passada – remeteu também ao PÁGINA UM os ofícios enviados à tutela com as contas dos exercícios a partir de 2019, para aprovação, mas que estavam “engavetados”.

    De acordo com as datas desses ofícios, agora na posse do PÁGINA UM, o relatório de 2019 estava na posse da Secretaria de Estado do Tesouro e do Ministério da Educação desde Novembro de 2020, o relatório de 2020 desde Maio de 2021 e o relatório de 2021 desde Maio de 2022.

    No que diz respeito ao relatório e contas do ano passado, em ofício enviado esta tarde ao PÁGINA UM, a secretária-geral da Parque Escolar, Alexandra Viana Ribeiro, diz que “ainda não se encontra concluído, designadamente por aguardar o parecer do conselho fiscal (…) e a respetiva aprovação pelas tutelas”, prometendo o seu envio posteriormente.

    Este é, para já, o corolário de mais uma vitória do PÁGINA UM em prol da transparência da Administração Pública, uma vez que a Parque Escolar, que passará a assumir funções de promoção de habitação pública, tinha o ano de 2018 como o último com contas aprovadas e disponibilizadas.

    João Costa, ministro da Educação, em Maio do ano passado prometeu que divulgaria as contas de 2019, 2020 e 2021 da Parque Escolar “brevemente”. Só com a intimação do PÁGINA UM se apressou, com Fernando Medina, a aprová-las e divulgar no site da empresa pública.

    E, mesmo assim, este relatório de 2018, bem como os dos anos de 2016 e 2017, apenas foram publicados em Março do ano passado, o que suscitou então questões da Iniciativa Liberal junto do Ministério das Finanças, que tutela a empresa pública. Segundo informações avançadas na altura pelo Jornal de Negócios, a dívida da empresa em 2021 seria de 981,7 milhões de euros.

    Contudo, na verdade, e de acordo com análise rápida do PÁGINA UM, a dívida é bem superior. O passivo corrente – com previsão de pagamento em menos de 12 meses – era então de 151,7 milhões de euros, mas o passivo não corrente ascendia aos 1.061,4 milhões de euros. No total, o passivo total situava-se nos 1.214,1 milhões de euros, um pouco mais de 232 milhões do que o valor apontado pelo Jornal de Negócios.

    O aumento da dívida acaba por relativizar os resultados líquidos positivos, até porque os activos da Parque Escolar beneficiaram bastante pelo aumento de capital estatutário no valor de cerca de 342,5 milhões de euros por incorporação de 138 escolas e por conversão de um empréstimo da Direcção-Geral do Tesouro e Finanças, após dação em cumprimento do Palácio Valadares, no Largo do Carmo, em Lisboa.

    Um dos aspectos mais relevantes dos relatórios e contas, agora disponibilizados e que estará na base do atraso de anos na sua divulgação, prende-se com as reservas feitas pelo auditor das demonstrações financeiras, a cargo da Grant Thornton.

    Por exemplo, no relatório de 2019 – que somente agora vê a luz do dia, após a intervenção do PÁGINA UM –, o auditor critica a forma de cálculos das depreciações das propriedades de investimento (que incluem escolas), que além do mais, em diversas obras em curso, não tiveram ainda os terrenos transmitidos para a empresa pública, nem foram “objecto de avaliação por peritos independentes”.

    Também é considerado que os cerca de 37 milhões de euros de provisões – devidos a processos judiciais em curso – podem não ser suficientes.

    Requerimento do advogado da Parque Escolar onde elenca a cronologia da aprovação das contas pela tutela após a intimação do PÁGINA UM.

    Mais grave ainda é o alerta transmitido pelo auditor de que “na realização de diversos concursos públicos, verificou-se que houve concertação de preços entre as empresas fornecedoras de monoblocos, no que respeita ao preço de transporte, montagem, aluguer e desmontagem dos mesmos, durante as várias fases de realização das obras”.

    A Grant Thornton escreveu então que “esta situação originou gastos adicionais (…), cujo montante total não foi, ainda, possível de quantificar.”

    Outra situação irregular passa-se com o mobiliário escolar e sobretudo com o equipamento informático. O auditor salienta que “não foram objecto de inventariação física”, acrescentando que, desse modo, “não podemos concluir, na presente data, sobre a existência de todos os bens e, consequentemente, do respectivo valor registado no balanço”.

    Os alertas de desconformidades mantiveram-se no relatório de 2020 e 2021, praticamente nos mesmos moldes.

    Saliente-se que depois de se recusar tacitamente a disponibilizar os documentos solicitados, a Parque Escolar acabou por optar por satisfazer o pedido antes de ser obrigado por sentença judicial.

    Em requerimento hoje apresentado no Tribunal Administativo de Lisboa, o advogado da empresa pública diz que “nada disse [ao PÁGINA Um], apenas e só, porque alguns documentos solicitados (…) não estavam finalizados (…), porquanto faltava a aprovação dos relatórios e contas pela tutela para concluir os processos.”

    Na verdade, ao juiz do processo a Parque Escolar admite mesmo que o relatório e contas de 2019 foi apenas aprovado pela tutela na passada segunda-feira, enquanto os relativos a 2020 e 2021 acabaram sendo aprovados hoje, dia 25 de Maio.

    Apesar deste contra-relógio, a Parque Escolar deverá vir a ser condenada pelo tribunal ao pagamento das custas, uma vez que não respondeu favoravelmente antes da entrada da intimação do PÁGINA UM. O montante das custas gastas pelo PÁGINA UM serão aplicadas em similares processos de intimação por não divulgação de documentos públicos, através do seu FUNDO JURÍDICO.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • PÁGINA UM começou a denunciar promiscuidades entre Gaia e Global Media em 2021

    PÁGINA UM começou a denunciar promiscuidades entre Gaia e Global Media em 2021

    As investigações ao mundo dos negócios dos media mainstream por parte do PÁGINA UM, desde a sua criação, revelaram cedo as ligações entre a Gaiurb, o município de Gaia, a Global Media e Domingos de Andrade, o jornalista-administrador globetrotter da Global Media. O processo em curso instaurado pelo Ministério Público, no âmbito da Operação Babel, por favorecimento em abordagens noticiosas, arrisca mudar o panorama dos contratos promíscuos entre a imprensa e entidades públicas, até agora sem controlo do regulador dos media (ERC) e dos jornalistas (CCPJ).


    A promiscuidade entre a Global Media – detentora dos periódicos Jornal de Notícias e Diário de Notícias e da rádio TSF – e a autarquia de Vila Nova de Gaia, agora alvo de um processo intentado pelo Ministério Público, começou a ser denunciada pelo PÁGINA UM em Dezembro de 2021.

    De acordo com notícia de hoje da Lusa, um despacho do Departamento de Investigação e Ação Penal Regional do Porto (DIAPRP) revelou que o Ministério Público acusa o presidente da edilidade socialista, Eduardo Vítor Rodrigues, de ter determinado “a outorga pelo Conselho de Administração da Gaiurb, de modo arbitrário, sem qualquer requisição de despesa, manifestação de necessidades ou proposta de contratação de serviços e/ou fornecimentos de bens emanada pelos respetivos serviços, contratos públicos com o Grupo Global Media“.

    Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Gaia.

    O objectivo: garantir a chamada “boa imprensa”, como se pode constatar na leitura do Jornal de Notícias que incidem sobre Gaia e o seu presidente. Aliás, Eduardo Vítor Rodrigues é um colunista regular daquele diário nortenho, tendo começado a publicar artigos de opinião desde Junho de 2020. Já escreveu 60 artigos.

    A atenção do PÁGINA UM sobre os interesses de Gaia na contratação em particular da Global Media – há também contratos com o Público e a Cofina, mas de muito menor dimensão – começou em 26 de Dezembro de 2021, numa investigação intitulada “Gaia paga mais de meio milhão de euros em contratos com grupos de media através de empresa com dívida astronómica”.

    Revelava-se então que a Gaiurb – com competência na gestão urbanística e habitacional de Gaia – realizara três contratos com empresas da Global Media (num total de 465.000 euros). Todos os contratos tinham sido realizados por ajuste directo, sem visto prévio do Tribunal de Contas, e contra o código de contratos públicos.

    Com a Global Media, a Gaiurb estabeleceu um primeiro contrato ainda em Dezembro de 2020 para o evento “Praça de Natal Jogos Santa Casa em Gaia”, que incluía a sua divulgação “junto da imprensa e outros meios de comunicação social”. O valor do contrato foi fixado em 195.000 euros.

    Director da TSF e com funções de topo na coordenação de jornalistas em mais outros quatro órgãos de comunicação social, Domingos de Andrade participa activamente na gestão empresarial de oito empresas do Grupo Global Media. A promiscuidade entre informação e negócios só lhe custou 1.000 euros num processo instaurado (mas escondido) pela CCPJ, mantendo-se como jornalista acreditado.

    No dia 3 de Dezembro de 2021, o contrato foi renovado, com o mesmo fim, e pelo mesmo valor. No ano de 2020 ainda se apontavam os motivos para o ajuste directo: “não existe alternativa ou substituto razoável” e “inexistência de concorrência”. No segundo contrato nada se refere.

    Estes dois contratos comerciais foram assinados por Domingos de Andrade, então simultaneamente administrador e director de conteúdos da Global Media e director da TSF, algo que o Estatuto do Jornalista considera incompatível. Este administrador e também director de diversas publicações da Global Media viria a ser alvo de um processo de contra-ordenação por parte da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) – por assinar contratos comerciais ao mesmo tempo que era director editorial e jornalista –, mas que redundou apenas numa multa de 1.000 euros.

    O PÁGINA UM tem tentado aceder ao processo instaurado contra Domingos de Andrade desde o ano passado, mas o Secretariado da CCPJ – constituído pelos jornalistas Licínia Girão e Jacinto Godinho – têm ostensivamente recusado, numa clara violação da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos.

    aerial view of bridge and city

    Um outro contrato do grupo Global Media com a Gaiurb foi concretizado em 29 de Março de 2021 com a TSF – através da sua empresa Rádio Notícias – por ajuste directo para a produção de 26 episódios semanais, emitidos aos microfones entre Abril e Outubro. Apresentado como sendo uma “parceria TSF/ Gaiurb”, o programa foi intitulado “Desafios do Urbanismo”, e envolveu um pagamento de 75.000 euros, tendo sido conduzido por um jornalista Miguel Midões, mas sem liberdade editorial.

    De facto, este contrato comercial – que possui, em nome da Global Media, a assinatura do jornalista Afonso Camões, o que constitui uma função incompatível nesta profissão – estipulava, na prática, uma subordinação editorial da TSF perante a Gaiurb.

    Por exemplo, o ponto 1 da cláusula 5ª determinava que “o prestador de serviços obriga-se a entregar à Gaiurb, EM [empresa municipal] os produtos, serviços e conteúdos informativos a aplicar na execução do contrato, de acordo com as características, especificações e requisitos previstos no anexo ao Caderno de Encargos, que dele fazem, parte integrante”.

    Mais recentemente, em Dezembro passado, houve novo contrato para a promoção das festas natalícias de Gaia, subindo o valor para 215.000 euros. Sempre por ajuste directo.

    Mas as relações promíscuas entre a Global Media e entidades públicas, sobretudo autarquias, não se circunscrevem a Vila Nova de Gaia.

    No ano passado, o PÁGINA UM detectou uma dezena e meia de contratos com entidades públicas assinados pela Global Media desde 2020. De entre estas estão, além da de Vila Nova de Gaia, as autarquias (ou empresas municipais) de Lisboa, Cascais, Valongo, Barreiro, Feira, Matosinhos, Aveiro, Viana do Castelo, Setúbal, Estarreja, Gondomar e Amarante, conforme o PÁGINA UM revelou em Maio do ano passado.

    Embora estes contratos tenham, quase sempre, como objecto a promoção de eventos, na verdade acabam por ser uma oportunidade de promover políticos, uma vez que são publicados textos ou programas onde não fica absolutamente nada claro que se está perante uma prestação de serviço.

    Em muitos casos detectados pelo PÁGINA UM, os jornalistas escrevem notícias condicionadas ao cumprimento dos cadernos de encargos, e até os directores editoriais da Global Media participam activamente nos eventos, sobretudo através da moderação de conferências que também estão estabelecidas nos contratos e onde os convidados são previamente indicados por quem paga. São os casos de Domingos do Amaral, como director da TSF, de Rosália Amorim, como directora do Diário de Notícias, de Joana Petiz, directora do Dinheiro Vivo, e de Inês Cardoso, directora do Jornal de Notícias.

    green plant on brown round coins

    Estas promiscuidades são já sobejamente conhecidas pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas e pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social, mas sem consequências. A intervenção do Ministério Público pode vir a mudar este modus operandi que mina a credibilidade do jornalismo – até por não ser um exclusivo da Global Media.

    Apesar das evidências, em comunicado divulgado hoje, a administração da Global Media garantiu que os seus profissionais “exercem as suas funções com total respeito pelas normas deontológicas do jornalismo, preservando a independência e a separação dos compromissos comerciais assumidos com entidades externas, honrando a importância das suas marcas já centenárias no panorama dos media em Portugal”.

    E ainda dizem que “dentro da Comissão Executiva da GMG [Global Media] são claras as separações de funções entre as áreas comercial, financeira e editorial”, o que não corresponde à verdade.

    De acordo com o Portal da Transparência da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), Domingos de Andrade é director tanto da TSF como da Rádio Jovem de Évora e da Rádio Caldas, tendo também uma crónica regular no Jornal de Notícias. Surge também nas fichas técnicas dos jornais O Jogo e Jornal de Notícias como director-geral editorial. Até Julho do ano passado ainda acumulava o cargo de director-editorial do Diário de Notícias.

    Rosália Amorim, directora do Diário de Notícias. Responsáveis editoriais da Global Media colaboram activamente na execução de contratos comerciais por vezes com cláusulas de subordinação e de confidencialidade.

    No entanto, apesar de deter estas responsabilidades jornalísticas de topo, que implicam a definição das linhas editoriais e a coordenação de equipas de jornalistas, Domingos Andrade ainda se ocupa, qual globetrotter dos media, em funções de gestão executiva, incluindo obviamente as áreas comerciais, sendo gerente de quatro empresas (Difusão de Ideias, Lda.; Pense Positivo, Lda.; Rádio Comercial dos Açores, Lda.; TSF – Rádio Jornal Lisboa, Lda.) e de vogal do Conselho de Administração em mais outras quatro empresas (TSF – Cooperativa Rádio Jornal do Algarve; Açormédia – Comunicação Multimédia e Edição de Publicações; Global Notícias – Media Group; e Rádio Notícias – Produções e Publicidade). Todas são do universo do Grupo Global Media.

    Mas o comunicado da Global Media, querendo ignorar estes factos públicos, ainda acrescenta que “os diretores das respetivas marcas (…) têm, como não poderia deixar de ser, total autonomia editorial e de gestão de recursos”.

  • Monkeypox em Portugal: OMS indica zero mortes; Ministério da Saúde aponta uma

    Monkeypox em Portugal: OMS indica zero mortes; Ministério da Saúde aponta uma

    Ainda em plena pandemia da covid-19, a Organização Mundial da Saúde (OMS) lançou uma nova emergência sanitária em redor do surto de uma doença viral já conhecida desde 1957. Em Portugal, os primeiros casos foram detectados em 18 de Maio do ano passado. Um ano depois, a “montanha pariu um rato”: 953 casos; e apenas uma morte, segundo o Ministério da Saúde, ou nenhuma morte, segundo a OMS.


    Foi apresentada como uma ameaça pandémica, ainda longe estava a pandemia da covid-19 da fase de “rescaldo”. Há um ano, no dia 18 de Maio de 2022, o vírus causador de uma doença denominada Monkeypox (varíola-dos-macacos) – entretanto rebaptizada como Mpox – causava apreensão, e a Direcção-Geral da Saúde (DGS) começava a apresentar relatórios diários sobre a evolução dos casos em Portugal, na linha das preocupações transmitidas pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

    Por exemplo, nesse dia, a CNN Portugal salientava que os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) dos Estados Unidos afirmava que os relatos chegados de África indicavam que “a varíola dos macacos causou a morte a uma em cada dez pessoas que ficaram doentes”, acrescentando ser “uma taxa alta [10% de letalidade], mas ainda assim bastante abaixo da varíola comum, que antes de ser considerada erradicada, por meio da vacina, matava cerca de 30% dos doentes, segundo dados da Organização Mundial de Saúde”.

    Mas, na verdade, a evolução mundial da Mpox – mesmo se apenas há uma semana deixou de ser emergência internacional de saúde pública – ficou muito aquém das previsões mais catastrofistas. De acordo com o mais recente relatório da OMS, foram reportados 87.377 casos positivos de Mpox até 8 de Maio deste ano, envolvendo 111 países, que resultaram em 140 óbitos. Ou seja, uma taxa de letalidade de 0,16%.

    Contudo, mesmo sendo globalmente já bastante baixas, as taxas de letalidade foram muito distintas entre continentes e países. Em África registaram-se 18 mortes em 1.587 casos positivos, uma taxa de letalidade de 1,13%, enquanto na Europa essa taxa foi de 0,02%, que correspondeu a seis óbitos decorrentes de 25.891 casos positivos.

    Os cinco países com maior número de óbitos foram os Estados Unidos (com 42 óbitos e uma taxa de letalidade de 0,14%), México (com 26 óbitos e uma taxa de letalidade de 0,65%), Peru (com 20 óbitos e uma taxa de letalidade de 0,53%), Brasil (com 16 óbitos e uma taxa de letalidade de 0,15%) e Nigéria (com 9 óbitos e uma taxa de letalidade de 1,08%). Apesar do alarme global, apenas houve registo de mortes em 20 países, dos quais oito contabilizando um óbito.

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    De acordo com este relatório da OMS, na Europa (incluindo Israel) apenas foram reportadas três mortes em Espanha, duas na Bélgica e uma na República Checa. Sobre Portugal, a OMS aponta zero mortes em 953 casos.

    Esta informação não coincide, porém, com a transmitida ao PÁGINA UM por fonte oficial do Ministério da Saúde, que salienta ter ocorrido “em Abril de 2023, um caso fatal num indivíduo com comorbilidade a condicionar imunodepressão grave, que apresentou uma evolução rara da Mpox para uma forma progressiva e disseminada”.

    Ontem, o Ministério da Saúde destacou que “o controlo desta epidemia só foi possível pela pronta resposta a nível nacional, nomeadamente em termos de diagnóstico clínico e laboratorial da infeção, reforçando-se a cooperação entre os organismos do Ministério da Saúde e as associações de base comunitária.”

    No comunicado do Ministério da Saúde, é apresentada uma citação da secretária de Estado da Promoção da Saúde, Margarida Tavares, que destaca que “o trabalho com as comunidades em maior risco e a rápida partilha de informação e boas práticas entre os países mais afetados foi crucial”, acrescentando que isso “permitiu dar novos passos na preparação dos sistemas de saúde para a vigilância e intervenção face a doenças infeciosas emergentes, realidade que as alterações climáticas e maior circulação de pessoas torna hoje mais premente”.

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    O Ministério da Saúde diz também que “foi possível interromper as cadeias de transmissão, através do diagnóstico, sensibilização e, posteriormente, através da vacinação”. Segundo o Ministério da Saúde, “numa primeira fase, a vacina foi oferecida a pessoas que tinham tido contacto com alguém infetado, com posterior alargamento a outros indivíduos em maior risco”, abrangendo até ao final da semana passada 3.554 indivíduos, a maioria na região de Lisboa e Vale do Tejo.

    Esta operação não terá tido encargos públicos. Fonte do Ministério de Manuel Pizarro informou o PÁGINA UM que “Portugal recebeu até à data um total de 11.460 doses da vacina, todas doadas no âmbito da aquisição conjunta por parte da Autoridade Europeia de Preparação e Resposta a Emergências Sanitárias”.

  • Nos últimos três anos, Câmara de Gaia pagou mais de 800 mil euros a grupos de comunicação social

    Nos últimos três anos, Câmara de Gaia pagou mais de 800 mil euros a grupos de comunicação social

    É uma modalidade cada vez mais usada por empresas privadas, mas agora também por autarquias: as parcerias comerciais com grupo de comunicação social. Consegue-se cobertura mediática, sempre favorável, e até entrevistas e convites para integrar conselhos estratégicos. E talvez mesmo a parte mais apetecível: acabam-se com as notícias negativas e com investigações jornalísticas aos sempre nebulosos processos de autorização urbanística. O PÁGINA UM mostra como, nos últimos três anos, a Câmara Municipal de Vila Nova de Gaia usou contratos com três grupos de media para transmitir uma mensagem idílica do urbanismo daquele concelho nortenho. Não é caso único, como o PÁGINA UM revelará nas próximas semanas.


    Nos últimos anos, a autarquia de Vila Nova de Gaia tem sido uma das mais activas na contratação de serviços aos grupos de comunicação social, através de parcerias comerciais com a participação de jornalistas numa promiscuidade que põe em causa a independência na cobertura noticiosa. E, obviamente, na descoberta e denúncia de processos de legalidade duvidosa, que sempre foram o apanágio de uma comunicação social independente.

    De acordo com um levantamento do PÁGINA UM no Portal Base, desde 2020 o município liderado pelo socialista Eduardo Vítor Rodrigues, sobretudo através da Gaiurb – que tem a gestão do sector da habitação, do urbanismo e do planeamento, incluindo a revisão do Plano Director Municipal – assinou oito contratos de parcerias jornalistico-comerciais com três grupos de media: Público, Global Media (Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF) e Cofina (Correio da Manhã e Jornal de Negócios).

    Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da Câmara Municipal de Gaia.

    O montante de maior dimensão foi entregue à Global Media, de Marco Galinha. Em 2020, a Gaiurb – que em finais de 2021 fechou as contas com um passivo de 7,1 milhões euros – estabeleceu um primeiro contrato para o evento “Praça de Natal Jogos Santa Casa em Gaia”, que incluía a sua divulgação “junto da imprensa e outros meios de comunicação social”. O valor do contrato foi fixado em 195.000 euros.

    Um ano mais tarde, no dia 3 de Dezembro de 2021, o contrato foi renovado, com o mesmo fim, e pelo mesmo valor. Em Dezembro passado, novo contrato, subindo o valor para 215.000 euros. Sempre por ajuste directo.

    Mas houve mais contratos da Gaiurb fora do âmbito deste evento natalício. Em Novembro de 2021, foi feito por 19.990 euros, e também por ajuste directo, uma “aquisição de serviços de comunicação”. Nada mais se sabe porque nem sequer foi reduzido a escrito o contrato, através de uma interpretação muito abrangente do Código dos Contratos Públicos.

    Um outro contrato do grupo Global Media com a Gaiurb foi concretizado em 29 de Março de 2021 com a TSF – através da sua empresa Rádio Notícias – por ajuste directo para a produção de 26 episódios semanais, emitidos aos microfones entre Abril e Outubro. Apresentado como sendo uma “parceria TSF/Gaiurb”, o programa foi intitulado “Desafios do Urbanismo”, e envolveu um pagamento de 75.000 euros, tendo sido conduzido por um jornalista Miguel Midões (CP 4707), mas sem liberdade editorial.

    Quanto ao Público, foi estabelecido em Abril de 2021 – mas apenas publicado sete meses depois no Portal Base – um contrato para o desenvolvimento de um projecto jornalístico de podcasts denominado “Conversas Urbanas”, no valor de 64.500 euros.

    Este contrato concretizou-se através de 16 podcasts numa rubrica intitulada “Conversas Urbanas”, assumida pelo Público como tendo o “apoio da Gaiurb”. Saliente-se, contudo, que esse apoio, em concreto, foi exclusivamente monetário, ou seja, uma prestação de serviços de âmbito comercial. Este programa, financiado pela Gaiurb, consistiu sobretudo em entrevistas com especialistas em urbanismo, conduzidas pela jornalista Ana Isabel Pereira e pelo director-adjunto David Pontes, que no próximo mês assume a função de director do jorna detido pela Sonae.

    Por fim, os contratos da Cofina. O primeiro foi assinado em 10 de Novembro de 2020, e o único pormenor conhecido, além do valor do ajuste directo (53.000 euros), é que serviu para promover o projecto Meu Bairro, Minha Rua durante 20 dias.

    A única referência que o PÁGINA UM encontrou em órgãos de comunicação social da Cofina sobre este projecto foi um vídeo, já inactivo, no Correio da Manhã, na secção de conteúdos pagos denominada C-Studio CM. Na sua página do Facebook, a Gaiurb informa que existiriam quatro vídeos, mas apenas divulgou o primeiro, em 3 de Julho daquele ano.

    Mais recentemente, em 19 de Outubro do ano passado, a Cofina assinou um contrato de 19.900 euros denominado “aquisição de serviços de promoção de Gaia Município Sustentável para o Município de Vila Nova de Gaia, no âmbito da atribuição do Prémio Nacional de Sustentabilidade”.

    Para além de custear a realização de um ciclo de três conferências temáticas, uma das quais obrigatoriamente em Vila Nova de Gaia, este contrato serviu para se conseguir um “convite ao Presidente da Câmara de Gaia [Eduardo Vítor Rodrigues] para integrar o Conselho Estratégico do Negócios Sustentabilidade]”, bem como uma entrevista que acabou por ser transformada num depoimento e artigo noticioso do Jornal de Negócios de 25 de Outubro do ano passado.

    Extracto do caderno de encargos

    A aquisição de serviços pelas autarquias para a elaboração de conteúdos editoriais ou eventos com uma componente de divulgação noticiosa, tem sido uma fórmula cada vez mais seguida pelos media nacionais, como alternativa financeira à queda do mercado publicitário e à “fuga” de leitores.

    Porém, a forma como muitos destes contratos são estabelecidos, e as suas cláusulas, levantam fortes suspeições sobre a equidistância necessária entre actividades de marketing e independência jornalística.

    Em diversos contratos com cadernos de encargos publicados no Portal Base – o que não sucede com todos – constam claramente cláusulas de confidencialidade. Por exemplo, no caderno de encargos do contrato da autarquia com a Cofina, assinado em Outubro do ano passado, saliente-se que “o prestador de serviços [que engloba os seus jornalistas] deve guardar sigilo sobre toda a informação e documentação, técnica e não técnica, comercial ou outra, relativa ao Município de Vila Nova de Gaia, de que possa ter conhecimento ao abrigo ou em relação com a execução do contrato.”

    Acrescenta-se ainda que “a informação e a documentação cobertas pelo dever de sigilo não podem ser transmitidas a terceiros, nem objeto de qualquer uso ou modo de aproveitamento que não o destinado direta e exclusivamente à execução do contrato”, excluindo-se apenas informações que “comprovadamente [sejam] do domínio público à data da respetiva obtenção pelo prestador de serviços ou que este seja legalmente obrigado a revelar, por força da lei, de processo judicial ou a pedido de autoridades reguladoras ou outras entidades administrativas competentes.” E determina mesmo um prazo deste estranho dever de sigilo que engloba jornalistas: dois anos.

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    Mas além da participação de jornalistas em eventos, e o compromisso de cobertura noticiosa e de entrevistas a autarcas, sempre numa linha muito favorável e até por vezes encomiástica, este tipo de contratos com peso comercial levanta questões éticas muito relevantes, porque pode levar a ponderar sobre a publicação ou não de notícias desfavoráveis sobre uma determinada autarquia.

    Não por acaso, ainda recentemente, duas jornalistas do Conselho de Redação do jornal Público que “as dúvidas sobre a separação entre o que são conteúdos jornalísticos e conteúdos comerciais seriam por si só suficientes” para chumbar o nome de David Pontes para director daquele periódico. Saliente-se também que há mais de um ano a Entidade Reguladora para a Comunicação Social está alegadamente a investigar mais de meia centena de contratos entre grupos de media e entidades públicas, em especial autarquias.

  • A ERC a ser ERC: mais uma facada no jornalismo independente

    A ERC a ser ERC: mais uma facada no jornalismo independente


    Os (ainda) membros da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) estão, há quase um ano, para ser substituídos. São agora apenas três – Francisco Azevedo e Silva, Fátima Resende e João Pedro Figueiredo –, depois da resignação do então presidente, Sebastião Póvoas, e da morte de Mário Mesquita.

    Deviam estes membros, por decoro, sair airosamente, tão-só para se limpar os ares de uma instituição nascida por mor da Constituição da República Portuguesa para garantir a liberdade e a pluralidade da imprensa, e evitar ingerências ilegítimas na actividade jornalística.

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    Em menos de dois anos (após o meu regresso às lides jornalísticas), os conflitos criados pelos membros da ERC à acção do PÁGINA UM (e à minha, em particular), têm sido incontáveis, sobretudo desde que, em 21 de Julho do ano passado, pedi, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos (LADA), “o acesso a cópia digital ou analógica de todos os requerimentos – desde 2017 até à data – das empresas de comunicação social” que tivessem solicitado “confidencialidade dos principais fluxos financeiros e identificação das pessoas singulares ou colectivas que representam mais de 10%  dos rendimentos totais e mais de 10% do montante total de passivos no balanço e dos passivos”, bem como a “análise e decisão para cada um dos referidos pedidos de confidencialidade”. Serão largas dezenas, se não centenas, pelo que me tenha vindo a aperceber dia após dia.

    O “impacte” deste pedido – que viria depois, por recusa tácita, a levar a uma intimação do PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa –, a par de outras questões incómodas pedidas sobre a acção do regulador, foi quase imediato: em Agosto do ano passado, a pretexto de uma simples consulta de processos para trabalho jornalístico, os membros do Conselho Regulador criaram uma querela, que acabou por envolver até a PSP e um vergonhoso comunicado de imprensa para me difamar. Isto quando estava em causa apenas a legítima obtenção de documentos de técnicos e a captação de imagens fotográficas, conforme acabou por confirmar um parecer de Outubro do ano passado da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos.

    Entretanto, os membros do Conselho Regulador da ERC, como não lhe custam os honorários dos advogados que contratam, apresentaram mesmo, desde o ano passado, duas queixas por difamação contra mim, tendo depois desistido na fase de instrução. Foi uma pena.

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    Também fizeram os membros da ERC o favor de censurarem dois artigos do PÁGINA UM após queixas do presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e do actual Chefe do Estado-Maior da Armada, almirante Gouveia e Melo. Curiosamente, ou talvez, não, ambos os artigos do PÁGINA UM espoletaram investigações da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).

    No primeiro caso, a IGAS instaurou um processo de contra-ordenação ao presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia; quanto ao caso do almirante – que envolve o seu comportamento aquando da vacinação de médicos não-prioritários –, a investigação ainda decorre desde o início deste ano. Mas mesmo assim a ERC “condenou-me” alegando falta de rigor. Em curso, neste momento, está outra queixa contra mim, desta vez por obra do inenarrável pneumologista Filipe Froes, pelo “crime” de eu analisar os efeitos adversos das vacinas contra a covid-19 na base de dados da Agência Europeia do Medicamento.

    Por fim, em Julho passado, no âmbito de um conjunto de deliberações da ERC sobre contratos promíscuos entre empresas de media e entidades públicas, envolvendo “jornalistas comerciais”, o Conselho Regulador da ERC decidiu pespegar nos documentos que a sua acção tinha sido por via de uma minha exposição, quando, na verdade, aquilo que se solicitara ao regulador, cerca de um ano antes, fora tão-só um “pedido de depoimentos e informações para notícia do PÁGINA UM”. Sobre isto, escrevi em Julho, um editorial apropriadamente intitulado “Ao pântano, a ERC adiciona a pulhice”. Talvez me valha mais um processo judicial, talvez mais outro que, depois de fazer ganhar mais uns cobres a advogados, me manda retirar.

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    E eis que, agora, em pleno mês de Setembro, e enquanto se agrada, enfim, a escolha do novo presidente da ERC – e a entrada em funções dos novos membros já escolhidos pelo Parlamento em Junho –, os doutores Francisco Azevedo e Silva, Fátima Resende e João Pedro Figueiredo voltam a fazer das suas.

    Não contentes em recusar uma sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, que os obrigara a conceder acesso aos processos relativos a pedidos de confidencialidade no Portal da Transparência – um contra-senso que promove o obscurantismo –, os ainda membros do Conselho Regulador decidem conceber uma deliberação que é uma vergonha pegada: dizem conceder deferimento parcial a um pedido da IURD, não expondo a fundamentação do pedido, nem identificando em concreto os dados nem tão-pouco a justificação da aceitação. O mais bafiento e bolorento comportamento à la Estado Novo. E pior, quando divulgam a deliberação, mais de duas semanas depois da sua aprovação mantêm todos os dados da IURD confidenciais.

    E para agravar o pivete do que já muito mal cheirava, estes dois senhores mais esta senhora tentaram descredibilizar uma notícia fatual do PÁGINA UM, fazendo alterações no Portal da Transparência à socapa, num sábado à noite, sem nada justificarem através de qualquer comunicado público ou através do seu site.

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    Bem sei qual a estratégia: limpando o “crime” – colocando, num sábado, aquilo que não existia na noite de sexta-feira –, sempre se poderia dizer que o PÁGINA UM, “esse jornal chato e já acusado de falta de rigor em duas deliberações da ERC”, tinha inventado tudo.

    Não inventou. E como tudo o que possa sair da cabeça dos ainda membros do Conselho Regulador da ERC me causa desconfiança, tive a feliz lucidez de gravar, em arquivo na internet, as provas do antes e do depois de uma alegada “sincronização”, que, em abono da verdade, se trata de uma manipulação.

    Enfim, estas três pessoas já simplesmente passaram do prazo. Já é de mais; e o que é demasiado, enjoa. Por isso, alguém responsável lhes conceda guia de marcha, o “merecido descanso”, e que se areje assim o ar, até porque, ainda acredito, a ERC pode desempenhar mesmo – e tem técnicos para isso – um papel fundamental para a moralização necessária na imprensa portuguesa. Os 50 anos da democracia, que se avizinham, mereciam.  

  • Factura das vacinas contra a covid-19 já vai em 877 milhões de euros, mas nem chegou ainda a metade

    Factura das vacinas contra a covid-19 já vai em 877 milhões de euros, mas nem chegou ainda a metade

    O secretismo tem sido a base do negócio das vacinas contra a covid-19. Contratos com claúsulas confidenciais, assumidas pela Comissão von der Leyen, custos unitários e totais escondidos pelos Governos, e cada vez mais lotes a serem deitados para o lixo por perda de validade. Mas agora que a pandemia foi dada como “extinta” pela Organização Mundial da Saúde, estando agora a covid-19 em fase endémica, os negócios chorudos das farmacêuticas anunciam-se ruinosas para as contas públicas na área da Saúde. Desde 2020, o Governo português já autorizou, através de Resoluções de Conselho de Ministros, gastos de quase 877 milhões de euros para a compra de 40 milhões de doses. Mas, pelas contas do PÁGINA UM, terá de pagar mais 66 milhões de doses, atendendo ao número estimado para Portugal nos denominados Advance Purchase Agreements (APAs), feitos em nome dos Estados-membros pela Comissão Europeia.


    Portugal já gastou quase 877 milhões de euros com o processo de vacinação contra a covid-19, mas a factura total deverá superar os 1,6 mil milhões de euros, independentemente de as doses virem a ser administradas.

    Embora o Governo queira manter secretos os contratos assinados com as farmacêuticas – estando uma intimação a correr uma intimação no Tribunal Administrativo de Lisboa, por iniciativa do PÁGINA UM –, as diversas Resoluções de Conselho de Ministros, a última de 15 de Dezembro do ano passado, desvendam já um pouco do véu sobre os sumptuosos gastos para uma operação vacinal sem precedentes, mas que foi perdendo gás nos últimos meses.

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    Na última semana com dados disponibilizados pela Direcção-Geral da Saúde, entre 15 e 21 de Abril, foram apenas vacinadas 187 pessoas por dia. Na época de Inverno de 2022-2023 apenas se vacinaram cerca de 30% da população total, mas apenas 1% dos menores de 50 anos decidiu tomar a dose de reforço.  

    Com o final do período de emergência da pandemia, recentemente decretado pela Organização Mundial de Saúde (OMS), será previsível que a administração das vacinas se circunscreva à população mais vulnerável – os maiores de 65 anos e/ ou pessoas com comorbilidades, tal como sucede com a vacina da gripe –, mas as compras terão de se manter por força dos acordos entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas.

    Ainda antes da aprovação de qualquer vacina, a Comissão Europeia, através de acordos específicos – os denominados Advance Purchase Agreements (APAs) – negociou contratos com cláusulas confidenciais, embora se saiba que foram assumidas compras de até 4,6 mil milhões de doses de vacinas a um custo total estimado próximo de 71 mil milhões de euros, de acordo com o Relatório Especial do Tribunal de Contas Europeu. Ou seja, um custo médio de 15,4 euros.

    Ursula von der Leyen estabeleceu acordos secretos e principescos para as farmacêuticas.

    Mesmo estando os compromissos assumidos pelo Governo português através da Comissão von der Leyen ainda no segredo dos deuses, como a população do nosso país representa 2,3% da população da União Europeia, a Direcção-Geral da Saúde deverá ter de adquirir um total de cerca de 106 milhões de doses.

    Ora, de acordo com informações transmitidas pelo Ministério da Saúde ao jornal Público, entre 2020 e este ano, as farmacêuticas – sobretudo a Pfizer e a Moderna – entregaram apenas cerca de 40 milhões de um total de 61,7 milhões de doses encomendadas e adquiridas para o período até 2023.

    Deste modo, Portugal terá ainda de encomendar um pouco mais de 44 milhões de doses, mesmo se não tiver população suficiente a querer vacinas antes daquelas perderem a validade.

    Seja como for, e apesar do Governo, ao arrepio de um Estado democrático, esconder intencionalmente os contratos e os compromissos financeiros com as farmacêuticas, sabe-se que, até agora, e pela consulta das diversas Resoluções de Conselho de Ministros, o Governo consignou para a compra de vacinas e aquisição de consumíveis (agulhas, seringas e solventes) um total de 876.892.973 euros.

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    Ainda durante o ano de 2020, o Governo de António Costa disponibilizou uma verba de 215,5 milhões de euros, através de três diplomas. Ao longo de 2021 foram aprovados pelo Governo mais dois reforços muito substanciais – o primeiro de cerca de 241,5 milhões de euros e o segundo de um pouco mais de 291 milhões de euros.

    Por fim, no ano passado, houve mais dois reforços que totalizaram os 128,4 milhões de euros. Estes montantes não incluem os gastos que muitas autarquias tiveram com arrendamento de espaço e contratação de pessoal de enfermagem para os centros de vacinação.

    Mas há ainda mais incógnitas: não se sabe quantos dos 877 milhões de euros consignados para o programa vacinal se destinaram especificamente para a compra das vacinas, e se somente estarão pagas as 40 milhões de doses entregues ou também as 21,7 milhões de doses já encomendadas mas não entregues.

    Governo já consignou 877 milhões de euros para o programa vacinal contra a covid-19. Ainda vai ter de gastar muito mais mesmo que não haja procura dos portugueses por mais vacinas.

    Contudo, certo é que, confirmando-se que Portugal terá de adquirir o equivalente a 2,3% das doses assumidas pela Comissão von der Leyen, proporcional à população comunitária, o custo apenas das vacinas contra a covid-19 deverá ascender aos 1,6 mil milhões de euros. Ou seja, tanto quanto o Governo já autorizou gastar, até agora, na execução do programa vacinal.

    Porém, com uma diferença: enquanto até finais de 2022 apenas se deitou ao lixo, uma percentagem pequena de vacinas – o Ministério da Saúde fala numa taxa de inutilização de 8,5% –, a partir de agora, a menos que haja uma renegociação – que nunca poderá a prazer ser desfavorável aos vendedores –, as doses inutilizadas podem superar largamente aquelas que forem administradas. E começa a renascer o espectro do que sucedeu há uma década, com o Tamiflu.

  • Enquanto o Expresso noticia que não há dados… há uma base de dados cujo acesso está nas mãos do Supremo Tribunal Administrativo

    Enquanto o Expresso noticia que não há dados… há uma base de dados cujo acesso está nas mãos do Supremo Tribunal Administrativo

    É falso que não haja dados sobre enfartes ou sobre outras quaisquer doenças que afectam os portugueses, e que se mostra impossível saber a evolução. Mesmo se essa “informação” é garantida pelo Expresso, pois trata-se de misinformation. Na verdade, não só há informação detalhada sobre enfartes como de todas as outras doenças na Base de Dados dos Grupos Homogéneos de Diagnóstico, que o Ministério da Saúde está a lutar até ao Supremo Tribunal Administrativo para não permitir o acesso ao PÁGINA UM. Após duas decisões desfavoráveis, no Tribunal Administrativo de Lisboa, em Janeiro passado, e no Tribunal Central Administrativo Sul, o Ministério de Manuel Pizarro luta agora convencer os desembargadores do Supremo Tribunal Administrativo, a derradeira instância, de que o pedido do PÁGINA UM é “manifestamente abusivo”. Repete 11 vezes este argumento para contestar o direito constitucional à informação de um jornal independente.

    Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO.


    Uma notícia da última edição de Abril deste ano do semanário Expresso era taxativa: “Portugal sem registo do número de enfartes”. No corpo da notícia, Hélder Pereira, presidente da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, explicava que “em Portugal, o registo de casos de enfarte no Registo Nacional de Síndromes Coronários Agudos feito pelos hospitais é voluntário. “Nem metade dos enfartes que acontecem estão registados”, sublinhava.

    É assim?

    Não, não é verdade. Sendo certo que este registo, gerido pela SPC, peca por defeito, por não ser obrigatório, existe um registo oficial, este sim obrigatório, onde constam todos os doentes admitidos nos hospitais públicos quer sejam por enfartes quer por outros problemas de doenças coronárias. E, enfim, de todas as doenças, acrescido da evolução ao longo do internamento.

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    Chama-se Base de Dados dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos, servindo também como forma de cálculo para financiamento dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde. Os dados, que são anonimizados, permitiriam facilmente – cruzando ainda com as causas da morte do Sistema de Informação dos Certificados de Óbito (SICO) – contabilizar ao dia, à semana, ao mês e ao ano a totalidade dos enfartes, e aliás de toda e qualquer doença e afecção.

    A quantidade e qualidade da informação presente na Base de Dados dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos é, porém, simultaneamente de enorme utilidade para uma adequada política de saúde pública mas sensíveis, se tornados públicos, para um Governo, porque se consegue detalhar, ao pormenor, o desempenho de cada hospital do Serviço Nacional de Saúde. Permite, ao pormenor, detectar evoluções anómalas de determinadas doenças. Permite, ao pormenor, encontrar indicadores de eventuais negligências médicas ou deficientes desempenhos. Permite saber muito.

    E é esse “permite saber muito” que faz com que esteja na “mira” do PÁGINA UM há quase um ano, e faz com que a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), a entidade responsável pela gestão da Base de Dados dos Grupos de Diagnósticos Homogéneos, lute encarniçadamente para evitar o seu acesso integral e livre.

    Expresso noticiou que não há registos do número de enfartes. Não só dos enfartes como de todas as outras doenças na Base de Dados dos Grupos Homogéneos de Diagnóstico, que o Ministério da Saúde está a lutar até ao Supremo Tribunal Administrativo para não permitir o acesso ao PÁGINA UM.

    Mas uma coisa é a vontade política, e a cultura de obscurantismo, e outra a Lei.

    A “luta” vai, neste momento, já no Supremo Tribunal Administrativo. Esta semana, o PÁGINA UM teve de contra-alegar no recurso apresentado pela Administração Central do Sistema de Saúde, depois desta entidade tutelada pelo ministro Manuel Pizarro ter tido já duas decisões desfavoráveis. A primeira, em 24 de Novembro do ano passado, através da sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa. A segunda, mais recente, em 23 de Março deste ano, através do acórdão de três desembargadores do Tribunal Central Administrativo Sul.

    Mas o Ministério da Saúde não desiste. Nunca desiste nem desistirá da sua cultura de obscurantismo. O chamado “recurso de revisão”, que apresentou através da sociedade de advogados BAS – a mesma que defende o Infarmed a não conceder outra base de dados anonimizada, o Portal RAM (reacções adversas de medicamentos) – é uma peça de antologia, onde se explana a última cartada para convencer a Justiça da bondade de uma entidade que somente quer afastar dos olhos dos cidadãos sobre aquilo que sucede dentro dos hospitais e no interior dos gabinetes das autoridades de saúde.

    Neste recurso, entenda-se, está muito em jogo – e a própria Administração Central do Sistema de Saúde não tem papas na língua em assumir: fala até da relevância de uma decisão numa “dimensão social” – uma forma de dizer “dimensão política”, se o Supremo Tribunal Administrativo confirmar a legitimidade do acesso à base de dados.

    Victor Herdeiro, presidente da ACSS, quarto a contar da esquerda, durante a sessão de apresentação dos novos Estatutos do SNS em 7 de Julho do ano passado.

    Atente-se, por exemplo, a esta passagem crucial no argumentário usado pela sociedade de advogados que defende esta entidade tutelada pelo Ministério da Saúde:

    A capacidade de repercussão social da questão que subjaz aos presentes autos é evidente, designadamente pelo facto de, atualmente, ser possível identificar um vasto número de pedidos de acesso a documentação administrativa que contêm, em regra, dados pessoais, especificamente dados pessoais de natureza clínica, não sendo a ACSS a única entidade objeto de pedidos desta natureza, conforme tem vindo a ser objeto do conhecimento público. Ou seja, os contornos da questão a apreciar nos presentes autos indiciam que a solução a adotar poderá servir de bússola para a apreciação de casos análogos, extravasando, por isso, a esfera das partes aqui envolvidas. Deste modo, a questão a apreciar no presente recurso revela uma especial capacidade de repercussão social, termos em que a utilidade da decisão a proferir por este Supremo Tribunal extravasa tanto os limites do caso concreto como as partes envolvidas no litígio, impondo-se, por isso, um crivo mais exigente na solução a alcançar, justificando-se, nesses termos, e também por tais razões, a admissibilidade do presente recurso de revista.”

    Por outras palavras: o Ministério da Saúde está preocupado com os outros processos de intimação em curso intentados pelo PÁGINA UM, sobretudo relacionados com bases de dados de saúde, mesmo se estes são anonimizados ou anonimizáveis – ou seja, impossibilitam a identificação de qualquer pessoa.

    Brande um argumento político associado ao argumento da protecção da intimidade das pessoas – que está já protegida pela anonimização – para que, com isso, fiquem protegidos pela sindicância do desempenho do Serviço Nacional de Saúde e das políticas de saúde por parte de uma imprensa independente.

    Sentença de Novembro de 2022 e Acórdão de Março deste ano concedem legitimidade ao PÁGINA UM a aceder a uma base de dados anonimizada. ACSS argumenta agora basicamente que o pedido é “manifestamente abusivo”.

    No argumentário para “sensibilizar” os conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo, a Administração Central do Sistema de Saúde não se cansa de reputar e repetir, por 11 vezes, que o pedido de acesso à base de dados – que é susceptível de anonimação, conforme um despacho assim o admite – é “manifestamente abusivo”.

    Por 11 vezes, não vá, pensará o Ministério da Saúde, os conselheiros do Supremo Tribunal Administrativo estarem desatentos na leitura de algumas das 26 páginas.

    Sim, são 11 vezes, a saber:

    1 – “Ora, a realização do interesse público que incumbe à Administração Pública e, neste caso, à ACSS nos termos que vêm previstos na sua Lei Orgânica, determina que não deve a Administração executar tarefas que visem satisfazer pedidos manifestamente abusivos e que, em rigor, contendem diretamente com a prossecução das suas efetivas missões e atribuições, conforme sucede in casu.” (pg. 11)

    2 – “A questão basilar, neste caso, é, portanto, a seguinte: será razoável e conforme aos princípios gerais da atividade administrativa, concluir que a Administração Pública e, neste caso, a ACSS, deve ser condenada a satisfazer pedidos manifestamente abusivos que, para além de o serem, se afiguram prescindíveis por já terem sido previamente, in totum, satisfeitos? A resposta parece ser, necessária e indubitavelmente, negativa, à luz, uma vez mais, do princípio da proporcionalidade.” (pg. 11)

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    3 – “Neste sentido, assume uma inegável relevância social fundamental a delimitação das verdadeiras funções da Administração Pública, sob pena de se admitir, levianamente, que a Administração deve satisfazer todo e qualquer pedido, ainda que manifestamente abusivo e desrazoável, o que não se pode admitir.” (pg. 12)

    4 – “A desrazoabilidade da decisão do TCA Sul, inclusive, motivo de espanto da Recorrente, uma vez que, sendo os órgãos jurisdicionais conhecedores diretos do número limitado de meios e da dificuldade inerente à prossecução e concretização das missões e atribuições dos órgãos e entidades que integram a Administração Pública, deles se esperaria um mais adequado juízo acerca da (des)proporcionalidade e (des)razoabilidade de pedidos de acesso a informação que, por se revelarem abusivos e, e[m] rigor, desnecessários, impedem uma eficaz prossecução das aludidas missões e atribuições.” (pg. 13)

    5 – “Em suma, tais questões, incidem, fundamentalmente, sobre os seguintes aspetos, manifestamente contrários ao princípio da proporcionalidade: i) o pedido de informação subscrito é manifestamente abusivo, atenta a sua dimensão, bem como a dimensão da anonimização dos dados pessoais que dela constem; ii) o prazo de dez dias concedido à Recorrente para o fornecimento daquela informação com o consequente expurgo dos dados pessoais é manifestamente incompatível com o esforço, os meios e os recursos que aquela tarefa implica; e iii) a informação constante do Portal da Transparência já satisfaz, in totum, a pretensão do aqui Recorrido. Em face do exposto, é cristalina a relevância jurídica e social fundamentais da apreciação do caso dos presentes autos, sendo ainda tal apreciação necessária para uma melhor aplicação do direito, estando, assim, preenchidos todos os pressupostos de admissibilidade consagrados no n.º 1 do artigo 150.º do CPTA.” (pg. 15)

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    6 – “Mais acrescenta o n.º 3 do artigo 15.º do mesmo diploma que «[a]s entidades não estão obrigadas a satisfazer pedidos que, face ao seu carácter repetitivo e sistemático ou ao número de documentos requeridos, sejam manifestamente abusivos, sem prejuízo do direito de queixa do requerente». Em face do que antecede e da circunstância de consubstanciar um facto notório que a base de dados GDH contém uma vastidão de informação, designadamente atenta a janela temporal desenhada pelo Recorrido, a conclusão de que tal pedido é desproporcional, desrazoável e excessivamente oneroso para a ACSS decorre, em todo o caso, das regras da experiência comum, conforme já referido em sede de análise da admissibilidade do presente recurso.” (pg. 18)

    7 – “Em síntese, a violação do princípio da proporcionalidade manifesta-se na circunstância de não ser razoável condenar a Recorrente na satisfação de um pedido que é, por natureza, manifestamente abusivo, bem como pela circunstância de, mesmo que assim não se entenda, se ter condenado a ACSS a satisfazer tal pedido no prazo reduzido de dez dias e, ainda, na circunstância de tal pedido ter sido já cabalmente satisfeito por via da publicação dos dados no supramencionado Portal.” (pg. 20)

    8 – “Determina o princípio da proporcionalidade que não deve, sem mais, ser admitido o sacrifício desproporcionado de interesses próprios da Administração. É, no entanto, precisamente isso que se verifica in casu, uma vez que a decisão do douto Tribunal a quo se revela manifestamente desproporcional ao considerar procedente um pedido de informação manifestamente abusivo, concedendo, nesse quadro, um reduzido prazo de dez dias para a sua satisfação, não atendendo, contudo, ao facto de tal pedido já estar integralmente satisfeito atenta a informação publicamente disponível no Portal da Transparência do SNS.” (pg. 22)

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    9 – “Nesta ótica, o presente recurso assume um papel fundamental na resposta à questão de saber qual é, afinal, o papel da Administração Pública (em concreto, da ACSS) e, nesse caso, se lhe deve ser exigida a satisfação de pedidos manifestamente abusivos, desproporcionais e desrazoáveis, em detrimento do desempenho de todas as funções que efetivamente lhe incumbem nos termos da lei.” (pg. 23)

    10 – “Dito isto, refira-se que a violação do princípio da proporcionalidade pelo TCA Sul consubstancia-se, em síntese, no facto de o pedido formulado pelo Recorrido ser manifestamente abusivo atenta a dimensão da informação requerida, bem como pela circunstância de o prazo fixado pelo tribunal para a satisfação de tal pedido ser absolutamente insuficiente e incompatível com as circunstâncias do caso concreto, e, ainda, pelo facto de não se compreender em que medida pode a Recorrente ser condenada a satisfazer um pedido já satisfeito, conforme fica demonstrado por via da consulta e análise dos dados publicados no Portal da Transparência do SNS.” (pg. 24)

    11 – “Atentas as regras da experiência comum e o facto de a excessiva onerosidade inerente ao pedido do Recorrido consubstanciar um facto notório, mesmo que tal não tivesse sido alegado ou o tivesse sido imperfeitamente, sempre se alcançaria a conclusão de que a anonimização do vasto número de dados aqui em causa representa uma violação do princípio da proporcionalidade, consubstanciando um pedido manifestamente abusivo e, por isso, inaceitável.” (pg. 25)

    E, no entanto, o PÁGINA UM somente está a fazer jornalismo num país que, dentro de meses, comemora os 50 anos de Democracia. Tem agora a palavra o Supremo Tribunal Administrativo.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Partido Socialista pagou ao Diário de Notícias da Madeira para promover actual governante

    Partido Socialista pagou ao Diário de Notícias da Madeira para promover actual governante

    Em Julho de 2019, pouco depois de abandonar as funções de liderança na autarquia do Funchal para se candidatar ao cargo de presidente do Governo Regional da Madeira, Paulo Cafôfo fez propaganda política usando a página oficial no Facebook do Diário de Notícias daquele arquipélago. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social concluiu, quase quatro anos após uma queixa, que a propaganda feita pelo actual secretário de Estado das Comunidades Portuguesas foi mesmo uma “parceria remunerada”, o que coloca em causa a independência do jornal. Ironicamente, dois dos proprietários do periódico madeirense estão agora envolvidos em suspeitas de benefícios ilegítimos pelo Governo Regional da Madeira, presidido pelo social-democrata Miguel Albuquerque. Neste caso, a queixa veio do Partido Socialista.


    O Diário de Notícias da Madeira recebeu contrapartidas financeiras do Partido Socialista para promover o seu candidato às eleições regionais de 2019, Paulo Cafôfo, actual secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

    Esta é a conclusão de uma investigação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), iniciada em Julho daquele ano, que acabou por confirmar que as publicações de propaganda política ao candidato socialista no Facebook constituíam uma “parceria remunerada” entre o Diário de Notícias da Madeira e o PS Madeira.

    Paulo Cafôfo, ontem, em visita ao Canadá como secretário de Estado das Comunidades Portuguesas.

    A ERC, em deliberação de Abril passado mas apenas esta semana divulgada, acrescenta que, apesar de não se ter verificado uma violação da Lei Eleitoral – por as acções terem ocorrido antes da marcação oficial do sufrágio –, este acto “configura, no mínimo, uma falta de isenção e independência por parte do Diário de Notícias Madeira, na medida em que os vídeos do PS Madeira publicados como ‘parceria remunerada’ surgem, aos olhos dos leitores, como uma ‘adesão’ do jornal àqueles conteúdos de propaganda política”, conflituando assim com os princípios da Lei da Imprensa.

    O regulador relembra também que “a credibilidade dos órgãos de comunicação social de cariz informativo depende, em grande medida, da sua independência” e que face ao estatuto editorial daquele periódico madeirense, “é expectativa dos seus leitores o distanciamento do jornal face aos partidos políticos”.

    Apesar de o regulador não justificar as razões para uma decisão tão demorada – quase quatro anos, pois o processo iniciou-se por queixa entrada em 8 de Julho de 2019 –, a deliberação refere dúvidas sobre o enquadramento jurídico, a natureza dos conteúdos, a entidade competente e as respectivas competências. Contudo, também destaca que essas dúvidas foram sanadas em 2020.

    Paulo Cafôfo em carpool na campanha para as eleições do Governo Regional da Madeira divulgada como parceria remunerada na página do Facebook do Diário de Notícias da Madeira.

    Certo é que, na sua investigação, a ERC confirmou que “a página de Facebook do Diário de Notícias Madeira possuía em Julho de 2019, “quatro anúncios ativos, três deles lançados a 11 de Julho e um a 12 de Julho”, e que “todos eles se relaciona[va]m com o candidato de Paulo Cafôfo”. E concluiu que “em termos de anúncios ou parcerias remuneradas, o jornal, na sua página de Facebook, promovia apenas publicações de uma única entidade, sendo ela Paulo Cafôfo, o candidato do PS Madeira a presidente do Governo Regional.”

    A deliberação da ERC remete mesmo para uma ligação ao Facebook, com anúncios do Diário de Notícias da Madeira, mas que já não se encontra activa.

    Em todo o caso, o PÁGINA UM conseguiu confirmar que, pelo menos uma desta acções de propaganda política paga pelo Partido Socialista ao jornal madeirense está activa, vendo-se Paulo Câfofo ao estilo de carpooling a conduzir a “Senhora Celina”, de 78 anos, entabulando conversa sobre maleitas e o estado da saúde, com o candidato a prometer que “vão meter mais médicos quando nós formos Governo”.

    A acompanhar o curto vídeo, de 1 minuto e 24 segundos, surgem diversas mensagens políticas. O vídeo conta com 63 mil visualizações e 587 reacções – um número extremamente elevado para os padrões daquele periódico. Cerca de uma semana após a emissão deste vídeo, o jornal publicou um longo e favorável perfil de vida de Paulo Cafôfo, no decurso de uma conversa com o próprio director do periódico.

    Porém, a ERC não analisou os contornos globais desta “parceria remunerada”, não fazendo referências ao perfil publicado nem à abordagem noticiosa em redor da campanha a Cafôfo nem conseguiu apurar os montantes envolvidos. Na verdade, o Diário de Notícias da Madeira não respondeu ao regulador quando questionado sobre esta parceria com o Partido Socialista.

    Saliente-se, aliás, como também refere a ERC, que este modelo de parceria para propaganda política já não se enquadra nas “políticas de conteúdos de marca” do Facebook, que se destinam agora sobretudo aos chamados influencers digitais para promover produtos. Em termos de analogia, o regulador diz mesmo que, “aplicando esta lógica ao caso em apreço, resulta que o Diário de Notícias Madeira apresentou-se como ‘criador’ de conteúdo que promovia uma ‘marca’ – o PS Madeira – junto dos seus seguidores a troco de algum tipo de compensação por parte da marca promovida”.

    No período em que houve “parceria remunerada”, o Diário de Notícias da Madeira entrevistou o candidato socialista Paulo Cafôfo, publicando um perfil de vida, onde o político se assumia como “reikiano”.

    Se no caso dos influencers digitais, “esta compensação pode assumir as mais variadas formas – produtos, serviços, e em casos de maior sofisticação, contratos entre influencers e marcas)”, a ERC diz que teria sido útil o jornal ter esclarecido qual o tipo de compensação obtida.

    O PÁGINA UM contactou o director do Diário de Notícias da Madeira, Ricardo Miguel Oliveira (CP 1792), mas não obteve resposta. Também se enviou um pedido de comentário ao secretário de Estado das Comunidades Portuguesa, Paulo Cafôfo, solicitando que fosse também transmitido qual o valor da compensação concedida pelo Partido Socialista ao periódico madeirense. Até agora, também não houve resposta.

    O Diário de Notícias da Madeira é um dos mais antigos periódicos portugueses, fundado em 1876, com uma tiragem média de cerca de 5.500 exemplares, quase quatro vezes mais do que o homólogo Diário de Notícias (de Lisboa). Aliás, actualmente, o periódico madeirense – que registou um lucro de quase 250 mil euros no ano passado – tem uma participação da Global Media de 11%, sendo Marco Galinha um dos seus gerentes.

    Paulo Cafôfo e António Costa em Setembro de 2021, na Madeira, durante a campanha para as eleições autárquicas.

    Curiosa e ironicamente, os dois “homens fortes” do Diário de Notícias da Madeira são os empresários Luís Miguel Sousa (que detém 40% do capital do jornal, através da Newspar) e Avelino Aguiar Farinha (com 37%, através da Verbum Media).

    Ambos os empresários foram ouvidos recentemente na Comissão Parlamentar de Inquérito sobre “o favorecimento dos grupos económicos pelo Governo Regional, pelo Presidente do Governo Regional e Secretários Regionais e ‘obras inventadas’, em face da confissão do ex-secretário regional Sérgio Marques, em declarações ao Diário de Notícias (de Lisboa), suscetível de configurar a prática de diversos crimes”, conforme pedido feito pelo grupo parlamentar do Partido Socialista.

  • Parque Escolar (sem contas há quatro anos) intimada em Tribunal para entregar relatórios financeiros ao PÁGINA UM

    Parque Escolar (sem contas há quatro anos) intimada em Tribunal para entregar relatórios financeiros ao PÁGINA UM

    É mais um exemplo paradigmático de um país sem rigor e sem transparência. Candidamente, a Parque Escolar, a empresa pública que gere os edifícios do ensino secundário, não mostra contas desde 2019, não tem presidentes do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal, mas recebeu mais 92,7 milhões de euros no final do ano passado por decisão governamental. E pode vir ainda a ter um papel de promoção da habitação pública. Como corolário, recusa disponibilizar os relatórios financeiros ao PÁGINA UM. Ontem, seguiu uma intimação para o Tribunal Administrativo de Lisboa para que a empresa pública entregue, pelo menos, as demonstrações financeiras que terão sido já enviadas aos Ministérios das Finanças e da Educação. A via judicial é já a derradeira opção para fazer germinar a transparência que cubra um Estado cada vez mais opaco.

    Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Apoie esta luta pela transparência da Administração Pública feita por um jornal independente e corajoso.


    A lei obriga, sem excepção, que todas as empresas, quer privadas quer públicas, apresentem e aprovem as suas contas anuais até ao final de primeiro semestre, com as demonstrações financeiras. Mas há pelo menos uma empresa pública que se “esqueceu” em 2019. E voltou a “esquecer-se” do prazo em 2020. E em 2021. E também em 2022. Em 2023, Junho ainda não chegou, mas poderá seguir o mesmo caminho.

    Essa empresa pública chama-se Parque Escolar e foi criada em 2007, durante o Governo Sócrates, com a missão de requalificar e modernizar os edifícios das escolas do ensino secundário, através de um contrato-programa que vigorará até 2037.

    No site desta empresa pública – que, depois de polémicas sem fim durante o Governo Sócrates, surgiu recentemente na imprensa como a entidade que poderá vir a assumir funções de promoção de habitação pública –, o último relatório e contas refere-se ao ano de 2018. Mesmo assim, este relatório, bem como os dos anos de 2016 e 2017, apenas foram publicados em Março do ano passado, o que suscitou então questões da Iniciativa Liberal junto do Ministério das Finanças, que tutela a empresa pública. Segundo informações avançadas então pelo Jornal de Negócios, a dívida da empresa em 2021 seria de 981,7 milhões de euros.

    Em Maio do ano passado, o ministro da Educação, João Costa, garantia ao Jornal de Negócios que os relatórios e contas em falta estariam disponíveis “brevemente”. O conceito de “brevemente” no dicionário do Ministério responsável pelo sistema de ensino português tem bastante flexibilidade temporal.

    A gestão da Parque Escolar é, com efeito, bastante sui generis, até porque tem funcionado há mais de um ano apenas com dois vogais, e sem presidente do conselho fiscal. Após a saída do anterior presidente do Conselho de Administração, Filipe Alves da Silva, em 28 de Fevereiro do ano passado, o  Ministério da Educação não parece estar com muita pressa para indicar um nome à Comissão de Recrutamento e Seleção para a Administração Pública (CReSAP).

    Certo é que, mesmo sem contas aprovadas, ou divulgadas publicamente, a Parque Escolar tem tido injecções de capital por parte do Governo.

    Em Dezembro passado, através de uma Resolução de Conselho de Ministros, o Governo atribuiu a esta empresa pública quase 92,7 milhões de euros “como contrapartida pela prestação dos serviços de interesse público (…) no âmbito do Programa de Modernização do Parque Escolar destinado ao Ensino Secundário relativo ao ano de 2022 e autorizar a realização da respetiva despesa.”

    Perante esta situação, o PÁGINA UM pediu em 4 de Abril passado aos dois vogais da Parque Escolar que disponibilizassem “relatórios e contas integrais referentes a 2019, 2020, 2021 e 2022, tais como entregues aos Ministérios da Educação e das Finanças”, ou em alternativa, caso não existissem os documentos “com essa denominação específica”, as diversas demonstrações financeiras, os balanços, as demonstrações dos resultados por natureza, as demonstrações das alterações no capital próprio e as demonstrações de fluxos de caixa.

    João Costa, ministro da Educação, prometeu em Maio do ano passado que as contas de 2019, 2020 e 2021 seriam mostradas “brevemente”. Um ano depois, e se assim continuar, para breve juntar-se-á o atraso das contas de 2022.

    Além disso, também se solicitou, para cada ano, “cópia dos ofícios que acompanharam os ditos relatórios e contas (dos anos 2019 a 2022) ou as demonstrações financeiras (dos anos 2019 a 2022) aquando do seu envio, para aprovação, ao Ministério da Educação e ao Ministério das Finanças.”

    Como a Parque Escolar nem sequer respondeu, ontem o PÁGINA UM apresentou uma intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. O processo já foi distribuído, tendo recebido o número 1480/23.1BESLSB. Nesta fase, a Parque Escolar será notificada e obrigada a justificar-se perante o juiz dos motivos da recusa destes documentos administrativos, podendo, se não os entregar voluntariamente, vir a ser obrigada por sentença, sob pena de os seus administradores serem multados.

    Estes processos são considerados urgentes, embora em desfechos que lhes são desfavoráveis, a Administração Pública e os Ministérios estejam sempre a optar por recorrer das sentenças.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.

  • Ministério da Saúde mentiu ao tribunal: disse que não tinha contratos; afinal há 14

    Ministério da Saúde mentiu ao tribunal: disse que não tinha contratos; afinal há 14

    Ao Tribunal Administrativo de Lisboa, em Janeiro passado, o Ministério de Manuel Pizarro jurou que não havia contratos de compra das vacinas contra a covid-19, que tudo fora negociado pela Comissão von der Leyen. Hoje, cerca de quatro meses depois, ao jornal Público, o Ministério da Saúde informa que afinal celebrou 14 contratos com seis farmacêuticas. O processo de intimação, ainda em análise, envolve também manipulação do Portal Base, onde quatro contratos estiveram durante dois anos online, mas foram suprimidos. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO.


    O Ministério da Saúde garantiu ao jornal Público que “entre 2020 e este ano Portugal celebrou 14 contratos com seis fornecedores de vacinas e que foram entregues cerca de 40 milhões de um total de 61,7 milhões de doses [de vacinas contra a covid-19] encomendadas e adquiridas para o período até 2023”, de acordo com a notícia de manchete da edição de hoje.

    A assumpção da existência de 14 contratos, assinados pela Administração Pública, constitui assim uma confissão de ter o Ministério da Saúde mentido ao Tribunal Administrativo de Lisboa no âmbito da intimação do PÁGINA UM apresentada no último dia do ano passado.  

    Manuel Pizarro, ministro da Saúde.

    No decurso dessa intimação, ainda em análise judicial – em que o PÁGINA UM pretende ter acesso aos contratos assinados por entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde, bem como as guias de transporte e comunicações com as farmacêuticas –, o Ministério de Manuel Pizarro começou por alegar a existência de uma auditoria em curso à gestão das vacinas, algo que nunca comprovou nem justificou, e que nem conflitua com uma consulta. E também tentou convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa de que não existiam sequer contratos entre entidades públicas portuguesas e as farmacêuticas.

    Tanto num ofício da DGS, assinado por Graça Freitas, enviado ao PÁGINA UM em Dezembro, como nas alegações ao processo de intimação, o Ministério da Saúde, argumenta-se que, no âmbito da aquisição de vacinas contra a covid-19 se “estabeleceu um processo de contratação central”, através dos denominados Advance Purchase Agreements (APAs), entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas, acrescentando que isso “dispensa[ria] os Estados-membros de qualquer procedimento adicional de contratação”.

    E no ponto 13 dessa alegações, na página 4, o Ministério da Saúde é taxativo: “Tudo isto para concluir que este Ministério da Saúde não possui os documentos solicitados [negrito no original] sendo certo que cada entidade requerida [de acordo com a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos] só tem de facultar informação ou documentação que detenha ou possua”.

    Com a informação transmitida agora ao jornal Público, cai assim por terra esse argumento, ou seja, o Ministério da Saúde mentiu a uma instância judicial.

    Ao Tribunal Administrativo de Lisboa, o Ministério da Saúde garante que não tem contratos. Cerca de quatro meses depois, ao Público, o Ministério da Saúde diz que celebrou 14 contratos com seis fornecedores de vacinas contra a covid-19.

    Aliás, conforme o PÁGINA UM também já tinha destacado, durante cerca de dois anos, chegaram a constar quatro contratos no Portal Base de compra de vacinas contra a covid-19, todos assinados pela DGS: dois com a Pfizer e outros dois com a Moderna. Os quatro contratos originais encontram-se, contudo, já guardados no servidor do PÁGINA UM.

    Porém, estes quatro contratos – que abrangiam uma percentagem minoritária das cerca de 45 milhões de doses supostamente adquiridas pelo Governo – foram apagados do Portal Base em Janeiro passado, poucos dias após a interposição na intimação pelo PÁGINA UM, sendo substituídos por folhas em branco.

    O Ministério da Saúde pretendeu assim manipular a juíza do processo, fazendo crer que estavam em causa documentos confidenciais, algo que não encontra respaldo na legislação de contratação pública.

    O Ministério da Saúde tem, no âmbito dos contratos das vacinas contra a covid-19, cultivado uma postura de absoluto obscurantismo e manipulação.

    Recorde-se que se ignoram ainda os custos totais dos contratos são ainda desconhecidos, mas as contas ainda não estão fechadas. Ao nível da União Europeia apenas foram administradas cerca de 60% das vacinas contratualizadas pela Comissão von der Leyen no ano de 2020, o que significa que poderão ter de ser pagas muitos milhões de doses que nunca serão utilizadas, numa altura em que a procura pelos cidadãos é extremamente escassa.

    Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, negociou contratos com cláusulas de confidencialidade que podem ser ilegais e redundar em compras supérfluas. O obscurantismo da Comissão Europeia alastra até Portugal.

    A postura do Ministério da Saúde perante o Tribunal, não respondendo sequer às solicitações da juíza do processo, Telma Nogueira, a par da manipulação do Portal Base, levou mesmo o PÁGINA UM a apresentar uma queixa por litigância de má-fé.

    De acordo com o Código do Processo Civil, um litigante de má-fé é a parte que, “com dolo ou negligência grave”, por exemplo, tenha “alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa” ou “tiver praticado omissão grave do dever de cooperação”.


    N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.