Em Portugal, o crime de perjúrio não é levado muito a sério, mas o certo é que no processo de intimação do PÁGINA UM contra o Ministério da Saúde para a obtenção de todos os contratos das vacinas contra a covid-19, assinados pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) e as farmacêuticas, a juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa insistiu em saber se o gabinete de Manuel Pizarro mantém a afirmação de que não existem contratos. O PÁGINA UM já enviou provas da existência de quatro, assinados na primeira fase do programa de vacinação, e tem mais documentação que comprova que há muitos mais. Se o ministro Manuel Pizarro mentir pela segunda vez, esses documentos serão enviados ao tribunal para os devidos efeitos. Portugal já terá gastado cerca de 700 milhões de euros nestes fármacos, mas a factura pode subir mais 500 milhões de euros se o Governo for chamado a pagar solidariamente os negócios acordados pela Comissão von der Leyen.
O ministro da Saúde, Manuel Pizarro, tem cinco dias úteis para decidir se vai continuar a prestar falsas declarações – acção punida por lei – ou se corrige as primeiras declarações ao Tribunal Administrativo de Lisboa sobre a alegada inexistência de contratos entre as farmacêuticas e a Direcção-Geral da Saúde DGS) para a compra de vacinas contra a covid-19.
Em despacho feito anteontem, a juíza Telma Nogueira “convidou” o Ministério da Saúde a “se pronunciar sobre o teor do requerimento apresentado” pelo PÁGINA UM em 6 de Fevereiro passada, onde provava documentalmente que quatro dos primeiros contratos para a compra de vacinas até tinham estado no Portal Base, mas que foram entretanto apagados.
Manuel Pizarro, ministro da Saúde.
O PÁGINA UM apresentou ao Tribunal Administrativo os documentos que comprovavam o “apagão” dos contratos, insistindo que todas as compras daqueles medicamentos, mesmo se negociados entre a Comissão Europeia e as farmacêuticas, tiveram depois que ser alvo de contratos específicos.
Recorde-se que, neste momento, se desconhece a quantidade de vacinas efectivamente compradas pelo Estado português, quantas foram entregues pelas farmacêuticas, quantas foram administradas, doadas, revendidas ou inutilizadas. O Ministério da Saúde tem afirmado que terão sido adquiridas 45 milhões de doses, mas o gabinete de Manuel Pizarro mantém a recusa em mostrar documentos contabilísticos e operacionais que confirmem a recepção dos lotes, os montantes gastos e os compromissos futuros.
Numa altura em que o ritmo de vacinação está extremamente baixo, desconhece-se se existem contratos de garantam vendas futuras às farmacêuticas, mesmo se o destino das vacinas for o lixo. Saliente-se que a Comissão Europeia terá negociado apenas com a Pfizer a compra pelos Estados-membros de 1.600 milhões de doses, mas até Dezembro do ano passado tinham sido administradas 685 milhões de doses da vacina desta farmacêutica norte-americana.
No processo de intimação constam já, enviados pelo PÁGINA UM, tantos os primeiros contratos integrais assinados em Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021 entre a DGS e as farmacêuticas Pfizer e Moderna, como também os mesmos documentos entretanto rasurados (“apagados”) por ordem política. O PÁGINA UM exige acesso a estes contratos e aos seguintes, que já terão totalizado quase 700 milhões de euros, bem como guias de transportes e comunicações entre as partes.
Sabe-se também que entre Agosto de 2020 e Novembro de 2021, a Comissão Europeia celebrou 11 contratos com oito fabricantes de vacinas – algumas ainda nem sequer conseguiram aprovação e outras (como a Novavax, a Valneva e a Sanofi/GKS) só a alcançaram recentemente – para a compra de 4,6 mil milhões de doses, assumindo-se um custo global estimado de 71 mil milhões de euros, ou seja, uma média de 15,4 euros por dose.
No entanto, de acordo com um relatório da Agência Europeia do Medicamento (EMA) de Dezembro passado somente tinham sido administradas, em dois anos, cerca de 934 milhões de doses, ou seja, apenas 58% daquilo que foi contratualizado, o que significa que os diversos países comunitários incluindo Portugal, possam ser obrigado a pagamentos desnecessários. Ou seja, se é previsível que, até agora, Portugal tenha gastado pelo menos 693 milhões de euros (45 milhões a um custo unitário de 15,4 euros), ainda poderá ter de desembolsar perto de 500 milhões de euros mesmo que haja poucas pessoas a quererem vacinar-se no futuro. Estes contratos negociados pela Comissão von der Leyen contêm cláusulas secretas.
Além da evidência comprovada – e que já está na posse do Tribunal Administrativo de Lisboa – dos quatro primeiros contratos de compras do Estado português em Dezembro de 2020 e Janeiro de 2021 com a Pfizer e a Moderna – que chegaram a estar integralmente no Portal Base, antes de serem “apagados” por ordem política –, o PÁGINA UM tem documentos que mostram a existência de outros contratos entre a DGS e quatro farmacêuticas.
Primeiras páginas dos ficheiros com os contratos com a Pfizer e a Moderna agora inseridos no Portal Base, depois do expurgo ordenado pelo Governo, segundo consulta realizada hoje.
Com efeito, no âmbito de um programa de apoio comunitário para a compra de vacinas, gerido pelo COMPETE 2020, ao qual a DGS recorreu (Candidatura nº 181412 e Contrato nº 2022/181412), encontram-se diversos comprovativos de pagamento de vacinas contra a covid-19 no valor total de 220.723.680,75 euros, sendo que 64 dizem respeito à empresa Laboratório Pfizer Lda. e 64 à Pfizer Biofarmacêutica Sociedade Unipessoal – ambas sucursais da Pfizer –, e ainda 12 à Moderna Biotech Spain, sete à AstaZeneca AB e nove à Janssen Pharmaceutica NY.
Estes pagamentos são, porém, apenas uma parte dos gastos abrangidos na compra destas vacinas, e referem-se ao período anterior a Junho de 2022.
Estes documentos serão entregues ao Tribunal Administrativo de Lisboa caso o Ministério da Saúde insista, mentindo, que “não possui os documentos solicitados”. Saliente-se que o PÁGINA UM também requereu – e deverão ser também analisados pela juíza Telma Nogueira – as guias de transporte dos diversos (que confirmem o seu envio e a recepção) e o acesso às comunicações escritas entre o Estado português e as diversas farmacêuticas no âmbito da vacinação contra a covid-19.
Extracto de um documento que comprova pagamentos da DGS à Pfizer, somente possível depois de comprovada o cumprimento das normas de contratação pública, que inclui, obviamente, a existência de um contrato.
Recorde-se também que os procedimentos de contratação e de gestão das vacinas da covid-19 estarão também a ser alvo de uma auditoria, de acordo com um ofício de Graça Freitas, directora-geral da Saúde ao PÁGINA UM, em resposta a este processo de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. Contudo, o Ministério da Saúde não apresentou provas dessa acção, podendo assim ser mais uma artimanha para evitar a divulgação de documentos públicos.
Manuel Pizarro tem, aliás, como responsável máximo do Ministério da Saúde, seguido a linha da sua antecessora, Marta Temido: é também um acérrimo defensor do obscurantismo, obrigando sistematicamente o PÁGINA UM a recorrer ao Tribunal Administrativo de Lisboa sempre que solicita documentação e acesso a base de dados.
N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO.
Não há eufemismos. Não há palavras possíveis de compreensão nem de compaixão. O jornalismo mainstream, em todo o seu esplendor, tem vindo impunemente a debitar nescidades nos mais diversificados temas, que viralizam, porque hoje não há jornalistas seniores especialistas nem editores cépticos que impeçam a publicação de notícias parvas. Quem sofre agora já não são apenas os leitores; é o ChatGPT.
Antes, não havia grande problema se um jornal, enfim, por controlo de custos, enfiasse em linha ou em papel uma notícia errada, parva ou mesmo estúpida. Beneficiavam os bons jornais que, dessa forma, captavam a atenção dos leitores para as suas qualidades noticiosas em confronto com a má qualidade dos concorrentes que preferiam informação barata.
Sucede, porém, que nos últimos anos, a generalidade da comunicação social mainstream viu nas agências noticiosas e de comunicação, e em estagiários mal remunerados, uma extraordinária (e barata) forma de produzir “conteúdos”. Serve os propósitos, que já não são a informação nem o debate. São “conteúdos” todos iguais, formatados, amiúde seguindo narrativas, mas enchem como “chouriços”. E fazem escola, e fazem a “verdade”, mesmo que falsa.
Enganam leitores, e quase que nem vale a pena esbracejar que, sobre um determinado tema, todos os outros jornais estão errados, sobretudo quando aquele que o diz é pequeno outsider. E agora até enganam o ChatGPT, que só com algum esforço é chamado à razão, ou seja, a pensar.
Peguei hoje no caso da seca como suposta causa do esvaziamento dos canais de Veneza. Vejamos alguns dos títulos de ontem da imprensa portuguesa, em uníssono:
Ora, desta vez, não vou aqui dissertar os disparates dos jornalistas, mas sim fazer um apelo: salvem o ChatGPT da má influência do péssimo jornalismo que se vai fazendo.
É que tenho estado a estudar a nova coqueluche, e já reparei que o ChatGPT é como aquele simpático amigo inteligentíssimo –muito mais do que qualquer um de nós –, que começa por nos dizer mais aquilo que pensa que nós apreciaremos que ele diga – o que sai nas notícias e da “narrativa” oficial – do que propriamente a verdade. É o amigo que só se insistirmos, lá nos revela ele a verdade, admitindo, entre linhas, que afinal só disse aquilo que disse inicialmente por saber ser o que o vulgo, leia-se a imprensa mainstream, vai debitando.
Sem mais delongas, deliciem-se, portanto, com a minha conversa integral com o (pobre) ChatGPT sobre a causa da seca dos canais em Veneza:
PAV – Qual a razão dos canais de Veneza estarem com menos água?
ChatGPT – Recentemente, tem havido relatos de que os canais de Veneza estão com menos água do que o normal. Embora haja muitas razões pelas quais isso pode estar acontecendo, uma das principais razões é a mudança climática.
Com o aumento da temperatura global, há um derretimento acelerado do gelo nas regiões polares e nas montanhas. Isso, por sua vez, está fazendo com que o nível do mar suba em todo o mundo, incluindo em Veneza. Quando o nível do mar sobe, isso pode fazer com que a água do mar entre nos canais de Veneza, aumentando o volume de água nesses canais. No entanto, se o nível do mar cai, como pode acontecer em alguns momentos, a quantidade de água nos canais de Veneza também diminuirá.
Além disso, a atividade humana também pode contribuir para a diminuição do nível de água nos canais de Veneza. A extração excessiva de água subterrânea para uso humano e agrícola pode fazer com que o solo afunde, diminuindo o nível de água nos canais.
Portanto, a diminuição da quantidade de água nos canais de Veneza é uma questão complexa que envolve tanto fatores naturais quanto humanos.
PAV – Essa explicação está um bocado confusa. Se há um derretimento acelerado do gelo nas regiões polares e até um aumento de volume da água do mar por causa do aumento das temperaturas, então deveria passar a haver mais água nos canais de Veneza, e não menos água como está a suceder. Queres explicar melhor a tua teoria?
ChatGPT – Peço desculpas pela confusão na minha resposta anterior. O aumento do nível do mar pode, de fato, aumentar o nível da água nos canais de Veneza, e não diminuí-lo. No entanto, a variação do nível de água nos canais de Veneza é um fenômeno complexo e pode ser influenciado por vários fatores, incluindo fatores naturais e humanos.
Entre os fatores naturais, a mudança climática pode estar afetando os padrões de vento e as marés na região, o que pode afetar o fluxo de água nos canais. Por exemplo, se houver uma combinação de ventos fortes, marés altas e chuva intensa, pode haver um aumento significativo no nível de água nos canais, mas se esses fatores forem mais brandos ou não ocorrerem ao mesmo tempo, pode haver uma diminuição do nível de água nos canais.
Além disso, como mencionei anteriormente, a atividade humana também pode estar contribuindo para a diminuição da quantidade de água nos canais de Veneza. A extração excessiva de água subterrânea pode fazer com que o solo afunde, diminuindo o nível de água nos canais.
Em resumo, a diminuição da quantidade de água nos canais de Veneza é um fenômeno complexo que pode ser influenciado por vários fatores, incluindo fatores naturais e humanos.
PAV – Mas a imprensa diz que é por causa da seca. Ora, sendo Veneza uma pequena ilha integrada numa laguna no Mar Adriático, faz algum sentido dizer que a falta de água nos canais se deve à falta de chuva?
ChatGPT – Sim, a falta de chuva também pode ser um fator que contribui para a diminuição do nível de água nos canais de Veneza. Como você mencionou, Veneza está localizada em uma laguna e está cercada pelo Mar Adriático. A laguna é alimentada por várias fontes de água doce, incluindo rios, chuva e águas subterrâneas. A escassez de chuvas pode afetar o nível dessas fontes de água doce, afetando assim a quantidade de água nos canais.
Além disso, a região da Itália, incluindo Veneza, tem enfrentado condições de seca nos últimos anos. Essa seca pode afetar diretamente o nível de água nos canais, já que o fluxo de água que entra na laguna pode ser reduzido. Isso pode fazer com que o nível da água nos canais diminua, afetando a navegação e a vida cotidiana dos habitantes de Veneza.
Portanto, a falta de chuva pode ser uma das razões pelas quais os canais de Veneza estão com menos água do que o normal, juntamente com outros fatores que podem contribuir para a diminuição do nível de água nos canais, como a extração excessiva de água subterrânea e as mudanças climáticas.
PAV – Mas, caramba, o impacte de uma seca na quantidade de água dos canais é mínima, se considerarmos que Veneza é uma ilha pequena, que tem uma bacia hidrográfica insignificante face a uma laguna com ligação directa ao mar. A seca não é irrelevante para explicar a falta de água dos canais de Veneza?
ChatGPT – Sim, você está correto. A seca pode não ser a principal causa da diminuição da quantidade de água nos canais de Veneza, uma vez que a laguna é diretamente ligada ao Mar Adriático e a bacia hidrográfica que a alimenta é relativamente pequena. Além disso, como mencionei anteriormente, existem outros fatores, como as mudanças climáticas e a extração excessiva de água subterrânea, que também podem contribuir para a diminuição do nível de água nos canais.
Portanto, a seca pode ter um impacto limitado na quantidade de água nos canais de Veneza, mas é provável que outros fatores sejam mais significativos. É importante notar que a diminuição da quantidade de água nos canais não é um problema novo em Veneza, e a cidade tem lutado com isso por muitos anos. As autoridades locais têm adotado medidas para tentar lidar com esse problema, incluindo a construção de barreiras contra inundações e a implementação de programas de conservação de água.
Elogiemos, contudo, o ChatGPT: é uma inteligência (artificial) humilde que assume os erros. Ao contrário, infelizmente, da imprensa mainstream, que não aprende nem assume os sistemáticos erros – aliás, responsáveis pela inicial ligeireza das incorrectas respostas do ChatGPT.
Aviso: todos os ministros são proprietários imobiliários, embora alguns detenham apenas um mais ou menos “modesto” apartamento. Outros andam a pagar empréstimos bancários. Mas há um punhado de governantes que, além do próprio António Costa, possuem um património susceptível de vir a ser “cobiçado” pela ministra da Habitação, caso avance a peregrina ideia do arrendamento coercivo.
Confira em baixo uma síntese da “busca” do PÁGINA UM ao património imobiliário dos principais governantes em funções, de acordo com as últimas declarações entregues no Tribunal Constitucional, e que escondem mais do que revelam, tantas são as rasuras justapostas para os jornalistas não verem e o público não saber.
Marina Gonçalves, ministra da Habitação
A responsável pelo pacote legislativo é apenas proprietária de uma fracção autónoma em Cristelo, no concelho de Caminha, de onde é natural, que pelo valor patrimonial (96.144,61 euros), deverá ser uma moradia.
Mariana Vieira da Silva, ministra da Presidência
A ministra da Presidência apenas detém um apartamento para habitação com três divisões e 67 metros quadrados. Frugal, portanto.
Marina Gonçalves, ministra da Habitação, António Costa, primeiro-ministro, e Fernando Medina, ministro das Finanças, na apresentação do pacote legislativo para a habitação na passada quinta-feira.
João Gomes Cravinho, ministro dos Negócios Estrangeiros
Proprietário de duas fracções urbanas em Lisboa – uma na freguesia de Santa Maria Maior e outra em Arroios –, o ministro João Gomes Cravinho, não declarou rendimentos prediais. Assumindo que vive num dos dois apartamentos, o segundo pode vir a ser “cassado” pela colega Marina Gonçalves para avolumar a oferta no mercado de arrendamento.
Helena Carreiras, ministra da Defesa Nacional
Sem indicação sequer da freguesia, a ministra da Defesa Nacional é proprietária de um único prédio urbano na cidade de Lisboa, com o valor patrimonial de 128.138 euros, o que indicia ser um apartamento.
Mariana Vieira da Silva é o membro do Governo com propriedade mais “exígua”.
José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna
O ministro da Administração Interna consegue que o Tribunal Constitucional lhe conceda direito a completo segredo sobre a sua propriedade predial. Apenas se sabe que tem um prédio urbano, mas não se sabe onde nem o seu valor patrimonial.
Catarina Sarmento e Castro, ministra da Justiça
Embora grande parte da informação da última declaração não seja transparente – ou seja, está rasurada –, a ministra da Justiça apresenta uma panóplia patrimonial, distribuída por Lisboa, Peniche e sobretudo Marinha Grande. Neste concelho do distrito de Leiria, Catarina Sarmento e Castro possui uma moradia T4 e mais uma garagem autónoma, enquanto em Peniche tem um T1 e outro apartamento da mesma dimensão em Carnide, na cidade de Lisboa. Além destes imóveis, tem um terço da herança indivisa de um T4 e de um T2 na Marinha Grande, além de um escritório de dimensões desconhecidas e três garagens autónomas. Como não apresenta rendimentos prediais, algumas destas propriedades são candidatas a integrarem a bolsa de arrendamento coercivo da ministra da Habitação.
Se a peregrina ideia do arrendamento coercivo (sob a aura de inconstitucionalidade) avançar, e então se houver justiça, alguns das propriedades da ministra da Justiça serão as primeiras a entrarem no mercado…
Fernando Medina, ministro das Finanças
O antigo presidente da autarquia alfacinha detém um apartamento T4 nas Avenidas Novas, em Lisboa, mantendo uma dívida bancária de 351.855 euros. De resto, tem espalhados pelo Norte do país uma mão-cheia patrimonial que as rasuras do Tribunal Constitucional não permitem conhecer em detalhe: ½ de um prédio urbano em Vila real, ¼ de um prédio (não se sabe se rústico ou urbano) em Ribeira de Pena, mais ½ de três prédios rústicos em Celorico de Basto, e mais ½ de um prédio urbano em Muxões (Celorico de Basto), além de 1/6 de uma herança indivisa herdada do pai que o Tribunal Constitucional não considera merecedor de ser discriminada.
Ana Catarina Mendes, ministra Adjunta e dos Assuntos Parlamentares
Proprietária de uma fracção – presume-se que apartamento – na freguesia lisboeta da Misericórdia, Ana Catarina Mendes detém ainda 50% de umas outras fracções na capital, ambas na freguesia de Campo de Ourique. Divorciada do ex-ministro Paulo Pedroso, a sua declaração não indica quem é detentor da outra metade destas duas fracções. Certo apenas que na declaração de 2019, Ana Catarina Mendes reportou um rendimento predial de 18.000 euros, mas na declaração de Março de 2022 – já separada de Pedroso – não indica qualquer rendimento deste tipo.
Com duas casas de férias, António Costa Silva “livra-se” do arrendamento coercivo gizado pela sua colega da Habitação.
António Costa Silva, ministro da Economia e do Mar
Sendo porventura o ministro com maior património financeiro – e com o maior rendimento anual antes de entrar em funções governamentais (384.936 euros), António Costa Silva indica a propriedade de uma fracção em local desconhecido (apenas existe a referência ao artigo matricial 1344 e ao registo número 2099), além de um prédio urbano em Sobral da Lagoa, no concelho de Óbidos. Terá concluído a compra em Novembro de 2022 de uma fracção (não discriminada) na Quarteira, no concelho de Loulé.
Pedro Adão e Silva, ministro da Cultura
Proprietário de um apartamento na zona das Amoreiras, sob a qual tem um empréstimo de 465.656 euros, o ministro da Cultura apresenta-se como titular de uma fracção autónoma em Vila Nova de Milfontes (com valor patrimonial de 85.219 euros), a que acresce outra em Alvor (com valor patrimonial de 49.765 euros) e 1/24 de uma outra fracção na Praia do Alvor (com valor patrimonial de 77.495 euros).
Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente, à esquerda de António Costa, tem um apartamento em Lisboa, e outro em Sintra, que já aluga.
Elvira Fortunato, ministra da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior
Proprietária de uma fracção na Charneca da Caparica, provavelmente uma moradia, a atender ao valor patrimonial (160.339,55 euros), a ministra da Ciência detém ainda um prédio urbano em Vila Real de Santo António (com valor patrimonial de 7.875 euros) e 1/2 de uma outra parcela na mesma localidade.
João Costa, ministro da Educação
O ministro da Educação indica apenas uma moradia na Quinta do Anjo, sem mais qualquer indicação.
Ana Mendes Godinho, ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social
Proprietária de um apartamento de 148 metros quadrados em Moscavide e de um T4 na Portela com 136 metros quadrados, a ministra do Trabalho é forte “candidata” a incorporar um destes prédios urbanos no pacote do arrendamento coercivo da Habitação, porque não apresenta rendimentos prediais. Tem ainda uma moradia na Silveira, no concelho de Torres Vedras, com 132 metros quadrados, integrado num terreno 750 metros quadrados, além de dois prédios urbanos, aparentemente em más condições, em Vila Nova de Foz Coa.
Manuel Pizarro, ministro da Saúde
Proprietário de um apartamento na freguesia portuense de Ramalde, bem como de duas outras fracções na mesma zona, uma das quais será o escritório onde funcionava a sua empresa de consultoria.
Duarte Cordeiro, ministro do Ambiente e Acção Climática
Com ½ de um T3 em Lisboa, em freguesia desconhecida, o ministro do Ambiente indica a propriedade de uma fracção autónoma para habitação em Sintra, sem outra qualquer indicação. Apresentou um rendimento predial anual de 2.800 euros.
João Galamba, ministro das Infraestruturas
Proprietário de um apartamento em Arroios (com valor patrimonial de 87.077 euros), o novo ministro das Infraestruturas detém ainda um prédio urbano em Cascais com um valor patrimonial de 135.030 euros. Deve ser um bom senhorio, porque os rendimentos prediais declarados num ano foram apenas de 333 euros.
João Galamba declara uma segunda habitação em Cascais e um rendimento predial anual de 333 euros.
Ana Abrunhosa, ministra da Coesão Territorial
Excluindo o património do marido, a ministra da Coesão Territorial é proprietária de um prédio urbano em regime de propriedade horizontal em Coimbra, sem se conhecer detalhes para além do artigo matricial urbano (nº 4277). Não tem rendimentos prediais.
Maria do Céu Antunes, ministra da Agricultura e da Alimentação
A antiga presidente da autarquia de Abrantes, apenas indica a propriedade de um prédio naquela cidade, sem outra referência além do artigo matricial (nº 7771).
Uma das medidas mais polémicas – e eventualmente inconstitucional – do plano do Governo para aumentar a oferta de casas é o arrendamento coercivo, ou seja, o Estado obrigará os proprietários com alojamentos desocupados a alugarem. A ministra Marina Gonçalves já veio descansar emigrantes e proprietários com casa de férias, mas ficarão assim eventualmente elegíveis apartamentos que não apresentem rendimento predial e se situem próximo da habitação permanente. O primeiro-ministro António Costa tem dois apartamentos nestas condições, um na Penha de França e outro em Odivelas.
Dois dos apartamentos do primeiro-ministro António Costa na região de Lisboa não lhe estão a dar qualquer rendimento predial nem podem ser consideradas segunda residência, pelo que eventualmente ficarão abrangidos pela mais polémica medida prevista pelo pacote legislativo do Ministério da Habitação: o arrendamento coercivo.
De acordo com a consulta feita pelo PÁGINA UM à última declaração de património e rendimentos do primeiro-ministro no Tribunal Constitucional, António Costa declarou a posse de cinco fracções autónomas em Portugal: três em Lisboa – na freguesia de Benfica, onde oficialmente mora, de Santa Clara e de Penha de França –, uma em Odivelas, e uma ainda no Carvoeiro, onde passa férias quando está no Algarve, embora neste caso detenha apenas uma parte indivisa de herança. Além dessas, sabe-se que António Costa detém ainda uma fracção – que ele próprio desconhece as características – na cidade de Margão, em Goa, por herança.
Estrada do Desvio, junto à Calçada de Carriche, na freguesia de Santa Clara, onde António Costa é senhorio de um apartamento.
No entanto, nessa declaração – feita em 21 de Novembro passado, que consistiu num esclarecimento exigido pelo Ministério Público sobre uma declaração anterior, datada de 30 de Março de 2022 –, António Costa explicita que os seus rendimentos prediais, num total de 7.300,80 euros por ano, “provêm do arrendamento da fracção sita na freguesia de Santa Clara, devidamente identificada no campo próprio, e ainda da permilagem correspondente às rendas do condomínio sito na freguesia de Benfica”, dizendo que “não há qualquer outro rendimento a declarar”.
Apesar desta última declaração ter sido rasurada pelos serviços do Tribunal Constitucional – alegadamente por permitir a identificação individualizada de residências, mas em que se expurgou indevidamente a tipologia e área das fracções –, o PÁGINA UM sabe que esse apartamento de António Costa na freguesia de Santa Clara se localiza num segundo andar de um prédio da Estrada do Desvio, junto à Calçada do Carriche. Não se divulga o endereço completo por não ser, por agora, relevante.
Rua Estácio da Veiga, à esquerda, na freguesia de Penha de França, onde António Costa é proprietário de um apartamento sem rendimento predial.
Desta forma, assumindo António Costa que as outras duas fracções não têm rendimento predial, nem são casas de férias, significa que o primeiro-ministro pode ser considerado, segundo os critérios do Ministério da Habitação, um proprietário elegível para arrendamento coercivo, caso não prove inequivocamente que aquelas têm uma ocupação frequente ou permanente.
O apartamento da Penha de França, localiza-se também num segundo andar da Rua Estácio da Veiga, num prédio de três pisos em boas condições. O primeiro-ministro já possui este apartamento pelo menos desde 2015, como noticiou o Observador em Março daquele ano, quando António Costa assumiu o cargo de secretário-geral do Partido Socialista.
Já o apartamento em Odivelas, na Rua da Paiã, situa-se também no segundo andar, neste caso de um prédio em más condições de conservação. O apartamento foi dado como vendido em 21 de Outubro de 2016 numa notícia do Observador, de há quatro anos, que revelava os intensos negócios imobiliários de António Costa. Mas o PÁGINA UM pode garantir que é esse o apartamento que ainda está declarado pelo primeiro-ministro como pertencendo a si e à mulher Fernanda Tadeu.
Rua da Paiã, em Odivelas. No edifício verde, ao lado esquerdo, está o apartamento de António Costa.
Pode, em todo o caso, haver mais uma confusão na declaração de António Costa. Nos esclarecimentos transmitidos pelo primeiro-ministro ao Tribunal Constitucional surge mesmo a informação de que ele desconhecia que uma conta bancária não identificada, por rasurada pelos serviços daquele órgão de fiscalização e controlo dos políticos e da democracia, e que ele repetidamente indicava como sua, afinal, para sua “surpresa”, nem sequer era titular. O primeiro-ministro prometeu vir a rectificar a situação.
O PÁGINA UM pediu e não foi dado. Recorreu ao tribunais, e mesmo assim teve de apresentar recurso ao Tribunal Central Administrativo Sul, porque o Instituto Superior Técnico (IST) não foi (ainda) obrigado a dar os ficheiros de dados nem todos os relatórios. Mas já temos, por imposição de sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, o famigerado Relatório Rápido nº 52, aquele que o IST chegou a classificar como “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”. Nesta análise do PÁGINA UM, os leitores compreenderão os motivos para o IST não querer mostrar o dito relatório de Julho do ano passado. É mau de mais. Ainda por cima feito por professores universitários. E explicamos em detalhe, com muito detalhe, o porquê.
Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes na sede do Ordem dos Médicos, em Julho de 2021, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico recusou divulgar os estudos e os dados.
Atentemos, textualmente, ao que é referido nesse relatório sobre aquela previsão:
“Estimamos que número de contágios produzidos sem máscara com os níveis actuais de susceptíveis [a serem infectados], em eventos como ‘Rock in Rio’ seja de 40.000 no total, sendo maior no caso dos santos populares em Lisboa e Porto, onde poderemos ter um mínimo de 60.000 contágios nos dias mais movimentados em Lisboa e 45.000 no Porto. Todas as festas populares no país poderão traduzir-se num total de contágios directos de, num mínimo, de 350.000 no país, podendo atingir valores mais elevados se novas variantes entrarem em Portugal.”
Mais adiante, acrescentava-se ainda o seguinte:
“A tendência ainda é de subida, prevendo-se o pico para depois do dia 15 de Junho e até final do mesmo mês. Esta previsão pode falhar, por defeito, se os contágios devido às festas populares forem descontrolados ou se surgirem novas variantes.”
Ora, para as três semanas que mediavam até ao final daquele mês de Junho, a equipa do IST assumia assim que, além das infecções que decorreriam (como habitualmente) na população em geral (sendo que o Rt era então de 0,97), haveria ainda um acréscimo de 350.000 casos apenas por causa das festas populares no país e dos festivais de música.
Capas do Relatório Rápido nº 51 e do Relatório Rápido nº 52, apenas obtido após sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa. Corre um recurso para obrigar o Instituto Superior Técnico a fornecer também os ficheiros com dados e todos os outros 50 relatórios.
Tendo em consideração que a média diária de casos positivos nos primeiros seis dias de Junho de 2022 foi de cerca de 20 mil, segundo dados da DGS, e que as estimativas do IST apontavam para um acréscimo médio entre 14 mil e 15 mil novas infecções diárias até ao fim desse mês por via das festas populares e festivais (350 mil a dividir por 24 dias), seria assim expectável um aumento muito significativo do total de casos positivos.
Contudo, ao invés de se observar qualquer aumento do número de casos positivos ao longo de Junho – e em especial a partir da segunda semana desse mês –, verificou-se sim um forte decréscimo em plena época festiva sem qualquer uso de medidas não-farmacológicas, como seja as máscaras. Com efeito, entre 6 e 30 de Junho foram contabilizados 303.364 novos casos em todo o país e para todas as circunstâncias, ou seja, uma média diária de 12,6 mil casos.
No entanto, nos últimos 10 dias de Junho, a média diária foi de 8,7 mil casos positivos. O decréscimo de casos positivos apresentou uma consistente tendência desde 19 de Maio, quando se registraram 27.481 casos, em média móvel de sete dias. Ao longo de Julho, a tendência decrescente manteve-se. No dia 10 desse mês, a média móvel de sete dias já estava abaixo dos 7.000 casos e no dia 31 estava em cerca de 3.000 casos.
Evolução dos casos positivos em Portugal ao longo da pandemia. Fonte: Worldometers.
Esta evolução confirmou que o SARS-CoV-2 teve um “comportamento” independente das medidas não-farmacológicas, uma vez que se observou uma redução da transmissão mesmo com o aumento de contactos sociais.
A saga do Relatório Rápido nº 52 e o tribunal
No dia 21 de Julho do ano passado, o jornal digital Blind Spot destacou que a previsão do IST fora um completo falhanço, mas que não merecera qualquer referência nos media mainstream.
Uma semana depois, em 28 de Julho, a generalidade da imprensa veio sim divulgar, através da agência noticiosa Lusa, que afinal os peritos do IST até concluíram que as suas previsões não tinham, supostamente, falhado por muito. No take da Lusa destacava-se o seguinte:
“No último relatório, os peritos antecipavam que a realização destes eventos, sem máscaras nem testagem, resultasse em 350 mil contágios diretos no país. A realidade ficou ligeiramente abaixo, mas não muito distante.
De acordo com as estimativas mais recentes, houve cerca de 242 mil casos de covid-19 registados oficialmente devido às festividades dos santos populares e festivais como o Rock in Rio. ‘Se juntarmos os casos não reportados oficialmente atinge-se o número de 340 mil’, refere o relatório, produzido por Henrique Oliveira, Pedro Amaral, José Rui Figueira e Ana Serro, que compõem o grupo de trabalho coordenado pelo presidente do Técnico, Rogério Colaço.
Evolução dos óbitos atribuídos à covid-19 em Portugal ao longo da pandemia. Fonte: Worldometers.
Comparando com um cenário em que se manteria a testagem e a obrigatoriedade do uso de máscara em grandes eventos, a incidência estimada durante o mês de junho seria inferior, referem os peritos, que sublinham que as medidas ‘não teriam impacto económico’”.
E, segundo a Lusa, os peritos do IST até quantificavam mortes devido às festividades:
“Em relação aos óbitos, os peritos apontam a morte de 790 pessoas com covid-19 devido ao levantamento das restrições e às festividades, dos quais 330 associados às festas populares de junho”.
Como se sabe, o PÁGINA UM requereu em finais de Julho do ano passado o acesso ao relatório que esteve na base da notícia da Lusa – disseminada pela generalidade da imprensa –, bem como a todos os restantes relatórios e os ficheiros com os dados numéricos, o que foi recusado pelo presidente do IST, Rogério Colaço.
A intimação interposta pelo PÁGINA UM em Setembro do ano passado, resultou numa sentença no sentido de o IST fornecer o Relatório Rápido nº 52. Não foram expressamente dadas indicações pela juíza para a entrega, como solicitado, dos 51 anteriores relatórios nem dos ficheiros de dados. Como o IST se recusa a fornecer esses elementos, a análise seguinte considerará que quaisquer elementos e conclusões obtidas não apresentam prova científica.
Análise detalhada do Relatório
Análise ao sumário
O Relatório Rápido nº 52 começa por referir que “fazemos neste relatório a análise da sexta vaga de COVID-19 em Portugal”.
Ora, embora a comunicação social e as autoridades sanitárias tenham, de forma unânime, definido a ocorrência de seis vagas da pandemia em Portugal, nunca existiu um critério científico que determinasse de forma inequívoca o que é uma vaga. Por outro lado, não existiu coincidência entre “vaga de casos” e “vaga de mortes”. Com efeito, o pico de mortalidade ocorreu em finais de Janeiro de 2021 (286 mortes, no dia 30, em média móvel de sete dias), enquanto o pico de casos positivos ocorreu quase um ano depois – já dominando então a muito menos letal variante Ómicron –, no dia 28 de Janeiro de 2022 com 58.660 (média móvel de sete dias).
Por exemplo, se consideramos aquela que é definida pelos media e autoridades de saúde como a “primeira vaga”, entre Março e Maio de 2020, o máximo de casos positivos esteve sempre abaixo dos 800 e o pico de mortes foi de 34 (média móvel de sete dias). Ou seja, a denominada “primeira vaga” teve um pico nos casos positivos de menos de 2% do pico máximo da pandemia (28 de Janeiro de 2022) e um pico nas mortes de 12% do pico de mortalidade da pandemia (30 de Janeiro de 2021).
Evolução do Indicador da Avaliação da Pandemia do Instituto Superior Técnico. A linha a vermelho indica a evolução se não houvesse vacinas. Os relatórios não permitem aferir como foi definido o modelo e quem o calibrou. Fonte: IST.
Observando agora, à distância de quase três anos de pandemia, dir-se-á que, para os casos positivos, o surgimento da Ómicron marcou um período de grande transmissibilidade, mas baixa mortalidade, sendo que, neste contexto – e até tendo em conta as mudanças na estratégia de testagem – se mostra difícil classificar como ondas (ou vagas) as variações anteriores a 2022.
No caso das mortes, verifica-se que em apenas quatro meses (Novembro de 2020 a Fevereiro de 2021) ocorreram quase 13.900 óbitos (cerca de 52% do total nos três anos da pandemia), o que dá uma média diária de quase 116 óbitos.
Ora, retirando este período, observam-se outras três “flutuações” ao longo da pandemia: Primavera de 2020, Inverno de 2021-2022 e Maio-primeira metade de Junho de 2022. No primeiro período, a mortalidade máxima foi de 34 óbitos (média móvel de sete dias), no segundo de 51 óbitos e no terceiro de 42 óbitos. Falar-se de ondas nestes casos parece assim perfeitamente exagerado e sem base científica sustentável.
Nessa linha, foi uma mera opção, completamente subjectiva dos investigadores, a escolha do dia 25 de Abril de 2022 como “data de arranque da sexta vaga em Portugal”. Existirem cientistas que usem a expressão “data de arranque” neste contexto, já deixa muito a desejar.
Na verdade, após se registar um pico máximo no dia 28 de Janeiro (58.660 casos positivos, em média móvel de sete dias), registou-se uma redução bastante rápida até início de Março, mas os valores estiveram sempre estáveis até finais de Abril. Note-se que o Governo determinou o fim da situação de calamidade em 17 de Fevereiro de 2022.
Se considerarmos os casos activos, existe efectivamente uma inversão por volta do dia 25 de Abril de 2022 (então com cerca de 250 mil casos activos, ou seja, com pessoas “infectadas”), mas a “onda” que depois se formou, com pico na terceira semana de Maio, apenas confirma que as flutuações antes de 2022 não são, pela sua dimensão e amplitude, ondas.
Atente-se agora a esta frase do sumário do Relatório Rápido nº 52:
“A análise dos dados oficiais da pandemia de COVID-19 em Portugal indica o declínio da sexta vaga confirmando-se a redução dos números da incidência, previstos por nós em Junho, estamos neste momento em cauda alongada com sentido descendente.”
Portanto, a mais falsa das falsidades.
Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico. Um relatório científico foi apenas divulgado por imposição de um tribunal.
Retomemos também, sem mais comentários, a seguinte frase do Relatório Rápido nº 51, o tal de Junho de 2022, antes das festas populares:
“A tendência ainda é de subida, prevendo-se o pico para depois do dia 15 de Junho e até final do mesmo mês. Esta previsão pode falhar, por defeito, se os contágios devido às festas populares forem descontrolados ou se surgirem novas variantes.”
A imensa falta de pudor e de ética em todo o esplendor. Errar é humano; ludibriar também é humano, mas acresce a isso a falta de ética, o que, em meio científico, é um pecado capital.
Adiante.
Passando, por agora, sobre o indicador da pandemia propriamente dito, referido no sumário, foquemo-nos na seguinte frase deste Relatório Rápido nº 52:
“O número de casos até este momento atribuíveis ao levantamento das medidas de mitigação (libertação do uso da máscara e testagem deixar de ser gratuita) somado às festas de Junho é de 646.000, com erro de 10% e confiança a 99%.”
Sem dados numéricos disponíveis e sem conhecer os pressupostos que determinam a eficácia do uso de máscaras e da influência da gratuitidade da testagem, mostra-se impossível contestar o valor de 646.000 casos, mesmo se, para impressionar, os peritos do IST acrescentam uma pitada de suposto rigor estatístico: “erro de 10% e confiança a 99%”. Com Ciência deste calibre, até poderiam dizer que o erro era de 99% e confiança a 10%. Na verdade, a confiança, assim como são apresentados estes números, é nula. Zero.
Em todo o caso, sempre se pode dizer que causa espanto que as medidas não-farmacológicas pudessem a partir de finais de Abril reduzir em cerca de metade os casos positivos (houve cerca de 1,2 milhões de casos entre 25 de Abril e finais de Junho de 2022, ou seja, cerca de 18 mil casos por dia), quando não mostraram aparentemente qualquer eficácia para evitar as elevadas transmissões em Janeiro de 2022. De facto, nesse mês, apesar das fortes restrições, que chegaram a segregar os não-vacinados, registaram-se cerca de 1,4 milhões de casos, isto é, quase 45 mil casos por dia.
Sempre se pode argumentar que teria sido pior sem nada se fazer, mas eis aqui o grande problema das previsões e da alegada eficácia de muitas das medidas não-farmacológicas: sustentaram-se sempre em cenários alternativos não verificáveis, ou seja, na contrafactualidade.
Sigamos agora para a parte mais atabalhoada do sumário do Relatório Rápido nº 52:
“No último relatório previmos que o número de contágios produzidos sem máscara em eventos como “Rock in Rio”, festivais e todas as festas populares no país poderiam traduzir-se num total de contágios directos de 350.000. Os números registados (oficiais) de casos a mais, produzidos por esses contágios estimados por nós são de cerca de 242.000. Se juntarmos os casos não reportados oficialmente (assintomáticos, pauci-sintomáticos e ligeiros não testados oficialmente) atinge-se o número de 340.000, ficando ligeiramente abaixo dos valores previstos por nós. O erro é de 10% com confiança a 99%.”
Um relatório anterior do IST concluía que as festas populares e os festivais de música em Junho de 2022 tinham sido responsáveis por 330 mortes. Análise do relatório mostra que número foi atirado sem nexo.
Ora, repita-se: os 350 mil casos previstos no Relatório Rápido de Junho eram apenas relativos às festividades e festivais de música, pelo que se deveriam acrescentar os casos expectáveis em situação normal. Não se entende, por isso, onde os “peritos” do IST desencantaram os 242 mil casos supostamente a mais – registaram-se cerca de 423 mil casos positivos em Junho, que contrasta com os 721 mil em Maio –, porque aquilo que houve, sim, foi uma clara descida.
Porém, note-se no truque: os peritos do IST aconselham que se juntem “os casos não reportados oficialmente” para assim se perfazer os 340 mil casos, de sorte a ficar-se “ligeiramente abaixo dos valores previstos por nós”. Voilà!
Assim se fez um acréscimo de 40%, qual coelho tirado da cartola, para “acertar” quase na mouche na previsão de Junho.
Mas, pergunta-se, no meio deste emaranhado de números atirados ao ar: e então quando em Junho previram os tais 340 mil casos positivos, estes peritos do IST não consideraram os assintomáticos, pauci-sintomáticos e ligeiros não testados oficialmente porquê? Se assim fosse, então teriam de dizer, logo no Relatório Rápido nº 51, que os tais 340 mil casos das festividades e festivais seriam apenas os números reportados; e que se se quisesse saber os números reais se teria de acrescentar mais 40%. Ou seja, em vez de 340 mil seriam 475 mil.
Evolução das variáveis usadas pelo IST na elaboração do Indicador de Avaliação da Pandemia. Além de não se conhecer o modelo em detalhe, as incongruências são inúmeras. O indicador serviu apenas para fomentar alarmismo.
Enfim, não podem é os peritos do IST assumir uma subnotificação posterior para validar uma previsão feita sem assumir a existência dessa subnotificação.
E mesmo que, depois, e mais uma vez, os peritos do IST temperem tudo com a costumeira ladainha de suposta credibilização estatística: “o erro é de 10% com confiança de 99%”. Chavões!
As duas frases seguintes do Relatório Rápido nº 52 são de uma atroz irresponsabilidade:
“O número de óbitos, até este momento, atribuíveis ao levantamento das medidas de mitigação (libertação do uso da máscara e testagem deixar de ser gratuita) e, ainda, festas de Junho sem essas medidas é de 790, com erro de 10% e confiança a 99%. O número de óbitos atribuíveis até hoje aos contágios das festas populares de Junho é de 330, com erro de 10% e confiança a 99%.”
Descontando também já o blá blá do “erro de 10% e confiança a 99%”, não se vislumbra qualquer base científica na atribuição de um qualquer valor de mortalidade por um suposto impacte negativo da “libertação do uso da máscara e [da] testagem deixar de ser gratuita”. Até porque se se discute a questão das medidas não-farmacológicas, então deve entrar na equação a eficácia das medidas farmacológicas – isto é, as vacinas. Ora, seria sensato atribuir vacinas as responsabilidades por mortes atribuídas ao SARS-CoV-2 por aquelas não serem 100% eficazes? Fica a pergunta, mas tudo me parece absurdo.
Relatório do IST está inundado de especulações e de “certezas” com base em contrafactualidade, ou seja, de eventos que teriam ocorrido se não ocorresse antes outro. Neste caso, a evolução da incidência entre finais de Abril de 2022 e Julho de 2022 observada e com as medidas não-farmacológicas (que deixaram de ser impostas). Fonte: IST.
Por outro lado, quanto às mortes atribuídas às festas populares e aos festivais de música, mostra-se evidente que os peritos do IST não podem comprovar nenhum dos números que apontam. Aliás, o relatório não explicita como chegaram àquele valor.
Deduz-se apenas que terão aplicado uma taxa de letalidade a rondar os 0,1%, mas nem isso dizem. Mas mesmo aplicando uma taxa de letalidade de 0,1% – que é aquela que a Ómicron apresenta –, essa é uma percentagem global, que não tem em conta a juventude da assistência aos festivais e festas populares. Por exemplo, a letalidade da covid-19, antes da vacina, para os menores de 18 anos é de 0,0003%.
Ora, para estimar com o mínimo de rigor algo tão sensível – a atribuição de mortes a festas populares e a festivais – seria mais sensato pelo menos aplicar um inquérito a uma amostra correctamente estratificada para a partir daí se estimar a percentagem de casos positivos – e subsequente cadeia de transmissão – com suspeita de infecção nas festividades e festivas, e daí estimar-se a letalidade e a mortalidade.
Convenhamos que fazer um estudo desta natureza representaria um investimento de recursos significativo, mas se isso não era opção exequível, então os peritos do IST deviam, por prudência, descartar estapafúrdias e irresponsáveis especulações. Bem sabemos que atirar números para o ar é bem mais fácil, mas um cientista não pode nem deve escolher o facilitismo; de contrário, deixa de ser cientista.
Instituto Superior Técnico: uma instituição universitária que (agora) produz Ciência que não quer revelar.
Em todo o caso, uma alternativa, bem mais barata, passaria por uma análise detalhada (regional e etária) dos casos e mortes ao longo de Junho e Julho do Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) – uma das bases de dados, cuja recusa de acesso ao PÁGINA UM por parte da DGS se encontra ainda em análise pelos tribunais administrativos –, para se perceber se existiram, durante Junho de 2022, alterações quantitativas no padrões regionais e etários. Contudo, não se denota, nem explícita nem implicitamente, que os peritos do IST tenham sequer olhado com detalhe para o SINAVE. Atiraram números, seguidos do jargão “erro de 10% e confiança a 99%”. E está feito.
Sobre o famigerado Rt, usado até às décimas no sumário (era de 0,97 em Junho, no Relatório Rápido nº 51, e passou para 0,90 no seguinte), recordemos sempre um artigo da Nature de 3 de Julho de 2020, sugestivamente intitulado “A guide to R – the pandemic’s misunderstood metric”, onde surgia um especialista em doenças infecciosas da Universidade de Edimburgo, Mark Woolhouse, a salientar que “os epidemiologistas esta(vam) bastante empenhados em minimizar o R [por estar a ser usado para os fins para os quais nunca foi planeado], mas que os políticos parec[iam] tê-lo abraçado com entusiamo”. E concluía: “Estamos preocupados por termos criado um monstro. O R não nos diz o que precisamos de saber para gerir a pandemia”.
Mark Woolhouse não imaginaria que, afinal, o Rt seria tão apadrinhado por peritos do quilate dos do IST.
De facto, a obsessão pelo índice de transmissibilidade nos últimos anos, mesmo em fases avançadas da pandemia, pareceu sempre pouco compreensível. As flutuações neste indicador terão dependido mais de factores sazonais – e outros ignorados – do que pela implementação de medidas não-farmacológicas. O R nunca foi a variável dependente da equação; ou seja, mudava muito pouco em função dos comportamentos humanos.
Por fim, o sumário do Relatório Rápido nº 52 do IST termina com a seguinte frase:
“Nesta sexta vaga o custo devido a baixas e isolamentos já pode ser confirmado e atinge, neste momento, entre de 29.900.000 e 32.000.000 de horas de trabalho (confiança a 95%), devendo ficar ligeiramente acima do valor de 30 milhões previsto anteriormente.”
Mais uma frase caída do céu, não sustentada quer no sumário quer no corpo do relatório. Ignora-se, para esta estimativa, quais as variáveis consideradas, se se abrangeu apenas a população activa, quantos dias em média de baixa, etc. Em todo o caso, 30 milhões de horas de trabalho perdidas por baixas e isolamento representam 3,75 milhões de dias de trabalho (de oito horas). Se considerássemos um período de isolamento médio de 7 dias – então em vigor para os assintomáticos e doentes com sintomas leves – estaríamos a falar de quase 536 mil pessoas em idade activa, o que dá cerca de 10% da força de trabalho em Portugal.
Seria necessário também validar este número, nem que fosse por simples consulta do SINAVE por uma questão de credibilidade. Os peritos do IST não o fizeram, ou não indicaram que fizeram. Acrescente-se que as cerca de 536 mil pessoas representariam quase 45% do total dos infectados pelo SARS-CoV-2 entre finais de Abril e final de Junho.
Por outro lado, convém referir ser abusivo considerar que todas as pessoas que estiveram em isolamento representaram horas de trabalho perdidas.
Análise ao capítulo da situação actual
Nos dois relatórios do IST conhecidos (51 e 52) refere-se que o indicador de avaliação da pandemia (IAP) – para o qual apresentam valores – combina a incidência, transmissibilidade, letalidade, hospitalização em enfermaria e em unidades de cuidados intensivo, apresentando-se os ponderadores. Não sendo claro, aparentemente trata-se de um modelo de regressão, mas não se diz quem o estimou, quem o calibrou e se os seus resultados se mostraram fiáveis à medida que a pandemia evoluiu e surgiram novas variáveis. Em especial com a Ómicron, houve uma maior transmissibilidade, logo uma maior incidência, mas com uma menor letalidade, logo uma menor hospitalização em enfermaria e em cuidados intensivos.
Se for esse o modelo, então apresenta variáveis aparentemente redundantes: a incidência estará, em princípio, fortemente correlacionada com a transmissibilidade; a letalidade com as hospitalizações, sendo que as hospitalizações em cuidados intensivos estão fortemente correlacionadas com as hospitalizações em enfermaria. Isto costuma dar porcaria num modelo desta natureza.
A análise do gráfico dos contributos individualizados das variáveis para o IAP – para os quais se desconhecem os dados, pelo que pode estar-se aqui perante um mero exercício de design gráfico, e não de Ciência – mostra bem que a incidência só cria ruído no modelo. Com efeito, ao longo da pandemia, a incidência contribuiu exageradamente para elevar o IPA em diversos períodos de baixa letalidade, como se observa sobretudo a partir de Junho de 2021. O mesmo se verifica com a transmissibilidade.
Aliás, o modelo parece também não funcionar bem com variáveis como a letalidade, até porque nem sequer é claro como esta variável foi calculada pelos peritos do IST. Em todo o caso, como aparentemente existe um desfasamento temporal entre a letalidade e a incidência, a letalidade não terá sido calculada considerando o desfasamento entre a infecção e a morte. Nessa linha, os valores da letalidade pecam por excesso quando a incidência já está em decréscimo. A confirmar-se esse facto o modelo fica, desde logo, “inquinado”.
Também se nota, pela observação do mesmo gráfico, a própria inutilidade do IAP – que, recorde-se, apenas começou a ser aplicado como modelo a partir de Junho de 2021 e nunca foi sequer considerado pela DGS. Com efeito, a subida repentina deste indicador em Junho de 2021 – quando o IST começou a elaborar os seus relatórios em parceria com a Ordem dos Médicos – não teve qualquer contributo relevante das variáveis mais importantes em termos de Saúde Pública: letalidade e hospitalizações.
Outro exemplo: em Fevereiro de 2022 – que por ser mês de Inverno está associado a maior incidência e hospitalizações de doenças do foro respiratório – o IAP deu valores mais baixos do que os registados no Verão de 2021. Mistério ou evidência de que este indicador apenas “vomitava” um número sem qualquer relevância epidemiológica, e até enganador, para não dizer alarmista.
E serviu, ademais, especialmente, para sustentar, como argumento de autoridade, frases sem uma mínima validade científica.
Por exemplo, o Relatório Rápido nº 52 refere o seguinte:
“O alívio de medidas [não-farmacológicas] provocou um pico maior e uma descida mais lenta após este ter sido atingido, como veremos mais à frente”.
Não existe qualquer facto, suportado no modelo nem em outra informação científica, para esta afirmação. E até se mostra um contrassenso: se as medidas não-farmacológicas são eficazes e foram sendo levantadas a partir de Fevereiro de 2022 e se aliviaram ainda mais a partir de Abril, então por que razão os casos positivos em Janeiro foram tão elevados, quando então estavam em vigor fortes restrições? Dir-se-á que foram as vacinas: mas se assim é, porque não entraram como variável no modelo? E se são as vacinas assim tão relevantes para controlar a pandemia, por que motivo se insistiu tanto em medidas não-farmacológicas ao longo de 2021 e até meados de 2022?
Aliás, não tendo a vacinação entrado como variável mostra-se extraordinário como o Relatório Rápido nº 52 apresenta gráficos, completamente caídos do céu, com linhas contrafactuais (a vermelho) para vários parâmetros. Os peritos do IST continuam, aliás, a negar que a diminuição da letalidade se deveu, em grande medida, ao surgimento da Ómicron e também à imunidade natural, sobretudo a partir dos surtos de Janeiro e Fevereiro de 2022 que implicaram a infecção e a obtenção de imunidade natural em mais de metade da população portuguesa.
Relatório do IST apresenta a variação da mortalidade por covid-19 entre finais de Abril e Julho de 2022, com os dados oficiais (a preto) e com valores que ocorreriam se as medidas não-farmacológicas se tivessem mantido (a vermelho). Não são fornecidas explicações sobre estas estimativas. Fonte: IST.
O Relatório Rápido nº 52 tem também frases completamente falsas, porque manipuladas. Peguemos neste exemplo:
“Os óbitos diários em média móvel a sete dias passaram de 30,3 para 41,4 desde dia 22 de Maio. Como dito no último relatório, haveria uma “subida deste indicador nos próximos 30 dias”, confirmou-se. Estamos em cerca de 56 casos por milhão de habitantes acumulados em 14 dias, muito acima, 2,75 vezes acima, do número considerado aceitável pelo ECDC para redução de medidas de mitigação. Note-se que, neste momento, não existem medidas de mitigação de contágios em caso de contactos directos, como o uso de máscaras de elevada qualidade.”
Note-se como é escrito: “Os óbitos diários em média móvel a sete dias passaram de 30,3 para 41,4 desde dia 22 de Maio.” Desde 22 de Maio até quando? Se for até 22 de Junho – considerando que os peritos do IST dizem que previam e alegadamente acertaram “a subida deste indicador nos próximos 30 dias –, então estamos perante uma rotunda mentira. Efectivamente, a mortalidade diária subiu, por força do desfasamento entre os valores da incidência e a mortalidade, mas apenas até 7 de Junho (43 óbitos, em média móvel de sete dias), mas depois desceu fortemente. No dia 22 de Junho – portanto, um mês depois da previsão de subida –, o número de óbitos estava em 31, ou seja, estava igual ao do mês anterior, mas com forte tendência decrescente. No final de Junho estava nos 19 óbitos. Como o relatório do IST refere que foram recolhidos dados em 26 de Julho, nesse dia o número de óbitos estava nos 10 (média móvel de sete dias).
Curiosa também, no mínimo, é a seguinte afirmação no Relatório Rápido nº 52:
“A letalidade teve uma subida em meados de Maio, altura em que as doses de reforço ainda não faziam efeito nas camadas mais vulneráveis, tendo depois estabilizado em valores ligeiramente abaixo de 0.2%, estando agora em 0.17%. Varia muito de acordo com o escalão etário afectado, nota-se também uma possível correlação com vagas de calor, facto que deve ser aprofundado em estudos mais longos.”
No início de Maio de 2022, de acordo com o Relatório da Situação nº 745 da DGS, relativo a 18 de Abril de 2022, a vacinação de reforço já atingia os 95% nos maiores de 80 anos, os 97% no grupo dos 65 aos 78 anos e de 83% no grupo dos 50 aos 64 anos.
Pasme-se, portanto: como se pode afirmar num suposto relatório científico que a “letalidade teve uma subida em meados de Maio, altura em que as doses de reforço ainda não faziam efeito nas camadas mais vulneráveis”? No limite, os peritos do IST deveriam, sim, suspeitar da eficácia das vacinas; e não de as doses de reforço não terem tido ainda tempo fazer efeito nas camadas mais vulneráveis …
E depois, o que dizer sobre a referência às vagas de calor em Maio? Qual o pretexto? É uma mera opinião? Foi um bitaite? Diga-se que um aumento da temperatura em Maio até diminuiria a mortalidade, porque uma onda de calor na Primavera (superior a 5 graus face à média em cinco ou mais dias consecutivos) está longe de ser mortífera (ao contrário do que sucede no Verão), uma vez que temperaturas anormalmente altas em Maio será previsivelmente mais baixas do que um mês normal de Verão.
Mais absurdas ainda são as declarações de fé do Relatório Rápido nº 52, algo triste num documento supostamente científico. Como, por exemplo, nesta parte:
“A tendência [de mortalidade] será, ainda de descida. Desde 13 de Junho de 2021 que não há nenhum dia sem óbitos COVID-19 em Portugal. Sem novas variantes poderemos aspirar a esse desígnio durante o mês de Agosto.”
Enfim, por um lado, ao longo da pandemia sempre foram surgindo variantes – é uma falácia julgar-se que só tivemos a Alfa, a Delta, a Ómicron e poucas mais – e sempre se mostrou um erro o objectivo mortes-zero. Uma situação endémica nunca significa ausência de mortes. Termos como “poderemos aspirar” não são próprios da Ciência. Aliás, quase nem valeria a pena referir que a mortalidade diária por covid-19 (média de sete dias) em Agosto de 2022 variou entre os 5 e os 11 óbitos, valores que estão dentro de uma situação considerada endémica. Por exemplo, as pneumonias na fase anterior à covid-19 representavam cerca de 10 óbitos por dia no Verão.
Análise às conclusões
As conclusões do Relatório Rápido nº 52 merecem destaque, parágrafo a parágrafo, frase a frase.
Vejamos:
1 – “A sexta vaga confirmou-se de forma clara e está agora em franco declínio.”
Como já referido, é abusivo considerar-se que houve sexta vaga, porque nem sequer existe critério científico para definir “vaga”, nem se determinou se essa denominação se aplica ao número de casos ou ao número de óbitos ou a uma variação da letalidade e/ ou internamentos. O “franco declínio” não se estava a verificar no “agora” (finais de Julho de 2022, quando foi escrito o relatório), mas desde Maio de 2022.
2 – “A situação é de grande redução do perigo pandémico face ao anterior relatório.”
Desde Março de 2021 deixou de haver risco pandémico. O surgimento da Ómicron, a partir de Novembro de 2021, apesar de ter causado um aumento da transmissibilidade, foi acompanhada por uma redução muito significativa da letalidade, que está longe de ser explicada apenas pela vacina.
3 – “A nova linhagem BA.5 da variante Ómicron teve um impacto significativo em Portugal que se atenua agora por saturação dos contágios e redução de susceptíveis. Continuamos a afirmar que uma monitorização de qualidade é adequada.”
O impacto significativo da Ómicron acabou por ser paradoxalmente benéfico para o controlo da pandemia, além de se ter comprovado (se tal fosse necessário), com os surtos no início de 2022, a fraca capacidade das vacinas em evitar transmissão e infecção, mesmo com o auxílio de medidas não-farmacológicas. Saliente-se que entre Novembro de 2021 e Junho de 2022 (oito meses) houve cerca de 4 milhões de casos positivos, atingindo uma população activa quase integralmente vacinada. A taxa de letalidade a partir de Dezembro de 2021 baixou bastante em comparação com o período anterior já com vacina contra a covid-19, o que parece demonstrar que a letalidade do SARS-CoV-2 intrinsecamente reduziu-se com a nova variante.
4 – “O termómetro da pandemia, i.e., o IAP, está em 63.7 pontos com dados oficiais, o que segundo a Ordem dos Médicos (Gabinete de crise) e o Técnico (grupo de trabalho autor deste texto) está abaixo do nível de alerta (80 pontos) mas obriga a monitorização e alguma mitigação.”
O valor de 63,7 é apenas um número que sai de um modelo que o IST não permite ser validado de forma independente. Não se conhece os pressupostos para que a partir de um valor acima de 80 no IAP se esteja num nível de alerta.
5 – “Para o mês de Setembro aconselhamos o reforço da monitorização e passar a mensagem de que o perigo pandémico ainda não terminou, sobretudo com o regresso às aulas e a provável disseminação de novas variantes, sempre mais rápidas a contagiar.”
Futurologia sem base científica. Não se compreende o receio de as novas variantes puderem apresentar maior disseminação; por regra, vírus com maior rapidez (facilidade) de disseminação apresentam menor letalidade. Aliás, a evolução dos outros coronavírus apontam para essa forte hipótese para o SARS-CoV-2.
6 – “Recomendamos a utilização de máscara sempre que o risco de contágio possa existir.”
Afirmação que não encontra respaldo no modelo, pelo que constitui uma mera opinião sem referência científica. Convinha lerem as evidências encontradas pela Cochrane.
7 – “A monitorização dos números da pandemia deve ser feita de forma rigorosa e transparente até a declaração de “Fim De Pandemia” da OMS. Dados rigorosos e muito actualizados devem fundamentar a tomada de decisão. Nesse sentido, reforçamos o já dito antes, nesta fase será recomendável que sejam publicados os números dos internamentos e os dados regionais. Bastará para tal usar um sistema semelhante ao usado na divulgação dos dados dos novos casos e óbitos, sem necessidade de elaborar relatórios diários.”
Não deixa de ser caricato e risível – e também hipócrita – que os peritos do IST apelem para uma monitorização de forma rigorosa e transparente, quando para o PÁGINA UM ter acesso ao Relatório Rápido nº 52 houve necessidade de recorrer a uma intimação ao Tribunal Administrativo de Lisboa. E para ter acesso aos ficheiros informáticos teve de recorrer ao Tribunal Central Administrativo Sul. Será que os peritos do IST, não sendo de Humanidades, entendem o conceito de transparência?
8 – “Como escrito muitas vezes nos nossos relatórios: “Há ainda e sempre a possibilidade da introdução de novas mutações do SARS-CoV-2”. Fica a ressalva de que uma nova variante pode sempre colocar em causa previsões baseadas nas variáveis e parâmetros das variantes actuais. O país deve manter-se preparado, nomeadamente quando não existem medidas de mitigação e uma baixa monitorização, para enfrentar uma situação de grande risco em Setembro com agravamento em Outubro.”
Tudo pode acontecer, de facto; até o fim do Mundo; até um dia termos peritos do IST a realizar relatórios desta natureza com isenção, rigor, sobriedade… e transparência. E já agora, alguém se recorda se houve alguma situação “de grande risco em Setembro com agravamento em Outubro” de 2022 em Portugal? Não, não houve. Mais um falhanço dos peritos.
9 – “O período entre vagas pandémicas subiu ligeiramente e está agora entre 120 e 130 dias, como demonstra a transformada de Fourier dos dados da incidência, no gráfico abaixo.”
O uso da transformada de Fourier pressupõe que o comportamento do vírus foi, é e será sempre cíclico. Se assim fosse, como os peritos do IST assumem com grande fé, a pandemia nunca deixará de existir, porque haveria novos surtos ad aeternum.
10 – “Repetimos o escrito no anterior relatório que se mantém actual: “As autoridades de saúde devem adaptar a sua estratégia a esta periodicidade. Há uma indicação que no início de Setembro, com um erro de 15 a 20 dias, teremos o início de uma nova vaga pandémica. Estamos a modelar os nossos sistemas dinâmicos com perda de imunidade, natural e adquirida, o que resulta em soluções periódicas, amplamente documentadas na literatura, v.g., [Martcheva, M. (2015). An introduction to mathematical epidemiology (Vol. 61, pp. 9-31). New York: Springer]. Se a hipótese da perda de imunidade se verifica, estas vagas vão-se suceder de forma periódica ao longo dos anos. A única forma de quebrar estes ciclos será com vacinas de nova geração. A teoria e a história indicam, também, que as ondas pandémicas se irão atenuando ao longo dos ciclos repetidos até o vírus se tornar “endémico”. Isso é possível, mas apenas o próximo Inverno vai ditar se estamos realmente nesse caminho e o país deve continuar preparado e com mecanismos de resposta rápida.”
Eis uma perfeita, conclusiva e comprometedora declaração de fé. A realidade tem estado a desmentir este alarmismo. Em Setembro e Outubro de 2022 houve pouco mais de 10 mil casos positivos – também por se ter desistido de testar de forma massiva – e um registo de 400 óbitos, que representa uma média diária de menos de sete óbitos por dia. Desde Agosto de 2022 até à data – ou seja, quase sete meses – a mortalidade diária atribuída à covid-19 nunca ultrapassou os 12 óbitos, mesmo durante o Inverno deste ano, mostrando assim fortes sinais de estarmos numa fase endémica. A ideia de que a “única forma de quebrar estes [supostos] ciclos será com vacinas de nova geração” não tem suporte científico e soa a completa propaganda.
11 – “Neste momento ter excesso de confiança é o risco que Portugal corre, ‘preparar o pior esperando o melhor’ continua a ser o lema mais seguro quando se enfrenta uma situação de risco indeterminado mas com uma probabilidade elevada de ocorrer, os sinais serão dados em Setembro/ Outubro de 2022.”
O tempo mostrou, e os peritos do IST demonstraram, que pior do que o “excesso de confiança” é o “excesso de alarmismo”. E a má Ciência também é má.
Em 1991, no ano em que publicou o polémico O Evangelho segundo Jesus Cristo – e já sendo um escritor consagradíssimo, depois de Levantado do chão (1980), do sublime Memorial do convento (1982), de O ano da morte de Ricardo Reis (1984), de A jangada de pedra (1986) e de História do cerco de Lisboa (1991) –, José Saramago contou a génese do seu romance de estreia: Terra do pecado, publicado em 1947, quando o único Prémio Nobel da Literatura da língua portuguesa contava 25 anos: “Foi publicado pela Minerva, mas o editor achou que A viúva não era um título comercial e sugeriu que se chamasse Terra do Pecado. Pobre de mim, queria era ver o livro editado e assim saiu. De pecados sabia muito pouco e, embora a história comporte alguma actividade pecaminosa, não eram coisas vividas, eram coisas que resultavam mais das leituras feitas do que duma experiência própria. Não o incluo na minha bibliografia, apesar de os meus amigos insistirem que não é tão mau como eu teimo em dizer. Mas como o título não foi meu e detesto aquele título…”
Em nota do próprio Saramago, nesta edição que a Porto Editora lança em parceria com a Fundação José Saramago, que recupera o título inicialmente desejado – a culminar as comemorações do centenário do nascimento do escritor –, além de contar a sua formação como leitor (alicerçado, como se sabe, na biblioteca das Galveias, em Lisboa), são revelados ainda outros pormenores da viagem do manuscrito até ser aceite inopinadamente pelo editor Manuel Rodrigues, que também criou o famoso Borda d’Água. E, por fim, conclui Saramago, não sem ironia, e em tom auto-depreciativo, que “não podia adivinhar que o livro terminaria a pouco lustrosa vida nas padiolas. Realmente, a julgar pela amostra, o futuro não terá muito para oferecer ao autor de A viúva.”
Não tendo a “vida” de A viúva, como romance, acabado em padiolas, o futuro não teria, de facto, muito para oferecer ao seu autor se o estilo se tivesse mantido. Felizmente, mudou. Por ele e para agrado dos leitores. Depois da sua estreia, aos 25 anos, Saramago manteve um interregno em obras de ficção de três décadas, até que em 1977 publicou Manual de pintura e caligrafia, demorando depois mais três anos até Levantado do chão para apurar e depurar o seu estilo característico, de marcante oralidade e fluxo narrativo encantatório, crítico e irónico (e criativos enredos) com uma pontuação não convencional (na verdade, com poucos pontos).
O interregno foi mais curto em outros géneros. Saramago publicou um livro de poemas em 1966, e na década de 70 mais dois livros de poesia, três livros de crónicas, sete contos (seis dos quais na obra Objecto quase, e o sétimo numa antologia) e duas peças teatrais. Em todo o caso, antes de Levantado do chão, Saramago era muito mais conhecido como (polémico) jornalista, de forte pendor ideológico, do que como escritor.
Por isso, queiramos ou não, até ao início dos anos 80, Saramago – já a caminhar então para os 60 anos – não teria grandes motivos para se orgulhar do seu romance de estreia, e não propriamente por lhe terem trocado o título.
De facto, sendo certo que A terra do pecado – ou A viúva, como agora se queira –, que era “renegado” por Saramago, acabou por ter mais edições do que a primeira, mas estas só começaram a surgir depois de 1997, a reboque da sua consagração, dois anos depois do Prémio Camões – e agregado a mais oito prémios literários – e em vésperas do Prémio Nobel da Literatura. As sucessivas edições que teve – na Editorial Caminho, foram sete até 1999 e 10 até à morte de Saramago, em 2010 – aparentam um sucesso literário, mas na verdade justificaram-se (e aceita-se que bem) somente pelo interesse, curiosidade e culto literários, tanto assim que os exemplares da primeira edição de 1947 atraem actualmente grande interesse bibliófilo. Os escassos exemplares no mercado alfarrabista atingem preços de 750 ou até de 1.000 euros. [com alguma sorte, há uns anos consegui um exemplar por 250 euros]. Um valor bem superior a um exemplar da primeira edição de Memorial do convento ou de Levantado do chão.
De facto, pode-se acusar Saramago de muita coisa – além de se poder (e dever) venerá-lo pela sua extraordinária escrita a partir de 1980 –, mas jamais de falta de lucidez. Com efeito, não foi por acaso – nem pela questão do título – que Saramago não terá incluído, por décadas, o romance de estreia na sua bibliografia. Simpatias à parte, Terra do pecado (ou A viúva) é obra de Saramago mas não é obra saramaguiana; é romance completamente fora daquilo que viria a ser o seu universo e estilo; é um romance com enredo simples, escrita enquadrada no movimento entre o realismo e o naturalismo, mas com descrições banais e um encadeamento pueril. Por exemplo, veja-se a segunda metade do romance onde se sucedem os capítulos com um quase invariável “na manhã seguinte”. Ou diálogos que “não aquecem nem arrefecem” (pg. 193):
– Boa noite, Joaquim! Já vais fechar?
O taberneiro curvou-se:
– Boa noite, senhor doutor! Já ia fechar, sim, senhor!… Mas cá o estabelecimento, para o senhor doutor, está sempre aberto. Faça favor de entrar.
O médico entrou e sentou-se, enquanto o taberneiro corria a um armário, donde tirou um copo limpo e uma garrafa de vinho do Porto.
– O costume, não é, senhor doutor?
– Sim, claro, o costume…
Não se diga, em todo o caso, que A viúva é um mau romance; é um romance de formação, de um jovem de 25 anos, ainda sem calo literário, e por isso muito aceitável. Não envergonha, merece até estar numa estante, mas não exalta. E olhando para a obra do seu autor, José Saramago, que nos ofereceu alguns romances de merecida nota 20, dar-se assim um 12 à sua A viúva acaba até por ser, pelas diferenças colossais num confronto com as suas (várias) obras-primas, um gesto de respeito.
Uma coisa é a solidariedade activa e o apoio a um povo invadido por outro Estado autoritário; outra é um branqueamento de um regime não-democrático e de um político que está longe dos padrões da liberdade e da verdadeira democracia.
Um regime corrupto e não-democrático não o deixa de ser só porque se torna vítima de outro. Um regime corrupto e não-democrático não o deixa de ser só porque, enfim, políticos fracos e populistas de um país que “vende” comendas da Liberdade lhe decidem colocar como um artificial paladino da Liberdade.
Zelensky pode vir a merecer uma comenda portuguesa desta natureza, e muito mais, mas não agora, nunca agora.
Mas compreendo a pressa: Marcelo não quer agraciar Zelensky, quer sim ser fotografado a agraciar Zelensky. A graça é por ele e para ele – e a isso chama-se populismo.
E quando os valores se rendem ao populismo enfraquecemos a Democracia. Vendemos a Democracia.
Terá sido com alívio que Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico, recebeu a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa da juíza Telma Nogueira no passado dia 27 de Janeiro. Depois de uma atitude de puro obscurantismo e prepotência, arriscava a ser obrigado por um tribunal a disponibilizar não apenas 52 relatórios (supostamente) científicos como também os ficheiros de dados que, durante um ano, serviram para a Ordem dos Médicos alimentar um clima de manutenção do pânico.
Em causa estava, e continua a estar, a qualidade científica e sobretudo a idoneidade moral e ética de Rogério Colaço e de quatro investigadores do IST, a saber: Henrique Oliveira, Pedro Amaral, José Rui Figueira e Ana Serro. Não é de ânimo leve que um relatório científico pode atribuir mortes directas (e logo 330) a eventos em concreto. Não é de ânimo leve que uma instituição científica, ainda mais pública, recusa facultar os dados que terão suportado essas “conclusões”.
Instituto Superior Técnico foi fundado em 1911; o campus universitário da Alameda foi construído a partir de 1927.
De facto, a sentença acabou por considerar que o último relatório do IST – o tal que chegou a ser classificado pelos seus autores um “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório” – é um documento administrativo, ordenando que fosse disponibilizado ao PÁGINA UM.
Porém, a juíza esqueceu-se que em causa, para ela decidir, não estava apenas o conteúdo do tal relatório – denominado Relatório Rápido nº 52 –, mas sim o acesso “de todo e qualquer documento considerado como administrativo na posse do Instituto Superior Técnico – por publicamente ter sido elaborado e/ ou utilizado por investigadores desta instituição universitária – relacionados com a avaliação epidemiológica da covid-19”.
E mais, esqueceu-se a juíza que se explicitava, no requerimento, que “de entre esses documentos classificados como administrativos devem constar, entre outros, a totalidade dos relatórios elaborados no âmbito do protocolo formal ou informal (acordo) realizados pelo Instituto Superior Técnico e a Ordem dos Médicos – e apresentado no dia 14 de Junho de 2021 (vd. aqui: https://archive.ph/wip/C9YTD) –, incluindo ficheiros informáticos contendo elementos (numéricos) que permitiram ou auxiliaram a elaboração desses relatórios”.
Henrique Oliveira, Rogério Colaço, Miguel Guimarães e Filipe Froes na sede do Ordem dos Médicos, em Julho de 2021, aquando da apresentação do plano de acompanhamento da pandemia. O Instituto Superior Técnico realizou 52 relatórios, que foram solicitados, mas esqueceu-se de falar de 51 desses 52 relatórios.
No requerimento do PÁGINA UM, que consta integralmente na petição do processo de intimação, ao qual a juíza deveria dar resposta integral, até se enviou a ligação para o site da Ordem dos Médicos onde se anunciou esse acordo, com a presença do bastonário Miguel Guimarães, do inefável Filipe Froes, do presidente do IST Rogério Colaço e do investigador Henrique Oliveira.
Ora, havendo 52 relatórios – uma vez que o tal “esboço embrionário” era o relatório com o número 52 –, significa que existem 51 relatórios anteriores, sobre os quais a sentença da juíza Telma Nogueira absolutamente nada diz.
Tal como nada diz sobre os ficheiros informáticos com os dados numéricos.
Esqueceu-se a juíza de tudo isto.
Sumário do famoso Relatório Rápido nº 52, que agora divulgamos integralmente.
Por isso, não surpreende que o IST tenha vindo logo a correr enviar o Relatório Rápido nº 52 – que agora divulgamos, sem mais comentários, porque a sua pobreza científica fala por si –, requerendo também à juíza que o original enviado em envelope lacrado lhe fosse devolvido.
Pudera! Com esta “doce” sentença livrava-se de piores males: de ser colocada na praça pública (e nos corredores da Ciência) um miserável trabalho científico de objectivos ínvios.
Podia o PÁGINA UM, perante esta “novela”, assumir que venceu a postura prepotente do IST e do seu presidente – que conseguiu demonstrar, com a sua postura ao longo do processo, que um cientista excelente pode ser, em simultâneo, um péssimo cientista sem ética –, mas nunca neste processo esteve uma causa pessoal, mas sim a avaliação do rigor científico de uma instituição académica durante a pandemia.
Por esse motivo, não desistimos de saber toda a verdade sobre os estranhos relatórios do IST. Não de apenas um, mas de todos os 52 que foram produzidos semana após semana.
Não queremos apenas os 52 relatórios e os dados, apenas para avaliar a postura dos investigadores do IST neste caso concreto, mas pelo seu simbolismo. Constitui um aviso. É inaceitável a possibilidade de pessoas sem escrúpulos usarem, e abusarem, do seu estatuto de académicos, de professores e de investigadores universitários, para comporem narrativas e fazerem fretes para entidades externas ou para interesses obscuros.
Fizemos, por isso, um requerimento à juíza do Tribunal Administrativo de Lisboa pedindo para clarificar a sua sentença por ininteligibilidade. Respondendo em tempo útil, e perante a evidente falha na sentença, evitava um recurso e mais atrasos de justiça.
Não respondeu ainda, o que nos obrigou mesmo a ter de apresentar um recurso ao Tribunal Central Administrativo Sul, de contrário o processo ficava encerrado por transitar em julgado, e jamais se esclareceria o comportamento do IST. O “crime” compensaria. Não poderíamos aceitar sem contestação. Por isso, foram mais 306 euros gastos do FUNDO JURÍDICO para mais taxas de justiça.
Infelizmente, fazer Justiça custa dinheiro, mas esta acção não poderia morrer assim.
Não queremos uma vitória de Pirro; desejamos sim apurar a verdade.
O caso do “esboço embrionário” do IST deve servir de lição para o futuro, sobre o rigor, a isenção e a transparência que se deve exigir às Universidades como bastiões da Ciência. Não deixemos, por isso, esta lição a meio.
Caso queira fazer um donativo dirigido em exclusivo ao FUNDO JURÍDICO, utilize preferencialmente a plataforma do MIGHTYCAUSE. Se preferir usar outros meios, pode assim recorrer mas agradecíamos um aviso para procedermos ao depósito na plataforma. Se necessitar de esclarecimentos, escreva-nos para geral@paginaum.pt. A gestão das verbas do FUNDO JURÍDICO, ao contrário das verbas destinadas à actividade do jornal (geridas pela Página Um, Lda.), é da minha inteira responsabilidade (Pedro Almeida Vieira), de modo a serem consideradas donativos (e não receitas ou rendimentos), o que se mostra mais favorável contabilisticamente para o jornal. No passado dia 7 de Janeiro foi apresentado um balanço sobre os processos concluídos e em curso, incluindo também a parte contabilística. No final de 2022, as receitas do FUNDO JURÍDICO atingiram os 13.943,40 euros e o saldo era positivo em 1.067,87, após deduzidas taxas de justiça e honorários com advogado.
O PÁGINA UM vasculhou milhares e milhares de registos de reacções adversas das vacinas contra a covid-19 em grávidas. Apesar do obscurantismo generalizado, que dificulta análises estatísticas e nem sequer permite calcular a incidência, a pesquisa do PÁGINA UM apurou a existência de mais de 5.300 casos de reacções consideradas graves, entre as quais 3.385 abortos e 246 mortes fetais. A vacinação em grávidas, feita de forma massiva, não foi precedida de ensaios clínicos e a Agência Europeia do Medicamento escreveu em Dezembro passado que ainda está em processo de monitorização, mas nem uma palavra sobre os milhares de casos já notificados na base de dados da EudraVigilance. Cá em Portugal, o Infarmed não diz nem uma palavra a respeito do assunto, preferindo lutar no Tribunal Administrativo de Lisboa pela manutenção do obscurantismo. Não estará na altura de falar com e sobre as grávidas?
A farmacovigilância, conforme conceito definido pelo Infarmed, “visa melhorar a segurança dos medicamentos, em defesa do utente e da Saúde Pública, através da deteção, avaliação e prevenção de reações adversas a medicamento(s)”. E para isso, o regulador nacional, presidido por Rui Santos Ivo, tem um Sistema Nacional de Farmacovigilância para “monitoriza[r] a segurança dos medicamentos com autorização de introdução no mercado nacional, avaliando os eventuais problemas relacionados com reações adversas a medicamentos e implementando medidas de segurança sempre que necessário.”
Assim, em princípio, deveríamos ficar descansados quando, lendo o mais recente Relatório de Farmacovigilância de monitorização da segurança das vacinas contra a covid-19 em Portugal, relativo aos dados recebidos até finais de 2022, ali se garante que “diversos estudos comprovam que as vacinas contra a covid-19 são seguras e efectivas”. É certo que, mais adiante, surgem números sobre reacções adversas, sendo que 8.518 notificações as classificam como graves, indicando-se ainda que 886 levaram a hospitalização, mais 309 causaram risco de vida e houve mesmo 143 mortes. O Infarmed, neste último caso, indica apenas a mediana (72 anos), o que significa que não informa ao certo a idade das pessoas vitimadas.
Para uma doença à qual se atribui, só em Portugal, já um pouco mais de 26 mil mortes, termos como “efeito secundário” das vacinas, por “fogo amigo”, 143 mortes, poderia até ser socialmente aceitável. Ainda mais se fosse mesmo verdade aquilo que epidemiologistas como Henrique Barros asseguram: que em 2021 as vacinas “salvaram”2.300 vidas, e que em finais de 2022 já iam em 12.000 vidas. Mas estudos concretos sobre esses milagres, nunca ninguém publicamente os viu.
Na verdade, subsistem fortes dúvidas sobre o rigor e exactidão do relatório do Infarmed. As lacunas e a forma enviesada como os dados numéricos são apresentados mostram-se mais serpenteantes do que as bulas dos medicamentos escritas pelas farmacêuticas e autorizadas pelo regulador.
Com efeito, não há nem nos outros nem neste mais recente relatório do Infarmed – em que se anuncia ser o último, numa tentativa de se enterrar polémicas, alegando-se haver já “um conhecimento mais robusto do perfil de segurança destas vacinas”, o que é uma criminosa falsidade – uma só referência a “grávidas”, “aborto” ou “morte fetal”. Poder-se-ia dar o caso de, enfim, ser questão irrelevante. Não é, pelo contrário: tem sido exclusivamente na fase da farmacovigilância que se pode observar os efeitos adversos de medicamentos sobre as grávidas e fetos.
Como se refere na introdução de um recente artigo de revisão na revista científica Obstetrics, sugestivamente intitulado “Covid-19 vaccination in pregnancy: need for global pharmaco-vigilance”, por “razões éticas, os ensaios clínicos não puderam ser conduzidos para estudar os efeitos da vacina contra a covid-19 durante a gravidez”. Deste modo, apesar de os autores do artigo até se manifestarem favoráveis à vacinação em grávidas, não apresentam qualquer análise custo-benefício e admitem que a vacinação massiva se iniciou com informações de segurança provenientes apenas de algumas mulheres que participaram nos ensaios sem conhecer o seu estado.
Por tudo isto, só pode, no mínimo, causar estranheza que o Infarmed não esclareça expressamente – será essa, esperar-se-ia, a sua função – se foram ou não relatados casos de abortos e mortes fetais associados às vacinas contra a covid-19 em Portugal. Mas não há uma linha sequer. Um zero. Qualquer coisa.
E haverá. Só pode haver. Estatisticamente, havendo cerca de 5 milhões de gravidezes por ano no Espaço Económico Europeu – já incluindo as não concluídas –, só um estranho milagre evitaria que não tivessem sido reportadas reacções adversas graves associadas às vacinas contra a covid-19 em grávidas em solo português, porque Portugal tem um peso de 2% em todos os nascimentos (e gravidezes) desta região europeia. Portanto, será sensato admitir que 2% das gravidezes venham a corresponder a 2% das reacções adversas graves, ou valores não muito longe isto; a menos, claro, que haja milagres.
Número de reacções adversas graves por ano (2023 apenas até à primeira semana de Fevereiro) no Espaço Económico Europeu por tipo de vacina. Fonte: EudraVigilance. Análise: PÁGINA UM.
E é uma evidência que essas reacções graves existem,porque têm sido reportadas. Com efeito, de acordo com uma análise exaustiva feita pelo PÁGINA UM a todas as notificações recebidas desde 2021 até à primeira semana de Fevereiro deste ano pela Eudravigilance – o sistema que recebe as notificações, e as valida, sobre os efeitos adversos dos diversos fármacos –, contabiliza-se um total de 5.336 casos considerados graves de reacções adversas associadas às diversas vacinas da covid-19 durante as fases de gravidez, puerpério e condições perinatais. Estes números englobam os países da União Europeia e também Noruega, Islândia e Liechtenstein.
Saliente-se que, por regra, a inserção destas notificações de casos classificados como graves (serious, na terminologia usada pela EMA) é feita por profissionais de saúde e, em grande parte dos casos, pelas próprias farmacêuticas. Ou seja, existem evidências clínicas para uma fortíssima suspeita de reacção adversa causada pelas vacinas contra a covid-19, e não uma mera relação casual, não uma mera coincidência.
A nível europeu, de acordo com os dados da EMA, o ano de 2021 foi aquele que registou o maior número de casos graves, com o total de 3.020, quase todos a partir de Março, uma vez que os idosos foram prioritários na primeira fase dos programas vacinais da generalidade dos países europeus. Na Eudravigilance apenas se encontram, assim, 27 registos de reacções adversas graves em Janeiro e Fevereiro de 2021. Mas mesmo havendo já reacções adversas graves, decidiu-se partir para uma vacinação massiva de grávidas nunca visto.
Destaque-se que, em Junho de 2022, um artigo científico de revisão e meta-análise publicado na revista American Journal of Emergency Medicine concluiu que, apesar de existir um aumento do risco de internamento em unidades de cuidados intensivos e de ventilação em caso de infecção por covid-19, a taxa de mortalidade nas grávidas não era estatisticamente maior em comparação com as não-grávidas.
Em 2022, o número de reacções adversas graves em grávidas desceu para 2.244, ignorando-se se se deveu a um menor número de vacinas administradas neste grupo específico. Este ano contabilizaram-se apenas 72 casos, o que pode indiciar que o número até Dezembro venha a ser muito menor do que em anos anteriores, mas não se sabe ainda se se deve ao muito menor número de grávidas a quererem vacinar-se ou ao melhor perfil de segurança das vacinas bivalentes.
Como em tudo o que se tem visto neste processo de vacinação, muita informação ainda está em fase de recolha, parecendo que se assiste a um mega-ensaio clínico em tempo real para se saber se corre tudo bem ou não.
Número de abortos e mortes fetais por ano (2023 apenas até à primeira semana de Fevereiro) no Espaço Económico Europeu por tipo de vacina. Fonte: EudraVigilance. Análise: PÁGINA UM.
Esta evolução absoluta dos casos graves tem pouco significado sequer para traçar o perfil de segurança nas grávidas das vacinas contra a covid-19, no geral, e das diversas marcas, em particular. Não se encontra qualquer informação na EMA nem em outro qualquer organismo europeu sobre o número de doses administradas às grávidas por ano, e muito menos quais os números por marca. A falta de informação é intencional: deste modo, torna-se impossível calcular a incidência de efeitos graves.
O relatório de segurança do regulador europeu de 8 de Dezembro passado dedica às grávidas uma breve referência final em uma única frase, por sinal a última de um texto de nove páginas: “Além disso, a EMA está a coordenar estudos observacionais nos Estados-Membros, analisando dados do mundo real de prática clínica para monitorizar a segurança e a eficácia das vacinas contra a covid-19, inclusive em mulheres grávidas” [“In addition, EMA is coordinating observational studies in EU Member States looking at real-world data from clinical practice to monitor the safety and effectiveness of COVID-19 vaccines, including in pregnant women”].
Esta lapidar frase, cheia de coisa nenhuma, a não ser incerteza, escrita dois anos após o início da vacinação, diz muito, ou demasiado, da forma cega como se administrou as doses em grávidas – ainda mais sem nunca se ter evidenciado serem estas um grupo particularmente de risco, até porque a generalidade é jovem e saudável.
Por esse motivo, mostra-se enganador sequer comparar directamente o número de reacções adversas entre as diversas farmacêuticas. Por exemplo, apesar de as vacinas da Pfizer, sobretudo a primeira (Tozinameran), serem suspeitas de causar 3.297 reacções adversas graves (62% do total), o seu perfil de segurança até poderá ser melhor do que as de outras vacinas, uma vez que 73,3% de todas as quase 934 milhões de doses administradas no Espaço Económico Europeu eram desta farmacêutica norte-americana. Além disso, seria necessário saber especificamente a quantidade de grávidas que tomaram cada uma das vacinas, e em que anos, bem como as suas idades e condições de saúde, confrontando com a incidência de reacções adversas.
Mesmo com esta falta absurda de informação – sendo que as grávidas propriamente ditas ainda estarão mais na ignorância –, causa estupefacção observar que a vacina da AstraZeneca causou 756 reacções adversas graves neste grupo de mulheres. Isto sabendo que foram administradas apenas 68,8 milhões de doses na globalidade das idades (sendo que nunca a menores), valor que contrasta com as 685 milhões de doses da Pfizer (quase 10 vezes mais) e as 161 milhões de doses da Moderna (134% a mais, no global, mas “apenas” mais 50% de reacções adversas graves em grávidas).
Em suma, não terá sido indiferente para as grávidas, do ponto de vista do risco, a marca de vacina administrada. As grávidas (e as outras pessoas) sabiam? Não. Foi-lhes dada escolha? Não.
A panóplia de reacções graves detectadas pelo PÁGINA UM na base de dados da EudraVigilance são vastas e nem sempre fáceis de catalogar. Porém, no caso das grávidas, além do risco da sua própria morte, o mais grave dos efeitos adversos graves notificados na EMA parece óbvio: a morte da “criança” em formação, ou tecnicamente, do feto.
E aí, apesar do regulador português presidido por Rui Santos Ivo – que, desde Dezembro de 2021, luta tenazmente, agora no Tribunal Administrativo, para não ceder ao PÁGINA UM os dados administrativos do Portal RAM com informação anonimizada – nem sequer se dignar a fazer referência às reacções adversas em grávidas e nos fetos (talvez por os considerar sem personalidade jurídica), e a EMA adiar o assunto para as calendas, os registos da Eudravigilance mostram os frios números de vidas perdidas.
De acordo com a análise individual do PÁGINA UM às 5.336 reacções graves em grávidas desde 2021 – a base de dados da Eudravigilance apenas permite descarregar em formato de folha de cálculo uma síntese das notificações –, aparecem 3.385 abortos (a esmagadora maioria com a indicação de serem espontâneos) e mais 246 mortes fetais desde Janeiro de 2021. Ignora-se a distribuição por países.
Estimativa do número de reacções adversas graves por ano (2023 apenas até à primeira semana de Fevereiro) em Portugal por tipo de vacina. Fonte: EudraVigilance. Análise: PÁGINA UM.
Mais de duas em cada três reacções adversas graves (68%) em grávidas resultaram, assim, na perda da criança – chamemos assim por dignidade. Também aqui o ano de 2021 foi o pior, havendo registos de 2.039 abortos e 144 mortes fetais.
O peso no total das reacções consideradas graves foi, contudo, superior (72%) à média. Em 2022, essa percentagem desceu para 62%, ou seja, notificaram-se 1.305 abortos e 96 mortes fetais para um total de 2.244 casos graves. O presente ano tem ainda poucos casos para se tirar uma tendência, mas a proporção é, por agora, próxima da dos anos anteriores.
Mais uma vez, como referido para os casos graves totais, não se mostra possível aferir qualquer sinal sobre o perfil de segurança de cada uma das vacinas, mas tudo aparenta que existam diferenças significativas. Por outro lado, aparentemente, a diminuição de mortes de crianças antes do nascimento entre 2021 e 2022 deverá estar mais associado a uma menor procura de reforços neste segundo ano do que a uma melhoria da segurança. Porém, reitera-se: sem disponibilização de dados fiáveis, a especulação manter-se-á sempre.
Se a especulação não é aconselhável, a falta de dados – por intencional obscurantismo de entidades públicas e do Ministério da Saúde – também não deve causar uma completa ausência de debate. E uma coisa parece assim evidente: com os valores de abortos e mortes fetais nos países do Espaço Económico Europeu, será estatisticamente impossível que as mulheres portuguesas grávidas não tenham sido afectadas pelas vacinas contra a covid-19.
Com efeito, se estimarmos a ocorrência de 100 mil gravidezes por ano em Portugal (um valor que já considerará os abortos espontâneos em condições naturais), significa que o nosso país tem um peso da rondar os 2% no total de gravidezes no Espaço Económico Europeu. Ora, se se aplicar esse peso à totalidade dos efeitos adversos, então em Portugal terão já ocorrido 108 casos graves de reacções adversas em grávidas, das quais 61 em 2021, mais 46 no ano passado e apenas uma este ano.
Estimativa do número de reacções adversas graves por ano (2023 apenas até à primeira semana de Fevereiro) em Portugal por tipo de vacina. Fonte: EudraVigilance. Análise: PÁGINA UM.
Considerando as fatalidades, será de supôr então que tenham ocorrido – a menos que o Santo Ivo, esse, o padroeiro dos advogados venha argumentar com um milagre – 68 abortos e quatro mortes fetais em Portugal desde 2021. As estimativas podem ser feitas por farmacêutica.
Este número pode, em termos absolutos, e do ponto de vista estritamente de Saúde Pública, ser considerado um número aceitável? Depende. Primeiro, qualquer que seja este valor, são vidas individuais que se perderam, dramas que se vivenciaram.
Segundo, tem de se colocar uma questão essencial: valeram a pena essas vidas perdidas ou foram em vão? Quantas grávidas se salvaram por haver este programa de vacinação massivo para um grupo onde não existiam (e continuam a escassear) estudos de segurança sobre as vacinas contra a covid-19? Quantas mortes de grávidas houve em Portugal pela covid-19 antes das vacinas? Que se diga, mas sem mentiras.
E, sobretudo, disponibilize-se essa informação às grávidas. O consentimento informado só pode exercer-se com informação. Não com omissões intencionais, não com obscurantismo deliberado, não com falsidades descaradas.
O PÁGINA UM divulga os registos individuais (obviamente anonimizados) das notificações desde 2021 dos efeitos adversos graves da base de dados da Eudravigilance, gerida pela EMA, relacionadas com grávidas. Decidiu-se agrupar os dados por farmacêutica, sendo que em cada ficheiro se encontram todos os registos por ano e por vacina (havendo três da Pfizer e outros três da Moderna). Não se incluíram os ficheiros da Valneva e da Sanofi / GlaxoSmithKline, uma vez que, por serem ainda pouco usadas, não contabilizam ainda reacções adversas graves. Na coluna N de cada folha de cálculo constam as ligações directas para a base de dados do Eudravigilance onde se poderá consultar o respectivo registo de notificação.
Nas últimas duas semanas, dois episódios marcantes foram revelados pelo PÁGINA UM, envolvendo o Instituto Superior Técnico e o Ministério da Saúde.
Vejamos o primeiro.
Por sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, uma instituição universitária portuguesa – mais concretamente o Instituto Superior Técnico (IST) – foi obrigada a revelar um relatório que escondia. Note-se: uma instituição universitária, sede do saber e da transparência do conhecimento foi usurpada por pessoas sem carácter que, munidos de canudos e vestes talares, manipularam dados e contribuíram para alimentar o medo e o pânico para benefícios inconfessáveis de terceiros.
Rogério Colaço, presidente do Instituto Superior Técnico, e Manuel Pizarro, ministro da Saúde, irmãos na arte de sonegação de informação pública, “apadrinhados” pela imprensa mainstream.
Não satisfeitos, e aproveitando uma (alegada) falha da juíza – que na sentença não explicitou que deveriam ter fornecido ainda os ficheiros de dados e os anteriores 51 relatórios –, o IST foi lesto a requerer a destruição das provas, ou seja, o original de um relatório que, para evitar o acesso legal do PÁGINA UM, eles classificaram de “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”.
Se a vergonha significasse alguma coisa para a Academia, aqueles senhores, começando pelo presidente do IST, ter-se-ia demitido, ou sido corrido a pontapé pelo respectivo Conselho Científico.
Vejamos agora o segundo.
O Ministério da Saúde ordenou que se surripiasse do Portal Base os ficheiros com quatro contratos assinados entre a Direcção-Geral da Saúde e duas farmacêuticas (Pfizer e Moderna), relativos às vacinas contra a covid-19, trocando-os por folhas completamente apagadas de conteúdo. O objectivo foi manipular o processo que contra si corre no Tribunal Administrativo de Lisboa para ceder os outros contratos feitos a partir de Janeiro de 2021, que nunca foram colocados no Portal Base. Estamos a falar de contratos em falta que deverão representar muito mais de 500 milhões de euros, bem como outra correspondência com as farmacêuticas, cujo acesso permitirá conhecer não apenas os montantes efectivamente gastos mas também os compromissos comerciais para o futuro.
Notícia do artigo 37, um site de académicos ligados a universidades com cursos de comunicação social, sobre a sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa obrigando o Instituto Superior Técnico a revelar um relatório alarmista. O caso ainda não está encerrado, por se ter requerido a clarificação da sentença quanto aos ficheiros de dados e aos 51 primeiros relatórios.
Não conheço nenhum outro caso em que tenha havido uma ordem para a retirada de documentos do Portal Base, ainda mais com este propósito de encobrimento na gestão de dinheiros públicos. Sei apenas que isto seria matéria para o Ministério Público, se o Ministério Público servisse para zelar o bem público, e não o bem do Governo.
Tanto num caso como no outro, o silêncio dos media mainstream foi ruidoso.
Uma das coisas que não me podem acusar é de ignorar aquilo que é uma boa notícia,uma cacha, uma matéria exclusiva que tem todas as condições para dar brado mediático, público e político.
Aliás, veja-se o caso das subvenções vitalícias dos políticos que foram negadas ao Correio da Manhã pelo Governo, apesar do parecer da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos. Deu primeira página no jornal do Grupo Cofina, o mais lido do país.
Ora, o PÁGINA UM tem mais de uma dezena de casos semelhantes, levou alguns a Tribunal. E ganhou alguns em primeira instância, um deles ao Conselho Superior da Magistratura, e sobre a Operação Marquês (encontra-se em recurso).
Porém, em todos os processos do PÁGINA UM, a imprensa mainstream tudo tem ignorado, assobia para o ar, age com comprometedora passividade, como se nada de relevante se passasse.
Por isso, enquanto se observa o silêncio da imprensa mainstream, ver na última semana entidades ligadas à imprensa, como o Clube dos Jornalistas e o artigo 37 – integrando académicos (grande parte dos quais com relevante passado jornalístico) de diversas universidades na área da comunicação –, por duas vezes (aqui, sobre o IST, e aqui, sobre o Ministério da Saúde), escreverem sobre os recentes temas revelados pelo PÁGINA UM (IST e Ministério da Saúde), é bem revelador da podridão reinante.
Na verdade, já não me surpreendem as atitudes prepotentes e obscurantistas das entidades públicas – e das pessoas que agem sobre elas, como se fossem suas –, que recusam e lutam tenazmente para esconder informação. Quando faço um pedido já aguardo uma não-resposta. Em muitos casos, quando faço um pedido já uso terminologia jurídica, invocando a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, preparando-me já para (mais) um processo de intimação no Tribunal Administração de Lisboa. São as novas regras do jogo, e eu já as interiorizei: só na “barra do tribunal” consigo informação.
Notícia do artigo 37, um site de académicos ligados a universidades com cursos de comunicação social., sobre o “apagão”dos contratos das vacinas contra a covid-19 no Portal Base.
De facto, a minha única surpresa tem sido a atitude da imprensa mainstream, e sobretudo a falta de coragem de muitos jornalistas que secretamente gostaria de fazer aquilo que o PÁGINA UM faz, mas perderam a coragem de enfrentar poderes, a começar pelos internos, ao nível das cândidas direcções e das engravatadas administrações.
Neste caso, o problema está mesmo no mensageiro (leia-se, imprensa mainstream), que alegre e alarvemente, nega os princípios do jornalismo. O problema está nos seus silêncios, nas suas omissões, que dão carta branca aos maiores atropelos democráticos. O silêncio da imprensa é, neste aspecto, o silêncio dos culpados. A imprensa está a cometer o seu harakiri.