A “máquina” do Banco Central Europeu permitiu a ilusão de tudo se poder fazer. A Comissão Europeia impôs, e os Estados-membros aceitaram, a compra de vacinas contra a covid-19 à fartazana. O resultado está aí. Ontem à noite, o Tribunal de Contas já levantou o véu do desastre financeiro em Portugal, alertando para um desperdício de vacinas não administradas que poderia chegar aos 45%. Esse valor, estimado para o final do ano passado, pecará por defeito. O Estado português encomendou até 2022 um total de 61,2 milhões de doses, mas por causa da baixa procura nos meses mais recentes só se utilizaram, até agora, 28,2 milhões de doses. Houve mesmo duas vacinas em que a taxa de desperdício foi de quase 100%. Contas feitas, já voaram assim para os cofres das farmacêuticas mais de 511 milhões de euros sem qualquer préstimo público. E vai haver mais até 2026, pelo menos. A inflação e as oportunidades perdidas para o futuro do Serviço Nacional de Saúde são a factura a pagar pelos contribuintes.
Um desastre financeiro. Portugal encomendou 61.192.803 doses de vacinas contra a covid-19 até final do ano passado, segundo dados de um relatório do Tribunal de Contas ontem à noite revelado, mas os dados do European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC) comprovam que, até agora, apenas foram administradas 28.200.460 doses no nosso país. Tendo em conta o tempo já passado – e mais compras entretanto feitas –, o desperdício financeiro, decorrentes dos secretos acordos prévios de aquisição negociados pela Comissão von der Leyen e as farmacêuticas, será, no mínimo, desastroso.
O relatório do Tribunal de Contas é prudente – e até bondoso na análise entretanto realizada –, estimando que, até final do ano passado, onde termina a análise, a taxa de desperdício era de 11,2%, apontando para um desperdício de cerca de 3,5 milhões de doses. Mas salientava que o desperdício seria previsivelmente maior, porque a percentagem de doses ainda não administradas face ao total então recebido era já de 42%, “deixando antever uma tendência de agravamento da taxa de desperdício de vacinas, ao longo do tempo”. Como a vacinação perdeu gás nos últimos meses, ao ponto da adesão dos menores de 50 anos para o terceiro reforço ter sido praticamente nula, a perda de validade terá atingido quase todo o stock e encomendas chegadas nos primeiros meses de 2023.
Nem todas as vacinas terão tido o lixo como destino. Substituindo o obscurantismo do Ministério da Saúde – que tem mantido uma postura de secretismo inqualificável –, o Tribunal de Contas revela que, até ao ano passado, “o desperdício das doses em excesso foi minimizado através de doações, de revendas e de empréstimos”, salientando que 7,8 milhões de doses de vacinas foram doadas a países terceiros, quer através de doações bilaterais, quer do mecanismo GAVI/COVAX; 1,8 milhões de doses foram revendidas; e ainda 775 mil doses terão sido cedidas a título de empréstimo.
Em todo o caso, estes mecanismos não terão sido tão intensos nos três últimos trimestres do ano passado, e muito menos ao longo de 2023, porque há um excesso de oferta perante a escassez de procura. Com efeito, a adesão dos europeus aos segundo e terceiros reforços da vacina contra a covid-19 foi bastante baixa. Conforme o PÁGINA UM revelou na semana passada, nos países abrangidos pelo ECDC apenas 14,7% da população tomou o segundo reforço e somente 2,4% o terceiro.
Prova da fraca adesão ao longo de 2022 – e também de 2023 – nota-se pelo fraco acréscimo de doses administradas entre o final do ano passado – que segundo o relatório do Tribunal de Contas, era de 27.986.899 unidades – e o valor actualmente indicado para Portugal pelo ECDC: 28.200.460 unidades. Ou seja, nos últimos seis meses apenas foram administradas, de acordo com os números indicados por duas entidades credíveis, 215.561 doses no nosso país, fazendo aumentar as quantidades desperdiçadas, sem préstimo.
Assim, mesmo excluindo as encomendas ao longo do presente ano – quantidades que continuam no segredo dos deuses, enquanto se aguarda ainda pela sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa a uma intimação do PÁGINA UM entrada em 31 de Dezembro do ano passado –, o diferencial entre as compras até ao final de 2022 (cerca de 61,2 milhões de doses) e as doses efectivamente administradas aos portugueses até agora (28,2 milhões de doses) será, portanto, de 33 milhões de doses. Ou seja, a taxa de desperdício já atingirá os 54%, em vez dos 42% estimados para o final do ano passado pelo Tribunal de Contas.
E, cálculos feitos com base nos custos unitários apontados pelo Tribunal de Contas (15,5 euros por dose), conclui-se então que o montante gasto pelo Governo em vacinas não administradas já ultrapassará os 511 milhões de euros. Recorde-se que somando todas as autorizações de despesa emanadas por Resolução do Conselho de Ministros, a mais recente das quais no passado dia 22 de Setembro, o Governo português prevê gastar até 2026 um total de cerca de 1,1 milhões de euros na compra de vacinas.
Além de outros pormenores transmitidos pelo relatório, o Tribunal de Contas acaba por revelar casos paradigmáticos dos desperdícios milionários, em benefícios das farmacêuticas, por graça e obra da Comissão von der Leyen com os acordos prévios de aquisição.
Dados actuais do European Centre for Disease Prevention and Control mostram que Portugal administrou 28,2 milhões de doses, mas o Tribunal de Contas diz que, até ao final do ano, o Governo encomendou 61,2 milhões de doses. E vêm mais a caminho até 2026.
Por exemplo, por essa via, Portugal foi obrigado a comprar 408 mil doses à Novavax, mesmo se a aprovação dessa vacina só se tivesse concretizado em Abril do ano passado. O Tribunal de Contas diz mesmo que “o desperdício foi de quase 100% das doses encomendadas”. Na verdade, consultando os dados do ECDC foram administradas apenas 314 doses, ou seja, o desperdício real foi de 99,9%.
Mas nem foi, diga-se, a pior situação. Cruzando a informação das compras por marca, constante no relatório do Tribunal de Contas, com as doses administradas por marca no site do ECDC, fica-se a saber que a vacina da Sanofi-GSK, a Vidprevtyn, autorizada apenas em Dezembro do ano passado pela DGS, teve como consequência, pelos acordos da Comissão von der Leyen, que Portugal acabasse por comprar 830.400 doses. Segundo o ECDC foram administradas até hoje somente 77 doses da Vidprevtyn, ou seja, 0,0093% do total.
Doses encomendadas (até final de 2022) e administradas (até à actualidade) em Portugal por marca e respectivas taxas de administração de desperdício. Fonte: Tribunal de Contas e ECDC.
Mesmo a Pfizer tem, até agora, uma taxa de administração que não chega aos 55%, mesmo assim bem acima da vacina da Moderna (35,5%), da AstraZeneca (33,3%) e da Janssen (28,8%).
De entre as vacinas administradas em Portugal, ainda segundo os dados do ECDC – a DGS não revela essa informação –, 74% foram da Pfizer, que acabou assim por dominar completamente o mercado nacional. A Moderna regista uma quota de 14%, enquanto a AstraZeneca e a Janssen – que não usam a tecnologia RNAm – ficaram com quotas de 8% e 4%, respectivamente.
Carlos Carreiras, presidente da autarquia de Cascais, não pára de apoiar os refugiados ucranianos, e destaca-se da “concorrência”: dos cerca de 2,2 milhões de euros em apoios de entidades públicas desde Março do ano passado, o seu município justifica mais de 1,6 milhões de euros. Mas analisando, em detalhe, os fins nobres mostram, afinal, uma suspeitosa falta de transparência. Além de diversas empreitadas por ajuste directo, a autarquia já gastou mais de 925 mil euros em alimentação, incluindo três ajustes directos à mesma empresa (ICA), com periodicidade aleatória, e um “cabaz de compras” de compras de 166 mil euros ao Modelo Continente. A autarquia não diz quantos refugiados ainda apoia nem se disponibiliza a indicar um dia para conferir a distribuição alimentar. Anteontem, o novo contrato de 250 mil euros assinado com a ICA nem sequer quantifica o número de refeições a distribuir no próximo trimestre. Serão combinadas com um alto quadro da autarquia, cujo nome é secreto. Quantas destas entrarão em bocas ucranianas, não se sabe; apenas se sabe que saíram mais 250 mil euros do erário público.
A causa pode ser nobre, mas há muita coisa que, há mais de um ano, não bate certo nos alegados apoios da Câmara Municipal de Cascais aos refugiados da Ucrânia. Mais de um ano e meio depois da invasão da Rússia com a consequente debandada de ucranianos para diversos países europeus, incluindo Portugal, a autarquia liderada pelo social-democrata Carlos Carreiras tem-se destacado sobremaneira em gastos por ajuste directo, sobretudo através de contratos para remodelação de edifícios e para alimentação.
Para já, analisando no Portal Base todos os contratos públicos desde Março do ano passado para apoio aos refugiados ucranianos – e em alguns casos, em simultâneo, de apoio humanitário ao Afeganistão –, a autarquia de Cascais agrega 73% do total dos gastos contratualizados. Num total de 50 contratos de 21 entidades, entre as quais 16 autarquias, o município de Cascais assinou já 19, todos por ajuste directo, envolvendo um montante total de 1.602.911 euros, excluindo IVA. Uma parte substancial foi gasto no ano passado, mas este ano a factura está já acima dos 416 mil euros.
Carlos Carreiras, presidente da Câmara Municipal de Cascais.
Para se ter uma verdadeira dimensão deste apoio no contexto nacional, a segunda entidade com maiores gastos é a Câmara Municipal de Ourém, que já despendeu 166.055 euros. Todas as outras entidades, incluindo da Administração Pública, gastaram, cada uma, menos de 100 mil euros. Por exemplo, a Secretaria-Geral do Ministério da Defesa Nacional assumiu um encargo de 79.850 euros em Dezembro do ano passado para aquisição de geradores a enviar para a Ucrânia. O contrato foi assinado com a empresa Efaflu após concurso público.
Mas no caso concreto da autarquia de Cascais, mais do que o inusitado montante, no contexto nacional, aquilo que mais surpreende é a tipologia dos gastos e sobretudo a falta de transparência nos processos de aquisição.
O mais recente contrato assinado pela autarquia de Cascais relacionado com os refugiados da Ucrânia ocorreu anteontem, beneficiando, pela terceira vez, por ajuste directo, a empresa ICA – Indústria e Comércio Alimentar. Todos os três contratos foram de 250.000 euros, o que já totaliza os 750.000 euros. O primeiro contrato foi assinado em 7 Abril de 2022, por 91 dias, pelo que durou até à segunda semana de Julho. Mas só houve novo contrato, com a mesma empresa alimentar, em 13 de Outubro do ano passado, por um prazo de 92 dias, o que significaria que expiraria em Janeiro deste ano. Desconhece-se o que terão comido os supostos refugiados ucranianos nos meses seguintes, porque, antes do contrato deste mês de Setembro, só em Julho passado se identifica um contrato de índole alimentar envolvendo a autarquia de Cascais e, neste caso, o Modelo Continente.
Gastos totais de entidades públicas em apoio explícito aos refugiados da Ucrânia.
Ao contrário dos dois contratos com a ICA, nesta compra ao Modelo Continente, no valor total de 166.124,88 euros, consta no Portal Base o caderno de encargos com a discriminação de todos os produtos adquiridos, tanto alimentares como de higiene. E é aqui que – ainda mais perante o silêncio da autarquia de Cascais face ao pedido de esclarecimento do PÁGINA UM – mais se adensam as suspeitas sobre se há tantos refugiados para apoiar que justifiquem sucessivos contratos de 250.000 euros de periodicidade aleatória intercalados por uma compra avultada de bens que aparenta ser mais próprio de um cabaz de compras, mas que, no caso da componente alimentar, necessitam de ser confeccionados, tanto mais que muitos são perecíveis.
Mas no meio destas aquisições de produtos e serviços alimentares ressalta uma questão: afinal, quantos ucranianos estão ainda a ser verdadeiramente apoiados pelo município de Cascais, e se estão mesmo a ser apoiados ou se estamos perante contratos fictícios. A autarquia de Cascais acha que não tem de dar respostas e os contratos também não ajudam, pelo contrário.
O recente contrato com a ICA, tal como os outros dois, não traz qualquer indicação do número de refeições – e, portanto, ignora-se o número de refugiados apoiados – nem tão-pouco as suas tipologias ou variedade, sabendo-se apenas que se referem a pequeno-almoço, almoço, lanche e jantar. No caderno de encargos deste terceiro contrato – que, neste caso, surge no Portal Base – diz-se apenas, nas especificações técnicas, que as entregas deverão ser feitas nos centros de acolhimento a refugiados, e que quanto a localizações e quantidades serão a “acordar com o gestor do contrato” na autarquia de Cascais.
Repasto em Junho do ano passado em Cascais aquando da visita do presidente da autarquia russa de Irpin a um dos centros de acolhimento de refugiados.
Neste terceiro contrato com a ICA disponibilizado no Portal Base, a autarquia decidiu abusiva e ilegalmente rasurar o nome do gestor do contrato, ficando apenas a saber-se que será o chefe do Gabinete de Intervenção Socioprofissional. Ou seja, fica tudo em combinações entre um funcionário autárquico e a empresa alimentar. Tudo no segredo dos deuses.
Numa reportagem do Diário de Notícias em Fevereiro passado, Carlos Carreiras dizia que nos dois centros de acolhimento então existentes estavam “apenas 132 cidadãos” ucranianos, acrescentando que se esperava que até ao final de Março esse número fosse “cerca de metade e que até Maio/ Junho já todos [tivessem] encontrado soluções”.
Mas não é apenas em alimentação que a Câmara de Cascais tem feito gastos suspeitos envolvendo apoio aos refugiados ucranianos. Em Junho do ano passado, o PÁGINA UM já revelara duas empreitadas extraordinárias para a execução de obras de alojamento – algo que mais nenhuma outra autarquia portuguesa que acolheu ucranianos fez.
O primeiro contrato foi celebrado em 11 de Abril de 2022 com a Ediperfil, para adaptação da antiga creche de São José, entretanto alocada à Santa Casa da Misericórdia de Cascais, tendo um valor de 157.274,84 euros (IVA incluído).
Fachada da antiga creche de São José, na Avenida de Sintra, em Cascais, entretanto reabilitada para receber refugiados ucranianos. A autarquia nunca mostrou caderno de encargos da empreitada. Foto: Google Street.
Uma dezena de dias mais tarde foi assinado outro contrato, desta vez, com a empresa Valente & Carreiras para remodelação urgente de habitações num antigo bairro operário perto da creche, na Avenida de Sintra. O custo deste contrato: 321.052,80 euros, com o fito de criar 40 quartos, segundo informações do gabinete de imprensa da autarquia.
Porém, informações detalhadas sobre as obras destes dois contratos são escassas. O PÁGINA UM procurou então obter junto da autarquia cascalense os dois cadernos de encargos relativos a estas empreitadas, que deveriam constar do Portal Base. No entanto, a autarquia nunca os disponibilizou, optando apenas por elencar referências meramente descritivas das obras realizadas sem qualquer custo associado. Uma situação que se repetiu em relação a similares pedidos de outros contratos.
Sobre o facto de ambas as empresas terem sido contratadas por ajuste directo e também ambas serem do concelho da Batalha, o gabinete de imprensa de Carlos Carreiras foi então lacónico; “Não havendo motivo, não há nada a acrescentar”.
Mas mesmo depois destes gastos em empreitadas, o município de Cascais ter-se-á visto ainda na necessidade de fazer mais dois contratos com uma empresa de alojamento local, a Juicycategory. Custo total: 108.120 euros. Nos contratos com esta empresa – sobre os quais a autarquia nada quis revelar ao PÁGINA UM –, presentes no Portal Base, ignora-se até o objecto em concreto.
Com efeito, no primeiro contrato, assinado em 11 de Maio do ano passado, no valor de 36.040 euros, surge referência a “uma proposta apresentada em 29 de março de 2022, que aqui se dá como reproduzida e que fica a fazer parte integrante deste contrato”, mas depois nada é incluído no Portal Base. Apenas se sabe, pela descrição nesta plataforma de suposta transparência relativa à contratação pública, que este contrato teve um prazo de execução de 61 dias.
O PÁGINA UM, além de solicitar esclarecimentos sobre os contratos de alimentação, pediu que a Câmara Municipal de Cascais indicasse uma ou várias datas para se poder acompanhar in loco o fornecimento aos refugiados ucranianos das refeições trazidas pela empresa ICA, com um valor diário superior a 2.750 euros. Não se obteve (ainda) resposta.
Foi como se nada tivesse acontecido. Em Maio passado, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social identificou 14 “jornalistas comerciais” e abriu processos de contra-ordenação a sete empresas de media pela forma como cumpriam contratos comerciais com entidades públicas. Tudo ficou igual. A Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) mantém encartados todos os jornalistas identificados pela ERC, e os órgãos de comunicação social continuam a vender jornalistas para produzir notícias sob encomenda. Até sexta-feira em Coimbra, com a autarquia local, o Expresso mostra como se faz isto… a troco de 23.985 euros.
O Expresso continua a usar jornalistas com carteira profissional para cobrir eventos patrocinados e alvo de contratos de prestação de serviços, apesar de uma deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) de Maio passado já ter detectado situações similares e ter aberto um processo de contra-ordenação à Impresa, dona deste jornal.
Conforme hoje o PÁGINA UM constatou, o jornalista Francisco de Almeida Fernandes (CP 7706) – que, aliás, através de uma empresa de comunicação, a Mad Brain, costuma fazer trabalhos ambíguos de jornalismo e comunicação empresarial em outros órgãos de comunicação social – iniciou hoje a cobertura para o Expresso do Coimbra Invest Summit, uma iniciativa da Câmara Municipal de Coimbra. No lead da notícia, assinada por Francisco de Almeida Fernandes, surgindo a sua identificação como Jornalista, diz-se que “O Expresso se associa como media partner”.
Auditório do Convento de São Francisco, em Coimbra
O Coimbra Invest Summit 2023 é uma iniciativa da Câmara Municipal de Coimbra – em parceria com a Universidade de Coimbra, o Politécnico de Coimbra, o Instituto Pedro Nunes e o iParque – para promover o ecossistema empresarial da região, tendo começado hoje e termina na próxima sexta-feira. Conta com a presença do ministro da Economia, António Costa e Silva, na sessão de encerramento das conferências, sendo certo que, assim, terá cobertura do Expresso como media partner.
No entanto, esta situação de media partner possui, na verdade, uma componente comercial pecuniária – ou seja, uma troca de conteúdos noticiosos por um pagamento directo feito pelo beneficiário desses conteúdos noticiosos –, o que impediria, de acordo com o Estatuto de Jornalista, a colaboração de jornalistas da empresa adjudicante (neste caso da Impresa), designadamente através de textos jornalísticos.
Com efeito, na quinta-feira passada foi assinado entre a Câmara Municipal de Coimbra e a Impresa Publishing – dona do Expresso – um contrato por ajuste directo para “a aquisição de serviços de Media Partner para o evento Coimbra Invest Summir 2023”, remetendo para um caderno de encargos que, incumprindo a lei, não foi colocado pela autarquia no Portal Base. O valor do contrato é de 23.985 euros, com IVA, e foi publicado no Portal Base na sexta-feira passada, vigorando até ao dia 6 de Outubro.
Recorde-se que em Maio passado, numa acção sem precedentes, a ERC identificou 14 jornalistas por escreverem conteúdos pagos em resultado de contratos assinados por grupos de media com entidades públicas. As relações comerciais, e tudo o que fica acordado, fica no segredo dos deuses, uma vez que não existe obrigatoriedade de publicitação.
Em sete processos abertos pelo regulador dos media, em reacção a questões colocadas pelo PÁGINA UM em Junho do ano passado, no âmbito exclusivo da sua função jornalística, após uma notícia sobre o financiamento dos media, foram analisados mais de meia centena de contratos com entidades públicas assinados por sete grupos de media (Global Media, Trust in News, Impresa, SIC, TVI, Cofina e Público), a análise do regulador foi feita de forma a inocentar as direcções editoriais dos órgãos de comunicação social.
Com excepção de Celso Filipe, director-adjunto do Jornal de Negócios (Cofina) e do director da Exame (Trust in News), nenhum outro director dos media analisados – entre os quais o Diário de Notícias, Jornal de Notícias, TSF, Expresso, Visão, Público, SIC e TVI – foram identificados pela ERC como tendo participado activamente na execução de contratos comerciais, mesmo se, por exemplo, uma parte substancial deles participa regularmente como moderador de eventos pagos.
São, por exemplo, os casos já detectados pelo PÁGINA UM de Mafalda Anjos (directora da Visão), Rosália Amorim (directora do Diário de Notícias), David Pontes (antigo director-adjunto e actual director do Público), Manuel de Carvalho (director do Público até Maio deste ano), Inês Cardoso (directora do Jornal de Notícias) e Joana Petiz (antiga directora do Dinheiro Vivo, que foi agora dirigir O Novo).
Francisco de Almeida Fernandes é um jornalista com carteira profissional que faz conteúdos comerciais pagos e conteúdos jornalísticos, através de uma empresa de comunicação. ERC já o identificou, mas CCPJ nada fez de concreto.
Na esmagadora maioria das situações, estes directores editoriais participam como mestres-de-cerimónias de eventos patrocinados, ou seja, como moderadores. E, em última análise, são responsáveis pela cobertura noticiosa desses eventos, que em muitos casos estão previstos nos cadernos de encargos. Isto é, os directores são obrigados contratualmente a dar cobertura noticiosa, o que significa uma ingerência externa considerada ilegal pela Lei da Imprensa.
No lote dos jornalistas considerados “comerciais” – termo que não surge na deliberação, mas que o PÁGINA UM considera adequado para tipificar as acções –, destacam-se três nomes relevantes. O primeiro é, como já referido, Celso Filipe (CP 852), director-adjunto do Jornal de Negócios desde 2018, e que já se integra na equipa editorial deste periódico da Cofina desde 2006. A ERC aponta-lhe a produção de textos para a execução de um contrato assinado com a Secretaria-Geral do Ministério da Economia.
O segundo jornalista conhecido é Miguel Midões (CP 4707), que, além de uma das vozes da TSF desde 2014 é ainda professor de Comunicação Social na Universidade de Coimbra e do Instituto Politécnico de Viseu, além de vogal do Sindicato dos Jornalistas. A ERC analisou, entre outros contratos, o pagamento de 75.000 euros para a realização, por Miguel Midões, de 15 programas radiofónicos “Desafios do Urbanismo”, entre 1 de Julho e 7 de Outubro de 2021.
O terceiro jornalista com maior visibilidade é Luís Ribeiro (CP 3188), que trabalha desde 1999 na revista Visão, coordenador da secção de Ambiente, além de ser habitual comentador na SIC Notícias. Neste caso, a ERC apontou-lhe a autoria de cinco textos jornalísticos (incluindo entrevistas) assinados para cumprimento de um contrato com a Águas de Portugal para apoio aos Prémios Verdes, mas que estabelecia a obrigatoriedade de cobertura noticiosa e a publicação de artigos de opinião de dirigentes daquela empresa pública tutelada pelo Ministério do Ambiente.
Também o director da Exame, Tiago Freire (CP 3053), foi “apanhado” a escrever um editorial de um suplemento em cumprimento de um contrato com a COTEC. Apesar da própria Trust in News ter até admitido que “o tratamento destes conteúdos foi realizado por colaboradores com carteira profissional e por jornalistas da EXAME, sempre, em qualquer um dos casos, com total autonomia editorial”, o director foi o único identificado pela ERC.
Além destes quatro, a ERC ainda identificou – para efeitos de averiguação, para eventuais processos disciplinares, por parte da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) – mais 11 jornalistas: Rute Coelho (CP 1893), Carla Aguiar (CP 739), Adriana Castro (CP 7692), Alexandra Costa (CP 2208) – por textos publicados em periódicos da Global Media –, Filipe S. Fernandes (CP 1175) e António Larguesa (CP 5493) – por textos publicados no Jornal de Negócios –, Mário Barros (CP 7963) – por um texto publicado no Público – e ainda José Miguel Dentinho (CP 882), Fátima Ferrão (CP 6197) e Francisco de Almeida Fernandes (CP 7706) – por textos publicados no Expresso.
O PÁGINA UM questionou, há semanas, a CCPJ sobre se as deliberações que a ERC lhe enviou com a identificação dos “jornalistas comerciais” tinha originado algum procedimento disciplinar, mas esta entidade escusou-se a responder, alegando confidencialidade. Em finais de Julho, a CCPJ fez sair uma recomendação sobre “o fenómeno dos conteúdos patrocinados feitos por jornalistas, ou dos conteúdos comerciais disfarçados de jornalismo”, assumindo ser “de dimensões preocupantes”, dizendo também que “tem atuado tomando várias e diferentes medidas para enfrentar o problema”, mas não informou sobre a abertura de qualquer procedimento disciplinar.
ERC fez deliberações em Maio identificando “jornalistas comerciais”. Tudo ficou na mesma.
Em resposta a um pedido de esclarecimento do PÁGINA UM, a entidade presidida pela jurista Licínia Girão diz que “nos termos da Lei é reconhecida à CCPJ a possibilidade de instaurar inquérito ou processo disciplinar”, sendo que “essa possibilidade de atuação é analisada caso a caso, de forma independente, sem interferências de pessoas, entidades ou órgãos alheios”, acrescentando que “os membros e colaboradores da CCPJ estão obrigados a manter sigilo” quanto às decisões tomadas nos respectivos órgãos.
Acrescenta ainda esta entidade, só será divulgado algo depois de “esgotado o prazo de impugnação contenciosa, ou transitado em julgado o processo respetivo, a parte decisória da condenação (…), no prazo de sete dias e em condições que assegurem a sua adequada perceção, pelo órgão de comunicação social em que foi cometida a infração”.
Saliente-se que, tal como sucede com a generalidade dos processos administrativos e judiciais, a abertura de processos é genericamente público, mantendo-se apenas o segredo de justiça até à conclusão do inquérito com a subsequente acusação ou arquivamento.
Em menos de dois anos, um projecto jornalístico pessoal transformou-se, com o auxílio de um excelente punhado de vontades e colaboradores, naquilo que é hoje o PÁGINA UM: um jornal digital que (sobre)vive exclusivamente dos seus leitores, do valor (monetário) que os leitores lhe atribuem, e da sua credibilidade. Sem dívidas nem penhores. Não é pouco.
Como somos um órgão de comunicação social sem mecenas por detrás para arcar prejuízos; como não temos publicidade nem parcerias comerciais; como nascemos sem um investimento forte (o capital social da empresa que o gere, do qual sou sócio maioritário, é de apenas 10.000 euros, e não temos nenhuma autorização para darmos calote ao fisco de 11,4 milhões de euros); e como, ainda por cima, o jornal é de acesso livre, temos consciência de que desafiamos todas as regras da Economia. E desafiamos muito mais.
O nosso valor é o valor da nossa credibilidade. Vale o nosso sustento, periclitante, frágil, mas honrado, até porque é por tudo isto que o PÁGINA UM actua de forma desassombrada, assombrando muitos. Somos verdadeiramente livres, independentes, sem agendas escondidas, sem necessidade de agradar a gregos e a troianos, ou a dar uma no cravo e outra na ferradura. Enfrentamos, porque acreditamos estar ainda numa democracia, todos os poderes em pé de igualdade.
Denunciamos as situações anómalas da imprensa – mesmo sabendo que desagradamos a uma classe corporativista que, de forma viciosa, foi vendendo a alma ao diabo (não há mal em vender-se a alma ao diabo; convém é então não andar travestido de asas de anjinho).
Enfrentamos qualquer poder, quer seja político quer seja judicial, sempre que está em causa o acesso à informação e a transparência, usando as armas que a democracia nos concede: as leis e os tribunais. Ao longo de dois anos, interpusemos 18 intimações no Tribunal Administrativo de Lisboa, e mais se seguem. Perdemos alguns casos (poucos), ganhámos muitos, outros estão em kafkianos processos de decisão, com recursos e expedientes dilatórios da Administração Pública.
Fazemos um trabalho invisível mas muito árduo e desgastante, nesta linha, que mesmo os leitores mais fiéis do PÁGINA UM nem imaginam. Mas não desistimos. Como poderíamos se nem pejo tivemos de confrontar, com a lei, o Conselho Superior da Magistratura? E continuaremos. Ainda esta semana pediremos a execução de uma sentença por incumprimento integral de uma decisão do Tribunal Administrativo e de uma acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul. E iremos fazer novo pedido de consulta de outros processos, que terá nova intimação se não satisfeito. A lei tem de começar a ser cumprida pelos próprios magistrados.
Tudo isto é uma tarefa quotidiana árdua. Todos os dias sinto que a minha credibilidade é colocada em causa, não apenas por mim (e sou muito zeloso da minha credibilidade), não apenas pelos meus leitores, mas sobretudo pelos nossos detractores. E são muitos. E são facilmente identificáveis. Por isso, reajo de forma veemente quando se coloca em causa a minha credibilidade e a credibilidade do PÁGINA UM.
Ao longo destes quase dois anos, enquanto o PÁGINA UM anda a revelar e a denunciar sem parança – num estilo aguerrido, que, sabendo ser particular no novi-jornalismo dos tempos modernos, nem foge muito à linha daquilo que eram os meus artigos na saudosa Grande Reportagem, quando Miguel Sousa Tavares era seu director –, sei bem os incómodos que provoco, mesmo, ou sobretudo, nos meandros do jornalismo. Um mundo pequeno e que se tem mostrado pequenino.
Começou logo no início do PÁGINA UM com uma campanha lamentável da CNN Portugal, seguida por outros jornais, onde se destaca o Público, o Observador e o Expresso, onde aliás colaborei vários anos.
Continuou com a postura da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que não apreciou certas questões sobre transparência, e chegou a fazer um execrável comunicado contra mim por simplesmente eu estar a defender o acesso à informação. Os membros do Conselho Regulador anunciaram processos judiciais: sei que apresentaram duas queixas, que chegaram à fase de inquérito, mas desistiram antes de eu ser ouvido (não lhes custou os encargos dos advogados, pagos com dinheiros públicos). Malgrado isto, tem andado a ERC entretida a elaborar pareceres a pedido – já são quatro, e deverá haver mais –, contra o PÁGINA UM, incluindo notícias que até resultaram em processos na Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).
Continuou com a Ordem dos Médicos, com “excelentes” relações com os media, que, perante pedidos de acesso a documentos administrativos a uma campanha de solidariedade que é um caso de polícia, decidiu apresentar uma queixa judicial contra mim (acompanhada pelo ex-bastonário, pelo inefável Filipe Froes e pelo pediatra Luís Varandas) numa tentativa de influenciar uma decisão num tribunal administrativo.
E continuou também na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), que, depois de um conjunto de notícias desfavoráveis ao suposto mérito da actual presidente, veio a correr abrir os braços a uma queixa do almirante Gouveia e Melo, abrindo-me um processo disciplinar sobre notícias que, hélas, resultaram na abertura de uma inspecção pela IGAS. A mesma CCPJ fizera, no ano passado, uma lamentável recomendação censória para alegrar o presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia, que, à conta de notícias do PÁGINA UM, teve um processo de contra-ordenação da IGAS e a perda do estatuto de consultor do Infarmed.
E talvez me esteja a esquecer de outros casos.
No meio disto, veio a terreiro recentemente uma “coisa” chamada Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas (CD-SJ) como novo braço armado para me pôr na linha. E digo “coisa”, com alguma dor de alma, porque fui membro por um ano nos idos de 2006 (salvo erro), até me demitir por me aperceber que havia questões mais de política e de conveniência do que de deontologia. Adiante que isto é história. Ora, o CD-SJ é, na verdade, uma “coisa” que existe mas não existe. Ao contrário da ERC e da CCPJ, não tem qualquer competência legal nem ligação directa ao Sindicato dos Jornalistas, nem tem um critério de actuação, nem tão pouco uma linha transparente de intervenção. Basicamente, no meio da deterioração geral da imprensa e dos atropelos constantes até das normas do Estatuto dos Jornalistas, o CD-SJ vai dando os bitaites, de quando em vez.
Compreende-se: além de ser presidido pelo Provedor do Adepto do Rio Ave, especialista em vinho alvarinho e docente universitário, o CD-SJ integra ainda um jornalista da Trust in News (empresa que deve 11,4 milhões ao Fisco), outra do Observador (que nunca soube o que eram lucros e agora convive alegremente com parcerias comerciais de duvidosa deontologia e legalidade, além de já ter feito ataques soezes a mim) e uma outra jornalista da Lusa (o Pravda do actual Governo, no sentido de que para a agência noticiosa tudo o que sai do Governo é Verdade, e que, em tempos, publicou, como se fosse um relatório sério, algo que era um embuste sob a forma de “esboço embrionário, que consubstancia um mero ensaio para um eventual relatório”). Há um quinto elemento sobre o qual poucas referências detenho, excepto saber que terá andado em inquirições para descobrir os supostamente misteriosos, obscuros e tenebrosos financiadores do PÁGINA UM.
Aliás, eu nem sei como ainda não surgiu a “lenda” de eu ser um tipo a ser suportado com dinheiros da extrema-direita ou do Putin ou da… ia dizer China, mas isso são outros; deve ser pelo meu aspecto dar mais ares de extrema-esquerda. Ficam confusos e indecisos, certamente, por ser difícil colar o “cromo”.
Ora, mas de repente, esta “coisa” chamada CD-SJ acordou da letargia, embora já tivesse feito uma trapalhona tentativa de me lixar no início de 2022, malparida por um jornalista da CNN Portugal, ao ponto de terem então metido a viola no saco. Até Maio deste ano, com tanta porcaria a ser feita por tantos jornalistas e directores de supostamente respeitáveis órgãos de comunicação social, o CD-SJ tinha feito cinco pareceres. Mas nem sequer tugiu nem mugiu em concreto sobre a actuação de 14 ‘jornalistas comerciais’ detectados pela ERC, incluindo até um dirigente sindical (Miguel Midões), que assobiou para o ar e manteve o poiso no Sindicato. O CD-SJ também se borrifou para os jornalistas da Cofina que serviram de mestre-de-cerimónia em 12 emissões de telejornais da CMTV pagos por autarquias. Quis lá saber de um Reginaldo que faz programas como jornalista enquanto obtém patrocínios como empresário para o dito. Nem um ai deu perante directores que se vergam em sorrisos aos patrocinadores, em alguns casos da Administração Pública e do Governo, que lhes besuntam as mãos em eventos “vendidos” aos incautos leitores como simples notícias quando se trata de prestação de serviços. Mas, de repente, no meio deste pântano asqueroso, o CD-SJ e o Provedor do Adepto do Rio Ave acordaram nos últimos meses apenas para apanharem as supostas falhas deontológicas do PÁGINA UM.
Deram logo um ar da sua desgraça em Maio, quando decidiram acolher uma queixa da própria Presidente da CCPJ, mui incomodada com as notícias e perguntas do PÁGINA UM, e por um processo no Tribunal Administrativo de Lisboa (depois de vários pareceres da CADA) para acesso a informações (incluindo actas e contas), e que luta em prol do secretíssimo da sua actividade alegando uma suposta protecção da vida privada ao abrigo do Regulamento Geral da Protecção de Dados (RGPD). E isto na mesmíssima CCPJ (numa outra presidência que não a da ‘jurista de mérito’ Licínia Girão) defendia em 2018 que os jornalistas deveriam ser excluídos das restrições do RGPD. Enfim, coerências institucionais…
Mas sobre a condução (e conclusão) deste parecer, abjecto na forma como o CD-SJ recusou a minha defesa, aceitou acréscimos à queixa e atropelou regulamentos (aprovando o dito fora de uma reunião ordinária), já escrevi o que tinha a escrever, até porque sintetizei no título de um editorial aquilo que penso: “A deontologia de quatro crápulas, ou cronologia de uma patifaria“. É certo que não falei da atitude de silêncio corporativista e compincha da direcção do Sindicato dos Jornalistas, porque, enfim, sendo mais lamentável (há associados incómodos), ainda tenho esperança de que os seus dirigentes, alguns deles pessoas decentes, se envergonhem um dia das suas omissões. Talvez no dia em que, por falta de condições para se ser um jornalista livre em Portugal, lhes fecharem a porta do emprego de mangas de alpaca.
Tinha, aliás, sobre este parecer do CD-SJ relativo à queixa da presidente da CCPJ – entidade que, aliás, nada diz sobre o meu desafio para me abrir um processo disciplinar para que haja regras legais a cumprir pela acusação, o que não sucedeu até agora – uma decisão tomada: instaurar a cada um dos seus membros um processo por difamação.
Contudo, vou desistir desse intento. Não vale a pena. E por uma simples razão: o CD-SJ vai voltar à carga, ad aeternum per saecula saeculorum; não se vai cansar de me fustigar tentando caninamente descredibilizar-me. E conseguirá se eu lhes der mais trela.
Alias, a sanha pressente-se logo na inquirição, nem sequer disfarçando. Por exemplo, no assunto do seu e-mail para mim com as suas acusações, constava o seguinte: “HB vs PAV”, como se se tratasse de uma mera competição e quezília entre o Hospital de Braga (HB) e o jornalista Pedro Almeida Vieira (PAV), e não de uma investigação jornalística sobre a gestão de um hospital. Depois de uma reacção de mera repulsa em pactuar com palhaçadas, cai no erro de acabar a argumentar e a entrar em debate, porque deveria antever o que sucederia. Com efeito, o Conselho do Provedor do Adepto do Rio Ave manipulou e descontextualizou trechos dos meus argumentos, omitiu outros tantos, e interpretou tudo à sua maneira, de sorte a compor um chorrilho de disparates que transformou uma irrepreensível peça de jornalismo rigoroso e aguerrido numa suposta infame peça de pasquim.
Honra seja feita ao Provedor do Adepto do Rio Ave e mais ao seu CD-SJ, com seus compinchas: são bons seguidores do polaco Arthur Schopenhauer que, no século XIX, já nos explicava como vencer uma discussão mesmo sem ter razão. E, portanto, concedo ao Provedor do Adepto do Rio Ave a vitória: aqui está neste novo parecer, que até divulgo em primeiríssima mão.
Ainda há dias me questionei sobre o que diria o Provedor do Adepto do Rio Ave se a Dra. Edite Estela se tivesse queixado desta minha reportagem na Grande Reportagem de Julho de 1998. Como se pode admitir palavras como “intrigas”, “caótico”, “escandaloso” e “infelizmente” só numa chamada? Como se pode admitir tanta adjectivação opinativa?
Mas há uma altura em que tem de se dizer basta, ainda mais para gente ordinária. Como não vale a pena perder tempo com quem chateia e nem sequer detém um poder fáctico, como é o caso do CD-SJ, só deve receber o desprezo como taça. Eles nem existem, porque onde lhes falta credibilidade e competência, sobra-lhes em manipulação e manha. E nada existe sem honra nem credibilidade.
Se esperavam que, com reles pareceres, vergonhas deontológicas até em cada vírgula, vomitados por uma Santa Inquisição jornaleira, eu baixaria as orelhas, meteria o rabinho entre as pernas e ficaria bem-comportadinho e caladinho, desenganem-se: a caravana chamada PÁGINA UM seguirá, mesmo sobre trancos e barrancos, o seu caminho de rigor e independência, aguerrido e livre, com um estilo próprio (porque as palavras valem), enquanto os leitores quiserem e apoiarem. E assim, dedicando-me à jornada seguinte, virando a página, deixo para trás quem, já por duas vezes, me andou a rosnar invecticas. Ouvi a primeira, e nem tinha de os ouvir segunda vez, investidos às canelas. Já nem os ouvirei quando ladrarem terceira vez. Ponto final sobre este assunto.
No ano passado, a então presidente da recém-nacionalizada SIRESP S.A. acusava o Ministério da Administração Interna de andar a beneficiar a Motorola. A Polícia Judiciária ainda fez buscas em Outubro de 2022, mas tudo continuou na santa paz dos negócios. E a empresa norte-americana nunca facturou tanto como nos últimos 12 meses em contratos públicos, grande parte dos quais por ajuste directo. Em Dezembro do ano passado, ficou com o lote mais “gordo” de um concurso para manutenção da rede SIRESP, e já este ano soma cinco contratos, o último dos quais celebrado na passada semana: para a compra de equipamento, fez-se um ajuste directo pela módica quantia de 6.829.999,90 euros.
Nos últimos 12 meses, a Motorola celebrou oito contratos relacionados com o Sistema Integrado de Redes de Emergência e Segurança de Portugal (SIRESP) envolvendo já mais de 31,6 milhões de euros. Desde que deixou de ser accionista da empresa que gere o sistema de comunicações do Estado (a SIRESP S.A.), a empresa norte-americana amealhou dinheiros públicos como nunca: desde 2020, em 22 contratos , dos quais 16 por ajuste directo, já contabiliza mais de 32,3 milhões de euros.
O mais recente contrato – concretizado no dia 20, e publicado na sexta-feira passada, para compra de equipamento para a rede SIRESP –, foi feito por ajuste directo por 6.829.999,90 euros, sendo adjudicante a Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna. A justificação para o ajuste directo foi a inexistência de concorrência directa “por motivos técnicos”. O Ministério tutelado por José Luís Carneiro passou, desde Janeiro do ano passado, por via do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) a centralizar as compras das denominadas “infraestruturas críticas digitais eficientes, seguras e partilhadas”, substituindo assim, nessa função, a empresa pública SIRESP S.A..
Recorde-se a Motorola foi em 2003 um dos accionistas originais da SIRESP S.A. – e que teve como companheiros de negócios, numa polémica parceria público-privada, a então Portugal Telecom (hoje Altice), a Esegur (uma empresa de segurança então detida pelo Banco Espírito Santo e a Caixa Geral de Depósitos), a Sociedade Lusa de Negócios e ainda a Datacomp – até à nacionalização desta empresa no final de 2019, através da aquisição das participações socais pelo Governo de António Costa por 7 milhões de euros. Nessa altura, a empresa pública Parvalorem já detinha 33%, estando a Motorola ainda com 14,9% e a PT Móveis (Altice) com 52,1%.
No exercício de 2019, quase todo ainda sob gestão maioritariamente privada, a SIRESP S.A. apresentava um passivo de perto de 22,5 milhões de euros e contabilizou, nesse ano, um prejuízo de 1,3 milhões de euros. Nesse último ano como accionista dessa empresa, agora totalmente pública, a Motorola apenas arrecadara, como fornecedora, cerca de 811 mil euros. De acordo com o relatório e contas, no ano anterior, em 2018, a empresa norte-americana facturara à SIRESP S.A. cerca de 1,6 milhões de euros.
Com a sua saída como accionista, paradoxalmente os negócios da Motorola aumentaram não apenas directamente com a empresa SIRESP S.A. como com outras entidades públicas que funcionam sob a rede de comunicações SIRESP.
O contrato mais substancial foi obtido no final do ano passado, já depois de uma enorme polémica envolvendo acusações em Março do ano passado da então presidente do SIRESP, Sandra Perdigão Neves, de que o secretário-geral do ministério, Marcelo Mendonça de Carvalho (e indiretamente o secretário de Estado Antero Luís) de favorecer a Motorola no caderno de encargos do um concurso para a operação e manutenção da rede SIRESP. A administradora, uma ex-quadro da Altice, denunciava alegados vícios neste concurso, sabendo-se também que um consultor que trabalhava para o Ministério da Administração Interna, Hélder Santos, fora director da Motorola em Portugal.
Apesar de Sandra Neves e Hélder Santos terem sido afastados pelo Governo, e já depois de buscas domiciliárias e não-domiciliárias em Outubro do ano passado, pela Polícia Judiciária, no decurso de um inquérito titulado pelo Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP), o polémico concurso público seguiu o seu curso, sendo limitado por prévia qualificação, onde compareceram 10 empresas: Motorola, Moreme, NOS, Altice Labs, NoLimits Consulting, Claranet II Solutions, Motorola, Vodafone, Omtel, Nokia Solutions e Sandokan Unipessoal.
A empresa pública SIRESP acabou por distribuir a aquisição de serviços por sete lotes entregando-os a seis empresas, tendo a Motorola ficado com a fatia de leão: o lote com o maior contrato, no valor de 23,6 milhões de euros, quase tanto como o conjunto dos outros seis lotes.
José Luís Carneiro, ministro da Administração Interna, por via do Plano de Recuperação e Resiliência, centralizou as aquisições das denominadas “infraestruturas críticas digitais eficientes, seguras e partilhadas”, substituindo assim a empresa pública SIRESP,
Com efeito, a NOS venceu dois dos lotes, mas no total facturará de cerca de 7,8 milhões de euros (um de 2,8 milhões e outro de quase 4,0 milhões), a NoLimits Consulting teve direito a um contrato de 6,3 milhões de euros, a Omtel de outro de um pouco menos de 5,7 milhões de euros, a Altice Labs outro de 3,1 milhões de euros e a Moreme de outro ainda de apenas 2,8 milhões de euros. Ou seja, no total as cinco empresas concorrentes arrecadaram seis dos sete lotes a concurso, mas facturaram apenas 52% do bolo a jogo.
Mas além deste contrato de 23,6 milhões de euros e também da venda de equipamento à Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (no valor de 6,8 milhões de euros), o Governo ainda pagou em Agosto passado mais 53.887 euros à Motorola por “estudos de cobertura e planeamento rádio para implementação de novas estações base na rede SIRESP”. Neste caso, a decisão surgiu após uma consulkta prévia também á NOS.
Mas os restantes cinco contratos do último ano da Motorola foram todos por ajuste directo, dos quais três com a Autoridade Nacional de Emergência e Protecção Civil (ANEPC). O mais recente foi celebrado no dia 7 deste mês, com vista à aquisição de consolas SIRESP para os comandos regionais do Norte, de Lisboa e Vale do Tejo e do Algarve e de seis novos comandos sub-regionais. Preço sem concorrência: 440.577 euros, alegando-se, para um contrato de mão-beijada, ser “necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual”. Os outros dois contratos envolveram montantes muito mais reduzidos: um de 8.700 euros, para baterias destinadas a terminais, e outro de 37.850 euros para aquisição de software de programação remota de rádios SIRESP.
Evolução dos montantes anuais (em euros) de contratos públicos celebrados pela Motorola entre 2008 e 2023 (até 24 de Setembro). Fonte: Portal Base.
Os outros dois contratos nos últimos 12 meses envolvendo a rede SIRESP, e beneficiando por ajuste directo a Motorola, foram assinados em Novembro do ano passado, com a autarquia de Lisboa (no valor de 58.077 euros) e com o Instituto Nacional de Emergência Médica (no valor de 181.766,70 euros).
Assim, contas feitas, e de acordo com os dados do Portal Base, consultados pelo PÁGINA UM, desde a sua saída formal da SIRESP S.A. – nacionalizada pelo Governo de António Costa em finais de 2019 –, a Motorola conseguiu um total de 22 contratos envolvendo cerca de 32,3 milhões de euros, dos quais 23,8 milhões em 2022 e cerca de 7,5 milhões este ano. Isto é, uma média de quase 8,1 milhões de euros por ano. Entre 2008 e 2019, quando era accionista da SIRESP S.A., a empresa norte-americana apenas facturou, também curiosamente em 22 contratos públicos, apenas cerca de 5,3 milhões de euros, ou seja, uma média pouco superior a 500 mil euros por ano. Conclusão: após a sua saída como accionista da empresa agora pública, a facturação média da Motorola aumentou, em quatro anos, mais de 15 vezes.
Com a crónica crise no Serviço Nacional de Saúde, em Portugal só não falta dinheiro para uma coisa: vacinas contra a covid-19. O Governo acaba de decidir gastar mais 222 milhões de euros até 2026, aumentando a factura destas vacinas para os 1,1 mil milhões de euros. O montante médio anual previsto (55,5 milhões de euros) daria, nas primeiras fases, para comprar mais de 2,8 milhões de doses, mas, a não ser que os preços unitários praticados pelas farmacêuticas tenham disparado, comprar-se-á para deitar fora. Com efeito, a adesão ao terceiro booster em Portugal foi de apenas 4% (400 mil pessoas), de acordo com dados do European Centre for Disease Prevention and Control. Na Europa foi ainda mais baixo (2,4%) e já há mais de uma dezena de países onde praticamente deixou de se administrar reforços, devido à baixa procura.
Apesar de um desinteresse generalizado, em toda a Europa, no reforço da vacinação contra a covid-19, o Governo português destinou mais 222 milhões de euros para a compra de doses até 2026. Tendo em conta que nos anos anteriores os custos globais de aquisição de doses e de material para a administração de vacinas já vai em quase 877 milhões de euros, a factura vai assim ascender aos 1,1 mil milhões de euros.
De acordo com a Resolução do Conselho de Ministros publicada hoje, a Direcção-Geral da Saúde (DGS) fica autorizada a gastar um montante de 223.326.350,32 euros até 2026, ficando os encargos anuais entre os cerca de 50 milhões de euros, no próximo ano, e os 65,4 milhões a gastar este ano.
Centros de vacinação para o terceiro reforço estiveram às moscas. Apenas 4% dos portugueses aderiram.
Embora o Governo queira manter secretos os contratos assinados com as farmacêuticas – estando uma intimação a correr no Tribunal Administrativo de Lisboa, por iniciativa do PÁGINA UM –, as diversas Resoluções de Conselho de Ministros desvendam já um pouco do véu sobre os sumptuosos gastos para uma operação vacinal sem precedentes, mas que foi perdendo muito gás durante os últimos dois anos, não apenas em Portugal mas em todos os países abrangidos pelo European Centre for Disease Prevention and Control (ECDC).
De acordo com esta instituição, Portugal até foi, no grupo dos 30 países europeus abrangidos, aquele com maior adesão na vacinação primária: 87% da população. Mas no primeiro booster já só respondeu ao “convite” 69% da população, sendo até já ultrapassado pela Itália (76%).
Mas foi com a chamada para o segundo e terceiro booster – numa altura em que a eficácia das vacinas e os seus efeitos secundários, a par do secretismo das autoridades e da dominância de variantes menos agressivas, levaram ao aumento da desconfiança – que se observou um quase completo alheamento. No caso de Portugal, o segundo booster somente teve uma adesão de 30,8%, mesmo assim uma procura apenas ultrapassada pela Bélgica (33,6%) e a Dinamarca (32,3%).
Evolução da adesão (% da população total) ao programa vacinal na Europa nas diversas fases. Nota: sd (sem dados). Fonte: ECDC.
Já com o terceiro booster, a queda da procura ainda foi maior, sobretudo em Portugal, que nas outras fases estava no “pelotão da frente”. De acordo com os dados do ECDC, apenas 4% da população portuguesa foi à chamada para o terceiro booster – ou seja, ao terceiro reforço após a vacinação inicial com uma ou duas doses, consoante a marca –, ficando assim atrás da Holanda (12,6%), Finlândia (9,9%), Irlanda (9,6%), Islândia (4,9%) e Bélgica (4,3%).
Aliás, na generalidade dos países, a procura pelo terceiro reforço é bem demonstrativo de que a confiança na vacinação contra a covid-19 – ou a percepção da sua utilidade face à imunidade natural e à ocorrência de variantes menos agressivas – é agora praticamente nula. Os dados da ECDC revelam 11 países com adesão nula ou inferior a 1% ao terceiro booster. Contam-se ainda cinco países sem dados para o terceiro booster, dos quais quatro (Croácia, Lituânia, Polónia e Roménia) onde provavelmente a adesão foi nula, visto que a procura do segundo booster já era bastante baixa.
Em termos globais, a ECDC aponta assim para uma adesão de apenas 2,4% dos europeus aos terceiro booster, quando atingira 14,7% no segundo booster, os 54,6% no primeiro booster e os 73% na vacinação primária. Em termos absolutos, nos países europeus abrangidos pelo ECDC (União Europeia e ainda Islândia, Liechtenstein e Noruega), foram administradas mais de 330 milhões de doses em vacinação primária (houve cerca de 342 milhões de pessoas que optaram apenas por uma dose), baixando para 248 milhões quando as autoridades consideraram a necessidade de um reforço. Ao segundo reforço só responderam já um pouco menos de 67 milhões de pessoas. E para o terceiro booster já só mostraram interesse menos de 9 milhões de europeus. Assim, entre a vacinação primária e o terceiro reforço, contabiliza-se uma redução de 97,3%.
Mesmo que Portugal mantenha, para os próximos reforços previstos até 2026, os níveis de adesão do terceiro reforço (4%) – o que corresponde a cerca de 400 mil pessoas –, as quantidades susceptíveis de serem adquiridas, atendendo ao montante atribuído à DGS pelo Governo, aparentam ser excessivos, se se tiver em conta os preços praticados nas primeiras fases da vacinação.
As primeiras compras do Governo português tiveram um preço entre os 15 e os 20 euros por dose, significando que, se o preço unitário se mantivesse nesses níveis, seria apenas necessário gastar 8 milhões de euros por ano. E não os 55,5 milhões de euros a gastar, em média por ano, até 2026.
Porém, mostra-se expectável, que as farmacêuticas, com a forte redução da procura, aumentem substancialmente os preços unitários para manter as expectativas de receita. Só assim se justifica que o Governo preveja um gasto médio anual de 55,5 milhões de euros, que dariam para quase 2,8 milhões de pessoas, ou seja, quase sete vezes mais do que o número de vacinados com a terceira dose de reforço.
Evolução da administração de doses contra a covid-19 nos países europeus nas diversas fases do processo de vacinação contra a covid-19. Fonte: ECDC.
Recorde-se, mais uma vez, que o Ministério da Saúde está a fazer todos os esforços para manter secretos os contratos das vacinas contra a covid-19, onde constam os preços unitários. Desde o final do ano passado decorre um processo de intimação do PÁGINA UM no Tribunal Administrativo de Lisboa, quase kafkiano, para acesso aos contratos de compra das vacinas.
Ainda esta semana, a juíza do processo exigiu que o Ministério da Saúde provasse, com documentação, que os contratos entre a Direcção-Geral da Saúde e as farmacêuticas, solicitados pelo PÁGINA UM, se encontravam no site da Comissão Europeia. Aguarda-se essa “prova”, até porque, na verdade, aquilo que consta no site da Comissão Europeia são apenas os acordos, barbaramente rasurados, entre a Comissão von der Leyen e as diversas farmacêuticas, algumas das quais nem sequer venderam qualquer dose a Portugal.
O actual director-geral interino da Saúde, André Peralta-Santos – um dos principais candidatos a substituir Graça Freitas como Autoridade de Saúde Nacional –, e que colaborou no ano passado por quatro vezes com a farmacêutica Pfizer, defendeu em Julho passado, junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, que o Ministério da Saúde deveria, “para efeitos de contestação” à intimação do PÁGINA UM para acesso aos contratos de compras de vacinas e outros documentos associado às aquisições, “questionar, mesmo nesta fase do processo, se os Tribunais nacionais serão os competentes para julgar esta matéria”. A Pfizer foi a empresa farmacêutica que mais vendas terá efectuado a Portugal.
N.D. Todos os encargos do PÁGINA UM nos processos administrativos, incluindo taxas de justiça e honorários de advogado, têm sido suportados pelos leitores e apoiantes, através do FUNDO JURÍDICO. Neste momento, por força de 18 processos em curso, o PÁGINA UM faz um apelo para um reforço destes apoios fundamentais para a defesa da democracia e de um jornalismo independente. Recorde-se que o PÁGINA UM não tem publicidade nem parcerias comerciais, garantindo assim a máxima independência, mas colocando também restrições financeiras.
Novos ventos fluem pela lisboeta Avenida Gago Coutinho, onde se localiza a sede da Ordem dos Médicos, agora presidida por Carlos Cortes. O Colégio de Pediatria – cujo presidente (Jorge Amil Dias) ainda há um ano estava sob a alçada disciplinar do ex-bastonário Miguel Guimarães – teve agora um parecer rapidamente publicado que não recomenda o reforço vacinal contra a covid-19 em crianças e adolescentes. Mas, mais do que isso, ressalta, neste curto parecer, as críticas sibilinas às “manifestações públicas (…) geralmente veiculadas ou patrocinadas pela indústria com directo interesse financeiro”, leia-se influencers sanitários associados às farmacêuticas, que depois fazem com que a imprensa se sinta “motivada” para seguir uma determinada narrativa.
Mais do que salientar que “não se justifica que se considere a vacinação generalizada [contra a covid-19] de crianças ou adolescentes”, o parecer ontem divulgado do Colégio de Pediatria constitui uma pedrada no charco e um sinal de profunda mudança de rumo na Ordem dos Médicos em termos de independência e de rigor científico.
Sinal disso é a própria divulgação deste parecer que, de acordo com a Direcção deste Colégio, foi elaborado não como recomendação pública, mas para que o actual bastonário Carlos Cortes lhe desse “o uso que tiver conveniente”. Carlos Cortes tomou a decisão de o colocar no site da Ordem dos Médicos uma semana depois.
Recorde-se que há cerca de dois anos, no meio de uma intensa pressão mediática para se vacinarem os menores de idade, as posições dissonantes de diversos pediatras no sentido da prudência – que culminaram num abaixo-assinado em Janeiro de 2022 – tiveram como consequência o ostracismo ou mesmo o repúdio da comunicação social mainstream e também originaram processos disciplinares, desencadeados pelo então bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães.
O caso mais sonante foi o processo por delito de opinião instaurado contra Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria, por denúncia directa de médicos com ligações comerciais com farmacêuticas, incluindo a Pfizer – a única com autorização em Portugal para vacinas contra a covid-19 em idade pediátrica – entre os quais se destacavam Filipe Froes, Carlos Robalo Cordeiro e Luís Varandas. Este último médico, também pediatra, chegou a tomar posições públicas e artigos de opinião de promoção da vacinação sem jamais referir que recebera avenças como consultor da Pfizer durante a pandemia. Em 2021, só desta farmacêutica facturou mais de 31 mil euros, de acordo com o Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed.
O processo de Amil Dias desencadeado pelo lobby das farmacêuticas na Ordem dos Médicos seria arquivado em Novembro do ano passado, mas os efeitos estavam consumados: em Novembro do ano passado cerca de 98% dos adolescentes entre os 12 e os 17 anos tinham a vacinação primária, enquanto nas crianças entre os 5 e os 11 anos o rácio era de 45%. Saliente-se que, sem haver qualquer interesse do Ministério da Saúde em apurar as causas, a mortalidade dos adolescentes e jovens adultos está em níveis anormalmente elevados desde finais de 2022.
Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria.
Mas aquilo que mais surpreende no novo (e publicado) parecer do Colégio de Pediatria, liderado por Amil Dias, é a forma desassombrosa como justifica a oportunidade desta recomendação. “No nosso país têm ocorrido algumas manifestações públicas sobre o assunto [reforço da vacinação em crianças e adolescentes], geralmente veiculadas ou patrocinadas pela indústria com directo interesse financeiro”, salienta-se no documento, acrescentando o Colégio de Pediatria que, por esse motivo, o parecer foi elaborado “considerando que a imprensa poder[ia] ser motivada a trazer novamente para a discussão pública a vantagem da vacinação generalizada da população infantil”.
Ora, segundo o Colégio de Pediatria, “actualmente há um recrudescimento do número de infecções e risco de contágio”, mas, “todavia, sem a gravidade ou mortalidade dos primeiros surtos da infecção pelo SARS-COV2”, destacando a própria opinião de José Artur Paiva, director do Programa de Prevenção e Controlo de Infecções e de Resistências a Antimicrobianos da Direcção-Geral da Saúde.
O colégio de especialidade liderado por Amil Dias destaca também a posição do Grupo Técnico da Aconselhamento da Austrália, “que se notabilizou por estrita exigência de vacinação anti-COVID no passado recente”, que agora reconhece que “na população infantil até aos 5 anos a vacinação, ou revacinação, não são recomendadas independentemente da situação de risco individual, e dos 5 aos 17 anos a hipótese poderá ser individualmente considerada em população de risco”.
Acrescente-se que esta norma australiana, publicada no passado dia 1, também não recomenda a vacinação para pessoas saudáveis entre os 18 e os 64 anos. A Austrália foi um dos países mais radicais do Mundo no processos de vacinação, chegando a deter e deportar em Janeiro de 2022 o tenista Novak Djokovic, actual número 1 do ATP Tour.
O parecer do Colégio de Pediatria informa também que emitira pareceres em Julho e Outubro de 2021, que “oportunamente submeteu Bastonária da Ordem do Médicos” à época, Miguel Guimarães. Mas tudo aponta para terem sido engavetados, uma vez que não constam ainda da lista de pareceres na página deste colégio de especialidade. Jorge Amil Dias não confirma taxativamente o engavetamento dos dois pareceres de 2021 por Miguel Guimarães, apenas referindo ao PÁGINA UM que “os pareceres são documentos internos de órgãos consultivos, que necessitam de homologação superior” e que “só com a autorização do bastonário, como aconteceu agora, podem [então] ser divulgados publicamente”.
Quem tem princípios, por se conhecer as suas previsíveis linhas de conduta, geralmente não necessita de proclamar promessas públicas – excepto talvez os políticos, mas esses, sabemos, têm princípios volúveis, como glosou Groucho Marx, no século passado. Mas, tendo eu princípios, e não sendo político, confesso que faço auto-compromissos, não por uma razão de estratégia ou de receio de algo, mas numa base exclusivamente de empatia.
Isto para dizer que, nos últimos meses, deixei de me preocupar com os seus ditos, os seus escritos e o seu folclore nas redes sociais e na coluna do Público, onde os seus pergaminhos de anestesiologista do Hospital Pedro Hispano, a par de umas louváveis campanhas de medicina em terras de guerra, o fizeram convencer que poderia tornar-se o arauto da desgraça e o inquisidor dos “desinformadores”, tudo isto numa linha de auto-beatificação como “Humanitarian Doctor” que já vinha antes de 2020. Eu sei, enfim, num momento criativo (lembre-se que sou também escritor, mas acho até, enfim, de obras de jeito), ajudei à sua fama, quando o rotulei, para a posteridade, de Doutor Full HD, o que nunca me pareceu desadequado, mesmo se jocoso.
Enfim, ao longo dos anos de pandemia (2020-2022), devo ter escrito sobre as suas diatribes umas três dezenas de vezes – e sei disto porque, entretanto meteu-me um processo judicial, sobre o qual decidi não pedir abertura de instrução porque o tribunal parece-me o local adequado para tratarmos destes assuntos.
Aviso já que não o escolhi por uma questão pessoal, nunca sequer me cruzei consigo, mas sim pragmática, por vê-lo como um digno representante daquilo que pior se pode ter num médico ou de alguém que usa a Ciência para salvar vidas, mesmo na hipótese académica de estar bem-intencionado (o Inferno está cheio de bem-aventurados): a promoção do alarmismo, o incitamento à intolerância, a eliminação do debate, a recusa de novas abordagens terapêuticas (como se a Medicina fosse ciência exacta) e a adesão a populismos mediáticos bacocos que encontram na censura e na opressão de ideias diferentes uma punção quase sexual de poder.
Porém, ao longo de 2023, assumi o tal auto-compromisso de evitar falar sobre si, o que não advém absolutamente nada do seu pedido de indemnização de 45.000 euros, que me requere, com “muito amor” (que são sempre palavras que usa e pratica) na barra do tribunal, mas foi mais pelo facto de apresentar, no processo, dois pareceres, um de uma psicóloga e outra de um psiquiatra, onde até consta a medicação, cuja necessidade, assim se explana na acusação, tem única e exclusivamente origem e relação nos meus escritos sobre si. Condoí-me do seu estado, e mesmo desacreditando, como desacreditei da sua “verdade pandémica”, obriguei-me a deixar-me em paz, não querendo saber de tolices.
Acabei, contudo, por ser impelido a me desobrigar do recato auto-imposto depois de me chamarem a atenção para a sua mais recente coluna de opinião no Público, patrocinada pela Fundação Manuel António da Mota, onde cozinhou um “refogado” de temas, com um propósito comum, onde misturou guerra da Ucrânia, vacinas contra a covid-19, alterações climáticas, igualdade de género, nacionalismo, discriminação religiosa e racismo.
Esta mixórdia de temáticas daria para uma enciclopédia de grossos volumes, mas sei de antemão que, para si, é coisa que se despacha, sem mais delongas, em meia dúzia de “sapientíssimas” palavras – bom, neste caso, foram 900 palavras e 4.265 caracteres (eu contei) –, e ainda deu até para, a despropósito, zurzir no Doutor Manuel Pinto Coelho.
Não vou ser eu, ainda mais aqui, a querer defender o Doutor Manuel Pinto Coelho, de quem sou amigo e paciente [disclamer, portanto] nem sequer especular sobre se o “ataque” advém de uma sua eventual insatisfação quanto à estratégia de marketing que a Oficina do Livro decidiu adoptar para o seu próximo livro (Olhem para o Mundo com coração) tendo como comparação o que a mesmíssima editora virá a fazer em relação ao próximo livro do Doutor Manuel Pinto Coelho (Como viver sem diabetes). Como sabemos, ambas as obras serão publicadas este mês. Está feita a publicidade a ambos, o que acaba de ser uma opção salomónica.
Não precisando o Doutor Manuel Pinto Coelho da minha ajuda para se defender, até por ele saber bem aquilo que nas circunstâncias deve fazer, estou já convencido, no caso da vitamina D, que, enfim, devo vir à liça. Para o lidar. Pois bem, doutor, li com assombro que, entre outros “crimes” de que acusa o Doutor Manuel Pinto Coelho de vender “o benefício (inexistente neste caso) da Vitamina D e outras substâncias na prevenção e tratamento desta pandemia que paralisou o mundo”.
Caro doutor, eu já me cansei de argumentar sobre as questões extra-terapêuticas dos fármacos contra a covid-19, que, no auge da pandemia, tiveram menos de Ciência do que seria desejável, e muito mais de interesses em negócio das farmacêuticas do que seria aceitável. A História – com H maiúscula – costuma ser ingrata para o poder do passado, e o tempo costuma ser o carrasco daqueles que quiseram impor à força uma verdade, perseguindo supostos mentirosos, não pela certeza mas pela vileza.
Aliás, a História, que liberta a Justiça e o Conhecimento, está rapidamente a demonstrar que as miraculosas farmacêuticas mais os seus miraculosos novos medicamentos estão sempre pouco interessadas em que se encontrem velhos fármacos para tratar doenças novas, porque, hélas, isso não lhes daria lucros fenomenais. E, portanto, tratou-se, durante a pandemia, com a ajuda de influencers sanitários, como o doutor, de denegrir determinadas terapêuticas (baratas, logo pouco lucrativas) enquanto se endeusavam instantaneamente novos fármacos (caros, logo muito lucrativos) como se estes fossem a quinta-essência, e os outros apenas remédios do demo.
Basta lembrar o recente caso do antiviral Evusheld, retirado do mercado norte-americano por ineficaz, enquanto o Doutor Filipe Froes o promovia por cá, em lançamentos de marketing, ganhando dinheiro. Ou ainda o molvnupiravir, um “embuste” da Merck Sharpe & Dohme, que também já acabou ingloriamente os seus dias, depois da farmacêutica norte-americana ter facturado 6,7 mil milhões de dólares no ano passado.
Basta lembrar também o uso do remdesivir, que apesar de ser um fármaco associado a uma inusitada quantidade de reacções adversas graves elencadas pela própria Agência Europeia do Medicamento, incluindo mais de 900 mortes, continua a ser candidamente comprado pelos hospitais portugueses, sob a “bênção” do Doutor Filipe Froes, que o recomendou à DGS não se sabe se como consultor da Autoridade de Saúde Nacional ou se como consultor da farmacêutica Gilead, porque trabalha para ambas, sendo que para a primeira entidade o faz pro bono e para a segunda pro bolso.
Basta também lembrar que a Ordem dos Médicos nunca divulgou um parecer sobre a ivermectina – ou se calhar nem o quis fazer – que foi pedido pela Direcção-Geral da Saúde, depois de insistência de reputados médicos. Aliás, convém recordar que um ex-bastonário, Germano de Sousa, admitiu que o usou em modo profiláctico.
Mas voltemos à vitamina D, até porque, esta semana, na sua página do Facebook, fez ainda o seguinte comentário a uma leitora, à laia de dogmática sentença, como é seu hábito: “Vitamina D não é eficaz para o tratamento ou prevenção da Covid, isso está mais do q[ue] provado… e é isso q[ue] está no texto… mas tem múltiplas outras indicações médicas comprovadas”.
E, portanto, vamos lá evitar aqui chamar-lhe nomes, para que não haja necessidade de um reforço de medicação, ou de pedido de indemnização, mas pelo menos devo acusá-lo de promover a desinformação, nem que seja por ignorância, que me parece muita.
Depois da “espuma dos dias” da pandemia, em que as farmacêuticas e as agências controlavam os media e até as revistas científicas (que simplesmente recusavam certos estudos), cada vez se mostra mais esclarecedor alguns avanços no conhecimento científico em redor da pandemia e das melhores terapêuticas contra o SARS-CoV-2. Poderia vir aqui com uma vasta listagem, que pode ser consultada aqui, e onde até estão, por exemplo, na The Lancet de Agosto de 2020, ou na Nutrients de Março de 2020 (já citada 2.275 vezes, segundo o Google Scholar), diversas recomendações, no início da pandemia, nunca seguidas (pelo contrário, atacadas), sobre os benefícios da vitamina D3. E não seguidas por culpa de muitos influencers sanitários, não sei se me faço entender….
Mas prefiro salientar, para acabar de vez com o tema, um artigo de sistematização da Current Nutrition Reports, uma revista da conceituada editora científica Springer Nature, porque faz uma análise retrospectiva. E também para acabar de vez com a propagação da desinformação por si propalada, doutor.
Publicado em Maio passado, portanto bem recente, intitula-se este artigo, no original, “A narrative review on the potential role of vitamin D3 in the prevention, protection, and disease mitigation of acute and long covid-19”, podendo ser lido na íntegra. Nem mais, aborda tudo, como se pode melhor confirmar numa tradução: “Uma revisão narrativa sobre o potencial papel da vitamina D3 na prevenção, proteção e mitigação da doença aguda da covid-19 e da long covid”. A vitamina D3 é analisada como terapêutica preventiva e curativa, tanto para a doença aguda como para a tal long covid. Acho que ainda não se estudou os seus efeitos para mitigar efeitos adversos das vacinas, mas chegará o tempo…
Escreve a autora do artigo científico sobre o propósito da análise, traduzindo-se: “A pandemia da covid-19 desafiou os sistemas de saúde e economias globais desde janeiro de 2020. A covid-19, causada pelo coronavírus SARS-CoV-2, apresenta sintomas agudos respiratórios e cardiometabólicos que podem ser graves e letais. Sintomas fisiológicos e psicológicos a longo prazo, conhecidos como covid-19 de longa duração [long covid], persistem afectando múltiplos sistemas de órgãos. Enquanto as vacinas apoiam a luta contra o SARS-CoV-2, outros mecanismos eficazes de protecção da população devem existir devido à presença de grupos vulneráveis ainda não vacinados, comorbilidades globais da doença e respostas vacinais de curta duração. A revisão propõe a vitamina D3 como uma molécula plausível para a prevenção, proteção e mitigação da doença aguda (covid-19) e de long covid”.
E então, sem mais demoras, doutor, vamos às conclusões deste artigo que se baseia em 61 referências bibliográficas: “Manter a suficiência de vitamina D3 antes da infecção parece ser importante na redução do risco e da gravidade da covid-19 em indivíduos de todas as idades. Além disso, dadas as suas conhecidas propriedades protectoras e regenerativas em diversos sistemas de órgãos, a administração de vitamina D3 em indivíduos infectados com o SARS-CoV-2 pode promover tempos de recuperação mais rápidos e uma melhor sobrevivência. Mecanismos de acção específicos induzidos pela vitamina D3 em indivíduos que sofrem de covid-19 aguda ou de long covid precisam ser claramente elucidados, e estudos de suplementação devem ser consolidados. No entanto, evidências acumulativas cada vez maiores apoiam um possível papel para o uso de vitamina D3 na mitigação dos sintomas e do peso da doença aguda e de longa duração da covid-19, bem como na reparação de danos em órgãos associados à doença. Não foram relatados efeitos colaterais após a ingestão de doses mais elevadas de vitamina D3, conforme observado em estudos epidemiológicos em indivíduos afetados pela covid-19. Portanto, a suplementação de vitamina D3, o desenho de estudos e os regimes de dosagem devem ser revistos para incluir doses mais elevadas de vitamina D3 em estudos futuros, em comparação com as práticas actuais. Isso é especialmente relevante em subgrupos de risco, como idosos e indivíduos com obesidade, que podem se beneficiar de suplementação com doses mais elevadas por várias razões fisiológicas. O potencial da vitamina D3 como um candidato custo-eficaz na gestão e mitigação do peso da covid-19 merece investigação adicional, dada a ação mecanicista diversa e multipotente da vitamina D3 na manutenção da saúde e na prevenção de doenças”.
Isto, meu caro Doutor Full HD, é Ciência do século XXI, enquanto aquilo que andou a fazer ao longo de mais de três anos foi a defender o sequestro e a usurpação dos princípios da Ciência ao estilo da Santa Inquisição de séculos de má memória. Que tome boa nota disto, enquanto prepara a sua estratégia no sentido de convencer a Justiça que eu devo ser extorquido em 45.000 euros para o compensar de eu o tratar como pessoas da sua laia devem ser tratadas…
A Direcção-Geral da Saúde (DGS) disse esta tarde que o Tribunal de Contas “ilibou” a sua antiga líder, Graça Freitas, quando, na verdade, foi considerada culpada de infracções financeiras, e apenas lhe terá sido perdoada o pagamento das multas por não ser reincidente. Mas isso já não deverá suceder quando ficar concluída uma segunda auditoria em curso espoletada no ano passado também pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC). O regulador detectou que, até 2021, as campanhas sobre a pandemia da DGS só destinaram à comunicação social de âmbito regional e local cerca de 755 mil euros (menos de 15% do total), quando deveriam ter recebido pelo menos 1,28 milhões de euros (25% do total). Como assim será reincidente, Graça Freitas só se livra de multa se o processo prescrever.
A Direcção-Geral da Saúde (DGS) alegou esta tarde que o Tribunal de Contas “ilibou” a sua anterior líder, Graça Freitas, do pagamento das três multas por incumprimento da Lei da Publicidade Institucional em 2018, através de campanhas publicitárias sobre a vacinação contra a gripe e o sarampo.
A notícia da aplicação das multas a Graça Freitas, que foram “relevadas” pelo Tribunal de Contas – ou seja, houve um perdão posterior, bem diferente de uma ilibação (libertação da consequência de uma culpa, que ficou comprovada) agora indicada pela DGS – foi feita, em primeira mão, pelo PÁGINA UM no passado dia 12. No entanto, a reacção da DGS sucedeu apenas após hoje o Correio da Manhã ter feito uma manchete sobre o mesmo assunto. O jornal da Cofina não citou a notícia anterior do PÁGINA UM.
Em 2021, a DGS gastou 5 milhões de euros em publicidade institucional, mas as campanhas ainda não foram analisadas pelo Tribunal de Contas.
A “bondade” do Tribunal de Contas sobre Graça Freitas – libertando-a do pagamento de multas pecuniárias – apenas advém de a inspecção considerar que a infracção financeira ocorreu por negligência e, em simultâneo, se constatar a “ausência de (…) recomendação anterior”, ou seja, Graça Freitas seria infractora primária.
Porém, o PÁGINA UM sabe que o Tribunal de Contas está, neste momento, a analisar outras campanhas publicitárias da DGS durante a liderança de Graça Freitas, sobretudo nos anos da pandemia. Conforme o PÁGINA UM revelou em Fevereiro do ano passado, a DGS também aí incumpriu gravemente a Lei da Publicidade Institucional em 2020 e 2021. E com montantes muito mais elevados.
Até finais de 2021, quase 75% do dinheiro total gasto pela DGS em diversas campanhas publicitárias sobre a covid-19 foram absorvidas pelas televisões. Os canais da SIC e da TVI – que posicionaram os seus serviços noticiosos durante a pandemia com uma filosofia claramente alarmista – conseguiram captar um total de 3,11 milhões de euros nos últimos dois anos.
Este montante representa cerca de 61% dos quase 5,11 milhões de euros disponibilizados pelo gabinete de Graça Freitas para publicidade relacionada com a pandemia. A SIC foi o canal que mais encaixou: 1.609.024,35 euros, seguindo-se a TVI, com 1.230.378,35 euros. O pódio foi também ocupado por um canal por cabo, mas a grande distância: o Correio da Manhã TV teve direito a 557.237,81 euros.
Graça Freitas beneficiou televisões durante as campanhas publicitárias relacionadas com o combate à covid-19.
Curiosamente, a TVI 24 – agora transformada em CNN Portugal – recebeu mesmo mais do que a RTP 1. A primeira recebeu 190.004,71 euros, enquanto a segunda 148.721,45 euros. Na altura, não foram divulgados os critérios que presidiram à distribuição da publicidade, mas claramente a DGS preferiu campanhas audiovisuais de âmbito nacional em detrimento de campanhas destinadas à imprensa ou rádio locais e regionais.
No segmento radiofónico, a Rádio Comercial foi aquela que mais atraiu publicidade sobre a covid-19 (80.817,97 euros), um pouco mais do que o Jornal de Notícias, a publicação da imprensa que liderou nos contratos com a DGS, que recebeu 72.138,76 euros.
De acordo com um levantamento realizado então pela Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC), a DGS pagou diversos montantes a 284 órgãos de comunicação social para divulgação de mensagens relacionadas com a pandemia, dos quais 139 de imprensa regional, 126 rádios locais, oito títulos de imprensa nacional, sete canais de televisão, três rádios nacionais e uma publicação digital.
No entanto, apesar da grande quantidade de rádios locais envolvidas (que incluem, por exemplo, a TSF e a Mega 80) e de muitos títulos de imprensa regional, os montantes foram, em alguns casos, completamente irrisórios. Por exemplo, a Rádio Imagem, de Fornos de Algodres, recebeu 121,95 euros da DGS. Um total de 12 rádios ou periódicos regionais receberam menos de 500 euros, e mais 22 receberam entre 500 e 1.000 euros.
Graça Freitas preferiu campanhas audiovisuais durante a pandemia da covid-19 para transmitir cenas mais impactantes.
Por via dessa distribuição, a comunicação social de âmbitos regional e local só receberam 755 mil euros (menos de 15% do total), quando deveriam receber pelo menos 1,28 milhões de euros (25%) do total, o que levou a ERC a transmitir, por obrigação legal, este novo incumprimento ao Tribunal de Contas. Aliás, o jornal Público confirmou, também em Fevereiro do ano passado, a informação do envio para o Tribunal de Contas do processo de mais estas irregularidades cometidas por Graça Freitas. Ou seja, a ex-líder da DGS reincidiu.
Uma vez que, ainda por cima, os montantes destas campanhas em redor da covid-19 foram bastante mais elevados – e em número maior – será inevitável a aplicação a Graça Freitas de sanções, sem qualquer perdão, por estas infracções financeiras que beneficiaram as televisões em prejuízo dos media locais e regionais.
Com efeito, os juízes já não poderão, desta vez, relevar a “ausência de (…) recomendação anterior” para não a obrigar a pagar as multas. Na verdade, só uma prescrição pode salvar a antiga directora-geral da Saúde, independentemente de se manter um problema crónico na administração pública: o incumprimento da Lei da Publicidade Institucional, beneficiando os canais televisivos.
N.D. Como se sabe, o PÁGINA UM não tem, por opção, qualquer publicidade, nem institucional nem privada, sendo financiado apenas pelos donativos dos seus leitores, por isso não foi directamente afectado pelas sucessivas infracções cometidas pela antiga director-geral da Saúde relativamente à Lei da Publicidade Institucional.
A Igreja Universal do Reino de Deus (IURD) controla 12 rádios em Portugal, mas através de uma sua holding para os media –a Global Difusion –, presidida pelo seu líder em Portugal, o Bispo Domingos Siqueira. Contudo, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) não obriga a Global Difusion a mostrar as suas contas, porque a Lei da Transparência só se aplica às empresas directamente gestoras, ou seja, às suas seis subsidiárias que detém, entre outras rádios, a Record FM. Estas subsidiárias acumulam, há anos, prejuízos e vivem de contínuas “injecções” financeiras da casa-mãe. Mas uma investigação do PÁGINA UM revela que a própria empresa de media da IURD está numa situação tenebrosa: uma dívida de longo prazo de 58 milhões de euros e, se consolidado, capitais próprios de 42 milhões de euros… negativos. Ou seja, está em falência técnica. E sem redenção possível.
A Global Difusion – uma empresa de media inteiramente detida pela Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), e presidida pelo brasileiro Domingos Siqueira, o líder desta confissão religiosa em Portugal – é dona de 12 rádios locais em Portugal, mas apresenta uma situação financeira aterradora: está em falência técnica com um passivo sob a forma de dívida de longo prazo superior a 58 milhões de euros e um capital próprio negativo de 20,8 milhões. Mas fazendo a consolidação contabilística, o capital próprio ultrapassará os 42 milhões de euros negativos.
Segundo apurou o PÁGINA UM, os rendimentos de 2022 da Global Difusion, que funciona como uma holding da IURD para a área da comunicação social, foram de apenas 300 mil euros, bem inferiores aos gastos com depreciações e pagamentos de juros da elevada dívida. Por isso, acumulou mais quase 500 mil euros de prejuízo.
Domingos Siqueira é o líder da IURD em Portugal e preside à Global Difusion desde 2019. A empresa de media da igreja evangélica fundada no Brasil tem, através de subsidiárias, 12 rádios locais, mas não tem de mostrar a sua situação financeira no Portal da Transparência.
A empresa de media da IURD existe pelo menos desde 2006, estando a ser presidida a partir de 2019 pelo denominado Bispo Domingos, altura em que a sede passou para a Avenida Marechal Gomes da Costa, em Lisboa. A empresa da IURD tem estado activa a comprar licenças de rádios locais. As últimas aquisições ocorreram em Setembro de 2020, intermediadas pelo Abreu Advogados, com a compra de rádios locais da Figueira da Foz e de Vila do Conde, esta última sob protestos da então presidente da autarquia, Elisa Ferraz.
Os indicadores financeiros desta empresa detida a 100% pela IURD – e liderada pelo seu homem-forte em Portugal, conhecido por Bispo Domingos – não são revelados no Portal da Transparência dos Media, como anteontem o PÁGINA UM mencionou quando noticiou que a Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC) permitiu a confidencialidade de indicadores financeiros da igreja evangélica fundada por Edir Macedo. A ERC veio, entretanto, acrescentar esclarecimentos e disponibilizar afinal os indicadores financeiros daquela igreja evangélica, que não alteram em nada a notícia do PÁGINA UM publicada na sexta-feira passada. Pelo contrário, mais dúvidas suscitam.
Do ponto de vista formal, a IURD detém apenas a revista Eu era assim, o jornal Folha de Portugal e o canal de televisão Unifé – e é sobre estas que a “isenção” dada pela ERC se aplica. Mas a ERC nunca exigiu informação financeira à Global Difusion, detida a 100% pela IURD, porque esta é a proprietária directa das rádios, mas antes a dona de seis empresas radiofónicas, que, em conjunto gerem 12 rádios: a Horizontes Planos – Informação e Comunicação, Unipessoal, Lda.; a R.T.A. – Sociedade de Radiodifusão e Telecomunicação de Albufeira, Unipessoal, Lda.; a Record FM – Sociedade de Meios Audiovisuais de Sintra, Unipessoal, Lda.; a Rádio Clube de Gaia – Serviço Local de Radiodifusão Sonora, SA; a Rádio Pernes, Lda.; e a Rádio Sem Fronteiras – Sociedade de Radiodifusão, SA.
A Record FM é uma das 12 rádios controladas pela Global Difusion, através de uma subsidiária da empresa de media da IURD.
E é na análise da situação financeira de cada uma das seis subsidiárias da empresa liderada pelo homem-forte da IURD em Portugal que o inferno financeiro da Global Difusion melhor se expressa. Um desastre absoluto. Com efeito, todas estas seis empresas radiofónicas – que são “caixas de ressonância” evangélicas da IURD – apresentam o mesmo perfil: capitais próprios negativos, passivo elevado e, pior ainda, têm como principal detentor da dívida a própria casa-mãe, a Global Difusion.
No caso da Horizontes Planos – que gere as rádios Antena Sul Rádio Jornal e a Antena Sul Almodôvar –, as receitas do ano passado foram inferiores a seis mil euros e o capital próprio já é negativo em cerca de 323 mil euros, com o passivo a ultrapassar os 602 mil euros. Deste montante, 550.464 euros (91,37% do total) é de dívida à própria Global Difusion. No ano passado, o prejuízo foi de 105.164 euros.
Por sua vez, a R.T.A. – a empresa detentora da rádio Kiss FM, de Albufeira, e da Record Algarve – registou rendimentos em 2022 superiores (267.051 euros), mas mesmo assim não deu para fugir a um prejuízo de quase 16 mil euros. Esta empresa tem, actualmente, um capital próprio negativo de quase 333 mil euros e o passivo ascende aos 837 mil euros, dos quais 88,27% são de dívida à casa-mãe, a empresa detida pela IURD. Ou seja, um pouco menos de 740 mil euros.
Global Difusion tem sede na Avenida Marechal Gomes da Costa, em Lisboa.
A Record FM – que gere a rádio com a mesma denominação, bem como a Maiorca FM e a Record Leiria – teve no ano passado rendimentos baixos (apenas 23 mil euros), mas prejuízos elevados (um pouco mais de 191 mil euros). Isso foi agravar ainda mais o capital próprio, que agora está com um valor negativo de mais de 649 mil euros, enquanto o passivo é de quase 943 mil euros. Deste montante de dívida, a Global Difusion é credora de 98%, ou seja, de cerca de 924 mil euros.
A situação financeira da empresa Rádio Clube de Gaia, que gere a rádio Record Porto, é a pior das seis empresas controladas pelo bispo Domingos Siqueira, pois tem um capital próprio negativo de quase 1,4 milhões de euros e um passivo que já ultrapassa os 1,6 milhões de euros, dos quais 94,5% constitui dívida à própria casa-mãe. No ano passado, os rendimentos não chegaram sequer aos 19 mil euros e o prejuízo foi superior a 188 mil euros.
Não muito melhor – ou menos pior – está a situação financeira da Rádio Sem Fronteiras, que gere a Rádio Positiva e a Rádio Linear: capital próprio negativo de cerca de 382 mil euros e um passivo de superior a 1,1 milhões de euros, dos quais 99% constituem dívida à Global Difusion. No ano passado teve um rendimento de pouco mais de sete mil euros e um prejuízo de quase 188 mil euros.
Domingos Siqueira durante uma recente visita à Alemanha. Em Portugal, com a sua mulher Núbia, tem um podcast com empolgantes mensagens motivacionais, que já conta 125 episódios.
Por fim, a empresa Rádio Pernes, que gere a Record Santarém, não teve praticamente receitas no ano passado (apenas 3.526 euros), mas acumulou um prejuízo acima dos 142 mil. O capital próprio negativo é já superior a 195 mil euros e o passivo está quase a atingir os 437 mil, dos quais 90,44% constitui dívida à Global Difusion.
Em suma, além de todas as 12 rádios mostrarem a debilidade de um moribundo, o facto de os passivos serem sobretudo detidos pela Global Difusion (a casa-mãe) acaba por tornar a situação financeira da empresa da IURD ainda mais tenebrosa.
Com efeito, num processo de consolidação contabilística das suas contas – em que se subtrairá quer as participações financeiras (16 milhões de euros) quer parte do montante da rubrica “outras contas a receber” (cerca de 5,3 milhões de euros, que constituem o crédito sobre as dívidas que as seis subsidiárias lhe têm) –, o activo da Global Difusion passará de cerca de 37,3 milhões de euros para apenas 16 milhões de euros.
IURD apresentou no ano passado um lucro de 7,7 milhões de euros e tem um capital próprio de 169 milhões de euros, mas se tivesse de consolidar as contas com a Global Difusion levaria um rombo financeiro de 42 milhões de euros.
Deste modo, como o passivo se mantém, designadamente as dívidas de longo prazo (58 milhões de euros), o capital próprio desta empresa de media da IURD terá então um valor negativo superior a 42 milhões de euros, em vez dos 20,8 milhões de euros indicados nas contas individuais.
Por outro lado, nos registos contabilísticos a que o PÁGINA UM teve acesso, consta uma nota da Certificação Legal das Contas (CLC) destacando que a Global Difusion “tem refletido no seu Ativo, na rubrica de Outros Créditos a Receber, o montante de 4.250.000,00 Euros, referente a out[r]os devedores aos quais não podemos aferir sobre a sua recuperabilidade, pelo que não nos é possível quantificar os eventuais efeitos desta situação nas demonstrações financeiras”. Ou seja, serão certamente valores que terão de ser assumidos como perdas e reflectidos como prejuízos em próximos anos, e abatido ao activo.
Uma situação financeira virtualmente impossível de purgar. Ou a caminho não da redenção mas da insolvência.