Desde Agosto, o PÁGINA UM tem revelado as dívidas ao Estado, os ‘esquecimentos’ nas declarações no Portal da Transparência e as movimentações societárias ainda pouco claras dos accionistas da Global Media, a dona do secular Diário de Notícias – que já só vende 1.160 exemplares por dia – e accionista da Lusa, com quem o Governo negoceia compra das quotas. Tudo com base em demonstrações financeiras e registos societários da própria empresa e suas accionistas. Entretanto, Marco Galinha, o ainda CEO da Global Media, gastou 4,35 euros em serviços de correio registado com aviso de recepção para informar que as notícias “veiculadas através da plataforma noticiosa digital (…) denominada ‘Página Um’ (…) não têm adesão à realidade”. E aproveitou sobretudo para ameaçar com um processo judicial para a defesa do seu “bom nome”.
O empresário Marco Galinha – presidente do Grupo Bel que, entre outros interesses comerciais, é actualmente o quarto accionista da Global Media – declara repudiar as notícias do PÁGINA UM sobre a situação financeira e económico do grupo de media que controla, entre outros, os periódicos Diário de Notícias e Jornal de Notícias, bem como a rádio TSF. E promete, sem se saber se cumprirá, que “serão acionados os mecanismos legais e judiciais para a defesa do [s]eu bom nome”.
Na curta missiva enviada ao PÁGINA UM, Marco Galinha trata o PÁGINA UM por “plataforma noticiosa digital”, referindo que as notícias que têm sido publicadas sobre a Global Media e seus accionistas “apresentam uma visão distorcida da realidade, na medida em que insinuam práticas e condutas perpetradas pela administração da Global Notícias Media Group, SA, da qual faço parte, e que não têm adesão à realidade”.
Marco Galinha lista, em particular, cinco notícias do PÁGINA UM, algumas das quais levaram já a Entidade Reguladora para a Comunicação Social a intervir. A primeira destas notícias, publicada em Agosto passado, revelava que em 2022 a dívida da Global Media subira para os 10 milhões de euros, valor não revelado no Portal da Transparência dos Media. E com uma agravante peculiar: o aumento no calote público apenas nesse ano, da ordem dos 7,1 milhões de euros, deveu-se ao facto de a administração da Global Media Group ter optado por devolver esse montante aos sócios, para lhes reembolsar empréstimos remunerados. A notícia do PÁGINA UM baseava-se nas demonstrações financeiras da própria Global Media, nunca desmentidas.
A segunda notícia, publicada a 23 de Agosto, revelava, por sua vez, que a Global Media corrigiria, por pressão da ERC, alguns dos indicadores financeiros do Portal da Transparência dos Media, mas mantendo escondida a dívida ao Estado de 10 milhões de euros. Saliente-se que essa dívida é factual, constando explicitamente identificado no balanço da empresa de media. Acresce que o Ministério das Finanças nunca quis esclarecer os motivos para, conhecendo as dívidas ao Estado tanto da Global Media como da Trust in News (dona da Visão, entre outros títulos), não intervir.
As outras três notícias referidas por Marco Galinha foram todas publicadas este mês pelo PÁGINA UM, versando, entre outros aspectos, a possibilidade do Governo vir a comprar a quota da Global Media na Agência Lusa, apesar do calote ao Estado; as recentes movimentações da estrutura societária deste grupo de media com a propalada entrada de um fundo das Bahamas; e um perfil financeiro e económico da Páginas Civilizadas, a empresa criada pelo empresário em 2020 quando entrou no negócio dos media.
Global Media, que deve 10 milhões de euros ao Estado, e a sua accionista Páginas Civilizadas querem vender as suas participações na Lusa, a agência noticiosa de capitais maioritariamente públicos.
Neste último caso, a informação financeira nem sequer consta no Portal da Transparência, porque a Páginas Civilizadas não é detentora directa de qualquer órgão de comunicação social, mas apenas accionista de empresas detentoras. Em todo o caso, o PÁGINA UM expôs as demonstrações financeiras desde a sua fundação, ou seja os três anos de exercício (2020,2021 e 2022). O PÁGINA Um também revelou, como sempre faz quando se baseia em documentos, as contas da Global Media, designadamente as demonstrações financeiras do ano passado, onde se observa a dívida ao Estado no exacto valor de 10.038.481 euros no dia 31 de Dezembro de 2022.
Apesar de todas as notícias estarem profusamente documentadas, recorrendo-se às demonstrações financeiras e registos societários – e pedindo, em alguns casos, esclarecimentos aos visados –, Marco Galinha refere, na carta enviada ao PÁGINA UM a título pessoal, que “a falta de fundamento e de rigor jornalístico da informação publicada são lesivas do meu bom nome e comportam danos reputacionais de valor (ainda) incalculável, porquanto colocam em causa a credibilidade e prestígio do meu nome, bem como a minha honorabilidade, tanto pessoal como profissional”.
N.D. Quase seria escusado dizer que o PÁGINA UM não muda uma vírgula àquilo que tem escrito sobre a Global Media, apenas fazendo esta nota para reforçar o fraco papel regulatório da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, que apesar de ter conhecimento das demonstrações financeiras deste grupo de media, continua sem a obrigar a revelar as dívidas ao Estado no Portal da Transparência dos Media. De igual modo, se aproveita para destacar o silêncio comprometedor do ministro das Finanças sobre as dívidas dos grupos de media ao Estado. Assinale-se também que, apesar de ser bem conhecida a estratégia de pressão (SLAPP) sobre órgãos de comunicação social independentes, através de recurso aos tribunais ou a tentativas de descredibilização (e mostra-se cada vez mais evidente uma espécie de conluio entre a CCPJ, a ERC e o Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas), o PÁGINA UM não muda o seu caminho. Obviamente, temos consciência que tempos difíceis virão, à medida que mais incómodo causamos, mantemos a esperança que os nossos leitores não nos abandonarão, apoiando-nos nas nossas acções judiciais (no FUNDO JURÍDICO) ou ainda reforçando o apoio financeiro a um jornal sem publicidade e sem parcerias comerciais – ou seja, sem controlo, o que para alguns se mostra ‘assustador’.
Esta noite, os tempos de espera no Hospital Santa Maria, consultando os dados em tempo real, andam pelas três horas para os doentes menos urgentes e menos de uma hora para os doentes urgentes. Poderia ser pior. Com as greves e a instabilidade do Serviço Nacional de Saúde (SNS), antevia-se o caos. Mas, afinal, os portugueses preferem a ‘morte’ ao caos, e daí muitos têm fugido de previsíveis ‘secas’ nas urgências, optando por nem lá porem os pés. Uma análise do PÁGINA UM aos dados oficiais mostram que nas primeiras duas semanas de Outubro se contabilizaram menos 16.839 doentes nas urgências face ao período homólogo, uma queda quase generalizada em todos os hospitais, sobretudo do Centro e da região de Lisboa e Vale do Tejo. No Hospital de Santa Maria, a queda é mesmo de 20%. Mostramos todos os números.
As greves de médicos, a instabilidade no Serviço Nacional de Saúde (SNS), o fecho temporário de serviços e o clima mediático que enfatiza as potenciais dificuldades de resposta hospitalar estão a ter um efeito que não desagradará ao Governo: nas duas primeiras semanas de Outubro, em vez de entupimentos e aumentos do tempo de espera, verifica-se que a esmagadora maioria dos principais hospitais públicos regista uma redução na afluência aos serviços de urgência face ao período homólogo do ano passado. No Hospital de Santa Maria, o terceiro do país com mais episódios em 2022, a queda dos números de urgência é de 20%. Foram menos 1.722 pessoas a procurarem as urgências.
De acordo com a análise do PÁGINA UM aos números oficiais da Monitorização Diária dos Serviços de Urgência para as 25 principais unidades hospitalares do SNS, o Hospital do Barreiro foi aquele que contabilizou a maior queda. Entre 1 e 14 de Outubro do ano passado foram atendidas, em média diária, nas urgências daquela unidade de saúde da Margem Sul um total de 390 pessoas, mas no mesmo período deste ano esse número baixou para 290, ou seja, uma descida de 25.6%. O segundo hospital com maior redução relativa (e com a maior redução absoluta) foi o Hospital de Santa Maria, em Lisboa: no período em análise teve no ano passado 621 atendimentos por dia nas urgências; este ano ficou pelas 498.
Esta descida é muito significativa: na primeira quinzena de 2022, a unidade principal do Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte foi o segundo mais sobrecarregado de episódios de urgência (apenas atrás do Hospital de São João do Porto e do Hospital Fernando da Fonseca, conhecido por Amadora-Sintra), mas agora foi ainda ultrapassado pelo Hospital de Gaia e pelo Hospital de Braga. Estas duas unidades são, aliás, duas das poucas excepções, porquanto registaram subidas nas urgências, embora ligeiras (2,6% e 5,2%, respectivamente).
Além destes dois hospitais nortenhos, apenas se contabilizam pequenas variações positivas nas urgências de Guimarães (2,5%), São José (1,4%), Vila Nova de Famalicão (0,3%) e Viana do Castelo (1,2%). Fora do top 25, destaca-se, contudo, o Hospital de Faro que registou uma subida de 64,4%, mas em parte devido à redução registada no Hospital de Portimão.
De resto, predominam as descidas. Além dos já referidos casos do Barreiro e de Santa Maria, há mais sete hospitais do top 25 com reduções de pelo menos 10%: Universidade de Coimbra (-17,5%), Leiria (-10,7%), Vila Franca de Xira (-10,0%), Viseu (-10,5%), Setúbal (-15,0%) e Portimão(-10,0%). Também fora do top 25 merece destaque a redução da procura das urgências no Hospital Beatriz Ângelo, em Loures: nas duas primeiras semanas de Outubro do ano passado foram atendidas nas urgências 492 pessoas por dia; este ano apenas 262, o que significa uma descida de 46,9%. Também em queda está a principal unidade pediátrica do país, o Hospital D. Estefânia, que registou uma descida de 12,9%.
Número médio diário de episódios de urgência entre 1 e 14 de Outubro e em Setembro para os anos de 2022 e 2023, e variação relativa (%). Fonte: ACSS.
Este fenómeno de queda quase generalizado e com significado estatístico é bastante recente. O PÁGINA UM comparou também o mês de Setembro deste ano com o período homólogo de 2022 e constatou que apenas os hospitais de Coimbra (-15,5%) e de Setúbal (-13,0%) registaram uma redução superior a 10% no afluxo de pessoas às urgências: E 13 dos 25 maiores hospitais até tinham registado uma subida.
Estes números de Outubro – que serão induzidos pela instabilidade do SNS e pela percepção dos pacientes de que haverá falhas no serviço em caso de se deslocarem a hospitais públicos – acabam por atenuar uma previsível nova sobrecarga nos serviços hospitalares após os dois primeiros anos de pandemia (2020 e 2021).
Com efeito, na primeira quinzena de Outubro de 2020, todas as urgências do SNS receberam, em média, 12.985 doentes, número que já subiu para os 17.346 em 2021 e que aumentou ainda mais no ano seguinte, para os 18.954 doentes por dia.
Tendo baixado para os 17.751 doentes atendidos em média por dia entre 1 e 14 de Outubro passado, o Governo ‘respira de alívio’, uma vez que pior do que as greves será as urgências entupidas de doentes com tempos de espera desesperantes.
Contudo, no período em análise (primeiras duas semanas de Outubro), apesar da queda nos atendimentos quase generalizada – chegando a 13% nos hospitais da região de Lisboa e Vale do Tejo, ou seja, menos 864 urgências por dia –, o Algarve até regista uma subida de 9%, embora isso represente 85 doentes a mais nas urgências em cada dia.
Durante a pandemia, a generalidade dos jornalistas da RTP, na linha da imprensa mainstream, teve uma atitude deplorável de seguidismo, em violação dos princípios deontológicos, em apoio a uma narrativa oficial, contribuindo para menosprezar, ostracizar e perseguir todos aqueles que, mesmo de uma forma científica, pretendiam introduzir racionalidade a uma crise sanitária. Já muito escrevi sobre esta matéria – e desconfio que venha a escrever mais.
Mas ontem lembrei-me de um lastimável “debate” da RTP, em 2 de Fevereiro de 2021, num programa intitulado “É ou não é?”,
E lembrei-me porque foi moderado pelo jornalista Carlos Daniel – e que ontem esteve presente na apresentação do mais recente livro de Gustavo Carona intitulado Olhem para o Mundo com o coração. Jornalismo oblige: respirei fundo e fui ouvir a louvaminha de Carlos Daniel à obra. Temi tudo, mas esperando pelo menos coerência. Mas não: descobri hipocrisia.
Mas enquadremos a coisa. Recuemos a 2 de Fevereiro de 2021 e ao suposto debate que deveria confrontar as diferentes visões da comunicação e da desinformação em pandemia. Quem esperasse um verdadeiro debate, perdeu logo a esperança pelo naipe de “escolhidos”: o antigo ministro socialista Correia de Campos, o consultor de comunicação Rui Calafate, o assessor de imprensa Rui Neves Moreira, os médicos Ricardo Mexia, Gustavo Carona e João Júlio Cerqueira, a psicóloga Marta Moreira Marques e o jornalista Paulo Pena, que está para a desinformação como o Milhazes para a Rússia.
Nesse programa, que deveria estar exposto nos anais do Jornalismo, no sentido de ser o paradigma daquilo que se deve evitar, não houve um – um único – entre os oito convidados que destoasse uma vírgula da narrativa, que mostrasse uma visão diferente, que clamasse por uma maior transparência na informação oficial (já repararam que o PÁGINA UM foi o único jornal que, por exemplo, quis saber dos registos da mortalidade nos lares, estando o caso em Tribunal Administrativo?), que defendesse a necessidade de se esclarecerem os conflitos de interesse dos intervenientes, que enquadrasse a pandemia num contexto de crise sanitária onde coexistiam outras variáveis valências (incluindo de saúde pública a curto, médio e longo prazo).
Nada disso. Ali, sob a batuta de Carlos Daniel, naquilo que falsamente se chamou debate, não apenas chutaram para fora quaisquer visões diferentes, como se meteu tudo e todos no mesmo saco. Tudo foi, se fugisse da linha oficial, e sem direito a opinar, catalogado como desinformação e teoria da conspiração.
Ao minuto 58:03, Carlos Daniel resumiu que tudo aquilo que não seguisse a estratégia oficial – que, por exemplo, em Portugal resultou em quatro anos consecutivos de excesso de mortalidade, sobre a qual já nem o desplante oficial culpa a covid-19 – era “ignorância colectiva que se alimenta com estas notícias” [leia-se, redes sociais], e mostrava então o seu receio de que o “negacionismo” pudesse “fazer caminho”.
As intervenções dos médicos Gustavo Carona e José Júlio Cerqueira são, se ouvidas hoje, autênticos compêndios de mentiras, intolerância e absurdos embandeirando abusivamente a Ciência. E tudo sem qualquer contraditório. E com um jornalista como responsável por este “banquete”. Quem quiser pode ainda assistir a este falso debate promovido, enfim, por um jornalista.
Gustavo Carona, Carlos Daniel e Pedro Abrunhosa, ontem no Porto.
Dois anos e meio depois, não me surpreenderia assim que o jornalista Carlos Daniel, se fosse coerente, corresse a louvar um indivíduo como Gustavo Carona, e acabar até por, hélas, lhe elogiar a escrita literária. Mas já foi longe demais ao tecer estas considerações finais (a partir do minuto 12:20):
“Em boa parte, a intolerância radica na ignorância. E a ignorância é arrogante, como nós sabemos. E a ignorância não respeita o especialista, duvida da Ciência, transforma hoje… o influenciador é mais importante que o comunicador, não é? Esta coisa… Eu acho que é muito importante, e se calhar tento terminar com esta ideia, que os jornalistas que cuidam dessa coisa da objectividade e acreditam numa verdade; pelo menos numa verdade provisória, numa verdade quotidiana, não na verdade filosófica… Mas também nos artistas, que têm que ser capazes, como o Pedro[Abrunhosa, que estava ao seu lado]faz tantas vezes, de marcar e dizer o que pensam e dizer como é que acreditam que isto podia ser melhor; mas as pessoas que se expõem com opiniões, com sentimentos, como o Gustavo [Carona] faz tantas vezes; se calhar nós somos três exemplos de pessoas que não têm que ter medo do UNLIKE, não é? Não devemos procurar o LIKE. Nós temos que acreditar que a nossa missão também é, de vez em quando, desagradar a alguns, para que eles entendam que o Mundo não é apenas – como agora parece às vezes ser – daqueles que pensam como nós e nos põem os LIKES. Convém que haja alguém que discorde de nós, porque da discordância nasce o debate – e só do debate pode nascer o tal compromisso que eu falava há pouco. E isto é o mais essencial à Democracia, e, se quisermos, também nesta altura, à paz. E eu acho que, dito isto, apetece-me sublinhar que talvez, mais do que nunca, precisemos mesmo de olhar o mundo com o coração.”
A mim, depois de ouvir as palavras do jornalista Carlos Daniel ditas ontem no lançamento do novo livro de Gustavo Carona – um dos médicos mais alarmistas e intolerantes ao debate durante a pandemia –, e conhecendo a sua postura profissional nos últimos anos, só me apetece sublinhar uma palavra que nem está neste seu discurso, mas que está no seu âmago: HIPOCRISIA.
Desde Setembro, de uma forma mais incisiva e sistemática, o PÁGINA UM tem dedicado, mesmo com parcos meios, uma especial atenção aos contratos públicos, incluindo as autarquias e sobretudo a Administração Pública, com uma secção própria: Res Publica. De uma forma simplista, olhamos para as despesas – e a forma como (não) se cumprem as regras da transparência, da contratação pública e da boa gestão da res publica – que ficaram consignadas, algures, num Orçamento de Estado, quer tenha sido ou não classificado como pipi.
Os Orçamentos de Estado são, como se deveria saber, e de uma forma também simplista, complexas folhas de cálculo, onde se coloca, de um lado, a despesa previsível – e que se deseja ser possível fazer –, e do outro lado, a receita que um Governo sente ser possível sacar dos contribuintes. Mas aprovado com maior ou menor dificuldade o Orçamento do Estado, o bom jornalismo sabe de antemão o enxame de interesses que por ali pululam. E é aí que o bom jornalismo, como defensor do interesse público e como um dos pilares da democracia, se deve mostrar. Sem tibiezas. Com ousadia. Sem medos. Com coragem. Sem ser pipi. Com tintins. É isso que o PÁGINA UM se esforça por fazer.
Embora a má gestão dos dinheiros públicos não seja propriamente uma surpresa – o PÁGINA UM não descobriu, com a nova secção que criou, práticas sobre as quais nada se sabia ou nada se desconfiava –, pessoalmente tem-me causado estupefação a dimensão das irregularidades, dos despesismos e dos expedientes onde tresandam combinações e campeia a corrupção moral, a mãe da corrupção financeira. Quer em contratos de milhões de euros quer em contratos de poucos milhares de euros, encontram-se esquemas, quase sempre onde os ajustes directos – aqueles que se combinam por telefone, por e-mail ou à mesa de um restaurante. E isso é o que facilmente se pressente na documentação presente no Portal Base, e onde estão ausentes, em muitos casos, cadernos de encargos e outros elementos procedimentais numa clara tentativa de obscurantismo.
Acredito que haja gestores impolutos e instituições impolutas, mas começo a pensar que, daqui a nada, tenho de me investir de um qualquer Lancelot ou Percival para encontrar o Santo Graal. Isto porque, hélas, até naquela implacável máquina do Estado que, imune a sentimentalismos, nos sequestra o dízimo de contribuintes, mais as moras por demoras ou as multas por esquecimentos (mais ou menos negligentes), acabamos por encontrar os males de Frei Tomás: prega rigor, pratica vícios. Os contratos por ajuste directo, 17 feitos desde 2017, por um subdirector-geral dos Impostos (chamemos assim por simplificação), em benefício de uma mesma empresa, com claros e evidentes sinais de combinações à margem da lei, mostram assim o pântano em que vivemos. Sobretudo porque o Ministério das Finanças nem sequer se julga no dever de comentar ou agir.
A causa deste silêncio, e de tantos outros silêncios, advém da assumpção (justa, diga-se) de que hoje a imprensa mainstream é formada sobretudo – e exceptuando casos cada vez mais raros e, por minoritários, sem força nas redacções – por jornalistas pipis, ademais comandados por directores (e directoras) sem tintis, no sentido metonímico do termo (aviso já os wokistas) de ausência de coragem e de falta de ousadia. Se a imprensa de massas não fala, não existe. E os políticos e as empresas agora sabem como, com certas massas e manhas, “silenciar” a imprensa mainstream.
Não tenho dúvida alguma que, até há décadas, e falo pela minha experiência jornalística, mais de metade dos casos denunciados pelo PÁGINA UM seriam manchete ou primeira página na generalidade da imprensa mainstream, ou teriam eco em follow up (seguimento). Em alguns casos, teriam consequências para os visados. Mas o jornalismo de hoje não é um verdadeiro jornalismo. É um sucedâneo adulterado, que confiscou a denominação. No jornalismo de hoje já não estão jornalistas nas cúpulas, nas chefias: estão sobretudo marketeers e directores comerciais travestidos de jornalistas encarteirados mas preocupados com as suas vidinhas, as suas casas de férias, as propinas dos filhos no colégio privado e as remodelações da cozinha (se fosse da biblioteca, seria menos mau; seria sinal de alguma erudição).
Hoje, o jornalismo de investigação e de denúncia – que é a essência pura da imprensa – está varrido das redacções, e dá-me uma dor de alma perceber como as parcerias comerciais com autarquias, Estado e empresas privadas estão a matar o jornalismo – e de uma forma pornográfica, sendo os directores e directoras de alguns órgãos de comunicação social os protagonistas, de perna aberta. Hoje, há temas e escândalos que jamais serão notícia. Hoje, o homem que mordeu o cão só será notícia se o homem que mordeu o cão não tiver uma parceria comercial com órgãos de comunicação social. Hoje, perdidos os tintis, quase só nos resta um jornalismo pipi.
Hoje, a promiscuidade entre a política – nas várias acepções do termo – e o jornalismo (e certos jornalistas) está ao nível do pântano – pântano não, que é ecossistema rico; corrigido assim: cloaca. Nos anos 90 e na passagem do século, quando colaborei, entre outros, no Expresso e na Grande Reportagem, sempre senti as pressões, que são habituais, em assuntos delicados sobre os quais escrevi, mas havia então alguma decência: as chefias não vergavam ou se o faziam não era evidente. Em 2006 senti, pela primeira vez, que já vergavam e não tinham pejo, aquando de um lamentável episódio no Diário de Notícias protagonizado por um subdirector, que não passava de um agente socialista, tanto assim que poucos meses depois era vê-lo já como assessor de um ministro socrático, e nunca mais o vi a sair da esfera de influência do Partido Socialista. Esse caso contribuiu, aliás, para o meu afastamento do jornalismo durante cerca de uma década.
Mas, olhando agora para esse episódio de 2006, acho que piorámos incomensuravelmente. E não foi apenas com a pandemia. Hoje, há notícias que simplesmente são engavetadas ou nunca recebem luz verde. Ou então são despidas de qualquer polémica, usando-se estilos inócuos e fofinhos. Os próprios jornalistas têm medo, ou são formatados para não se arriscarem no confronto com os poderes instalados, a menos que aqueles estejam em desgraça ou em aparente queda.
Os supostos reguladores (ERC, CCPJ e até, enfim, o Sindicato dos Jornalistas mais um seu apêndice chamado Conselho Deontológico) são hoje instrumentos sobretudo de condicionamento do jornalismo independente, para, através de pareceres e recomendações que não passam de bitates, dar uma capa de impunidade aos infractores, e com a inacção darem uma ideia de que não existem vergonhas na classe. Quanto mais denúncias o PÁGINA UM faz da promiscuidade que se vive na imprensa mainstream, mais ataques recebe dos supostos reguladores.
Veja-se a título de exemplo, duas deliberações da ERC contra o PÁGINA UM (e virão mais) por notícias que até resultaram em processos contra os queixosos na Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).
Veja-se ainda o processo disciplinar instaurado pela CCPJ – e por empenhos da sua presidente, Lucília Gago, despeitada por notícias do PÁGINA UM – por mor de uma queixa do almirante Gouveia e Melo por outra notícia que denunciava evidentes (repito, evidentes, e até documentadas) irregularidades no processo de vacinação de médicos não-prioritários contra a covid-19, e que também resultou numa inspecção ainda não concluída (a aberta em Janeiro passado) pela IGAS. A fase de instrução anda a marinar há cinco meses, talvez porque o relator anda a pensar se também deve processar disciplinarmente alguns dos seus colegas da CMTV.
E veja-se também o papel do Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas que, em vez de se preocupar com a promiscuidade de “jornalistas comerciais” (onde até se inclui um vogal da direcção do próprio sindicato), anda agora entretido a fazer pareceres, ora para fazer fretes à presidente da CCPJ, ora para criticar o estilo de escrita usado em rigorosas e documentadas denúncias sobre contratos públicos do Hospital de Braga.
Aliás, este último caso é exemplificativo sobre o desplante que agora impera: é tão grande o à-vontade das falcatruas e das irregularidades e ilegalidades que os seus autores sentem que até conseguem, com bons empenhos, censurar e difamar um jornal que, por independente, ainda grita que ‘o rei vai nu’. E o facto é que conseguem, mesmo não necessitando sequer de provar que o jornalista mentiu.
Bem sei que a vida nunca esteve fácil para o jornalismo independente, e que melhor parece estar para os jornalistas pipi sem tintins. E quando criei o PÁGINA UM sabia que um jornalismo independente, fracturante, sem parcerias comerciais e ideológicas nem agendas obscuras, e ainda mais denunciando as promiscuidades da imprensa mainstream, estaria sujeito, mesmo entre os seus pares (ou sobretudo usando estes), a actos de boicote, de censura e de difamação – por exemplo, anda por aí um professor universitário de Coimbra na área da Comunicação Social, com excelentes ligações aos mentideros, a esgadanhar-se para encontrar “provas” da ligação do PÁGINA UM à extrema-direita. E prevejo que se não as encontrar, cansando-se, as tratará de inventar… ou de fazer mais uns pareceres “mui isentos” sobre as minhas “tropelias deontológicas” ali para os lados do Chiado.
Hoje, bem sei que algumas das minhas notícias, mesmo com o genuíno espírito daquilo que deveria ser a imprensa, podem cair em saco roto. Podem politicamente ser ignoradas, porque apenas lidas por pouco mais de 20 mil pessoas, como esta, sobre os 17 ajustes directos para limpezas do subdirector-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira. Podem jornalisticamente ser ignoradas pela imprensa mainstream.
Mas prefiro continuar neste nicho do que, por exemplo, fazer o jornalismo ao estilo do making of do Orçamento do Estado publicado no Público na sexta-feira passada por uma directora-adjunta e por uma redactora-principal (não foram jornalistas de uma qualquer secção de social ou de vida mundana), onde se teceram pérolas deste lustre (negritos meus):
Mas há sempre coisas de última hora. A equipa das Finanças dorme muito pouco nos dias que antecedem a entrega do Orçamento na Assembleia. Na véspera da entrega, o ministro dormiu seis horas – os assessores obrigam-no, não o querem com olheiras no dia da apresentação solene ao país, o momento alto do ano nas Finanças, um gran finale a que grande parte dos funcionários da casa assistem. Mas se dormiu seis horas na noite antes da conferência de imprensa, na antevéspera Medina dormiu tão pouco que ainda acabou por fazer uma sesta no ministério.
Os dias que antecedem a entrega “têm 25 horas”, segundo um dos “homens (e uma mulher) do Orçamento”. Há uma equipa permanente que, tal como o ministro, dorme muito pouco. Foi com essa equipa que o ministro se reuniu no princípio de Setembro para fazerem um brainstorming fora do ministério a um sábado de manhã, 8 de Setembro, no Bairro Alto.
Foi uma reunião fora do horário de trabalho, mas o objectivo era pôr os homens do Orçamento a pensar “fora da caixa”.
(…)
Antes do gran finale que é a apresentação ao país, o ministro vai ao Parlamento entregar a proposta.
Mas este momento não é exactamente o fim. O Orçamento foi entregue no Parlamento, onde pode sofrer alterações. Fernando Medina rompeu com uma tradição de anos e anos em que o Orçamento chegava a altas horas da noite ao Parlamento e inaugurou os “orçamentos diurnos”. Desde o ano passado que passou a ser entregue aos deputados à hora do almoço, o que permite fazer a conferência de imprensa em que o explica ao início da tarde. É uma questão de “organização do trabalho”, defende. Foi o que “combinei com o primeiro-ministro e com a ministra da presidência”. “Queria fazer mesmo isto.”
Quem escreve isto, nunca, jamais, escreverá, ou quererá que se escreva, em simultâneo, sobre estranhos contratos na Autoridade Tributária e Aduaneira em negócios de milhões com uma empresa de limpeza. Ou não quer que se escreva sobre as dívidas ao Estado de empresas de media, como as da Trust in News e da Global Media. Ou não quer que se escreva sobre… enfim, sobre muita coisa. E mesmo que batam muito no peito sobre o jornalismo e a independência do seu jornalismo, nada mais fazem do que jornalismo pipi sem tintins. E isto é a morte do jornalismo.
Por isso, caros leitores (onde se incluem, obviamente, as leitoras, mesmo se caras), apenas peço uma coisa: no dia em que me virem a escrever assim, sobre o poder, avisem-me, porque o PÁGINA UM terá de ser encerrado por ter perdido os tintins e só já conseguir fazer um jornalismo pipi.
E agora, se não se importam, o resto da tarde será dedicado exclusivamente a tratar de questões processuais do PÁGINA UM relacionadas com pedidos de informação ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos e de alguns casos em curso no Tribunal Administrativo de Lisboa, incluindo um em que a CCPJ é réu. A notícia sobre a “fantochada” (será mesmo esse o termo que usarei no título, avanço já) do arquivamento do processo disciplinar ao Doutor Filipe Froes terá de ficar para amanhã… Já agora, embora fosse desnecessário: baseia-se em documentos.
Na semana em que o Ministério das Finanças anunciou que há um gato, o Faísca, a passear pelo seu chão, o PÁGINA UM andou a esquadrinhar os 17 ajustes directos consecutivos para limpeza das instalações da Autoridade Tributária e Aduaneira. Nos últimos sete anos, a entidade que recolhe os impostos dos portugueses já gastou 21 milhões de euros, sempre a beneficiar a mesma empresa, e quase sempre com contratos assinados quando o período de vigência já estava a terminar. No meio ainda se encontram dois contratos com indícios de terem sido forjados. Um deles vigorou, em Março de 2019, durou menos de duas semanas e custou quase 50 mil euros por dia, um preço médio sete vezes superior ao contrato assinado no mês seguinte. O Ministério das Finanças não quis, durante mais de uma semana, esclarecer os estranhos contratos da Autoridade Tributária e Aduaneira sempre em benefício da Samsic, uma empresa francesa.
Custa a acreditar, mas é verdade. Desde 2017, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem estado sistematicamente a celebrar contratos por ajuste directo com uma empresa de capitais francesa – a Samsic Portugal – Facility Services – para a limpeza de instalações fazendo tábua rasa das mais elementares regras de boa gestão públicas. Num levantamento do PÁGINA UM contabilizam-se, nos últimos sete anos, um total de 17 contratos por ajuste directo que envolvem um montante de 20.965.651 euros. Com IVA, que é dedutível pela empresa francesa, a conta chega próximo dos 26 milhões de euros.
Apesar de ser um serviço programável – e onde os concursos públicos fazem todo o sentido, por uma questão do melhor preço e qualidade –, na generalidade dos casos, os contratos entre a Autoridade Tributária e a Samsic estão a ser assinados já no decurso do período de vigência, que normalmente são trimestrais, mas podem abranger outras durações sem se perceber os motivos.
Em cinco destes contratos, a assinatura pela Autoridade Tributária – na generalidade a cargo de Nuno Roda Inácio, o subdirector-geral responsável pela área de recursos financeiros e patrimoniais – tem sido feita na última semana de vigência. Este dirigente ocupa este cargo, que inclui, por subdelegação, o estabelecimento de contratos, desde 2015, tendo sido nomeado pela então ministra social-democrata Maria Luís Albuquerque. Antes, e desde 2009, Roda Inácio já ocupava funções de relevo na “máquina fiscal’. Todos os contratos da Samsic foram assinados por ele, embora em alguns o seu nome seja indevidamente rasurado alegadamente por causa do Regulamento Geral da Protecção de Dados.
Por exemplo, o contrato mais recente, abrangendo o período de 1 de Abril a 30 de Setembro deste ano – ou seja, seis meses – e envolvendo um valor de mais de 1,8 milhões de euros, foi assinado por Nuno Roda Inácio na véspera de terminar. Deduz-se que seja a Samsic a continuar, no presente mês de Outubro, a efectuar as limpezas das instalações da Autoridade Tributária. E deduz-se pelo passado desde 2017, porque apesar de múltiplas insistências, o Ministério das Finanças não quis dar quaisquer explicações ou esclarecimentos sobre os estranhos contratos estabelecidos desde 2017 pela entidade que recolhe os impostos dos portugueses e que raramente perdoa falhas.
A forma como os diversos contratos de limpeza têm sido celebrados entre a Autoridade Tributária e a Samsic deixam sérias dúvidas de legalidade, havendo mesmo dois casos onde se evidenciam fortes indícios de terem sido forjados. Em grande parte dos casos, para justificar a assinatura de contratos enquanto já decorriam os serviços a prestar, o contrato invoca retroactividade.
Nélson Roda Inácio, à esquerda (cumprimentando em 2016 o então presidente da autarquia de Pombal) foi nomeado subdirector-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira em 2015, tendo assinado todos os ajustes directos com a Samsic.
Mas essa modalidade, que só pode ocorrer em situações excepcionais e devidamente justificada – e não por norma, como sucede nestes contratos de limpeza –, só pode ser aplicada se não impedir, restringir ou falsear a concorrência prevista no Código dos Contratos Públicos. Ora, sistemáticos ajustes directos com eficácia retroactiva de contratos constituem restrições de concorrência, até porque não se vislumbra qualquer motivo razoável para que, desde 2017, não se consiga pôr em pé um concurso público e que opte por sistemáticos ajustes directos assinados ‘tarde a más horas’.
Paulo Morais, presidente da Associação Frente Cívica diz não se compreender que ajustes directos para serviços desta natureza sejam sistematicamente assim celebrados em detrimento de concursos públicos, ademais sabendo-se que se destinam a aquisição de serviços banais. “Um ajuste directo deve ser uma excepcionalidade, quando sucede algo previsto, e muito menos se justifica alegar por regra retroactividade do início da sua vigência sem sequer a justificar”, salienta.
Mas há dois casos particulares no lote de 17 ajustes directos que se revestem de ainda maior gravidade. Ainda no primeiro trimestre de 2018 – depois de três contratos em 2017, o último dos quais terminara em 31 de Dezembro –, a Autoridade Tributária e a Samsic decidiram assinar um novo contrato por ajuste directo por um prazo de 287 dias.
Ministério das Finanças teve tempo para apresentar o gato Faísca à imprensa, mas não teve para explicar os estranhos ajustes directos da Autoridade Tributária e Aduaneira.
A vigência desse contrato de 2018 iniciava-se no dia 19 de Março e terminava a 31 de Dezembro, mas existem evidências de os preços terem sido inflacionados para compensar a inexistência de suporte contratual entre 1 de Janeiro e 18 de Março. Com efeito, enquanto o preço médio diário das limpezas em 2017 foi de 6.626 euros, o contrato de 2018 (com 287 dias de duração) ficou por 8.837 euros por dia. Ou seja, um aumento de 33%. Se o contrato de 2018 tivesse sido estabelecido para os 365 dias do ano, o custo diário era de 6.949 euros, aproximando-se assim daquele que fora o do ano anterior.
No ano seguinte, em 2019, repetiu-se o expediente para compensar mais ‘acertos’ em limpezas sem contrato, mas com sinais de fraude ainda muitíssimo mais evidentes. Nos primeiros dois meses e meio não se encontra qualquer contrato de limpeza que tenha estado em vigor, mas em 19 de Março desse ano, a Autoridade Tributária decidiu fazer mais um muito suspeitoso ajuste directo beneficiando a Samsic.
Com uma duração de apenas 13 dias, porque só foi assinado no dia 19 e expirava a 31 de Março, envolveu um pagamento de 648.402 euros, significando assim que, formalmente, em cada um dos poucos dias deste contrato de limpeza a Autoridade Tributária pagou 49.877 euros à Samsic. No mês seguinte, em Abril, entraria em vigor um novo contrato por ajuste directo, que durou 275 dias, até ao final do ano. Como teve um preço contratual de 1.984.242,74 euros, significa que por dia custou 7.215 euros, bem demonstrativo de que o contrato de Março de 2019 foi forjado para ter um preço médio mais de sete vezes superior.
Ajuste directo de Março de 2019 só vigorou por 13 dias a um preço diário exorbitante e terá sido o segundo contrato suspeito de ter sido ‘forjado’. Generalidade dos contratos foram assinados quando o prazo de vigência estava a decorrer; em alguns casos quase a terminar.
Para confirmar as fortíssimas suspeitas de contrato forjado em Março de 2019 acrescente-se que os contratos de limpeza a partir de 2020 apresentam um preço médio diário a rondar os 10.000 euros por dia.
Saliente-se também que, desde 2017, os seis maiores contratos por ajuste directo assinados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, qualquer um deles acima de um milhão de euros, foram sempre no sector da limpeza e todos a beneficiar a Samsic.
Paulo Morais considera que casos como estes mostram ser fundamental a existência de auditorias sérias “para que não se pense que tudo é possível”. “O Tribunal de Contas não pode manter uma atitude passiva, fazendo apenas análises por amostragem e de forma simples”, defende o presidente da Associação Frente Cívica, para quem se mostra cada vez mais evidente que “o país está a saque”.
Criada em Setembro de 2020, a Páginas Civilizadas é apenas um veículo financeiro criado por Marco Galinha para controlar a Global Media e comprar também uma quota da Agência Lusa. Mas em dois anos, sem ser conhecida actividade empresarial em concreto, e tendo apenas dois funcionários, a empresa tem tido um desempenho financeiro sui generis. Depois de quase nada ter facturado em 2020 e 2021, no ano passado a prestação de serviços (não se sabe bem a quem) superou os 6 milhões de euros, mas isto resultou em lucros residuais. Ao invés, o passivo é já três vezes superior ao capital social. É esta a estranha empresa que um fundo de investimento das Bahamas terá comprado, embora o acto ainda não surja nos registos societários do Ministério das Finanças. O PÁGINA UM analisou e mostra as contas.
Supostamente dominada por um fundo das Bahamas, a empresa Páginas Civilizadas – a principal accionista da Global Media (50,25%) e que detém 22,35% da Agência Lusa, maioritariamente estatal – tem apenas dois funcionários desde a sua criação em Setembro de 2020, mas apesar de não lhe ser conhecida actividade concreta apresentou uma facturação de mais de 6,2 milhões de euros no ano passado. Mas para essa facturação, os dois funcionários tiveram de tratar de gastos superiores a 5,7 milhões de euros, o que, para além de outras despesas, entre as quais pagamentos de juros de quase 290 mil euros, deu para ter um lucro de 29 mil euros.
Porém, não se pode dizer que o estado financeiro destas empresas – que terá deixado de estar sob domínio do empresário Marco Galinha, detentor do Grupo Bel – seja sólido, porque desde a sua criação aparenta estar a servir sobretudo para acumular dívidas. E também, não sendo nada sólido, não é por causa dos dois funcionários: no ano passado custaram, no conjunto, menos de 68 mil euros. Em valor líquido, em média, cada um ganhou um pouco menos de 2.000 euros por mês.
Marco Galinha controlava a Global Media desde 2020, mas com a ‘sangria financeira’ e o calote ao Estado, está a desfazer-se dos investimentos.
Constituída em 2 de Setembro de 2020, a Páginas Civilizadas serviu de veículo financeiro para a entrada de Marco Galinha como accionista da Global Notícias – proprietária, entre outros órgãos de comunicação social, dos periódicos Diário de Notícias e Jornal de Notícias e da rádio TSF. Apesar do seu objecto social estar associado sobretudo à “edição de publicações periódicas, não periódicas ou eletrónicas” e actividades afins, e também incluir o “desenvolvimento de software” e ainda a “prestação de consultadoria (…), orientação e assistência operacional às empresas em matérias como planeamento, organização, controlo, informação e gestão” e a “organização de conferências”, ignora-se, em concreto, qualquer actividade que seja publicamente divulgada.
O PÁGINA UM, aliás, tentou saber pormenores dessa actividade junto do Grupo Bel, e particularmente de José Paulo Fafe, gerente da Páginas Civilizadas e administrador da Global Media, mas não obteve resposta.
Certo é que, quando foi criada, a Páginas Civilizadas não incorporou logo os investimentos na Global Media e na Lusa, nem tão pouco lhe chegou dinheiro fresco dos seus então sócios a título de capital social de dois milhões de euros: o Grupo Bel e as Páginas de Prestígio, ambas ainda na esfera de controlo de Marco Galinha. Isto porque no balanço de 2020 ainda não constava qualquer valor na rubrica de investimentos financeiros e a maior rubrica dos activos (então de 2.193.774 euros) era referente a “outras contas a receber”.
Ignora-se se o Grupo Bel e a Páginas de Prestígio chegaram alguma vez a fazer entrar dinheiro na Páginas Civilizadas, porque as demonstrações de fluxo de caixa entregues na Base de Dados das Contas Anuais estão vazias nos três anos de exercício (2020,2021 e 2022) consultados pelo PÁGINA UM. Certo é que 2021 foi, na verdade, ano para fazer engordar o passivo da accionista da Global Media e da Lusa. Nesse ano, os dois funcionários conseguiram facturar um pouco menos de 165 mil euros, e entre gastos e outros ganhos, a Páginas Civilizadas até acabou o ano com um lucro de 78 mil euros.
Porém, em contrapartida, o passivo – que em 2020 era de 191 mil euros – disparou para os 10,6 milhões de euros. Uma parte deste passivo deveu-se a um financiamento de longo prazo de quase 3,4 milhões de euros – além de outro de curto prazo de cerca de 560 mil euros –, mas aparentemente a Páginas Civilizadas terá passado a assumir dívidas de outras entidades, em princípio da Global Media. Isto porque em 2021 o activo da Páginas Civilizadas passou já a incluir as participações directas na Global Media e na Lusa (valorizadas em 5,7 milhões de euros), mas no passivo, além dos quase 4 milhões de empréstimos bancários, acresceram aproximadamente 6,7 milhões de euros de “outras contas a pagar”. A quem? E por que actividade? Mistérios não esclarecidos pela gerência da empresa.
No ano passado, com o extraordinário e inexplicável aumento da facturação, embora os seus lucros tenham sido de apenas 29 mil euros, é certo que o passivo da Páginas Civilizadas desceu, situando-se, mesmo assim, nos 6,1 milhões de euros, ou seja, três vezes superior ao capital próprio. Essa redução ter-se-á devido sobretudo ao pagamento de devedores, porque houve uma redução da rubrica “outras contas a receber”, que terá permitido o abate de uma parte da dívida do ano anterior. No entanto, isto são suposições, tendo em conta a ausência de esclarecimentos da gerência das Páginas Civilizadas e da ausência de dados nas demonstrações de fluxos de caixa.
Ascensão e queda: Marco Galinha (ao centro) teve em 2020 uma entrada fulgurante como empresário dos media, mas está já de saída, sendo apenas o quarto maior accionista da Global Media e está a preparar a sua saída da Lusa.
Por outro lado, a dívida de longo prazo diminui apenas para os 738 mil euros, mas em compensação a rubrica de “outras contras a pagar” (que não são fornecedores) continuou alta, situando-se nos 4,8 milhões de euros.
No meio desta análise financeira do PÁGINA UM às contas da maior accionista da Global Notícias, que detém também quase um quarto do capital da Lusa, talvez o maior mistério seja conhecer a razão pela qual um fundo de investimento das Bahamas compra parte de uma empresa já fortemente endividada ao fim de dois anos, que detém uma empresa de media com prejuízos acumulados de quase 42 milhões de euros desde 2017, e ainda com uma dívida ao Estado de 10 milhões de euros. Saliente-se que a compra de quotas da Páginas Civilizadas ainda não consta na base de dados dos registos societários do Ministério da Justiça.
Fim de linha para Marco Galinha. A confirmação, através da Entidade Reguladora para a Comunicação Social, da venda de quotas a um fundo das Bahamas em empresas que são accionistas da Global Media, transformaram o homem forte do Grupo Bel no quarto accionista do grupo de media dona do Diário de Notícias, Jornal de Notícias e TSF. Mas nestas movimentações, sendo certo que a World Opportunity Fund controle a principal accionista da Global Media, o seu poder é relativo. Na verdade, sem mexer um euro, os chineses da KNJ Global são agora os principais accionistas de um grupo que acumula quase 42 milhões de euros de prejuízos desde 2017 e deve 10 milhões de euros ao Estado.
As recentes, e algo obscuras, mexidas na estrutura de propriedade da empresa Páginas Civilizadas e suas sócias – através da venda de quotas de Marco Galinha ao fundo de investimento World Opportunity –, mais não fizeram que disseminar o poder sobre a Global Media, o grupo de media proprietário dos periódicos Jornal de Notícias e Diário de Notícias, e ainda da rádio TSF, além de uma participação na Agência Lusa. E quem parece ter saído reforçado, sem gastar nada, foram os chineses da KNJ Global que se assumem, com a perda de influência do Grupo Bel e de Marco Galinha, como os principais accionistas directos da Global Media.
Ao contrário do alegado por uma notícia de ontem da Lusa – que tem a Global Media e a Páginas Civilizadas como accionistas minoritários –, as recentes compras pelo fundo sedeado nas Bahamas estão longe de lhe permitir um controlo efectivo. Na verdade, com estas movimentações societárias, o World Opportunity Fund passou a deter, de forma indirecta, pouco mais de 25% da Global Media, bem atrás dos chineses da KNJ Global – holding dominada por João Waiwo Siu e Kevin Ho, que já detinha 29,35%.
Marco Galinha controla a Global Media desde 2020, mas a ‘sangria financeira’ continua e o calote ao Estado aumentou e já vai nos 10 milhões de euros.
Com efeito, a confirmar-se a informação transmitida à Lusa pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) de que a World Opportunity Fund terá comprado 51% da Palavras Civilizadas – em duas ocasiões, uma das quais entrando através de uma sócia, a Palavras de Prestígio, e a outra comprando quota directa ao Grupo Bel –, o efeito destas transacções sobre a Global Media pode dar um controlo mais formal do que efectivo. Ou seja, pode permitir-lhe indicar a maioria dos administradores, mas não a tomada de decisões estratégicas sem ouvir todos os accionistas. E são muitos.
De facto, conforme o PÁGINA UM já tinha destacado, embora a Páginas Civilizadas seja a principal accionista da Global Media – e detenha também 22,35% da Agência Lusa –, a sua estrutura societária é complexa, tendo agora como sócias, além do fundo das Bahamas, as empresas Palavras de Prestígio (que terá ainda maioria do Grupo Bel) e a Norma Erudita (controlada pelo Grupo Bel, com cerca de 51%, e pela Around Wishes, uma empresa de António Mendes Ferreira com 49%).
Como a participação da Páginas Civilizadas se faz por duas vias na Global Media – uma participação directa de 41,51% e uma indirecta de 8,74% através da empresa Grandes Notícias –, o controlo do fundo das Bahamas é todo ele indirecto. Se um dia a World Opportunity Fund quiser desfazer-se da sua participação na Global Media concluir-se-á que somente tem 21,17% para vender através da Páginas Civilizadas e mais 4,46% através da Grandes Notícias, ou seja um total de 25,63%.
Global Media e Grupo Bel querem desfazer-se da participação na Agência Lusa
Assim, estas movimentações tiveram como condão sobretudo a retirada de poder a Marco Galinha, que deverá ter os dias contados como presidente da Global Media, encerrando mais um atribulado capítulo deste grupo de media, que acumula prejuízos acumulados de 41,7 milhões de euros desde 2017 e que deve ao Estado mais de 10 milhões de euros, dos quais 7 milhões assumidos no ano passado.
Actualmente, na estrutura accionista da Global Media, se se contabilizar os 25,63% controlados por via indirecta pelo fundo das Bahamas, com os 7% detidos também por via indirecta (através da Norma Erudita) do empresário António Mendes Ferreira, mais as participações directas da KNJ Group (29,35%) e de José Pedro Reis Soeiro (20,4%), resta a Marco Galinha e ao seu Grupo Bel (e sempre de forma indirecta) menos de 18%. Passou a ser assim o quarto accionista da Global Media.
A TVI fez a cobertura, em Junho passado, da primeira missa do pároco de São Nicolau, em Lisboa, depois de terem sido arquivadas as suspeitas de abuso sexual. A reportagem estava isenta, mas para captar e manter audiência antecedeu a emissão no Jornal Nacional com dois destaques em que chamava “pedófilo” e “abusador” a Mário Rui Pedras, também conhecido por ser orientador espiritual de André Ventura, líder do Chega. O Patriarcado de Lisboa não gostou, nem cerca de um milhar de pessoas que encheram de queixas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social. O regulador veio agora, em deliberação, criticar a televisão da Media Capital e obrigou-a mesmo a ler um texto como “acto de contrição”.
Por ironia, o problema não esteve nem na mensagem nem no oráculo – palavra que em gíria televisiva constitui um curto texto de chamada num telejornal, mas no mundo religioso representa a mensagem de Deus. O problema, mesmo, foi em dois breves destaques para chamar a atenção – e isso custou à TVI cerca de mil “pragas” sob a forma de queixas à Entidade Reguladora para a Comunicação Social, e agora a leitura em directo de um extenso texto à laia de “acto de contrição”.
Tudo se deveu à cobertura mediática da primeira missa do padre Mário Rui Pedras – pároco da igreja lisboeta de São Nicolau, publicamente conhecido por ser o orientador espiritual do líder do Chega, André Ventura – após uma suspensão de três meses para investigações que culminaram no arquivamento das suspeitas de abusos sexuais de menores.
Mário Rui Pedras, pároco de São Nicolau, em Lisboa, foi suspeito de abusos sexuais, mas investigações ilibaram-no.
Tal como a generalidade dos órgãos de comunicação social, a TVI – que nos seus primórdios, esteve ligada à Igreja Católica – marcou presença. E a jornalista destacada fez um trabalho irrepreensível. Relatava ser aquela a primeira missa do pároco lisboeta após o arquivamento das denúncias, na segunda-feira anterior, acrescentava que se até se esperara uma enchente para acolher o padre – daí terem-se colocado altifalantes virados para a rua –, ouviu quatro fiéis, entre os quais o ex-ministro Bagão Félix, e ainda, apesar da recusa de Mário Rui Pedras em falar com a comunicação social, citou profusamente declarações do padre dirigida aos paroquianos no final da homília.
Porém, logo no início do seu Jornal Nacional desse dia 18 de Junho, pelas 19h59, a TVI decidiu dar em rodapé estático, durante 33 segundos, a mensagem: “A seguir: Padre abusador volta a celebrar missa”. O oráculo seguiria repetido quatro minutos depois, com a variante de ter a fotografia de Mário Rui Pedras, e a mensagem: “A seguir: Padre pedófilo reza missa”, mantendo-se visível durante 19 segundos. A reportagem da jornalista seria emitida às 20h22, contradizendo o teor dos oráculos: ou seja, Mário Pedras nem sequer já estava sob suspeito de ser um “padre abusador” ou um “padre pedófilo”.
Além das cerca de mil queixas no regulador, o próprio Patriarcado de Lisboa viria a reagir de forma dura contra a atitude da TVI. A circunscrição eclesiástica sedeada na capital repudiou então ”a forma injuriosa como este padre [Mário Rui Pedras] foi tratado nas legendas que anunciavam a peça emitida pela TVI, no Jornal Nacional de Domingo passado, e acompanha a queixa promovida por este sacerdote”.
Notícia da TVI estava equilibrada a rigorosa, chegando até a ouvir o ex-ministro Bagão Félix, que declarou ter estado presente por solidariedade por conhecer o padre Mário Rui Pedras há muitos anos.
Na análise ao caso, conforme deliberação de 8 de Setembro mas divulgada apenas no final da semana passada, a ERC salienta que a informação transmitida pelos polémicos destaques chega a ser “contraditada na notícia exibida mais à frente no noticiário, não se encontra[ndo] sustentada em factos e evidencia um pendor alarmista que veicula uma suspeição grave” sobre a actuação do padre Mário Rui Pedras.
Para o regulador, como “os destaques promocionais às notícias a exibir nos noticiários televisivos – equivalendo às chamadas de capa dos jornais – não se encontram dispensados dos deveres de rigor”, e ainda pelo facto de a TVI não ter procurado corrigir o erro e por ser reincidente, desta vez, além da crítica, mandou a televisão da Media Capital ler em directo a recomendação integrada na deliberação.
No texto, a ser lido, refere-se que a ERC deliberou que, “a propósito da cobertura jornalística que visa o Padre Mário Pedras (…) a natureza das informações inverídicas transmitidas pela TVI viola de forma especialmente grave o direito ao bom nome e reputação do visado (…) e extravasa os limites necessários para o exercício do direito de informar”, adiantando também que “a TVI não cuidou de retificar a informação incorreta que veiculou, insistindo na manutenção do erro, indo ao arrepio do dever profissional previsto no Estatuto do Jornalista”.
O segredo é a alma do negócio, mas, no caso da Global Media, tem sido o secretismo que mais abunda, a ponto de até o grupo parlamentar do Partido Socialista (PS) querer saber quem manda na empresa de media proprietária, entre outros, dos periódicos Diário de Notícias e Jornal de Notícias, e ainda da rádio TSF. Numa semana em que se soube haver negociações para a compra pelo Governo da quota detida pela Global Media e seus accionistas na Agência Lusa, o PÁGINA UM foi perguntar ao Ministério das Finanças se uma eventual transação servirá para abater ao colossal calote daquela empresa ao Estado. Como não obteve resposta, o PÁGINA UM aproveitou para ‘esclarecer’ o grupo parlamentar socialista, mostrando quem são os verdadeiros accionistas da Global Media e qual o seu peso. E também aconselha os socialistas a ligarem para o ex-ministro socialista Luís Amado: desde Julho é administrador do Grupo Bel, o principal accionista de uma empresa de media em profunda crise.
O Ministério das Finanças não revela se uma eventual compra pelo Governo das quotas da agência noticiosa Lusa detidas pelo empresário Marco Galinha se concretizará através de uma transferência bancária, ou se o valor da transação servirá para abater o colossal calote, da ordem dos 10 milhões de euros, que a Global Media tem ao Estado. Formalmente, a Global Media – proprietária dos periódicos Diário de Notícias e Jornal de Notícias, e da rádio TSF – só detém 23,36% da Agência Lusa, mas acresce ainda uma participação de 22,35% de uma das suas sócias, a Páginas Civilizadas, detida maioritariamente pelo Grupo Bel, propriedade de Marco Galinha.
O pedido de esclarecimento do PÁGINA UM – no seguimento de notícias que davam conta de o gabinete de Fernando Medina estar a analisar uma auditoria à Lusa, no decurso das negociações entre o Ministério da Cultura e Marco Galinha –, não obteve ainda resposta, persistindo assim o silêncio sobre as situações financeiras de alguns grupos de media. Conforme o PÁGINA UM tem revelado, a Global Media e a Trust in News, apresentam colossais dívidas ao Estado, apesar de nem sequer surgirem nas listas de devedores.
Fernando Medina, ministro das Finanças, sabe da dívida da Global Media pelo menos desde Agosto. Não reage a um calote ao Estado por um grupo de media que já vai em 10 milhões de euros.
De acordo com as demonstrações financeiras do ano passado, a empresa de media presidida por Marco Galinha decidiu aumentar a dívida ao Estado dos 2,91 milhões, que existia em 2021, para 10,03 milhões. Ou seja, um aumento de mais de sete milhões de euros. E escreve-se decidiu porque, no mesmo período, a Global Media preferiu devolver aos seus próprios accionistas empréstimos no valor de 7,1 milhões de euros.
A revelação do PÁGINA UM sobre esta dívida ao Estado no valor de 10 milhões de euros, feita em 4 de Agosto passado, levou a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) a exigir uma rectificação dos indicadores financeiros no Portal da Transparência, mas a Global Media continuou a omitir a dívida ao Estado. Mesmo com o envio das demonstrações financeiras daquela empresa aos serviços da ERC, o regulador ainda não se pronunciou sobre esta situação que pode mesmo colidir com a legalidade na transação das quotas da Lusa. O mesmo silêncio vem do Ministério das Finanças: desde Agosto o PÁGINA UM tem insistido sobre este tema sensível: grupos de media com dívidas colossais ao Estado, que continuam a escrever sobre o Governo como se nada fosse.
Uma clarificação sobre a postura do Ministério das Finanças face à situação financeira da Global Media mais se mostra necessária numa altura em que o próprio grupo parlamentar socialista solicitou à ERC esclarecimentos sobre a estrutura accionista da Global Media, e depois de o Ministério da Cultura – liderado por Pedro Adão e Silva, com a tutela da Comunicação Social – ter confirmado ao Jornal de Negócios estar em curso negociações com Marco Galinha para a compra da quota da Lusa detida pelo Grupo Bel e uma das suas subsidiárias. Recorde-se que em finais de 2021, Marco Galinha comprara à Impresa uma quota de 22,35% da Lusa por 1,25 milhões de euros.
Discriminação das rubricas do passivo da Global Media no balanço do exercício de 2022, com a indicação da dívida ao Estado e a outros entes públicos.
Diga-se, no entanto, que, exceptuando o facto relevante de a Global Media recusar assumir – perante a passividade da ERC – o calote de 10 milhões de euros ao Estado no Portal da Transparência dos Media e de não estar actualizada a estrutura societária de uma das subsidiárias, a informação sobre o grupo de media de Marco Galinha está completa em termos de estrutura accionista e até dos actuais membros dos órgãos sociais.
Além disso, bastaria ao grupo parlamentar do Partido Socialista ligar ao ex-ministro socialista Luís Amado, que esteve em funções nos dois mandatos de José Sócrates, e foi colega de António Costa quando este foi n.º 2 do Governo entre 2005 e 2007. Luís Amado é, desde Julho passado, vogal do Conselho de Administração do Grupo Bel, a convite de Marco Galinha, embora nos últimos anos esteja mais dedicado a ‘partir pedra’, ou seja, está a dedicar-se à escultura em pedra.
Em todo o caso, a grande dúvida reside mais em saber se aquilo que se anuncia na imprensa sobre as mudanças accionistas da Global Media se concretizam mesmo. Por exemplo, no registo dos actos societários da Páginas Civilizadas – a principal sócia da Global Media – não surge ainda qualquer entrada da World Opportunity Fund ou da Union Capital Group, um fundo de capitais norte-americanos com sede na Suíça. De acordo com o Jornal Económico, na sua edição de 28 de Julho, este fundo teria adquirido 37% da Páginas Civilizadas.
Nos registos societários da Páginas Civilizadas, a última alteração no seu contrato social ocorreu em Abril com a entrada de uma nova sócia, a Norma Erudita, que injectou cerca de 800 mil euros. Essa nova empresa não tem, contudo, capitais do fundo norte-americano. Na verdade, serviu como veículo empresarial para a entrada de um outro anunciado novo sócio da Global Media, o empresário António Mendes Ferreira, proprietário da United Resin, que tem uma unidade fabril na Figueira da Foz.
Luís Amado, ex-ministro socialista, é desde Julho administrador do Grupo Bel, que controla a Global Media. O grupo parlamentar do Partido Socialista quer saber qual a estrutura accionista e contactou a Entidade Reguladora para a Comunicação Social.
Sendo certo que António Mendes Ferreira é, actualmente, administrador da Global Media, nunca adquiriu qualquer quota deste grupo – e, portanto, é falso que tenha comprado 10% por 1,5 milhões de euros como propalado pela imprensa nos primeiros dias de Abril deste ano. A sua entrada no mundo dos media surgiu um mês depois da criação da empresa Norma Erudita, nascida em Março deste ano.
Numa primeira fase, esta novel empresa começou por ser mais uma do universo de Marco Galinha, com um capital social de apenas 5.000 euros, detida pela Palavras de Prestígio e pelo Grupo Bel. Mas logo em seguida António Mendes Ferreira entrou com 500.000 euros para um aumento de capital, através da Around Wishes SGPS. O empresário das resinas ficou, a partir daí, com 49% da Norma Erudita, uma vez que Marco Galinha, através o Grupo Bel, também reforçou a sua quota com mais cerca de meio milhão de euros.
Adiante-se, desde já, que a Norma Erudita nem sequer é accionista directa da Global Media, mas sim sócia de uma accionista, a Páginas Civilizadas. Como a Norma Erudita detém 28,57% da Páginas Civilizadas, que, por sua vez, detém 41,51% da Global Media, na verdade António Mendes Ferreira apenas controla, e de forma indirecta, 5,8% da Global Media por esta via. Acresce mais uma participação indirecta de 1,2% através da empresa Grandes Notícias, uma accionista minoritária (8,74%) do grupo de media. Assim, contas feitas, António Mendes Ferreira controla 7% da Global Media, pelo menos três pontos percentuais abaixo do anunciado pela imprensa.
Formalmente, a estrutura de propriedade da Global Media manteve-se inalterada ao longo deste ano, tendo como sócios a Páginas Civilizadas (41,51%), a KNJ Global (29,35%, ligada a um grupo chinês), a Grandes Notícias (8,74%) e o empresário José Pedro Soeiro (20,4%). Mas este é um ‘quadro pintado’ que não revela o peso imediato dos accionistas mais conhecidos, por causa de uma rede de subsidiárias atrás de subsidiárias.
Marco Galinha controla a Global Media desde 2020, mas a ‘sangria financeira’ continua e o calote ao Estado aumentou e já vai nos 10 milhões de euros.
E é esse o caso de Marco Galinha, pois a sua holding pessoal (o Grupo Bel) detém em simultâneo quotas em subsidiárias de forma directa e de forma indirecta na Global Media. Chega mesmo a ter uma pequena parte da sua participação (cerca de 1,3%) no grupo de media que se concretiza através de uma subsidiária de quarta ordem. Em concreto, neste caso, o Grupo Bel tem uma quota (50,67%) de uma empresa (Norma Erudita) que, por sua vez, tem uma quota (28,57%) noutra empresa (Páginas Civilizadas) que, por sua vez, detém completamente uma empresa (Grandes Notícias) que, por sua vez, é accionista (com 8,74% do capital social) da Global Media. Confuso, não é? Pensemos numa matrioska…
A participação mais ‘simples’ surge através da quota de 23,21% na Páginas Civilizadas que depois tem directamente 41,51% do capital da Global Media. Esta via ‘vale’ cerca de 9,6% da empresa de media. Mas essa via nem é a mais frutuosa.
De facto, mostra-se necessário uma máquina de calcular, e muita paciência e contas, para apurar a percentagem que Marco Galinha, através do Grupo Bel, tem sobre a Global Media. E o PÁGINA UM puxou por uma.
Assim, analisado o organigrama da Global Media, o Grupo Bel ‘entra’ neste grupo de media por seis vias, com a Páginas Civilizadas a servir sempre como charneira principal – quer por directamente ser accionista (41,51%) quer indirectamente por ser agora dona (100%) de outra accionista, a Grandes Notícias, que tem uma participação de 8,74%. Recorde-se que a Grandes Notícias foi criada em 2014 pelo empresário de espectáculos (e genro de Cavaco Silva) Luís Montez, que participou numa tentativa (falhada) de reestruturação da Controlinveste, que então controlava os activos agora detidos pela Global Media.
Na esfera da ‘empresa charneira’ gravitam, por sua vez, outra duas empresas com a ‘impressão digital’ do Grupo Bel: a Palavras de Prestígio e a já referida Norma Erudita, que detêm, respectivamente, 48,22% e 28,57% do capital social da Páginas Civilizadas.
Organigrama da Global Media no Portal da Transparência dos Media em 5 de Outubro de 2023. Fonte: ERC [Nota: ainda consta a antiga estrutura da Palavras de Prestígio, e contém um pequeno lapso na quota da Palavras de Prestígio na Norma Erudita]
Na Palavras de Prestígio, criada em 2020 com a entrada de Marco Galinha no sector dos media, o Grupo Bel detinha, até Julho passado, uma participação de 53,84% no capital social de 650 mil euros. Os restantes sócios desta empresa, em partes iguais (20,08%), eram a Parsoc – controlada por José Manuel de Jesus, um empresário de Seia – e a Ilíria – controlada por Alexandre Bobone, presidente da FEPI, um retalhista de tabaco e vinhos.
No entanto, as quotas da Parsoc e da Ilíria terão sido entretanto adquiridas pelo Grupo Bel, de acordo com uma alteração ao contrato de sociedade publicado no passado dia 24 de Julho. Esta alteração não foi transmitida à ERC até ao dia de hoje, conforme consulta efectuada pelo PÁGINA UM ao Portal da Transparência dos Media. A passagem destas quotas tem influência relevante no controlo da Global Media, pois a participação indirecta do Grupo Bel aumentou assim em 11,14%.
Mas se a participação subiu por aqui em Julho, diminuíra em Maio passado com a entrada de António Mendes Ferreira (com a sua Around Wishes) na Norma Erudita, uma vez que significou uma perda efectiva de 7% do capital até então detido pelo Grupo Bel.
Em todo o caso, sem a aquisição de todo o capital da Palavras de Prestígio, Marco Galinha não conseguiria agora ser, como é, o principal accionista da Global Media. Com efeito, antes da entrada da Around Wishes – que controla agora 7% do grupo de media –, Marco Galinha detinha, indirectamente, cerca de 28%, um pouco abaixo do grupo chinês KNJ Global (29,35%). Mas com a Around Wishes, que injectou ‘dinheiro fresco’, a posição do Grupo Bel desceu para pouco mais de 21%, ficando quase ao nível do accionista João Pedro Reis Soeiro (20,4%). Com a compra do capital integral da Palavras de Prestígio, há cerca de três meses, Marco Galinha detém agora 32%.
Entidade Reguladora para a Comunicação Social sabe que Global Media deve 10 milhões de euros ao Estado, mas essa informação continua em falta no Portal da Transparência dos Media.
Certo é que esta será uma ‘vitória de Pirro’ para Marco Galinha, porque a situação financeira da Global Media é verdadeiramente pavorosa, a precisar de dinheiro fresco para estancar os sucessivos prejuízos que, desde 2017, ascendem aos 41,7 milhões de euros.
Aliás, em Julho passado houve duas relevantes operações contabilísticas na Global Media. Primeiro uma redução do capital social, somente com o objectivo de cobrir os prejuízos (e meter a zero os resultados transitados altamente negativos dos últimos anos. A redução de capital, por causa de prejuízos, foi de mais de 28,2 milhões de euros, mas sem qualquer entrada nem saída de dinheiro. Deste modo, o capital social da Global Media ficou apenas nos 7,75 milhões de euros. Mas logo em seguida houve um aumento de capital de quase 1,6 milhões de euros com entrada de “dinheiro fresco’ dos accionistas. Para manter a estrutura societária, a injecção dos 1,6 milhões de euros terá sido feita proporcionalmente à quota dos accionistas, excepto se tiver havido algum acordo parassocial.
Se por estes ou outros motivos, certo é que se tem vindo a registar, no último ano, uma autêntica purga da administração da Global Media com a saída, entre outros, de António Saraiva – antigo presidente da CIP –, de Helena Ferro de Gouveia – que era directora de comunicação do Grupo Bel e é comentadora da CNN Portugal – e de Domingos de Andrade – que também foi afastado da direcção da TSF, consolidando a crise interna no quotidiano da empresa.
Global Media e Grupo Bel querem desfazer-se da participação na Agência Lusa
A saída deste jornalista da direcção editorial daquela rádio, e a posterior nomeação de Rosália Amorim (que ocupava cargo homólogo no Diário de Notícias), causou bastante celeuma interna, tendo sido a causa para a primeira greve da TSF desde a sua fundação há 35 anos. A indigitação de Rosália Amorim veio, aliás, a ser chumbada pelo próprio Conselho de Redacção da rádio que vai dirigir, por o seu desempenho como directora do Diário de Notícias ter levantado “em determinados momentos (…) legítimas dúvidas quanto à sua real capacidade de manutenção de uma política editorial independente“. A jornalista, porém, assumiu o cargo, porque o parecer do Conselho de Redacção não é vinculativo.
Mas a própria passagem de Domingos de Andrade pela administração da Global Media foi também polémica porque assinou diversos contratos comerciais, função incompatível com o Estatuto do Jornalista. Por esse motivo, viria a ser sancionado pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, em Janeiro deste ano, mas apenas com uma simples coima de 1.000 euros, tendo então mantido todos os cargos de director editorial e de administrador e gerente de empresas da Global Media.
Mais grave ainda foi a acusação do Ministério Público contra Eduardo Vítor Rodrigues, presidente da autarquia de Vila Nova de Gaia, pela “prática de crime de prevaricação, corrupção activa e recebimento indevido de vantagem”, onde surge o nome de Domingos de Andrade. O Ministério Público sustentou, em Maio passado, que Eduardo Vítor Rodrigues solicitou a Domingos de Andrade que os meios de comunicação pertencentes à Global Media, “nomeadamente o Jornal de Notícias e TSF, elaborassem notícias e cobrissem conferências promovendo a atuação da Câmara de Vila Nova de Gaia e do seu presidente”.
Domingos de Andrade, antigo administrador da Global Media, acumulava esta função com cargos de direcção editorial. A sua saída causou uma crise na TSF.
As sucessivas saídas na administração da Global Media nos últimos meses foram colmatadas, entretanto, com a entrada do já citado António Mendes Ferreira, e ainda, no mês passado, com as chegadas de Victor Menezes, de José Paulo Fafe – jornalista que relançara o Tal & Qual em Junho de 2021 –, de Filipe Nascimento e de Diogo Agostinho – que passou recentemente por cargos de direcção no semanário Novo e no jornal Eco.
Antes de assumir o cargo de administrador da Global Media, Filipe Nascimento foi dirigente da Juventude Social Democrata e ocupou até recentemente o cargo de director municipal de Apoio à Gestão da autarquia liderada por Carlos Carreiras, enquanto Diogo Agostinho, antes de fundar o semanário Novo em Abril de 2021, foi assessor do Conselho de Administração da empresa municipal Cascais Dinâmica.
O regulador português dos media foi alertado pelo seu congénere espanhol para a existência na Zona Franca da Madeira de uma empresa que geria 14 sites pornográficos. E foi montada uma inspecção para pressionar a Fedrax, uma empresa de capitais luxemburgueses, a inscrever os sites e cumprir regras de verificação de idades. Para continuar a fiscalização no futuro, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social exigiu também ter acesso livre aos conteúdos “sem encargos ou restrições”.
Aprovada há cerca de duas semanas, no dia 20 de Setembro, há uma deliberação sobre matéria sensível no site da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), tanto assim que só surge acessível se procurada por pesquisa avançada. Trata-se de uma análise aos sites pornográficos geridos pela Fedrax, uma empresa detida por duas holdings luxemburguesas (Avendor e NWS) desde 2014 com sede na Zona Franca da Madeira, sobre a qual o regulador promete agora ‘rédea curta e chicote’ exigindo ainda acesso livre, “sem encargos ou restrições (…) para efeitos de fiscalização” futura.
O melindroso caso iniciou-se este ano, após um alerta da congénere espanhola, a Comisión Nacional de los Mercados y la Competencia (CNMC), sobre a actividade da Fedrax, que então envolvia a gestão de 14 sítios electrónicos de conteúdo pornográfico. Esta actividade não é obviamente ilegal em Portugal, mas a empresa madeirense estava obrigada a increver-se como fornecedora de uma plataforma de partilha de vídeos, o que veio a suceder em 17 de Março deste ano, embora apenas para um dos sites. Por esse motivo, a ERC já fez brandir o seu chicote: levantou um processo de contra-ordenação, que prevê uma coima máxima um pouco inferior a 5.000 euros.
Após essa data, a ERC realizou uma primeira fiscalização, no passado mês de Abril, aos 14 sites – que se encontram listados na deliberação –, constatando que não eram identificadas formas de efetuar o registo ou de fazer upload de vídeos, sendo os sítios electrónicos, conforme revela o regulador, “apresentados como um todo organizado em catálogo, separado por categorias, o que, à partida, os enquadraria no conceito de serviço audiovisual a pedido.” A ERC não faz análise dos conteúdos.
Mais grave, para a ERC, foi constatar-se que os conteúdos dos diferentes sítios electrónicos “encontravam-se acessíveis ao público em geral, sem qualquer restrição de acesso” em função da idade. Refira-se, contudo, que essa é uma prática corrente a nível mundial. No entanto, em Portugal aplica-se nestes casos a Lei da Televisão e dos Serviços Audiovisuais a Pedido (LTSAP), pelo que o regulador considerou que a Fedrax deveria “assegurar que o visionamento de conteúdos pornográficos apenas esteja acessível a maiores de 18 anos, mediante inclusão de funcionalidades que restrinjam o respetivo acesso.”
Em Agosto passado, a empresa madeirense veio dizer que já só mantinha cinco dos 14 sítios pornográficos, e acrescentou que, afinal, não havia possibilidade de partilha de vídeos, aproveitando para ainda dizer que já colocara um sistema de verificação de idade, através de foto ou cartões de identificação.
Fedrax tem sede na Zona Franca da Madeira.
Mas a ERC não desarmou, e foi confirmar se os sites inactivos estavam efectivamente inactivos. Assim estavam, mas os antigos endereços encaminhavam para outros sites, embora já com verificação de idade. Porém, meticulosamente, o regulador acabou por constatar que nesses sites “não foi possível verificar se é permitido o upload e a partilha de vídeos nestes sites”, observando também que “os termos e condições das diferentes páginas contrariam as declarações da empresa”.
Além disso, a ERC verificou que, apesar da existência de um sistema de verificação de idade, quando se acede aos sites, “durante os primeiros segundos (1 a 2 segundos) de acesso, ainda são visíveis algumas imagens dos conteúdos [pornográficos] ali disponibilizados, só depois aparecendo o ecrã preto com as exigências de verificação de idade”. E exigiu ainda que todas os sites fossem inscritos, e não apenas, o que implicará um pagamento de 40,8 euros por cada. E, por fim, a ERC prometeu novas inspecções, pelo que deliberou que a Fedrax lhe proporcionasse livre acesso aos sites pornográficos.
Formalmente, a Fedrax emprega 38 pessoas e apresenta-se, no seu site, como uma empresa de monetização do público da Internet, de desenvolvimento de programas de afiliados, de ferramentas de publicidade, de sistemas de facturação, de ferramentas dedicadas de hospedagem de vídeo e de criação de sites e supervisão de conteúdos.
De acordo com as suas demonstrações financeiras, em 2022 teve vendas e serviços prestados de 3.011.404 euros, mas apresentou um lucro de apenas 33,7 mil euros, embora apresente uma situação financeira saudável, com capitais próprios de quase 3,7 milhões de euros (sobretudo de resultados transitados) e um relativamente baixo endividamento (menos de 400 mil euros).
Na mesma sede da Fedrax, gerida pelo luxemburguês Jerome Deleurence, encontram-se pelo menos mais duas empresas de gestão de publicações electrónicas (Galaxiajuizada e E-Borealis) e duas empresas turísticas (Oceano Pioneiro e Rima Boats Tour), com ligações directas ou indirectas às holdings luxemburguesas. O PÁGINA UM tentou obter esclarecimentos e comentários da Fedrax, mas não obteve ainda qualquer reacção.
N.D. [16h17 de 4/10/2023] No texto original, usou-se a expressão “rédea curta e chicote” com aspas duplas, o que constituía uma óbvia figura de estilo em tom humorístico (no romance O Nome da Rosa, Umberto Eco mostra-nos como certos sectores têm medo do riso) sobre a acção e fiscalizações da ERC perante a actividade da Fedrax. A ERC contactou o PÁGINA UM, de forma cortês, alertando que o uso de aspas duplas, similares às usadas quando se citou explicitamente a deliberação, “induz o leitor que se trata de uma expressão também ela constante do texto da deliberação, o que não é verdade”. Tem a ERC razão, pelo que se alterou, nesta circunstância, as aspas duplas para aspas simples, norma que passará a constituir parte do ainda informal Livro de Estilo do PÁGINA UM. Ou seja, aspas duplas para citação; aspas simples para figuras de estilo (excepto no caso de citações em títulos de entrevistas).