O PÁGINA UM fez um rápido diagnóstico da primeira quinzena de 2024 apenas para saber se estamos ou não a viver um novo período dramático. Na verdade, alguns dos números da mortalidade dos grupos mais idosos impressionam mas só se mostram assustadores em valores absolutos. Caso se calcule a taxa de mortalidade, conclui-se que, além de 2021, os anos de 2015 e 2017 até tiveram uma pior primeira quinzena. Mas convém relembrar que Portugal continua com valores continuamente elevados desde 2020, e tal não seria suposto suceder. O problema não está a ser Janeiro, mas sim tudo o resto, a começar pela forma como se geriu a pandemia e a acabar no obscurantismo do Ministério da Saúde que nunca quer mostrar dados detalhados.
Seriam expectáveis valores menos elevados como consequência ‘favorável’ do morticínio de 2021 (compensação demográfica), mas apesar dos laivos de prenúncio de histeria a recordar os tempos da pandemia, a mortalidade na primeira quinzena de 2024 somente assusta, do ponto de vista do impacte na Saúde Pública, olhando os números absolutos. Até ao dia 15 de Janeiro, é certo que já se registaram quatro dias acima dos 500 óbitos e não houve nenhum abaixo da fasquia dos 400. Aliás, o último dia que não ultrapassou este número foi na antevéspera do último Dia de Natal, o que constitui uma série longa de persistente mortalidade.
Contudo, se retirarmos da ‘equação’ o ano de 2021 – com Janeiro a ser o mês mais letal dos últimos 100 anos –, a primeira quinzena de 2024 para os mais idosos está a ser menos ‘perigosa’ do que os períodos homólogos de 2015 e 2017. É certo que os 3.456 óbitos de maiores de 85 anos impressiona (está a apenas menos 416 do que em 2021), e é um número bem superior às 2.829 e 2.905 mortes contabilizadas, respectivamente em 2015 e 2017. Porém, nesses anos, Portugal não tinha tantos super-idosos.
De acordo com as estimativas populacionais do Instituto Nacional (INE), viviam 268.598 pessoas com mais de 85 anos em 2013, enquanto em 2022 apontava-se para as 365.364. Isso significa que, calculando a taxa de mortalidade para a primeira quinzena de cada ano, em 2015 registaram-se cerca de 101 óbitos por cada 10.000 pessoas desta faixa etária, enquanto em 2017 foi de 95,4. Considerando um crescimento populacional entre 2022 e 2023 similar ao período anterior – o INE ainda não apresentou estimativas para o ano de 2023 –, a primeira quinzena de 2024 acaba por ser menos mortífera: quase 93 mortes por cada 10.000 pessoas com mais de 85 anos.
Em todo o caso, esta taxa de mortalidade é substancialmente superior ao período homólogo de 2022 e 2023 (65,8 e 73,00 óbitos por 10.000 habitantes), mas também se deve ao forte impacte da pandemia. Na primeira quinzena de 2021, a taxa de mortalidade para este grupo etário foi de cerca de 112 por 10.000 habitantes, e a segunda quinzena até haveria de ser pior. Saliente-se que o aumento relativo anual de super-idosos refreou significativamente: antes de 2020 estava acima de 3%, e nos anos da pandemia ficou abaixo, tendo sido de apenas 2,2% entre 2021 e 2022.
Se observarmos o grupo dos 75 aos 84 anos, o cenário até se mostra ligeiramente mais favorável a 2024, uma vez que há quatro anos com maior taxa de mortalidade na primeira quinzena do ano. Assim, enquanto para os primeiros 15 dias do ano em curso se regista uma taxa de mortalidade de 23,2 por 10.000 pessoas desta faixa etária, em 2021 foi de 29,7, em 2015 atingiu os 27,2, em 2017 alcançou os 25,1 e em 2018 fixou-se nos 23,4. O valor deste ano, visto em termos de taxa de mortalidade, aparenta estar em linha com os anos anteriores, com excepção do ano de 2021.
Óbitos, estimativa da população e taxa de mortalidade (por 10.000 habitantes) entre 2014 e 2024 para a primeira quinzena de Janeiro. A taxa de mortalidade foi calculada com o valor da população estimada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) do ano anterior. Para 2024 estimou-se a população de 2023 (ainda não apresentada pelo INE) com base no crescimento do período anterior. Fonte: INE e DGS (SICO). Análise: PÁGINA UM. Ver em maior tamanho.
Quanto ao grupo dos 65 aos 74 anos, a situação do presente ano é quase semelhante ao da faixa etária subsequente, excepção para 2018 onde a taxa de mortalidade é ligeiramente inferior (8,1 vs. 8,0). Assim, o número de óbitos na primeira quinzena de 2024 para esta faixa etária (953) não é pior, do ponto de vista de Saúde Pública, do que, por exemplo, as 883 mortes neste grupo em 2015, por uma razão relevante: há agora mais quase 160 mil pessoas neste grupo etário.
Convém referir que esta análise, não apenas por abranger um curto período (15 dias) como por não incluir as causas de morte, apenas teve como objectivo fazer um rápido diagnóstico sobre a situação actual. Aliás, esse é o motivo pelo qual o PÁGINA UM decidiu não apresentar, para já, uma análise ao grupo etário dos 55 aos 64 anos de idade, cujo valor da taxa de mortalidade está a ser superior à generalidade dos anos anteriores para a primeira quinzena de Janeiro, com excepção de 2021.
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Devia começar por falar numa tarde invernal, embora somente com uns pingos, onde somente os mais corajosos vão à Catedral, em vez de ficarem no quentinho das suas casas – se tiverem dinheiro para a conta da electricidade. Mas não: vou contar uma ‘história’ da minha infância em redor do futebol que ia para além de ouvir os relatos na Rádio Ranscença do Artur Agostinho e Ribeiro Cristóvão.
Na minha infância, à conta da inexistência de PlayStation e do FIFA– não só por ainda não estar inventada, mas também, se estivesse, estaria eu na ala contrária à da família do Pedro Nuno Santos, apesar de essa “desigualdade” lhe ir fazer grande “confusão” depois de nascer –, eu entretinha-me a inventar campeonatos de futebol, com jogos entre todas as equipas, a duas voltas, claro, e os golos eram determinados pelos números inseridos em pedacinhos de papel com números de 1 a 10, que eu desenrolava para definir o resultado final.
Nessa altura, pouco entendido em probabilidades – ignorando que deveria meter mais números pequenos do que grandes na bolsa do ‘sorteio’–, os resultados acabavam por se pareceram mais a um campeonato de hóquei em patins do que ao de um de futebol, tantos eram os 5-3, os 6-9 e os 4-4, e até as chances de um 9-9 eram, na verdade, sem eu o saber, similares à de um monótono 0-0.
Para a coisa ser ainda mais inverosímil, criava nomes, os mais estapafúrdios (a ponto de, me recordar de alguns, quatro décadas mais tarde), para não se dar o caso de, escolhendo clubes conhecidos, o meu preferido (o Benfica, claro) não ser surpreendido com um 0-9 do Penafiel ou do Tirsense… ou do Rio Ave.
(e estando a escrever isto, e já lá vamos ao motivo, e vamos ver se isto não me vai correr mal, o Rio Ave marcou ao minuto 9; e, além disto, já não será desta que assistirei ao desejado 15-0)
Isto para dizer que cresci sempre com o desejo de vencer. Adoro ganhar. Mas o “adoro ganhar” não significa que não tenha a noção de que, de quando em vez, se pode perder. Mas, escolhendo-se o Benfica, pelo menos tem-se maior probabilidade de se vencer muitíssimo mais. Pelo menos, na primeira metade da minha vida – ou, vá lá, até aos meus 20 anos em 1990, quando perdemos a última final da Liga dos Campeões contra o Milão.
Ora, mas no futebol de verdade, o prazer de ganhar não advém só da vitória nem tão-pouco de confraternizar com os nossos correligionários. Saborear uma vitória sozinho é uma chatice, e com os nossos adeptos é satisfatório. Na verdade, uma vitória somente se torna sublime, atinge outro patamar de prazer, se se tivermos alguém para ‘brincar’ da situação, ou seja, com um antagonista.
Por isso, se uma vitória contra o Porto se mostra mais satisfatória do que contra o Portimonense, mesmo valendo ambos três pontos, ainda é melhor se tivermos um amigo portista para gozar. Por isso, este campeonato, sobretudo por se andar a jogar mal em demasiadas ocasiões, vai saber melhor porque tenho um amigo sportinguista que anda a enviar-me fotos do cão com um cachecol verde e branco, pensando ilusoriamente que o benfiquista Rubem Amorim lhe vai dar uma segunda alegria.
(para me aliviar, o Di Maria, a passe de Rafa, faz um golo de belo efeito; reposta a igualdade; vamos lá à imprescindível vitória, por numerosos expressivos, para esta crónica ao vivo não redundar numa vergonha para mim, ao estilo ‘vais tosquiar e sais tosquiado’)
Digo isto para poder acrescentar que, por norma e princípio, não aprecio ‘brincar’ ou gozar com pessoas de quem não sou amigo pelos desaires dos adversários do Benfica, mas hoje, neste jogo em particular, contra o Rio Ave, abri uma excepção. E até antecipei o gozo, trazendo ‘acompanhamento’ condigno: um alvarinho Palácio da Brejoeira. Quero dar uns bons goles, pelo menos três por cada golo, em honra ao ‘Senhor Alvarinho’.
O Senhor Alvarinho, assim se apresenta, nem deu boa avaliação ao Palácio da Brejoeira (6/10), mas também o senhor tem bico que não se satisfaz com pouco: para se ter direito a um 9/10, como na última ‘recensão’ do Alvorone, da Quinta de Soalheira, tem de se despachar 45 euros por garrafa, se não se receber, claro, uma descomprometida oferta do produtor.
(depois do intervalo, recomeça o jogo, e o sofrimento do Benfica; por duas vezes, bola ao poste, uma das quais após fífia de Trubin; deixa-me é beber alvarinho para ver se acalmo os nervos)
Ora, mas se eu trouxe alvarinho – não na garrafa, por ser proibido vidro, mas sim num ‘bidon’ verde, para disfarçar com o famoso e imperdível farnel do Benfica, mesmo não sendo suposto um jornalista, ainda mais ‘bem comportadinho’ como eu, arremessar objectos da Varanda da Luz –; dizia eu, trouxe para aqui um alvarinho por maldade: o Senhor Alvarinho é, na verdade, nas horas vagas sem névoa etílica de alvarinhos, um denodado Provedor do Adepto do Rio Ave, cargo curioso, que pode mesmo causar espanto, porque existindo a função se assume a existência de adeptos do Rio Ave… Bom, na verdade, não é pela existência de padres que se comprova a existência de Deus… Enfim, acreditando ou crendo que o Provedor do Adepto do Rio Ave aqui está, gostaria então de o brindar com um alvarinho mesmo se um de quinta categoria para o seu gosto.
(expulsão do defesa Aderllan Santos, do Rio Ave, por acumulação de amarelos… Já estou a ver os meus amigos portistas e benfiquistas a dizerem que o Benfica só ganha contra 10… e olha, três minutos depois e… goloooooooooo… António Silva, à ponta de lança, depois de uma grande confusão na grande área)
Bom, já se está a coisa a compor, entretanto o Schmidt decide por umas substituições para animar, fazendo entrar o reforço Marcos Leonardo, o Florentino Luís e o Tiago Gouveia, e parece-me que isto está garantido. E, portanto, posso finalmente desvendar a inspiração desta crónica e quem é o Senhor Alvarinho, que é também o Senhor Provedor do Adepto do Rio Ave, a quem desejo – porque isto, no futebol, é permitido algum sadismo – que venha a ser, na próxima época, o Provedor dos Adeptos dos Clubes da Segunda Liga. Portanto, o Senhor Alvarinho, simultaneamente Senhor Provedor do Adepto do Rio Ave e eventual futuro Provedor dos Adeptos dos Clubes da Segunda Liga é…
(golooooooooooooooo…. 3-1… Marcos Leonardo, estreia a marcar na estreia com um belo cabeceamento)
Chupa, João Paulo Meneses… é isso mesmo: o actual presidente do meu ‘mui querido’ Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas, um tal de João Paulo Meneses, que no último ano andou a fazer um frete à doutora Licínia Girão e ao Hospital de Braga contra o PÁGINA UM, em vez de andar preocupado em criticar as promiscuidades de jornalistas e directores editoriais que tanto mal têm causado ao jornalismo. Toma lá, provedor. Já jorro alvarinho como champanhe!
E agora, se me dão licença, vou ver um bocadinho com mais atenção o final do jogo.
(golooooooooo… 4-1… marca João Mário)
Chupa, João Paulo Meneses!
E dedica-te aos alvarinhos, que acho que tens muito mais jeito para isso: na verdade, o Palácio da Brejoeira não é lá grande ‘espingarda’. Prometo, se o Rio Ave descer de divisão no final desta época, perder o amor a 45 euros (pois não tenho um produtor amigo) e bebo um Alvorone, da Quinta de Soalheira em honra da tua desdita. E acompanhado com salmão fumado, como bem aconselhas no teu Senhor Alvarinho. Vai saber-me que nem ginjas…
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Escreveu anteontem Licínia Girão, presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), uma espécie de manifesto panfletário que intitulou “O jornalismo caiu num buraco negro”, ao melhor estilo farisaico.
Licínia Girão é jornalista e tem o direito e o dever de opinar em matérias de jornalismo, embora tenha muitas dúvidas se o deve fazer a título de presidente da CCPJ, colocando as suas opiniões (pessoais) no site de uma entidade que tem, exclusivamente, funções de atribuição de títulos de acreditação e de disciplina dos jornalistas. E já não é pouco, se fosse feito, e bem feito, o que, infelizmente, não é o caso.
Mas, enfim, mal não viria ao mundo se a doutora Licínia Girão, nomeada por alegadamente ser “uma jurista de mérito” (apesar da escandalosa ausência de currículo científico, académico ou técnico na área, a par do insucesso no estágio de advocacia e da candidatura para acesso à formação de magistrados), não tivesse composto um hino à hipocrisia. E isso não pode ser deixado passar impune. Já na semana passada vimos demasiados ‘coveiros do jornalismo’ a chorarem lágrimas de crocodilo nas audições sobre a Global Media na Assembleia da República. Cito dois nomes: Domingos de Andrade e Rosália Amorim, expoentes dos ‘vendilhões do templo’ com as suas mercantilizações do ‘produto jornalístico’ como forma de prestar serviços a quem melhor pagar.
Lendo o texto de Licínia Girão – que faria mais sentido ser exposto no site do Sindicato dos Jornalistas (e eu sou sindicalizado), e não na CCPJ (que é uma entidade de natureza pública) -, cheio de lugares-comuns e analogismos de trazer por casa (com buracos negros, terras movediças e abismos), não consegui deixar de me enjoar (é o termo correcto) com a pureza da sua hipocrisia.
Escreve a dita doutora, presidente da CCPJ: “Nunca seremos verdadeiramente livres se os poderes não forem escrutinados. Se os jornalistas, em observância ao indissociável compromisso com a verdade, de forma isenta, rigorosa e independente não desempenharem o seu superior dever de garantir que todo e qualquer cidadão aceda a informação livre e credível”.
Ora, a CCPJ é a exacta entidade que recusou pedidos de acesso às actas das suas reuniões de plenário pedidas pelo PÁGINA UM, estando agora em curso uma intimação nos tribunais administrativos.
Ora, a CCPJ é a exacta entidade que recusou pedidos de acesso aos seus relatórios e contas, escondendo gastos e receitas, incluindo pagamentos aos seus membros, apesar de ser uma entidade pública.
Ora, a CCPJ é a exacta entidade que não quer sequer revelar se abriu ou não processos disciplinares aos ‘jornalistas comerciais‘ identificados pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social como tendo participado activamente na execução de contratos comerciais.
Licínia Girão, presidente da CCPJ.
Ora, a CCPJ é a exacta entidade que recusa mostrar como conduz e conduziu processos de averiguação contra jornalistas conhecidos e que, aparentemente, foram beneficiados (i.e., esquecidas as suas tropelias) por razões de ‘companheirismo’.
Ora, a CCPJ é a exacta entidade que fecha os olhos às maiores promiscuidades de certos jornalistas e direcções editorais, que mercantilizam notícias e influências através de supostas parcerias com entidades públicas e privadas, que mais não são do que prestações de serviços incompatíveis com a profissão, e que degradam a credibilidade de toda a imprensa.
Mas, por outro lado, a CCPJ é a exacta entidade que acolheu uma queixa do presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia e fez um inédito parecer a censurar as minhas investigações que, hélas, resultaram na suspensão do dito presidente da Sociedade Portuguesa de Pneumologia de consultor do Infarmed e na aplicação de um processo de contra-ordenação pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS).
A CCPJ é também a exacta entidade que acolheu uma queixa contra mim do almirante Gouveia e Melo, e lesta me abriu um processo disciplinar em fase de instrução desde Maio ano passado (sem acusação ao fim de oito meses, tendo como relator um jornalista do Correio da Manhã), antes mesmo de serem concluídas as averiguações instauradas pela IGAS em resultado de investigações jornalísticas publicadas pelo PÁGINA UM há mais de um ano. Ah, e depois teve a lata de me querer conceder uma amnistia venenosa.
E a presidente da CCPJ é, de igual modo, a exacta pessoa que mexeu os cordelinhos para que o Conselho Deontológico me fizesse um parecer censório, ao melhor estilo crápula, sem sequer considerar a minha argumentação, mas depois não teve coragem de responder ao meu repto: accionar um processo disciplinar no seio da própria CCPJ para que as ‘regras do jogo’ fossem as que constam das leis da República Portuguesa. Passaram seis meses desde esse ‘pedido’ e a resposta não veio, apesar das várias insistências para uma resposta.
Enfim, tem sido a inacção intencional e a acção enviesada da CCPJ que muito tem contribuído para descredibilizar o jornalismo aos olhos dos leitores, ouvintes e telespectadores. Se a crise da Global Media (e também da Trust in News) se deve, em grande parte, à falta de intervenção da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), a crise reputacional dos jornalistas deve-se sobretudo a uma postura de corporativismo aceite intencionalmente pela CCPJ, onde todos os desvarios e deboches são permitidos se se for amigo, e onde todas as ‘perseguições’ são promovidas se houver um outsider a clamar que o rei, coitado, vai nu, e ainda por cima anda feio como o caraças.
No texto de Licínia Girão há apenas duas frases que, na verdade, fazem sentido na sua boca: “O Jornalismo caiu num buraco negro. E os jornalistas estão ancorados em terras movediças a um passo de tombarem também para o abismo”. De facto, ela e os outros membros que compõem a CCPJ são a prova de que esse ‘buraco negro’ existe, até porque eles andam a cavá-lo há muito.
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O partido de André Ventura quis discriminar o jornalista Miguel Carvalho, alegando ser freelancer, por não estar afecto directamente a um órgão de comunicação social, justificação que não encontra qualquer justificação legal. O antigo jornalista da Visão, que ainda este mês recebeu o Prémio Gazeta 2022, tem feito investigações sobre movimentos considerados de extrema direita. O caso acabou por merecer uma inédita deliberação urgente da Entidade Reguladora para a Comunicação Social ainda em tempo útil: se amanhã Miguel Carvalho for impedido de entrar na convenção do Chega, André Ventura será processado por atentado contra a liberdade de informação e por desobediência. Porém, no primeiro dia dos trabalhos, o Chega acabou por aceder a entregar uma acreditação ao jornalista.
A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ameaça fazer uma participação no Ministério Público por atentado à liberdade de informação contra o Chega, caso o partido de André Ventura não conceda acreditação ao jornalista Miguel Carvalho para acompanhar os trabalhos da VI Convenção que se realiza a partir de amanhã, e até domingo, em Viana do Castelo.
Segundo apurou o PÁGINA UM, como habitualmente sucede em outros eventos com potencial de cobertura noticiosa, Miguel Carvalho requereu a acreditação no site do Chega, mas foi-lhe colocado entraves por alegadamente ser jornalista freelancer.
Miguel Carvalho efectivamente não tem agora um vínculo contratual com um só órgão de comunicação social, tendo abandonado a revista Visão em Agosto do ano passado, mas possui um currículo bastante relevante na imprensa. Aliás, recebeu na passada sexta-feira o Prémio Gazeta 2022 por uma reportagem intitulada “O braço armado do Chega”, publicado em 17 de Novembro daquele ano, sobre a militância (proibida por lei) de profissionais da PSP e da GNR no partido de André Ventura.
Na verdade, mais do que o estatuto de freelancer – que não pode ser alvo de qualquer tipo de discriminação –, aparentemente serão mais as abordagens jornalísticas de Miguel Carvalho que terão motivado a ilegal postura do Chega. De acordo com uma deliberação da ERC tomada hoje com carácter de urgência, a directora de comunicação social do Chega, Patrícia Carvalho – que não atendeu o telefonema do PÁGINA UM nem respondeu à solicitação de contacto –, terá transmitido a Miguel Carvalho que deveria “aguardar pelo encerramento das acreditações para saber se poderia ir ou não [obter a credenciação solicitada]”, alegadamente por [o]s jornalistas afectos a OCS [terem] primazia sobre os freelancers”.
O regulador presidido por Helena Sousa salienta, depois de ter dado oportunidade ao Chega de apresentar alegações – o que não fez –, que “quaisquer restrições legalmente admissíveis em sede de direito de acesso implicam, desde logo, o respeito pelo princípio da igualdade, estando vedada a adoção de quaisquer condutas de base discriminatória (…) ou a subordinação a considerações de conveniência, oportunidade ou de mérito por parte do proprietário ou gestor do local (público) em causa ou do organizador do evento que neste se realize”, adiantando ainda que “a restrição ilícita do acesso dos jornalistas às fontes de informação (lato sensu) constitui violação grave de um direito fundamental, consubstanciando uma limitação inadmissível do direito de informar e ser informado”.
Nessa medida, a ERC defende que, apesar do Chega ter o direito de estabelecer um “sistema de credenciação”, com critérios transparentes, deve garantir “as necessárias condições de igualdade e não discriminação a todos os órgãos de comunicação social e jornalistas potencial ou efetivamente interessados na cobertura informativa do evento referido”. E assim sendo, não pode dar primazia de acesso a jornalistas afectos a um dado órgão de comunicação social em detrimento de jornalista freelancer.
Miguel Carvalho, 53 anos, é um dos mais conceituados jornalistas de investigação em Portugal.
Uma vez que esta deliberação urgente, colocada esta tarde no site da ERC tem carácter vinculativo, se o Chega não cumprir as determinações também incorre num crime de desobediência, punido com pena de prisão até um ano ou pena de multa até 120 dias. No caso do atentado à liberdade tem igual moldura penal, embora agravada ao dobro em caso de o infractor ser uma pessoa colectiva pública, como são os partidos políticos.
Ao PÁGINA UM, Miguel Carvalho revelou na quinta-feira à noite que aguardava ainda uma reacção do Chega, e que estaria à porta do Centro de Congressos de Viana do Castelo, onde se ‘entronizará’ novamente André Ventura para avançar como candidato principal do partido às eleições de 10 de Março. Entretanto, o Chega acabou por aceitar conceder a acreditação ao jornalista Miguel Carvalho no primeiro dia dos seus trabalhos.
Nota: Notícia actualizada às 00:30 horas do dia 13 de Janeiro de 2024 com a referência a ter sido concedida a acreditação ao jornalista Miguel Carvalho.
N.D. Ainda em 18 de Dezembro passado, André Ventura se insurgia contra o Facebook por lhe ter cancelado (temporariamente) a sua conta pessoal, dizendo que já fizera queixa a Zuckeberg e ameaçava recorrer à Justiça. Agora, é ele o censor – de um congresso em ‘sua casa’, mas não é bem a ‘sua casa’ porque um partido político não é uma agremiação onde se vai jogar à sueca (e se reserva o direito de admissão), mas sim uma entidade de onde provêm políticos para gerir, sob várias formas, a res publica. E daí que, obviamente, tem a obrigação democrática de abrir as portas: a quem gosta e a quem não gosta. Independentemente de ideologias, a coerência é um dos atributos que mais prezo. Posso dialogar com alguém de uma ideologia que eu não professo – e que está nas antípodas do que defendo –, mas recuso aceitar alguém que manifesta falta de coerência, ainda mais forjada às suas conveniências. Se André Ventura quer ser levado a sério como dirigente de um partido democrático, e acha mesmo que pode ser uma alternativa ao actual establishment, vai assim por um péssimo caminho com este tipo de atitude, que mostram não ser por capricho mas por um perigoso tique. Querer limitar o acesso a um jornalista, porque, enfim, lhe desagradam as suas abordagens, é uma opção intolerável em democracia. Há linhas vermelhas cuja ultrapassagem, em democracia, não pode ser toleradas. PAV
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Com moderação de Pedro Almeida Vieira, o sétimo episódio de O Estrago da Nação põe em confronto a visão de esquerda do Tiago Franco a a visão libertária do Luís Gomes. Hoje, analisa-se o caso da compra de acções dos CTT por ordem do Governo socialista, seguindo-se para o debate aos currículos dos políticos que nos governam, e sobretudo daqueles que nunca conheceram o mundo para além dos ‘corredores do poder’. Por fim, como tema proposto pelo moderador, opina-se sobre a crise da Global Media e se será aceitável e vantajoso uma nacionalização para salvar empregos e títulos históricos da imprensa.
Sendo eu de ‘esquerda’, aquilo que mais me irrita e faz sair do sério é quando alguém, supostamente de ‘esquerda’, se mete a culpar a ‘direita’ de algo que nada tem a ver com ideologias. Percebe-se a estratégia – criar uma clivagem, identificar um suposto inimigo ideológico, para que haja uma decisão política favorável –, mas isso é passar um atestado de indigência e sobretudo retirar a responsabilidade aos verdadeiros culpados. E não permitir uma reflexão e discussão sérias.
Hoje, a jornalista e antiga directora-adjunta do Público Ana Sá Lopes veio defender a nacionalização da Global Media. Veio tratar de fazer a ‘cama’ para deitar os desejos de políticos – e.g., Marcelo Rebelo de Sousa, Rui Moreira, Carlos Moedas e Pedro Adão e Silva – em se meter dinheiro dos contribuintes (porque não há ouvintes e leitores suficientes) para assim simplesmente se salvarem empregos de jornalistas que, durante anos, contribuíram para a degradação do seu ‘produto jornalístico’ a ponto de hoje ser já um ‘produto comercial’ sem interesse nem préstimo.
Ao contrário daquilo que defende Ana Sá Lopes – que funciona aqui como ’porta-voz’, porque sei que o seu ponto de vista é comungado pela generalidade da corporativa classe jornalística –, não vivemos “um momento totalmente crítico na imprensa”. De facto, vivemos sim um momento de clarificação.
Por exemplo, um jornal como o Diário de Notícias – por mais que simpatizemos com a sua vetusta idade (foi fundado em 1864) – não pode sobreviver se atrai apenas 1.500 pessoas para comprarem a sua edição diária contando com uma equipa de três dezenas de jornalistas e sucessivas direcções editoriais (e conselhos de redacção) permeáveis a interesses políticos e mercantis.
Veja-se, aliás, que na Global Media chegámos a ter directores editoriais do Diário de Notícias (Rosália Amorim), Jornal de Notícias (Inês Cardoso) e TSF (Domingos de Andrade) no Conselho de Administração nos tempos de Marco Galinha. A promiscuidade e cumplicidade começa aqui, quando jornalistas passam de ‘geradores de notícias’ credíveis – para que, trazendo público haja interesse externo em anunciar – para gestores comerciais a vender banha da cobra, ainda por cima usando estratégias capciosas para fazer com que marketing seja perceptível como notícias baseadas em interesse editorial.
Aliás, a hipocrisia de supostas virgens inocentes do jornalismo, que se comportaram como autênticas megeras nos anos mais recentes, ficou bem patente na audição desta semana de Domingos de Andrade na Assembleia da República.
Domingos de Andrade, durante a audição esta semana no Parlamento, foi administrador da Global Media durante três anos, mantendo-se jornalista e director editorial, e assinando contratos de prestação de serviços com entidades privadas e públicas, algumas das quais sob suspeita do Ministério Público.
Com a carteira profissional de jornalista activa, Domingos de Andrade assumiu durantes vários anos funções de responsável editorial de diversos órgão de comunicação social da Global Media (DN, JN e TSF), ao mesmo tempo que era administrador da holding – sendo o braço direito executivo de Marco Galinha até ao ano passado –, e era também, de acordo com o Portal da Transparência dos Media, gerente da TSF – Rádio Jornal Lisboa, da TSF – Cooperativa Rádio Jornal do Algarve, da Difusão de Ideias – Sociedade de Radiodifusão, da Pense Positivo – Radiodifusão e ainda vogal do conselho de administração executivo da Rádio Notícias – Produções e Publicidade.
Domingos de Andrade foi um jornalista meigamente multado pela Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) em Janeiro do ano passado por ter andado a assinar contratos comerciais com empresas que financiavam os periódicos da Global Media, e agora vem dizer que “não estamos apenas a assistir ao fim de marcas, estamos a assistir à destruição reputacional de marcas e redacções”? Está a fazer auto-crítica ou está a fazer lavagem de imagem?
Que eu saiba, “a destruição reputacional de marcas e redacções” sucede quando se fica a saber, através de um despacho do Ministério Público, que “Eduardo Vítor Rodrigues, na qualidade de autarca, solicitou a Domingos Portela de Andrade, vogal do Conselho de Administração do Grupo Global Media, que os meios de comunicação pertencentes a tal Grupo, nomeadamente o Jornal de Notícias e TSF, elaborassem notícias e cobrissem conferências promovendo a atuação da Câmara de Vila Nova de Gaia e do seu presidente”. É o jornalismo de Domingos de Andrade que queremos que o Estado financie? É a credibilidade de Domingos de Andrade que deve ser atendida quando falamos do fracasso da Global Media?
Rosália Amorim, durante a audição esta semana no Parlamento, tornou-se conhecida pela constante promoção e moderação de eventos pagos por empresas públicas e privadas ao Diário de Notícias. Assumiu em Novembro passado, o cargo de directora da TSF, mesmo apesar da oposição do Conselho de Redacção da rádio, que não a considerava capaz de uma “política editorial independente”.
Quando vejo, por exemplo, pessoas como Rosália Amorim, ex-directora do Diário de Notícias, manifestar “tristeza” pela situação da Global Media, sabendo como funcionavam as parcerias comerciais naquele diário, estamos não apenas perante hipocrisia; há uma desfaçatez terrível. Como pode uma “marca” ter alguma reputação se o próprio Conselho de Redacção da TSF se opôs à nomeação de Rosália Amorim – levantando “legítimas dúvidas quanto à sua real capacidade de manutenção de uma política editorial independente” – e ela mesmo assim aceitou o cargo?
De facto, vivemos um momento de clarificação.
Jornalismo mercantilista, sem qualidade, com personagens munidos de carteira profissional de jornalistas mas de ética mais do que questionável, permeáveis ao poder político e ao poder económico, que enganam os leitores e ouvintes através de contratos de prestação de serviços que resultam em supostas notícias, entrevistas e eventos independentes – esse jornalismo não pode sobreviver.
As empresas que o praticam, não podem sobreviver. Não podem ser ajudadas pelo Estado. Além de tudo, é imoral.
A ‘morte’ de projectos jornalísticos baseados na falta de ética é mesmo bem-vinda – é mesmo essencial, não apenas para que o crime não compense, não apenas para evitar o uso imoral de impostos dos contribuintes para insuflar e alimentar procedimentos errados e nefastos para uma sociedade, mas sobretudo por ser necessário dar espaço a projectos credíveis e sem vícios, que provem que os leitores, perante a credibilidade, valorizam economicamente o jornalismo.
Mais do que nunca, a pluralidade e diversidade da comunicação social, essencial como alicerce da defesa da democracia – que em Portugal está podre, em parte pelas promiscuidades sustentadas por jornalistas (sobretudo directores editoriais, os tais que vão defender no próximo Congresso dos Jornalistas formas de financiamento) com o poder político e económico – baseia-se na credibilidade de projectos, e não na sua história.
O PÁGINA UM foi o primeiro órgao de comunicação social a identificar Clement Ducasse como o beneficiário efectivo do fundo das Bahamas que controla agora a Global Media, mas a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) ainda não teve capacidade para saber se este francês é um mero ‘testa de ferro’.
Quando o Jornal de Notícias e o Diário de Notícias nasceram, nos idos do século XIX, existiam largas dezenas de periódicos, alguns com largos anos, como o Açoriano Oriental, que ainda hoje se mantém a caminhar para os 200 anos. Todos viram nascer outros, muitos, quase todos foram ‘morrendo’, e sendo substituídos por outros, alguns tiveram várias vidas até sucumbirem, independentemente de terem sido, em tempos, instituições de prestígio, como os casos de O Século, o Comércio do Porto, a Capital, o Diário Popular ou o Diário de Lisboa.
Os ‘cemitérios da imprensa’ estão cheios de jornais que nasceram cheios de esperança, alguns se mostraram pujantes, mas por ‘causas naturais’, que incluíram sempre inadaptação ao mercado ou a erros próprios, claudicaram. Mas a sua ‘morte’ nunca significou a morte do jornalismo. Pelo contrário: na imprensa, a morte de um jornal permite o nascimento de outros (ainda) sem vícios.
Os jornais (ou as rádios, ou as televisões) morrem, mas o jornalismo não morre se extirparmos a tempo o mau jornalismo. Se se persiste na manutenção de um mau produto, artificializando a sua sobrevivência, ainda mais com dinheiros público, salvam-se a prazo (a curto prazo) empregos, mas traça-se uma ameaça para a credibilidade de todo o jornalismo, nega-se a possibilidade de nascerem outros projectos mais sérios, mais credíveis… e mais economicamente viáveis.
Por isso, para mim – e sem prejuízo de ser apoiante de um modelo de apoio social pelo Estado aos desempregados de empresas falidas, incluindo as do sector dos media –, nada mais saudável e natural do que a morte de (maus) órgãos de comunicação social, até porque, ao fim e ao cabo, são apenas títulos – que, aliás, anos mais tarde podem ser recuperados para novos projectos editoriais sérios.
José Paulo Fafe, CEO da Global Media indicado pelo obscuro World Opportunity Fund, deixou a empresa gestora do Tal&Qual em falência técnica e está agora no ‘olho do furacão’ da crise no JN, DN e TSF.
[o próprio PÁGINA UM foi um título inicialmente fundado em 1976 por Isabel do Carmo e Carlos Antunes, de ideologia de extrema-esquerda de apoio a Otelo Saraiva de Carvalho; tornou-se mais tarde, entre 1995 e 1997, um boletim informativo da Associação Académica da Universidade do Minho, e antes de se tornar este jornal digital independente, tomou o nome de um programa da católica Rádio Renascença… ou seja, nomes leva-os o tempo, e simplesmente, no caso do PÁGINA UM, o aproveitámos por estar disponível]
Quando Fernando Alves, um histórico jornalista de rádio e fundador da TSF, afirma hoje no Público que “o departamento comercial comeu a cabeça de todas as redacções que conheço”, não se refere apenas àquela rádio da Global Media nem a outros órgãos de comunicação social deste grupo. Falará, mesmo que não queira englobar, de praticamente todos os grupos de media que, à conta de uma crise (que é muito de credibilidade), querem fazer-nos crer que os problemas são de hoje e que se salvam com a prostituição do jornalismo (através de parcerias comerciais) ou com dinheiros públicos.
O problema da Global Media – e também da Trust in News, que lhe vai seguir, em breve, as pisadas – não é de hoje. Uma empresa que desde 2017 soma prejuízos consecutivos, que já ultrapassavam os 42 milhões de euros em 2022, que tinha uma dívida ao Estado de 10 milhões no final desse ano (sem que o regulador soubesse), e que via os seus activos imobiliários serem ‘chupados’ pelos accionistas, não pode vir agora carpir pela salvação com dinheiros públicos como se lhe tivesse sucedido um terramoto imprevisível. E o mesmo se diz em relação aos actuais e antigos responsáveis editoriais e jornalistas.
Sede da Entidade Reguladora para a Comunicação Social: uma regulação que ‘anda a ver navios’.
E também não se mostra admissível que a Entidade Reguladora para a Comunicação Social tenha uma atitude de irresponsável passividade a ponto de defender, como fez há cerca de dois meses em resposta a perguntas do PÁGINA UM, que não tem capacidade para sequer pedir e analisar os relatórios e contas da Global Media.
O fraco papel do regulador, mais a sua plataforma de Transparência dos Media, para evitar entrada de empresas e pessoas com interesses suspeitos, seria anedótico se não fosse grave. Foi o PÁGINA UM – e não o regulador – que detectou no ano passado falsas declarações de diversas empresas de media, incluindo ocultação de dívidas ao Estado (Global Media e Trust in News), de falência técnica (empresa do Tal & Qual) e de dependência financeira (empresa do Polígrafo).
Na verdade, tem sido o PÁGINA UM que, com as suas denúncias e já com uma seccção própria (pela relevância num sistema democrático), mais tem revelado as promiscuidades entre jornalismo e empresas (públicas e privadas, e até Governo, o que, aliás, tem merecido a devida reacção corporativista dos visados, razão pela qual a generalidade dos órgãos de comunicação social mainstream ignora as nossas investigações, e os ‘órgãos reguladores’ (ERC, CCPJ e Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas) se mostram tão favoráveis a atender os nossos críticos.
Salvar empregos (e má imprensa) ou salvar o jornalismo, eis a questão.
Por tudo isto, e regressando ao início, se vamos para “pactos de regime”, como defende Ana Sá Lopes, para salvar empregos de más empresas jornalistas, fazendo com que passem a ser controladas pelo Estado, não vejo como isso pode ser bom para a democracia – diria antes: será péssimo para o jornalismo e para a democracia. Nacionalizar empresas de media, ou entregá-las a empresas do regime, é o ‘sonho húmido’ de quem está no poder. Não nos bastou as tentativas de Sócrates de controlar a TVI e como foram nomeados alguns directores da Lusa e da Global Media nos tempos do seu Governo?
Por tudo isto, são uma ofensa as palavras de Ana Sá Lopes – que é apenas um peão com o objectivo de colocar uma clivagem ideológica num problema meramente empresarial e de ética jornalística – a defender que quem contestar uma salvífica entrada de capitais públicos (dinheiro dos contribuintes) especificamente na Global Media é alguém de ‘direita’ a qualificar o Estado como um “diabo”, que é “mau, horrível, [que] come criancinhas ao lanche e por aí fora”, como escreve no seu artigo de opinião no Público de hoje.
Estou saturado deste tipo de paleio, sobretudo por jornalistas, sobre um assunto que exige debate sério, e sem estar contaminado por pessoas que compactuam ou compactuaram com um ‘modelo de negócio’ da imprensa que descredibilizou o jornalismo português nos últimos anos.
Melhor regulação – não necessariamente mais (acho que a ERC dedicou mais horas de trabalho a analisar queixas contra o PÁGINA UM do que a analisar a crescente e evidente degradação da Global Media) –; maior participação e independência dos jornalistas nas redacções; outra seriedade na anedótica Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (que deixa impune claríssimas incompatibilidades e promiscuidades); e um debate sério sobre a definição de critérios apolíticos (sem intervenção conjuntural dos Governos ou da Assembleia da República) para o financiamento público dos media (por constituírem um bem público, na concepção económica do termo), são temas fundamentais para definir o futuro da imprensa escrita (em papel e online), radiofónica, televisiva e multimédia.
Mas esse debate deve ser feito à margem do que está a suceder com a Global Media, que antecipa o caso similar da Trust in News, dona da Visão. Aliás, por mim, seria saudável e até útil que se discutisse o futuro da imprensa em Portugal depois da concretização da queda destes dois grupos à força das leis do mercado, da oferta e da procura e da boa gestão da res publica (dinheiros públicos), porquanto assim a análise da sua ‘morte’ constituiria ensinamentos para não se cometerem os mesmos erros e nos vermos livres de pessoas que conspurcam a nobre profissão de jornalista.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Não é fácil definir o valor de uma obra de arte, e mais difícil ainda estabelecer o preço concreto de uma encomenda com dinheiros públicos. Mas a Junta de Freguesia da Carvoeira, no município de Mafra, em articulação com o escultor Bordalo II, decidiu inovar. O artista plástico preferido das entidades públicas – coleccionando 29 contratos desde 2018, sempre sem concorrência – ter-se-á ‘cansado’ de propor ou aceitar valores ‘redondos’ para as suas esculturas, e receberá da pequena autarquia da região da Grande Lisboa um montante muito sui generis: trinta e três mil, trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos. Os dinheiros públicos serão desviados de um programa operacional do Ministério da Agricultura.
Da Arte, espera-se criatividade e ousadia. Mas a Junta de Freguesia da Carvoeira, no concelho de Mafra, e o artista Bordalo II decidiram supostamente elevar a Arte a outros níveis, transformando a parte menos interessante de uma futura escultura pública – o orçamento, isto é, o dinheiro pago pelos contribuintes ao artista – numa sátira.
Na verdade, se uma obra de arte – mesmo daquelas sob a forma de escultura a colocar numa redonda rotunda, numa prazerosa praceta ou noutro qualquer recatado espaço público – tem um valor intangível, o artista tem de ver a ‘coisa trocada por miúdos’, ou seja, tem de receber o vil metal para comprar nem que seja batatas, porque Cultura só se consome e se faz com a barriga senão farta pelo menos saciada.
Ora, Bordalo II – nome artístico de Artur Manuel Correia Bordalo da Silva – era até agora conhecido por ser o escultor com mais obras encomendas por entidades públicas. Nos últimos cinco anos contabilizam-se 29 encomendas públicas, sobretudo com autarquias locais (Câmaras Municipais e Juntas de Freguesia), mas onde há lugar para o ecletismo, tanto assim que a Lipor (empresa de tratamento de lixos do Grande Porto) já lhe comprou três esculturas, o Governo outras duas (em 2018 e 2020), o Governo Regional da Madeira outra e até universidades já ostentam as suas esculturas. De acordo com o Portal Base, a empresa de Bordalo II facturou, desde 2018, cerca de 775 mil euros em ajustes directos de entidades públicas.
Mas se, até recentemente, os aspectos conceptuais da obra de Bordalo II tinham como ‘marca de água’ sobretudo o uso de materiais reciclados e a figuração de animais em formato gigante, a encomenda da Junta de Freguesia da Carvoeira pode marcar um ponto distintivo. Com efeito, até agora, a parte orçamental era um bocejo em todos os ajustes directos pela evidente falta de significado ou simbolismo. Por exemplo, o contrato de valor mais elevado, com a Lipor em 2019, estipula que “o preço contratual a pagar pelo Primeiro Outorgante é de 72.000.00€ (setenta e dois mil euros), a que acresce o IVA à taxa legal de 6%”.
O segundo mais elevado, contratualizado em 2021 com a Junta de Freguesia do Parque das Nações (Lisboa), sofre da mesma monotonia orçamental. A cláusula terceira determina que “o preço contratual da prestação de serviços objecto do presente Contrato é de 68.000,00€ (sessenta e oito mil euros) acrescido de IVA à taxa legal em vigor (6%)”.
Uma das três obras de Bordalo II compradas pela Lipor.
Praticamente, todos os outros contratos celebrados por entidades públicas para compra de obras de Bordalo II surgem no Portal Base com números redondos, com excepção de três: o primeiro assinado pela autarquia de Almada em 2018, pelo valor de 16.981,13 euros; o segundo contratualizado pela autarquia de Águeda no valor de 13.207,54 euros; e o terceiro é o da Junta de Freguesia da Carvoeira, que surge com o valor de 37.983,33 euros.
Mas se os dois primeiros nada têm afinal de criativo – acrescentando o IVA de 6%, os valores da escultura ficam redondos (18.000 e 14.000 euros, respectivamente), já o orçamento da escultura para a Junta de Freguesia da Carvoeira é muito sui generis, porque não é nada redondo. Nada mesmo, parecendo mesmo um capricho ou uma ‘zombetice’ usando dinheiros públicos.
Assim, ao contrário da generalidade dos outros contratos, aquele que foi assinado para colocar no próximo mês de Abril uma “escultura de grandes dimensões (aproximadamente 200x200x350) em material reciclado que deverá resistir a intempéries” naquela freguesia de Mafra, discrimina os custos de transporte e instalação: 4.650 euros. Isso significa que, em concreto, o valor da obra de arte em si mesma ficou com um valor estipulado de “trinta e três mil trezentos e trinta e três euros e trinta e três cêntimos”.
Extracto do contrato celebrado entre a Junta de Freguesia da Carvoeira e a empresa Mundo Frenético, de Bordalo II, onde se estipula o preço da escultura.
O PÁGINA Um questionou a presidente da autarquia da Carvoeira sobre como se determinara em concreto o valor da obra, e os motivos de tão estranho número, bem como a opção por Bordalo II. Numa primeira fase, a presidente da Junta de Freguesia, a social-democrata Andreia Duarte, começou por referir que “o preço base estabelecido baseia-se numa pesquisa de mercado prévia ao início do procedimento, bem como no valor aprovado na candidatura que irá financiar a obra de arte”, acrescentando que “dos artistas consultados, resultou a seleção daquele que no entender da Freguesia melhor correspondia aos objetivos da execução da obra de arte, nomeadamente utilização de materiais reciclados, experiência em obras semelhantes e notoriedade do trabalho desenvolvido”.
Na primeira resposta ao PÁGINA UM, a autarquia não identificava os eventuais artistas sondados, sendo certo que essa consulta terá sido feita de uma forma completamente informal, uma vez que Bordalo II não foi escolhido através dos procedimentos de consulta prévia, prevista no Código dos Contratos Públicos, mas sim por ajuste directo, sem qualquer concorrência.
Depois de alguma insistência, a autarquia da Carvoeira acabou por indicar que “os nomes comerciais contactados [foram] Bordalo II, Skeleton Sea e José Cardoso Queiroz”, embora para efeitos práticos estes contactos, a terem ocorrido, não produziram qualquer efeito legal.
Junta de Freguesia da Carvoeira, no concelho de Mafra. A pequena freguesia de características rurais, com menos de 3.000 habitantes, localiza-se a sul da Ericeira, onde desagua o rio Lizandro.
Além de o valor definido para a obra de Bordalo II, há outros aspecto estranho nesta encomenda. De acordo com o contrato e as próprias informações da autarquia da Carvoeira, esta encomenda será financiada por um programa operacional do Ministério da Agricultura que visa apoiar pequenos investimentos nas explorações agrícola, pequenos investimentos na transformação e comercialização de produtos agrícolas, diversificação de actividades na exploração agrícola, mercados locais, promoção de produtos de qualidade locais e renovação de aldeias.
Embora tenha de se encontrar algum espírito criativo para encaixar uma escultura gigante em materiais reciclados – excepto se incluírem, talvez, restos de foices, martelos, enxadas, cajados, samarras, sacos de serapilheira, botas de cano alto, etc. – num programa operacional para o sector agrícola, a Junta de Freguesia defende que “a criação de uma obra de arte, que relacione os elementos paisagísticos e ambientais locais, e que se torne um elemento de atração de visitantes e de sensibilização da comunidade local para a importância da preservação da biodiversidade, enquadra-se no conceito de valorização previsto da medida”.
E a Junta de Freguesia da Carvoeira acrescenta também um ‘interessante’ aviso: “Esperemos que a notícia seja bem feita, e que não vos venha [ao PÁGINA UM] a prejudicar”.
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Confessando que a amostra não cumpre o nível de rigor, por exemplo, das sondagens da Aximage para para os periódicos da Global Media – como aquela que, em Agosto de 2021, a quatro semanas das eleições autárquicas, dava 51% a Medina e uns míseros 27% a Moedas… –, as ruas de Lisboa neste primeiro ano da graça de dois mil e vinte e quatro da era de Cristo estão uma imundície. Uma porcaria. Uma estrebaria, que só se mostrará “fermosa”, parafraseando o Cavaleiro de Oliveira, se morarmos a cidade, de cima para baixo, com miopia, de um miradouro, como por exemplo o da Graça, bairro de onde tirei as fotografias que aqui apresento.
Não são diferentes de outros dias, e de outros bairros, como é o caso do Bairro Alto e Santa Catarina, por onde mais perambulo, exemplos tristes de falta de higiene e asseio, apesar dos recursos dos impostos dos contribuintes e das taxas de turismo. Não é dinheiro que falta.
Mas todos os anos, que me recorde, Lisboa anuncia-se ao primeiro dia de Janeiro, sempre com a mesma cara: suja. Começa a ser uma tradição. Uma péssima tradição.
Já escrevia o médico e escritor português Guiilherme Centazzi, em meados do século XIX, que “Lisboa, que todos nós estamos vendo, e que os estrangeiros e os vindouros hão-de julgar pelo que lerem… Lisboa (não se faça do preto branco, nem se queira embutir gato por lebre), examinada em globo é uma coisa; em detalhe, é outra. Em globo, ninguém lhe negará aparato, beleza, opulência, grandeza, etc., etc.. Em detalhe, de fora para dentro, é tal e qual como esse famigerado siciliano que, no domingo, se paramentava com luzentes vestiduras, sem despir a camisa com que tinha andado a mariscar os anzóis durante a semana. Lisboa, em síntese, é majestosa; em análise, é um covil lastimoso de miséria e lama.“
E cá temos Lisboa no primeiro dia do Novo Ano igual ao ano anterior. Feriado que haja em Lisboa, é dia santo na loja, o que significa lixo a transbordar em tudo o que é canto, e em tudo aquilo que não é canto.
Aguentamos um dia com lixo? Claro que sim.
Aguenta-se, se a compreensão for desmesurada. Aí aguenta-se tudo, incluindo ruas imundas no primeiro dia do ano.
Se aguentamos que, por exemplo, Carlos Moedas, o edil de Lisboa, gaste dinheiro público com um vídeo de promoção pessoal ao estilo de estrela pop norte-americana, mangas de camisa branca arregaçadas, a subir a escadaria dos Paços do Concelho como um ‘salvador’ – aguentamos tudo, incluindo ruas imundas no primeiro dia do ano.
Se aguentamos ver Carlos Moedas prometer, no Twitter, que “em 2024 vamos continuar a construir memórias, a alcançar vitórias, mas sobretudo a fazer Lisboa”, mas logo no primeiro dia temos um “Feliz 2024” com ruas imundas, e não há problema – aguentamos tudo, incluindo ruas imundas no primeiro dia do ano.
Se aguentamos ver Carlos Moedas, no dito vídeo promocional, sugerir (porque está ele sempre presente) que quem deu as casas a carenciados, concedeu transportes públicos gratuitos, pagou as obras de drenagem e mais uma série de outras coisas, foi ele e não os dinheiros públicos (e todos nós) – então aguentamos tudo, incluindo ruas imundas no primeiro dia do ano.
A gestão de uma Câmara, sobretudo de Lisboa, não pode continuar a servir somente como trampolim político, como a história recente nos tem demonstrado, de que são exemplos Jorge Sampaio, Santana Lopes e António Costa, que atingiram depois lugares de topo no poder.
Moedas tem legitimidade para aspirar a outros voos, se assim desejar e fizer por isso. Mas, até lá, faça também o básico: e o básico é ter as ruas de Liosboa decentes todos os dias do ano. E se não houver funcionários públicos para o primeiro dia de cada ano, então aí sim justifica-se a contratação de empresas de trabalho temporário por um dia. Afinal, como munícipes, não somos menos do que o Papa.
Ou para Moedas seremos?
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Este mês, o PÁGINA UM fez o seu segundo aniversário, e registou o seu mais elevado número de visualizações de notícias. Este é um projecto inovador, porque, pela primeira vez, se aplica na imprensa portuguesa um modelo de ‘willingness to pay’ – ou seja, o leitor dispõe da liberdade de contribuir com o valor máximo que assim desejar (ou poder), sendo que, independentemente disso, acede às notícias e conteúdos.
Essa modalidade tinha, tem e terá, do ponto de vista económico, todas as condições para fracassar, pois não há aqui qualquer rede: o PÁGINA UM assume que não tem (nem quer) publicidade, não realiza parcerias comerciais nem é suportado por misteriosos fundos das Bahamas ou de outras quaisquer paragens exóticas ou não. Vive – ou sobrevive – apenas com os donativos dos seus leitores – e cresce ou não em função desse fluxo, que constitui um barómetro da qualidade do nosso trabalho.
Nessa medida, o PÁGINA UM tem uma redacção ‘minúscula’ e grande parte dos colaboradores (não jornalistas) contribuem pro bono ou com muito simbólicas contrapartidas monetárias. Isso implica que tenhamos uma produção pequena, mesmo se com produtividade elevada, tendo em conta as abordagens que fazemos, sobretudo em áreas ou temas que órgãos de comunicação social não tocam ou temem tocar. Com este modelo, o PÁGINA UM jamais entrará em ‘aventuras’, e crescerá (ou não) sem dívidas, sem empréstimos e sem compromissos financeiros ou de outra natureza que possam colocar em causa a sua independência. Antes a morte deste projecto do que a sua sobrevivência comprometida.
Todos os meses (ou dias) do PÁGINA UM – e falo como director do jornal mas também como gerente da empresa (que se criou por uma questão de transparência de contas) – são assim um desafio, porque em simultâneo com as investigações, as notícias, as opiniões, as entrevistas e outros tantos textos (e acreditem ou não, por um acaso, este será o texto 2.000 publicado neste nosso/vosso jornal digital), temos de apelar, de forma honesta, para que os primeiros leitores não se esqueçam da génese deste projecto e para que os novos leitores o compreendam.
Viver supostamente de donativos – e ainda mais numa sociedade como a portuguesa e num mundo empresarial dos media assente na acumulação de prejuízos suportados pelos bancos, obrigacionistas, autarquias, empresas públicas e Governo – tem merecido, aqui e ali, um certo desdém e tentativas de menorização deste projecto.
Por exemplo, ainda este mês, em duas ocasiões, dois visados por notícias do PÁGINA UM tomaram a decisão de, em resposta a notícias a si desfavoráveis, darem uma ‘esmola’ via MBWAY. Um deles foi José Paulo Fafe, CEO da Global Media, após este meu texto; o outro foi o cantor e empresário André Sardet, depois desta notícia. A ambos devolvi o dinheiro, com acréscimo. Ao CEO da Global Media acrescentei 1,80 euros, o preço de uma edição em papel do Diário de Notícias; a Sardet (cujo apelido verdadeiro não tem o T) acrescentei 0,96 euros, o custo de uma embalagem de passas no Continente, indicando que serviam para que os seus lucros de 2023 não fossem afectados, até porque o mais recente ajuste directo que recebeu (de uma empresa municipal de Lisboa) foi ‘só’ de 248 mil euros.
Além deste tipo de boutade demonstrar o quão necessário se mostra a existência de um jornal independente – a ‘esmola’ é fruto da surpresa porque pessoas como Fafe e Sardet se surpreendem por jornalistas não acharem ‘naturais’ as suas negociatas –, há nisto sobretudo uma ignorância sobre o passado do jornalismo e sobretudo sobre o papel da imprensa e da forma como deve ser valorizado e remunerado pelos seus leitores – que são, na essência, o destinatário e a causa.
Tal como sucedia no passado, em que os editores e até administradores de jornais sabiam que a sua remuneração e a sua sobrevivência (e até aceitável lucro) advinham exclusivamente da valorização individual feita pelos leitores, que depositavam diariamente a moeda correspondente ao preço do matutino (ou vespertino), o PÁGINA UM também olha assim para os seus leitores. Com respeito individual.
Sabemos que o PÁGINA UM existe porque todos os meses há pessoas que compreendem que este projecto, de acesso livre, só é livre e aberto porque tem jornalistas profissionais independentes e sem agendas escondidas mas que precisam de ser valorizados e remunerados – para fazer mais. Aqui não há ‘esmolas’, porque prestamos um serviço, ainda mais nobre por sabermos que está disponível mesmo para quem não quer ou não pode contribuir.
Mas também sabemos que somente poderemos informar mais, incomodar mais, tornar as nossas notícias mais impactantes, se tivermos cada vez mais força, mais receita, maior capacidade de crescimento com mais jornalistas. Nós representamos o modelo de um jornalismo que quer recuperar a credibilidade de outrora.
Desde o início do PÁGINA UM são incontáveis as pessoas que apoiaram financeiramente este projecto jornalístico. Este mês, de forma individual, até ao dia de hoje, contamos 478 apoiantes, com montantes diversos e periodicidades distintas (pontuais ou regulares), atingindo uma média a rondar os 9 euros por pessoa. Aquilo que fazemos com esta (pequena) receita mensal (basta multiplicar 9 por cerca de 500), com oscilações ao longo destes dois anos, sem nos endividarmos, tem sido quase um milagre. E continuaremos a fazê-lo acontecer, enquanto tivermos capacidades.
Mas também temos consciência das potencialidades deste projecto se o número de apoiantes crescesse, porque isso implicaria, de imediato, aumentarmos de forma proporcional o nosso trabalho. Muitos assuntos temos de ‘abandonar’ por manifesta incapacidade humana de os abordar, e isso custa-me pessoalmente.
Por isso, o nosso objectivo (e desejo) para 2024: atingirmos, em média, pelo menos os 1.000 apoiantes mensais. Mostrámos já, nos últimos dois anos, não apenas pelo jornal mas também pelas iniciativas no Tribunal Administrativo de Lisboa em prol do acesso à informação, quais são os nossos objectivos, aquilo que valemos e aquilo que desejamos fazer como jornal independente. Mas sabemos que os leitores são soberanos – e é neles, sempre nos leitores (e não nas empresas ou nos Governos), que depende o PÁGINA UM.
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Tenho um carinho especial pelo Famalicão, benfiquista me confesso. E já agora também confesso ser um adepto (secundário) do Leixões – não me perguntem a razão, não tenho dali quaisquer raízes, mas vem de infância, talvez porque a equipa de futebol tinha um tipo que dava cambalhotas quando marcava golos (o Folha), além de um guarda-redes chamado Tibi, e ainda um médio habilidoso chamado Frasco. Talvez também por os chamarem de ‘bebés de Matosinhos’, se bem que os fervorosos adeptos no Estádio do Mar fossem mais conhecidos por cascar até em árbitros. Além disso, o emblema é estranho, por meter uma raquete de ténis, um pau de críquete e uma bola que mais parece de basquetebol, embora o clube seja mais famoso no voleibol, com vários títulos de campeão.
Enfim, mas se o carinho pelo Leixões e por Matosinhos vem da infância e não é explicável, já o do Famalicão vem também da infância e é explicável, embora nada tenha a ver com futebol e com Vila Nova de Famalicão, de onde vêm os jogadores que agora mesmo começaram a pelejar com o Benfica, esperando eu que levem o mesmo número de golos que o número do ticket do meu farnel: 14.
(por agora, 11 minutos, duas ameaças para marcar, mas ainda faltam 14 golos… o melhor é dar uma trinca na baguete de panado de aves com alface)
Portanto, vamos à explicação sobre a minha infância e Famalicão. Como não há apenas uma Maria na Terra, também não há somente um Famalicão (ou uma…. ou será ‘ume’?) em Portugal, e dessa sorte a ‘minha’ Famalicão, ali no concelho de Anadia, é terra que viu os meus pais conhecerem-se nos idos de 50 (século passado, claro) – e tenho a impressão de que isso me foi favorável – e também onde se localiza(va) a escola primária onde estive três anos, não sendo preciso o quarto (‘gaba-te cesto’ por teres feito a primeira e segunda classe em apenas um ano).
Assim sendo, aqui fica a minha homenagem a Famalicão (de Anadia), e à sua escola que me viu começar a contar e a escrever (não foi bem assim, porque, ‘gaba-te cesto’ outra vez, já lia legendas da TV e contava pelos dedos antes da ida para a primária).
(goloooooooooo… Arthur Cabral, já com veia goleadora… o que faz um dedo do meio)
Continuemos depois deste introito do primeiro do Benfica contra este Famalicão que não me interessa nada, excepto quando joga contra o Sporting, o Porto e o Braga. Aí sou adepto ‘deste’ Famalicão desde pequenino.
Escola primária de Famalicão, no concelho de Anadia.
Já que estamos aqui numa de recordar a infância, e para isto ter a ver com bola, e sobretudo, com o Benfica, informo também que ‘este’ (ou ‘esta’ ou… espera… como uso, neste caso pronome demonstrativo inclusivo?) Famalicão ficava paredes-meias com a Malaposta, aldeia atravessada pela famosa Estrada Nacional, então percorrida (antes da auto-estrada) por todos aqueles que queriam ir para o Norte (e para o Sul, claro), entre os quais os jogadores do Benfica, que, nos tempos da minha infância, tinham como habitual poiso para almoço (os jogos eram quase sempre ao domingo à tarde, todos à mesma hora) o restaurante Pompeu do Frangos, famoso pelos churrascos em terras de leitão à Bairrada. Acredito que por recomendação de um senhor de seu nome António José Conceição Oliveira, Toni para os amigos (e todos os demais, onde me incluo), nado e criado em Mogofores, a menos de 500 metros onde morei até aos 10 anos.
(entretanto, sem glória, e desesperançado dos 14 a zero, e vejam como já nem almejo o mítico 15 a zero, acaba a primeira parte; menos mal, estamos a ganhar)
Adiantada que vai a crónica, fui gastar os 15 minutos de intervalo a contornar as filas para a casa de banho e para os comes-e-bebes, até dar um abraço ao nosso colunista Tiago Franco, que das terras suecas (e de Santa Maria, de quando em vez), aqui está pela Grande Lisboa, e não perde oportunidade para se exasperar ao vivo e inloco com as opções do Robert Schmidt, enquanto zurze na ‘tosquicidade’ do João Mário e de mais uns quantos…
Aspecto de um bom arroz de molho pardo.
(e a segunda parte avança enquanto escrevo, e tirando um ‘tiro ao boneco’, leia-se ao guarda-redes, do Arthur Cabral, que devia ter feito melhor, o melhor que se viram foram as defesa do Trubin, por sinal guarda-redes benfiquista, que contribui para que do 14 a zero desejado, pelo menos que no zero à direita se acerte)
Como bons benfiquistas, este um a zero não nos satisfaz nada. ‘Parece que estão todos de férias como o Di Maria na Argentina’, digo-lhe, enquanto lhe peço dois ‘linguados’ (gíria jornalística) para compor esta crónica para ficar com maior sapiência na arte do bitate futebolês.
Escreve-me ele, na bancada Emirates, de esguelha, por ser o sector 4, que “durante toda a semana a discussão centrou-se no casamento da irmã de Di Maria”, que eu ignorava, avisando que “se déssemos tamanha atenção ao nosso próprio matrimónio, a taxa de divórcios no país cairia a pique”. E remata dizendo que agora percebe afinal, “aqui no estádio, qual era o real problema da ausência do astro argentino” nesse do jogo contra o Famalicão.
Tiago Franco, comigo numa selfie, em pleno intervalo, sempre pouco satisfeito com as exibições do Benfica.
E concretiza: “A julgar pela amostra dos primeiros 45 minutos”, opina ainda o Tiago, “o Di Maria seria provavelmente o único com disponibilidade para jogar”, pois “em campo estão nove rapazes a passar um serão entre amigos, Trubin a defender os poucos ataques do Famalicão, e anda ali o João Neves a jogar sozinho outra partida, a uma velocidade totalmente diferente”.
Como a escrever sobre Famalicão, Malaposta, Mogofores e o Pompeu dos Frangos (onde há uns anos lá comi um arroz de molho pardo, que é como se chama ao arroz de cabidela, de se chorar por mais…), quase não vi a primeira parte, vou aproveitar todos os comentários do Tiago. Ainda me diz que o seu homónimo, o jovem Tiago Gouveia, “está a desperdiçar esta oportunidade, enquanto o Rafa, para lá dos arranques, falha em tudo o resto”.
Quanto ao Arthur Cabral, afiança-me o Tiago que ele “consegue tropeçar mais na bola do que correr com ela”, e sobre o João Mário, ó surpresa?, digo eu, não é mais meigo: “continua a passar para trás com uma elegância sublime”. Na defensiva, diz ainda que o “Morato, a quem ninguém passa a bola, não tem culpa porque, como diz o meu colega de bancada, ‘ele não sabe mais’”.
Deu para o farnel, mas não deu para o desejado 14 a zero.
(eu confesso que, enquanto escrevo as crónicas não tenho muito tempo para perceber estes detalhes, além de que não detenho o sarcasmo futebolístico do Tiago em falar mal de quem se ama)
Enfim, bela análise, Tiago. Depois disto, vou mesmo tentar ver como consigo que venhas para a bancada de imprensa, para esta Varanda da Luz, fazer análises futebolísticas com direito ao competente farnel (a maçã hoje está um pouco ‘farinácea’ ao contrário do habitual). Talvez envie um e-mail à Presidência da República, e, se não der a cunha, vou então falar directamente com o Lacerda Sales, ou com outro qualquer que prove que Marcelo Rebelo de Sousa é imune a cunhas, venham elas do Doutor Nuno ou de outro qualquer mafarrico.
(goloooooooo! Rafa com um remate de belíssimo efeito… Vá, Tiago, diz mal agora do nosso Rafinha, que conta, segundo o speaker, 300 jogos de encarnado vestido, made in Luz, porque ainda teve uns quantos pelo Braga)
Finalmente, estou mais aliviado. Já não aguentava mais nenhum empate com este tipo de equipas, como sucedeu com o Casa Pia e o Farense. Esta época, o Benfica consegue fazer jogos num ritmo sonambúlico, mas que permite, paradoxalmente, pelos sucessivos calafrios causados pelos ataques adversários (de qualquer um), manter-nos sempre activos, na expectativa… de um desastre… ou de uma alegria. Rafa lá consegue garantir-nos descanso ao minuto 85… espero…
(goloooooo. Musa!, aos 89 minutos…ai agora, quando isto está a acabar?!)
Enfim, ufa! Não está nada mal, afinal: 3-0 parece-me bem.
(e só não foi o quarto antes do apito final porque não calhou… ou, melhor dizendo, o Musa falhou escandalosamente na cara do guarda-redes)
E tu, que me dizes agora, Tiago? Valeu a pena?
Ai agora já não me dizes nada?
(…)
Tarde, mas ainda a tempo, porque ainda demora alinhavar o texto, escolher fotos, e editar tudo, e enquanto os suplentes não utilizados andam ali a correr no relvado, com as bancadas vazias e o Paulo Gonzo aos berros nos altifalantes, responde-me o Tiago:
“Nunca fico satisfeito com serviços mínimos, mas agrada-me ver o Rafa no papel de herói. Há cinco anos que o ataque depende das arrancadas dele e, enfim, se precisa de 10 oportunidades para concretizar uma… paciência. Se a eficácia fosse outra, nunca teria cumprido 300 jogos (hoje) de águia ao peito [porque seria contratado por um ‘tubarão europeu’, digo eu] . Agora satisfeito, mesmo satisfeito, era se hoje tivesse sido a despedida do João Mário e do Jurasek”.
És terrível, Tiago, és terrível. Se estivesses aqui no meu lugar, já te tinham posto estricnina na baguete…
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