Autor: Pedro Almeida Vieira

  • AD em desgraça & temas esquecidos & Pfizer

    AD em desgraça & temas esquecidos & Pfizer


    Com moderação de Pedro Almeida Vieira, o 14º episódio de O Estrago da Nação põe em confronto a visão de esquerda do Tiago Franco a a visão libertária do Luís Gomes. Hoje, analisa-se a semana de campanha em estrada da Aliança Democrática que não terá corrido bem a Luís Montenegro, de acordo com Tiago Franco. Quanto ao Luís Gomes propôs falar sobre a falta de alguns temas em discussão durantes esta campanha eleitoral. Por fim, como tema final: a situação da Pfizer, em processo de despedimentos colectivos, depois de ter vendido mais de 85 mil milhões de dólares em vacinas, e numa altura em que surge uma revisão sobre os beneficíos da suplementação da vitamina D contra o SARS-CoV-2. Será simplesmente o mercado a funcionar?

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  • O tradutor, criador ou traidor?

    O tradutor, criador ou traidor?

    Título

    Miséria e esplendor da tradução

    Autor

    JOSÉ ORTEGA Y GASSET (tradução: Pedro Ventura)

    Editora (Edição)

    Guerra & Paz (Janeiro de 2024)

    Cotação

    19/20

    Recensão

    Pelo menos até ao século XVIII, a tarefa da tradução foi altamente elogiada, porque se considerava que se o escritor tinha completa liberdade criativa, o tradutor sofria as amarras do escrito (impostas pelo escritor), exigindo-se que fizesse mais do que substituir as palavras de um para outro idioma. E isso era mais do que um trabalho. Era, e é, efectivamente, uma arte maior.

    Miséria e esplendor da tradução, obra seminal do espanhol José Ortega y Gasset, originalmente publicada em 1937 num diário de Buenos Aires, enquanto ainda estava exilado na França, mergulha na complexidade e nuances do acto de traduzir, mas não vai, longe disso, pela parte técnica, mas sim filosófica e até humanista. É obra para todos os amantes das línguas e da linguagem. E lê-se de um fôlego.

    Contrariando a visão da tradução como uma mera tarefa mecânica, Ortega y Gasset defende, como esplendor, a interpretação e recriação do texto original, mas que se pode transformar – ou traduzir – numa traição (traduttore, traditor) ao escrito original, se na nova língua não forem consideradas as particularidades culturais, históricas e contextuais envolvidas.

    Um dos conceitos-chave discutidos por Ortega y Gasset é o da capacidade fundamental de todas as línguas serem capazes de serem (bem) transpostas noutro idioma, negando a visão tradicional de que algumas línguas são intraduzíveis ou que a tradução inevitavelmente resulta em perda de significado. E isso porque, embora as línguas possam diferir no seu vocabulário e estrutura, comungam uma essência permite a compreensão mútua entre diferentes culturas.

    Contudo, para que tal seja feito com sucesso, Ortega y Gasset explora no seu texto a relação entre tradução e criatividade, envolvendo escolhas estilísticas e interpretativas, de modo a ser transmitido ao destinatário da obra traduzida  algo que seja compreendido face à suas sensibilidades e aspectos culturais.

    Em todo o caso, a ‘radical tradutibilidade’ nem sempre é uma realidade prática, sobretudo quando se trata de expressões idiomática, trocadilhos e conceitos culturais específicos. Ortega y Gasset fornece exemplos curiosos: “Face à nossa paupérrima classificação dos nomes em masculinos, femininos e neutros, os povos africanos que falam as línguas bantas apresentam outra riquíssima: uma destas, há vinte e quatro signos classificadores – quer dizer, frente aos nossos três géneros, nada menos que duas dúzias. As coisas que se movem, por exemplo, são diferenciadas das inertes, o vegetal do animal, etc. Onde uma língua mal estabelece distinções, outra exibe uma exuberante diferenciação. Em jeje há trinta e três palavras para expressar outras tantas formas diferentes do andar humano, do ‘ir’. Em árabe, existem cinco mil setecentos e catorze nomes para o camelo” (pg. 46-47).

    Por esse motivo, mais do que um ser invisível e transparente – que, na maior parte das obras surge, se tanto, na ficha técnica –, Ortega y Gasset defende a figura do tradutor como um intérprete e criador, que deve ser destacado na obra.

    Por isso, de uma forma muito apropriada, e coerente, a Guerra e Paz – que é a primeira editora portuguesa a publicar o ensaio de Ortega y Gasset em Portugal – identifica Pedro Ventura como tradutor (e introdutor) logo na capa.

  • Segurança das vacinas contra a covid-19: Froes & ERC em ‘indecentes e más figuras’

    Segurança das vacinas contra a covid-19: Froes & ERC em ‘indecentes e más figuras’


    Em Janeiro passado, a revista científica ESC Heart Failure, pertencente à Sociedade Europeia de Cardiologia, publicou um artigo intitulado “Autopsy findings in cases of fatal COVID-19 vaccine-induced myocarditis“, que constitui “uma revisão sistemática de todos os relatórios de autópsia publicados envolvendo miocardite induzida pela vacinação contra a covid-19 até 3 de Julho de 2023”. Há largos meses que, nos meios científicos, o tema da segurança das vacinas contra a covid-19 deixou de ser tabu. Pelo contrário.

    Por exemplo, na conceituada revista científica Vaccines, actualmente, todos os 10 artigos mais lidos são sobre a vacina contra a covid-19, sendo que oito investigam efeitos adversos ou questões de segurança. Em 26 de Junho de 2021 – ou seja, em pleno programa de vacinação – não havia nenhum artigo científico sobre as vacinas contra a covid-19 nos mais lidos da Vaccines, nem sobre segurança nem sobre outra qualquer questão. Nessa altura, em 2021, e até 2023, essas vacinas eram ‘endeusadas’ e seria uma ‘blasfémia’ questionar aspectos de segurança ou apelar a avaliações estratificadas de benefício-dano potencial.

    a dimly lit tunnel with a bench in the middle

    Mas vamos ao artigo do ESC Heart Failure. Os autores salientam que, “no momento em que o artigo [científico] foi escrito, uma pesquisa no PubMed [base de dados do National Library of Medicine, nos Estados Unidos], usando os termos “miocardite” e “vacinação contra a covid-19” forneceu 994 resultados, indicando amplo interesse entre os pesquisadores na miocardite induzida pela vacina contra a covid-19”. Salientam também que “até 16 de Junho de 2023, o Sistema de Notificação [norte-americano] de Eventos Adversos de Vacinas (VAERS) incluía 1.569.668 notificações de eventos adversos associados às vacinas contra a covid-19, incluindo 35.487 mortes, 27.229 notificações de miocardite e pericardite e 20.184 notificações de ataque cardíaco”, salientando a credibilidade desta base de dados por, antes da pandemia, 86% dos registos serem “preenchidos por pessoal médico ou fabricantes de vacinas e apenas 14% foram feitas pelo paciente ou pela sua família.”

    Citando já vasta bibliografia científica, os autores começam por elencar uma série de potenciais efeitos adversos: “Existe uma alta probabilidade de uma ligação causal entre a vacinação com mRNA contra a covid-19 e a miocardite, a doença neurodegenerativa, a trombocitopenia imunológica, a paralisia de Bell, a doença hepática, a imunidade adaptativa prejudicada, a resposta prejudicada a danos no ADN e a tumorigénese. Além disso, um estudo recente descobriu que a vacinação repetida contra a covid-19 com vacinas baseadas em mRNA leva à produção de concentrações anormalmente elevadas de anticorpos imunoglobulina G4 (IgG4). Estes anticorpos podem não conseguir neutralizar a proteína spike, que demonstrou circular durante pelo menos 28 dias, causar supressão imunitária e promover o desenvolvimento de doenças autoimunes, incluindo miocardite.”

    Passada a histeria pandémica – promovida por governos, imprensa e peritos associados a farmacêuticas –, não há hoje nenhum investigador sério que possa auto-censurar-se ou aceitar censura sobre as vacinas contra a covid-19, que não queira questionar(-se), que não apele à investigação, que prescinda em reclamar a necessidade de se apurar a verdade sem dogmas nem preconceitos, sobretudo se surgirem sinais de preocupação. Há um pouco menos de dois anos, o PÁGINA UM fez uma breve resenha histórica de 10 fármacos concebidos para tratar de doenças, mas que correram mal. Muitos até salvaram vidas, embora tenham sido retirados do mercado por falhas de segurança ou desaconselhados a determinadas pessoas face à relação benefícios-danos potenciais. Em muitos casos, a descoberta de problemas de segurança deve-se ao trabalho meticuloso (e odiado pelos visados) do jornalismo de investigação.

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    Foi sempre essa a minha postura como jornalista e como director do PÁGINA UM face às vacinas contra a covid-19: pesquisar e questionar, procurando o rigor. Sobre as reacções adversas das vacinas, o PÁGINA UM foi o único órgão de comunicação social português que procurou ter acesso à base de dados das reacções adversas (Portal RAM), não para especular nem para mentir, mas para relatar com verdade. Um jornalista não deve nem endeusar nem diabolizar. Até agora não o conseguimos, porque o Infarmed recusa e o caso está ainda nos tribunais administrativos. Tudo aquilo que tenho escrito como jornalista – mesmo quando opino – baseia-se sempre em artigos ou, como sucedeu já no ano passado, com uma análise (morosa) à base de dados da Eudravigilance, gerida pela Agência Europeia do Medicamento, incorporando artigos científicos, sempre artigos científicos publicados em revistas científicas.

    Ora, mas em Portugal, isso não basta a um jornalista. Se se sair da “linha oficial”, sai a ‘polícia dos costumes’, ou do costume.

    Não basta a um jornalista – se tivermos, como temos, empresários ao serviço das farmacêuticas, como sócio da Terras & Froes, pneumologista a ‘tempo parcial’ no Serviço Nacional de Saúde mas com tempo para  fazer uma queixa a um regulador que, por sua vez, está desejoso de tirar desforço de um órgão de comunicação social independente que, em diversas ocasiões, já provou que esse regulador anda ‘a ver navios’ ou é conivente com a promiscuidade entre media, Estado e empresas.   

    Ora, ontem, para meu espanto, enviaram-me um post no mural do Facebook do Doutor Filipe Froes, onde ele, felicíssimo, “a propósito de duas publicações intituladas ‘Efeitos adversos: este ano há quase nove mortes por dia associadas às vacinas da covid-19 na Europa’, de 5 de maio de 2023, e ‘Mortes súbitas: vacinas contra a covid-19 associadas a 1.241 casos na Europa’, de 11 de agosto de 2023” – ambas da minha autoria –, partilhava as conclusões da Deliberação ERC/2024/80 (CONTJOR-NET), aprovada a 7 de Fevereiro passado – e da qual eu ainda não tivera sequer conhecimento nem formal nem informal.

    Filipe Froes, o queixoso, fez gala da deliberação da ERC antes mesmo de esta ter sido enviada ao PÁGINA UM.

    Diga-se que a queixa foi apresentada ou assumida pela ERC como uma queixa anónima – como convém.

    Ora, só hoje me chegou formalmente, e por ter sido solicitada à ERC – a decência não os levou a enviá-la antes do meu pedido – a dita deliberação. E a conclusão a retirar é que a infâmia dos membros do Conselho Regulador (Helena Sousa, Pedro Correia Gonçalves, Telmo Gonçalves, Carla Martins e Rita Rola) não tem limites e desta vez será resolvida nos bancos dos tribunais. Serão acompanhados pelo Doutor Filipes Froes. Todos por injúria e por difamação.

    Vejamos: a ERC até chega, no ponto 30 da sua infame deliberação, a listar as “fontes de informação” que usei: 1) a base de dados Eudravigilance; o documentário Died Suddenly [o que até é falso; refiro que “as mortes súbitas associadas às vacinas contra a covid-19 não serão certamente tão frequentes como apontou há dois anos o documentário Died Suddenly, mas não são zero. Nem meia dúzia.”, ou seja, está longe de ser uma fonte]; 3) a revista científica Vaccines; 4) um editorial na revista científica Journal of American Physicians and Surgeons do Verão de 2023; 5) o banco de dados PubMed da Biblioteca Nacional de Medicina; e 6) o relatório de farmacovigilância da vacinação contra a covid-19 do Infarmed.

    Convém salientar que ambas as notícias se basearam em pesquisas morosas e detalhadas na Eudravigilance. No caso da segunda notícia foi analisados, durante três dias, os registos individuais de 914.536 reacções adversas expostas no portal do EudraVigilance, tendo-se sido identificados 1.241 registos de mortes súbitas, todas indicadas por farmacêuticas ou reguladores, ou seja, depois de previamente ‘triados’ para apurar uma associação com a vacina.

    Este foi uma das tabelas apresentadas no artigo de 11 de Agosto, através de uma análise exaustiva dos dados da EudraVigilance, onde se conseguiu apurar o número de mortes súbitas associadas à vacinação contra a covid-19 (por vacina e por ano).

    Porém, para a ERC eu cometi um crime capital – para além de ter incluído uma fotografia de Tedros Ghebreyesus “a rir para a câmara” e outra uma “avestruz com a cabeça enfiada na terra”, bem como de usar “adjetivação muito marcada”, “substantivos conotados” e uma “expressão em castelhano” sobre a existência de bruxas. E esse erro capital é o seguinte, textualmente: “O ângulo adotado pelo Página Um de que a vacina anti-COVID-19 é a provável causa das mortes súbitas leva à reiteração de que a sua segurança para a saúde pública deve ser investigada pelos governos e autoridades”.

    Isto mesmo: perante o silêncio de um Governo e de um regulador dos fármacos (Infarmed), que escondem informação e não investigam (lembram-se do relatório do excesso de mortalidade prometido por Marta Temido em Agosto de 2022?), a ERC acha inadmissível que um jornalista queira que a questão da segurança das vacinas seja investigada.

    Pior, a ERC diz que cometo uma “falta de rigor informativo, sobretudo pela insuficiência na demonstração de um nexo de causalidade entre a toma das vacinas e as mortes e na ausência de fontes de informação diversificadas, que permitiriam a apresentação de perspetivas contrastantes sobre o tema”. Estamos a falar de membros de um regulador que têm um nível de formação em epidemiologia, em análise de base de dados em Saúde Pública ou em estatística similar à de uma batata. Ou de uma barata.

    Até o uso de uma avestruz numa foto é criticada pela ERC, que diz “indicia[r] uma conduta em que se deixa de lado qualquer dever de isenção”.

    Não deixa, aliás, de ser curiosa esta interpretação da ERC relativamente a “perspectivas contrastantes sobre o tema”. Por exemplo, quando o Doutor Filipe Froes falava profusamente na imprensa sobre os benefícios das vacinas, nunca vi a ERC preocupada por a generalidade dos jornalistas nunca falar sobre os riscos-benefícios (a começar nos menores de idades) nem sobre os seus conflitos de interesse com farmacêuticas. Também agiram contra órgãos de comunicação social que deram eco às opiniões do Doutor Filipe Froes (e outros ‘delegados de propaganda médica’) sobre medicamentos de farmacêuticas onde ele trabalhava, e que mais tarde foram suspensos por ineficazes ou por falhas de segurança? Será que só há falta de rigor quando não se endeusa um fármaco do agrado do Doutor Filipe Froes ou das senhoras e dos senhores da ERC indicados pelo PS e pelo PSD?

    Será que os jornalistas que falaram noutros casos de fármacos com problemas, deveriam sempre ‘equilibrar’ com os benefícios obtidos? Por exemplo, o DDT trouxe benefícios; deve falar-se dos benefícios. Os CFC também; deve enquadrar-se com os benefícios. A talidomida idem; deve falar-se da maioria das grávidas que passaram a gravidez sem enjoos e com filhos perfeitos. Ou até, se falarmos da vacina contra a covid-19 da Astrazeneca (uma farmacêutica cliente do Doutor Froes) que foi suspensa pelas autoridades da Suécia, da Noruega e da Finlândia por razões de segurança em Outubro de 2021, deve-se destacar que, mesmo assim, salvaram vida (e se calhar até muitíssimas mais do que aquelas que mataram)?

    O resto da deliberação da ERC é um chorrilho de tiques da Outra Senhora, onde os ditos infames ‘conselheiros’ acham que devem tecer considerações sobre estilos jornalísticos, focando a alegada “ausência de uma clara demarcação entre factos e opinião”, o que parece ridículo porque conseguem identificar bem, nos meus textos jornalísticos, aquilo que são factos e aquilo que é a interpretação de factos (opinião). Bem sei que o regulador – e os políticos – apreciam um jornalista que não interprete os factos na notícia, mas uma coisa é não apreciarem na sua cabeça; outra é, de forma infame, considerarem isso uma falha jornalística. A ERC não tem um poder regulatório sobre estilos.

    O uso de uma foto pelo PÁGINA UM no artigo de Maio do ano passado também foi criticada pela ERC por “estar a rir para a câmara”.

    Termino com uma citação do artigo da ESC Heart Fail (página 12) e a promessa de que a ERC, o Doutor Filipe Froes e outras ‘indecentes e más figuras’ não me calarão, e os verei em tribunal para defender a minha honra:

    Um excesso de mortes não causadas pela COVID-19 foi identificado em todo o mundo após o início dos programas de vacinação em massa contra a covid-19, indicando a presença de uma nova exposição prejudicial entre as populações. Pantazatos e Seligmann extrapolaram que os relatórios do VAERS são subnotificados por um fator de 20. Quando este factor se aplica à contagem do relatório de óbitos no VAERS de 16 de Junho de 2023, que é de 35.487, o número de mortes nos Estados Unidos e em outros países que usam o sistema VAERS passa a 709.740. Deve ter-se em conta que esta extrapolação é uma estimativa geral e pode não ser precisa. No entanto, se um número considerável de mortes for confirmado, as vacinas contra a covid-19 constituiriam o maior desastre de segurança biológica da História da Humanidade”.

    Não sei se será, mas é a obrigação de um jornalista procurar saber, investigando. Até para que possa sossegar os leitores se não houver afinal qualquer problema relevante. É essa a função do jornalismo.


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  • Da queda de Sócrates até ao domínio de Passos Coelho

    Da queda de Sócrates até ao domínio de Passos Coelho


    Na Hora Política do PÁGINA UM, a rubrica As nossas eleições, uma animada e descontraída conversa, mas bem informada, entre Frederico Duarte Carvalho e Pedro Almeida Vieira sobre os sufrágios no Portugal democrático. Neste 10º episódio fala-se da queda do segundo Governo de José Sócrates, e da vitória de Passos Coelho que, em coligação governamental, sobe a primeiro-ministro após as eleições de 2011.

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  • Administração Central do Sistema de Saúde mente: não há jurisprudência do Tribunal de Contas sobre ‘contratos perpétuos’

    Administração Central do Sistema de Saúde mente: não há jurisprudência do Tribunal de Contas sobre ‘contratos perpétuos’

    “A jurisprudência invocada não existe” – é assim, de forma taxativa, que o Tribunal de Contas põe por terra os argumentos (falsos) da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) que tem um contrato desde 1994, no tempo de Cavaco Silva, com a sociedade de advogados BAS, em cujo escritório tem ‘residência profissional’ Diogo Lacerda Machado, o amigo de António Costa no epicentro da Operação Influencer. A ACSS insiste na legalidade do processo, agora usando outros argumentos, e diz ainda que coloca os contratos no Portal Base, mas sem os expor ao público, uma atitude surpreendente se considerarmos que essa plataforma serve apenas para uma coisa: informar o público.


    O Tribunal de Contas nega que haja qualquer jurisprudência sobre a possibilidade de renovações contratuais sem limite de tempo como o contrato ‘perpétuo’ da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) com a sociedade de advogados BAS, onde Diogo Lacerda Machado – o amigo de António Costa que está no epicentro da Operação Influencer – tem o seu escritório. A reacção do Tribunal de Contas, hoje enviada no decurso de uma notícia de ontem no PÁGINA UM, permite assim concluir que esta entidade tutelada pelo Ministério da Saúde, e presidida por Victor Herdeiro, usou um argumento falso para continuar a manter uma avença mensal de serviços jurídicos desde 17 de Fevereiro de 1994, ainda no tempo do Governo de António Costa. O contrato está, assim, à margem da lei.

    De acordo com a informação ontem revelada, a ACSS justifica a contínua renovação do contrato com a BAS – que representa esta entidade num diferendo com o PÁGINA UM para tentar não cumprir uma acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de acesso a uma base de dados de internamentos hospitalares – “com base em jurisprudência do Tribunal de Contas”, que alegadamente determinaria que os contratos celebrados ao abrigo de um diploma de 1999 não estariam sujeitos a qualquer limite de vigência.

    Um argumento que se revela completamente falso.

    Victor Emanuel Marnoto Herdeiro, presidente da ACSS.

    Fonte oficial do Tribunal de Contas, presidido pelo juiz conselheiro José Tavares, foi peremptória, quando solicitada a comentar a informação integral da ACC: “A jurisprudência invocada não existe”, acrescentando que, “pelo contrário, a jurisprudência do Tribunal em matéria de contratação pública é no sentido de procedimentos concursais, regularmente renovados”. E adianta ainda que “os contratos em causa [que se iniciaram antes do Código dos Contratos Públicos] estão sob o controlo do Tribunal de Contas, embora não sujeitos a fiscalização prévia até ao montante de 750.000 euros”. O contrato com a sociedade BAS é de 54 mil euros por ano.

    Mais do que este caso, a existência desta interpretação pela ACSS à margem da lei indicia que possam existir muitos mais casos de contratos públicos de prestação de serviços teoricamente vitalícios na Administração Públicas, escondidos até do Portal Base. Conforme o PÁGINA UM revelou ontem, ninguém na Administração Pública sabe (ou quer dizer) quantos procedimentos destes existem e quais os montantes.

    Instada a comentar as declarações taxativas do Tribunal de Contas – e sem margem para outras interpretações –, ou seja, não há jurisprudência que sustente a renovação do contrato ‘perpétuo’ com a sociedade de advogados BAS, a ACSS insiste na legalidade da contratação. Numa longa argumentação, a entidade presidida por Vitor Herdeiro diz ser “absolutamente legítima a contratação (sucessiva) de serviços jurídicos de patrocínio judiciário (objeto deste contrato) por ajuste direto, independentemente do valor”, argumentando com interpretações de uma sentença do Tribunal de Contas que não se aplica ao caso em concreto, e invocando mesmo uma directiva que também não se aplica.

    Informação que renova novamente um contrato de avença entre a ACSS e a sociedade BAS que começou no Governo de Cavaco Silva invoca jurisprudência do Tribunal de Contas como fundamento. A jurisprudência não existe.

    Por exemplo, no caso da directiva referida pela ACSS (Diretiva 77/249/CEE do Conselho), refere-se que existe uma excepção na contratação de serviços jurídicos para os casos de uma “arbitragem ou conciliação realizada num Estado-Membro ou num país terceiro ou perante uma instância internacional de arbitragem ou conciliação, ou — em processos judiciais perante os tribunais ou autoridades públicas de um Estado-Membro ou de um país terceiro ou perante tribunais ou instituições internacionais”, ou ainda em casos de “aconselhamento jurídico prestado em preparação” de determinados processos” de qualquer dos processos referidos na subalínea i) da presente alínea, “, ou ainda “ou “quando haja indícios concretos e uma grande probabilidade de a questão à qual o aconselhamento diz respeito se tornar o objeto desses processos, desde que o aconselhamento seja prestado por um advogado”. Ora, para a ACSS, a sociedade de advogados BAS tem sido a representante legal desde 2022 no processo que corre no Tribunal Administrativo de Lisboa, intervindo em processos que exigem um contrato regular.

    A ACSS diz ainda que, como o contrato com a BAS é anterior ao Código dos Contratos Públicos, “tem procedido ao registo de todos os procedimentos na plataforma [de contratação pública], mas os mesmos não são visíveis para o público”. Mas não explica a fundamentação legal nem o motivo ético para não os colocar acessíveis no Portal Base, sabendo-se que esta plataforma foi concebida com um único e singelo objectivo: a transparência da gestão pública – algo que, tudo indica, não integra os pergaminho do conselho directivo da ACSS, a começar por invocar, como verídica, jurisprudência do Tribunal de Contas que não existe. Mas, em Portugal, aparentemente, isso (ainda) pode fazer-se sem penalizações.


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  • Perpétuo obscurantismo: ainda há contratos com o Estado por tempo indeterminado, mas ninguém sabe quantos são nem quanto valem

    Perpétuo obscurantismo: ainda há contratos com o Estado por tempo indeterminado, mas ninguém sabe quantos são nem quanto valem

    Obscurantismo mais obscurantista não há. O Código dos Contratos Públicos já tem 15 anos, mas ainda perdura um número indeterminado de avenças e outras relações comerciais que fogem a todas as regras da transparência e livre concorrência, perpetuando-se no tempo, sem sequer caírem no ‘radar’ do Portal Base. O PÁGINA UM descobriu uma estranha avença entre a sociedade de advogados BAS – onde ainda tem assento Lacerda Machado, o amigo íntimo de António Costa no epicentro da Operação Influencer – e a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS), que começou no dia 17 de Fevereiro de… 1994. Ou seja, fez há dias 30 anos. Ninguém no sector do Estado sabe dizer quantos contratos desta natureza ainda existem, nem a razão para persistirem, porque as renovações nem sequer são obrigatórias.


    Há um número indeterminado de contratos públicos de prestação de serviços teoricamente vitalícios na Administração Públicas, escondidos até do Portal Base, mas ninguém sabe quais os montantes nem sequer se existe uma fundamentação legal para se perpetuarem. São contratos ‘invisíveis’, completamente fora do ‘radar’ da fiscalização pública e até do Tribunal de Contas.

    Esta conclusão é obtida depois do PÁGINA UM ter identificado uma prestação de serviços jurídicos entre a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e a sociedade de advogados BAS que perdura desde 1994, mas sem que essa relação contratual seja assumida através de um contrato público formal divulgado no Portal Base.

    Time and Money

    Foi apenas após um pedido expresso do PÁGINA UM à ACSS para consultar os eventuais contratos de serviços jurídicos prestados pela BAS, recorrendo à Lei do Acessos aos Documentos Administrativos (desta vez sem necessidade de apresentar intimação em tribunal administrativo) que foi assumido que aquela sociedade de advogados tem vindo a beneficiar de sucessivas renovações de “um contrato de avença para acompanhamento judicial dos processos em que este Instituto [ACSS] é parte, celebrado em 17.02.1992 [17 de Fevereiro de 1994] e que foi objecto de adicionais (nos anos de 1998 e 2008) e de adendas sucessivas que prorrogam o prazo de execução”.

    Esta situação consta de uma informação de Janeiro passado escrita por uma técnica superior da ACSS, consultado pelo PÁGINA UM, com vista à autorização da despesa e aprovação da minuta de adenda da renovação deste patrocínio judiciário – e que tem permitido, por exemplo, à ACSS manter em ‘despique’ jurídico o legítimo acesso à base de dados dos internamentos hospitalares, mesmo depois de o PÁGINA UM ter conseguido vitórias sucessivas, incluindo um acórdão do Supremo Tribunal Administrativo.

    Recorde-se que é nas instalações da sociedade de advogados BAS que se mantém, ainda hoje, o endereço profissional de Diogo Lacerda Machado, o amigo de António Costa que está no epicentro da Operações Influencer. Isto apesar de a BAS ter negado já em 2016 não ter relações com Lacerda Machado, quando foram noticiados contratos ganhos a entidades associadas ao Ministério da Saúde, mas a ligação ao escritório manter-se quando implodiu a Operação Influencer. Desde Novembro do ano passado, as ligações formais mantêm-se de pedra e cal, tanto mais que o registo do endereço não é um pro forma; é uma obrigação imposta pela Ordem dos Advogados, tanto aos advogados como às sociedades.

    Contrato de avença entre a ACSS e a sociedade BAS começou no Governo de Cavaco Silva, passou pelos de António Guterres, de Santana Lopes, de José Sócrates, de Passos Coelho e de António Costa. São 30 anos de avença sem sequer ser revelado no Portal Base. Caso único? Ninguém sabe. Ou melhor: ninguém quer saber.

    Para justificar esta avença – que em 2023 atingiu os 54.000 euros, pagos mensalmente –, a ACSS argumenta com uma alegada “jurisprudência do Tribunal de Contas” que determinará que “os contratos celebrados ao abrigo do Decreto-Lei nº 197/99, de 8 de junho [anterior ao actual Código dos Contratos Públicos de 2008], não estão sujeitos a qualquer limite de vigência”.

    Mas existe um outro problema com estes ‘contratos perpétuos’, para além da evidente violação do princípio da livre concorrência: na verdade, estas prestações de serviços estarão a ser ocultados na actual plataforma da contratação pública, o Portal Base.

    De acordo com a informação da ACSS, e outros documentos consultados, a renovação deste contrato com a BAS, através de um parecer prévio vinculativo do Governo, tem sido sistematicamente deferido tacitamente – ou seja, autorizado por ausência de resposta – e depois também tacitamente aprovado pela Secretaria de Estado da Saúde. E nada disto é depois remetido para o Portal Base.

    Sobre esta matéria, a resposta do Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC) – a entidade responsável pela gestão do Portal Base – é completamente dúbia e completamente evasiva. Apesar de questionado pelo PÁGINA UM sobre se o caso concreto das renovações sucessivas da avença com a BASA deveria ou não ser inserido naquela plataforma pública, aquele instituto diz apenas que o actual Código dos Contratos Públicos “não se aplica a prorrogações, expressas ou tácitas” em procedimentos que tenham sido iniciados “previamente à data de entrada em vigor daquele”, ou seja, em 2008.

    Sociedade BAS tem sede no Pátio Bagatela, em Lisboa, exactamente no mesmo edifício e andar onde Diogo Lacerda Machado tem o endereço profissional activo.

    E acrescentando ainda que “o Portal dos Contratos Públicos constitui um espaço multifuncional destinado a disponibilizar a informação sobre a formação e a execução dos contratos públicos sujeitos às regras de formação ou execução”, pelo que “assim, todos os contratos celebrados após a entrada em vigor do CCP devem ser registados no Portal BASE”, não respondendo explicitamente se aqueles que se prolonguem por adendas artificiosas não devem ser considerados novos contratos. Saliente-se que são proibidos ‘contratos perpétuos’ no actual Código dos Contratos Públicos e limites de vigências.

    Além de tudo isto, ninguém sabe quantos contratos, além daquele detectado pelo PÁGINA UM, andam aí a circular sem sequer serem ‘apanhado no radar’ do Portal Base, tanto mais que o IMPIC também não respondeu se tinha conhecimento de casos similares.

    O PÁGINA UM sabe também que, até final de 2020, existia forma de conhecer, pelo menos no caso concreto das prestações de serviços jurídicos, quais os contratos estabelecidos pela Administração Pública, uma vez que estavam sujeitos ao parecer prévio do Centro de Competências Jurídicas do Estado (JurisAPP), que começou a funcionar em 2018.

    Cockroach Lying on Its Back on the Ground

    Contudo, mesmo para o curto período em que havia necessidade de parecer prévio, a directora da JurisAPP, Virgínia Silva, admite que entre 2018 e 2020 muitos contratos de avença jurídica “possam não ter sido enviadas a parecer prévio [as] renovações de avenças nos casos em que a entidade contratante” tenha feita outra interpretação sobre a obrigatoriedade, “escapando tal facto ao controlo ou escrutínio deste Centro”.  

    Ou seja, obscurantismo mais obscurantista não há. O PÁGINA UM detectou um contrato de uma longa vida de 30 anos com outras tantas renovações. Pode ser só este? Claro que sim; é uma hipótese com um certo grau de probabilidade. Ou podem ser milhares; também com um certo grau de probabilidade. Mas, neste caso, misturando a lei das probabilidades com o empirismo tende a acreditar-se que os contratos sem limite temporal (e bem escondidos) sejam tantos quantas as baratas que realmente existem num imundo compartimento cheio de mobiliário quando vemos uma a passear-se descontraidamente pelo soalho, e a pisamos. Percepcionamos, nessa altura, que centenas, senão milhares, nos miram pelas frinchas. Talvez seja mesmo aquilo que sucede, mas com uma diferença: ninguém quer saber quantas são nem parece estar interessado em ‘fumigar’ estes contratos ‘vitalícios’.


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  • O lamaçal de António Araújo, colunista do DN e administrador da Fundação Francisco Manuel dos Santos

    O lamaçal de António Araújo, colunista do DN e administrador da Fundação Francisco Manuel dos Santos


    O historiador António Araújo ostenta, como nota curricular de particular destaque, ter sido assessor político de Cavaco Silva e de Marcelo Rebelo de Sousa, algo que lhe deveria conceder o opróbrio dos outros, ou então o recato do próprio, quando se decide a falar dos actos dos demais.

    Ora, mas António Araújo arrojou-se, desde há uns tempos, em chafurdar na intimista vida de figuras públicas, tecendo longos perfis sob a forma de coluna no Diário de Notícias, onde, supostamente com um olhar clínico de historiador, vai dissecando virtudes e polémicas dos visados, mas com a verve bem afiada nos supostos defeitos, nos quais ele, olimpicamente, e no alto da sua cátedra de puro sem mácula, dá as suas bicadas.

    man lying on green grass soaked with mud

    Já eu ficara com olhos de esguelha quando, há uma semanas, António Araújo traçou um perfil de Fernando Nobre, enlameando as posições (legítimas) deste notável médico sobre a pandemia, que contrariavam uma narrativa (corrente) e unanimista (imposta), e que resultou em perseguições de clínicos e muitos outros especialistas, e que deveriam envergonhar uma qualquer democracia.

    Porém, ontem, António Araújo foi ainda mais longe; longe demais. Não apenas por usar o mesmo estilo de bota-abaixo, a conspurcar, no mínimo de forma deselegante, o perfil de mais uma pessoa notável – Clara Pinto Correia – como, à boleia, quis conspurcar o PÁGINA UM.

    Vejamos um trecho desta lamentável prosa de António Araújo:

    Depois, por uma cruel sucessão de desastres, uns próprios, outros alheios, a fama cobriu-se de lama, Clara entrou em perda e em queda, despenhou-se dali abaixo – e hoje é colunista do Página Um”.

    Eu sei que gente como António Araújo vive numa bolha, onde todos se consideram a melhor bolacha do pacote. Mas… que coisa é esta: a “fama” de Clara Pinto Correia “cobriu-se de lama” e “despenhou-se dali abaixo” e a tal ponto que “hoje é colunista do Página Um”?! Não ficava António Araújo satisfeito em atirar ‘apenas’ lama a uma pessoa, ao melhor estilo misógino, e quis meter ainda no seu lamaçal um projecto como o PÁGINA UM a mim e a mais uns quantos bons punhados de pessoas muito válidas –, que trouxe uma lufada de ar fresco à putrefacta lusa imprensa?

    O PÁGINA UM é um modelo daquilo que deveria ser um órgão de comunicação social:  independente, na essência e na prática quotidiana. Vive com o apoio exclusivo dos seus leitores, não tem publicidade nem parcerias comerciais com entidades públicas ou privadas, não tem dívidas ao Estado nem empréstimos bancários. E faz investigações sem complexos; e tem muitos mais processos de intimação, junto dos tribunais administrativos, para obtenção de informação escondida por entidades públicas do que TODA a outra comunicação social.

    Será o PÁGINA UM algo tão baixo para se ser colunista? Ou será o PÁGINA UM, antes, um órgão de comunicação de excelência para, sem falsos puritanismos, aproveitar o melhor que uma cronista da qualidade da Clara Pinto Correia pode dar?

    Mas afinal, quem é hoje António Araújo, e onde é ele colunista?  

    É colunista de um vetusto jornal que, perdida a glória de antanho, vende agora menos de 1.200 exemplares em banca.

    É colunista de um vetusto jornal que integra um grupo ainda dominado por um fundo manhoso das Bahamas, sendo que a sede do accionista maioritário é uma caixa de correio de um cowork no Saldanha.

    É colunista de um vetusto jornal que integra um grupo que deve 7,5 milhões de euros ao Fisco.

    É colunista de um vetusto jornal que integra um grupo com prejuízos de 50 milhões de euros desde 2017.

    É também António Araújo –  além de colunista do Diário de Notícias, onde expele puritanismos de cátedra –  um dos membros executivos do Conselho de Administração de uma fundação que compra jornalistas – ou dá-lhes dinheiro – para elaborarem à peça, para o seu site, supostos artigos noticiosos independentes, supostas entrevistas independentes, supostas moderações de debates independentes e promoção de supostos podcasts independentes, numa promiscuidade inqualificável, nas barbas da ERC e da CCPJ, e que tem contribuído para a degradação da credibilidade da imprensa.

    É também António Araújo –  além de colunista do Diário de Notícias, onde expele puritanismos de cátedra –  um dos membros executivos do Conselho de Administração de uma fundação que olha para a imprensa meramente como um ‘parceiro de negócios’, para si e para o seu ‘patrono’ (a Jerónimo Martins), a tal ponto que tem o descaramento de quantificar, em euros, o produto das notícias (boas, claro) que sobre si são feitas.

    Para não haver dúvidas, citemos o último parágrafo do relatório de actividades de 2022 da dita Fundação – que ainda por cima quer tornar-se um think tank, talvez com a ajuda dos jornalistas e órgãos de comunicação social a quem vai pagando:

    As atividades da Fundação geraram 4.813 notícias, mais 10% do que em 2021, que originaram um AAV (Automatic Advertising Value) de 157 milhões de euros, mais 80% do que no ano anterior. Além deste crescimento, a Fundação atingiu o terceiro lugar no que respeita à notoriedade das Fundações, ultrapassando a Fundação Mário Soares, que ocupava anteriormente esse lugar”.

    Portanto, quando António Araújo voltar a falar em Clara Pinto Correia ou no jornalismo do PÁGINA UM, tenha alguma noção. A começar pela noção do ridículo. A acabar pela noção de humanidade. Clara Pinto Correia não está no fundo; nem estará, certamente, enquanto colaborar no PÁGINA UM. Ao contrário do António Araújo, de quem – e parafraseando Nietzsche, que ele até cita de forma infamemente cruel no vil perfil deste domingo no Diário de Notícias – não se espera qualquer renovação nem que o metam antes em cinzas.

    N.B. Este editorial foi escrito antes sequer de falar com a Clara Pinto Correia sobre este assunto.


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  • Portimonense 4.0

    Portimonense 4.0


    Um cronista tem, sobre si, qual espada de Dâmocles, um temor: o bloqueio da folha em branco, consequência (supondo que o cronista sabe escrever) do bloqueio de assunto. Nem sempre calha ter tema inicial para o jogo que venho aqui assistir (se bem que ninguém precise de mim, embora até agora esta Da Varanda da Luz esteja a manter o Benfica invencível).

    Começar sempre com o quimérico 15-0 também já aborrece, exactamente por parecer que o introduzo por falta de matéria. Falar do farnel ofertado também já se mostra maçante, pese embora hoje tenha variado; trocaram a barrita de cereais por um chocolate Mars, e saiu uma banana na vez de uma maçã. Por isso, olhem, começo a desejar que hoje o Benfica consiga ‘desentupir’ o jogo melhor do que eu consegui desentupir, com o famoso truque da esfregona, a sanita da minha casa de banho…

    (entretanto, começa o jogo, antecedido por um minuto de silêncio em homenagem ao antigo jogador e treinador Artur Jorge, mais feliz no FCP do que aqui na Luz, que foi, além de tudo, homem erudito, coisa ainda rara na Arte da Ludopédia)

    Além disso, também espero que nenhum dos jogadores ali em campo (do Benfica, claro), esteja como eu estou hoje: no estado de alguém com mais de 25 anos de vida do que quase todos eles (sou apenas dois anos mais novo que o Roger Schmidt), e ainda por cima meio entrevado por um ‘mau jeito’ na coluna (parece que a probabilidade dos ‘maus jeitos’ aumenta com a idade, não sei bem porquê).

    Enfim, de igual modo, espero sempre que as incidências do jogo, ou algo menos normal, me auxiliem em encarreirar uma crónica que, por um lado, não me comprometa no final (por exemplo, cantar vitória logo no início, e a ‘coisa’ redundar num fracasso), e por outro não transforme isto numa coisa desenxabida, sem préstimo nem para quem é benfiquista (que os outros, presumo, nem me lêem).

    (o jogo tem sido, até agora, uma sucessão de oportunidade perdidas, quando já estão perdidos 35 minutos… para se chegar ao 15-0 teria de haver um golo em pouco mais de três minutos e meio; portanto, percamos, neste jogo, essa esperança)

    Isto não está, com efeito, nada fácil, e como tive uma tarde algo stressante, a cuidar da canalização de uma sanita, não estou a conseguir, confesso, obrar (pôr em obra, atenção!) coisa de jeito. Nem sempre sai, da pena de um escriba, palavras em jactância. Por vezes, sucede uma certa prisão… enfim, isto já está a ficar demasiado escatológico, e não no sentido teológico do termo.

    A primeira parte, neste ínterim, está a terminar, e pode ser que o intervalo me ajude a conjecturar uma melhor linha condutora para a segunda parte. E quanto ao Benfica, eu queria evitar ter de pedir uma ajuda ao Tiago Franco para comentar as perfomances do João Mário…

    (intervalo; vejo as estátisticas, enquanto oiço a Mariza Liz cantar “carrega, Benfica”: 70,3% de posse de bola. Lá carregar, carregou-se, e deu para 10 remates, mas só três a chegarem à baliza, e nenhum ao fundo das redes)

    Para animar as hostes (e, espero, como incentivo), enquantos os jogadores recarregam as ‘baterias’, homenageia-se o nadador (benfiquista) Diogo Ribeiro, medalha de ouro nos Mundiais de Natação em 50 e 100 metros mariposa. Vamos lá ver se, daqui a nada, o Benfica voa como uma mariposa, ou como soberba águia, sobre este Portimonense de trazer por casa…

    (e começa a segunda parte, com o Benfica a começar logo a porfiar… mas sem sucesso; Roger Schmidt, não referi, por não ser este o objecto principal da crónica, decidiu inventar mais do que o habitual e não meteu ainda nenhum ponta de lança: Arthur Cabral e Marcos Leonardo estão no banco, e o Tengstedt estará doente e nem convocado foi)

    Quer dizer, já passaram seis minutos nesta segunda parte, já houve dois bruaás, mas tudo está um bocado morno. Ó Roger Schmidt; queres mesmo que eu peça um comentário ao Tiago Franco para ficares com as orelhas a arder? Não te chegou esta semana o jogo lastimável com o Toulouse, que anda a lutar para não descer na Liga francesa?

    Bom, vou-te dar cinco minutos…

    (golooooooooooo…. já está! Desentupida a baliza do Portimonense: Rafa com uma trivela esquisita)

    Era isto que faltava! Agora deve ser como a minha sanita quando o truque da esfregona resultou na minha sanita.

    (goloooooooo… vai tudo; nem demorou dois minutos; numa correria desenfreada, aguentando tudo, David Neres contorna o goleiro e factura!)

    Caramba! Nem de propósito. A metáfora do desentupimento está mesmo a funcionar… Doi golos em dois minutos.

    (golooooooooooo… que é que é isto, minhas senhoras e meus senhores!!! Desentupiu-se mesmo tudo! 3-0, desta vez, Angel Di Maria, a ser diabólico para o Portimonense)

    Portanto, sem imaginar, porque estas crónicas (acredite-se ou não) são mesmo escritas em directo, não são pré-fabricadas e vão ao sabor da pena (ou dos dedos), e da minha confusa e conturbada vida, estou muito satisfeito desta imagem muito pouco, convenhamos, agradável de se imaginar: um cano cheio de, digamos assim, resíduos sólidos que não deixam sequer passar água límpida, mas tanto se pressiona, tanto se carrega, que, quando se desobstrói, o fluxo tudo leva à frente. Foi assim também neste jogo contra o Portimonense, que até está mais de branco do que de preto.

    Vitória garantida, presumo. Tudo se acalma. Nas bancadas há umas cantorias, batem-se palmas à saída do David Neres e do João Neves (para as entradas do Florentino e do Tiago Gouveia); está a ser, portanto, e afinal, uma tarde (princípio de noite) bem passada, apenas a precisar agora de mais um golito para equilibrar a crónica, que estou a acabar o segundo parágrafo.

    Ia sendo mais um, acabou em canto, mas ainda estou esperançoso que, correndo anda o minuto 73 ainda calhem mais dois golitos, para que, não se chegando ao 15-0, pelo menos que seja por causa do 1: o 1 das dezenas, claro.

    (golooooooo… enquanto eu estava agachado a meter a ficha do computador na tomada aqui da Varanda da Luz… não vi o 4-0, mas foi marcado pelo Rafa)

    O intervalo fez muito bem ao Benfica. Uma belíssima segunda parte. Tenho de dar umas bicadas ao Roger Schmidt durante o jogo, que parece que funciona. Vou tentar ver se com a ‘ameaça’ dos comentários do Tiago Franco, os jogos se desempecem.

    Acho que não há muito mais a contar. Ainda entrou o Arthur Cabral, a substituir o João Mário (para alegria, presumo, do Tiago Franco), e eu fico ainda a aguardar o golito final da praxe, enquanto arrumo as fotografias e acerto a crónica; tenho de me despachar daqui que ainda esta noite vou ter de gravar o podacast O Estrago da Nação, com o Luís e o Tiago, e meter em linha mais uns textos, que a minha vida (infelizmente) não é futeboladas.

    (e acabou; tudo fica bem, quando acaba bem… mesmo quando parecia, em determinado momento, que ia ficar a cheirar mal)


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  • Miguel Guimarães e Ana Paula Martins geriram em conta pessoal fundo solidário de 1,4 milhões pejado de irregularidades. Não se sabe onde pára auditoria prometida

    Miguel Guimarães e Ana Paula Martins geriram em conta pessoal fundo solidário de 1,4 milhões pejado de irregularidades. Não se sabe onde pára auditoria prometida

    Miguel Guimarães (ex-bastonário da Ordem dos Médicos) e Ana Paula Martins (ex-bastonária da Ordem dos Farmacêuticos) serão, no próximo hemiciclo, colegas de bancada do PSD, mas já são ‘velhos conhecidos’, a tal ponto que geriram uma conta bancária pessoal conjunta (com Eurico Castro Alves) para gerir 1,4 milhões de euros de uma angariação de fundos em 2020 durante a pandemia, com financiamento quase em exclusivo de farmacêuticas. A gestão do dinheiro em conta pessoal – e não titulada pelas duas ordens profissionais – foi uma das muitas irregularidades e mesmo ilegalidades detectadas no decurso de uma investigação do PÁGINA UM no final de 2022. A existência de facturas falsas de quase 980 mil euros na Ordem dos Médicos foi apenas um dos problemas mais graves então encontrados. Miguel Guimarães garantiu então que estava a ser concluída uma auditoria às contas pela consultora BDO, mas mais de um ano depois, não se vislumbram conclusões. Perante a recusa da Ordem dos Médicos, uma sentença do Tribunal Administrativo exige agora que o actual bastonário, Carlos Cortes, revele o contrato da auditoria com a BDO (para confirmar se existe) e provas cabais que expliquem o alegado atraso. Há meses que o PÁGINA UM insiste em saber se a Procuradoria-Geral da República está a investigar a gestão muito particular da campanha ‘Todos por Quem Cuida’, mas nunca obteve resposta.


    A gestão de um fundo de 1,4 milhões de euros de uma campanha para apoiar entidades na luta contra a pandemia da covid-19, promovida pela Ordem dos Médicos e Ordem dos Farmacêuticos a partir de 2020, estava pejada de irregularidades e mesmo ilegalidades, incluindo facturas falsas e fugas ao fisco, mas em 11 de Dezembro de 2022, em reacção às notícias do PÁGINA UM, o então bastonário dos médicos, Miguel Guimarães, garantia ao Correio da Manhã que o “fundo é à prova de bala e que foi tudo contabilizado” e que “está a ser concluída uma auditoria, pedida pelas duas ordens e pela Apifarma”.

    Catorze meses depois, sem ser conhecida publicamente qualquer auditoria – a Ordem dos Médicos garante agora nunca ter sido concluída –, o Tribunal Administrativo de Lisboa obrigou anteontem, por sentença (que incluiu também os pareceres do Colégio de Pediatria sobre vacinação de menores contra a covid-19), que a Ordem dos Médicos, agora liderada por Carlos Cortes, disponibilize ao PÁGINA UM “a cópia do contrato celebrado entre a Ordem dos Médicos e a BDO & Associados, SROC, Lda., ou os documentos que comprove a adjudicação da auditoria às atividades e contas da ação solidária ‘Todos por Quem Cuida’, e ainda as comunicações que existam e estejam na posse da Entidade Requerida de ‘onde seja possível compreender os motivos para a eventual não conclusão da auditoria’ expurgados os dados pessoais deles constantes”. A Ordem dos Médicos tem 10 dias para cumprir a sentença.

    Ana Paula Martins e Miguel Guimarães (D.R./Ordem dos Médicos)

    Na verdade, existem sérias dúvidas sobre a existência de qualquer auditoria às contas daquele fundo gerido pessoalmente por Miguel Guimarães e Ana Paula Martins (antiga bastonária da Ordem dos Farmacêuticos), ambos agora na iminência de se tornarem deputados na Assembleia da República pelo PSD. A alegada realização da auditoria serviu, numa primeira fase em 2022, para tentar convencer o Tribunal Administrativo de Lisboa, a não disponibilizar o acesso às contas e operações logísticas da campanha “Todos por Quem Cuida” então solicitada pelo PÁGINA UM. Não teve as duas ordens sucesso. Depois, com a publicação das investigações do PÁGINA UM sobre as ilegalidades e irregularidades na gestão do fundo, o anúncio da realização de uma auditoria serviu para dar uma aura de credibilidade e seriedade.

    Contudo, a existir um contrato entre a Ordem dos Médicos e a BDO & Associados, este deveria obrigatoriamente constar no Portal Base. E não está. Aliás, até à data nunca houve qualquer relação contratual entre estas duas entidades. Também entre a Ordem dos Farmacêuticos e a BDO não existem, até à data, quaisquer contratos registados na plataforma de contratação pública, como é obrigatório por lei.

    Continuam assim sem se descortinar – e aparentemente assim continuará, se a Procuradoria-Geral da República mantiver um silêncio de meses face aos pedidos sobre a existência de eventuais investigações – quaisquer consequências relativas à gestão de um fundo de solidariedade que arrecadou e geriu cerca de 1,4 milhões de euros, através de uma contabilidade paralela, uma completa ausência de declarações de transparência, várias situações de fuga ao fisco, centenas de declarações falsas com abuso de benefícios fiscais e ainda facturação falsa, tudo numa promiscuidade institucional sem limites.

    Em 11 de Dezembro de 2022, no decurso das primeiras notícias do PÁGINA UM, Miguel Guimarães garantia que o fundo era “à prova de bala”, estando a ser concluída uma auditoria. Mais de um ano depois, nem sequer existem provas de ter sido iniciada.

    Criada logo no início da pandemia em Portugal, a campanha “Todos por Quem Cuida” teve por base um protocolo assinado em 26 de Março de 2020 entre as Ordens dos Médicos e dos Farmacêuticos e a Apifarma, que apresentava toda a aparência de um fundo solidário com bons propósitos, mas numa primeira fase apenas para canalizar “contributos monetários (…) ou em espécie” de farmacêuticas para “o apoio à aquisição de equipamentos hospitalares, equipamentos de protecção individual e outros materiais necessários aos profissionais de saúde que se encontra[ssem] a trabalhar nas instituições de saúde”.

    Porém, no início do mês de Abril de 2020 – e também por via de um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais que alargava a possibilidade de benefícios fiscais por donativos aos hospitais –, as três entidades decidiram alargar o âmbito da campanha para um “fundo solidário” público, nomeando, de acordo com os documentos consultados pelo PÁGINA UM, Manuel Luís Goucha como “embaixador da iniciativa”.

    A gestão ficou a cargo de Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves, continuando a ser coadjuvados por uma comissão de acompanhamento de sete pessoas, entre representantes das duas Ordens (três, cada) e da Apifarma, com obrigação de actas de reunião. Apesar de ter sido sempre apresentada publicamente como uma campanha da sociedade civil, coordenada pelas duas ordens profissionais – que, em menos de dois meses angariara mais de um milhão de euros que teriam sido doadas pelos portugueses [as contas finais apontam para 1.422.962 euros] –, na verdade o grosso do financiamento proveio das farmacêuticas.

    Em investigação do PÁGINA UM detectou-se que a conta solidária para a campanha “Todos por Quem Cuida”, bem como os cheques que a movimentavam, tinham como primeiro titular Miguel Guimarães. Os donativos, incluindo quase um milhão de euros de farmacêuticas, nunca entraram na conta da Ordem dos Médicos, mas as facturas das compras aos fornecedores (para os bens a doar a instituições) foram contabilizadas como se daí tivessem saído verbas, apesar dos pagamentos serem feitos através da conta solidária co-titulada por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves.

    De acordo com os extractos consultados no último trimestre de 2022 pelo PÁGINA UM – por autorização obtida através de uma outra sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa –, apenas pouco mais de 38 mil euros vieram de donativos particulares, ou seja, 2,7% do total. As empresas farmacêuticas, incluindo a Apifarma, canalizaram 1.313.251 euros, ou seja, 92,3% do total. No entanto, não foi por aqui que esta campanha por uma boa causa mostrou os seus maus procedimentos.

    A génese de um vasto conjunto de irregularidades e ilegalidades envolvendo esta campanha, algumas com eventual consequência penal, começou no simples e evidente facto de a conta solidária da campanha “Todos por Quem Cuida” não pertencer nem à Ordem dos Médicos (que foi quem garantiu a logística da operação) nem à Ordem dos Farmacêuticos, apesar de serem estas entidades que pediram a autorização necessária para angariações deste género de campanhas junto do Ministério da Administração Interna.

    Na verdade, a conta foi criada, a título individual, por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. Os documentos do balcão da Portela de Sacavém da Caixa Geral de Depósitos não deixam, a esse propósito, quaisquer dúvidas sobre essa titularidade da conta solidária, sendo que nos cheques surge o nome de Miguel Guimarães, apresentando-o como “cliente há mais de 31 anos”.

    Mesmo já depois de ter abandonado funções como bastonária na Ordem dos Farmacêuticos em Fevereiro de 2022, Ana Paula Martins – que foi vice-presidente do PSD em final de mandato de Rui Rio, e esteve como administradora da Gilead nos últimos meses, até ser indigitada para administrar o centro hospitalar da região norte de Lisboa, onde se integra o Hospital de Santa Maria – manteve-se como co-titular desta conta.

    Dossiers da campanha “Todos por Quem Cuida”, contendo documentos administrativos e operacionais, que o PÁGINA UM consultou em finais de 2022 após uma outra sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa. Para obter acesso à alegada auditoria da BDO às contas, o PÁGINA UM teve de recorrer novamente ao tribunal

    Através do processo de intimação esta semana concluído com (mais) uma sentença favorável ao PÁGINA UM, sabe-se que a campanha “Todos Por Quem Cuida” – com entradas e saídas de dinheiro através da conta aberta e gerida por Miguel Guimarães e Ana Paula Martins – ainda se mantém activa, porque um remanescente de dinheiro serviu em Dezembro de 2023 para co-financiar prémios de investigação. Contudo, o actual bastonário não esclareceu ainda o PÁGINA UM se os titulares da dita conta continuam a ser os dois futuros deputados do PSD e Eurico Castro Alves, que foi secretário de Estado da Saúde no curto segundo mandato de Passos Coelho em 2015 e é agora presidente da secção regional do Norte da Ordem dos Médicos.

    Em qualquer caso, sendo evidente que a conta bancária solidária – que recebeu e geriu os cerca de 1,4 milhões de euros – surgiu uma questão nunca esclarecida até agora. Desde 6 de Março de 2020 – dia do primeiro depósito na conta titulada por Guimarães, Martins e Castro Alves – foram contabilizados 41 donativos superiores a 500 euros, totalizando 1.394.017 euros. Sendo legais esses donativos a particulares [na sua génese, o PÁGINA UM, antes de passar a ter gestão empresarial, funcionou com base em donativos de leitores endereçados ao seu director], para valores acima de 500 euros não se aplica a Lei do Mecenato, pelo que deveriam ser declarados à Autoridade Tributária os montantes desses 41 donativos, sendo exigível o pagamento de imposto de selo de 10% do montante total. Ou seja, Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves deveriam ter pagado solidariamente à Autoridade Tributária cerca de 139 mil euros.

    Nos documentos então consultados pelo PÁGINA UM não consta qualquer menção a esse pagamento, sempre exigível a particulares independentemente do bom propósito da campanha. E também nos extractos bancários consultados e fotografados pelo PÁGINA UM, não há qualquer transferência para a Autoridade Tributária.

    Conta bancária da campanha, para onde seguiram os donativos das farmacêuticas, de outras empresas e de particulares, foi aberta no dia 2 de Abril de 2020, em nome de Miguel Guimarães (como titular principal), Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves. Todos os pagamentos da campanha foram efectuados através desta conta.

    Nenhum dos três visados prestou então esclarecimentos ao PÁGINA UM sobre esta matéria. Note-se que os restantes 48.945 euros amealhados pela conta solidária não têm aquela obrigação, porque se referem a transferências de valor igual ou inferior a 500 euros. Nestes casos, são considerados “donativos conforme os usos sociais”.

    Mas houve mais declarações em falta, que ainda se mantêm hoje – e aqui com repercussões mais de índole ética. Como Miguel Guimarães e Eurico Castro Alves são médicos e Ana Paula Martins é farmacêutica, as empresas farmacêuticas beneméritas tinham a obrigação de declarar os montantes doados no Portal da Transparência e Publicidade do Infarmed, identificando os beneficiários, que os deveriam validar. Esta obrigação manter-se-ia mesmo se tivessem sido as Ordens a receber os donativos.

    A gestão financeira do fundo esteve também pejada de irregularidades e mesmo de facturação falsa, para se encaixar num esquema que beneficiaria fiscalmente as farmacêuticas doadoras e criando condições para um ‘saco azul’ na Ordem dos Médicos de quase 980 mil euros, porque houve facturas da campanha a entrar na contabilidade desta entidade sem correspondente saída de dinheiro, uma vez que as despesas eram pagas através da conta pessoal titulada por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves.

    Na consulta à documentação contabilística da campanha “Todos por Quem Cuida”, então consultada no final de 2022, o PÁGINA UM identificou 34 facturas no valor total de 978.167,15 euros que entraram assim na contabilidade da Ordem dos Médicos (pela aquisição de equipamento de protecção individual, câmaras de entubamento e ventiladores), mas sem que esta entidade tenha alguma vez feito qualquer pagamento. Ou seja, sem saída de dinheiro de qualquer conta pertencente à Ordem dos Médicos.

    As facturas assumidas pela Ordem dos Médicos, mas que foram afinal pagas com a conta solidária (à margem da Ordem dos Médicos) podem ser consultadas AQUI.

    O actual bastonário da Ordem dos Médicos, Carlos Cortes (segundo a contar da direita), garantiu no processo de intimação no tribunal que ainda há dinheiro do fundo “Todos por Quem Cuidar” a ser gasto, mas não diz se os titulares originais se mantêm (Foto: D.R./ Ordem dos Médicos)

    Sendo legal que um terceiro possa proceder ao pagamento de facturas de uma determinada entidade – ou seja, era legítimo que Guimarães, Martins e Castro Alves usassem a sua conta solidária para saldar as compras dos géneros a doar –, essa informação teria, porém, de constar na contabilidade da Ordem dos Médicos. Como tal não sucedeu – ou pelo menos, não foi apresentado ao PÁGINA UM qualquer documento comprovativo –, na prática significa que a Ordem dos Médicos foi acumulando despesas – até chegar aos 978.167,15 euros – sem ter saído qualquer verba dos seus cofres.

    Esse ‘crédito informal’ criou condições, pelo menos em teoria, para se formar um ‘saco azul, ou mesmo um desvio de verbas. Para tal, bastaria que responsáveis da Ordem dos Médicos com acesso às contas oficiais fossem retirando os valores exactos das facturas que iam recebendo dos fornecedores dos bens comprados no âmbito da campanha “Todos por Quem Cuida”.

    Vejamos um exemplo. A factura nº 551 passada pela Clotheup em 2 de Outubro de 2020 pela aquisição de batas descartáveis no valor de 110.700 euros foi emitida à Ordem dos Médicos. Tendo sido uma aquisição a pronto de pagamento, não houve saída de dinheiro da Ordem dos Médicos, porque quem a pagou foi a conta solidária de Miguel Guimarães e dos outros dois co-titulares. Ora, nesse dia, poderia ter sido “desviada” a verba de 110.700 euros da conta bancária oficial da Ordem dos Médicos, não havendo assim o mínimo sinal de qualquer desfalque, uma vez que existia uma factura a suportar essa saída. Esse expediente pode aplicar-se a qualquer outra das 31 aquisições identificadas pelo PÁGINA UM.

    Houve, porém, mais irregularidades fiscais. Apesar de todos os donativos terem tido como destinatário a conta solidária – titulada, repita-se, por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves –, as farmacêuticas quiseram aproveitar os benefícios fiscais da Lei do Mecenato, que um despacho do secretário de Estado dos Assuntos Fiscais alargou, em Abril de 2020, também para os hospitais públicos.

    Pagamentos das compras da campanha “Todos por Quem Cuida” não foram feitos por contas bancárias da Ordem dos Médicos, mas as facturas entraram como despesas “passíveis de saque” à margem da lei, e sem deixar rasto.

    Nessa medida, os serviços operacionais da Ordem dos Médicos instruíram as largas dezenas de IPSS e outras entidades – que incluíram mesmo a PSP, a Liga dos Bombeiros, a Associação Nacional de Farmácias e até hospitais públicos e privados – a passarem declarações atestando que, afinal, receberam donativos em géneros das farmacêuticas, que lhe eram especificamente indicadas.

    Deste modo, um dos trabalhos (mais meticulosos) da equipa da Ordem dos Médicos, que Miguel Guimarães colocou na gestão operacional da “sua campanha”, passou por preencher intrincados “puzzles” entre os donativos em dinheiro fornecidos à conta solidária e os valores dos géneros recebidos pelas instituições. Assim, em vez das declarações de recepção dos donativos pelas diversas entidades beneficiadas serem passadas à conta solidária – em termos formais, aos três titulares da conta – ou à Ordem dos Médicos, foram encaminhadas para determinadas farmacêuticas.

    Logo, a título de exemplo – e é mesmo um só exemplo, porque existem largas centenas de casos, reportados e fotografados pelo PÁGINA UM durante a consulta dos dossiers contabilísticos e operacionais da campanha “Todos por Quem Cuida” –, é falsa a declaração de 23 de Março de 2021 da Liga dos Bombeiros Portugueses, bem como a competente carta de agradecimento do então presidente Jaime Marta Soares, de que foi a farmacêutica Gilead que lhes entregou 4.984 batas cirúrgicas, 1.661 litros de álcool gel, 831 máscaras cirúrgicas, 2.492 óculos reutilizáveis, 664 fatos integrais tamanho M e 664 tamanho L, e ainda 4.153 viseiras, tudo no valor de 103.400,60 euros.

    Miguel Guimarães foi bastonário da Ordem dos Médicos entre 2017 e Março de 2023. Saltou agora para a política, encabeçando a lista do PSD no círculo do Porto nas próximas eleições legislativas.

    Neste caso particular – que é extensível a todas as outras farmacêuticas envolvidas nesta campanha –, a Gilead terá sim apenas entregado, através da Apifarma, um donativo de valor desconhecido, para uma campanha solidária, titulada por três pessoas. Formalmente, teriam de ser as três titulares da conta (Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves), e não as entidades beneficiadas com os géneros doados, a passar uma declaração de recepção desse donativo à Gilead (e às outras farmacêuticas). Porém, se assim fosse, as farmacêuticas não teriam hipóteses de usufruir de qualquer benefício fiscal, uma vez que o Estatuto do Mecenato não abrange donativos a pessoas singulares – e nem a Ordens profissionais, acrescente-se.

    Ora, a emissão de centenas de declarações falsas pelas entidades beneficiadas – que assumiram que os donativos em géneros vieram directamente de farmacêuticas, algo que estas não conseguirão comprovar através de facturas porque não foram elas que compraram os géneros – configura uma gigantesca fraude fiscal envolvendo centenas de entidades. De facto, considerando que, com este estratagema, os donativos à campanha “Todos por Quem Cuida” passaram a ser enquadráveis no mecenato social – e, em casos específicos, no mecenato ao Estado –, as farmacêuticas puderam levar a custos um valor correspondente a 130% ou 140% do valor entregue.

    Assim, sabendo que, globalmente, as farmacêuticas terão conseguido declarações num montante total de cerca de 1,3 milhões de euros, acabaram por assumir, em termos contabilísticos, custos da ordem dos 1,82 milhões de euros, algo que não seria possível se assumissem, como efectivamente sucedeu, que os donativos seguiram para uma conta solidária de três pessoas. Este expediente – a utilização abusiva de um benefício fiscal – terá lesado o Estado, segundo estimativas do PÁGINA UM, em cerca de 145 mil euros.

    Este esquema, profundamente à margem da lei, envolveria mesmo hospitais públicos, conforme o PÁGINA UM revelou detalhadamente no final de 2022.

    A investigação do PÁGINA UM também revelou então um estranho esquema de doação de máscaras pela Merck, intermediado por Miguel Guimarães, ao qual foi atribuído um preço de 380 mil euros, bastante inflacionado, que permitiu à farmacêutica alemã transformar fiscalmente um donativo em lucro.

    A troco de mais de 27 mil euros para o Hospital das Forças Armadas, Gouveia e Melo permitiu, à margem das prioridades, que Miguel Guimarães “brilhasse”. Quem pagou foi a conta titulada por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves, mas depois surgem recibos de donativos (para efeitos de benefícios fiscais) de quatro farmacêuticas à Ordem dos Médicos, apesar desse dinheiro nunca ter por aí entrado.

    E também foi então revelado pelo PÁGINA UM o acordo ad hoc entre Miguel Guimarães e o então líder da task force Gouveia e Melo para ‘furar’ as normas da Direcção-Geral da Saúde e vacinarem-se médicos não-prioritários contra a covid-19, que ainda está, há mais de um ano, a ser investigado pela Inspecção-Geral das Actividades em Saúde, estando já em risco de prescrição.

    Este esquema incluiu mesmo um pagamento de 27.365 euros ao Hospital das Forças Armadas, cuja prestação de serviços nunca foi publicada no Portal Base, e também a emissão de recibos falsos por parte da Ordem dos Médicos a quatro farmacêuticas (não declarados no Portal da Transparência do Infarmed) relativos a supostos donativos. Na verdade, os donativos entraram sim na conta titulada por Miguel Guimarães, Ana Paula Martins e Eurico Castro Alves, bastando duas assinaturas para a movimentar.


    N. D. O FUNDO JURÍDICO tem sido, através de donativos específicos dos leitores, a única forma que o PÁGINA UM tem de suportar os encargos com honorários e taxas de justiça, que, por regra, numa primeira fase, atingem sempre valores acima de 500 euros, acrescidos de mais gastos se houver recursos. Aliás, convém recordar que o PÁGINA UM tem mais de uma dezena de processos ainda em cursos, alguns deles com estranha morosidade, dois dos quais em fase de execução de sentença, ou seja, mesmo depois de sentenças favoráveis no tribunal administrativos as entidades mantiveram a recusa em ceder os documentos.


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  • Tribunal Administrativo obriga Ordem dos Médicos a revelar pareceres ‘engavetados’ em 2021 por Miguel Guimarães

    Tribunal Administrativo obriga Ordem dos Médicos a revelar pareceres ‘engavetados’ em 2021 por Miguel Guimarães

    Mais uma vitória do PÁGINA UM contra o obscurantismo e em prol da verdade. Os dois pareceres de 2021 do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos sobre a vacinação contra a covid-19 de crianças e jovens – que o então bastonário Miguel Guimarães (agora cabeça de lista do PSD no Porto às próximas legislativas) deliberadamente escondeu – vão ter mesmo de ser disponibilizados ao público. A sentença do Tribunal Administrativo de Lisboa, ontem conhecida, impõe um prazo de 10 dias para o actual bastonário, Carlos Cortes, cumprir um acto de óbvia transparência. Em 2021, o anterior bastonários encetou uma autêntica perseguição aos médicos que não concordavam com a sua opinião, que incluiu até a abertura de um processo disciplinar ao presidente do Colégio de Pediatria, que fizera os dois pareceres de 2021. A Ordem dos Médicos ainda tentou convencer o juiz de que os pareceres não fossem divulgados porque, como foram ‘engavetados por Miguel Guimarães, nunca chegaram sequer a ser votados pelo seu Conselho Nacional. Os argumentos foram recusados. E resta agora saber a verdade escondida a pais e mães.


    O Tribunal Administrativo de Lisboa obrigou, em sentença ontem assinada pelo juiz João Cristóvão, a Ordem dos Médicos a disponibilizar dois pareceres ‘escondidos’ pelo anterior bastonário da Ordem dos Médicos, Miguel Guimarães, sobre a vacinação contra a covid-19 em crianças e jovens.

    Os pareceres em causa tinham sido elaborados, em Julho e Outubro de 2021, pelo Colégio de Pediatria, presidido por Jorge Amil Dias, mas ‘engavetados’ pelo agora cabeça de lista do PSD no Porto. Apesar de ser urologista, Miguel Guimarães era adepto incondicional do polémico programa de vacinação em adolescentes e crianças, e ao ‘engavetar’ os dois pareceres – nem sequer os propondo ao Conselho Nacional da Ordem – impediu que pais e mães conhecessem a opinião avalizada de verdadeiros peritos na matéria: os pediatras.

    Miguel Guimarães foi bastonário da Ordem dos Médicos entre 2017 e Março de 2023. Saltou agora para a política, encabeçando a lista do PSD no círculo do Porto nas próximas eleições legislativas.

    A ‘supressão’ dos pareceres do Colégio de Pediatria em pleno debate sobre a necessidade de vacinação de menores de idade – que nunca constituíram um grupo de risco da pandemia, com a administração de um fármaco que não contribuía para a quimérica ‘imunidade de grupo’ – não foi a única acção perpetrada pelo futuro deputado social-democrata. Miguel Guimarães também decidiu, com a ‘ajuda’ de diversos médicos com ligações a farmacêuticas –  em que se destacavam Filipe Froes, Luís Varandas e Carlos Robalo Cordeiro –, abrir um processo disciplinar contra o presidente do Colégio de Pediatria, Jorge Amil Dias, após este especialista defender que a vacinação de crianças era “desproporcionada” e “desnecessária”.

    Amil Dias foi também, a título pessoal, um dos subscritores de uma carta aberta, em Janeiro de 2022, que pedia a suspensão da vacinação de crianças e jovens. Recorde-se que, entre os signatários, além de Amil Dias, estavam o catedrático Jorge Torgal (um dos maiores especialistas de Saúde Pública do país e antigo presidente do Infarmed de 2010 a 2012), os pediatras Francisco Abecassis e Cristina Camilo (presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos Pediátricos) e o cardiologista Jacinto Gonçalves (vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia).

    Este processo disciplinar a Amil Dias – e Miguel Guimarães usou sistemáticos processos disciplinares por delitos de opinião para ‘controlar’ colegas com opinião contrária à sua – viria a ser arquivado em Novembro de 2022, mas Miguel Guimarães conseguiu um objectivo: silenciar e causar ostracismo às vozes discordantes.

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    Somente há cinco meses se soube que Miguel Guimarães tinha ‘engavetado’ os dois pareceres de 2021 do Colégio de Pediatria, porque esta entidade fez entretanto, em Setembro do ano passado, um terceiro parecer, este tornado público pelo actual bastonário, Carlos Cortes. Ora, é neste parecer de 2023 que se faz menção expressa aos dois outros pareceres, elaborados “em Julho e Outubro de 2021”, nunca divulgados devido à oposição de Miguel Guimarães.

    Nesse terceiro parecer, o Colégio de Pediatria, além de salientar que “não se justifica que se considere a vacinação generalizada [contra a covid-19] de crianças ou adolescentes”, lançava fortes críticas aos lobbies da indústria farmacêuticas que pressionavam para a manutenção dos programas de vacinação em menores de idade. “No nosso país têm ocorrido algumas manifestações públicas sobre o assunto [reforço da vacinação em crianças e adolescentes], geralmente veiculadas ou patrocinadas pela indústria com directo interesse financeiro”, salienta-se no documento, onde se acrescentava que, por esse motivo, o parecer foi elaborado “considerando que a imprensa poder[ia] ser motivada a trazer novamente para a discussão pública a vantagem [inexistente] da vacinação generalizada da população infantil”.

    Apesar da mudança de Carlos Cortes face ao seu antecessor, o actual bastonário da Ordem dos Médicos recusou tacitamente divulgar os dois pareceres de 2021 ao PÁGINA UM, razão pela qual foi intentada, através do FUNDO JURÍDICO, uma intimação em Dezembro do ano passado junto do Tribunal Administrativo.

    No decurso dessa acção, a Ordem dos Médicos ainda alegou, entre acusações de abuso de liberdade de imprensa contra o PÁGINA UM – por alegados pedidos sucessivos de informação – que os dois pareceres de 2021 nunca tinham sido aprovados pelo Conselho Nacional, pelo que deveriam ser considerados documentos integrando processos em curso.

    Carlos Cortes (o quarto a contar da esquerda) é o actual bastonário. Ao lado, Filipe Froes, o seu mandatários nas eleições, é um dos médicos com maiores ligações às farmacêuticas, incluindo a Pfizer, e que chegou a apresentar queixa contra o presidente do Colégio de Pediatra, Jorge Amil Dias.

    Contudo, o juiz João Cristóvão não teve contemplações: mesmo que fosse verdade serem documentos de um processo em curso, a lei determina que sejam sempre disponibilizados se tiver decorrido mais de um ano desde a sua elaboração. “Tais pareceres [sobre a vacinação de menores, elaborados em Julho e Outubro de 2021] devem, assim, ser facultados ao Requerente, afigurando-se irrelevante que os mesmos não tenham sido objeto de aprovação pelo Conselho Nacional da Ordem dos Médicos, nos termos previstos no artigo 56º nº 1 al. s) do Estatuto da Ordem dos Médicos”, conclui a sentença. E, deste modo, o juiz intimou Carlos Cortes a cumprir a sentença no prazo de 10 dias.

    Esta sentença, que incluiu outro pedido de documentos, pode ainda vir a ser alvo de recurso pela Ordem dos Médicos, que, face à evidência cristalina evidenciada por esta sentença, servirá somente para adiar o conhecimento de uma realidade que não pode ser mais escondida, o que, a suceder, colocaria Carlos Cortes como cúmplice da falta de transparência do seu antecessor, Miguel Guimarães.


    N. D. O FUNDO JURÍDICO tem sido, através de donativos específicos dos leitores, a única forma que o PÁGINA UM tem de suportar os encargos com honorários e taxas de justiça, que, por regra, numa primeira fase, atingem sempre valores acima de 500 euros, acrescidos de mais gastos se houver recursos. Aliás, convém recordar que o PÁGINA UM tem mais de uma dezena de processos ainda em cursos, alguns deles com estranha morosidade, dois dos quais em fase de execução de sentença, ou seja, mesmo depois de sentenças favoráveis no tribunal administrativos as entidades mantiveram a recusa em ceder os documentos.


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