Foi uma ‘invenção’ do Governo socialista. Em vez de se aproveitar o know-know e as sinergias da Caixa Geral de Depósitos (CGD), criou-se em 2020 o Banco Português de Fomento (BPF), um micro-banco que, na verdade, sendo um ‘pigmeu financeiro’, gasta que se farta. Se a CGD despende 690 euros em serviços administrativos e com pessoal para obter 1.000 euros de lucro, já o BPF precisa de gastar 5.367 euros para alcançar o mesmo objectivo. Mas se o BPF – que teve apenas lucros de 3 milhões de euros em 2022 com 16,1 milhões de euros em gastos de funcionamento – aparenta ser um péssimo negócio para os contribuintes, há quem não terá, por certo, a mesma opinião. São os casos de grandes consultoras financeiras, empresas tecnológicas, seguradoras, empresas de leasing automóvel e sociedades de advogados, onde se inclui a de Luís Montenegro e a de Pedro Rebelo de Sousa, irmão do Presidente da República. A avença do escritório do futuro primeiro-ministro terminou em Dezembro passado.
Ao fim de menos de três anos de funcionamento, o Banco Português de Fomento – uma instituição bancária autónoma criada pelo Estado quando já detinha um banco estável, a Caixa Geral de Depósitos – mostra ter sido uma opção vantajosa para muitos, mas não para os contribuintes.
Criado em finais de 2020 como um banco promocional de desenvolvimento – isto é, para facilitar a concessão de crédito proveniente sobretudo do Programa de Recuperação e Resiliência –, o BPF foi constituída pela fusão de diversas pequenas entidades financeiras públicas que não estavam sob alçada da Caixa Geral de Depósitos (CGD), nomeadamente da PME Investimento (uma sociedade pública de investimentos), a Instituição Financeira de Desenvolvimento (IFD) e a Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua (SPGM). A estratégia política do Governo agora cessante foi, na verdade, criar um novo banco de investimento, mas à margem de toda a estrutura já consolidada da CGD.
Na verdade, olhando para as demonstrações contabilísticas das duas instituições bancárias públicas, o BFE é um autêntico pigmeu perante a CGD, o que leva a questionar a razão para não se ter criado um departamento autónomo na instituição liderada por Paulo Macedo aproveitando know-how e sinergias. Mas o BFE é um pigmeu mas com uma grande gula.
Em 2022, o BPF apresentava apenas 848 milhões de euros em activos, que representam apenas menos de 9% dos activos da CGD no ano passado, de acordo com os resultados hoje apresentados. No entanto, enquanto os activos da CGD contribuíram para um lucro (recorde) de quase 1,3 mil milhões de euros, a que acresce de 529 milhões de euros impostos ao Estado, o BPF conseguiu em 2022 – ainda não apresentou resultados do ano passado – apenas um lucro de 3 milhões de euros. Apesar disso, para ter lucros de 3 milhões de euros, o BPF teve de gastar quase 10 milhões de euros com pessoal e 6,2 milhões de euros em gastos administrativos, que inclui serviços externos. Assim, se por cada 1.000 euros de lucro a CGD registou gastos administrativos e com pessoal de 690 euros, já o ‘esfomeado’ BPF teve de ‘comer’ 5.367 euros em gastos administrativos e com pessoal por cada 1.000 euros de lucro. Saliente-se que os gastos com pessoal subiram cerca de 18% entre 2021 e 2022. Ainda não foram apresentados os resultados de 2023.
Esta absurda estrutura de custos do BPF tem uma explicação: criar um banco, independentemente da sua dimensão, implica um ‘custo fixo’ em termos de encargos com serviços financeiros (incluindo compliance e contabilidade), com assessoria jurídica e com tecnologias de informação, tanto de hardware como de software. E as duas administrações que já passaram por esta instituição bancária agora presidida por Ana Carvalho – e que acabou de celebrar um contrato de 700 mil euros com a Universidade Católica para serviços ainda não completamente conhecidos – têm sido pródigas em gastos, e generosas na sua distribuição.
O Banco Português de Fomento foi uma ‘invenção’ do Governo socialista, que permitiu que muitas sociedades de advogados facturassem serviços. A sociedade de Luís Montenegro recebeu 100 mil euros numa avença que terminou em Dezembro passado.
Ontem, a pretexto do contrato com a Universidade Católica, fonte do BPF referiu ao PÁGINA UM que, como o plano de actividades e orçamento de 2023 foi aprovado apenas em finais de Julho, apenas nos últimos meses do ano passado se concretizou “uma parte expressiva do início dos processos de contratações públicas”, salientando que foram desencadeados “456 procedimentos de contratação pública, com um investimento total de 4,21 milhões de euros”, dos quais 405 procedimentos, envolvendo 311.988 euros por ajuste directo simplificado e mais 34 por ajuste directo no valor de 1,1 milhões de euros. Em paralelo, o BPF efetuou quatro concursos públicos internacionais e nove nacionais, totalizando, respetivamente, 1,58 milhões e 962 mil euros.
Mas a estes somam-me muitos mais nos anos recentes. Incluindo período anterior à criação do BFP em 2020 por fusão de outras entidades – o banco ‘herdou’ o número de pessoa colectiva da Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua –, já foram registados 268 contratos no Portal Base, dos quais 238 já como instituição bancárias.
Num agrupamento por tipologia feita pelo PÁGINA UM, de um total de 21,15 milhões de euros, os maiores gastos foram para equipamentos e serviços associados a tecnologia de informação, com cerca de 6,8 milhões de euros (32% do total), destacando-se os ganhos da Glintt (1,4 milhões de euros), a Hydra IT (quase 1,2 milhões de euros), a IDW (650 mil euros), a TCSI (418 mil euros) e a Divultec (358 mil euros).
Top 20 das entidades com maior valor de contratos celebrados com o Banco Português de Fomento. Antes de 2020, incluindo procedimentos para a criação do BPF, os contratos foram celebrados pela Sociedade Portuguesa da Garantia Mútua. Fonte: Portal Base. Análise: PÁGINA UM.
A segunda maior tipologia de gastos foi para contratação de externa de serviços de assessoria financeira. Neste grupo destacam-se os contratos das consultoras Oliver Wyman (com 2,84 milhões de euros), Deloitte Risk Advisory (2,05 milhões de euros), KPMG (659 mil euros), Deloitte Consultores (334 mil euros) e ainda da Universidade Católica Portuguesa (720 mil euros, que inclui um pequeno ajuste directo de 20 mil euros em 2018).
No terceiro grupo de serviços mais gastadores estão as assessorias jurídicas, pagas sempre a peso de ouro e escolhidas invariavelmente a dedo. A vários dedos. E os beneficiários são sonantes, para repartir um ‘bolo’ que já vai em cerca de 4,2 milhões de euros, a começar pelo futuro primeiro-ministro, Luís Montenegro.
Em Janeiro de 2022, a sociedade de advogados Sousa Pinheiro & Montenegro beneficiou de uma avença mensal que terminou em Dezembro do ano passado, amealhando 100 mil euros, a que acresceu o IVA. Também Pedro Rebelo de Sousa, o irmão do Presidente da República, já viu a cor do dinheiro saído do BPF. Por duas vezes, a Sociedade Rebelo de Sousa & Associados recebeu ajustes directos desta instituição bancária: primeiro em 2020, no valor de 79.560 euros, e no ano passado entraram mais 32.650 euros.
Valores dos contratos celebrados pelo Banco Português de Fomento (inclui valores gastos entre 2016 e 2019 pela Sociedade Portuguesa de Garantia Mútua). Fonte: Portal Base. Agrupamento e análise: PÁGINA UM.
Mas Luís Montenegro e Pedro Rebelo de Sousa nem foram os advogados que mais receberam do BPF. Na lista de prestadores de serviços jurídicos, com contratos de mão-beijada, sem se saber ao certo aquilo que fizeram, estão conceituados escritórios de advogados como a Sérvulo & Associados (571 mil euros), a Cabeçais de Carvalho & Associados (270 mil euros), a Vieira de Almeida & Associados (254 mil euros), a Abreu & Associados (241 mil euros), a Santos Carvalho & Associados (179 mil euros), a Oliveira, Reis & Associados (168 mil euros) e a Andrade de Matos & Associados (120 mil euros).
Também com gastos relevantes estão os diversos seguros contratados, que já totalizam quase 1,4 milhões de euros, bem como as prestações de serviços de contabilidade, que se aproximam dos 824 mil euros. Para serviços de leasing de automóveis e transporte, a factura assumida pelo BPF ascende já aos 550 mil euros. E o marketing, sempre necessário, atinge, por agora, os 265 mil euros.
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Deveria ter sido apenas mais um ‘banal’ contrato de consultadoria externa pelo Banco Português de Fomento, disfarçado no meio de muitos outros, mas o ajuste directo de 700 mil euros entregue no mês passado à Universidade Católica Portuguesa chamou a atenção ao PÁGINA UM: afinal, não é todos os dias que uma assessoria financeira é justificada como se estivesse em causa a segurança pública ou de bens, uma vez que, para evitar a abertura de um concurso público, foi alegada “urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis”, para uma tarefa que durará três anos. Agora, o banco presidido por Ana Carvalho, uma antiga aluna da Católica, diz que afinal consultou “várias instituições académicas de renome”, mas isso implicaria a existência de um procedimento de consulta prévia, o que comprovadamente não sucedeu. Quanto à Universidade Católica, preferiu, através da sua porta-voz – que foi assessora de João Galamba até à sua demissão de ministro das Infraestruras em Novembro – criticar aspectos deontológicos do trabalho do PÁGINA UM.
Afinal, quais os serviços em concreto previstos no misterioso contrato de 700 mil euros adjudicado por ajuste directo ao Banco Português de Fomento (BPF) à Universidade Católica, noticiado anteontem pelo PÁGINA UM? E qual a razão para uma minúscula mas gastadora instituição financeira estatal – ao fim de dois anos de existência, nas contas consolidadas de 2022 apresentou um passivo de 284 milhões de euros com gastos de quase 10 milhões e um lucro de uns meros 3 milhões de euros – ter de fazer sucessivos contratos de consultadoria financeira e jurídica que não páram de se acumular?
Estas questões continuam sem uma resposta cabal, porque o BPF, apesar de aditar alguns esclarecimentos, continuou sem endereçar, apesar das insistências do PÁGINA UM, o caderno de encargos e um anexo ao contrato, inexistentes no Portal Base, que, em princípio definirá as tarefas a executar pelo Centro de Estudos de Gestão e Economia Aplicada da Universidade do Porto. Saliente-se que a instituição bancária tem sede na Cidade Invicta e a sua presidente do Conselho de Administração, Ana Carvalho fez toda a sua formação universitária naquela instituição privada de ensino superior.
Ana Carvalho, CEO do Banco Português de Fomento. A Universidade Católica Portuguesa recebe 700 mil euros da instituição bancária liderada por uma sua ex-aluna.
Com efeito, sem remeter quaisquer dos documentos em falta no Portal Base – e que virão agora a ser solicitados formalmente pelo PÁGINA UM ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos com eventual remessa para o Tribunal Administrativo em caso de nova recusa no prazo de 10 dias –, fonte oficial do BPF diz que este ajuste directo se enquadra nas suas funções “de gestor do Fundo de Capitalização e Resiliência (FdCR)”, em que se mostrou necessário “reforçar o acompanhamento na gestão dos investimentos diretos efetuados” por este programa.
Deste modo, acrescenta a mesma fonte, “com a perspetiva de assegurar um escrutínio prudente e neutro, o BPF decidiu pela designação [indicação] de ‘Observadores’ independentes, profissionais de elevada especialização, que terão assento nos Conselhos de Administração (CA) das Participadas do FdCR”. Esses ‘Observadores’, de acordo com o BPF, “como um elemento independente” têm como função “uma apreciação crítica sobre os temas de negócio e de gestão discutidos e as decisões tomadas, alertando para riscos e preocupações que sejam relevantes”, para além de terem um “papel de colaboração na preparação das intervenções do BPF nas Assembleias Gerais das Participadas”.
Sobre a razão de não ter sido, em caso de comprovada ausência de meios humanos próprio, lançado um concurso público, a fonte da instituição bancária liderada por Ana Carvalho diz que foram consultadas “várias instituições académicas de renome”, que não identifica, acrescentando que “a Universidade Católica Portuguesa – Centro Regional do Porto [foi], até então, a única que atendeu plenamente aos requisitos especificados pelo BPF e no prazo proposto”.
Saliente-se que este argumento de consulta agora aditado pelo BPF é estranho e contraditório mesmo com o expresso no contrato conhecido, porque uma consulta como a referida, com “requisitos especificados”, consubstanciria uma consulta prévia, com procedimentos contratuais próiprios, o que formalmente não foi feita, Na realidade, o BPF fez um ajuste directo – ou seja, entregou um contrato de 700 mil euros de mão-beijada à Universidade Católica, escolhida a dedo – alegando uma norma de excepção que permite o ajuste directo, mas apenas “na medida do estritamente necessário”, se se verificarem “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, [em que] não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.
Como pode estar aqui em causa falsas declarações, a forma que o PÁGINA UM tem de esclarecer esta situação é solicitar agora ao BPF, ao abrigo da Lei do Acesso aos Documentos Administrativos, não apenas os ofícios que foram supostamente remetidos para as “várias instituições académicas de renome” como também os documentos que fundamentam os “motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis” que impediram a realização de um concurso público aberto e transparente. Obviamente, o Tribunal de Contas também terá, se assim desejar, os meios próprios de fiscalização deste contrato público.
Também foram pedidos esclarecimentos à Universidade Católica sobre o ajuste directo de 700 mil euros, incluindo se houve alguma proposta prévia, para complementar os factos noticiados pelo PÁGINA UM com base nos registos inseridos no Portal Base pelo BPF e validados pelo Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC). Em resposta, a porta-voz para a imprensa da instituição universitário, Rita Penela – ex-jornalista do Observador e assessora até Novembro passado do antigo ministro João Galamba – disse que “na sequência das questões dirigidas ontem, dia 11 de março, às 22h41 à Universidade Católica Portuguesa, vimos lamentar que não tenha sido respeitado o tempo de resposta por vós concedido e que tenham avançado com a publicação do artigo” – que, repita-se, se baseia em factos inseridos numa base de dados pública.
A mesma fonte da Universidade Católica – que ministra uma licenciatura em Comunicação Social e Cultural – acrescentou ainda que “tal conduta desrespeita o direito ao contraditório previsto no Código Deontológico do Jornalista”, apesar de nada constar no dito código sobre um alegado ‘direito de contraditório’ –, concluindo que “a Universidade Católica Portuguesa não se revê na abordagem referida e muito lamenta que a _’Página Um’_ [sic] desrespeite o Código pelo qual devia pautar-se”.
Instado, novamente, a comentar e conceder mais esclarecimento sobre o contrato de 700 mil euros – o maior contrato público por si obtido (de forma isolada), ainda mais este, por ajuste directo, sem os ‘incómodos’ da concorrência –, a Universidade Católica nada mais acrescentou.
Nota: A fonte oficial do BPF também remeteu outras informações sobre os montantes das consultadorias, mas essa informação será, em breve, integrada num trabalho do PÁGINA UM sobre o universo dos contratos públicos desta instituição financeira.
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Sou sincero. Não fiz greve nem ponderei fazer. Enquanto em simultâneo – como sócio maioritário e gestor de um pequeno órgão de comunicação social, com um mísero capital social de 10.000 euros, mas sem dívidas – escrevia mais um caso de contratações públicas de duvidosa legalidade e de questionável ética, congeminava argumentos para escrever um editorial sobre a razão para não participar na greve, mesmo sendo sindicalizado.
Tinha uns quatro ou cinco motivos para explanar, mas eis que me enviam um texto de um outro gestor de uma empresa de comunicação social também com um capital social de 10.000 euros que escreveu este texto na revista Visão:
“Hoje estou em greve! Sou jornalista, não no ativo, mas acompanho todos os que vão parar neste dia. E incentivo essa manifestação de vontade, fortemente.
Não é só o SNS, a Educação ou a Habitação que estão na Constituição. Também está a Comunicação Social. E para essa Carta Fundamental e fundacional ter existido, foi necessário ter uma Imprensa livre, respeitada e segura.
Esta nova AR [Assembleia da República] e Governo têm o dever e a obrigação de prestar a mais básica atenção a toda a Comunicação Social.
Era o que faltava preocuparem-se apenas com a RTP, RDP e Lusa. Merecem, sem dúvida, mas são a ínfima parte da Imprensa em Portugal.
Com a Imprensa em greve, está suspenso um dos pilares fundamentais e independentes da Democracia. Assim não pode ser!”
Este texto é – como já exposto no título deste meu editorial – da autoria de Luís Delgado – um ex-jornalista, que é muitíssimo diferente de se ser “um jornalista, não no ativo” –, o detentor único da Trust in News, a empresa de media com um capital social de 10.000 euros (como a empresa do PÁGINA UM) que almejou comprar 17 títulos à Impresa no início de 2018, num nebuloso contrato que incluiu dinheiros do Novo Banco, a ser então intervencionado por um mecanismo de capitalização com fundos estatais.
Ora, o “jornalista, não no ativo” Luís Delgado, que hoje fez greve, é um dos algozes da imprensa (e personifica todos), que transformaram a nobre função de watchdog do Jornalismo num servil vassalo do poder e dos interesses económicos e financeiros por força de sucessivos endividamentos e falta de ética e vergonha na cara.
Em Economia há duas máximas: sem um produto de qualidade não há procura; e a falta de ética conduz a práticas de concorrência desleal, que a todos afectará.
Ora, foi o “jornalista, não no ativo” Luís Delgado, que hoje fez greve por um jornalismo credível e independente, que, com os seus ‘produtos’, agora enxameados de parcerias comerciais promíscuas, foi permitindo, com a conivência do Governo socialista (a ‘festa’ começou desde o início de 2018), uma gestão ruinosa que acumulou sem parança dívidas astronómicas ao Estado, que foi escondendo publicamente, porque nem a Entidade Reguladora para a Comunicação Social as queria conhecer (o regulador está mais preocupado com outras minudências).
Senão vejamos. A Trust in News devia no final de 2018 cerca de 942 mil euros ao Estado. Um ano depois subia para quase 1,6 milhões; em 2020 pulou para 5,1 milhões de euros; a seguir para 8,2 milhões e em 2022 estava já em 11,4 milhões de euros. O PÁGINA UM foi o primeiro e único jornal a falar deste vergonhoso estado de uma empresa de media, em Julho do ano passado.
Nada aconteceu. E o “jornalista, não no ativo” Luís Delgado surge agora a fazer greve e a armar-se em arauto do jornalismo credível e independente. Faltou explicar como gere a independência e a credibilidade da informação em 17 títulos da imprensa portuguesa quando a empresa gestora tem um capital social de 10.000 euros e um passivo total de 27,2 milhões de euros.
PÁGINA UM revelou em Julho de 2023 que a Trust in News tinha um passivo de 27,2 milhões de euros e dívidas ao Estado de 11,4 milhões de euros, Ministério das Finanças sabia e nunca se pronunciou.
Quem manda – ou quais são os custos para a Imprensa de qualidade – numa empresa onde o tal “jornalista, não no ativo”, único dono de fachada, controla, afinal, menos de 0,04% dos activos?
Estamos a brincar?
Querem que eu faça greve para satisfazer a pedinchice do tal “jornalista, não no ativo”, Luís Delgado, e contribuir assim para que a “nova AR e Governo” concretizem “o dever e a obrigação de prestar a mais básica atenção a toda a Comunicação Social”? E assim, por tabela, ajudar a falida e vendida Trust in News? Ou a Global Media? Ou grande parte dos ‘mastodontes’ que nunca aceitarão que, em tempos difíceis, auxiliar os maus projectos só prejudicará os bons, porque são eles os maus?
Saibam que a Lei de Gresham aplica-se também à Imprensa. Por isso, querer salvar empregos a todo o custo na Imprensa será o fim do Jornalismo. A greve dos jornalistas faria todo o sentido, mas apenas se fosse por motivos fundamentais, a começar por expulsar do mercado os lobos que se vestem de cordeiros.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Nenhuma eleição é igual a outra, mas com a proximidade das Europeias a distribuição dos votos do passado domingo servirão como referência, pelo menos psicológica. O PÁGINA UM foi ver como ficariam distribuídos os mandatos para eurodeputados se as percentagem das eleições de Junho fossem exactamente semelhantes às do passado domingo. Há duas ‘expulsões’ quase certas e duas estreias garantidas, uma delas fulgurante. Conheça também algumas estórias sobre os sufrágios que se iniciaram em 1987, e que não parecem muito estimulante para os portugueses, que os ‘brindam’ com taxas de abstenção que já suplantam os 60%.
Daqui a cerca de três meses os portuguesas serão chamados de novo às urnas. Pela nona vez desde a entrada de Portugal na então Comunidade Económica Europeia – que evoluiu até à actual União Europeia –, apresta-se a mais uma dança de cadeiras para eleger 21 representantes portugueses para integrar 705 deputados no Parlamento em Bruxelas (e Estrasburgo e Luxemburgo). E, embora as comparações com sufrágios internos possam ser falíveis, não será muito provável, devida à estreita proximidade temporal, que haja grandes diferenças entre os resultados das recentes eleições legislativas – que quebraram, pela segunda vez em democracia, o bipartidarismo clássico – e as eleições para o Parlamento Europeu. Excepto, claro, como disse certo dia Marcelo Rebelo de Sousa, se Cristo descer à Terra.
Nas eleições do parlamento europeu não se aplica os círculos distritais – que, claramente prejudicam os partidos mais pequenos –, entrando todos os votos para o ‘bolo nacional’, mas existe um óbvio obstáculo: como agora são apenas eleitos 21 deputados – já chegaram a ser 25, em 1994 –, mostra-se necessário, em princípio, pelo menos, uma votação a rondar os 3,7% para garantir um eurodeputado.
Porém, esse valor mínimo depende de outros factores, entre os quais a própria distribuição dos votos, por via do uso do método de Hondt, e que beneficia sobretudo os maiores partidos. Até agora, somente em 1987 – as primeiras eleições europeias em Portugal – houve três partidos a ultrapassarem os 15%, sabendo que os dois maiores (PS e PSD) costumam, mesmo nos maus sufrágios estar acima dos 20% e nos bons acima dos 30%.
No sufrágio de estreia para a Europa, Francisco Lucas Pires, encabeçou a lista de um ainda pujante CDS e conseguiu 15,4%, ficando a cerca de sete pontos percentuais do PS (com Maria de Lourdes Pintasilgo como cabeça de lista), numas eleições ganhas pelo PSD (com Pedro Santana Lopes a liderar a lista), que obteve 37,45%.
Apesar disso, e estando então em jogo 24 eurodeputados, o CDS somente conseguiu quatro mandatos (razão de 3,85% por deputado), ficando o PS com seis (razão de 3,75% por deputado) e o PSD com 10 (razão 3,75% por deputado). Neste sufrágio, a CDU conseguiu 11,5% e elegeu três eurodeputados (razão 3,83% por deputado), enquanto o PRD, já em ‘queda’, ainda elegeu um eurodeputado (Medeiros Ferreira) com 4,5% dos votos.
Saliente-se que estas eleições para o Parlamento Europeu – que elegeram deputados por apenas dois anos, e não cinco como habitualmente, por via da adesão recente de Portugal à CEE – tiveram uma ‘proximidade absoluta’ com as legislativas antecipadas desse ano, por via da queda do Governo minoritário de Cavaco Silva em resultado de uma moção de censura do PRD. Coincidiram na data. E os resultados não foram exactamente semelhantes porque as circunstâncias e os protagonistas eram muito especiais.
Com efeito, nas legislativas de 1987, Cavaco Silva arrecadaria a sua primeira maioria absoluta, com uns estrondosos 50,2%, e a grande diferença com o sufrágio para o Parlamento Europeu surgiu da capacidade dos sociais-democratas de ‘capitalizarem’ nas urnas para a Assembleia da República os votos dos centristas. O então líder do CDS, Adriano Moreira, somente conseguiu 4,44%, ou seja, cerca de menos 11 pontos percentuais do que o seu ‘camarada’ Lucas Pires nas europeias, enquanto Cavaco Silva suplantou em quase 13 pontos percentuais a votação de Pedro Santana Lopes. O actual presidente da autarquia da Figueira da Foz referiu, mais tarde, que a estratégia do PSD foi de priorizar as legislativas, mesmo do ponto de vista de materiais de campanha eleitoral. Nos restantes partidos que então elegeram eurodeputados (PS, CDU e PRD), as diferenças entre os dois sufrágios foram mínimas.
Denotando, este exemplo de 1987, a importância dos cabeças-de-lista apresentados pelos diversos partidos, certo é que nunca, como em 2024, houve um quadro político em vésperas de eleições europeias em claro ‘tripartidarismo’. Hoje, a situação apresenta algumas similitudes com aquela saída das eleições de 1985 – com o PRD próximo dos 20% e PSD e PS então também abaixo dos 30% –, mas as Europeias realizaram-se dois anos depois, em 1987, quando o PRD cometera um ‘harakiri’ político ao fazer cair o Governo minoritária de Cavaco Silva.
Pedro Santana Lopes, aos 31 anos, foi o primeiro vencedor das primeiras eleições para o Parlamento Europeu em Portugal, no ano de 1987, obtendo 37,45%. Mas a sua vitória foi ofuscada por coincidir com as eleições legislativas, onde Cavaco Silva ‘cilindrou’ a oposição, conseguindo uma maioria absoluta com 50,2%. Imgem: RTP Arquivo (debate contra Maria de Lourdes Pintasilgo)
Por esse motivo, mostra-se interessante olhar como será a distribuição dos 21 mandatos no Parlamento Europeu nas eleições do próximo dia 9 de Março com as exactas percentagens obtidas pelos partidos nas recentes eleições legislativas. Assim, se no domingo as notícias não foram nada favoráveis aos comunistas, então para as Europeias afiguram-se dramáticas. Com efeito, contas feitas, com a distribuição dos outros partidos, os 3,3% da CDU no passado domingo serão insuficientes para eleger um eurodeputado. Se se mantivesse a abstenção nos 33,7% registada no domingo – nas Europeias a abstenção tem ultrapassado os 60% –, os comunistas necessitariam de mais cerca de 20 mil votos para ‘sacar’ um mandato. Saliente-se que os comunistas (em coligação com o PEV) têm actualmente dois eurodeputados e representação no Parlamento Europeu desde 1987.
Obviamente, se a CDU conseguir Governo os 202 mil votantes do domingo passado e só forem votar os 3,3 milhões de eleitores das Europeias de 2019, então ficará com cerca de 6% do total, garantindo facilmente um mandato. Mesmo assim muito longe dos históricos 14,4% de Carlos Carvalhas em 1989, que permitiu a eleição de quatro deputados, incluindo um (Maria Santos) do Partido Ecologista Os Verdes, parceiro habitual dos comunistas.
Porém, neste exercício de projectar as percentagens das recentes legislativas para o universo das próximas Europeias, a CDU não será o único partido com assento parlamentar em Portugal a não ter representação no Parlamento Europeu. Também o Livre – cujo co-líder, Rui Tavares, foi já eurodeputado pelas listas do Bloco de Esquerda em 2009, desvinculando-se depois em 2011 – não conseguirá qualquer mandato europeu se mantiver os 3,26% do domingo passado. E quanto ao PAN mais difícil ainda se torna: os 1,93% em Europeias valem nada. Perspectiva-se assim a perda do seu único eurodeputado eleito em 2019 com 5,08%.
Quanto ao Bloco de Esquerda – que desde 2004 está no Parlamento Europeu, tendo chegado mesmo a eleger três deputados em 2009 –, manter-se-á em Bruxelas se obtiver nas Europeias os 4,46% das Legislativas do passado domingo. Porém, reduzido a um representante.
Francisco Lucas Pires em 1987, como cabeça-de-lista do CDS en , foi quem maior percentagem de votos alcançou em eleições europeias (15,4%) a seguir aos ‘dois grandes’. Será esta faquia ultrapassada nas eleições de Junho?
Quem também perderá deputados, caso tenha a mesma percentagem das Legislativas, será o Partido Socialista. Em 2019, os 33,38% resultaram em nove deputados, mas os 28,66% de agora darão apenas para sete. A perda de dois deputados dever-se-á sobretudo aos acertos finais para distribuição dos últimos mandatos.
Já a Aliança Democrática, com os 29,49% de domingo passado, ficará com oito deputados, o que se traduz num ganho líquido de apenas um eurodeputado se considerarmos o somatório dos mandatos saídos das eleições europeias de 2019, onde PSD conseguiu seis deputados e o CDS apenas um. Aliás, é neste caso que se mostra a vantagem das coligações (se não forem ‘tóxicas’) em termos de optimização da distribuição dos mandatos pelo método de Hondt: em 2019, se se somarem os votos individualizados de PSD (21,94%) e CDS (6,19%), a razão percentagem por deputado fica em 4,0%, enquanto com os 29,49% – que dariam para oito deputados – essa razão passa para 3,7%.
No caso da simulação do PÁGINA UM, esta união mostra-se mais relevante: mesmo com perda de influência eleitoral do CDS – que regressou à Assembleia da República à boleia da AD –, com a distribuição de votos nas Legislativas de domingo passado, o 21º deputado nas Europeia seria ‘entregue’ à Aliança Democrática por uma diferença de cerca de 20 mil votos. Ou seja, sem os centristas – que valem certamente mais de 20 mil votos –, o PSD elegeria sete eurodeputados, tantos como o PS.
Simulação da distribuição dos eurodeputados pelo método de Hondt se os diversos partidos tivessem os mesmos votos das legislativas (ou, obviamente, as mesmas percentagens). Análise: PÁGINA UM, a partir do simulador do Ministério da Administração Interna.
Quem entrará seguramente no Parlamento Europeu se mantiverem as percentagens das Legislativas serão a Iniciativa Liberal e o Chega. No caso dos liberais – que em 2019 tiveram apenas 0,88% nas Europeias, com Ricardo Arroja –, os 5,08% são largamente suficientes para recolher um mandato, embora muito longe de um segundo.
Quanto ao Chega, a estreia vai ser bastante auspiciosa: os 18,06% de domingo darão para quatro mandatos, o que constitui, descontada a eleição de 1987, a estreia mais fulgurante de um partido português no Parlamento Europeu. Com efeito, estas serão as primeiras eleições europeias para o Chega, embora André Ventura tenha sido candidato em 2019 na coligação Basta!, criada antes do final do processo de legalização do seu partido, e que integrava o Partido Popular Monárquico (PPM), o Partido Cidadania e Democracia Cristã (PPV/CDC) e ainda o movimento Democracia 21. Os 49.496 votos então obtidos por André Ventura deram apenas 1,49%, deixando-o muito longe de Bruxelas e sem a chama actual. Nas Europeias de 2019, Ventura destacou-se por ter faltado a um debate ‘à molhada’ na RTP com os candidatos dos pequenos partidos, optando por ir fazer comentário sobre futebol na CMTV.
Em todo o caso – e como já referido nas eleições de 1987 para os desempenhos Cavaco Silva & Santana Lopes e Adriano Moreira & Lucas Pires –, muito vai depender não apenas da capacidade de segurar eleitores das Legislativas para as Europeias mas também dos cabeças-de-lista, embora não se esteja a ver que qualquer partidos consiga encontrar um ‘coelho’ para tirar da cartola e entusiasmar o eleitorado a seu favor.
André Ventura concorreu em 2019 para as eleições parlamentares integrado na coligação Basta!, antes mesmo da legalização do Chega no Tribunal Constitucional. Agora, se mantiver a fasquia alcançada nas recentes legislativas, o Chega elegerá quatro eurodeputados.
Mesmo se se mostra mais difícil em eleger um deputado para Bruxelas, em comparação com a eleição para a Assembleia da República, as Europeias têm sido palco de algumas surpresas e quase-surpresas, o que não será provável nas próximas. A maior surpresa ocorreu em 2014 quando o antigo bastonário da Ordem dos Advogados Marinho e Pinto aproveitou o seu mediatismo para integrar o Movimento Partido da Terra, conseguindo dois eurodeputados com 7,14%. Acabaria tudo em ‘divórcio’, e Marinho e Pinto criaria, um ano mais tarde, o Partido Democrático Republicano que nunca teve sucesso eleitoral interno, ‘evoluindo’ para a actual Alternativa Democrática Nacional (ADN).
A maior quase-surpresa foi protagonizada por Miguel Esteves Cardoso (MEC) em 1987 – um ano antes de ter fundado, com Paulo Portas, o semanário O Independente, que tantas dores de cabeça daria a Cavaco Silva. Aos 31 anos, MEC foi candidato pelo Partido Popular Monárquico e obteve 2,77%, fazendo uma campanha eleitoral marcante. Dois anos mais tarde – numa altura em que o MDP-CDE (um histórico pequeno partido que depois acabaria fundido no Bloco de Esquerda) procurou surpreender com a candidatura do maestro António Victorino d’Almeida –, MEC fez nova tentativa, mas conseguiu somente 2,07%.
Desconhecendo-se ainda, com excepção da Iniciativa Liberal, quem serão os cabeças-de-lista das próximas Europeias, convém salientar que, ao longo das diversas eleições, por lá passaram personalidades que acabariam mais tarde como primeiros-ministros, como Pedro Santana Lopes e António Costa. Ou então mesmo ex-primeiros-ministros, como foram o caso de Maria de Lourdes Pintassilgo e de Mário Soares (que foi também Presidente da República). No caso de Soares, a sua candidatura em 1999 enquadrava-se numa estratégia socialista, defraudada, de o colocar como presidente do Parlamento Europeu.
António Costa detém, como cabeça-de-lista, a maior vitória nas eleições europeias. Em 2004 conseguiu 44,5%, superando por pouco o recorde de Mário Soares em 1999 (43,1%).
O peso do socialista Mário Soares viu-se nessas eleições, obtendo, até então, a vitória mais expressiva em eleições europeias, com 43,07%, um valor que, em legislativas, daria para ‘sacar’ a maioria na Assembleia da República. Porém, como os mandatos das Europeias são atribuídos para todo o território, o melhor que o PS conseguiu foram 12 mandatos, metade daqueles a que Portugal tinha então direito.
Acrescente-se que essas eleições de 1999, em pleno guterrismo, tiveram um ‘cartaz de luxo’: Mário Soares pelo PS, Pacheco Pereira pelo PSD e Paulo Portas, pelo CDS, que ainda teve como antagonista (não eleito) o seu irmão mais velho, Miguel Portas, que não foi então eleito – seria quatro anos mais tarde.
Cinco anos mais tarde, com António Costa a liderar a lista socialista, o recorde de Soares seria batido: o ainda actual primeiro-ministro conseguiu 44,57% nas eleições europeias de Junho de 2004, beneficiando da insatisfação popular ao Governo de Durão Barroso, que se demitiria no mês seguinte para ocupar o cargo de presidente da Comissão Europeia. Foi a última vez que qualquer partido superou a fasquia dos 40% – aliás, a partir dessas eleições nunca mais ninguém ultrapassou os 34%. E, provavelmente, se se mantiver a linha das eleições legislativas deste mês, pode suceder que nenhum partido utrapassse nas Europeias a fasquia dos 30%.
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Durante a recente campanha eleitoral, tanto os partidos políticos tradicionais como a legacy media – mais os seus jornalistas e comentadores – tiveram um único objectivo: atacar o Chega anunciando uma suposta ameaça fascizante. O resultado está à vista: André Ventura ‘tripartidarizou’ Portugal, tornando o Chega um partido verdadeiramente nacional, apenas sem representação no círculo de Bragança. Foi aquilo que se costuma dizer, ‘um tiro pela culatra’.
Era expectável. Na busca insana de diabolizar o Chega, não se avaliaram, portanto, os oito anos de falta de visão política dos sucessivos Governos Costa, que serviram para alimentar uma despudorada rede de gestão de dinheiros públicos, sem controlo nem regras, e que a pandemia apenas ajudou a propagar como um vírus. Hoje, a corrupção, moral e financeira, está encrustada na sociedade, perante um Ministério Público temeroso da sua própria sombra (e de falhar, como falha muitas vezes), perante tribunais vagarosos num ambiente de canceroso corporativismo. Deixar que a denúncia à corrupção (moral e financeira) fosse uma ‘bandeira do Chega’ terá sido um dos maiores erros políticos dos últimos anos dos partidos da oposição. Achar que Costa não se deveria demitir perante a Operação Influencer, porque redundou no crescimento do Chega é defender que o mau cheiro da ‘decomposição’ da democracia se pode resolver com um simples perfume.
No processo de diabolização do Chega, ao longo da campanha eleitoral, não se avaliaram as perdas de soberania de Portugal como Nação, patente na forma como as políticas e as regras são agora já ditadas por uma União Europeia que foi perdendo os seus princípios, e se transformou num polvo encimado por uma elite não-democrática que distribui entre si as riquezas artificialmente produzidas por um Banco Central. Os portugueses estão hoje como estavam os nossos patrícios na segunda década do século XIX, ou seja, sob um estranho jugo dos ingleses, que, na prática, governavam o país, a pretexto de protecção após as invasões napoleónicas e da ausência do rei D. João VI (então no Brasil). Hoje, não temos um ‘rei’ no outro lado do Atlântico, mas temos burocratas europeus, que nem sequer nos conhecem (nem querem conhecer), conluiados com os nossos governantes num sistema de quase absolutismo.
Não se avaliaram os sistémicos e duradouros efeitos (económicos, sociais, de saúde, etc.) de uma pandemia – ou melhor dizendo, de uma gestão da pandemia –, onde muitos enriqueceram sem ética nem controlo, e se criou um ambiente de mão-estendida, mesquinha e comezinha, perdendo-se o espírito crítico. Os pequenos escândalos que foram surgindo, uns atrás dos outros, mas ‘apagados’ rapidamente pela imprensa, deu no absurdo de nem sequer termos assistido a uma renovação do PS, e de assistirmos a uma oposição de esquerda fofinha – leia-se Bloco de Esquerda, Livre e PCP – que aparentou sempre estar interessada em não beliscar demasiado o legado desastroso do PS, numa vã esperança de ter sol na eira e chuva no nabal.
Cada um dos três partidos à esquerda dos socialistas pareceu contrariado em querer mais votos, receosos de retirarem a possibilidade de o PS ser o mais votado, e mais votado do que o PSD (ou AD) e o Chega. Depois de oito anos de Governo PS, secundados por uma ‘esquerda fofinha’, achar que a Esquerda ainda poderia almejar vencer estas eleições é de uma ingenuidade que me surpreende. Livre e Bloco de Esquerda – e menos o PCP – perderam talvez a derradeira hipótese de crescerem para, um dia, serem uma alternativa ao PS. Assumiram em 2024 que somente almejam ser duas muletas (ou mulas) de Governos socialistas.
Não se avaliaram, enfim, nesta campanha, as políticas de imigração, colocando o tema numa ‘redoma de tabu’, esquecendo que a obrigação de aceitarmos alguém em ‘nossa casa’ desemboca sempre em duas premissas: primeiro, termos os nossos bem tratados (por exemplo, dar médicos de família a TODOS os imigrantes ‘exige’ dar médicos de família a TODOS os portugueses, incluindo os que se vão naturalizando) e tratarmos os que recebemos com dignidade e ajudando-os numa adaptação às nossas regras e costumes. Transformar assuntos sensíveis em dogmas é arranjar lenha para uma fogueira.
Acredito que a forma como a imprensa tratou a campanha do Chega – que, no seu programa para estas legislativas, de um modo oportunista, ‘eliminou’ quaisquer laivos de xenofobia, tornando-se meramente populista – possa ter refreado um maior crescimento em regiões mais metropolitanas.
De facto, se analisarmos os resultados eleitorais do Chega – que, na minha opinião, funcionam muito mais como um indicador de insatisfação do que uma opção ideológica –, verificamos que em Lisboa e Porto – e também em Coimbra e Braga –, o partido de André Ventura teve um desempenho abaixo da média nacional. Significa que num ‘ecossistema’ mais urbano, mais dependente do Estado, a insatisfação ainda não atingiu os níveis dos registados no ‘país real’, por via do efeito comunicacional. Mas o Chega tem hoje um horizonte de crescimento impressionante, sobretudo por ser agora um partido de dimensão nacional de forma absoluta, e de não ter ainda ‘conquistado’ a população feminina e os mais idosos.
E não se duvide: a sua representatividade subirá muito se se continuar nesta absurda diabolização como um perigo para a democracia.
Não é! Os perigos para a democracia vieram das políticas que nos conduziram a um tal grau de insatisfação que o ‘escape’ se fez sob a forma de voto no Chega. Vieram da contínua insatisfação e desilusão das pessoas, muitas das quais que até votavam na esquerda, quando os ‘amanhãs’ ainda cantavam.
Estou muito longe de ser eleitor do Chega, e o meu voto neste domingo esteve nos antípodas do partido de André Ventura, embora não tenha votado com convicção, mas mais pela via de ser um ‘mal menor’. Em todo o caso, este resultado mostrou ser – e acrescente, finalmente – um ‘cartão amarelo’ aos partidos tradicionais, sobretudo aos partidos da esquerda ideológica, que de forma incompetente perderam a capacidade de auto-crítica, de renovação de ideias, insistindo e reiterando sempre no ‘perigo do fascismo’ como se não houvesse leis fundamentais e Justiça para aplacar quaisquer derivas.
Aliás, se coisas próximas do fascismo se viram nos últimos anos foi entre 2020 e 2022 – e não num Governo de André Ventura – com supostas medidas de Saúde Pública, que colidiram (Tribunal Constitucional dixit, embora tarde e a más horas) com direitos, liberdades e garantias.
Não sou dos que esquecem as multas às pessoas que estavam durante a pandemia a comer sandes no carro.
Não sou dos que esqueceram os absurdos lockdowns e outras restrições patéticas (até vedaram bancos de jardim!).
Não sou dos que esqueceram encerramentos de estabelecimentos comerciais ou de actividades por via de nunca justificadas razões de saúde pública.
Não sou dos que esqueceram como o Estado (leiam-se, pessoas da máquina estatal) lidou com aqueles que apelavam à racionalidade na gestão da pandemia, que se recusavam a vacinar (por, entre outras razões, terem imunidade natural adquirida), apodando-os de negacionistas (isto já não era discriminação?!), vedando-lhes o acesso a locais públicos e impedindo-os até de viajar.
Não sou daqueles que se esqueceram do obscurantismo de uma Administração Pública (e de um Governo) que manipula informação e esconde documentos, aproveitando-se de um poder judicial complacente.
Não sou daqueles que se esqueceram das perseguições dos reguladores da imprensa quando um órgão de comunicação social começou a incomodar o status quo de uma imprensa em podridão (ética) e falida, ou a denunciar esquemas (muito) suspeitos.
Estes anos, sim, pareceram-me muito mais próximos de um regime fascista do que aqueles que poderão vir por um partido como o Chega ser (apenas) o terceiro mais votado.
Repito: não fui eleitor do Chega – mas compreendo, e mais do que isso: até aceito como justo que mais de 1,1 milhões de portugueses tenham votado no partido de André Ventura. Têm toda a razão para esse voto de protesto, para esse voto de indignação. E, por isso, resta agora saber como evoluiremos a partir daqui: ou os partidos de génese ideológica de esquerda corrigem a sua concepção de Estado Social – exigindo uma gestão criteriosa e transparente dos dinheiros públicos, não ‘sufocando’ a iniciativa privada e as finanças dos cidadãos; ou a insatisfação aumenta e o Chega aumentará, inevitavelmente, a sua influência.
Mas, se este último for o caminho, nunca se culpe o Chega, nem a sua (quase certa) impreparação para fazer diferente e melhor. Numa derrota, a culpa nunca é do adversário; é nossa.
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Aviso já. Cheguei uma hora antes do jogo. Uma vez para nunca mais, presumo. Na carruagem do metro, quase vazia, poucos cachecóis encarnados vislumbrei, embora o casal sentado à minha frente os tivesse; o cão, que traziam à coleira, não – imperdoável. Nos ‘torniquetes’ de saída da estação, nenhuma fila. O acesso ao estádio livre estava, se bem que nos comes-e-bebes a afluência fosse bem maior de trincadores de bifanas e afins, sem o aspecto do ‘cemitérios de despojos’ de guardanapos e copos de plástico que se espraiam minutos antes dos jogos. Isso vejo eu nos outros encontros, onde chego em cima da hora, por norma.
Quanto ao estádio, nunca o vi assim. Quer dizer: já o vi várias vezes assim – muitas mesmo desde que escrevo esta Varanda da Luz –, mas depois da debandada geral, no fim dos jogos. Antes dos ditos, como por regra chego à pele, ou mesmo atrasado, entro sempre com a mole humana já bem atiçada. Ora, hoje, cheguei com meia dúzia de gatos pingados nas bancadas, o relvado ainda vazio (estão agora os jogadores a aquecer), e fui descansadamente buscar o farnel constituído, desta vez, por batatas fritas, garrafinha de água de pH básico e baguete de frango assado com espinafres. E uma banana. Melhor foi o almoço regado a Reserva 2018 de marca que agora esqueci, mas que me foi oferecido no meu aniversário pelo Luís Gomes. Sobrou uma, para próxima oportunidade.
Vista está a razão desta minha chegada antecipada. O jogo começa 30 minutos depois do fecho das urnas nos Açores. E eu quis que esta crónica fosse histórica, no sentido de que, desconfio, nenhuma outra antes, em lado algum misturou, àquilo que for calhando numa crónica futebolística (como as referências ao farnel ofertado pelo Benfica ou outras relevantes minudências), os avanços de uma noite eleitoral. Mas, enfim, quando em 2010 escrevi o meu romance ‘Corja Maldita’ e meti um papa a interromper um diálogo para ir mijar, pensava que nunca ninguém fizera tal coisa, até poucos meses depois ter lido a setecentista ‘A Viagem Sentimental’, do inglês Laurence Sterne, que coloca uma senhora a mandar parar o coche para fazer as devidas necessidades fisiológicas. Tudo, na verdade, está inventado.
Para colocar um pouco de ordem no desnorte que será esta crónica, vou então definir que os comentários sobre a bola ficarão entre parêntesis curvos…
(aliás, entraram agora os jogadores do Benfica, onde estará no 11 o João Mário… e acrescento que, há pouco, o nome de Roger Scmidt ecoado nos altifalantes foi brindado por um pequeno coro de assobios, apesar de estar apenas ocupado um décimo das bancadas)
… e os comentários da noite eleitoral ficarão entre parêntesis rectos com as palavras a negrito.
[falta pouco para as primeiras projecções… nem sei o que vem aí, mas o meu palpite é ficarem três partidos na casa dos 20%]
Se a noite aqui no estádio se prolongasse não sei que parêntesis teria para comentar a noite dos Oscars, embora a minha desgraçada vida tenha causado um rombo vergonhoso na minha cultura cinéfila ao ponto de não ter visto sequer um único filme dos ‘oscarizáveis’.
[pronto, saiu uma projecção da SIC-Expresso, com um empate técnico entre AD e PS…]
(espero bem que não haja empate ali em baixo)
[embora com o limite inferior do intervalo a ser superior para a coligação liderada pelo Luís Montenegro, enquanto o Chega pode ‘chegar’ aos 20%, dando-lhe entre 44 e 54 deputados. Nos restantes partidos, uma grande incerteza, porque como tudo depende das respectivas votações nos maiores distritos, sobretudo em Lisboa; mas, aparentemente os pequenos partidos da esquerda tramaram-se com a campanha suave que fizeram contra os socialistas]
Entretanto, reparo que ainda estamos a 20 minutos do início do jogo, ainda vai dar tempo para ver o voo da águia Vitória, o espectáculo de luzes para galvanizar o pessoal, embora o estádio esteja a meio – não sei se pelos extraordinários desempenho dos pupilos do Roger Schmidt nas últimas duas semanas (ou de todas) –, e depois a música das ‘papoilas saltitantes’ seguindo-se o ‘la la la la la’ com cachecóis a rodar.
[tempo agora para ver as projecções de outros órgãos de comunicação social. A sondagem da RTP dá AD e PS com possibilidade de se ‘tocarem’ mas com vantagem para a coligação liderada por Luís Montenegro, com um intervalo de 29% a 33%, enquanto o PS de Pedro Nuno Santos tem uma projecção entre 25% e 29%. O Chega nesta fica-se entre os 14% e os 17%. E os restantes partidos com variações que não permitem saber se sairão derrotados ou muito derrotados]
Entretanto, início de jogo antecedido por um minuto de silêncio em homenagem a Minervino Pietra, que me ‘viu’ tornar benfiquista, pois desde que tenho memória de gostar de futebol – e acompanhar então os relatos na rádio –, desde talvez os meus seis ou sete anos, lá estava ele: foi lateral direito de pedra e cal, e águia ao peito, com aquela sua cabeleira inconfundível, entre 1976 e 1987.
(e começa o jogo, e vou continuar a ver as outras projecções eleitorais, depois de um livre marcado pelo Di Maria quase rasar o poste)
[antes das projecções, vejo no site da RTP que já estão eleitos quatro deputados; ainda me lembro daqueles épicas noites eleitorais que se prolongavam madrugada adentro como os Oscars… Vejo que já estão apurados 62,2% dos votos, e a AD vai à frente com 31,85%, seguindo-se o PS com 28,94% e o Chega em terceiro com 19,28%… A surpresa vem com o ADN, acidental beneficiário da ‘confusão’ com a AD, que surge com 2,02%, à frente até do Livre… entretanto, já foram eleitos seis deputados, três para a AD e outros tantos para o PS… isto promete]
Entretanto, com isto, ali em baixo segue o jogo já com 13 minutos, e eu ainda nem sequer vi bem quem está a jogar, e mesmo que estivesse atento, como ainda não fui mudar de lentes se calhar vou ter dificuldades… Mas garantido é estar o João Mário a jogar porque já vi passes para trás.
[e o Chega elegeu entretanto o primeiro deputado… fui entretanto bisbilhotar a projecção da TVI/CNN, e também dá vitória da AD, com um intervalo entre os 28% e os 33%, mas em empate técnico com o PS…]
(goloooooooooooooooo…. já está, derrotado o empate técnico entre Benfica e Estoril: marca o turco Kökçü, que agora reparo, ao sacar o seu nome com as tremas, a partir da Wikipedia, nasceu na Holanda e até jogou nas selecções jovens por aquele país… estou mesmo ‘out’ nestas coisas do futebol, uma desgraça)
[… continuando pela noite eleitoral: as projecções da TVI/CNN dão o terceiro lugar ao Chega, que pode ir dos 16,6% até aos 21,6%… Mas na contagem a sério…]
(raios m’partam: golo do Estoril. Remate de um estorilista, Trubin a socar para a frente e leva um balázio; portanto, por aqui estamos de novo com empate técnico na contagem a sério)
Vou agora ver uns cinco minutos do jogo para descontrair e perceber as razões para se estar a assobiar tanto nas bancadas, que estão com imensas abertas. Já volto aqui, ou com um golo ou com os resultados eleitorais em curso, se entretanto chegar o intervalo. Ou com outra qualquer coisa que surgir… Também não posso estar sempre a escrever…
Olha, vou comer a banana enquanto tremo com os contra-ataques do Estoril.
Quer dizer, ainda deu para um breve telefonema com o nosso colunista Luís Gomes, entusiasmado com a noite eleitoral…
Para estragar a festa, lançamento de very lights por parte de uma claque benfiquista… portanto, um multa a caminho.
[e enquanto se aguarda que se disperse a fumaça, adianto que, neste preciso momento em que vos escrevo, com 78% dos votos apurados, estão eleitos 12 deputados da AD, nove do PS e quatro do Chega, mas, por conta do método de Hondt, só mais para o final se saberá a distribuição. Em todo o caso, parece garantida a vitória de Luís Montenegro; quanto a Pedro Nuno Santos saiu-se melhor do que eu esperaria, e a ‘coisa’ não está fácil para o PAN e para o Livre, sobretudo para o partido de Rui Tavares que aparentava querer ultrapassar um Bloco de Esquerda que tem em Mariana Mortágua um flop]
Ali em baixo entretanto, está a precisar-se de um intervalo. Nos pouco momentos que olho para o jogo, constato que o Benfica continua a não me dar arrependimento por estar desatento. A continuarem assim, prevejo, sem necessidade de projecções, que as bancadas vão começar a esvaziar-se até ao final da época.
(golooooooooooo… chiça! Nos descontos, parecia que ninguém queria cruzar para a área; lá se cruzou, não vi quem, e ao segundo poste Tiago Gouveia assiste Marcos Leonardo, que factura em cima da linha)
Sem se saber ler nem escrever, lá chegou o intervalo com o Benfica a desfazer o empate, dando-me tempo agora para olhar melhor para os resultados eleitorais e fazer um ou outro telefonema.
[portanto, neste momento, com 87% dos votos apurados – isto vai ser rápido! –, a AD conta 17 deputados, a que acresce mais um do PSD-CDS na Madeira; o PS vai em 15 e o Chega segue com nove. Ainda falta muito deputado a ganhar lugar, mas pelas percentagens, as ‘coisas’ não estão famosas para os pequenos partidos, pois todos estão abaixo dos 4%, por agora. A maior surpresa será o resultado do ADN, que com 1,81% provavelmente elegerá pelo menos um deputado em Lisboa, e encontra-se à frente do PAN e muito próximo do Livre, que andou a ‘cantar de galo’ na campanha e se calhar pouco mais terá do que o Rui Tavares no hemiciclo… Em todo o caso, vejo que no distrito de Lisboa, por agora, só estão apurados 37% dos votos, significando que há muita coisa ainda a decidir quanto aos pequenos partidos, sendo que, se se mantiver esta tendência, o Livre conseguirá eventualmente dois deputados, e o PAN e o ADN um cada, aumentando-se assim a representatividade partidária na Assembleia da República. Curiosamente, por agora, no distrito de Lisboa está o PS à frente, embora PS, AD e Chega estejam todos na casa dos 20%]
Lá em baixo já se encontram no meio-campo os árbitros, chegam entretanto os jogadores e vai este joguinho morno recomeçar.
(e recomeçou mesmo, morninho, tanto assim que nas bancadas quase não se ouve nada, e daqui onde estou até consigo ouvir um jornalista, que está na bancada acima daquela onde me encontro, a relatar o jogo para uma rádio)
[Entretanto, estou a divertir-me com os resultados do ADN que consegue mais de 3% no distrito de Viseu, e ‘arrisca’ eleger no Porto… neste momento os ‘gajos’ da AD devem estar a chamar-se estúpidos com a lembrança de ‘ressuscitarem’ a Aliança Democrática de Sá Carneiro, Freitas do Amaral e Ribeiro Teles… pobre alma do Ribeiro Teles, substituído pelo ‘desaparecido’ Gonçalo da Câmara Pereira]
(golooooooooooo… 3-1. Belo remate cruzado de Tiago Gouveia. Aqui, pelo menos as coisas estão a clarificar-se)
No meio disto, diz-me o Ruy Otero, um dos co-autores (e, para ser justo, o principal autor) da (imperdível) série ‘Indecisos’, que o PÁGINA UM publicou no seu novo canal do Youtube, que já está a pensar na nova remessa para daqui a uns seis meses, com as novas eleições. Vamos lá ver como estão os resultados, que isto muda agora muito de repente…
[Pois bem, com 93% dos votos apurados, AD conta com 32 mandatos, se incluirmos o deputado da Madeira eleito pelo PSD-CDS, enquanto o PS vai com 29. Um quase empate, por agora. O Chega vai com 14 e 18,88% dos votos, e os restantes partidos estão ainda a aguardar que o ‘amigo’ Hondt se decida com as contas finais. Neste momento, a IL está com 4,23%, Bloco de Esquerda com 3,95%, CDU com 2,96%, Livre com 2,30%, ADN com 1,77% e PAN com 1,61%… Enfim, acho que vamos mesmo daqui a pouco para eleições novamente, excepto se o Montenegro quiser ‘engolir’ um sapo chamado Ventura]
E ali em baixo estamos no minuto 60, tudo calmo, vai haver um canto a favor do Benfica, e anda-se ali a passar o tempo. Houve um remate mas nada se especial. Nem as habituais substituições do Schmidt ao minuto 60 foram feitas. Já que estamos em noite de eleições, e houve sondagens e projecções, e agora resultados quase finais, vou alvitrar um palpite: sem jogar a ponta de um corno, o Benfica ainda vai ganhar 5-1.
[E como estou com curiosidade, vejamos a evolução dos resultados eleitorais, a esta hora, isto é ao minuto 64 do Benfica-Estoril. Apurados 95% dos votos, há finalmente dois deputados eleitos fora dos ‘três grandes’: IL e Bloco de Esquerda contam o primeiro. Quanto à AD vai…]
(entretanto, jogada a ser revista pelo VAR por possível penalty… segue jogo)
[…a AD ia com 35, se contássemos com a Madeira, mas entretanto, por causa da espera do VAR, vai agora já com 38, porque acrescem agora dois na Madeira para o PSD-CDS. O PS segue perto, com 37; o Chega tem já uns impressionantes 22]
Esta crónica está, como seria previsível, bastante esquisita. Ainda por cima, como director de um jornal que até foi inovador na cobertura da campanha eleitoral – por ter sido o único que se predispôs a ouvir todos os líderes partidários, havendo apenas cinco faltosos em 24 ‘convocados’ – deveria estar a fazer uma ‘noite eleitoral’ à moda antiga, talvez em directo, que não nos faltam excelentes comentadores políticos, como sejam o Tiago Franco e o Luís Gomes; mas enfim, foi uma semana complicada, e não dá para tudo. E sobretudo não dá porque não nos podemos dar ao luxo da Impresa, o luxo de acumular mais oito milhões de euros de dívidas para contabilizar depois dois milhões de euros de prejuízos à conta do pagamento de juros.
(anunciam-se 48.964 espectadores no estádio… bem me parecia que hoje ficávamos abaixo dos 50 mil, e não sei se foi por causa da noite eleitoral)
[noto, entretanto, que apesar de estarem apurados 96% dos votos a nível nacional, ainda há um grande atraso nos distritos que decidem. Em Lisboa estão apurados apenas 59%, e em Setúbal 76%. Noto também que, em Beja, o Chega ganha um deputado e fica mesma à frente da AD. Em Évora ficará um deputado para cada um dos ‘três grandes’ e em Portalegre o Chega ‘rouba’ surpreendentemente o deputado à AD. E nisto, o Alentejo já foi chão que deu votos aos comunistas… Ficam a zero pela primeira vez. Saramago dá voltas na tumba]
E nisto do jogo, estamos no minuto 88, e o meu palpite do 5-1 falhou, tal como têm falhado todos os meus desejos de…
(bola ao poste… era o 4-1… e no contra-ataque foi uma sorte não ser o 3-2… vai haver cinco minutos de compensação)
… ver um jogo empolgante. Quer dizer: ver, não vejo, não apenas por nunca mais aviar as dioptrias de que necessito; não apenas por, escrevendo crónicas em directo, ser complicado acompanhar o jogo; mas porque, enfim, esta equipa anda longe de empolgar os seus adeptos. Mas gostava de, pelo menos, sentir a vibração nas bancadas, e acabar a escrever uma crónica em branco porque lá em baixo me ‘agarraram’…
[E enquanto o árbitro não finaliza isto, vamos lá ver as novidades eleitorais nesta noite em que poucos vão gritar vitória. Pois bem…]
(não deu para ver ainda, porque o árbitro acabou isto… vamos lá agora para as eleições)
[Neste preciso momento, às 22h28, faltam apenas apurar os resultados totais de 28 concelhos e de 2% dos votos, mas isto resulta numa indecisão sobre os partidos de 86 futuros deputados. Mas vejamos como a coisa está, por agora, distribuída: 54-54 no despique entre a AD (com PSD-CDS na Madeira) e o PS, depois segue-se o Chega com 34 deputados (e será o único a cantar vitória), e muito mais atrás a IL contabiliza três deputados, e o Bloco de Esquerda e o Livre já conseguiram um… Mas, como digo, ainda falta distribuir muita coisa… Vou aqui paginar esta estranhíssima crónica, e já regresso para os resultados finais. Se os houver]
Tudo paginado à trouxe-mouxe, reparando que não tirei assim muitas fotos durante o jogo, e atendendo que são daqui a nada 23:00 horas, e vendo ainda que hoje já nem houve sequer umas corridas dos suplentes não utilizados, vamos lá acabar com isto, olhando uma derradeira vez para os resultados.
[com parênteseis rectos?]
Tanto faz. Vai assim: terminada a escrita desta crónica às 23h06 do dia 10 de Março do ano da graça de 2024, tendo 99% dos votos apurados e 297 concelhos definidos, mas faltando assim distribuir, à conta do Hondt e dos círculos distritais, ainda 45 dos 230 mandatos (farei depois uma adenda), a AD lidera com 68 deputados (contando com os três ganhos pelo PSD-CDS na Madeira), o PS conta 65, o Chega vai com 41, e depois, bem cá para trás, a IL tem cinco e Bloco de Esquerda, CDU e Livre estão com dois, cada um. O PAN tem uma votação de 1,88% a nível nacional, mas elegerá Inês Sousa Real em Lisboa, onde tem 2,49%. O ADN vai com 1,65% e dificilmente elegerá alguém porque em Lisboa (onde há 48 mandatos) está com apenas 1,49%.
E pronto, temos uma situação política assaz interessante! Decididamente, mais interessante do que os jogos do Benfica.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Já votei Bloco de Esquerda. Não vou votar agora nem sei se aguento votar em qualquer partido da esquerda, mesmo mantendo-me ideologicamente de esquerda. E não vou votar por variadíssimas razões, entre as quais destaco as sucessivas incongruências, os contínuos disparates ideológicos e sobretudo a hipocrisia.
Esta noite, citada pelo Público, Mariana Mortágua disse num comício que “ser jornalista é uma espécie de teimosia perante todas as adversidades”, assinalando que não só sofrem da “mesma desregulação e precariedade que a economia”, como da “concentração do poder económico”.
E apontou baterias à “extrema-direita [que] não perde uma oportunidade para intimidar jornalistas”, reforçando que a “extrema-direita odeia o jornalismo livre porque odeia a democracia”.
Acho muito curioso, para usar um eufemismo, que Mariana Mortágua tenha tecido loas ao “jornalismo livre” e tenha, em simultâneo, recusado conceder uma entrevista ao PÁGINA UM na rubrica HORA POLÍTICA, mesmo conhecendo a jornalista que a iria entrevistar há anos. O Bloco de Esquerda foi um entre apenas cinco partidos faltosos, três dos quais da esquerda (além do Bloco de Esquerda, recusaram Livre e Partido Socialista). Houve 19 partidos que aceitaram o jogo da democraticidade.
Se há um jornal que melhor encaixa no conceito de imprensa livre, esse é o PÁGINA UM: somos um jornal sem ‘empresários’ por detrás, sem agendas económicoas ou ideológicas escondidas, de acesso livre, contas transparentes, sem dívidas nem publicidade nem parcerias com entes públicos ou privados, e sobrevivendo apenas de donativos dos leitores. Fazemos aquilo que as nossas capacidade financeiras permitem, e preferimos ‘morrer’ a ‘vender-nos’. Mas que faz Mariana Mortágua? Recusa uma entrevista, mas tem tempo para ir a programas de graçolas.
Recusou Mariana Mortágua uma entrevista ao jornal que nos últimos dois anos apresentou cerca de duas dezenas de intimações no Tribunal Administrativo para aceder a informação escondida deliberadamente por entidades públicas.
Recusou Mariana Mortágua uma entrevista ao jornal que nos últimos dois anos denunciou as promiscuidades em empresas de media, as falhas ou compadrios na regulação (quando a situação da Global Media explodiu, o PÁGINA UM noticiava sobre o assunto há meses), e não vimos Mariana Mortágua incomodada pelos ataques cerrados da ERC e da CCPJ ao nosso trabalho.
Recusou Mariana Mortágua uma entrevista ao jornal que nos últimos meses mais casos suspeitos tem revelado de desbaratamento de dinheiros públicos em estranhos contratos.
Recusou Mariana Mortágua uma entrevista ao único jornal que deu voz, através de uma entrevista, à mulher de Julian Assange, fundador da Wikileaks, que arrisca ser extraditado para os Estados Unidos, sendo uma vítima do mais infame ataque político à liberdade de imprensa e de informação.
Recusou Mariana Mortágua uma entrevista ao único jornal onde os seus colunistas têm uma única condição: liberdade de expressão, e por esse motivo não poucas vezes o ‘amaldiçoado’ Chega foi e é vilipendiado. Mas é um jornal que não coloca o Chega (ou qualquer outro partido fora do arco de governação) como o principal perigo para a democracia – embora já lhe tenha apontado linhas vermelhas que ultrapassaram recentemente -, sendo aliás o contrário: é por os partidos tradicionais terem colocado a democracia em perigo (e vimos todos os atropelos sobre direitos básicos durante a pandemia) que, infelizmente (e digo isto do ponto de vista ideológico), há partidos populistas como o Chega em forte crescimento.
E estão em crescimento até a esquerda deixar de ser hipócrita. E passar verdadeiramente a defender os princípios que a definem, e não a arranjar bodes expiatórios.
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Enquanto o regulador – aka ERC – se entretém, de forma patética – como se pode ver aqui, mais aqui e ainda mais aqui– a fazer de conta que arbitra regras para uma equidade democrática inexistente nesta (como em outras) campanha eleitoral, o PÁGINA UM terminou ontem um projecto editorial de que me orgulharei sempre: propusemos a todos os 24 líderes dos partidos inscritos no Tribunal Constitucional uma entrevista para o HORA POLÍTICA.
Com uma redação de apenas três jornalistas – mas com o merecido destaque para a jornalista Elisabete Tavares –, o PÁGINA UM entrevistou em podcast e publicou em texto integral um total de 19 líderes partidários, desde o mais novo partido (Nova Direita), publicada no dia 12 de Fevereiro, até ao mais antigo (Partido Comunista Português), ontem publicada.
Questiono-me sobre a razão pela qual um órgão de comunicação social com apenas três jornalistas, enquanto estes ainda mantinham em curso as demais actividades do jornal (incluindo edição e paginação), fez aquilo que outros, com dezenas ou mesmo centenas de jornalistas – como a RTP ou a Lusa, que ainda detêm obrigações de serviço público –, não fizeram apenas por não quererem fazer?
Não querem, mas depois queixam-se de cátedra dos populismos e dos riscos para a democracia do surgimento de populistas e extremistas. Não aplicar a máxima ‘uma pessoa, um voto’ à outra máxima ‘um partido, uma mesma oportunidade’ é que coloca a democracia em perigo, e fomenta populismos e extremismos, porque a receita para se ‘chegar’ ao eleitorado não é fácil com o actual comportamento dos media.
Em todo o caso, confesso: o HORA POLÍTICA não foi um sucesso absoluto, porque cinco líderes partidários optaram por não conceder entrevistas ao PÁGINA UM, eventualmente por considerarem que o impacte mediático seria pequeno ou negligenciável. Curiosamente, dos cinco faltosos – os líderes do Livre, Bloco de Esquerda, PPM , PS e PSD –, quase todos arranjaram agenda para programas de entretenimento ou mesmo conversas com humoristas. Dar umas graçolas é para muitos destes líderes, fica-se assim a saber, mais importante do que falar de política e de propostas para o futuro de Portugal.
Sabíamos que um jornal independente, e sem o estatuto e compromissos da legacy media, teria muitas dificuldades em se tornar apelativo para os partidos mais relevantes, mas a ideia também era saber do grau de democraticidade de cada um dos líderes. Nesse aspecto, ficámos – e eu particularmente fiquei – a saber como Luís Montenegro, Pedro Nuno Santos, Gonçalo da Câmara Pereira (embora este seja um caso, enfim, que raia o anedótico), Mariana Mortágua e Rui Tavares olham para a democracia, para a imprensa e para o jogo político, onde parecem sentir-se bem com regras democráticas injustas desde que a injustiça os beneficie perante os outros.
Por regra, em Portugal o director de um órgão de comunicação social não revela a sua ideologia e o sentido de voto em eleições. No caso do PÁGINA Um, sempre me defini de esquerda (apesar de, há muito, ‘órfão’ do ponto de vista partidário), também não o farei, mas sempre poderei anunciar em quem não vou votar: AD, PS, Bloco de Esquerda e Livre. Estes partidos deixaram de ser hipótese para o meu voto, não por questões ideológicas – votei em dois deles em diversas eleições ao longo das últimas décadas –, mas por não revelarem o nível de democraticidade que lhes deve ser dirigido. É portanto, sem ressentimentos, por uma questão de princípio. E em democracia, os princípios são tudo.
Uma nota final: depois de uma aposta muito significativa no acompanhamento das eleições – que incluiu, além das entrevistas, o podcast sobre as eleições passadas e a série de vídeos ‘Indecisos’ –, o PÁGINA UM tem necessidade de uma reorganização nas próximas semanas, uma vez que também necessitará de encontrar novas instalações e de reorganizar-se.
Um projecto desta natureza – vivendo apenas de donativos e de acesso livre – pode fazer, de quando em vez, apostas numa tentativa de crescer, mas tendo a noção de ser necessário reafectar recursos se os efeitos não forem positivos. Do ponto de vista de esforço físico e financeiro, os projectos que desenvolvemos associados às eleições não tiveram o retorno que desejaríamos – tendo mesmo havido uma redução do número de apoiantes ao longo de Fevereiro –, pelo que, no sentido, de manter o equilíbrio financeiro do PÁGINA UM iremos fazer uma reformulação, que implicará, durante um prazo que esperamos curto, uma redução na produção quer de notícias quer de artigos de opinião, que passarão, para cada colunista, a uma periodicidade quinzenal.
Mas, relembrando Mark Twain, o PÁGINA UM está ainda muito longe da sua morte – pelo contrário, a redução do esforço de edição de artigos de opinião, crónicas, entrevistas e mesmo da secção de cultura, permitirá optimizar o nosso ‘core business’: as investigações e as notícias que os outros não dão ou não querem dar.
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Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
Um contrato de concessão para a gestão do Centro Cultural da Malaposta, entre a autarquia de Odivelas e a Yellow Star Company, detida pela ex-modelo Carla Matadinho, é um caso paradigmático da absurda falta de cultura de transparência na Administração Pública: uma lei impõe a publicitação numa plataforma de acesso público (Portal Base); os gestores públicos tratam de meter um manto escuro sobre o papel. O texto do contrato que vale mais de 2,7 milhões de euros, inserido por obrigação legal no Portal Base, está inundado de rasuras a negro, ficando sem se perceber o seu conteúdo. O edil socialista Hugo Martins, que assinou o contrato, nem se digna a dar explicações.
O município de Odivelas celebrou um contrato de concessão da gestão e exploração do Centro Cultural da Malaposta no valor de cerca de 2,7 milhões de euros com uma empresa detida pela ex-modelo Carla Matadinho, mas a cópia inserida por obrigação legal no Portal Base está pejado de rasuras, que em muitos casos nem sequer permitem compreender o seu alcance. O contrato foi oficialmente assinado em 14 de Fevereiro, mas somente colocado na plataforma da contratação pública na quinta-feira passada.
Contratualizada após um concurso público em que apenas a Yellow Star Company Unipessoal – a empresa detida integralmente por Carla Matadinho –, a concessão terá um prazo inicial de vigência de quatro anos, podendo eventualmente prolongar-se por mais quatro. Em termos práticos, a autarquia entregará por ano 336 mil euros pela produção de 94 espectáculos, desde teatro e música até oficinas artísticas e projecção de cinema, nas quatro salas, constituídas pelo auditório principal (com 159 lugares), sala experimental (40 lugares), sala de cinema (54 lugares), sala Black Box (50 lugares) e café-teatro (100 lugares).
Carla Matadinho, proprietária exclusiva da Yellow Star Company, numa homenagem este mês ao actor Ruy de Carvalho, ao lado do encenador Paulo Sousa Costa (seu marido) e de Marcelo Rebelo de Sousa.
Independentemente de se considerar ou não um bom negócio para as partes envolvidas, aquilo que mais estupefacção causa é a quantidade absurda de rasuras que constam no contrato que sem qualquer justificação legal, tanto mais que não aparentam esconder dados pessoais.
Por exemplo, logo na cláusula primeira a segunda frase é amputada. Refere-se que “o objecto de concessão incluiu igualmente as instalações, equipamentos, materiais e espaços complementares de apoio”, com vista a algo desconhecido porque foi eliminado. O mesmo sucede no ponto 2 dessa cláusula sobre os espaços excluídos
A cláusula quarta, referente ao prazo de vigência, também tem três rasuras. A cláusula seguinte referente ao preço contratual tem uma rasura que torna mesmo enigmático o preço contratual, porque se fica a saber que os 336 miul euros por ano, acrescidos de IVA, são pagos à empresa de Carla Matadinho pela “concessão objeto presente contrato, bem como pelo cumprimento das demais”… coisas que estão rasuradas.
Centro Cultural da Malaposta, em Olival de Basto, no concelho de Odivelas.
Parte da cláusula das condições de pagamento estão também eliminadas no contrato disponível no Portal Base, o mesmo se verificando no clausulado do direito de utilização, dos investimentos complementares, das obrigações do concessionário (Yellow Star Company), das obrigações do concedente [autarquia), e muitas mais, ficando mesmo a desconhecer-se o calor da caução que corresponde a 5% do preço de algo que também foi rasurado.
Este contrato inédito pela quantidade de rasuras que possui na cópia inserida no Portal Base – e o PÁGINA UM, ao longo dos últimos meses analisou centenas de contratos – tem, no total, de 164 manchas rectangulares a preto, tapando por completo partes do texto9, embora haja até sobreposições de rasuras e mesmo umas poucas rasuras que, na verdade, nem sequer ocultam texto.
O PÁGINA UM procurou saber os motivos desta ‘fúria obscurantista’ num contrato público junto da autarquia de Odivelas, liderada pelo socialista Hugo Martins, que o assinou, mas não obteve qualquer resposta. Também sem resposta ficou a razão pela qual um concurso público desta natureza apenas recebeu o interesse de uma empresa.
O contrato entre a Câmara Municipal de Odivelas e a Yellow Star Company é um caso paradigmático da absurda falta de cultura de transparência na Administração Pública: uma lei impõe transparência; os gestores públicos tratam de meter um manto escuro sobre o papel.
Antes desta concessão, que entrará em breve quando o Tribunal de Contas conceder visto, o Centro Cultural da Malaposta era gerido, desde 2019, por um colectivo de artistas, a Minutos Redondo. Contactada pelo PÁGINA UM, uma das produtoras deste colectivo, Manuela Jorge, diz que perante as condições colocadas pelo município de Odivelas no concurso público não se mostraram suficientemente atractivas para concorrerem e tentarem renovar a conceção, que assim durou cerca de quatro ano.
A Yellow Star Company tem sido produtora de recentes espectáculos de sucesso, entre os quais Os Monólogo da Vagina, e os musicais Madagascar e A Bela e o Monstro, grande parte dos quais encenados por Paulo Sousa Costa – marido de Carla Matadinho -, bem de Ruy, a História Devida, em homenagem a ao actor Ruy de Carvalho, que este mês perfez 97 anos de idade.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
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A música de intervenção deve fazer, em certos contextos, parte da cultura de insubmissão de um povo. E um povo deve estar sempre insubmisso, sobretudo em democracia, porque a insubmissão é sobretudo um sinal de que estamos despertos.
Através de letras duras, impactantes, talvez excessivas pela necessidade de uma eficácia imediata, não se pode esperar por eufemismos na música de intervenção. A Arte não tem limites nem é aceitável limitações. Não tem um sentido literal, mas tem um objectivo: evitar a estagnação ou recuos em direitos, liberdades e garantias.
Por esse motivo, Basta, do rapper Estraca, não é uma música meiga, nem quis ser, nem poderia ser no actual ‘estado de coisas’. Mais ainda neste ano de 2024, e neste mês. Mas mais do que um ‘ataque político’, literal ou metafórico, apresenta-se sobretudo como um ‘murro no estômago’ contra nós, como sociedade, que se foi deixando amansar pelo ‘politicamente correcto’, pela política do respeitinho, e que não pôs em ‘mira’ (ou em sentido) os políticos que, em 50 anos de democracia, mataram, ai sim, literalmente, os nossos sonhos.
Foi por termos aceitado que os “filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos!” nos mandassem “lavar as mãos antes de ir para a mesa”, como se insurgia José Mário Branco, no seu FMI, em 1979, que estamos agora órfãos de um país que se sonhava decente. Hoje, parafraseando esse ‘hino de José Mário Branco, “não somos senão este tempo que decorre entre fugirmos de nos encontrar, e de nos encontrarmos fugindo”.
Pedro Almeida Vieira com Estraca, sentado ao centro, e os ‘figurantes’ do vídeo ‘Basta’, algures em Fevereiro deste ano.
Necessário não seria, mas, neste tempos de perseguição àquilo que se pensa e diz – mesmo se sob a forma de Arte (de intervenção) -, convém reafirmar: esta ligação do PÁGINA UM ao rapper Estraca no lançamento de ‘Basta’, como já sucedera em ‘Vício’, deve-se a dois simples factos: à inalienável liberdade de expressão, e por, pessoalmente, considerá-lo como um dos poucos consistentes e assertivos músicos de intervenção em Portugal do século XXI. E bem que precisamos de mais. Pelo menos, “venham mais cinco“… e de uma assentada, como diria Zeca Afonso.
Pedro Almeida Vieira
Director do PÁGINA UM
.
Letra
Vícios, by Estraca
Basta!
de escumalha no poder.
Basta!
trabalhar para nada ter.
Basta!
de ser escravo de um governo,
a merda vai mudando
mas o cheiro é sempre o mesmo
Basta!
de escumalha no poder.
Basta!
trabalhar para nada ter.
Basta!
de ser escravo de um governo,
a merda vai mudando
mas o cheiro é sempre o mesmo.
Está em morte lenta uma tuga que se aparenta ser
país tranquilo é para quem tem, não para quem tenta ter
e um zé povinho sempre a rasca que só lamenta
sem fazer a tal diferença na inocência de que o voto é poder
Urgência privado ou morres a espera
miséria que impera,
num país em que o povo tolera
as mentiras,
matéria de um socialismo sujo que opera
são décadas de decadência,
a falência de quem lidera
Sem saúde, habitação, república sem bananas
Galamba só 300 euros declarado as finanças
caramba
discreto,
melhor só mesmo o estado em cobranças
ou o esquecimento do Salgado a escrever sobre lembranças
Desperta!
Primeiro o povo, depois o partido:
promessas!
Campanhas pra te deixar entretido
são peças!
que só nos afastam do colectivo
Eu grito: basta;
junto as tropas, unidade, esse é o perigo
Basta!
de escumalha no poder.
Basta!
trabalhar para nada ter.
Basta!
de ser escravo de um governo,
a merda vai mudando
mas o cheiro é sempre o mesmo.
Basta!
de escumalha no poder.
Basta!
trabalhar para nada ter.
Basta!
de ser escravo de um governo,
a merda vai mudando
mas o cheiro é sempre o mesmo.
O povo paga os reparos dos carros caros
e fatos
livre de impostos, e até reforma, é tudo à pala dos parvos
tapar buracos a TAPs, entre contratos e tachos,
e tu calado no teu espaço,
na classe de endividados
E que é que eu faço?
Sai à rua, mas sem zecas e cravos.
Primeiro passo, tirar fora os 200 deputados
sentados sem fazer um caralho,
e mesmo assim são bem pagos
Povo no poder!
Tirar o poder a cobardes
e em vez de tinta era uma bala na cabeça,
resposta,
a revolta é muita num país que já não sabe em quem vota
e então aposta
novamente na confiança de um Costa
que fez de Portugal a nova Venezuela da Europa
Esta falência de um país: Segurança e Educação,
Saúde, Agricultura, Cultura e Habitação,
na exportação, os melhores, de jovens para emigração,
alteração de identidade de um país sem direcção.
Basta!
Basta!
de escumalha no poder.
Basta!
trabalhar para nada ter.
Basta!
de ser escravo de um governo,
a merda vai mudando
mas o cheiro é sempre o mesmo.
Basta!
de escumalha no poder.
Basta!
trabalhar para nada ter.
Basta!
de ser escravo de um governo,
a merda vai mudando
mas o cheiro é sempre o mesmo.
Basta!
Basta!
Basta!
Basta!
Basta!
Basta!
(A toda a Iniciativa Liberal, Bloco de Esquerda, Chega, à família PS, PSD, a todos os deputados que não fazem um caralho: abandonem as instalações da Assembleia da República o mais rapidamente possível. A festa acabou. Viva Portugal!)
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