Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Imprensa: Dona da Visão também deixou de pagar as contribuições à Segurança Social dos seus trabalhadores

    Imprensa: Dona da Visão também deixou de pagar as contribuições à Segurança Social dos seus trabalhadores

    É um case study, ou um caso de polícia. Em seis anos, uma empresa unipessoal no sector dos media, a Trust in News, com um capital social de 10 mil euros conseguiu o ‘prodígio’ de acumular dívidas já próximas dos 30 milhões de euros e sem ter problemas em falhar sucessivamente as suas obrigações junto do Estado. O PÁGINA UM soube agora, na consulta ao Processo Especial de Revitalização (PER), que afinal o empresário Luís Delgado não deu apenas um calote ao Fisco, mas deixou também de pagar as contribuições à Segurança Social dos seus trabalhadores. A acumulação de dívidas ao Estado, que em seis anos subiram para mais de 11 milhões de euros, só foram possíveis com o beneplácito do Governo anterior. O ministro das Finanças, Miranda Sarmento, mantém-se, por agora, silencioso sobre se vai haver, no âmbito do PER, onde o Estado é o principal credor da TIN, um perdão de dívida para ‘salvar’ mais um grupo de media do colapso financeiro.


    O anterior Governo permitiu que a Trust in News (TIN) – a empresa unipessoal de Luís Delgado que detém, entre outros títulos de comunicação social, as revistas Visão e Exame – deixasse de pagar, durante anos, as contribuições para a Segurança Social dos seus trabalhadores. E agora, no âmbito do Processo Especial de Revitalização (PER), apresentado pela TIN a 23 de Abril no Juízo de Comércio de Sintra, os Ministérios das Finanças e da Segurança Social vão decidir uma solução para uma dívida ao Estado que já deverá ultrapassar os 14 milhões de euros. Em 2022, as contas da TIN revelavam que o Estado detinha já 42% do passivo total, que então rondavam os 27 milhões de euros.

    A assumpção do não pagamento das contribuições para a Segurança Social, que tem enquadramento penal sobre os gerentes da TIN, surge na identificação dos credores com direitos sobre a empresa media de Luís Delgado. Além da Autoridade Tributária e Aduaneira, da Impresa e do Novo Banco – que o PÁGINA UM já identificara no ano passado –, surgem agora reveladas nos documentos do PER, consultados pelo PÁGINA UM, os créditos reivindicados pelos CTT e também pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social.

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    Não são, por agora, mencionados nem conhecimentos os montantes totais dos créditos em causa para cada uma destas entidades, devendo estes ser conhecidos no final deste mês, podendo ainda haver outras que reclamem direitos. Até finais de Junho, podendo ser prorrogado por mais um mês, será elaborado um plano de recuperação pelo administrador judicial, já nomeado, que será votado: se houver acordo, com redução renegociação da dívida, a TIN mantém-se; de contrário, a insolvência segue o seu curso.

    Em qualquer caso, Luís Delgado – que só precisou de investir 10 mil euros para uma empresa a caminho de um passivo de 30 milhões de euros em seis anos – e os gerentes da TIN já estão impedidos de “praticar actos de especial relevo“, e dificilmente haverá uma futura solução de viabilização que o reponha em funções. O tribunal de Sintra já nomeou Bruno Costa Pereira, que esteve à frente do processo de insolvência da Groundforce, como administrador judicial provisório.

    Curiosamente, numa conferência no mês passado, Bruno Costa Pereira criticou o papel do Estado em processos de recuperação de empresas, “afirmando que “não ajuda nada, apenas complica”, responsabilizando até o gestor de insolvência por não conseguir equilibrar uma empresa “com graves problemas” e ao ser o primeiro a ir buscar às reservas da empresa. “O Estado responsabiliza o gestor de insolvência se este não conseguir ‘o milagre’ de recuperar uma empresa que já está toda destruída. Se isto correr mal, eu posso ser revertido fiscalmente, sou responsabilizado. E só porque tentei sou penalizado? O Estado vai correr atrás de mim? Isto leva, e bem, a que a classe [dos administradores judiciais] tenha uma predisposição para assumir desde logo que  ‘isto não vai recuperar’”, disse Bruno Costa Pereira, citado pelo Jornal Económico.

    Em 2018, Luís Delgado, à esquerda, prometeu comprar as revistas da Impresa por 10,2 milhões de euros. Não pagou ainda tudo, e aumentou para níveis astronómico a dívida ao Fisco e à Segurança Social. Em seis anos, terá colocado o passivo da Trust in News próximo dos 30 milhões de euros. (Foto: D.R.)

    O caso da TIN será, porém, especial por se tratar de uma empresa de media e, sobretudo, por a sua evolução financeira, e especialmente as dívidas ao Estado, terem tido evidente cobertura política. Em 2018, logo no primeiro ano com as ex-revistas da Impresa, a TIN somava dívidas ao Estado de quase 943 mil euros. No ano seguinte subiu para cerca de 1,6 milhões, para depois mais que triplicar em 2020 situando-se em 5,1 milhões de euros.

    E continuou. Em 2021 estava já em 8,2 milhões de euros e em 2022 – último ano com contas aprovadas – encontrava-se já nos 11,4 milhões de euros. Acresce que a TIN nunca esteve na ‘lista negra’ tanto do Fisco como da Segurança Social, o que significa que se estabeleceu acordos de pagamento, mesmo autorizando o aumento das dívidas.

    Ao longo do ano passado, o PÁGINA UM tentou, por diversas vezes, obter esclarecimentos junto do então ministro das Finanças, Fernando Medina, para o ‘tratamento’ especial a uma empresa com um capital de 10 mil euros e colossais dívidas. Nunca obteve resposta.

    Registo do Processo Especial de Revitalização (PER) da Trust in News que identifica os credores.

    Já ao longo da última semana, e numa altura em que se renovam os apelos para as ajudas estatais à comunicação social em crise, o PÁGINA UM quis saber junto do novo ministro, Miranda Sarmento, se o Estado vai viabilizar a ‘recuperação’ da TIN no âmbito do PER, através de um perdão fiscal. Em suma, saber se é possível uma empresa de media com um pequeno capital social de 10 mil euros (similar à do PÁGINA UM) pode desenvolver a sua actividade endividando-se para, pouco anos mais tarde, vir a ser salva pelo Estado. Não obteve resposta.

    Ao PÁGINA UM, Luís Simões, presidente do Sindicato dos Jornalistas, recentemente reeleito, diz desconhecer as dívidas da Segurança Social por parte da TIN, afirmando que a entidade sindical está a iniciar agora contactos para se estudar uma solução para a crise financeira na imprensa nacional, que tem agora como epicentro não apenas a Global Media como a empresa detida desde 2018 por Luís Delgado.


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  • Governos Costa contrataram por 10 vezes consultores para ‘fazer’ políticas públicas

    Governos Costa contrataram por 10 vezes consultores para ‘fazer’ políticas públicas

    Um autêntico boomerang político. Pedro Nuno Santos veio criticar o Governo Montenegro pela contratação de uma consultora holandesa para ajudar na elaboração do Plano de Emergência da Saúde. Mas, afinal, durante os Governos Costa, essa empresa e as suas ‘irmãs’ celebraram 55 contratos com hospitais e entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde, conforme noticiou o PÁGINA UM. Mas ontem, Marta Temido ainda veio argumentar que nunca se fez, nos governos socialistas, ‘outsourcing’ para definir políticas públicas. Mentira. O PÁGINA UM revela hoje 10 contratos desde 2019, assinados pelas Secretarias-Gerais de quatro ministérios para serviços que visavam a criação de planos ou estratrégias políticas. O último foi no próprio dia da tomada de posse de Luís Montenegro. Entre os 10, há até um celebrado pelo Ministério da Saúde quando Marta Temido ainda estava em funções, e descobriu-se ainda mais quatro da Presidência do Conselho de Ministros. Tudo afinal, na prática, semelhante ao processo do Plano de Emergência da Saúde, mas em número assinalável.


    Não é afinal nada inédito a contratação de serviços de consultadoria externa para ajudar o Governo a definir políticas públicas, tanto assim que o anterior Governo socialista o fez amiúde. Numa pesquisa do PÁGINA UM, descobriram-se pelo menos uma dezena de contratos durante os Governos de António Costa que se assemelham ao mesmo modus operandi da polémica colaboração da consultora IQVIA, com sede na Holanda, que participou na definição do recente Plano de Emergência da Saúde, promovido pela ministra Ana Paula Martins.

    Recorde-se que esta polémica se iniciou na passada semana com a manifestação de estranheza do secretário-geral do Partido Socialista, Pedro Nuno, por ter sido contratada uma empresa externa ao Ministério da Saúde, sendo secundada pela antiga ministra e actual cabeça-de-lista às Europeias, Marta Temido, que se mostrou “perplexa” com a contratação de consultoras para definir estratégias políticas.

    Pedro Nuno Santos ‘levantou a lebre’, alimentada por Marta Temido, mas afinal Governo socialista fez aquilo que agora critica no Governo Montenegro.

    Ontem, o PÁGINA UM já revelara que, afinal, durante os Governos de António Costa, as empresas do grupo holandês, sobretudo a IASIST – que se encontra em processo de fusão com a sua ‘irmã’ IQVIA Solutions Portugal –, celebraram 55 contratos públicos, quase todos por ajuste directo, no valor de quase 2,1 milhões de euros, incluindo hospitais e entidades directamente tuteladas pelo Ministério da Saúde.

    Em reacção à notícia do PÁGINA UM, destacada pela SIC Notícias, e admitindo que pudesse haver contratos com “entidades do perímetro do Ministério da Saúde”, Marta Temido disse que daquilo que é o seu “conhecimento, o Ministério da Saúde [nos governos socialistas, infere-se] não recorreu a terceiros para contratação de definição de estratégias, mas não posso ir para além disso”.

    Mas o PÁGINA UM pode e pôde. E foi.

    E a partir de pesquisas de contratos assinados exclusivamente pelas Secretarias-Gerais dos diversos ministérios detectou-se um total de 10 contratos onde, de forma explícita e evidente, o objecto passou pela colaboração externa na definição de políticas públicas, designadamente na elaboração de planos ou estratégias sectoriais. De fora desta análise do PÁGINA UM estão as prestações de serviços de consultadoria para avaliação de instrumentos de políticas públicas, bastante frequentes.

    O mais recente deste tipo de contratos, para além daquele que o actual Ministério da Saúde já assumir ter celebrado com a IQVIA – e que ainda não consta do Portal Base – foi concretizado no exacto dia da tomada de posse de Luís Montenegro como primeiro-ministro, mas terá sido ainda uma ‘herança’ do Governo Costa, ou mais propriamente da antiga ministra Ana Mendes Godinho, uma vez que foi assumido pela Secretaria-Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social.

    Ministério da Saúde do último Governo socialista fez dois contratos similares aos que agora são criticados pelo secretário-geral socialistas, Pedro Nuno Santos.

    Não existem, no Portal Base, muitos elementos sobre este contrato com o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, sabendo-se apenas que se pagará 38.740 euros pela “realização de um estudo sobre formas de integração dos Princípios Horizontais na Implementação do Pessoas 2030”, um programa temático, com uma dotação de cerca de 5,7 mil milhões de euros, que se dedica a apoiar medidas de política pública que permitam enfrentar os desafios das qualificações da população, do emprego, da inclusão social e, transversalmente, da questão demográfica.

    Saliente-se que se sabe pouco desta participação do centro universitário que já foi liderado por Boaventura Sousa Santos, mas devia-se saber, porque existe um evidente atropelo do Código dos Contratos Públicos, uma vez que se usa uma norma para justificar a não redução a escrito do acordo entre as partas apenas passível de recorrer em montantes até 10 mil euros, mas o preço é quase quatro vezes superior.

    Mas, mesmo na área da Saúde, o Governo socialista decidiu ‘pedir ajuda externa’, com o erário pública, para a definição de estratégias políticas. Por duas vezes, uma das quais no tempo de Marta Temido na pasta.

    O mais recente contrato, sob tutela de Manuel Pizarro, foi assinado no dia 7 de Dezembro do ano passado entre a Secretaria-Geral do Ministério da Saúde e a Terapiailimitada, para a “aquisição de serviços técnicos na área da saúde mental, na área da prevenção do suicídio, para consolidar a estratégia da CNPSM [Coordenação Nacional das Políticas de Saúde Mental]”. O dono desta empresa, que recebeu 19.895,21 euros, ficando assim abaixo do limiar para se prescindir de contrato escrito, é o psiquiatra Ricardo Gusmão, professor da Faculdade de Medicina do Porto, presidente nacional da Aliança Europeia contra a Depressão e ainda presidente da Sociedade Portuguesa de Suicidiologia e Prevenção do Suicídio.

    Quanto ao segundo contrato da Secretaria-Geral do Ministério da Saúde, foi celebrado em 20 de Junho de 2022, dois meses antes da demissão de Marta Temido. Neste caso, o contrato, no valor de 15.000 euros foi celebrado com a empresa Renata Pinto Unipessoal por “consultoria de comunicação, para a elaboração e implementação do Plano Estratégico de Comunicação do Conselho Nacional de Saúde”.

    Foi, contudo, a Secretaria-Geral do Ministério da Economia que, ao longo dos ‘anos socialistas’ mais recorreu a contratações externas para gizar políticas públicas. De acordo com o levantamento do PÁGINA UM, em 27 de Agosto do ano passado foi contratada a sociedade anónima Keyknowledge People para “serviços especializados de consultoria no âmbito da definição de uma Estratégia e Plano de Ação para a Inovação e Transformação Digital”.

    Foram pagos 66.200 euros e, neste caso, o contrato disponível é muito explícito nas tarefas a cumprir pelos consultores externos, porque inclui as especificações técnicas. Além de tarefas de diagnóstico, os consultores tinham de realizar “entrevistas com os dirigentes da Secretaria-Geral para identificação dos problemas e necessidades em matérias de governança da Inovação e Transição Digital”, desenvolver e implementar “um sistema de governança” e ainda elaborar “o Plano de Acção detalhado para implementação da Estratégia de Inovação e Transformação Digital”. E nem faltava a obrigatoriedade de definir estratégias de comunicação e acompanhamento do progresso. Em suma, uma espécie de ‘política pública chave-na-mão’ a ser concebida por uma empresa externa.

    Poucos dias antes deste contrato, a 17 de Agosto, foi contratada a Quórum Numérico, detida por Marta Marques da Costa. A empresa unipessoal foi criada em 2020 e tem como objecto social a elaboração e desenvolvimento de projectos imobiliários, incluindo compra, venda e arrendamento, serviços de engenharia e formação, construção civil, remodelação e restauro de imóveis, empreitadas de obras públicas e particulares e exploração de empreendimentos imobiliários e turísticos. Porém, a Secretaria-Geral do então ministro António Costa Silva considerou que a Quórum Numérica era a única empresa capaz, por isso um ajuste directo de 6.930 euros, para dar conselhos na “elaboração do Plano de Eficiência ECO.AP 2030 para o triénio 2022/2024”.

    Governos socialistas desde 2019 fizeram, através de quatro Secretarias-Gerais, 10 contratos com consultores externos para definir políticas públicas.

    O terceiro contrato é muito mais antigo, remontando a Fevereiro de 2019, e desta feita por contratada a GIGASIS – Consultoria e Sistemas Informáticos para “serviços de consultadoria no âmbito da Estratégia e Sistemas de Informação da Economia” para esse ano. O preço foi de 30.848,40 euros por 11 meses de trabalho.

    Por fim, ainda durante o primeiro mandato de Costa, no período da ‘geringonça’, a Secretaria-Geral do Ministério da Economia ainda assinou um contrato de 59.900 euros em finais de Julho de 2017 com a Sigmadetalhe para “aquisição de serviços de consultadoria no âmbito da Estratégia e Sistemas de Informação”

    A própria Presidência do Conselho de Ministros, através da respectiva Secretaria-Geral, também tratou de fazer contratações externas para auxiliar a definição de políticas públicas. Em Abril de 2020 entregou 15.000 euros ao Instituto de Engenharia Mecânica e Gestão Industrial – uma instituição de utilidade pública provada associada à Universidade do Porto – por serviços de “consultoria técnica com vista à elaboração de plano para promoção da neutralidade carbónica.

    Mais recentemente, em Novembro de 2023, a PressDireto, uma empresa de relações públicas, foi contratada para a “elaboração de uma Estratégia de Comunicação do Fundo para o Asilo, a Migração e a Integração 2030”, recebendo 19.900 euros por um serviço que durou 10 dias.

    Por fim, no lote de contratos detactados pelo PÁGINA UM, inclui-se a Secretaria de outro ministério, o do Ambente, em 19 de Novembro, contratou a empresa CAOS – Borboletas e Sustentabilidade para lhe prestar “serviços de consultadoria estratégica e técnica na preparação e acompanhamento de diversos dossiers no plano internacional e comunitário, no âmbito da Presidência Portuguesa do Conselho da União Europeia, e do Trio de Presidências (Alemã-Portuguesa-Eslovena) designadamente em matéria de ambiente e alterações climáticas”. Por essa prestação, a empresa pertencente ao consultor Gonçalo Cavalheiro, recebeu 95.670 euros durante um ano de trabalho.


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  • Pedro Nuno Santos não viu os 55 contratos com a consultora IQVIA nos Governos Costa

    Pedro Nuno Santos não viu os 55 contratos com a consultora IQVIA nos Governos Costa

    A contratação de uma empresa de consultoria, a IQVIA Solutions Portugal, integrada numa multinacional holandesa para auxiliar o Ministério da Saúde a elaborar o seu plano de emergência ‘apimentou’ a campanha para o Parlamento Europeu, com a cabeça-de-lista socialista, Marta Temido, a tecer críticas subilinas ao Governo Montenegro. A antiga ministra disse não ter “memória nenhuma” de contratos com esta consultora nos Governos Costa, e a actual ministra prometeu revelar, no início desta semana, “todos os contratos e respetivos projectos e valores dos últimos oito anos”. Já não precisa: o PÁGINA UM apresenta-os agora, numa análise criteriosa aos negócios de todas as empresas do grupo holandês, que estão agora, em Portugal, num processo de fusão. Destaca-se, em oito anos de Governo Costa, um total de 55 contratos públicos com entidades do sector da Saúde, quase todos por ajuste directo, envolvendo 2,1 milhões de euros por serviços de consultoria e plataformas de gestão hospitalar. Não se sabe que tipo de informação acaba nas mãos desta multinacional holandesa que opera em 81 países.


    Durante os Governos de António Costa – que integrou Pedro Nuno Santos e Marta Temido – foram estabelecidos 55 contratos públicos entre entidades da Administração Central na área da saúde, incluindo hospitais, e as diversas empresas do grupo IQVIA Solutions, através das sucursais portuguesas desta consultora de saúde sedeada na Holanda. No total, considerando o período entre Novembro de 2015 e finais de Abril passado, estes contratos totalizaram quase 2,1 milhões de euros, sendo que cerca de 82% deste montantes foi por ajustes directos. Nestes contratos estão excluídos aqueles os celebrados com a Direcção Regional de Saúde dos Açores e a sociedade gestora de equipamentos de saúde Saudaçor.

    Este levantamento do PÁGINA UM contrasta, de forma chocante, com as declarações de ontem da cabeça-de-lista do Partido Socialista e antiga ministra da Saúde de 2018 a 2022. No decurso da ‘revelação’ de Pedro Nuno Santos de que o Governo Montenegro contratou uma empresa privada – a IQVIA Solutions Portugal– para colaborar na elaboração do Plano de Emergência da Saúde, Marta Temido disse, durante a campanha para as Europeias, “não ter memória nenhuma” de contratações com esta consultora nos governos que integrou, dando apenas o exemplo de uma auditoria à capacidade de formação de médicos “contratada ao exterior”. E acrescentou ainda que os Governos Costa nunca contrataram serviços externos para desenhar planos estratégicos para o Serviço Nacional de Saúde (SNS).

    Pedro Nuno Santos e Marta Temido em campanha eleitoral: levantaram um ‘coelho’ por causa de um contrato do Governo Montenegro con a IQVIA Solutions Portugal sem sequer verem os contratos nos Governos socialistas que integraram.

    A realidade, contudo, demonstra o contrário, porque durante os Governos Costa, e no período de Marta Temido como goverante, mais de duas dezenas de entidades tuteladas pelo Ministério da Saúde ‘fartaram-se’ de ter relações comerciais com a consultora do momento, que veio ‘apimentar’ a campanha para o Parlamento Europeu durante este fim-de-semana.

    Apesar de o foco estar, por agora, nos contratos da IQVIA Solutions Portugal – que assinou um contrato com o Ministério da Saúde para colaborar na elaboração do Plano de Emergência da Saúde por 9.250 euros – , na verdade esta é apenas uma das empresas integradas na holding neerlandesa que foram operando no nosso país. A IQVIA Holding está sedeada em Amsterdão e cotada na bolsa de Nova Iorque, sendo uma das principais empresas mundiais de consultoria e tecnologia clínica e com escritórios em 81 países,

    Embora a empresa-mãe na Holanda tenha actualmente em curso em Portugal uma operação de fusão, por integração na IQVIA de três outras das suas empresas portuguesas, a esmagadora maioria dos 55 contratos durante o Governo Costa foram realizados com a IASIST Portugal, uma empresa-irmã da IQVIA. A partir deste ano, a IASIST será incorporada – em conjunto com a IQVIA II Technology Solutions Portugal e a Evigrade Helath Care Research and Consulting – na IQVIA Solutions Portugal, que assumirá todos os contratos. Essa fusão é, no entanto, uma mera operação de gestão, tanto mais que, por exemplos, os gerentes da IQVIA Solutions Portugal e da IASIST Portugal são os mesmos: Sérgio Tavares Galvão e Mário Miguel Santos Martins.

    Até este ano, a IQVIA, uma multinacional holandesa presente em 81 países, operava em Portugal através de quatro empresas, que em processo de fusão centrada na IQVIA Solutions Portugal. A empresa do grupo com mais contratos foi, durante os Governos Costa, a IASIST, uma ‘irmã’ (agora aglutinada) da IQVIA Solutions Portugal, que assumirá a partir deste ano todos os contratos.

    Ora, apesar da falta de memória de Marta Temido, as empresas portuguesas desta multinacional de consultoria em saúde com sede na Holanda, e sobretudo a IASIST, são ‘velhas conhecidas’ tanto das diversas unidades hospitalares como também da Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) e até da Direcção-Geral da Saúde (DGS). Recorde-se que Marta Temido chegou a ser presidente da ACSS e também da Associação Portuguesa de Administradores Hospitalares alguns anos antes de assumir funções governamentais.

    A ACSS é, aliás, a entidade da Administração Pública com os maiores contratos celebrados com a IASIST: os três contratos assinados durante o Governo Costa totalizaram 312.851 euros sendo que o contrato após concurso público teve o preço de quase 185 mil euros, que serviu para pagamento de um pacote de software para estratificação da população pelo risco. Este contrato foi assinado em Setembro de 2023, embora tenha sido publicado no Portal Base apenas em Janeiro deste ano.

    Dos outros dois contratos com a ACSS destaca-se ainda um contrato assinado em Novembro de 2022 para serviços de consultoria incluindo a licença de uma ferramenta de gestão hospitalar. De acordo com a informação da própria IASIST, a plataforma em causa (ACG) inclui “um sofisticado modelo de previsão […] que foi apurado para identificar pacientes com elevado risco de consumo futuro de um grande volume de recursos de prestação de cuidados de saúde, assim como calcular esse mesmo custo potencial”. Nos documentos constantes do Portal Base não se fica a saber se a empresa tem acesso à informação recolhida nos hospitais públicos.

    Um outro contrato de consultoria de montante relevante foi celebrado em Dezembro de 2022 entre a IQVIA e a Direcção-Geral da Saúde no valor de 134.900 euros, tendo visado a realização de um “estudo de avaliação do regime escolar (2017/2018 a 2022/2023), não sendo ainda conhecidos os resultados.

    Ministra da Saúde, Ana Paula Martins, prometeu revelar os contratos da consultora holandesa em Portugal durante os Governos Costa. Já não precisa: o PÁGINA UM mostra em detalhe.

    De resto, têm sido as unidades hospitalares do Serviço Nacional de Saúde os principais clientes da IQVIA Solutions Portugal e suas empresas-irmãs, em especial a IASIST. Nos Governos Costa, foram celebrados com empresas da multinacional holandesa de tecnologia e consultoria no sector da saúde um total de 50 contratos, todos por ajuste directo, envolvendo 20 hospitais ou centros hospitalares. Em números absolutos, destacam-se 22 contratos por ajuste directo com unidades de saúde do Norte do país, sendo que seis foram celebrados pelo Centro Hospitalar do Tâmega e Sousa, cinco pelo Hospital da Senhora da Oliveira (Guimarães) e outros tantos pela Unidade de Saúde do Alto Minho.

    Em termos de montantes globais, no período dos Governos Costa, foi a Unidade Local de Saúde do Alto Minho que mais pagou à consultora holandesa: 194.050 euros. Com valores globais dos contratos entre 160 mil e 170 mil encontram-se três unidades do SNS: os centros hospitalares de Lisboa Norte, de Tâmega e Sousa, e ainda de Coimbra. Acima dos 100 mil euros estão ainda o Hospital de Guimarães (143.500 euros), o Centro Hospitalar de Entre o Douro e Vouga (117.500 euros) e o Hospital de Braga (110.000). Na análise destes contratos, a esmagadora maioria refere-se a serviços de consultoria de gestão clínica, designadamente ao nível do benchmarking.

    A consultora holandesa, através da IASIST, desenvolveu uma ferramenta online, designada IAmetrics, com mais de 20 indicadores de gestão. Também neste caso se desconhece se a empresa regista, também para si, informação obtida neste processo. Em todo o caso, em princípios, todos estes sistemas trabalham, até por uma questão de facilidade e de operacionalidade, com dados clínicos anonimizados, ou seja, não há informação ou dados pessoais recolhidos, até porque os objectivos são meramente de gestão.

    Montante total dos contratos públicos, por tipo procedimento, celebrados pelas diversas empresas do grupo de consultadoria holandês a operarem em Portugal duante os Governos de António Costa (Novembro de 2015 a Março de 2024). Fonte: Portal Base. Análise: PÁGINA UM-

    Em termos de despesa anual, 2022 e 2023 foram os de maior destaque, envolvendo contratos no valor de 402.147 e de 379.123 euros, respecticamente. Este ano, já em contratos abrangendo o Governo Montenegro, a factura vai, por agora, nos 71.000 euros. Não esta ainda incluído, no Portal Base, o contrato para o Plano de Emergência de Saúde, pois somente surgem dois ajustes directos relativos aos serviços da plataforma IAmetrics com o Centro Hospitalar de Coimbra (42.000 euros) e a Unidade Local de Saúde do Alto Ave (29.000 euros).

    Ou seja, ao contrário daquilo que afirma Marta Temido – que também afirmou em campanha eleitoral que “quem conhece bem [o sector da Saúde] não compra a terceiros, quem não sabe bem o que fazer tende a comprar fora” –, os anteriores governos socialistas aceitaram com normalidade a aquisição de serviços de consultoria e de aplicativos de gestão hospitalar ao sector privado, e particularmente à empresa (IQVIA) que agora está na berlinda. E depois desta ‘rabanada de vento’, que nem sequer ‘tempestade’ será, quase certo será continuar a ‘compra a terceiros’ mesmo se houver quem diga que conhece bem o sector da Saúde.


    N.D. O PÁGINA UM disponibiliza AQUI mais informação sobre os contratos entre as empresas do universo IQVIA e entidades públicas a partir de Novembro de 2015.


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  • O caso Público: a vergonhosa patifaria de um jornal colaboracionista

    O caso Público: a vergonhosa patifaria de um jornal colaboracionista


    No dia 23 de Dezembro de 2021, dois dias após o seu nascimento, o PÁGINA UM foi alvo do mais soez e escroque ataque da imprensa mainstream. Preparado como denodo, usando um então jornalista-estagiário da CNN Portugal (há muitos jornalistas que, de pequenino, ‘nasceram’ tortos e sem ética como ‘paus-mandados’), uma minha notícia de investigação sobre a baixíssima taxa de internamento em cuidados intensivos e a letalidade nula de crianças com covid-19 – apresentando os casos convenientemente anonimizados – serviu para acusações encapotadas de o jornal (e eu) estar ao serviço de movimentos ditos “negacionistas”. No lead da minha notícia, de grande rigor, salientava que “este é o cenário de uma faixa etária que pouco tem a beneficiar de um programa de vacinação em massa. Apenas ganha incerteza no longo prazo”. Eram dados reais, oficiais, que contrariavam o pânico lançado pela imprensa para um programa de vacinação muito apetecido por certos sectores da sociedade.

    A forma como a notícia da CNN Portugal foi então orquestrada – com seis opiniões de médicos críticos (não se sabe bem a razão), acompanhada de uma suposta denúncia (nunca concretizada da Ordem dos Médicos) à Comissão Nacional de Protecção de Dados –, sem me identificar e ao PÁGINA UM (mas sendo mais do que óbvia, pelo elementos fornecidos), e a difusão massiva e corrosiva por outros órgãos de comunicação social, tinham um objectivo claro: decepar literalmente um projecto  de jornalismo independente.

    Não vale aqui historiar agora o falhanço da imprensa mainstream nessa demanda – e, compreendo bem, as vantagens deles em que não existisse nos últimos dois anos e meio o PÁGINA UM.

    Mas, no meio deste processo, há um jornal (chamemos-lhe assim) cujo ‘tratamento’ jamais perdoarei – e que deve ser destacado agora à luz das revelações do PÁGINA UM sobre a ocultação por Miguel Guimarães (antigo bastonário da Ordem dos Médicos e actual vice-presidente da bancada do PSD) dos pareceres do Colégio de Pediatria e da consequente perseguição ao pediatra Jorge Amil Dias. Estou a falar do Público.

    Como se tem mostrado agora patente, nunca houve consenso, pelo contrário, na vacinação contra a covid-19 de crianças e adolescentes – e, infelizmente, temo que se venha a revelar um dos piores erros (ou crimes), colocando os lamentáveis episódios da vacinação contra o HPV na Índia em 2009 (num projecto financiando pela Fundação Melinda e Bill Gates) ou dos ensaios escabrosos da Pfizer na Nigéria em 1996 com uma vacina contra a meningite como ‘brincadeiras de crianças’.

    O parecer assinado por Jorge Amil Dias, então presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, que ontem revelámos, mostra-se, aliás, uma peça antológica daquilo que se espera de uma Medicina credível e prudente, que impele para a confiança e esperança. Ainda mais quando se trata da protecção de crianças e jovens. Este parecer, nunca é demais sublinhar, foi escrito em Julho de 2021.

    Público preferiu contribuir para silenciar, censurar e difamar as opiniões contrárias à ‘narrativa’ em vez de questionar e investigar se o ‘consenso’ era natural ou uma imposição. O ‘consenso’ da vacinação de menores só era possível porque a Ordem dos Médicos se censurou um parecer do Colégio de Pediatria e perseguiu profissionais.

    Ou seja, nunca houve consenso para a vacinação de adolescentes e crianças, a começar pela classe médica e, em particular, por parte da cúpula da Pediatria. E não foi apenas nos pareceres do Colégio da Pediatria, mas também num abaixo-assinado de profissionais de saúde, no início de 2022, que foi ostracizado pela generalidade da imprensa mainstream.

    Aquilo que houve foi colaboracionismo da imprensa: acções concertadas com as autoridades para ostracizar e eliminar ‘vozes críticas’, mesmo se credíveis, misturando-as com radicais, apodando-as a todas de ‘negacionistas, ‘bolsonaristas’ e ‘trumpistas’. E se é difícil apresentar provas sobre a a acção e a agenda de muitos directores (e jornalistas), no caso do Público é muito fácil, porque confessaram o seu vergonhoso acto.

    Aquando do processo de um direito de resposta do PÁGINA UM, que envolveu a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), o jornal Público tentou, em meados de 2022, evitar a sua publicação apresentando uma providência cautelar no Tribunal Administrativo, que obviamente perdeu, Mas é nessa peça jurídica, apresentada pelo advogado do Público Francisco Teixeira da Mota (e choca-me vê-lo nesses ‘preparos’) que se revela o papel de colaboracionista daquele jornal durante a pandemia, pela mão do lastimável então director, o suposto jornalista Manuel Carvalho.

    Com efeito, nessa peça jurídica assumida pelo Público, é escrito o seguinte sobre o artigo do PÁGINA UM que era de um rigor a toda a prova: “A omissão do nome da página do Facebook ou do jornal que a alimenta foi uma decisão deliberada da Direcção Editorial do jornal PÚBLICO  e da editora da secção da Sociedade, que, com sentido de responsabilidade, não quiseram dar publicidade à publicação que, manifestamente, tinha tomado posições claramente atentatórias contra a necessidade de se criar consenso social em favor da vacinação, algo que o jornal PÚBLICO assumiu e defendeu desde a primeira hora.”

    Trecho do texto da providência cautelar do Público onde ‘justifica’ a sua posição e me ataca directamente acusando-me de ter “tomado posições claramente atentatórias contra a necessidade de se criar um consenso social em favor da vacinação”.

    E mais adiante, acrescenta o advogado do Público: “No âmbito desse exercício de liberdade, [o Público] entendeu não divulgar páginas de redes de sociais ou sites informativos que, na sua perspectiva, questionam ou ofendem o interesse público que deve orientar a vacinação e a gestão de informação respeitante à pandemia de covid-19”.

    Se já choca ver um jornal defender que a função da imprensa, num regime democrático, passa por, “com sentido de responsabilidade” difamar um outro jornal (e um jornalista com créditos firmados) por não contribuir para “a necessidade de criar consenso social em favor da vacinação”, sem qualquer questionamento, a gravidade desta postura piora à luz das revelações da censura do parecer do Colégio de Pediatria do Ordem dos Médicos por Miguel Guimarães e à consequente perseguição do pediatria Jorge Amil Dias por causa dos seus prudentes e certeiros pareceres.

    Segundo tercho do advogado do Público onde me acusa de questionar ou ofender “o interesse público”. Fazer jornalismo de investigação até apurar, com recurso aos tribunais, que houve pareceres do Colégio de Pediatria censurados pelo então bastonário da Ordem dos Médicos deve ser, seguindo esta interpretação do Público, uma ofensa ao interesse público. De facto, quando se é colaboracionista, a busca da verdade é uma ofensa ao “interesse púbico” no conceito do poder que se serve.

    Nunca houve consenso para a vacinação contra a covid-19 de menores nem motivos de Saúde Púbica para avançar com esse programa de desnecessárias consequências imprevisíveis; houve sim a imposição de uma ‘narrativa’, e o Público e os seus jornalistas não apenas pactuaram – colaboraram activamente em impor esse alegado “consenso social”, recorrendo à censura e à mais vil difamação. E assumiram. Sem vergonha nem remorsos. O Público negou o jornalismo e abraçou o colaboracionismo, participando em abjectas estratégias típicas de regimes ditatoriais. Agiu a então Direcção Editorial do Público (alguns membros ainda se mantêm na actual) esfaqueando nobres princípios da Democracia, o regime que lhe concedeu a liberdade de informação, mas também a responsabilidade de bem informar sem cometer filhadaputices.

    Emfim, o Público portou-se, durante a pandemia, como um pasquim subserviente dirigido não por jornalistas mas por colaboracionistas – por uns merdas. Na língua de Camões, não há um eufemismo passível de ser usado para caracterizar esta gente que tem nome.

    Nota final: uma vez que não confundo jornalistas colaboracionistas com jornalistas dignos que ainda exitem, e muitos no Público, convém relembrar quem integrava a Direcção Editorial deste jornal que “com sentido de responsabilidade, admitiu querer difamar com dolo quem “tinha tomado posições claramente atentatórias contra a necessidade de se criar consenso social em favor da vacinação“, apesar da existência de um parecer ‘censurado’ da autoria da cúpula da Pediatria portuguesa e da notícia do PÁGINA UM ser factual e rigorosa. Vejamos quem eram pela ficha técnica do Público de 23 de Dezembro de 2021: Manuel Carvalho (director), Amílcar Correia, Andreia Sanches, David Pontes e Tiago Luz Pedro (directores-adjuntos). A editoria da Sociedade era ocupada por Rita Ferreira e Pedro Sales Dias. Todos, do ponto de vista de moral e ética profissional, uns trastes.


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  • Miguel Guimarães, um infame hipócrita anti-Hipócrates

    Miguel Guimarães, um infame hipócrita anti-Hipócrates


    Em Janeiro do ano passado, em final de mandato na Ordem dos Médicos, e preparando já caminho para voos políticos – é agora vice-presidente da bancada parlamentar do Partido Social Democrata (PSD) e uma escolha de Luís Montenegro nas eleições legislativas para o distrito do Porto –, Miguel Guimarães concedeu uma entrevista ao Diário de Notícias. E destacava que “o caso do bebé sem rosto foi o mais difícil dos seus mandatos”. Garantiu: “Senti-me pequenino no mundo”.

    O mesmíssimo homem que se sentiu “pequenino no mundo” pelo mediático caso de uma dramática e lastimável negligência de outro médico (e não dele) – e que resultou no nascimento de uma criança com elevadas deficiências (ainda viva), em vez de se fazer uma interrupção de gravidez (a ‘terapêutica’ para estes casos) –, não teve pejo de lançar a sua bênção institucional, como bastonário da Ordem dos Médicos, para que centenas de milhar de jovens portugueses recebessem um fármaco cujo benefício era virtualmente nulo para a larguíssima esmagadora maioria, e grande ainda era (e é) a incerteza sobre os efeitos adversos, incluindo mortes, a curto, médio e longo prazos.

    Miguel Guimarães foi bastonário da Ordem dos Médicos entre 2017 e Março de 2023.

    E não fez isto de forma inconsciente nem negligente. Em Julho de 2021, como ontem o PÁGINA UM revelou (e depois de ser necessário recorrer ao Tribunal Administrativo para obrigar o agora bastonário Carlos Cortes a ceder), Miguel Guimarães escondeu activamente dos seus colegas do Conselho Nacional e da opinião pública um parecer aprovado pelos 11 membros do Colégio da Especialidade de Pediatria da própria Ordem dos Médicos – um órgão independente –, assinado pelo seu presidente, Jorge Amil Dias, que não recomendava a vacinação contra a covid-19 para adolescentes saudáveis entre os 12 e os 15 anos. Meses mais tarde, Miguel Guimarães agiu de novo dolosamente no sentido de esconder um alerta para a ser prudente quanto à vacinação contra a covid-19 de crianças entre os 5 e os 11 anos.

    Não satisfeito, Miguel Guimarães ‘montou’ nos meses seguintes, activamente, com os seus apaniguados – onde se destaca o inefável Filipe Froes, um marketeer de bata branca –, uma das mais vergonhosas e nauseantes campanhas de difamação contra Jorge Amil Dias, ‘patrocinando’ um processo disciplinar sem pés nem cabeça, por delito de opinião (ainda mais científica e médica), com a conivência de uma imprensa acéfala. Nesta fase, Miguel Guimarães sempre se mostrou mais favorável em agradar, por exemplo, ao comentador Marques Mendes do que em salvaguardar a saúde de crianças.

    Miguel Guimarães poderia ser apenas um tonto e inábil para a função que exerceu durante o período da pandemia, ou a ‘ressurreição’ de Tomás de Torquemada, se a Ordem dos Médicos fosse apenas uma associação profissional – chateava e perseguia os seus, e eles que se entendessem como agremiação. Mas não. A Ordem dos Médicos é mais do que isso; é sobretudo um bastião da defesa das práticas e princípios de uma classe profissional, não apenas terapêuticos e éticos, que se baseiam na confiança – e, legalmente, é um dos pilares da Saúde Pública, o que lhe dá direitos, mas também responsabilidades. E sobretudo deveres sobre cada um de nós.

    Pintura de Anne-Louis Girodet-Trioson (1767-1824) representando Hipócrates negando presentes do imperador persa Artaxerxes II.

    Por isso, quando Miguel Guimarães decidiu intencionalmente ‘engavetar”, sem sequer levar à discussão no seio da Ordem dos Médicos, um parecer da cúpula da Pediatria portuguesa – e depois encetar uma perseguição ao autor desse parecer –, não cometeu um acto a ser dirimido eventualmente numa assembleia geral dos seus ‘confrades’. Violou sim, vergonhosamente, vários dos princípios da Medicina, que fariam estremecer Hipócrates, a saber:

    Primum non nocere: primeiro, não prejudicar – um princípio que recomendaria não administrar um fármaco supostamente preventivo, cujos efeitos secundários ainda não estão consolidados, a um vasto grupo de pessoas (jovens) sobre a qual a doença em causa era genericamente benigna.

    Beneficum: existência de um benefício evidente da terapêutica – um princípio que recomendaria que apenas se deve administrar uma terapêutica a alguém se os seus efeitos benéficos suplantarem, para o indivíduo que a toma, os eventuais efeitos adversos, não sendo sequer aceitável que seja prejudicado mesmo se outros pudessem beneficiar desse “sacrifício”.

    Fidelitas: fidelidade – um princípio que se refere à lealdade e compromisso de um médico para com os seus pacientes, no sentido de lhe conceder todas a informação para um consentimento informado, o que foi impedido, no caso em concreto, com a ocultação do parecer do Colégio de Pediatria.

    Veritas: verdade – um princípio básico em sociedade, mas ainda de maior valia na Medicina, porquanto qualquer ocultação intencional de informação, ainda mais saída do Colégio de Pediatria, é um ultraje à verdade, se outros mais graves actos não tivessem sido cometidos.

    Respectus: respeito – um princípio que, em primeira análise, e neste caso, deveria impedir que se olhasse, no processo de vacinação de menores, para cada um dos adolescentes e para cada uma das crianças como simples membros indistintos de um ‘rebanho’, porquanto uma das fundamentais diferenças entre tratamentos veterinários e tratamentos médicos é que, nos segundos, o tratamento é individualizado e o objectivo é o indivíduo em si.

    woman in bikini lying on wooden dock during daytime

    Bem sei que a História é escrita pelos vencedores. E, por agora, Miguel Guimarães – como outros, com Gouveia e Melo à cabeça – é um dos ‘vitoriosos da pandemia’, não apenas pelos lugares que agora ocupam como pela impunidade de que beneficiam. Aliás, veja-se o caso de Miguel Guimarães – e também de Ana Paula Martins, a actual ministra da Saúde – que se fizeram de ‘bons samaritanos’ gerindo numa conta pessoal mais de 1,4 milhões de euros numa suposta campanha solidária, mas financiada quase na sua totalidade pela indústria farmacêutica, sem pagar impostos, promovendo facturas e declarações falsas, sem que nada tenha sucedido. Veja-se também o caso da vacinação de médicos não-prioritários, em articulação com Gouveia e Melo, violando as normas da Direcção-Geral da Saúde (DGS), mas que uma inspecção intencionalmente pífia da Inspecção-Geral das Actividades em Saúde (IGAS) considerou estar legal sem sequer analisar a lista dos inoculados e sem se preocupar com o facto de um político ter beneficiado de uma dose ‘dada’ por Miguel Guimarães.

    Mas, apesar desta ‘vitória’ fruto de uma ‘verdade’ imposta pelo poder, e não pela realidade, os factos são factos. E os factos são evidentes: Miguel Guimarães – que se sentiu “pequenino” por um lamentável caso de negligência médica, que implicaria, se não tivesse existido, a ocorrência de uma interrupção de gravidez (porque seria impossível tratamento intra-uterino) – é um hipócrita, porque tratou centenas de milhar de crianças e adolescentes saudáveis como gado, contribuindo para um clima de pânico junto dos pais, que não haveria se o parecer do Colégio de Pediatria tivesse sido conhecido.

    girl covering her face with both hands

    Com isto, negou e violou os princípios do Juramento de Hipócrates, mais graves ainda por estar em funções de bastonário, obstaculizando o acesso a informação vital para um consentimento informado, tornando-se assim um hipócrita anti-Hipócrates.

    Miguel Guimarães, por tudo o que fez – começando pela ocultação do parecer do Colégio de Pediatria em 2021 e consequente perseguição ao pediatra Amil Dias –, só não é, para além de hipócrita anti-Hipócrates, um criminoso, porque estamos em Portugal, onde o Ministério Público não defende o bem público, entrando em jogos de conveniência e de política, e avalizando, com a sua inércia, práticas previstas e punidas pelo Código Penal.

    Só por esse motivo, e por recomendação de advogados, este texto de opinião não se intitula “Miguel Guimarães, um criminoso hipócrita anti-Hipócrates”. Não faz mal, substituir criminoso por infame até me parece mais apropriado para a persona em causa. E assim atinge também, justamente, muitos médicos que aceitaram, sem protestar nem sequer pestanejar, ser representados por esta infame figura que se destacou negativamente num dos períodos mais negros e sombrios da Medicina e da Ética em Portugal.


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  • Covid-19: Ordem dos Médicos impediu pais de conhecerem parecer que não recomendava vacinação a menores saudáveis

    Covid-19: Ordem dos Médicos impediu pais de conhecerem parecer que não recomendava vacinação a menores saudáveis

    Miguel Guimarães, vice-presidente da bancada parlamentar do PSD e antigo bastonário da Ordem dos Médicos, escondeu intencionalmente em 2021 dois pareceres do presidente do Colégio de Pediatria que, a não serem ‘barrados’, teriam permitido que muitos pais evitassem ir a correr vacinar filhos saudáveis contra a covid-19. O conteúdo dos pareceres, assinados pelo pediatra Jorge Amil Dias – que viria a ser ‘perseguido’ durante meses por Miguel Guimarães –, é agora finalmente revelado pelo PÁGINA UM, após ter sido necessário o recurso ao Tribunal Administrativo de Lisboa, uma vez que Carlos Cortes, o sucessor de Miguel Guimarães, também não quis revelar estes documentos fundamentais para um “consentimento informado”. Mais de dois anos depois, o PÁGINA UM quis saber se Miguel Guimarães se arrependeu do que fez. Não obteve resposta.


    Em pleno Agosto de 2021, o actual chefe do Estado-Maior da Armada Gouveia e Melo, como coordenador da task force da vacinação contra a covid-19, apesar da sua especialidade de submarinista, era o suposto ‘maestro’ da Saúde Pública em Portugal. No dia 11 daquele mês, apelava ele na imprensa para que os pais dos adolescentes entre os 12 e 15 anos os fossem vacinar sem qualquer receio. “Nós temos cerca de 400 mil jovens nessa situação. Eu espero que os pais desses jovens percebam uma coisa muito simples: a vacina é segura, a vacina é eficaz e, numa pandemia, não ser vacinado com a vacina é ser vacinado com o vírus”, garantia então Gouveia e Melo, ‘entronizado’ como herói no combate à pandemia através da agilização da logística da administração deste fármaco.

    Poucos dias depois, em 21 de Agosto, recebido com aplausos, Gouveia e Melo mostrava a sua emoção pela ‘corrida dos pais’ aos centros de vacinação. Na semana anterior, a aura do coordenador da task force engrandecera-se ainda mais, depois de ‘enfrentar’ uma manifestação em Odivelas constituída por pessoas logo apelidadas de “negacionistas” e “anti-vacinas”. Gouveia e Melo dizia então aos jornalistas: “Olhe, o que estão a dizer agora, genocídio e assassínio, chamam-me assassino, o que quer que eu lhe diga?”, para depois salientar que a “única coisa” que tinha a dizer aos manifestantes era que “o obscurantismo no século XXI continua”.

    Covid-19 Vaccine In Vials And Injection

    Obscuro, na verdade, estava então, numa ‘gaveta’ de Miguel Guimarães – então bastonário da Ordem dos Médicos e actual deputado e vice-presidente da bancada do PSD na Assembleia da República –, um sensível parecer de sete páginas sobre vacinação de adolescentes, que contrariava a pressão de se vacinar adolescentes. Urologista de formação, Miguel Guimarães era um dos maiores adeptos da vacinação generalizada, enquanto coordenava, com a actual ministra da Saúde, um ‘bolo solidário’ de 1,4 milhões de euros (pejado de irregularidades e ilegalidades) financiado quase em exclusivo por farmacêuticas. E não apreciou nada a ‘ousadia’ do Colégio de Pediatria em querer ‘meter o bedelho’ num sector que, enfim, abrangia menores de idade, ou seja, cidadãos que, mesmo quando têm problemas urinários (a especialidade de Miguel Guimarães) são tratados por pediatras.

    No parecer datado de 25 de Julho de 2021 – que finalmente chegou ao PÁGINA UM depois de uma rocambolesca intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, uma vez que o actual bastonário Carlos Cortes recusou cedê-lo de forma voluntária –, o presidente do Colégio de Pediatria, Jorge Amil Dias, salientava que “dado o risco geralmente ligeiro da doença por Covid na população pediátrica, do potencial benefício imunogénico de infecção ligeira, d[a] alta taxa de cobertura vacinal [então] a ser atingida brevemente na população adulta, dos potenciais efeitos iatrogénicos [efeitos adversos da vacina] e da falta de óbvio benefício para os jovens a vacinar” se mostrava recomendável, “perante os dados disponíveis neste momento”, administrar apenas a vacina para adolescentes entre os 12 e 15 anos que tivessem “cumulativamente” comorbilidades de risco especial e convivessem com “adultos que não [pudessem] receber a vacina por motivo medicamente reconhecido”. O parecer, elaborado por Amil Dias, foi aprovado por toda a Direcção do Colégio de Pediatria, constituída por 11 membros, que esteve em funções até Abril do presente ano.

    Saliente-se que a existência deste parecer (e de um outro, mais curto), mantido na obscuridão durante o mandato de Miguel Guimarães como bastonário, somente foi conhecido em Setembro do ano passado, como então revelou o PÁGINA UM, porque um terceiro parecer do Colégio de Pediatria, desta vez divulgado pela Ordem dos Médicos, lhes fazia referência.

    Miguel Guimarães e Ana Paula Martins: a pandemia ‘catapultou-os’ para voos políticos.

    Apesar de o conteúdo deste parecer concluído em Julho de 2021, assinado por Amil Dias, ser uma peça rigorosa de Ciência e de bom senso, imbuída dos princípios de prevenção, terapêuticos e éticos, Miguel Guimarães nem sequer o enviou para o Conselho Nacional, o órgão da Ordem dos Médicos com funções para determinar ou não a divulgação pública desta posição. Ao invés, nos meses seguintes, Miguel Guimarães manifestou sempre uma posição acintosa contra os médicos, incluindo pediatras, que apelaram para a prudência na vacinação de menores de idades, tendo em consideração os fracos benefícios e incógnita dos efeitos adversos a curto, médio e longo prazos.

    Recorde-se que os óbitos causados pela covid-19 em Portugal em idades pediátricas foram de apenas quatro em mais de três anos de pandemia, estando todos os casos associados a comorbilidades gravíssimas. Além disso, a letalidade global da covid-19 nos menores de 25 anos foi muito inferior às ‘banais’ pneumonias, já por si muitíssimo baixa, conforme o PÁGINA UM já demonstrou.

    Consciente da polémica então em curso nesse Verão, o presidente do Colégio de Pediatra lamentava, na introdução do parecer, “a voracidade da imprensa perante um assunto naturalmente controverso, e a frequente presença de não pediatras, alguns com cargos de responsabilidade na Ordem dos Médicos, emitindo recomendações, ainda que fora da sua competência específica”. Não são indicados nomes, mas um é óbvio: Filipe Froes, pneumologista com fortes ligações à indústria farmacêutica, consultor da Direcção-Geral da Saúde (DGS) e porta-voz do gabinete de crise da Ordem dos Médicos, que quase diariamente incentivava a vacinação generalizada independentemente do grupo etário e das vulnerabilidades.

    Apesar de o actual deputado social-democrata mais uma vez não ter respondido ao PÁGINA UM, uma semana antes de Amil Dias ter concluído o seu parecer de 25 de Julho de 2021, uma aparente sintonia pairava entre a Ordem dos Médicos e o Colégio de Pediatra, que é um órgão autónomo. Em 14 de Julho, uma notícia da Lusa referia que a Ordem dos Médicos tinha um representante no grupo de trabalho da DGS, que já entregara um documento onde estavam vertidas “as preocupações [que] devem ser consideradas e ponderadas na recomendação”. Amil Dias dizia então que “a questão que se coloca é se é ou não necessário vacinar com esta vacina, na medida em que a doença nas crianças, mesmo quando elas têm covid-19, é uma doença pouco grave”. Por sua vez, Miguel Guimarães dizia então que “é preciso ter alguma prudência, é preciso ter algum cuidado, é preciso analisar todo o conhecimento que existe nesta matéria e depois tomar uma decisão”.

    Jorge Amil Dias, presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos: os seus pareceres foram ‘engavetados’ e acabaria alvo de um processo disciplinar ‘patrocinado’ por Miguel Guimarães e promovido activamente por médicos com ligações à indústria farmacêutica.

    Porém, nos dias seguintes, o bastonário demonstrou que não aceitava opiniões discordantes da sua e do seu círculo próximo, independentemente de nenhum ser pediatra. E quando recebeu o parecer do presidente do Colégio de Pediatria, escondeu-o, e concedeu o apoio institucional para a vacinação dos menores.

    Lendo agora o parecer de Julho de 2021 assinado por Amil Dias, compreende-se os motivos, mesmo que ínvios, para Miguel Guimarães o esconder, mesmo se este comportamento possa ser considerado chocante num médico e, ainda por cima, com as responsabilidades públicas de um bastonário da Ordem dos Médicos.

    No primeiro ponto das “questões relevantes”, Amil Dias dedica-o ao “primado do benefício e segurança para as crianças e jovens” relativamente à vacinação contra a covid-19. O presidente do Colégio de Pediatria começa por dizer que deve sempre ser “assegurada a segurança de crianças e jovens, minimizando o risco de prejuízo e iatrogenia”, ou seja, de efeitos nefastos resultantes de um tratamento médico. Em seguida, alerta para o significado da aprovação de um fármaco, o que não deva a sua toma ser generalizada. “Aprovação significa apenas possibilidade de utilização do fármaco em questão”, escreveu, relembrando ainda que “os interesses da indústria [farmacêutica] consistem nos seus interesses comerciais”. Amil Dias destacava mesmo ser “excessivo e abusivo assumir que a mera aprovação da EMA [Agência Europeia do Medicamento] significa recomendação automática”.

    E assim, frisando que os processos de autorização das vacinas contra a covid-19 “foram encurtados e as populações avaliadas muito menores do que é habitual, dado o carácter excepcional e emergente do contexto pandémico”, este pediatra acrescenta que “disso decorre que alguns riscos ou efeitos a médio prazo podem ter sido subvalorizados e só se tornarem evidentes com a utilização em grandes grupos populacionais”. E conclui: “Esta característica recomenda então que a indicação do seu uso generalizado seja ainda mais cautelosa e pesado cuidadosamente o risco/benefício da população pediátrica”, isto é, dos menores de idade.

    Primeira página do parecer de 25 de Julho de 2021 do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, que o então bastonário nunca levou ao Conselho Nacional, preferindo ‘engavetá-lo’.

    Quanto à questão da protecção conferida pela vacinação – que estudos científicos têm vindo a demonstrar ser cada vez menos duradoura e eficaz com as novas variantes, além de ser agora consensual que a imunidade natural é bastante relevante –, o presidente do Colégio de Pediatria já então, em Julho de 2021, defendia de forma clara que “a vacinação, mesmo completa, não impede completamente a infecção, embora diminua o seu risco” em termos de morbilidade e mortalidade. Porém, salientava algo que então Miguel Guimarães e as autoridades políticas e de saúde se recusavam a admitir: “A esperança inicial, que a vacina controlasse por completo a doença promovendo a sua erradicação, tem sido defraudada, facto que não está exclusivamente relacionado com a adesão à vacinação, mas também relacionada com as características das vacinas e da doença”. Amil Dias destacava já que a vacina contra a covid-19 funcionava “de forma substancialmente diferente das vacinas tradicionais que impedem a infecção e ajudam à sua erradicação”, dando os exemplos da poliomielite e do sarampo.

    Por esses motivos, e também por já então considerar ser “provável que a doença natural” conferisse “imunidade mais consistente do que a proporcionada pela vacina” – algo que jamais o bastonário da Ordem dos Médicos desejava admitir, em linha com as autoridades e também com Gouveia e Melo, ansioso em mostrar números –, o presidente do Colégio de Pediatria acrescentava que “se a doença não é severa na população pediátrica, então é plausível que a imunidade conferida pela infecção (em doença clínica geralmente ligeira) possa até ser mais eficaz do que a da vacina, desde que os adultos em risco estejam protegidos pela vacina”. E concluía o óbvio: “é desta forma que identificamos as doenças infecciosas vacináveis”.

    No seu parecer, Amil Dias também colocava ‘água na fervura’ do sensacionalismo mediático em torno da hospitalização de crianças com covid-19, que considerava de “muito baixo número de internamentos ou de gravidade”. “No início da pandemia”, escreveu o presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos, “houve alguns internamentos motivados mais pelo receio médico de doença agressiva do que de gravidade efectiva”, recordando os quatro casos de mortalidade pediátrica sempre “associados a outras co-morbilidades severas”. Amil Dias apresentava dados internacionais, como os da Inglaterra, onde a taxa de sobrevivência em menores era de 99,995%, “confirmando que a doença [covid-19] é muito raramente fatal” em idade pediátrica, “mesmo entre aqueles com co-morbilidades”. O pediatra indicava que, com base nos dados ingleses, a taxa de mortalidade de menores era de 0,0002% e que representava 0,8% das mortes pediátricas, bastante raras, por todas as causas.

    ‘Templo de obscuridão”: durante a pandemia, Miguel Guimarães ‘fechou’ a Ordem dos Médicos ao debate e à opinião, ‘perseguindo’ colegas por delito de opinião.

    No meio deste parecer, o presidente do Colégio de Pediatria também recordava aquilo que era a prática consolidada em Saúde Pública antes da pandemia, e que politicamente foi alterada durante o programa de vacinação contra a covid-19. “O conceito de vacinas é extremamente caro aos pediatrias”, destacava Jorge Amil Dias, “que têm tido perfeita noção do seu benefício e por isso, compreensivelmente, se preocupam que um novo programa específico possa comprometer a confiança que a população tem nas imunizações recomendadas”. E, invocando “o conceito geral [de] que a vacinação deve beneficiar directamente quem a recebe”, mais adiante o presidente do Colégio de Pediatria nem sequer ser ético vacinar crianças se se quisesse proteger os mais idosos.

    Até porque, como argumentou Amil Dias, os efeitos adversos então já apontados não eram assim tão irrelevantes, estimando a ocorrência de “60 episódios de miocardites entre os 570.000 candidatos à vacina anunciados” pelo Governo. E destacava que essa incidência era “superior à dos fenómenos tromboembólicos com a vacina da AstraZeneca, o que levou à sua suspensão total em alguns países”. Relembre-se que a vacina da AstraZeneca foi retirada do mercado pela própria farmacêutica anglo-sueca por alegadas questões financeiras, mas subsiste meia centena de julgamentos no Reino Unido devido a efeitos adversos e um rasto de mais de três mil mortes suspeitas somente nos países do Espaço Económico Europeu.

    A este parecer ‘engavetado’ por Miguel Guimarães sem sequer ouvir o Conselho Nacional da Ordem dos Médicos, seguir-se-ia mais tarde um novo parecer de Amil Dias, este apenas de uma página, que surgiu aquando da decisão de se vacinar também as crianças entre os 5 e os 11 anos. Nesse texto, também censurado pelo então bastonário da Ordem dos Médicos, alertava-se para o facto de “não [haver] informação suficiente para assumir qualquer posição de princípio a favor ou contra a utilização desta vacina neste grupo etário na actual situação epidemiológica no nosso país”.

    silhouette of jumping people
    Doentes ou não doentes: a ambição de vacinar 100% dos portugueses levou a administrar doses sem conhecer impactes futuros mesmo em crianças e adolescentes saudáveis.

    E dizia Amil Dias, ainda, que, sem prejuízo de aceitar as decisões das entidades reguladoras, deveria ser “considerado em todas as circunstâncias o equilíbrio entre o benefício comprovado para as crianças vacinadas e os potenciais malefícios/ efeitos secundários, assim como o real impacto/ benefício para a comunidade da sua vacinação em cada momento da situação epidémica”. E concluía: “para que seja possível esta avaliação, somos de opinião que os dados actuais são ainda insuficientes”.

    Perante a posição intencional de Miguel Guimarães em esconder os dois pareceres ao público, impedindo assim o acesso a informação relevante para um consentimento informado por parte dos pais, no início de 2022 seria lançado um abaixo-assinado a pedir a suspensão imediata da vacinação contra a covid-19 em crianças e jovens saudáveis. Entre os signatários encontravam-se, além de Amil Dias, o catedrático Jorge Torgal (um dos maiores especialistas de Saúde Pública do país e antigo presidente do Infarmed de 2010 a 2012), os pediatras Francisco Abecassis e Cristina Camilo (presidente da Sociedade de Cuidados Intensivos Pediátricos) e o cardiologista Jacinto Gonçalves (vice-presidente da Fundação Portuguesa de Cardiologia).

    Porém, com a opinião pública completamente ‘intoxicada’, este abaixo-assinado foi ostracizado, e Miguel Guimarães conseguiria mesmo montar uma operação de ‘difamação’ do presidente do Colégio de Pediatria, que envolveu um processo disciplinar e mesmo uma tentativa de exonerar Jorge Amil Dias. De entre os médicos que ‘denunciaram’ Amil Dias estavam Alberto Caldas Afonso, Filipe Froes, Luís Varandas, Carlos Robalo Cordeiro, parte dos quais com fortes ligações à indústria farmacêutica. Em particular, Froes e Varandas (que até recebia uma avença) com uma ‘preferência particular’ à Pfizer, a empresa com a vacina autorizada para menores. O processo disciplinar a Amil Dias seria arquivado em Novembro de 2022, mas Miguel Guimarães conseguiu durante meses os seus intentos: lançar um ‘manto’ mediático difamatório sobre Amil Dias para o descredibilizar junto da opinião pública e a classe médica.

    Neste ínterim, enquanto a Ordem dos Médicos procurava ‘silenciar’ os críticos, foi sendo montada uma rede de cumplicidades e atropelos legais para ‘validar’ a campanha de vacinação de menores, que inclui a não audição do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, substituindo-o por uma jurista com ligações ao Partido Socialista e ao Grupo Melo e que concluía existirem “benefícios para a saúde mental da criança decorrentes de ser vacinada, uma vez que, se não for infectada, não sofrerá os efeitos negativos associados a uma ou várias situações de confinamento”.

    Gouveia e Melo, actual Chefe do Estado-Maior da Armada, foi coordenador da task force, sendo a sua opinião considerada mais válida do que a do presidente do Colégio de Pediatria da Ordem dos Médicos.

    O processo de vacinação de menores de idade apenas decorreu durante alguns meses, mantendo-se uma espécie de omertà sobre os efeitos adversos. Até Dezembro de 2022, a Agência Europeia do Medicamento (EMA) informava que tinham sido administradas cerca de 57,3 milhões de doses em menores. Deixou de ser entretanto administrada, excepto em condições muitos particulares de comorbilidades.

    Numa investigação do PÁGINA UM à base de dados da EMA, publicada em Janeiro do ano passado, detectaram-se então 125 casos de mortes de jovens, a esmagadora maioria sem qualquer comorbilidade grave, com fortes suspeitas de estarem associadas à toma da vacina da Pfizer. Mas tanto em Portugal como no estrangeiro mantém-se um encobrimento da verdadeira dimensão dos efeitos secundários. No nosso país, o PÁGINA UM aguarda há mais de um ano o resultado de um recurso no Tribunal Central Administrativo para aceder aos dados anonimizados do Portal RAM gerido pelo Infarmed. O pedido ao regulador, recusado, foi feito no final de 2021.

    N.D. Consulte AQUI os dois pareceres integrais. Este longo processo de saber a verdade somente foi possível por intermédio de uma acção de intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa, e graças ao apoio financeiro dos leitores do PÁGINA UM, por via do FUNDO JURÍDICO (que neste momento está em défice). O recurso aos tribunais, apesar de serem processos onerosos, lentos e desgastantes, têm sido a única forma de obter, em muitos casos, documentos fundamentais, uma vez que, apesar de transcorridos 50 anos do fim do Estado Novo, há ainda ‘velhos hábitos’ que perduram.


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  • Transparência dos media: Vodafone apanha coima histórica de 75 mil euros por esconder accionistas

    Transparência dos media: Vodafone apanha coima histórica de 75 mil euros por esconder accionistas

    Operadora de televisão por cabo e accionista da Sport TV, a sucursal portuguesa da Vodafone andou num ‘jogo do gato e do rato’ com a Entidade Reguladora para a Comunicação (ERC) por causa da identificação dos accionistas de referência, obrigatória na Lei da Transparência dos Media. A Vodafone andou a ‘puxar’ a paciência do regulador até ao limite para não divulgar informação no Portal da Transparência que, na verdade, até constava em relatórios da ‘holding’ inglesa, onde, além da BlackRock, se fica a saber da participação da empresa de telecomunicações do Estado dos Emirados Árabes Unidos, e que tem causado polémica no Reino Unido por razões de segurança interna. O desfecho deste processo, iniciado há mais de três anos, teve agora um epílogo: uma coima de 75 mil euros, a maior deste género aplicada pelo regulador dos media.


    Foi um jogo do gato e do rato, embora o ‘rato’ seja uma multinacional inglesa: a Entidade Reguladora para a Comunicação Social multou este mês a Vodafone em 75 mil euros por esconder “com dolo” os accionistas de referência. Em causa estava uma obrigação, prevista na Lei da Transparência dos Media, que obriga todas as empresas de media a revelarem os sócios, accionistas ou outra entidades e pessoas com interesses directos ou indirectos superiores a 5% do capital social.

    A multa agora aplicada á Vodafone – que tem uma participação de 25% na SportTV, daí estar sobre a alçada do regulador dos media – é a maior já aplicada por violação da Lei da Transparência, e surge numa sequência de outros processos recentes que levaram já à aplicação de duas coimas de 16,700 euros (à PFM – Radiodifusão e à Popquestion), outras duas de 20 mil euros (à cooperativa Rádio Singa e à Rádio Ilha) e uma de 35 mil euros à empresa gestora da Rádio Santo António.

    Mas ao contrário destas empresas – e de outras mais que viram ser os seus processos de contra-ordenação arquivados, geralmente após correcção das falhas e lacunas apontadas pela ERC –, onde as coimas se referiam à falta de informação sobre os fluxos financeiros, no caso da Vodafone a sucursal portuguesa quis deliberadamente esconder dois dos seus accionistas de referência: a multinacional de investimentos BlackRock e uma empresa de telecomunicações detida maioritariamente pelo Estado dos Emirados Árabes Unidos, a ETISALAT.

    Na deliberação da ERC, ontem divulgada mas aprovada no passado dia 15, é historiada as insistentes tentativas do regulador em fazer a Vodafone cumprir o preceituado na lei portuguesa que exige conhecer-se mesmo os principais accionistas a montante da empresa que directamente detém um órgão de comunicação social.

    Ora, no caso da Vodafone, como se está perante uma holding em cascata, tipo matrioska, a sociedade anónima Vodafone Portugal – Comunicações Pessoais está registado no Portal da Transparência como operador de distribuição e prestador de serviços audiovisuais a pedido, bem como accionista (25% do capital) da Sport TV Portugal. Mas esta é a sucursal da Vodafone Europe BV, que a detém a 100%. Por sua vez, esta empresa é detida pela Vodafone Consolidated Holdings Limited, que por sua vez é detida pela Vodafone International Operations Limited, e esta é detida pela Vodafone European Investments. No topo desta ‘cascata’ está a Vodafone Group PLC. E era sobre a origem do capital desta public limited company (PLC) – um termo que, no Reino Unido, se aplica a corporações com investimento privado, não estatal – que a ERC pretendia que fosse colocada no Portal da Transparência.

    A primeira vez que o regulador detectou a ausência de informação sobre os principais accionistas da Vodafone Group PLC foi em Abril de 2021, tendo sido dado 10 dias para a correcção das falhas. Mas ao longo dos meses seguintes, com muitas trocas de mensagens de correio e contactos, a falha principal não foi corrigida. Em Novbembto de 2022 – ou seja, mais de um ano e meio depois –, a a mandatária da Vodafone informou a ERC de que a “Vodafone Group PLC, entidade cujo capital social se encontra disperso em bolsa, não sendo, consequentemente, possível proceder à identificação dos detentores do mesmo”, acrescentando que, por este mesmo motivo a Vodafone Group PLC não tem uma estrutura do capital social definida na plataforma [da transparência]”.

    Não era, porém, verdade – como os serviços da ERC detectaram, e bastaria uma consulta nos relatórios e contas da própria holding. Por exemplo, no mais recente relatório anual, embora haja uma parte significativa do capital em bolsa, a própria Vodafone Group PLC identifica, como accionistas de referência, a ETISALAT detém 14,01%, a BlackRock 6,23%, a Liberty Global 4,92% e o Norges Bank 3,00%. Para efeitos de cumprimento da Lei da Transparência dos Media somente as duas primeiras teriam de ser indicadas – mas teriam mesmo.

    Só que a sucursal portuguesa manteve o ‘braço de ferro’ com a ERC, dizendo em Fevereiro do ano passado que “na generalidade das situações em que são solicitadas informações sobre a estrutura acionista de uma determinada empresa do grupo, nunca são incluídas informações sobre os acionistas minoritários da Vodafone Group PLC (empresa-mãe do Grupo Vodafone) no respetivo organigrama, uma vez que este é elaborado de forma a abranger apenas as empresas detidas (direta ou indiretamente) por esta última entidade. Por outras palavras, os organigramas fornecidos a entidades externas só identificam empresas a partir da empresa Vodafone Group Plc para baixo”.

    A partir daí a ERC fez o serviço que lhe competia e avançou com o processo de contra-ordenação, apurando também que faltavam as participações relevantes da Black Rock, detidas pela Vanguard Group (8,65%) e a Blackrock Fund Investiments (6,53%), que continuam ainda em falta no Portal da Transparência dos Media. Note-se, aliás, que a sucursal da Vodafone, apesar de ter colocado a participação da BlackRock e da ETISALAT (desactualizada), ainda não inseriu os accionistas da holding norte-americana.

    A ERC é particularmente critica ao comportamento da Vodafone, dizendo que, “dada a sua dimensão, e o facto de operar há vários anos num sector de elevada complexidade técnica, altamente regulado, não pode ter deixado de representar que tinha o dever de indicar toda a cadeia de imputação de participações iguais ou superiores a 5% do capital social”. E acrescenta mesmo que não está em causa “uma matéria meramente teórica”, mas sim algo que “assume gravidade”. Nessa linha exemplifica, de forma explícita, com a celeuma no Reino Unido causada pela entrada da empresa de telecomunicações no capital da Vodafone, por fornecer “tecnologia sensível a departamentos e agências governamentais”.

    O regulador poderia ter optado por uma coima entre 25 mil e 125 mil euros. Acabou por escolher o valor médio: 75 mil euros, “dado o desvalor da conduta e a sua gravidade, o facto de a Arguida não mostrar qualquer arrependimento ou compreensão do desvalor e, de modo a evitar um juízo de impunidade relativamente à prática da infração e da culpa”.


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  • Controlo de fronteiras: Governo gasta 8,4 milhões de euros em ajuste directo decidido por António Costa

    Controlo de fronteiras: Governo gasta 8,4 milhões de euros em ajuste directo decidido por António Costa

    Uma Resolução do Conselho de Ministros ainda assinada por António Costa decidiu gastar, sem concurso público, 25 milhões de euros para os novos sistemas de controlo de fronteiras (Smart Borders), alegando, sem justificar, “urgência imperiosa”, um expediente de duvidosa legalidade nestas circunstâncias porque nem sequer é apresentada fundamentação. E o Governo Montenegro, que se queixou da ‘herança’ de despesas do anterior executivo, concordou com o procedimento de ajuste directo e já assinou um contrato de 8,4 milhões de euros com uma empresa (Timestamp), escolhida com base em critérios nada transparentes. A Presidência do Conselho de Ministros nem sequer mostra o caderno de encargos para se saber o que foi comprado com uma inusitada verba para este tipo de aquisições, tratando isto como se estivesse a comprar tremoços para acompanhar umas imperiais de sorte a refrescar uma tarde soalheira.


    O Governo de Luís Montenegro – que criticou o Governo de António Costa de lhe ter deixado despesas excepcionais, algumas aprovadas já depois das eleições – não aparenta particulares preocupações uma gestão criteriosa dessas mesmas despesas.

    O actual Governo, através da Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, concordou em seguir uma resolução do Conselho de Ministros do início de Março, assinada exclusivamente por António Costa, no sentido de autorizar a realização de despesa para aquisição de software até 25 milhões de euros por ajuste directo no âmbito do pojecto comunitário Smart Borders para controlo automatizado de entradas e saída no Espaço Schengen.

    gray suv on road during daytime

    O primeiro contrato por ajuste directo – sem sequer se conhecer os detalhes da escolha nem aquilo que foi adquirido por nada constar no Portal Base – foi assinado na sexta-feira passada com a Timestamp no valor de 6,8 milhões de euros, já depois de um despacho no passado dia 17 de David Xavier, secretário-geral da Presidência do Conselho de Ministros. Com IVA, a despesa atingem valores próximos de 8,4 milhões de euros.

    A escolha do procedimento por ajuste directo, baseado exclusivamente numa resolução do Conselho de Ministros não é consensual, e terá ainda de ser sancionado pelo Tribunal de Contas. Isto porque a Resolução do Conselho de Ministros do Governo Costa apenas determina que se adopte os “procedimentos de ajuste directo […] por motivos de urgência imperiosa”, mas sem adiantar qualquer fundamentação. Com efeito, no Código dos Contratos Públicos, considera-se aceitável um ajuste directo, independentemente do valor – e este, para o género, é anormalmente elevado –, “na medida do estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.

    Ora, independentemente do interesse em modernizar o controlo de fronteiras, subsistem muitas dúvidas se a alegada “urgência imperiosa” resulta mesmo de “acontecimentos imprevisíveis” pela Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, e se esta entidade está isenta de culpas por um eventual atraso na implementação do projecto Smart Borders em Portugal, que foi aprovado em 2018 na União Europeia, que integra duas componentes.

    man standing inside airport looking at LED flight schedule bulletin board

    Por um lado, o novo sistema de entrada e saída (EES), que deverá começar a estar operacionalizado no segundo semestre deste ano, prevê a agilização do controlo de estrangeiros (fora do Espaço Schengen) em viagens de curta duração, com a eliminação do carimbo do passaporte e automatização de procedimentos. Quanto à outra componente, a começar a funcionar no primeiro semestre do próximo ano, trata-se do novo Sistema Europeu de Informação e Autorização de Viagem (ETIAS), que vai passar a exigir a diversos países uma autorização especial de viagem mesmo que não seja exigido actualmente necessário visto.

    O PÁGINA UM colocou diversas perguntas concretas à Presidência do Conselho de Ministros, todas respondidas com evasivas. Sobre os critérios que levaram à escolha, em concreto, da Timestamp – e de nenhuma outra –, fonte oficial diz que “a escolha da entidade em causa foi assegurada no estrito cumprimento do Código dos Contratos Públicos […], ou seja, de acordo com critérios técnicos e objetivos e com a rigorosa observância do princípio da imparcialidade”.

    E adiantou também que “na situação em apreço procedeu-se a uma consulta preliminar a várias empresas […], tendo em vista o planeamento eficaz do procedimento aquisitivo e assegurando a aquisição pretendida em condições mais favoráveis”. Contudo, não foram identificadas essas empresas consultadas, não tendo sido dada qualquer resposta quando se insistiu na identificação das empresas alegadamente contactadas para além da Timestamp, que garantiu o chorudo contrato de 8,4 milhões de euros.

    2 men in yellow and black suit action figures

    Em todo o caso, a mesma fonte garante que “não compete a qualquer membro do Governo, anterior ou actual, praticar atos decisórios no âmbito dos procedimentos pré-contratuais para as aquisições” desta natureza, e que, deste modo, “o Governo actualmente em funções não teve qualquer interferência na escolha da empresa seleccionada”.

    Apesar de ter sido pedido o caderno de encargos, e insistido, a Presidência do Conselho de Ministros não o enviou, dizendo apenas que se está perante uma “aquisição de infraestrutura tecnológica de suporte à instalação, gestão e manutenção dos novos sistemas europeus de controlo de fronteiras”, sem qualquer discriminação. Trata-se, contudo, e saliente-se, de uma compra de 8,4 milhões de euros, e não propriamente da aquisição de tremoços para acompanhar umas imperiais de sorte a refrescar uma tarde soalheira.


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  • Processo Especial de Revitalização da dona da revista Visão: o crime vai compensar?

    Processo Especial de Revitalização da dona da revista Visão: o crime vai compensar?


    Em 26 de Julho do ano passado, no seguimento de uma (de várias notícias), sobre a deplorável situação financeira da Trust in News, recebi um e-mail da então directora da revista Visão, a inefável Mafalda Anjos (que entretanto saltou, ‘murideamente’ falando, do barco, para se acomodar na mais confortável CNN Portugal), a dizer que não se pronunciava “.

    Naquele mês, o PÁGINA UM publicou, pelo menos, quatro artigos (aquiaquiaqui e aqui) sobre a empresa de media criada em finais de 2017 pelo antigo jornalista Luís Delgado para adquirir o portefólio de revistas da Impresa, do grupo liderado por Francisco Pinto Balsemão. Em menos de seis anos, a Trust in News entra, finalmente, em suposto colapso, como ontem anunciado pelo jornal digital Eco, que informa ter dado entrada no Tribunal do Comércio de Sintra um pedido de Processo Especial de Revitalização (PER).

    Em teoria, um PER visa evitar a falência, com a renegociação de dívidas com os credores, de modo a permitir a sua viabilização futura. Na prática, o que vai acontecer no caso da Trust in News é os contribuintes serem ‘chamados’, directa ou indirectamente, a pagar as tropelias de um negócio obscuro que se manteve perene durante anos com a criminosa conivência política e da própria imprensa.

    Quando no ano passado, comecei a investigar para o PÁGINA UM a situação financeira dos grupos de media, o caso da Tust in News chocou-me particularmente. Como era possível uma empresa unipessoal (Luís Delgado é o único sócio) com um capital social de apenas 10 mil euros (similar ao do Página Um) ‘conseguir’, sem ninguém se incomodar, sobreviver com um passivo (proveniente de empréstimos concedidos) de 5 milhões de euros provenientes de instituições bancárias, ainda dever 4 milhões de euros à Impresa (a quem comprara as revistas em 2018 em negócios nunca explicados) e, mesmo assim, somar calotes públicos, sob a forma de dívidas fiscais, que atingiam em 2022 cerca de 10,4 milhões de euros?

    Como era possível uma empresa de 10 mil euros atingir um passivo de mais de 27 milhões de euros ao fim de meia dúzia de anos, enquanto acenava como principal património cerca de 11 milhões de activos intangíveis, que valem, na verdade, zero?

    Luís Delgado (à esquerda) comprou em 2 de Janeiro de 2018 à Impresa um conjunto de títulos, entre as quais a revista Visão, num negócio oficialmente envolvendo o pagamento de 10,2 milhões de euros a ser concrtizado em dois anos e meio. Nunca se soube aquilo que foi pago, e em quatroi ano as dívidas fiscais chegaram aos 11,4 milhões de euros.

    O progressivo calote fiscal ao Estado perpetrado pela Trust in News desde 2018 seria impossível sem a cumplicidade criminosa do Governo socialista e do Ministério das Finanças liderado por Fernando Medina. Veja-se. Em 2018, logo no primeiro ano com as ex-revistas da Impresa, a Trust in News tinha dívidas ao Estado de quase 943 mil euros. No ano seguinte subiu para cerca de 1,6 milhões, para depois mais que triplicar em 2020 situando-se em 5,1 milhões de euros. E continuou: em 2021 estava já em 8,2 milhões de euros e em 2022 – último ano com contas aprovadas – encontrava-se já nos 11,4 milhões de euros.

    No ano passado, tentei por diversas vezes que o Ministério das Finanças, liderado Fernando Medina, explicasse como permitiu que se chegasse a este ‘estado de coisas’. Nunca obtive resposta. De igual modo, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social ‘fechou os olhos’ permitindo que a Trust in News alegre e alarvemente mentisse sobre as suas contas.

    Perante todo este histórico, fácil será de crer qual o objectivo principal deste PER solicitado por Luís Delgado para a sua Trust in News: um perdão da dívida por parte do Estado. Serão 10 milhões de euros que ele não pagou porque sabia que havia de arranjar forma de não os pagar, tal como sabia que a compra das revistas ao grupo Impresa pelos valores anunciados também era fictícia.

    Fernando Medina tinha conhecimento das progressivas dívidas fiscais da Trust in News. Foto: © Ministério das Finanças

    Se politicamente não for possível perdoar a dívida fiscal, então a Trust in News abre simplesmente falência, por insolvência, sem qualquer responsabilidade patrimonial contra o videirinho Luís Delgado, e surgirá então um ‘mecenas’ a salvar as revistas, como a Visão, a troco de um ‘cadastro fiscal’ limpo. No limite, as revistas, às tantas, até regressam ao universo da Impresa, que ainda há pouco assumiu, nas suas contas, como o PÁGINA UM revelou há duas semanas, um perdão de dívida no valor de 2,5 milhões de euros pela compras de Luís Delgado em 2018. Na imprensa portuguesa, a ética está bem enterrada.

    Enfim, mais do que correr um Processo Especial de Revitalização (PER) no Tribunal do Comércio de Sintra, devia estar a correr um processo de investigação no Departamento Central de Investigação e Ação Penal em Lisboa. Isto nada tem para se salvar, mas sim para responsabilizar. Isto não é um caso de comércio; é um caso de polícia.


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  • Lei que afasta pequenos partidos dos debates televisivos está por rever desde 2016

    Lei que afasta pequenos partidos dos debates televisivos está por rever desde 2016

    Nesta campanha eleitoral para o Parlamento Europeu, os chamados ‘pequenos partidos’ têm clamado ainda mais forte contra a discriminação das televisões, porque ao contrário do que sucede geralmente nas eleições para a Assembleia da República, desta vez os convites não foram endereçados apenas para os partidos com eurodeputados, alargando-se ao Livre, Iniciativa Liberal e Chega. Alguns partidos sentiram-se discriminados e apresentaram queixas ou mesmo providências cautelares – como sucedeu com o ADN, RIR e Volt Portugal. No caso deste último partido, foi alegado que, sendo federalista, deveria ter sido contabilizado um eurodeputado alemão eleito em 2019. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social não lhe deu razão, mas alertou para a falha da revisão da lei, que deveria ter sido feita em 2016, e da necessidade de encontrar soluções para uma melhor equilíbrio na cobertura mediática das diversas campanhas. O PÁGINA UM é o único órgão de comunicação social que, tanto nas anteriores legislativas como agora nas europeias, endereçou convites a todos os partidos para a realização de uma entrevista. Tudo isto sucede poucos dias depois dos 5o anos da Revolução dos Cravos.


    Aumentam as críticas dos pequenos partidos contra os critérios editoriais das televisões de inclusão dos debates para as europeias. Embora a Constituição preveja igualdade de tratamento, uma legislação criada no final do primeiro Governo de Passos Coelho em 2015, em vésperas das eleições que dariam início ao primeiro Governo de António Costa, abriu caminho à discriminação partidária, definindo que os órgãos de comunicação social deveriam convidar para os debates não apenas os partidos com “representação [obtida] nas últimas eleições” relativas ao órgão em causa (neste caso, o Parlamento Europeu), mas abrindo a possibilidade de incluírem “no exercício da liberdade editorial, outras candidaturas nos debates que venham a promover”.

    A polémica lei entrou em vigor para a campanha das legislativas de 2015 – que teve como principais opositores Pedro Passos Coelho e António Costa, e que depois daria origem à ‘geringonça’ – mas estava prevista uma revisão daí a um ano. Nunca foi revista, apesar de três eleições legislativas e duas eleições (com a próxima) para a Europa.

    blue and white flags on pole

    Na actual campanha para as eleições ao Parlamento Europeu, tem sido a aplicação desta norma legal que a causar sucessivas críticas e queixas dos pequenos partidos junto da Comissão Nacional de Eleições (CNE) e da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), porque as televisões generalistas (RTP, SIC, TVI e CMTV) decidiram incluir nos debates a quatro apenas os cabeças-de-lista dos partidos com assento no Parlamento Europeu (como seria obrigatório por lei), acrescentando, desta vez, também os principais candidatos da Iniciativa Liberal, Livre e Chega, que não conseguiram eleger qualquer eurodeputado em 2019. A representatividade na Assembleia da República terá sido o critério editorial para esse acréscimo, que objectivamente acaba por ‘afastar’ do enfoque mediático outros partidos sem representatividade no hemiciclo da União Europeia.

    Mas tanto as queixas para a CNE como para a ERC – para além de uma providência cautelar apresentada pela Alternativa Democrática Nacional (ADN), que tem como cabeça-de-lista Joana Amaral Dias –, têm caído em saco roto. Até agora, as decisões concluem que a lei de 2015 não viola a Constituição, e independentemente das questões éticas por detrás das opções dos órgãos de comunicação social, supostamente não subsistirá nenhuma ilegalidade.

     Mas a queixa formulada pelo Volt Portugal, junto da CNE, que a encaminhou para a ERC, originou uma deliberação do regulador dos media, divulgada hoje, que mostra bem o incómodo de uma lei absolutamente discriminatória, no sentido lato do termo. Com efeito, o Volt Portugal assume-se como integrante de um partido federalista europeu, e nessa medida o Volt Alemanha conseguiu eleger em 2019 um eurodeputado, Damian Boeselager. Ou seja, segundo a interpretação do Volt Portugal, o seu cabeça-de-lista nacional deveria ter sido convidado para os debates a quatro, não por liberalidade editorial mas por cumprimento da lei.

    Debates televisivos para as Europeias incluíram apenas alguns partidos sem eurodeputados, mas excluíram o Volt Portugal que alega que o partido federalista que integra tem um eurodeputado, eleito pelo Volt Alemanha.

    Contudo, o Conselho Regulador da ERC – cujos membros são nominalmente indicados pelo PS e PSD, com excepção de um que é cooptado – considerou que, apesar das eleições se realizaram para o Parlamento Europeu no mesmo período em todos os países comunitários, “o Volt Portugal é um partido político nacional e, por isso, pode concorrer às eleições europeias, no círculo eleitoral português, aplicando-se-lhe as mesmas regras que são aplicadas aos restantes partidos políticos portugueses, independentemente das afiliações, entendimentos ou alianças políticas que cada partido possa ter a nível internacional”. E, nessa linha, como a partir de Portugal o Volt não obteve qualquer eurodeputado em 2019, “é defensável que o critério invocado não se aplique ao Queixoso [Volt Portugal]”.

    Em todo o caso, a ERC destaca que a lei de 2015 até já deveria ter sido revista em 2016,o que nunca sucedeu, uma vez que estava prevista, num dos artigos, a sua modificação no prazo de um ano. Ou seja, esta lei apenas deveria estar em vigor durante um ano. Além disso, o regulador diz que já tem encorajado “vivamente os diferentes órgãos de comunicação social a que considerem a participação do universo das candidaturas nos diferentes debates que organizem, nos seus vários formatos, à luz dos princípios do pluralismo e da diversidade”, algo que tem caído em saco roto. A generalidade dos órgãos de comunicação social de maior dimensão nem sequer concede entrevistas a todos as candidaturas. O PÁGINA UM foi, aliás, o único órgão de comunicação social que lançou convites a todos os partidos para uma entrevista nas anteriores legislativas (PSD, PSD, Bloco de Esquerda e Livre não aceitaram então), e está a repetir essa iniciativa com todos os cabeças-de-lista.

    Curiosamente, na entrevista de hoje do PÁGINA UM será com o cabeça-de-lista do Livre, Francisco Paupério – que teve um comportamento contrário ao de Rui Tavares, nas legislativas, aceitando o convite –, a questão da igualdade de tratamento de candidaturas foi um dos aspectos abordados. Para Francisco Paupério – que surge com hipóteses de ser eleito em recentes sondagens –, “há uma discrepância muito grande na comunicação social” na cobertura jornalística dos partidos “que deve ser corrigida”, defendendo que “não devemos dar só primazia a quem já tem representação parlamentar”. Eleito nas primárias do Livre, Paupério diz que “a mensagem” dos partidos aceites pelo Tribunal Constitucional “também tem de passar mais na comunicação social.”

    Francisco Paupério, cabeça-de-lista do Livre, tenta uma eleição inédita para o seu partido. Foi convidado para os debates televisivos, apesar de o Livre ainda não ter eurodeputados, e defende a igualdade de tratamento nas campanhas.

    A questão da igualdade de oportunidades e, concomitantemente, na cobertura jornalística dos diversos partidos não é, porém, uma questão assim tão cristalina como parece à primeira vista, mesmo se consagrada na Constituição, e aparentemente ‘contrariada’ pela lei de 2015. “Desde que haja um fundamento material para a diferenciação de tratamento”, neste caso a questão da representação parlamentar e a liberdade editorial, “o Tribunal Constitucional, em princípio, não deve censurar as opções do legislador”, defende José Melo Alexandrino, constitucionalista e professor aposentado da Universidade de Lisboa.  

    Para o também colunista do PÁGINA UM, “a principal função da igualdade é a de exigir um fundamento racional ou suficiente para as diferenciações de tratamento, desenvolvendo, além disso, também funções heurísticas [procedimentos mentais simples para respostas adequadas], instrumentais, promotoras e de controlo”. Quanto à questão da norma que determinava que a lei de 2015 deveria ser revista no prazo de um ano, Melo Alexandrino diz que esse incumprimento não torna a legislação inválida: “São artigos de leis para inglês ver; há leis que estão por rever durante 30 anos”.


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