Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Regulador dos media dá ‘puxão de orelhas’ a José Rodrigues dos Santos por causa de Marta Temido

    Regulador dos media dá ‘puxão de orelhas’ a José Rodrigues dos Santos por causa de Marta Temido

    Foi a 5 de Junho, Dia Mundial do Ambiente, mas a entrevista na RTP conduzida por José Rodrigues dos Santos à cabeça-de lista do Partido Socialista, Marta Temido, na recente campanha para o Parlamento Europeu, aqueceu muito e o ambiente não ficou nada arejado. E não foi apenas nas redes sociais que se debateu o ‘confronto’: houve três queixas a acabar na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que achou bem criticar o estilo do jornalista da RTP na condução da entrevista. Uma ingerência “intolerável e fascistinha” do regulador, diz o especialista em media Eduardo Cintra Torres, perante a polémica deliberação que foi votada apenas por três dos cinco membros da ERC. A presidente do regulador, Helena Sousa, não participou na aprovação.


    Foi o momento mais mediático da recente campanha eleitoral para o Parlamento Europeu: a entrevista do jornalista da RTP José Rodrigues dos Santos à cabeça-de-lista do Partido Socialista, Marta Temido, na noite do dia 5 de Junho, acabou azeda, sobretudo pelo ‘confronto’ em redor da “subsidiodependência” de Portugal relativamente aos fundos europeus. No rescaldo, houve quem criticasse a postura do jornalista, outros o comportamento da ex-ministra da Saúde, agora eurodeputada, que se despediu com acrimónia, quando Rodrigues dos Santos agradeceu a sua presença.

    Nos dias seguintes, tanto nas redes sociais como até no Polígrafo, discutiu-se e dissecou-se apaixonadamente este ‘confronto’, e houve três pessoas que se dispuseram a queixar-se à Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), acusando José Rodrigues dos Santos de ter feito uma entrevista que era “uma vergonha para a TV pública”, com “perguntas capciosas, baseadas em informações falsas, tom violento, contestando todas as respostas”, agindo com “uma postura agressiva” que ultrapassara “em muito a razoabilidade da educação e boas maneiras”.

    Marta Temido não apreciou entrevista e depediu-se com acrimónia.

    Apesar de não ser nada consensual que o regulador intervenha em matérias do foro editorial, e sobretudo de estilo, certo é que a ERC deu seguimento às queixas e acabou mesmo por aprovar uma deliberação que constitui um ‘puxão de orelhas’ a José Rodrigues dos Santos. Com efeito, na deliberação aprovada no passado dia 7, mas somente hoje revelada, o Conselho Regulador – sem a presença da sua presidente, Helena Sousa – critica o conhecido pivot da RTP por se ter afastado “do registo de factualidade e das regras de condução da entrevista jornalística”, e que “não foi conferido espaço à entrevistada para expor os seus pontos de vista”. E conclui ainda que “a forma como decorreu a entrevista é susceptível de prejudicar o direito dos telespectadores de serem informados”, em violação do que garante a Constituição.

    A polémica deliberação do regulador – que não detém atribuições para se imiscuir em estilos e abordagens, apesar de ser uma tentação à qual não resiste –, aprovada apenas por três dos cinco membros do Conselho Regulador, “revela uma atitude condenável de interferir na liberdade jornalística”, defende Eduardo Cintra Torres, professor universitário e especialista em media.  Destacando que a deliberação não contraria sequer a argumentação defendida no processo por José Rodrigues dos Santos, Cintra Torres diz também que não é esclarecido “se as queixas contra a entrevista tiveram origem na candidatura eleitoral da entrevistada”.

    Este aspecto não é, aliás, despiciendo, uma vez que as queixas sobre a cobertura mediática no decurso das campanhas por parte de representantes partidárias têm de seguir trâmites, passando primeiro pela Comissão Nacional de Eleições. Cintra Torres, que é também comentador no Correio da Manhã e na CMTV, lamenta ainda que “os membros da ERC que assinam a deliberação, sem experiência jornalística, tomem partido pela pessoa política entrevistada”, quando a função do entrevistador, como foi feito por José Rodrigues dos Santos, foi insistir quando Marta Temido quis fugir às perguntas. “É inacreditável que a ERC se intrometa no modo de realizar entrevistas, para mais falseando a realidade”, defende Cintra Torres, concluindo que este tipo de ingerência “é intolerável e é um toque ‘fascistinha’, contrariando até o caminho seguido, em geral, pelo anterior Conselho Regulador”, e ameaça ser “um regresso aos tempos negros da dupla socratinista Azeredo Lopes-Estrela Serrano”.

    Entidade Reguladora para a Comunicação Social continua na sua senda de criticar mais do que defender jornalistas.

    Sem pretender abordar o caso em concreto, Luís Simões, presidente do Sindicato dos Jornalistas, diz ser “incontestavelmente a favor da total liberdade de informação” e que, sem prejuizo de se apreciar ou não estilos, “não cabe ao regulador apreciar a condução de uma entrevista”.

    O PÁGINA UM está a tentar, ainda sem sucesso, uma reacção de José Rodrigues dos Santos. Em todo o caso, no processo levantado pelo regulador dos media, o jornalista da RTP argumentou que “não houve nenhuma acção para impedir a entrevistada de prestar esclarecimentos quando ela estava a responder efetivamente às perguntas nem qualquer ‘tom violento’ e ‘agressão’, a não ser que se defina os repiques como agressões”.

    Rodrigues dos Santos sublinhou ainda que os “repiques nestas entrevistas constituíram um esforço para impedir respostas evasivas a perguntas concretas, e também um esforço para obter respostas factualmente verdadeiras ou que não induzissem em erro”, sustentando ainda que “as entrevistas com políticos tendem a ter uma natureza confrontacional porque o entrevistador procura assumir-se como “advogado do diabo“.

    Contudo, para a ERC, aparentemente, por esta deliberação, o jornalista deve pensar agora sempre duas vezes antes de perguntar ou escrever algo que possa resultar numa queixa, que em seguida culmina num ‘puxão de orelhas’ do (atento) regulador.

    N.D. Acrescentado, às 21h00 de 22/08/2024, o comentário de Luís Simões, presidente do Sindicato dos Jornalistas.


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  • PÁGINA UM vs. ‘carteiristas da Artilharia Um’

    PÁGINA UM vs. ‘carteiristas da Artilharia Um’


    Hoje é uma espécie de renascimento do PÁGINA UM, não propriamente uma redenção, embora sintamos que nos apresentamos, perante os leitores, com um redobrado respeito e admiração. Mantivemos durante 30 meses, ininterruptamente, todos os dias, uma ‘renovação’ noticiosa, sempre cumprindo de forma escrupulosa os princípios iniciais: jornalismo independente, incómodo e irreverente. Porém, sentimos que esse esforço se tornava esgotante – e propusemos um novo modelo que tem os seus riscos: uma edição quinzenal, com a renovação integral das notícias, crónicas e artigos de opinião, conteúdos culturais e mesmo entrevistas (e logo quatro). Para que não sentissem em demasia a nossa falta – ou que pensassem que tínhamos desistido, prometemos no início deste mês, e cumprimos, sair com a primeira edição esta quinta-feira, dia 8. Foi um esforço suplementar. Estamos aqui para que nos avaliem, sentindo, porém, que teremos necessariamente que crescer para conseguir melhorar a frequência, nestes moldes, para semanal.

    Mas mesmo que nos mantenhamos com a periodicidade quinzenal, prometemos lutar por um jornalismo isento, mas inflexível contra os abusos. E nesses abusos estão sobretudo incluídos aqueles que surgem, travestidos de carneiro, mas mostrando-se vorazes nos actos e traiçoeiros nos gestos.

    white jellyfish in body of water

    Estou a falar, em concreto, da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ) que, constituída somente por jornalistas com carteira (que não merecem), sequestraram a essência e pureza do jornalismo. Como tem sido notório, esta entidade tem servido basicamente para manter tudo como está, dando uma aparência de pureza. Mas são, na verdade, um pobres déspotas, que, na sua ânsia e sofreguidão em decepar um jornal (PÁGINA Um) e um jornalista (eu), não olharam sequer a meios, e assim cegos nem sequer se aperceberam da vergonha que cometeram a instruir um processo disciplinar que me intentaram para gáudio de um putativo candidato a Presidente da República, alcandorado a herói nacional por uma imprensa acéfala durante um período de atropelos indescritíveis aos nossos direitos, liberdades e garantias.

    A leitura do parecer que amavelmente o Professor José Melo Alexandrino – um dos grandes especialistas nacionais em Direito Constitucional e Direito Comparado – se dispôs a elaborar, como análise crítica à ‘instrução’ do processo disciplinar da Secção Disciplinar da CCPJ, é de leitura obrigatória. Pelo menos para juristas e para jornalistas. Para os primeiros será útil para perceberem o que nunca se deve fazer; para os segundos será útil para, com vergonha alheia, perceberem como a canalhice e a ignorância se podem irmanar.

    Escreve o Professor José Melo Alexandrino, no final do seu parecer [negritos da minha autoria], que “são de tal modo graves, diversos, desvaliosos e incompreensíveis os erros técnico-jurídicos [da ‘instrução’ que sugere uma repreensão escrita], bem como as questões prévias analisadas que, no seu conjunto, constituem motivo mais do que bastante para a imediata declaração, por parte do órgão competente, da nulidade de todos os actos praticados no procedimento, com exclusão da participação disciplinar, além de serem, eles próprios, passíveis de gerarem responsabilidade civil, por violação grosseira da esfera jurídica do arguido, bem como responsabilização interna dos membros do Secretariado, da Secção Disciplinar e dos agentes ao serviço da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, dada a negligência grosseira patenteada“.

    Dá vergonha ler isto assim. E se lerem todo o parecer vão ficar pasmos, de tão risível se tornam os erros e ignorâncias desta comissão que tem uma suposta “jurista de mérito”…

    man in white dress shirt wearing black framed eyeglasses

    [e, aliás, nem sequer a CCPJ pode, como entidade, colocar em causa [seria redobrada vergonha] a idoneidade do Professor José Melo Alexandrino, sabendo-se que ele até já fez um parecer a pedido da CCPJ em 2021 sobre a Carta Portuguesa de Direitos Humanos na Era Digital.]

    Por tudo isto, e pela forma enviesada e canina como a CCPJ me tem perseguido, por aquilo que representa o jornalismo do PÁGINA UM (e por causa dos podres que temos revelados; e hoje mostramos mais aqui), eu acrescento: só a demissão conjunta de Licínia Girão (CP 1327), de Jacinto Godinho (CP 772), de Anabela Natário (CP 326), de Miguel Alexandre Ganhão (CP 1552), de Isabel Magalhães (CP 102), de Cláudia Maia (CP 2578), de Paulo Ribeiro (CP 1027), de Luís Mendonça (CP 1407) e de Pedro Pinheiro  (CP1440) pode restituir alguma dignidade a um organismo que deixou de se dar ao respeito. Enquanto se mantiverem naqueles cargos, não são mais do que uns simples ‘carteiristas’ atirados para a Artilharia Um.


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  • Nova SBE: Ministro das Infraestruturas ‘abandonou’ fundação com prejuízos crónicos e sem contas aprovadas desde 2021

    Nova SBE: Ministro das Infraestruturas ‘abandonou’ fundação com prejuízos crónicos e sem contas aprovadas desde 2021

    Com o nome oficial de Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, a marca Nova SBE tem atravessado fronteiras pela excelência do ensino e investigação. Porém, nesta ‘casa de economistas’ optou-se por uma estratégia pouco ortodoxa, que espantaria um merceeiro, a partir de uma fundação mista (pública e privada) com vista à construção e gestão do campus de Carcavelos. Resultado, em menos de uma década, a Fundação Alfredo de Sousa soma prejuízos de quase 9 milhões de euros, fluxos financeiros absurdos, um vazio de liderança e os relatórios e contas de 2022 e 2023 sem estarem aprovados, quando já se está na segunda metade de 2024. Neste caso, uma ‘herança’ deixada por Miguel Pinto Luz, actual ministro das Infraestruturas, que foi presidente (CEO) da fundação entre 2021 e início deste ano, mas que ocupava já um cargo de administrador desde 2017. João Sàágua, reitor da Universidade Nova de Lisboa, também renunciou à presidência do Conselho de Curadores. Ninguém quis esclarecer ou comentar as trapalhadas detectadas pelo PÁGINA UM.


    Em casa de ferreiro, se o forjador for adepto de Frei Tomás – aquele frade que bem pregava o que fazer, mas que não fazia –, só de pau se espera um espeto. Já da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) – ou mais propriamente da fundação que gere desde 2018 o campus de Carcavelos –, uma das mais conceituadas escolas superiores públicas nacionais e internacionais de Economia e Finanças, poder-se-ia imaginar, num cenário tenebroso, que, enfim, nos fossem apresentadas ‘contas de merceeiro’. Porém, nem isso sucede, porque, em abono da verdade, e do rigor, estando o relógio universal a começar a segunda semana de Agosto de 2024, as contas dos exercícios de 2022 e 2023 ainda nem foram sequer aprovadas.

    Nesses anos, essa tal fundação – baptizada Alfredo de Sousa, em homenagem ao primeiro reitor da UNL – foi presidida por Miguel Pinto Luz, então vice-presidente da autarquia de Cascais e agora ministro das Infraestruturas e Habitação. Pinto Luz ocupou o cargo de administrador desta entidade pelo menos desde 2017, assistindo assim ao acumular de prejuízos crónicos, que, na hora da sua entrada no Governo, se aproximavam já dos 9 milhões de euros. Porém, embora este seja o ‘problema’ mais sonante, muitos mais acumula o modelo de negócio gizado há cerca de uma década para gerir as modernas instalações da Nova SBE. E surgem mesmo indicadores sobre uma ‘dissolução’ desta Fundação, que serviu sobretudo para acelerar a construção do campus sem passar pelas ‘burocracias’ do Código dos Contratos Públicos.

    Miguel Pinto Luz foi administrador da Fundação Alfredo de Sousa entre 2017 e início deste ano, tendo ocupado a presidência desde 2021.

    Criada em Dezembro de 2015, a Fundação Alfredo de Sousa teve como fundadores empresas privadas, nomeadamente o Banco Santander – que prometia entrar com donativos para o fundo patrimonial de 6,3 milhões de euros, mas que tem sobretudo ganho bom dinheiro com juros de empréstimos –, a Jerónimo Martins – que avançou com 5 milhões de euros – e a Sindcom (actual Arica, da família Soares dos Santos, que disponibilizou um milhão de euros –, bem como pequenas participações da própria Nova SBE (10 mil euros), e da autarquia de Cascais (162.400 euros). Neste último caso, a ‘comparticipação’ do município foi em espécie, sob a forma de cedência por 50 anos dos terrenos para a instalação do campus universitário defronte ao mar. Esse valor, por força de um processo judicial relacionado com o baixo valor da expropriação daqueles terrenos, acabaria por implicar um reforço da ‘participação’ da Câmara Municipal de Cascais, uma vez que se viu ‘obrigada’ a revalorizar os terrenos para cerca de 9,7 milhões de euros.

    Independentemente desta questiúncula, o projecto de construção do campus da Nova SBE em Carcavelos avançou rapidamente, até porque a Fundação Alfredo de Sousa não tinha de cumprir as normas do Código dos Contratos Públicos. As obras de maior monta foram directamente entregues às construtoras Alves Ribeiro e HCI. Inicialmente, o projecto entusiasmou muitos mecenas, que, com ou sem interesses futuros, foram sendo generosos em donativos. Só em 2016, a Fundação recebeu doações de mais de 2,5 milhões de euros para aplicar na construção do campus.

    Em Setembro do ano seguinte, o projecto, que tinha uma estimativa inicial de custos da ordem dos 50 milhões de euros, levaria mais um ‘balão de oxigénio’ com um empréstimo do Banco Europeu de Investimento (BEI) de 16 milhões de euros. A cerimónia de assinatura desse contrato contou mesmo com a presença do então comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas, e do vice-presidente do BEI, Román Escolano. A sintonia entre o director da Nova SBE, Daniel Traça, do então presidente da Fundação Alfredo de Sousa, Pedro Santa Clara, e do presidente da autarquia de Cascais, Carlos Carreiras, era evidente: todos remavam no mesmo sentido.

    Banco Europeu de Investimento e Santander foram as instituições bancárias, que a par de doadores, permitiram a construção do campus de Carcavelos em moldes poucos usuais.

    Mas nem só de empréstimos do BEI e de donativos foi vivendo a Fundação. Em 2017 teve duas importantes ‘injecções’: um financiamento de 12,5 milhões de euros do Santander – que, só por aí, pelos juros a receber, beneficiou de ser um fundador – e um adiantamento de quase 9,9 milhões de euros por parte da Nova SBE relativo a um contrato de promessa de compra e venda da fracção do campus. Nesse ano de 2017, os donativos atingiram cerca de 1,3 milhões de euros. Por via do empréstimo, o Santander ficou com a hipoteca dos direitos de cedência do terrenos camarários. Saliente-se que, neste período, o presidente (dean) da Nova SBE era Daniel Traça, que a partir de 2018 acumulou com as funções de administrador do Santander.

    Já com Miguel Pinto Luz na administração da Fundação, como vogal, o campus de Carcavelos teve inauguração com ‘festa rija’ e presença de Marcelo Rebelo de Sousa. E à boa moda portuguesa acabou por custar 63 milhões de euros, mais 13 milhões do que inicialmente previsto, entre construção (55 milhões), tecnologias de informação (5,2 milhões) e mobiliário e painéis fotovoltaicos (2,6 milhões). Mas como foi ano de inauguração, a derrapagem foi compensada com quase 18,5 milhões de euros em donativos do mundo corporativo e de antigos alunos.

    Mas depois da festa, começaram a vir as receitas. Mas poucas, ou pelo menos poucas em comparações com os custos e outros gastos. Sem meios humanos e know-how para fazer autonomamente a gestão do campus – que passaria a ser a sua única receita, porque as propinas dos alunos mantiveram-se na Nova SBE –, a Fundação Alfredo de Sousa concessionou grande parte dos espaços do ‘seu’ campus a empresas privadas, recebendo também rendas da própria Nova SBE. Nesse ano, esta instituição sem fins lucrativos – ou seja, não distribui dividendos se tiver lucros – obteve receitas da ordem dos 1,5 milhões de euros, mas isso mais do que se esfumou em fornecimentos externos e em depreciações. Resultado: no seu primeiro ano de actividade operacional, a Fundação aumentou mais 635 mil euros os prejuízos.

    Marcelo Rebelo de Sousa participou na inauguração do Campus de Carcavelos, em Setembro de 2018, na companhia do actual reitor da UNL, João Sàágua (segundo à esquerda) e do então presidente da Nova SBE, Daniel Traça (terceiro à esquerda). Foto: Miguel Figueiredo Lopes / Presidência da República.

    Apesar de ter ficado estabelecido a reformulação do modelo de governo do campus de Carcavelos, aparentemente tudo ficou na mesma, o que significa que 2019, o primeiro ano completo de gestão por parte da Fundação, acabou no vermelho: prejuízo de quase 1,8 milhões de receitas, porque os rendimentos não chegaram aos 3,6 milhões de euros, sobretudo por via de rendas, mas com os fornecimentos e serviços externos (2,7 milhões de euros), as depreciações (1,9 milhões de euros) e os juros (mais de 950 mil euros) a pesarem muito negativamente nas contas.

    Um ‘merceeiro’ diria logo que isto se mostrava insustentável, mas pouco ou nada se mudou no ano seguinte. Na verdade, só piorou, por causa da pandemia, embora o então presidente do Conselho de Curadores da Fundação Alfredo de Sousa, João Sàágua, reitor da Universidade Nova de Lisboa, se mostrasse optimista e orgulhoso dos resultados da Nova SBE nos rankings da especialidade. E também do reconhecimento do estatuto de utilidade pública pelo Governo, o que implicava, a partir daí, vantagens fiscais, mas também obrigações de transparência, a começar com a divulgação pública das contas.

    E as contas de 2020 ainda foram divulgadas. Então com Nuno Fernandes Thomaz a presidir – que viria a falecer no ano seguinte – e ainda com Miguel Pinto Luz como vogal, a Fundação, que já não andava com contas saudáveis, acabou por ter a ‘obrigação’ de conceder donativos à própria Nova SBE. Nesse ano atingiram cerca de 1,65 milhões de euros. Mesmo com os custos dos serviços externos a diminuírem significativamente por força dos lockdowns e demais restrições da pandemia, as contas da Fundação em 2020 derraparam mais uma vez: prejuízo de cerca de 1,95 milhões de euros.

    Espaço exterior do campus de Carcavelos. (Foto: D.R.)

    Em Maio de 2021, Miguel Pinto Luz assumiria a presidência (CEO) da Fundação, e foi mais do mesmo. Ou seja, mais prejuízos: cerca de 1,3 milhões de euros, mantendo-se o passivo em nível bastante elevado (quase 39 milhões de euros). Nesse ano, a Fundação doou cerca de um milhão de euros à Nova SBE, o que se mostra absurdo numa instituição sem fins lucrativos, que nem sequer podem distribuir ‘dividendos’ quando der lucro, mas que, neste estranho modelo, pode doar dinheiro a um fundador minoritário quando tem prejuízos acumulados. Aliás, o absurdo é ainda mais sabendo-se que a Nova SBE é, na verdade, formalmente a Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa, que é fundação pública
    com regime de direito privado.

    Depois de 2021, deixou então de haver relatórios e contas, contrariando a lei das entidades de utilidade pública. O PÁGINA UM solicitou na segunda-feira passada o acesso às contas de 2022 e 2023 da instituição – que, formalmente, tem apenas dois empregados, mas conta nove administradores, sem remuneração fixa –, quer à própria Fundação Alfredo de Sousa quer à Nova SBE. Na terça-feira à tarde, fonte oficial da Nova SBE remeteu os dois relatórios de 2022 e 2023, ambos datados de Abril deste ano, mas ainda sem todas as assinaturas de todos os administradores, o que constitui condição para aprovação. E, aparentemente, sem o necessário parecer prévio do Conselho de Curadores, que foi presidido pelo reitor da UNL, João Sàágua, mas que se demitiu desse cargo em Fevereiro deste ano, sem se conhecer a causa. E sem haver substituto conhecido.

    De igual modo, actualmente existe um vazio na própria liderança da Fundação Alfredo de Sousa, após a entrada de Miguel Pinto Luz no Governo Montenegro em Abril passado. Os relatórios não formalmente aprovados de 2022 e 2023 já não têm sequer o nome do actual ministro das Infraestruturas. Contudo, pelo menos, o primeiro destes relatórios, referente a 2022, deveria ser por si assumido, bem como a falha pela sua não-aprovação em devido tempo, ou seja, na primeira metade de 2023.

    Daniel Traça, antigo presidente da Nova SBE, foi o grande impulsionador do modelo de gestão assumido pela Fundação Alfredo de Sousa para o campus de Carcavelos, que acabou por ser um bom negócio para o Santander, instituição bancária onde exerce as funções de administrador . (Foto: D.R.)

    Na análise desses relatórios (não aprovados), mostra-se que os prejuízos continuaram, embora tenham passado de 867 mil euros em 2022 para apenas 8.587 euros no ano passado, muito por via da revogação de despesas anteriormente assumidas pela Fundação na realização de mestrados, que transitaram para a Nova SBE, sem se saber se foi ‘decisão’ pacífica. No relatório não aprovado de 2023 faz-se referência a um “novo modelo de governo entre a Nova SBE e a Fundação Alfredo de Sousa, tendo sido constituído ao abrigo do mesmo um Conselho Consultivo entre as duas instituições”.

    De qualquer modo, além da actual situação financeira da Fundação Alfredo de Sousa ser pouco saudável, com prejuízos acumulados de 8,7 milhões de euros e um passivo de 31 milhões de euros – nada elogiosa para uma universidade que se coloca na elite das escolas das ciências económicas a nível mundial –, acresce o vazio da sua liderança, sem presidente (CEO) do Conselho de Administração desde Abril, e o aparente desinteresse tanto da Nova SBE como da ‘casa-mãe’, a UNL.

    Com efeito, além da renúncia de João Sàágua do Conselho de Curadores – que tem um papel de orientação relevante na estratégia da instituição –, o actual presidente da Nova SBE, Pedro Oliveira, nunca quis, ao contrário do seu antecessor (Daniel Traça), assumir qualquer lugar na administração da Fundação Alfredo de Sousa.

    Desinteresse evidente, e aí generalizado, abrangeu todos os responsáveis associados às matérias aqui expostas pelo PÁGINA UM. Apesar de ter, mesmo sem presidente, oito membros do Conselho de Administração em funções, ninguém da Fundação Alfredo de Sousa quis prestar esclarecimentos. De igual modo, alegando fonte oficial o decurso do período de férias, ninguém da Nova SBE se mostrou disponível. Em todo o caso, o actual dean desta instituição universitária, Pedro Oliveira, esteve esta segunda-feira na rádio Observador numa longa entrevista sobre inteligência artificial,

    Pedro Oliveira, actual presidente da Nova SBE, nem sequer ocupa, por opção, o cargo de administrador da Fundação Alfredo de Sousa.

    Por sua vez, não houve também resposta do gabinete do reitor da UNL aos pedidos de comentário do PÁGINA UM, ficando-se assim sem saber os motivos para João Sàágua nem sequer mostrar curiosidade em saber qual a estratégia futura da fundação gestora do campus de Carcavelos, uma vez que saiu do Conselho de Curadores. Da parte de Miguel Pinto Luz, que foi sempre o ‘operacional’ da autarquia de Cascais na Fundação Alfredo de Sousa – e é o responsável máximo pelos atrasos da aprovação das contas de 2022 e 2023 –, veio o silêncio.

    Saliente-se que, apesar de existir a referência à renúncia deste governante nos relatórios ainda não aprovados, o nome do actual ministro das Infraestruturas ainda consta na lista dos beneficiários efectivos da Fundação Alfredo de Sousa, não havendo também qualquer informação da sua renúncia ao cargo nos registos dos actos societários e de outras entidades, consultados pelo PÁGINA UM.

    N.D. Pode consultar aqui os relatórios e contas de 2016 a 2021. Os relatórios não aprovados de 2022 e de 2023 podem ser consultados, respectivamente, aqui e aqui.


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  • Coimbra é a ‘cidade dos doutores’, enquanto há vastas regiões do país onde os médicos não querem viver

    Coimbra é a ‘cidade dos doutores’, enquanto há vastas regiões do país onde os médicos não querem viver

    Se é expectável que seja nos concelhos com hospitais de maior dimensão que vivam mais médicos, uma análise do PÁGINA UM aos dados de 2023 disponibilizados pelo Instituto Nacional de Estatística mostra que há vastas regiões do país onde, mesmo com programas de incentivo, os médicos não se querem fixar, acarretando efeitos catastróficos na assistência das populações, sobretudo dos mais idosos. Na verdade, o rácio médio de médicos (5.8 por mil habitantes) em Portugal não tem qualquer significado: por exemplo, se o concelho de Coimbra, onde quase 4% da população é licenciada em Medicina, apresenta um valor que está seis vezes acima da média nacional, há nove em cada 10 municípios que não superam o valor médio. Destes, 109 têm menos de dois médicos por cada mil habitantes. A pior situação é na Pampilhosa da Serra, ironicamente no mesmo distrito de Coimbra.


    Em Junho passado, a Câmara de Montalegre anunciou um incentivo para a fixação de médicos naquele concelho transmontano que inclui habitação, pagamento de despesas como energia, água e Internet e entrada gratuita em serviços e equipamentos municipais. Compreende-se: o rácio de médicos residente, segundo os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística, é de apenas 2 por mil habitantes – menos de metade da média nacional (5,8 por mil habitantes), o que significa, atendendo à sua população total que ali vivem apenas 18. Na verdade, até se pode dizer que, além de clínicos gerais, haverá em Montalegre um cirurgião, três médicos de Medicina Geral e Familiar, um de Medicina Interna, um ortopedista e um de Medicina Intensiva. Contas feitas, de entre as 96 especialidades registadas pelo INE, de entre os médicos que ali  vivem só há cinco especialidades.

    As ofertas municipais de fixação de médicos passaram a ser quase generalizadas ao país, esquecendo as autarquias que se se puxa o cobertor para um lado se destapa outro. Numa pesquisa rápida acumulam-se tanto os incentivos das autarquias para atrair médicos como queixas pela sua falta. Em Abril, Figueiró dos Vinhos também divulgou condições especiais aos médicos que ali fixassem residência. Tem um rácio de 2,7 médicos por mil habitantes Ourém conseguiu recentemente atrair nove médicos para o concelho através de incentivos remuneratórios. Mesmo assim continua muito abaixo do rácio médio, apenas com 1,5 por mil habitantes.

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    Castanheira de Pêra procurou, igualmente, cativar médicos, no final do ano passado, acenando com um incentivo mensal de 2.200 euros para quem optasse por viver no concelho. Não se sabe se resultará, mas bem precisado se encontra este pequeno concelho do distrito de Leira, localizado a pouco mais de 40 quilómetros de Coimbra. Acabou o ano de 2023, segundo os dados do INE, com um miserável rácio de 0,7 médicos por mil habitantes, o terceiro pior do país (a par de Cadaval, Barrancos, Vila do Bispo e Lajes das Flores), apenas atrás dos concelhos de Pampilhosa da Serra (0,5 médicos por mil habitantes) e Pedrógão Grande (0,6).

    Podem existir outros bons indicadores para avaliar o quão enviesado se encontra o desenvolvimento de Portugal e também que mostre como tão desequilibrado se encontra o país em termos de atractividade, mas pouco ‘batem’ o rácio dos médicos por habitante. Sendo certo que, obviamente, será expectável, aceitável e mesmo normal que este rácio seja bastante mais elevado em grandes cidades, sobretudo com centros hospitalares de referência, quando se observam os valores em concretos fica-se de imediato com a percepção e noção, em simultâneo, que Portugal tem um problema de Saúde Pública.

    Na verdade, o rácio médio neste caso significa pouco ou nada – ou melhor, talvez até muito porque mostra como os médicos não se sentem muito atraídos por grande parte do país. Saber se o problema é das condições de grande parte do país ou de se de grande parte dos médicos, fica para outras análises. Certo é que somente há 30 municípios, de um universo de 308, que estão acima da média dos 5,8 médicos por mil habitantes, o que significa que há, assim, 278 abaixo da média. E muitos estão mesmo muito abaixo da média.

    Com efeito, para além dos já mencionados municípios com baixa concentração de médicos residentes (Pampilhosa da Serra, Pedrógão Grande, Castanheira de Pêra, Cadaval, Barrancos, Vila do Bispo e Lajes das Flores), há mais 18 municípios que não ultrapassam o rácio de um médico por mil habitantes. Destes os municípios de Barrancos, Lajes das Flores, Góis e Freixo de Espada-à-Cinta não têm sequer médicos de uma qualquer especialidade. Essa ‘característica’ é extensível a mais dois concelhos: Monchique e Oleiros.

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    Concelhos rurais e envelhecidos não atraem médicos, mesmo quando as autarquias concedem subsídios.

    Contratando (ou confirmando) este cenário terceiro-mundista, os únicos municípios acima da média nacional em termos de rácio de médicos são, geralmente, aqueles onde se localizam unidades de saúde, mostrando que em Portugal a Saúde Pública ainda está ainda muito associada à assistência hospitalar e à concentração de consultas e tratamentos ambulatórios em cidades. Neste pequeno grupo destacam-se, com mais de 10 médicos por mil habitantes, Matosinhos, Faro, Oeiras – onde, de forma absurda, a autarquia concede também incentivos para fixação de residência a estes profissionais – e sobretudo Lisboa, Porto e Coimbra.

    A cidade do Mondego é, aliás, a terra dos doutores portugueses com um rácio de 34,7 médicos por mil habitantes, seis vezes superior à média nacional. Significa que em 100 conimbricenses se encontram mais de três médicos, e de quase todas as especialidades: 92 em 96 ‘vivem’ (e exercem) por lá. Mais afastado está a cidade do Porto onde se encontra um rácio de 22 médicos por mil habitantes, cerca de quatro vezes a média nacional, mas até tem mais especialidades (94) do que as contabilizadas em Coimbra. No terceiro lugar do pódio surge então a cidade de Lisboa com um rácio de 17,6 médicos por mil habitantes, abrangendo 94 especialidades.

    Saliente-se também que estes são os únicos municípios onde vivem médicos de mais de 90 especialidades, sendo que somente Vila Nova de Gaia (88), Oeiras (87) e Cascais (83) têm mais de 80 médicos especialistas a viverem nos respectivos concelhos.

    Em termos regionais, a Região de Coimbra é aquela que apresenta um melhor rácio (13,8 médicos por mil habitantes), mas também maiores desigualdades. De entre os 19 municípios que constituem esta região, além do município de Coimbra, apenas Figueira da Foz (7,1) e Condeixa-a-Nova (6,2) apresentam um rácio superior à média nacional. E há 10 municípios desta região com rácios inferiores a 3 médicos por mil habitantes:  Montemor-o-Velho (2,9), Soure (2,7), Lousã (2,6), Oliveira do Hospital (2,1), Tábua (2,0), Penacova (1,5), Arganil (1,1), Vila Nova de Poiares (1,1), Góis (0,8) e Pampilhosa da Serra (0,5).

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    Coimbra é literalmente a ‘cidade dos doutores’, com um rácio de 34,7 médicos por mil habitantes, seis vezes superior à média nacional. No município de Pampilhosa da Serra, que integra o seu distrito, este rácio é de 0,5.

    Mas mesmo na Região de Lisboa essas disparidades ficam patentes, que mais do que efeitos negativos em termos de assistência médica, mostra que há concelhos pouco atractivos para os médicos viverem. De facto, apesar de possuir no seu concelho um grande hospital (Dr. Fernando Fonseca), o rácio de médicos da Amadora é inferior à média nacional (3,7), e pior ainda está Sintra (2,7).

    Mas muito pior ainda, em termos regionais, está o Alentejo Litoral, que tem apenas um rácio de 2,2 por mil habitantes. O ‘melhor’ dos cinco concelhos desta região é Santiago do Cacém com 3,8, bastante abaixo da média nacional. Não está esta região sozinha em escassez de médicos. De acordo com os dados do INE, também nas regiões do Ave, do Tâmega e Vale do Sousa, de Leiria, da Beira Baixa, do Oeste, do Médio Tejo e mesmo de Setúbal não há um único município com rácio de médicos acima da média nacional. E nos Açores e na Madeira apenas Ponte Delgada (7,1) e Funchal (9,0) estão acima da média.


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  • Valor recorde este ano: discriminação salarial entre homens e mulheres agrava-se nos serviços

    Valor recorde este ano: discriminação salarial entre homens e mulheres agrava-se nos serviços

    Uma coisa são as intenções, outra a realidade. Os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados esta quarta-feira, trazem aparentes boas notícias: no segundo trimestre deste ano atingiu-se o mais elevado rendimento médio mensal líquido dos trabalhadores por conta de outrem, embora uma parte tenha sido ‘comido’ pela inflação dos últimos anos. Mas nem tudo são rosas, longe disso. Apesar de todos os sectores estarem em crescimento, no caso dos serviços a diferença de rendimentos entre homens e mulheres atingiu, no segundo trimestre deste ano, o valor mais elevado desde que o INE iniciou os registos em 2011. Aliás, nos serviços, comparando a evolução no último quinquénio, o aumento absoluto no rendimento dos homens foi de 240 euros contra apenas 213 euros das mulheres.


    O rendimento médio mensal líquido dos empregados por conta de outrem atingiu o valor mais elevado de sempre, mas a inflação tem vindo a ‘comer’ parte deste acréscimo dos últimos anos, enquanto as disparidades salariais entre homens e mulheres no sector dos serviços alcançou mesmo um máximo no segundo trimestre deste ano, de acordo com dados divulgados ontem pelo Instituto Nacional de Estatística.

    Analisando a série de dados desde 2011 sobre o rendimento dos trabalhadores depois da dedução do imposto sobre o rendimento (IRS), das contribuições obrigatórias dos empregados para regimes de Segurança Social e das contribuições dos empregadores para a Segurança Social, o PÁGINA UM conclui que existem mais motivos de preocupação do que de satisfação.

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    No ‘mundo’ dos serviços, a discriminação salarial continua e até aumentou para valores record em Portugal no segundo trimestre deste ano.

    Não contabilizando a inflação, cada trabalhador por conta de outrem ‘levou para casa’, em média, no segundo trimestre deste ano mais 321 euros do que no início de 2011, tendo amealhado agora 1.137 euros. É a primeira vez que este rendimento médio ultrapassou a fasquia dos 1.100 euros. Em comparação com o trimestre anterior, registou-se um aumento de 3,8%, sendo de 8,9% face ao período homólogo do ano passado. E se se recuar cinco anos, para o segundo trimestre de 2019, o aumento é de 24,5%.

    Porém, a inflação terá anulado parte significativa deste incremento nos rendimentos, considerando que o índice de preços no consumidor (IPC) subiu 13,9% entre 2019 e 2023, alcançando mesmo os 28,5% no caso dos produtos alimentares não transformados. Ou seja, para a compra de muitos alimentos, a inflação ‘comeu’ essa aparente melhoria.   

    O sector agrícola e afins tem registado, mesmo assim, uma melhor evolução em termos relativos nos últimos cinco anos, tendo os trabalhadores passado de um rendimento médio mensal líquido de 692 euros no segundo trimestre de 2019 para os 933 euros no segundo trimestre deste ano. Em todo o caso, continua este a ser o sector com menores rendimentos face ao sector industrial, de construção, energia e águas (o tradicional sector secundário) e ao sector dos serviços (vulgarmente conhecido por sector terciário).

    Com efeito, no sector secundário, o último trimestre de 2023, conforme revelam os dados do INE, marcou a ultrapassagem simbólica dos 1.000 euros, que se consolidou agora. O segundo trimestre deste ano apresenta um rendimento médio líquido de 1.080 euros, mais 98 euros do que o período homólogo, e mais 230 euros do que há cinco ano, o que significa um aumento relativo de 27,1%.

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    Trabalhadores do sector primário têm os menores rendimentos, mas também a menor disparidade salarial entre homens e mulheres.

    Apesar do sector dos serviços ter contabilizado um incremento relativo menor no último quinquénio (23,5%), na verdade o aumento absoluto do rendimento líquido médio foi superior aos dos outros dois sectores. Tendo sido superada a fasquia dos 1.000 euros no primeiro trimestre de 2021, os trabalhadores do sector terciário tem registado um aumento consistente, exceptuando o período da pandemia em que se registou uma certa estagnação, com um aumento de apenas 71 euros em três anos (entre o segundo trimestre de 2020 e o primeiro trimestre de 2023). Mas desde este último período, ou seja, em cinco trimestres, o rendimento médio já subiu 115 euros, situando-se agora nos 1.162 euros, mais 221 euros do que há cinco anos.

    Contudo, as disparidades de rendimento entre homens e mulheres estão bastante longe de se dissipar, pelo contrário. No sector dos serviços, o último trimestre apresenta mesmo a maior diferença desde os registos do INE, cuja série começou em 2011 e que foram alvo de ‘reconciliação’ para permitir comparações. No segundo trimestre deste ano, a diferença entre o rendimento médio líquido dos homens e das mulheres no sector terciário nunca foi tão elevada, subindo para 244 euros, o que contrasta com os 166 euros do primeiro trimestre de 2014, a menor disparidade contabilizada desde 2011.

    Em todo o caso, o sector dos serviços é o único em que o rendimento líquido médio das mulheres ultrapassa os 1.000 euros, embora tal tenha acontecido apenas este ano, no primeiro trimestre. Nos outros dois sectores, as mulheres ainda estão bastante aquém dessa fasquia simbólica, embora a distância face aos homens seja menor. Para o segundo trimestre deste ano, no caso do sector industrial e afim, as mulheres ficaram, em média, com um rendimento de 984 euros, enquanto os homens arrecadaram 1.129 euros (diferença de 145 euros).

    Já no sector agrícola e afim, a diferença no segundo trimestre deste ano cifrou-se nos 103 euros, com os homens a registarem um rendimento líquido médio de 973 euros, que contrasta com os 870 euros das mulheres. Curiosamente, o sector primário é aquele onde a disparidade está menos acentuada, havendo trimestres onde se observa rendimentos quase similares, como sucedeu no terceiro trimestre de 2021, quando a diferença foi apenas de um euro.

    Evolução do rendimento médio mensal líquido entre homens e mulheres desde 2011 até ao segundo trimestre de 2024. Fonte: INE.

    Considerando apenas os valores absolutos, o aumento do rendimento médio mensal líquido foi mais favorável no último quinquénio para as mulheres nos sectores primário (277 vs. 203) e secundário (229 vs. 222), mas não no sector terciário, onde o aumento se quedou em 210 euros, que contrastou com uma subida de 247 euros para os homens.

    Por fim, um aspecto relevante que se destaca na evolução dos rendimentos é a redução das disparidades em cada sector de actividade, embora haja ainda diferenças significativas. Por exemplo, em 2011, o rendimento médio líquido de um trabalhador do sexo masculino no sector dos serviços era 58% superior ao de um homem a trabalhar no sector primário. Essa diferença agora é de 34%. No caso das mulheres que trabalhavam no sector dos serviços em 2011, apresentavam um rendimento de quase 64% superior ao de uma trabalhadora do sector primário. Essa diferença é agora de 22%.


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  • Mais de 1,2 milhões de euros de dinheiros públicos para evento com ‘naming’ do Continente

    Mais de 1,2 milhões de euros de dinheiros públicos para evento com ‘naming’ do Continente

    A Volta a Portugal em bicicleta foi perdendo élan nas últimas décadas, mas mantém-se no imaginário de autarcas, que abrem os cordões à bolsa com dinheiros públicos, para os seus municípios serem escolhidos pela organização como locais de chegada, de partida e até de metas volantes. Como o negócio fala mais alto, o resultado é uma Volta que parece uma manta de retalhos, onde os ciclistas quase andam tanto de autocarro como de bicicleta. A edição deste ano, de acordo com as contas do PÁGINA UM, já ultrapassam os 1,2 milhões de euros de dinheiros públicos, mas o ‘naming’ foi sacado pelo Continente por um valor não divulgado pela empresa organizadora, a Podium Events.


    A empresa organizadora da Volta a Portugal em bicicleta – que terminou no passado domingo com a vitória do russo Artem Nych –, que conta com quatro empregados, já garantiu na edição deste ano mais de 1,1 milhões de euros de dinheiros públicos. Apesar do ‘naming’ deste evento desportivo estar associado aos supermercados Continente, do Grupo Sonae, e existirem dezenas de patrocinadores e fornecedores oficiais, uma parte substancial das receitas da Podium Events surge de ‘patrocínios’ de autarquias e outras entidades públicas, em grande parte dos casos como contrapartida de os municípios respectivos serem escolhidos para início ou fim das etapas.  

    No passado dia 24 de Julho, quando se iniciou a principal prova portuguesa que integra o calendário da Union Cycliste Internationale (UCI) Europe Tour, o PÁGINA UM já tinha relatado que, contabilizando também um patrocínio da Santa Casa da Misericórdia de 310 mil euros, constavam no Portal Base contratos envolvendo entidades públicas e a Podium Events no valor de quase 815 mil euros. Mas este valor foi aumentando à medida que se foi desenrolando o evento. Entre o dia do prólogo até sexta-feira passada foram adicionados mais sete contratos com autarquias (Felgueiras, Bragança, Fafe, Boticas, Paredes e Santarém) e mais um com a Entidade Regional de Turismo do Centro de Portugal. No caso do ajuste directo com a Câmara Municipal de Bragança – a única localidade com ‘direito’ a ser sítio de chegada e partida durante a edição deste ano da Volta a Portugal –, o montante em causa (210 mil euros) garante, desde já, uma nova passagem em 2025.

    Autarquias a pagar para ver chegar e partir os ciclistas aparentam ser o factor mais determinante para que a Podium Events – que, também com outra denominação, tem organizado ou co-organizado esta prova, desde o início do século –, o que ‘obriga’ a uma complexa ginástica que tornou a Volta a Portugal num quase exercício de ‘pogo stick’.

    Com efeito, nos últimos anos, o pelotão não descansa logo que acaba uma etapa, porque na esmagadora maioria das etapas tem de saltar de bicicletas e bagagens para outra localidade, para daí partir na manhã seguinte. Em alguns casos, a caravana vai literalmente em mais do que duas rodas durante largos quilómetros.

    Por exemplo, na edição 85 que terminou domingo, depois do prólogo em Águeda, a primeira etapa saiu, no dia seguinte, em terras do vizinho concelho da Anadia, uma vila de Sangalhos. Neste caso foram 12 quilómetros, mas a primeira etapa terminou em Miranda do Corvo, mas a caravana viu-se obrigada a percorrer em veículos 111 quilómetros, porque a segunda etapa saiu de Santarém. Essa etapa terminou em Lisboa, e nova ‘peregrinação’ houve: 180 quilómetros até ao Crato, no norte do Alentejo, onde se iniciou a terceira etapa.  

    Não considerando o prólogo (Águeda) e o contra-relógio da última etapa (Viseu) – que, pela curta distância, podem ser considerados ‘circuitos’ –, apenas houve uma etapa que se iniciou na mesma localidade onde terminou a anterior: Bragança.

    De resto, a caravana automóvel, com os ciclistas à boleia, andou de norte ao centro do país para levar tudo do sítio onde se terminou para o outro onde se continuaria, a saber: Covilhã-Sabugal (42 km), Guarda-Penedono (63 km), Boticas-Felgueiras (79 km), Paredes-Viana do Castelo (83 km), Fafe-Maia (55 km) e Mondim de Basto-Viseu (123 km). Contas feitas, os ciclistas que terminaram a Volta pedalaram cerca de 1.540 quilómetros, mas entre etapas, de carro, andaram mais 748 quilómetros.

    Na análise do PÁGINA UM, apesar da Volta a Portugal deste ano ter tido somente um prólogo e 10 etapas, houve 18 concelhos onde a caravana parou para chegar ou partir. Até agora, não surgem ainda no Portal Base respeitantes à passagem da prova ciclista nos municípios do Crato, Sabugal, Penedono, Viana do Castelo, Maia, Mondim de Basto e Viseu. Também ainda não aparece qualquer contrato com a autarquia de Miranda do Corvo, chegada da primeira etapa, embora haja um apoio de 19.990 euros da Entidade Regional de Turismo do Centro de Portugal.

    De resto, todas as outras 11 autarquias por onde ‘estancou’ a caravana já abriram os cordões da ‘bolsa pública’ em direcção à Podium Events, sem sequer ser claro os critérios para definir o montante que cada uma pagou. O município de Águeda para ter o prólogo, mas sem direito a partida da primeira etapa, gastou 110 mi euros. Por sua vez, a autarquia de Anadia somente despendeu 24.390,24 euros – sem se perceber o motivo de, contrariamente aos outros, não haver um número redondo – para ficar com a saída da primeira etapa. Na segunda etapa, que ligou Santarém a Lisboa, a autarquia escalabitana desembolsou 20 mil embora, mas na capital foi a Junta de Freguesia de Marvila – onde se localizam alguns dos bairros mais maiores carências – que pagou à Podium Events, e não foi pouco: 90 mil euros para ficar no ‘mapa da Volta’ por uma simples tarde, até porque a caravana seguiu logo para o Crato.

    Como já referido, não existe ainda informação sobre verbas pagas pelos municípios da saída da terceira (Crato), quarta (Sabugal) e quinta (Penedono), mas há para as metas: a autarquia da Covilhã pagou 60 mil euros, a da Guarda 140 mil (integrado num contrato de quatro anos assinado em 2022 no valor total de 400 mil euros) e a de Bragança desembolsou 105 mil euros, que incluiu a partida da sexta etapa.

    Por sua vez, Boticas pagou 80 mil euros para ser meta da sexta etapa, enquanto Felgueiras e Paredes, que se ligaram na sétima etapa, deram à Podium Events 35 mil e 80 mil euros, respectivamente. Relativamente às etapas oitava a décima, somente se conhece ainda os 80 mil euros pagos pelo município de Fafe e os 79.950 euros pagos pela autarquia de Mondim de Basto por ter a etapa final na Senhora da Graça. E há ainda uma autarquia, a de Penamacor, que decidiu pagar 10 mil euros, em ajuste directo, apenas para que houvesse uma simples passagem por esta vila do distrito de Castelo Branco com direito a ‘meta volante’.

    Além destas verbas, este ano a Santa Casa da Misericórdia achou por bem ‘despachar’ 620 mil euros para a Podium Events para ser patrocinador, durante duas edições, da camisola branca (para o melhor jovem ciclista na classificação geral)) e do Prémio Melhor Português. Ou seja, 310 mil euros em cada ano. Este contrato tem, além de tudo, partes expurgadas: cerca de seis páginas do texto inserido no Portal Base, respeitantes à cláusula segunda, estão irregularmente em branco, uma vez que o Instituto dos Mercados Públicos, do Imobiliário e da Construção (IMPIC) permite estes abusos.

    Contas feitas, e contabilizando o patrocínio da Santa Casa da Misericórdia, a facturação com dinheiros públicos da Podium Events já ultrapassa os 1,23 milhões de euros, podendo ainda subir. Este montante representa cerca de um terço da facturação em todas as actividades desta empresa – que não se cinge á Volta a Portugal – ao longo do ano de 2022. A empresa, que apresentou nesse ano, um lucro de 1.263 euros, ainda não apresentou as contas do exercício do ano passado, mas mostra-se evidente ser apenas um intermediário, dado que conta quatro empregados e praticamente todas as verbas arrecadadas servem para contratar serviços externos.

    Saliente-se que, para contornar o impedimento de patrocínios directos a empresas privadas, a generalidade dos contratos celebrados pelas autarquias, sob a forma de ajuste directo, indicam estar-se perante uma aquisição de serviços – como se fossem os municípios os organizadores do evento –, o que constitui uma forma pouco ortodoxa de cumprir o Códigos dos Contratos Públicos. Até agora, o Tribunal de Contas tem ‘fechado os olhos’, mesmo sendo evidente que se está perante patrocínios, tanto assim que a lista das autarquias surge na página dedicada aos patrocinadores.

    Embora a Podium Events realize outros eventos, sobretudo de ciclismo, as entidades públicas, sobretudo autarquias, são relevantes clientes. Desde 2009 contabilizam-se quase 190 contratos, envolvendo quase 13 milhões de euros, ultrapassando assim os 15 milhões, caso se inclua IVA. Mais de 3,6 milhões de euros apenas desde 2022.

    Grande parte destes contratos envolvem autarquias e comunidades intermunicipais, destacando-se como melhores clientes da Podium Events, para além da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa (620 mil euros), os municípios de Lisboa (1,8 milhões de euros), de Castelo Branco (1,04 milhões de euros), de Viana do Castelo (895 mil euros), da Guarda (790 mil euros), Mondim de Basto (533 mil euros), Montalegre (430 mil euros), Covilhã (375 mil euros) e Braga (355 mil euros).

    O PÁGINA UM contactou a Podium Events para obter esclarecimentos e outras informações, mas não obteve resposta. Não foi assim esclarecido quanto pagou a Sonae pelo ‘naming’ da Volta a Portugal, que, para se realizar este ano, implicou mais de 1,2 milhões de euros em apoios públicos.


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  • Evidências e enigmas do Dilúvio

    Evidências e enigmas do Dilúvio

    No ano mil seiscentos e cinquenta e seis do Anno Mundi 1656, ao décimo sétimo dia do Marcheshvan, rompendo todas as fontes do grande abismo e abrindo-se as cataratas do céu durante quarenta dias e quarenta noites, Deus salvou Noé pela segunda vez. A primeira foi quando Deus incumpriu a sua sentença, decretada ainda antes do cataclismo, em encurtar os dias dos homens para centos e vinte anos. É que Noé já contava seiscentos anos quando entrou na arca.

    *

    Noé, sua mulher, seus três filhos e noras não eram uma família justa ou perfeita; na verdade, eram uma família misantrópica. Só assim se compreende que Deus os tenha escolhido; só assim se compreende que Noé, avisado por Deus do extermínio sobre a Terra – uma violência divina contra a violência humana –, não tenha tentado auxiliar os seus patrícios mais próximos. Nem sequer os compadres.

    closeup photography of water drops on body of water

    *

    Enquanto serrava as madeiras resinosas e comprava betume, enquanto construía a arca de trezentos côvados de comprimento, cinquenta côvados de largura e trinta côvados de altura distribuídos por três pisos, enquanto carpintejava tudo isto e calafetava tudo aquilo, enquanto reunia os animais para o acompanharem, que desculpas ou justificações deu Noé a quem lhe perguntava o que estava fazendo?

    *

    Se de antemão Noé sabia que apenas ele e a sua família mais próxima entrariam na arca, que apenas ele e a sua família mais próxima se salvariam do dilúvio, terá comprado a madeira e o betume a pronto ou a crédito?   

    *

    Os oceanos, mares e baías possuem 1,386 mil milhões de quilómetros cúbicos de água, os lagos salgados e doces cerca de 176.400 quilómetros cúbicos, os rios somente 2.120 quilómetros cúbicos e os pântanos 11.470 quilómetros cúbicos. Deus tinha assim disponível para inundar a Terra apenas cerca de 47,8 milhões de quilómetros cúbicos, contabilizando as águas das calotes polares, dos glaciares, das neves permanentes, do pergelissolo, do gelo subterrâneo e dos aquíferos doces e salgados, bem como o vapor de água e a água existente no solo e nos seres vivos animais e vegetais, embora neste último os matasse logo a todos se a utilizasse.

    Ora, sabendo-se que a superfície terrestre total é de 509,6 milhões de quilómetros quadrados; sabendo-se ainda que, para uma inundação uniforme, teria de se fazer chover nos oceanos, nos mares, nas baías, nos rios, nos lagos, e nos pântanos similar volume ao que se precipitasse em terra; então concluiu-se que um dilúvio global apenas atingiria 93,79 metros acima do actual nível médio das águas do mar. Como se diz ter Deus coberto os altos montes existentes debaixo do céu, ultrapassando em quinze côvados (cerca de 9,9 metros) o cimo de todas as montanhas, incluindo portanto os montes de Ararat, onde haveria de pousar a arca, que se situa a 5.137 metros acima do nível do mar, e sobretudo o monte Evereste, na cordilheira dos Himalaias, que se encontra 8.848,43 metros, uma questão se coloca: onde foi Deus desencantar tanta água? E para onde foi depois do Dilúvio?

    body of water surrounded by fog

    *

    Antes de aplacar o Dilúvio, solicitou Deus a Noé que recolhesse tudo quanto houvesse de comestíveis e os armazenasse na arca, a fim de servirem de alimento à sua família e aos animais. Ora, se muitos desses animais eram carnívoros, quantas espécies se terão extinguido em plena arca durante os cinto e cinquenta dias que durou a inundação, sem contabilizar também os animais que padeceram de doenças, de má nutrição ou de desadequadas condições higieno-sanitárias?

    *

    Deus decretou que Noé recolhesse sete pares de cada espécie de animais puros e apenas um par de cada espécie de animais impuros, porque o primeiro grupo podia ser comido e servia também para sacrifícios em holocausto durante o período de inundação. Quantas espécies se extinguiram às mãos de Noé enquanto todos estavam na arca?  

    *

    Se na Criação fez Deus todos os seres vivos – aves, monstros marinhos, peixes, animais domésticos, répteis e animais ferozes – em apenas um dia e meio, qual a razão para depois, aquando do Dilúvio, ter sobrelotado a arca com sete pares de todos os animais puros, mais um par de todos os animais impuros, e sete pares de todas as aves? Não terá sido mais fácil recriar todos os animais de novo, tornando assim mais cómoda, para Noé e sua família, a estadia na barcaça?

    a book open with a drawing on it

    *

    No decurso do Dilúvio, as chuvas caíram durante quarenta dias e quarenta noites. Por mais cento e cinquenta dias esteve o mundo coberto pelas águas. Depois, «Deus recordou-se de Noé e de todos os animais, tanto domésticos como selvagens, que estavam com ele na arca», mandando «encerrar as fontes do abismo e as cataratas dos céus», ao mesmo tempo que «mandou um vento sobre a terra e as águas começaram a descer». No dia dezassete do sétimo mês do ano de mil seiscentos e cinquenta e seis após a Criação, «a arca poisou sobre os montes de Ararat. As águas foram diminuindo até ao décimo mês. No primeiro dia do décimo mês, emergiram os cumes das montanhas». Somente ao fim de quarenta dias Noé abriu a janela da arca e soltou um corvo, que «saiu repetidas vezes, enquanto iam secando as águas sobre a terra». Mais tarde, largou uma pomba que, «não tendo encontrado sítio para poisar», regressou à arca. Somente sete dias depois foi feita nova largada da pomba que, desta vez, regressou com uma folha verde de oliveira no bico. Noé aguardou mais sete dias e tornou a soltar a pomba «mas, desta vez, ela não regressou mais para junto dele». Desconhece-se as razões, mas a hipótese de esta pomba ter morrido está fora de hipótese, pois o seu par, o pombo, tê-la-á encontrado mais tarde, de contrário a espécie extinguia-se. Porém, subsiste um enigma: como sobreviveu a viçosa e verdejante oliveira durante todo o tempo do Dilúvio?


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  • Rui Cardoso Martins

    Rui Cardoso Martins

    Na quinta sessão de BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira conversa com o escritor Rui Cardoso Martins.



    Cronista de excelência, ainda hoje (re)conhecido pela ‘saga’ de ‘Levante-se o réu’, com que retratava as misérias da condição humana perante um juiz, Rui Cardoso Martins mantém-se como jornalista, tendo sido um dos ‘pioneiros’ do Público, onde arrecadou dois prémios Gazeta de Imprensa.

    Mas tem sido na escrita literária que mais se tem firmado, depois da sua estreia em 2006, com o romance ‘E se eu gostasse muito de morrer’. Tem repartido a ficção (sendo ‘As melhoras da morte’ a sua mais recente obra) com a escrita de argumentos de cinema e também de humor.

    Rui Cardoso Martins fotografado na Biblioteca do PÁGINA UM.

    Uma conversa descontraída (mas séria) em redor dos processos de escrita, sobre literatura, sobre o jornalismo, sobre a liberdade, sobre a religião e, enfim, sobre a vida.

    De entre as obras patentes na BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Rui Cardoso Martins escolheu, para sugerir a leitura, “O Judeu’, de Camilo Castelo Branco, publicado em 1866, e ainda o livro de contos ‘A inaudita guerra da Avenida Gago Coutinho’, de Mário de Carvalho, um original de 1983.

    Pormenor da livros da biblioteca ‘caseira’ de Rui Cardoso Martins.

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  • Ana Maria Pereirinha

    Ana Maria Pereirinha

    Na quarta sessão de BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira conversa com a (ex-)editora e tradutora Ana Maria Pereirinha.



    Pelas suas mãos e olhos, passaram muitos textos e muitas ânsias de escritores. Durante mais de duas décadas, Ana Maria Pereirinha esteve de corpo e alma no desafiante (e por vezes angustiante) mundo da Literatura, como assistente editorial e editora da Temas & Debates, da Quidnovi e, mais recentemente, da Planeta.

    Nos últimos anos, dedicando-se mais à organização de eventos culturais (e sobretudo nas belas-artes, na Galeria Monumental, ao lado de Manuel San-Payo), tem sido a tradução que mais a liga à Literatura.

    Ana Maria Pereirinha fotografada na Biblioteca do PÁGINA UM.

    Nesta conversa descontraída, onde até se recordam pequenos ‘conflitos’ particulares entre editora e escritor, Ana Maria Pereirinha aborda as suas relações com a Literatura, a busca (e a ascensão e queda) de novos talentos, bem como as vitórias e as frustrações de quem lê antes dos leitores, não esquecendo os seus ‘pecados’ de adolescência.

    De entre as obras patentes na BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Ana Maria Pereirinha escolheu, para sugerir a leitura, “Eurico, o Presbítero, de Alexandre Herculano, um original de 1844, e ainda o romance ‘As mulheres da Fonte Nova’, de Alice Brito, publicado em 2012.

    Pormenor da livros da biblioteca ‘caseira’ de Ana Maria Pereirinha.

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  • ‘A publicidade tinha um elemento mágico forte, mas essa era acabou’

    ‘A publicidade tinha um elemento mágico forte, mas essa era acabou’

    Doutorado em Sociologia, com formação académica também em História e Comunicação Social, Eduardo Cintra Torres é, porventura, o mais acutilante analista de media, comunicação política e publicidade em Portugal, mantendo colaboração frequente na imprensa, sobretudo na CMTV e Correio da Manhã. Além de investigador histórico e jornalista, ainda é professor de Estudos Televisivos e de Análise de Publicidade na Universidade Católica Portuguesa desde 2004. E abalançou-se para um trabalho ciclópico, de anos, para ‘compor’ a (verdadeira) História da Publicidade em Portugal, numa versão académica complementada com um volume ilustrado com os anúncios que seduziram gerações.


    Comecemos pelo princípio: a publicidade serve para divulgar um produto, para satisfazer uma necessidade, para enganar os incautos?

    Publicidade é uma comunicação, normalmente de um para muitos, que pretende ser de um para várias pessoas – que normalmente é pública – e que desde o início se destinava a promover a venda de produtos e de serviços. Depois também se alargou a informação pública, digamos assim. Por exemplo: “beba leite, porque faz bem à saúde”, ou “vacine os seus filhos contra o sarampo”. Portanto, isto é uma publicidade que é um serviço público sem haver uma transação comercial ou um pressuposto pagamento… Vamos supor que quero fazer um anúncio para promover o PÁGINA UM, ou uma associação pública, uma associação de moradores: eu sou publicitário, tenho uma agência, e ofereço o anúncio; mas oferecer um anúncio é um binário, zero e um. Há um suposto pagamento, que deixa de haver, mas o pagamento teria de existir, porque houve alguém que fez aquele trabalho. Também a sua publicação teve pagamento, como se vê no primeiro documento que está no meu livro ilustrado, da Idade Média, onde um funcionário público, que é uma espécie de RTP do século XIV, pode fazer publicidade e receber dinheiro.

    Eduardo Cintra Torres numa aula de licenciatura na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Abril de 2024. (Foto: D.R.)

    Embora na publicidade o objectivo seja sempre vender alguma coisa ou convencer alguém. Vês isso mais como uma tentativa de persuadir as pessoas para o bem, ou às vezes também pode ser feita para o mal?

    Pode ser feita para o mal, mas desde que a publicidade se transformou numa profissão, no final do século XIX, com agências e tudo mais, houve um grande cuidado da parte dos publicitários – estou a falar das agências americanas em primeiro lugar, mas depois também noutros locais – em dizer que a publicidade não mente, não é para mentir. Quando a publicidade mente, está a ser ética e deontologicamente errada. Eticamente, porque nunca se deve mentir, seja numa profissão como a publicidade seja noutras circunstâncias quaisquer. Na deontologia, porque a deontologia da publicidade se foi formando no sentido do que se pretende é chamar a atenção do consumidor, criar o interesse das pessoas no produto, ou no serviço, que se está a anunciar, criar um desejo de cumprir o que está proposto. Isto é, comprar um produto ou um serviço, e depois levar a pessoa à acção. Como tenho estes três passos tão bem definidos, e é absolutamente fundamental que eu crie interesse, tenho de criar o desejo, ao qual deve seguir-se uma acção, que é a compra, ou o que quer que seja. Se for o World Wildlife Fund, o objectivo será dar dinheiro para o fundo, porque eles pedem isso nos cartazes. Mas não há um objectivo de enganar. Há um objectivo de convencer, de seduzir, através de um mix de informação e de ‘magia’; aquilo que se chama magia no sentido em que há um lado um pouco ficcional, não quer dizer que é mentira. Mas eu crio um diálogo entre duas personagens.

    Ou seja, a publicidade tem de ser sedutora?

    Sim, senão não funciona. Isso está no “D” de AIDA, que é “Atenção, Interesse, Desejo e Acção”.

    Vou tentar seguir a linha do teu livro, A História da Publicidade em Portugal, durante a nossa conversa… Hoje, qualquer pessoa sabe que há uma série de canais de divulgação de publicidade, quase sempre associada à tecnologia. Sabe-se que sobretudo no século XIX, a publicidade ganhou um ímpeto com a fotografia, e no século seguinte com o cinema, a rádio e a televisão. Mas estudas a publicidade desde a Idade Média. Que “tecnologia” se usava nesse tempo?

    A primeira era a tecnologia do ser humano, era a voz [risos], portanto, vocal, e a linguagem verbal. Havia uma profissão, os pregoeiros, que , em boa medida, funcionários públicos, das câmaras municipais; eventualmente, da governação ou da realeza.  Tinham a seu cargo ler em voz alta, publicamente, diversas vezes e em diversas localidades uma mensagem, por exemplo, do Rei. Esses pregoeiros também faziam publicidade privada. Porque o primeiro documento do meu livro, a imagem número 1 do capítulo I, é uma decisão da Câmara Municipal de Évora, e eventualmente poderíamos encontrar ‘N’ decisões de outras câmaras municipais do país naquela altura, ou até antes. Diz que o pregoeiro, um funcionário público, pode fazer publicidade, e o processo de fazer, para “publicitação” para privados. Chega a acordo com os privados sobre o percurso que vai fazer para o anúncio daquilo que há para vender. Vamos imaginar que são bens perecíveis, que precisam de vender-se agora – naquela altura em que não havia processos de preservação –, o comerciante ou o produtor tinha de pagar 1%.

    Primeiro cartaz português conhecido: cartaz da Inquisição contra Os Lusíadas, 1640. (Foto: D.R.)

    Portanto, havia regras. Os pregoeiros seriam os ‘influencers’ de hoje, não?

    Exactamente, eram os influencers… Quer dizer, era mais um publicitário, no sentido em que eventualmente ele escolheria os objectivos, para dizer “carne muito fresca”, em vez de dizer só “carne de vaca”. “Vejam o senhor o Senhor José Manuel das Iscas na Praça do Giraldo” – se acrescentava alguma coisa é porque era um profissional da comunicação, porque era pregoeiro do Estado; não lhe podemos chamar assim, porque ainda não havia bem Estado, mas enfim, “proto-Estado”.  Mas ele fazia esse apregoamento. Por outro lado, também haveria um apregoar ‘não profissional’, pelo menos não no mesmo sentido deste; porque este já era um negócio da agência.  Cobrar 1% da comissão ao vendedor veio a ser um negócio possível no século XIX.

    Passou a estar escrito, a ser uma norma?

    Exactamente. Depois, qualquer comerciante com interesse em vender os seus produtos, eventualmente serviços, como um professor, poderia apregoar na rua. Mas isto seria mais comum para os comerciantes que vendiam bens perecíveis, roupas, lãs; e poderiam ir para a rua, em Lisboa, dizer “chegou um carregamento de lã da Serra da Estrela”, e estavam a anunciar, a apregoar – e a dizer que a sua lã era melhor que a da loja ao lado. Portanto, já estava, de alguma forma, a promover o produto.

    Aliás, há pouco dizias que a voz era a tecnologia usada, e na altura não fazia sentido mensagens publicitárias escritas, porque o analfabetismo era a norma.

    Isso, por um lado. Por outro lado, não havia imprensa para reproduzir de um para um.

    Mas mesmo que fosse desenhada.

    Mas havia, havia letreiros e tabuletas.

    Mais com símbolos do que com mensagens publicitárias.

    Sim. Mais com símbolos do que com mensagens verbais. Eventualmente, diria “vinho”, “hospedaria”, “estalagem”, mas tens toda a razão; haveria um símbolo de um urso ou de um cavalo de uma hospedaria para indicar que na estrada em Santarém, era ali a estalagem. Eu pus uma gravura já do século XX no primeiro capítulo, que mostra uma rua de Lisboa onde se vê três ou quatro desses símbolos; um deles um letreiro com uma mensagem verbal. E o Alexandre Herculano, que era um historiador muito sério, provavelmente inspirado em fontes fidedignas medievais, menciona, pelo menos num dos livros, a tabuleta de animal. Era um sapo de uma tasca, e lá dentro também havia um letreiro a anunciar o vinho, que era ‘não sei de onde’.

    De qualquer modo, o pregão foi evoluindo, e encontramos muito o pregão, quase até aos nossos dias, nas feiras. O vendedor das feiras que, por sua vez, está associado aos ‘vendedores da banha da cobra’; ou seja, o pregão foi perdendo credibilidade. Concordas com esta visão que associa muito a voz com os ‘vendedores da banha da cobra’?

    Não; primeiro, porque nós temos pregões – ou, se quiseres publicidade feita nas ruas, e nos mercados, como com o peixe fresco: “há aqui robalo, olha a sardinha a 10 euros o quilo” – e isto é uma publicidade, muito simplificada, mas é, e não é a ‘banha da cobra’.

    Cartaz Frutas de Natividade colecção ECT (Foto: D.R.)

    Mas é algo que já não se vê muito?

    Já não se vê muito. Mas também há os restaurantes que chamam os clientes, não é bem como pregão, mas que chamam por voz. E, por outro lado, com a chegada da rádio e depois do cinema sonoro, regressou a voz. E o pregão é o slogan, chamamos-lhe assim. E, portanto, há uma evolução; não é uma ruptura absoluta com o que vem de trás.

    A partir do século XVIII ou XIX, começam a surgir mais mensagens publicitárias escritas, que tem a ver também, de certa forma, com a evolução da literacia das sociedades. Nesses primórdios, já conseguiste encontrar coisas escritas com alguma ciência, e marketing profissional, ou isso só vai surgir no século XX?

    É primitivo, mas acho que é uma tendência praticamente natural. O primeiro anúncio na imprensa portuguesa, em 1715, na Gazeta de Lisboa, é de um professor de francês que chegou a Lisboa e que se anuncia. Eu analisei detalhes no livro.

    Era geralmente na última página da Gazeta de Lisboa…

    Era na última página, em itálico, separado com filete. Eu analisei em detalhe esse anúncio por ser o primeiro, e porque fui à procura precisamente de elementos que são, digamos, a proto-publicidade profissional. Porque o homem, quando se anuncia, tem informação factual. E o homem acaba de chegar de França, portanto, não é um tipo qualquer, é um français. E ele diz que dá aulas também a crianças, e por aí fora. Portanto, já há ali elementos, com um adjectivo ou outro, em que indicam que é necessário valorizar aquilo que se tem para oferecer, seja um serviço ou produto.

    Se não me engano, na Gazeta de Lisboa já começam a surgir notícias ou informações que, na verdade, parecem mais publicidade, certo?

    Não analisei isso…

    Eu reparei nisso numa ou outra situação quando consultei a Gazeta de Lisboa por outras causas. Por exemplo, quando se anunciava determinado tipo de supostos produtos farmacêuticos.

    Sim, mas isso eram anúncios, não eram notícias. O da água circassiana, por exemplo… Havia alguns que, de facto, era mais do que magia; era mesmo aldrabice. E foram atacados quer pelas próprias agências de publicidade, quer pelos Estados. Os Estados regularam alguma coisa da publicidade, e isso foi um dos exemplos.

    Mas quando se iniciou essa regulação? Havia os anúncios falsos, certo?

    Sim, mas isso é outra coisa, que eu encontrei e achei que valia a pena mencionar. E por outro lado, os primeiros anúncios impressos escritos começam em 1715, e os primeiros “fake ads” que encontrei são de 1735. Isto significa que, nestas primeiras décadas, a publicidade adquiriu já um carácter próprio – uma metalinguagem própria –, que leva a que possas gozar com ela. Assim como tu podes gozar com os ‘gajos’ que fazem relatos de futebol, ou com os políticos porque falam de uma determinada maneira, etc. Nesta altura, rapidamente aparecem falsos anúncios a gozar com os anúncios verdadeiros. Porque esses anúncios verdadeiros utilizavam já uma linguagem própria e tinham características que poderiam ser surpreendentes. Analisei três anúncios falsos, e há um que goza com o facto de haver um anúncio a dizer que se vende vegetais frescos no Mercado da Ribeira, ou num desse género. E eles gozam porquê? Primeiro, porque toda a gente sabe que existe um Mercado da Ribeira, e depois, também sabem que se vende lá vegetais. Portanto, estar a dizer isto era uma coisa estranha para vir impressa num jornal. E de repente, vir assim uma informação deste género, há aqui uma certa democratização daquilo que se está a dizer. Pode não ser a linguagem ainda, mas há uma democratização daquilo que se está dizer. Já era uma coisa comum alguém dizer que tinha para vender, por exemplo, canela que veio da Índia, mas aparecer no mesmo jornal que diz que o Rei fez isto ou aquilo, ou que há uma guerra entre a Rússia e a Prússia. Portanto, há uma democratização, que depois explode no século XIX.

    Com dois dos seus livros ‘gémeos’, no dia em que os recebeu, em Novembro de 2023.
    (Foto: D.R.)

    Mas no início, as pessoas estranhavam?

    Não temos informação sobre essa recepção. Mas estes anúncios falsos são precisamente um sinal que mostra que as pessoas deveriam achar surpreendente, não só aquilo que se anunciava, como a forma como se fazia. E com um determinado tipo de linguagem para chamar a atenção, criar o interesse e o desejo para levar as pessoas a comprarem. O anúncio francês, na página 45, diz: “faço aviso de pessoas curiosas de língua francesa, haver chegado a esta corte há pouco tempo um estrangeiro, apelidado de Villanueve, francês de nascimento, natural da cidade de Paris, o qual fala línguas latina, alemã, italiana, castelhana e portuguesa. E tem um método muito fácil para ensinar em pouco tempo toda a sorte de pessoas, tanto às crianças de cinco para seis anos ou aquelas que quiserem serviço do seu expresso”. Portanto, como se pode ver, há aqui já essa protolinguagem.

    É sobretudo com o liberalismo no último quartel do século XIX que a publicidade explode, também um bocado por causa da burguesia endinheirada e mais culta, e começam a surgir os primeiros jornais. Essa foi uma corrente generalizada em todos os periódicos que analisaste, ou havia uns que eram como o PÁGINA UM, e não tinham publicidade? [risos]

    Exactamente.  A explosão da imprensa, com a liberdade de imprensa em 1820, faz-se com o modelo da altura nos jornais periódicos, que é: os jornais eventualmente vendem-se numa loja, na tipografia, ou em uma ou duas livrarias; é no espaço da cidade, porque não há comboios, e não há maneira de transportar facilmente as coisas. E o modelo de assinaturas, que é vital. E por isso é que, naquele “cemitério de imprensa”, sobre o qual escreveste no outro dia, há muitos. Há publicações periódicas que só tiveram o número zero. Porquê? Porque era um número-prospecto, que fazia com que depois tu dissesses “este jornal é bestial, vou assiná-lo”. Havia muita gente que assinava e depois não pagava, isso está mais do que documentado e, portanto, os jornais depois acabavam por fechar, por várias razões. Uma delas era porque era feito só por uma pessoa, e às vezes ele suspendia o jornal porque ia sair para férias, ou sair de Lisboa. Portanto, era uma coisa muito pouco profissional, mas era aquela coisa de “vou aproveitar a liberdade para falar e escrever as minhas ideias”. Além disso, a maior parte dos jornais eram o que se chamava “jornais de partido”. Eram feitos por um grupo de amigos da mesma linha política, da mesma loja maçónica, ou que se encontravam no mesmo café, e faziam a publicação. Portanto, não era uma coisa altamente profissional.

    Ou seja, quase todos eles começaram, digamos, por um grupo de amigos. Mesmo, por exemplo, o Diário de Notícias. Ou aí já foi diferente, e já havia uma intenção de um grupo de investidores de fazer um jornal que não era para morrer dali a uma semana?

    O primeiro jornal que tem um modelo moderno é “O Português”, do Almeida Garrett e do Paulo Midosi. Eles começam como um jornal de assinaturas, profissional. Diz que tinham imensa gente a trabalhar para o jornal. Tinham imensos assinantes e, portanto, a coisa estaria a funcionar bem. Mas eles não pensaram em publicidade, porque na altura não era uma coisa em que se pensasse automaticamente. O primeiro anúncio só aparece no número 6 ou 7, e é de um tipo português que está na Alemanha e que oferece quartos para portugueses que queiram ficar lá, com refeição e tudo. Se calhar até é uma coisa de um português estrangeirado que quer utilizar um jornal português para anunciar publicitariamente. Só a partir daí, parece que eles ficaram “epá, esquecemo-nos disto”. Aquilo depois não tem desenvolvimento, porque vem o Miguelismo e as lutas políticas, que impedem o desenvolvimento do jornal. A seguir, aparece o “A Revolução de Setembro”, que é um jornal altamente politizado quando aparece, mas que vai evoluindo para um jornal com uma linha política, mas mais de informação geral. Entretanto, também aparece no Porto o “Comércio do Porto”, da burguesia local, e que só se vendia na sede do jornal; que é uma coisa completamente bizarra para nós hoje, mas na altura não era.

    Cartas relativo a livros escolares (Foto: D.R.)

    Ainda não havia ardinas, nessa época?

    Não; é precisamente o Diário de Notícias que introduz o modelo moderno da publicidade em Portugal. Em 1864, saem dois prospectos, que eles chamaram dois números-programa, se não me engano, mas também prospectos, no dia 29 e 30 de Dezembro de 1864, e depois no dia 1 de Janeiro de 1865, saiu o número 8. E é uma das razões principais por que eu começo o terceiro capítulo em 1865. Porque é que é um novo modelo de negócio? Porque eles fazem uma coisa de tipo empresarial; que para se vender tem de ser apolítica, no sentido em que é apartidário. E é por isso que não tem artigo de fundo, não tem editorial. Não quer dizer que seja totalmente apolítico, porque isso é impossível, mas é bastante. E tem uma empresa, e baixam o preço. Fazem um jornal diário por 10 réis, quando alguns jornais vendiam a 40 réis.  Já tinha havido experiências de vender jornais mais baratos, mas eram coisas menos profissionais e não de informação geral. E criaram a profissão de ardina, que já era anunciada no futuro concorrente, na “Revolução de Setembro”. No final de Dezembro de 1864, há um anúncio a dizer que vão precisar de rapazes, e o Diário de Notícias depois volta a pedir mais em Janeiro.

    Mas não identifica ?

    Eu acho que identifica, diz “Diário de Notícias” no título.

    Mas esse modelo foi importado?

    É importado de França. Portanto, temos isso, temos também a ligação à Europa por comboio em 1864, temos os primeiros desenvolvimentos do caminho de ferro em Portugal, que começa com Dom Pedro V. E o Diário de Notícias no princípio tem poucos anúncios, mas rapidamente ganha uma grande dimensão. O Comércio do Porto já era um jornal assim, só que não se vendia nas ruas, e a Revolução de Setembro, em Lisboa, também não.

    Conseguiste saber qual seria a tiragem nessa altura, em 1860?

    Sim, eles dizem, não escondiam isso. Ao fim de um ano, o Diário de Notícias vendia uns poucos milhares já.

    Ou seja, seguramente vendia mais do que hoje.

    De certeza!

    E com uma população muito menor, e com uma baixíssima literacia.

    Está aqui: a Gazeta de Lisboa chegou aos 2.500 exemplares entre 1742 e 1748. O Grátis, que era um jornal de publicidade – isso é outro capítulo do livro – tirava 2 mil exemplares, mas é um tipo de imprensa diferente. O Diário de Notícias, com três meses de existência, vendia diariamente mais de 6.000 jornais.

    Começou com quantas páginas?

    Eram quatro páginas, como a maior parte dos jornais. E a tiragem subiu para quase o dobro, 9.600, ao fim de um ano.

    Falavas dos jornais gratuitos, e também gostava de falar dos almanaques. Eles viviam basicamente da publicidade, certo?

    Há alguns almanaques que têm muita publicidade, e pelo que eles escrevem nos primeiros números, percebe-se que vivem através da publicidade. Mas o almanaque era uma coisa extremamente popular. Há almanaques católicos reacionários, operários, socialistas, ou da alta burguesia. No Porto, há um que é o almanaque do Highlife, da alta sociedade.

    Que tipo de textos tinha?

    Tinham listas de pessoas, de moradas de serviços públicos, de lojas, empresas ou fábricas.  Punham os horários dos comboios, e dos transportes públicos. Tinham o calendário e a lista dos Santos, as estações de correios.

    O Estado ao ver esse negócio a florescer, se calhar quis meter o dedo, ou não?

    Sim.  É uma história interessante, e até tem a ver agora com este delírio que tem havido com a questão da imprensa e do Estado.

    (Foto: D.R.)

    Também havia uma Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) do século XIX? [risos]

     Havia a censura, na altura.

    Mas havia necessidade de registo, ou era mercado livre?

    Não, não havia registo. Mas quando as coisas crescem nas sociedades precisam de ser organizadas, senão é o caos. Portanto, inicialmente quase não havia jornais, portanto não havia nada disso, mas depois começa a haver autorregulação. Começa a haver a Associação de Jornalistas do Porto, a Associação de Jornalistas de Lisboa…

    Ainda no século XIX?

    Nessa altura, acho que teria de haver algum registo, porque os jornais tinham de pagar o imposto do selo, que é o primeiro imposto que há em Portugal, enquanto tal. Julgo que vem da Inglaterra e rapidamente é adoptado em Portugal [risos]. Porque uma coisa que vai ‘sacar’ dinheiro às pessoas é logo bem-vindo pelo Estado. Acho que é no reinado de D. Afonso VI, se não me engano. Depois, a seguir à Revolução Liberal, há um movimento com Mouzinho da Silveira – que era um tipo muito esperto –, com o apoio de outros deputados, para fazer com que o imposto do selo não fosse aplicado à imprensa. Ele disse que isso seria o fim da imprensa e, portanto, o fim da liberdade. Era neste ponto de vista que estávamos, e que acho que seria interessante os políticos de hoje, e até os jornalistas, estudarem esse período. E isto aconteceu: os jornais foram parcialmente isentos do imposto do selo, o que foi favorável ao desenvolvimento da imprensa. E em França tinha havido a mesma discussão, e lá também não foi tão alto quanto o Governo quereria.

    Portanto, os jornais e a publicidade vão crescendo de mãos dadas ao longo do século XIX, certo?

    Sim, ao longo do século XIX, a maior parte dos jornais – mesmo os regionais ou concelhios, e se calhar os mais partidários – começou a querer utilizar a publicidade como fonte de financiamento.

    E tal como começou a haver, pelo menos nos jornais principais, jornalistas profissionais, também a publicidade se foi profissionalizando?

    Sim. Essa parte eu não desenvolvi. Num outro livro meu sobre a greve geral de 1903 no Porto, escrevi um capítulo grande sobre a produção noticiosa. O jornalista era o tipo que estava sentado na cadeira, entregava as folhas e alguém ia levar lá abaixo à tipografia. O jornalista era o que estava sentado na secretária, o que ia para a rua era o repórter, e havia os informadores. O repórter era o tipo que ia investigar, e depois ainda havia o informador, que era o nível mais baixo. E isto originava um pagamento a este informador. Portanto, havia esta estrutura, mas isso depois foi rapidamente alterado. O sector da publicidade começa-se a profissionalizar em Portugal, quando em 1864-65 aparecem as primeiras agências de anúncios, podemos chamar assim. Eram agências de publicidade, mas chamam-se agências de anúncios porque não tinham necessariamente a parte criativa. Compravam o espaço, por exemplo, uma página do Diário de Notícias, e depois ganhavam dinheiro a revender aquele espaço a quem quisesse.

    Aliás, os jornais ainda do nosso tempo tinham e têm pequenos anúncios e até recepcionavam anúncios individuais…

    Exactamente. Mas isto era para todo o tipo de anúncios. E há um tipo muito famoso, sobre quem eu desenvolvi a investigação o mais que pude, que é o Brown Peixoto. Ele criou a primeira agência de anúncios, da qual saiu e depois criou a Agência Primitiva de Anúncios. Primitiva, porque era a primeira. Ele reclamava ter sido o criador da primeira, mas teve que a abandonar e, portanto, depois faz a Agência Primitiva. Foi muito famoso porque trabalhou muito com o Diário de Notícias, que o promovia muito. Promovia-o no sentido de publicar artigos sobre ele, sobre o seu profissionalismo, a sua honestidade, etc. Porque era também uma maneira de promover a publicidade no Diário de Notícias e de legitimar a publicidade, que era uma coisa extremamente importante naquela altura. A publicidade precisava de ser legitimada como algo necessário à sociedade, aos indivíduos, à burguesia, ao desenvolvimento económico e, portanto, ao país. Era uma coisa quase patriótica. E isso está muito bem apanhado em alguns textos que eu consegui encontrar.  E a primeira defesa que eu encontro bastante sólida e robusta da publicidade, é precisamente num almanaque de 1865. Por isso, mais razão para começar o capítulo ali. E depois, as agências começam a ser criativas. Este tipo que tinha a Agência Primitiva, depois dizia “nós fazemos o arranjo gráfico, ajudamos na escrita do texto”…  partir daí, desenvolve-se a agência tal como nós viríamos a conhecer mais tarde.

    (Foto: D.R.)

    Como canal, a imprensa foi óptima para a publicidade. Mas ainda antes da nova revolução do cinema e da rádio, e para além da imprensa, a publicidade foi-se desenvolvendo de muitas outras formas mesmo ao longo do século XIX…

    É extraordinário, porque a publicidade foi altamente expansiva, para todos os meios possíveis e imaginários. E por todos os meios, digamos técnicos ou materiais que fosse possível utilizar. Podemos ainda falar da imprensa, no sentido de impressão, e temos em primeiro lugar o cartaz, que é extremamente importante e que se desenvolve particularmente depois da litografia permitir a impressão a cores com alguma facilidade. E que convidava a que fossem artistas a fazer porque era desenhado na pedra. E, portanto, não era qualquer um; já não era o tipógrafo que arranjava as letras, para fazer um anúncio de texto verbal. Também já falámos dos almanaques. Havia todo o tipo de materiais impressos, desde copos de piquenique – que eu reproduzo no meu livro – que os burgueses levavam; em vez de serem de vidro, eram copos de papel. E, portanto, todos os materiais impressos possíveis e imaginários, todos os locais para colocar esses papéis, as paredes, as estações dos comboios, e mais tarde também nas estradas, vemos anúncios impressos. Nos panos de cena dos teatros, também, às vezes em forma de cartaz, ou em outros formatos. E depois havia ainda loiças, azulejos, objectos utilitários como talheres, cinzeiros e pratos, mata-borrão, que aparece mais tarde… Postais ilustrados.

    Mas, além disso, como se fazia publicidade nas ruas, para atrair clientes no imediato? Se percorrêssemos, por exemplo, uma zona no centro de Lisboa, como eram as fachadas das lojas?

    As lojas também ganharam, elas próprias, individualidade. Porque as lojas antes não tinham nomes, e nós vemos isso nos anúncios. “Vende-se na rua tal, na casa do Zé Fernandes, na Rua dos Correeiros”.

    Pois, era a ‘casa de’ em vez de ser a loja com um nome próprio…

    Sim. nessa altura a ‘casa de’ não surgia no sentido de casa comercial. Devia ser duas coisas, mas não tinha nome. Agora as lojas têm nome, uma fachada, depois começariam a ter montras, que também não tinham nessa época

    E uma montra é publicidade?

    Sim. Mais tarde passou a haver também concursos de montras, e especialistas nisso.

    Ainda no século XIX?

    Quer dizer, já havia montras, mas profissionais, só localizei no princípio do século XX. E com grande desenvolvimento no fim dos anos 20, com o Fred Kradolfer, um suíço que estudou publicidade, provavelmente teve contacto com Bauhaus e tudo; o design da publicidade, digamos, mais evoluída, e que fazia as montras do Instituto Pasteur em Lisboa. E os publicitários iam todos lá. Quando havia uma nova montra, juntavam-se todos para ir ver as montras do Kradolfer no Instituto Pasteur.

    Ou seja, aquela ideia de ir passear à rua, passear era também para deslumbrar as montras das lojas.

    Mas as montras já vinham de antes. Eu não sei se pus [no livro] a citação da ruiva do Fialho de Almeida, em que a ruiva e o seu namorado descem ao Chiado e vão ver as montras. E estamos a falar de 1880, e essas montras estavam, de alguma forma, iluminadas. Além disso, havia muitas tabuletas e muitos letreiros, mas isso já se conhece desde o princípio do século XIX, daquele célebre Taful de Luneta de 1806. E que eu analisei em várias páginas, porque é magnífico. É a melhor amostra que nós temos de anúncios em Portugal até ao século XX já muito avançado.

    Antes de irmos para a publicidade no Estado Novo: havia alguma regulação no sentido de evitar, ou a publicidade enganosa, ou a comparativa, do género “este é melhor do que o outro”?

    Eu só conheço autorregulação. Por exemplo, o Diário de Notícias era muito claro a dizer que rejeitava determinado tipo de anúncios, ou insultos nos tais pequenos anúncios. Esses anúncios é que são a revolução democrática da publicidade.

    (Foto: D.R.)

    Um bocadinho como está a acontecer com o Facebook?

    Ou o OLX e o LinkedIn, em que as pessoas se oferecem para trabalhar. O que é aquilo senão o anúncio classificado de há 150 anos? É a mesma coisa. Como o professor francês do século XVIII; se fosse hoje, estava no LinkedIn [risos].

    Mas podia-se fazer publicidade comparativa, dizendo-se por exemplo “eu sou a melhor casa”?

    A publicidade comparativa é uma coisa mais americana. Eu encontrei um caso ou outro, mas em que às vezes não mencionava o concorrente. A ideia de defender o consumidor é inerente ao desenvolvimento do capitalismo. E, portanto, há anúncios em que se começa a ver a palavra “consumidor” no século XIX. Dou o exemplo de um anúncio que eu reproduzi no livro, do sabão Frade de Gaia, em 1896: “Resolvemos criar esta marca especial de sabão que ofereça ao consumidor absoluta garantia. Os consumidores encontram neste sabão qualidades especiais que muito recomendam o seu consumo”. E prosseguem: “para absoluta garantia do consumidor, todas as barras de sabão levam imprimidas em alto relevo o busto do Frade, que nos transmitiu o principal segredo da sua fabricação”. Isto poderá ser treta, mas é muito interessante aqui o discurso, e não a realidade do produto, que não podemos avaliar. Mas esta questão do consumidor, de facto vai-se desenvolvendo. Há anúncios da CUF, já no século XX, que também falam do consumidor como a instância que é preciso defender. Seja pelo preço, pela qualidade do produto, ou porque é português e não estrangeiro.

    Portanto, aquele conceito moderno de o cliente ser um parceiro do negócio?

    Sim. Também encontrei uma defesa do consumidor, julgo que de 1925, do final da Primeira República, em que um Governo fala da defesa do consumidor, não com esta expressão, mas quase. E depois tens a defesa do consumidor contra a imoralidade e os maus costumes, que começa logo com a ditadura, ainda antes do Estado Novo.

    O Estado Novo está, obviamente, muito associado à censura. Mas o regime também exerceu censura sobre a publicidade?

    Havia essa possibilidade de censura; na imprensa, não sei como é que era feita. Não encontrei referências a publicidade que fosse sujeita a censura. Os publicitários não queriam fazer política, tratava-se de uma relação comercial, e não iam fazer publicidade que fosse sujeita a censura na imprensa.

    Nem em livros de História sobre o Estado Novo?

    Há na rádio e também depois no cinema. Porque a rádio é um meio que, se calhar, é mais perigoso do que o jornal, no sentido em que a mensagem chega de uma maneira diferente, mais próxima do ser humano, porque utiliza a voz de uma pessoa. E, portanto, eu registei correspondência da censura para uma rádio do Porto. E também entrevistei uma pessoa que me disse que os textos, antes de gravados, tinham que ir ao Secretariado Nacional de Informação [SNI] para ser aprovados. E o SNI era muito rápido a aprovar ou a rejeitar. E uma das rejeições que está registada no meu livro, nessa rádio do Porto, é a defesa do consumidor. Eventualmente utilizaram alguma linguagem excessiva para o que os censores achavam que era legítimo fazer, mas há outras que é para defender os consumidores. Ou porque o preço está errado, ou a mensagem tem uma informação que não poderia dar…

    (Foto: D.R.)

    É sabido que o Estado Novo usa a publicidade também como estratégia política. O Secretariado de Propaganda Nacional [SPN] acaba por ser uma agência de publicidade do Estado, que transmite a visão do país que Salazar quer que se tenha. Eles tinham bem enraizado esse conceito de que a publicidade pode ser uma arma política?

    Eu acho que não é “eles”, é “ele”, o António Ferro. Acho que o António Ferro teve, de facto, uma importância enorme nas primeiras décadas do salazarismo. Quase até se quase pode dizer que é o inventor do salazarismo. E uma das coisas que ele fez foi transformar o SPN, desde logo, numa espécie de agência de publicidade que fazia a propaganda. E era difícil de distinguir onde começava a propaganda e acabava a publicidade. Se fizessem um cartaz a dizer “Come to Estoril – Always Sunny”, isto é propaganda ou é publicidade? É publicidade e é feita pelo SPN, que conseguia assim alimentar artistas. Os artistas, mesmo que não gostassem do salazarismo, trabalhavam para uma instituição do salazarismo que lhes dava rendimentos, honorários. E, portanto, todos eles acabavam por trabalhar para o salazarismo.

    Mas encontras muitos homens da Cultura que depois acabavam por trabalhar na área?

    Todos. Antes da II Guerra Mundial, todos. Enfim, não sei se haveria nessa altura artistas comunistas, por exemplo, ou socialistas, que fossem conhecidos publicamente e que fossem rejeitados. Não há notícia disso antes da guerra. Depois da Guerra é diferente, porque aí há um corte radical na atitude dos artistas em relação ao regime. E quando há um deles que permanece, e que defende o trabalho do SPN, já há outros que estão um bocadinho contra isso.

    Na literatura, sobretudo no século XX, surgem livros com capas trabalhadas.

    Não abordo muito isso no livro, porque a capa não é, digamos assim, uma forma de publicidade directa. Não tem uma mensagem comercial; as capas não têm sido consideradas como publicidade.

    Temos homem da Cultura e muito da Literatura na publicidade. Alguns com frases famosas, como a da Coca-Cola, que se diz ser de Fernando Pessoa: “primeiro estranha-se e depois entranha-se”. Mas também é conhecido, por exemplo, o trabalho publicitário de Alexandre O’Neill.

    Ambos foram publicitários. Mas na altura do Fernando Pessoa era diferente. A frase não é exactamente assim, essa é uma versão mitológica.

    Então qual é a versão real?

    A frase é: “No primeiro dia, estranha-se; no quinto dia, entranha-se”. Esses anúncios saíram na imprensa, em dois ou três jornais; a uma coluna e com um ou dois centímetros de altura no máximo. O primeiro dizia “na próxima semana já se pode tomar a célebre bebida americana Coca-Cola”. Outro dizia “o refresco americano Coca-Cola bebe-se nos principais estabelecimentos chiques de Lisboa”. E depois, a 16 de Julho de 1927, aparece o anúncio com o slogan escrito por Pessoa. Este foi publicado algumas vezes. O que acontece é que ele fez publicidade, e tento mostrar que a publicidade era algo de natural, digamos, ao Fernando Pessoa. Para ele era uma coisa perfeitamente normal fazê-lo. Na própria poesia. Depois recupero alguns elementos do Álvaro de Campos com publicidade. O primeiro texto que se conhece de uma proposta de uma campanha publicitária é escrita por Fernando Pessoa, para desenvolver o turismo na Costa do Sol. Aquilo que acontece em relação à campanha da Coca-Cola é que depois a bebida foi proibida por um grande defensor da saúde pública, o director da Saúde de Lisboa, Ricardo Jorge. Foi ele que mandou apreender o produto existente no mercado e deitá-lo ao mar. Pessoa, ao que parece, achou o máximo, porque Ricardo Jorge utilizou o próprio slogan para dizer que, se se entranha, é porque é viciante e, portanto, é uma droga. Portanto, Ricardo Jorge utilizava a linguagem publicitária de Fernando Pessoa, o slogan, como um dos argumentos para proibir a Coca-Cola. Mas, e eu falo disto no livro, pode ser que também tenha havido um interesse do Governo na altura de diminuir as importações, porque a Economia portuguesa estava péssima em 1926. Até houve Governos a cair por causa disso.

    (Foto: D.R.)

    Então, não foi o Estado Novo que proibiu?

    Não, em 1927 não foi o Estado Novo. Foi o Director-Geral de Saúde do período da ditadura.

    E no caso do Alexandre O’Neill?

    Alexandre O’Neill era publicitário. Os anúncios que se conhecem dele são mitológicos também. O “há mar e mar, há ir e voltar” é uma publicidade de serviço público, para as pessoas terem cuidado quando vão tomar banho. E o outro, que ficou mitológico por causa do ‘sexualismo’, que é o “Bosch é bom”.  Mas, anúncios feitos por ele, não está investigado mais que isto. Eu conheço dois “anúncios” feitos por ele, que são os textos de dois filmes publicitários; o que é excelente. Um é o texto de um filme do Fernando Lopes, que se chama “Vermelho, amarelo e verde”, e é para a prevenção rodoviária portuguesa, por causa dos semáforos, que eram uma novidade em Lisboa. E depois há um outro texto, que é um horror, para o Aviário do Freixial, que era uma empresa altamente moderna, que vendia milhares de frangos por mês ou por dia. E ele fez o texto para o filme de 10 minutos. E é péssimo, mau em todos os sentidos.

    Mas havia muitos escritores na publicidade, nesta altura. Havia artistas gráficos, pintores, aguarelistas, designers. Depois, começou a haver escritores e jornalistas, etc., porque o regime fascista proibia intelectuais e licenciados de serem professores ou trabalharem no Estado. E, portanto, eles iam trabalhar para agências de publicidade. E nas agências de publicidade, ou eram também pessoas do contra, que eram proprietárias e directores, ou estavam-se nas tintas. Aquilo que queriam era pessoas que tivessem qualidade no trabalho. Eu apresento uma lista, no meu livro, de escritores, hoje considerados melhores ou piores, que trabalharam na publicidade e chegaram a ser donos de agências, como o Alves Redol, o pai do António Costa, o Orlando Costa, que também foi publicitário e foi proprietário de uma agência. Aliás, por ironia do destino, o comunista Orlando Costa foi saneado da sua agência depois do 25 de Abril. E não foi antes [risos]. Não foi “atacado”, enquanto publicitário, pelo Estado Novo. E há outros.  A nossa antiga camarada jornalista, Diana Andringa, de extrema-esquerda, foi presa na agência. E, portanto, eu digo que provavelmente isto fez com que houvesse menos anticapitalismo em Portugal na parte da intelectualidade, porque eles estavam a promover o capitalismo. Fiz essa pergunta à Diana Andringa e ela fugiu um pouco à questão, porque se calhar nunca lhe tinha ocorrido que sendo publicitária, como forma de vida, estava a promover o capitalismo.

    Esse novo elã da publicidade também ganha força com a Rádio e a Televisão. É aí que rapidamente se moderniza a linguagem?

    Bem, a rádio traz logo a oralidade e traz a música, e uns textos curtos – já não podem ser textos grandes, como havia muito nos anúncios na imprensa. Não tive qualquer maneira de estudar o impacto da publicidade radiofónica no conjunto da criatividade publicitária, mas era uma área muito importante. Até porque havia programas patrocinados por marcas; isso está tudo no meu livro. A televisão é que traz um corte de conhecimento, de criatividade, e de maneira de pensar a publicidade. Há um antes e um depois da televisão. A televisão vai influir na própria maneira como os publicitários pensam em toda a publicidade. Ou seja, se eu fizesse um anúncio para um refrigerante, estaria a pensar no spot publicitário de televisão. E, depois, transferia essa linguagem para os anúncios de imprensa e de rádio. Portanto, de facto, a televisão revoluciona o panorama.

    E, às vezes, mesmo que uma campanha tenha vários canais, na verdade ela repete aquilo que a pessoa apreendeu no anúncio da televisão, não é?

    Sim, e lembrar-te-ás exactamente dos anúncios que diziam “anunciado na TV”. Portanto, o resto da publicidade espelhava isso. Tenho entrevistas que dizem isso, e que estão no livro. Portanto, também traz a simplificação, a redução do número de palavras; e o reforço do slogan. Traz uma certa narratividade, de novo, que já existia na imprensa no século XIX. E, depois, traz a ligação da imagem e do som com a linguagem verbal, que torna tudo completo. Porque tu podes mostrar o produto, e podes mostrar a sopa a ser feita, e o carro a andar, e a roupa a ser lavada. Portanto, isso foi uma alteração absolutamente extraordinária que a televisão trouxe, e acabou um bocado com os filmes publicitários de 10 minutos que passavam no cinema.

    Hoje, qualquer pessoa da nossa idade se lembra dos anúncios da Telecel, Pasta Medicinal Couto… Houve uma época de ouro da publicidade em Portugal?

    Acho que há uma época de ouro, porque coincide também com a época de ouro das agências, que vai desde o fim dos anos 50 até aos anos 80 e 90. Há uma época de ouro com o anúncio publicitário, porque também havia uma concentração da nossa atenção no media televisivos, e depois deixa de haver. Portanto, víamos muitas vezes os mesmos anúncios. Há uma época de ouro de criatividade, em que a criatividade era um pouco independente do próprio produto. Era importante que passasse a mensagem, que chamasse a atenção. Deves ser muito novo para te lembrares, mas havia um anúncio que eram dois crocodilos a falarem um com o outro, durante uns 20 segundos. E, se não me engano, era um anúncio de lâminas de barbear que tinham o símbolo do crocodilo. Não diz que a lâmina é boa, que dá para fazer a barba 30 vezes com a mesma lâmina, nada disso. São dois crocodilos a falarem um com o outro. Esse tipo de criatividade, julgo que desapareceu. E havia muito essa magia; a publicidade tinha um elemento mágico forte, não no sentido de mentira, mas de hipérbole, de ficção, de boneco animado. E isso acabou. Mas essa era acabou. Outro exemplo de hoje: recentemente apareceu por todo o lado o anúncio do Ikea, que brinca com a história dos 75.800 euros. Está muito divertido, e nos dias de hoje aquilo é completamente fora da caixa. E o que é interessante é que no Facebook, a única rede que eu sigo, houve várias pessoas que chamavam a atenção para isso. “Até que enfim que há um anúncio que sai da caixa, que não é mais do mesmo, que tem coragem”. Pode ser que agora os jovens publicitários acordem para a necessidade de chamar a atenção, porque se for sempre a mesma coisa, não chamam a atenção. E isso é o erro mais crasso da comunicação. Isto é básico. A necessidade de chamar a atenção não é da publicidade, a publicidade apenas codificou este processo. “Atenção, interesse, desejo, acção”. Mas isto está em toda a comunicação, até quando conversamos um com o outro no café. Mas a publicidade perdeu um bocado este sentido de acção.

    Se calhar é um sinal dos tempos. A publicidade tem agora medo de ofender?

    Sim, tem. Há uns 10 ou 20 anos, a publicidade quis ofender, e ofendeu, e ganhou com isso; porque chamava muito a atenção. Se eu criar um anúncio para um sítio público, vamos imaginar que no Marquês de Pombal. E eu ponho lá uma coisa ofensiva ou que choca – se não sair nos jornais, as redes sociais vão comentar. E o que é que acontece? Em vez de gastar, por exemplo, 100 mil euros em publicidade, eu paguei à agência, mas só coloquei num lugar do país. Foi o que começou a fazer a Iniciativa Liberal [IL] quando apareceu há três anos: só tinha um exemplar do anúncio, mas como aquilo era fora da caixa, houve uma ‘viralização’ de um único anúncio. E não foi só a IL que o fez; antes, houve outras marcas a fazer. Eu lembro-me de anúncios desse género em Paris, em Nova Iorque, de marcas grandes, como a Calvin Klein… Mas isso acabou, porque entretanto, veio um pouco a cultura do cancelamento, “woke”, que é uma tendência social de algumas gerações. Houve gerações que começaram a ficar ofendidas com tudo.

    E achas que isso vai passar?

    Em parte, acho que sim, porque tudo passa. Mas se levarmos a sério as redes sociais, ou aquilo que as pessoas lá põem, continuará, em parte. Eu acho que a falta de criatividade e o tal medo têm a ver também com uma certa normalização da actividade. Hoje, já são pessoas que saíram da universidade; já não é o Sttau Monteiro, nem o Ary dos Santos, que subia às mesas com os clientes lá e tudo. Isso acabou.

    E se calhar hoje são mais formatados.

    Em parte, sim. Mas entram às 9 horas e saem às 17. E os outros não. Passavam noites inteiras, se fosse preciso, a fumar e beber e a fazer outras coisas, a criar e a tentar ser o melhor possível. Eu mostro casos desses, como o do Porto Ferreira: foi Maria Eduarda Colares, que morreu no ano passado, que criou. E foi um processo, não foi fácil criar esse slogan, que é extraordinário e que servia a função; porque era preciso pôr as pessoas a beber. Havia um estudo de mercado que mostrava que os portugueses não bebiam vinho do Porto; era uma prenda que se oferecia, e não se abria a garrafa. Depois oferecia-se a outra pessoa, e chegava a haver garrafas que passavam por 6, 10, ou 15 pessoas [risos]. Portanto, era preciso criar a magia de abrir a garrafa. Foi o que eles conseguiram e, de facto, o consumo do Porto Ferreira, e das outras marcas, aumentou extraordinariamente. E ela também me contou outras cenas em que passavam a noite inteira a criar anúncios. Um dos episódios foi quando, uma vez, ela foi para casa, e os colegas ficaram toda a noite na agência porque tinham de criar um slogan e um anúncio para o Mokambo.  A Nestlé tinha dito que ia descontinuar o produto se não aumentasse as vendas. No dia seguinte, ela chegou à agência e saiu-lhe o slogan da ‘boca para fora’: virou-se para os colegas, que estavam todos podres de sono, e disse “vá lá, diga bom dia com Mokambo”. E o produto ainda aí está.

    Eduardo Cintra Torres numa ‘selfie’ tirada junto do cartaz de Raul de Caldevilla para as bolachas Invicta (1917), no alfarrabista Chaminé da Mota, Porto. (Foto: D.R.)

    Como vês o futuro da publicidade?  Daqui a 100 anos, a publicidade pode ser diferente da que temos hoje?

    Não costumo prever o futuro. O que posso falar é como eu a vejo hoje. E isso dá um sinal de tendência. Hoje, a publicidade está muito dispersa, muito na Internet, não está particularmente criativa. Arranjou novos canais que tiveram e têm grande sucesso, com as influencers, em que parece que não há magia. Portanto, a magia, de facto, sofreu um downgrade total. Porque já não tem dois crocodilos a falar em desenho animado; tem uma menina que está a vender, imaginemos, esta caneca com água. Mas ela está a vender e aquilo foi feito por um fotógrafo profissional, ela está vestida de determinada maneira, num determinado lugar.

    Por acaso essa caneca que estás a usar é porreira para beber chá [risos].

    Isto é publicidade [risos]. Mas, portanto, a influencer vende isto como se não fosse publicidade, não tem aquela mensagem. Depois, existe a noção, que será em parte, ou totalmente, verdadeira, de que as novas gerações não querem ser enganadas pela publicidade. E, portanto, ao não quererem ser enganadas pela publicidade, também haverá uma rejeição em todos os graus da criação publicitária, da publicidade mais mágica, com mensagens fora da caixa.  Depois tens um lado mau que é, se os anúncios forem 30 segundos, a agência cobra X, se forem de oito segundos, a agência cobra muito menos. Portanto, quer é fazer anúncios grandes. E criam dificuldades aos anúncios mais pequenos. Os próprios criativos acham que não é possível contar uma história em oito segundos, o que não é verdade. Houve um concurso de mini-contos com Hemingway e outros autores, em que eles tinham de escrever histórias com seis palavras. Era uma narrativa. E, portanto, não consigo perceber esta economia, era uma questão de se alterar, mas provavelmente demorará tempo. E finalmente, há outra coisa, que também me disseram. Antigamente, o criativo lidava com pessoas nas empresas. E eram pessoas que – como disse a Maria Eduarda Colares, a mulher do Lauro António – gostavam do produto, respeitavam-no, conheciam-no, trabalhavam para o produto, e respeitavam os publicitários. E não percebiam de publicidade; se calhar nem sequer eram formados em marketing. Agora, são pessoas mais jovens, que nunca trabalharam em empresas, digamos assim, noutros lugares, e fazem com que os anúncios sejam criados para os seus pares. E quem são os seus pares? São uma geração de uma determinada idade, que vai ao Bairro Alto ou para a Baixa do Porto beber uns copos. Jovens papás ou mamãs que gostam de determinadas coisas, e que não são a esmagadora maioria da população. Portanto, aquilo eventualmente falha o público-alvo. Por isso, agora ligamos a televisão para ver anúncios, e não gostamos de nenhum. Enquanto eu e a minha geração, ainda antes do 25 de Abril ou depois, víamos os intervalos mais do que os programas, e decorávamos os anúncios. E adorávamos os anúncios e falávamos deles. Porque era uma linguagem nova para nós, mas também porque eram criativos e interessantes.

    Virando aqui um bocadinho a tónica para a política: qual dos nossos políticos no activo, daria um melhor trabalhador de uma agência de publicidade? [risos] Todos eles têm publicitários a trabalhar para eles, certo?

    Teria de ser um publicitário a dizer. Mas acho que o mais eficaz, e mais livre de um discurso preparado por agências de comunicação, é o [André] Ventura. O grande sucesso do Chega é o grande sucesso do Ventura como comunicador. Para nós, a política é a comunicação; em democracia, a política é a comunicação.

    E é o político mais eficaz? Achas que ele é um produto de comunicação?

    Absolutamente. Para já, ele tem um doutoramento. Depois, fez política no PSD, fez comunicação de futebol na CMTV, e há vários anos que tem o seu próprio partido. Ele criou uma comunicação que é bastante própria, que é ‘partir a louça’. Utilizar frases curtas, de uma grande eficácia comunicativa. Não estou a dizer se gosto ou não gosto; pode ser altamente populista, e muitas vezes é. Mas que é eficaz, é, como mostram as sondagens [esta entrevista foi gravada antes das eleições de Março].

    As eleições vão-se cada vez mais decidir por essa parte de mensagem publicitária dos partidos?

    Os cartazes parece que são muito importantes. Diz-se isso, por exemplo, na Iniciativa Liberal; há uns anos os cartazes terão sido muito importantes. Julgo que são sempre importantes para mostrar o líder, e a mensagem principal, dois ou três slogans. Em democracia, política é comunicação. E ainda bem, porque senão eram cacetadas em cima das nossas cabeças, como antes do 25 de Abril. Mas, portanto, quem comunica melhor, está em vantagem; seja qual for a mensagem. Por exemplo, a Manuela Ferreira Leite quando foi candidata, era péssima comunicadora. Agora, ao fim de 10 ou 15 anos, está melhor. Eu vejo-a às vezes na CNN, e está a comunicar melhor. Mas quando foi presidente, tinha um adversário extremamente difícil e brutal, que era o Sócrates. Mas na verdade, ela era má comunicadora. E se tu comunicas mal a mensagem, como é que podes angariar votos?

    E qual é o pior líder, dos partidos com assento parlamentar?

    Estamos a falar da comunicação apenas, não do conteúdo da mensagem. O do LIVRE é bastante bom para o seu público-alvo e tem a seu favor os jornalistas, portanto tem imenso tempo de antena. Mas, de facto, sabe comunicar bem as suas ideias. A do PAN tem melhorado bastante também. A do Bloco de Esquerda, penso que é eficaz também; melhor do que a anterior, e mais genuína. Porque a Catarina Martins, como era actriz, notava-se que havia ali um decorar das frases que havia de dizer. No PS, o António Costa podia ser brutal, mas era um comunicador eficaz.

    Concordo que era eficaz, mas nem falava bem.

    Não falava bem português. Nem o Mário Soares. Mas não impedia que… Eu costumo dizer que o povo não é ortodoxo. O Pedro Nuno Santos tem uma voz muito monocórdica e uma maneira de falar que parece do PCP. Aquela cassete do Cunhal, que tinha aquela prosódia, que provavelmente dos anos que ele passou na Rússia. Uma certa prosódia, que depois, todos os que vieram a seguir também tinham. Este [Paulo Raimundo] agora não tem. E é o pior comunicador, sem dúvida. O Montenegro, não sei se é convincente, mas consegue comunicar; também é muito atacado sempre pelos próprios jornalistas. A maior parte dos jornalistas são pró-PS.

    Nem que ele fosse cantor lírico, como o Pedro Passos Coelho [risos].

    As agências de comunicação do PS são brutais com os líderes do PSD. Portanto, têm sempre a vida mais dificultada do que os outros líderes todos.  E depois, a IL, com o Rui Rocha, com formação no Facebook [risos]. Porque esteve muitos anos no Facebook, tinha uma graça enorme. Perdeu-se um humorista fantástico do Facebook. Tornou-se uma pessoa séria, mas comunica bem.

    E temos o caso famoso de um dos líderes da AD, que não o deixaram falar.

    Exactamente, mas isso não é por causa da forma de comunicação, é por causa do conteúdo. Por causa das “gajas boas”… Coisas antigas. Aliás, hoje, tudo o que nós fazemos está gravado.

    Do ponto de vista do marketing político e da publicidade, este renascimento da AD coloca aqui em confronto aquilo que era a AD do Sá Carneiro, do Ribeiro Telles e do Freitas do Amaral com esta tríade.

    Sim, mas isso não é da ordem da publicidade, acho que é da ordem da política.

    Eduardo Cintra Torres ao lado de imagem de Rafael Bordalo Pinheiro, no museu em homenagem ao artista, que também fez publicidade. (Foto: D.R.)

    Mas como mensagem publicitária e política, achas que eles quiseram vender isto como um renascimento da antiga AD?

    Não sei se é isso. Eu acho que era desnecessário para o PSD; para o CDS foi um seguro de vida. O PPM teve 200 ou 300 votos, até eu tinha mais na minha aldeia [risos]. Eu acho eu que aquilo resultou um bocadinho do medo do PSD de cair por causa do Chega. E então, quiseram fazer uma coisa que agregue e que entusiasme o maior número de pessoas, tal como a AD. O Passos Coelho também fez a PàF, que era uma AD, só não tinha era o PPM.  O PPM também só teve uma figura credível, que foi o Ribeiro Telles. Ainda dizem que o Chega é que é o único partido de um homem só, vejam o Ribeiro Telles [risos].

    Por fim, dá-me três exemplos de anúncios que conheces que sejam icónicos ou imperdíveis.

    Eu gosto muito de um anúncio que está no meu livro: da Petit Beurre Invicta, na página 108. É um cartaz que fez parte de uma campanha para vender estas bolachas, que estavam aparentemente em risco de estragar, e era preciso escoar. E o Raul de Caldevilla fez uma campanha, que inclui um filme, a reunião das multidões, a subida aos Clérigos, anúncios de imprensa e este cartaz. Também houve um cartaz muito conhecido, que tem a Torre dos Clérigos. Tinha três metros de altura e chamava muito a atenção. Mas eu gosto muito deste porque é um anúncio de uma vitalidade enorme; julgo que é o primeiro cartaz em que se vê o produto com grande destaque.  Não há nenhuma impressão nem imagem digital que reproduza a qualidade da impressão disto. Era um cartaz grande, com um metro e meio de altura.  E nem sequer tem slogan, porque as pessoas conheciam o produto através do filme, que teve grande sucesso.  Também gosto muito do que vem a seguir, na página 109, e é da mesma altura; o Miau. E são dois dos fundadores da publicidade moderna em Portugal: o Caldevilla, em todas as áreas, e o Leal da Câmara, no postal, na publicidade fora de Portugal…

    Está gira a do tabaco, com o gato a fumar [risos]. E na televisão?

    São tantos. Há um anúncio que eu nunca mais vi, já não vejo há 50 e tal anos, e que gostava muito quando era miúdo. E tinha a metalinguagem; era sobre a própria publicidade. Não sei qual era a marca, mas era de um creme de barbear. E só tinha uma pessoa a falar, que era um homem perfeitamente normal. E ia para a casa-de-banho, pegava naquilo, e olhava para o espelho, e olhava para nós. Ele estava a olhar para o espelho, mas nós estávamos no espelho. E ele dizia “dizem que isto faz muita espuma, os publicitários são uns exagerados”. Que é extraordinário. E depois tinha um flashback, e havia uma voz off. Melhor que isto não conheço [risos]. ‘Aquela máquina!’ do meu amigo velhote, António Gomes de Almeida. Fez muita banda desenhada, jornais humorísticos… Trabalhou para os parodiantes de Lisboa, e acho que é um bom slogan, o que ele fez para a Regisconta.

    O slogan é algo que surge de repente, não é quando se está a pensar muito nisso…

    Sim, mas é resultado de um processo.

    Eduardo Cintra Torres numa aula de Licenciatura na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Abril de 2024. (Foto: D.R.)

    Sim, mas muitas vezes é como o “diga bom dia com Mokambo”, que surgiu de repente.

    Eu comparo isso, no meu caso, com os títulos dos artigos. Não são slogans, mas quero que os meus títulos chamem a atenção para despertar o interesse. E, portanto, às vezes há este processo. Fico a pensar – não durante dois ou três dias, claro, é menos tempo –, mas depois, de repente, aparece um título. Mas não é “do nada”.

    Abordas no teu livro a publicidade do grupo CUF. Qual a importância desse grupo empresarial no panorama da publicidade em Portugal? E o que fez com que depois te tenham contactado para fazeres esta História da Publicidade?

    Eles primeiro contactaram-me para fazer a história da publicidade da CUF. Eles estão a fazer 30, 40 ou 50 livros em redor da história da CUF: desde os protagonistas, a indústria, a urbanização, a arquitectura das construções. Fui eu que depois propus alargar o estudo de caso para uma História da Publicidade em Portugal. Podíamos nunca mais sair daqui, porque a história da CUF é tão longa; são cento e muitos anos. Não foi só uma empresa, foram sendo muitas empresas, a produzir muitas coisas. Quer para nichos de mercado, até aos grandes produtos de massas. Como o sabão Clarim, o Sonasol, o óleo Fula… A Tabaqueira era do Grupo CUF, até à nacionalização. Tal como nos Estados Unidos e nos outros países, procurava conquistar o máximo de pessoas. Era uma forma nova de fumar mais barata e que se podia fumar em qualquer altura, ao contrário do cachimbo. E, portanto, a publicidade é muito popular. Há uma grande variedade de tipo de publicidades no âmbito da CUF. Normalmente, o vê-se que há uma preocupação em que ela seja dirigida ao público-alvo, que seja informativa, não seja mentirosa; que nunca é. Aliás, fizeram muitos manuais para os adubos para os agricultores, e por aí fora. [A CUF] também criou a sua própria agência, a certa altura, mas que desapareceu com a nacionalização.

    A CUF tinha participações em todas as áreas, em 1974. Embora fosse forte na área dos químicos, tinha muitos outros produtos, de facto…

    Tinha a Companhia de Navegação, os Seguros Império, o Banco Totta e Açores…  Nunca esteve foi nos media. Só teve um jornal em 1915, mas depois o Alfredo da Silva, penso eu, preferiu estar nos jornais diários, porque chegava a mais gente. Mas ele não intervinha na redacção, só comprava espaço, e fazia comunicados e uma espécie de artigos como artigos. Foi na altura da República, e foi muito complicado. Ele esteve exilado. Era um homem admirável, porque podia ter desistido do país, mas estava sempre em contacto com Lisboa por telegrama. Mesmo em Madrid, vinha clandestinamente a Portugal. Nunca abandonou a sua empresa. Mas em termos da publicidade, de facto, é muito variado. E a CUF foi a grande introdutora do marketing em Portugal, nos anos 70. No caso da seguradora Império, isso está bem documentado no meu livro. Se virmos bem, o marketing também é uma das razões, não da promoção da publicidade, mas da sua decadência. Porque a publicidade deixa de ser uma autonomia, para ser uma parte do marketing. A certa altura, houve uma disciplina nas universidades.

    A publicidade integrou o marketing. Na tua opinião, não há vantagens nenhumas nisso?

    Com certeza que há vantagens de articulação. Eu acho é que perdeu importância, e isso não foi bom para a publicidade em si.


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