Autor: Pedro Almeida Vieira

  • O Estado quer salvar a imprensa? Seja então mais transparente e reforce a protecção dos jornalistas

    O Estado quer salvar a imprensa? Seja então mais transparente e reforce a protecção dos jornalistas


    “Numa altura em que é vital focarmo-nos na defesa do jornalismo sério e independente como pilar estruturante da democracia, importa pensar como o Estado pode ressarcir os media dos seus erros e do viés das suas políticas públicas”. Esta é uma das frases de um artigo de opinião de Francisco Rui Cádima, investigador do ICNOVA – Instituto de Comunicação da Universidade Nova de Lisboa publicado na semana passada no jornal Público. Nem de propósito, ou muito a propósito, esta opinião surge num jornal que apresentou, no ano passado, prejuízos de 4,5 milhões de euros e o seu ‘mecenas’, o Grupo Sonae, já se cansa de encaixar resultados líquidos negativos desde 2017 da ordem dos 24 milhões de euros.

    A tónica de Francisco Rui Cádima apenas faz eco de um coro cada vez mais crescente da generalidade dos grupos de media, e mais os seus defensores, em reivindicar apoios ao Estado, ao mesmo tempo que se estabeleceu um forrobodó de práticas censuráveis. No sector privado dos media, com a excepção da Medialivre, assistimos a um absurdo de gestão financeira e de recursos, com jornalistas genericamente mal pagos, mas directores principescamente pagos, que republicam as mesmas notícias, os mesmos temas, as mesmas abordagens, numa cansativa e única perspectiva, não se destacando na mediocridade uma das outras. E no mercado, o público é soberano, e até as empresas, que de início apreciavam a promiscuidade das parcerias comerciais, olham agora com desconfiança para um ‘chão que já só dá para vinagre’.

    Sou defensor do jornalismo como um bem público, no conceito económico do termo, que, por trazer mais vantagens à sociedade do que o seu valor de mercado (concedido pelos seus clientes), merece apoio público. Mas cabe também ao Estado – e à sociedade – a capacidade de separar o trigo do joio, para que não cometa o viés de trazer vantagens às negociatas que se fazem através dos media. E, por esse motivo, sou e serei um opositor ferrenho de ‘salvar o jornalismo’ despejando dinheiro em mau jornalismo.

    A crise no sector dos media está longe de se dever ‘apenas’ à não-valorização do seu papel pelos consumidores, mas sim a uma crise de credibilidade. Quem acredita estarem a ser as redes sociais a causar a morte do jornalismo, estará a enganar-se a si próprio. A proliferação rápida de (suposta) desinformação pelas redes sociais surge porque a imprensa deixou de ser um ‘porto seguro’ de credibilidade. Se antes se podia ‘emprenhar pelos ouvidos’ num café entre amigos, mas o que se se ouvia nesses ‘mentideros’ caía numa consulta dos jornais; agora, tal deixou de ser uma garantia. Actualmente, num misto de ignorância e de notícias ideologicamente enviesadas, temos necessidade de recorrer à fonte para saber se uma determinada ‘informação’ que nos chega é verdadeira ou falsa, quer seja transmitida por um post viral ou por uma ‘notícia’ da imprensa mainstream. Este é o drama; esta é a causa da crise.

    E essa é a crise – e não se resolve despejando ‘dinheiro público’, sobretudo quando o ‘leitmotiv’ aparenta ser uma «boia de salvação’ de grupos de media em dificuldades, alguns dos quais, com a Trust in News e a Global Notícias à cabeça, deveriam até já ter desaparecido literalmente, por uma questão de sustentabilidade ética do mercado, de integridade do jornalismo e de abertura de espaço para novos players.

    Marcelo Rebelo de Sousa, no V Congresso dos Jornalistas. O evento, que foi patrocinado e ‘apoiado’ por mais de uma dúzia de entidades públicas e privadas, incluindo empresas e bancos, exigia o pagamento de entrada a jornalistas interessados apenas em cobrir o congresso, o qual teve ainda o ‘Alto Patrocínio’ da Presidência da República. Foto: D.R.

    De entre as soluções de apoios do Estado sugeridas, concordo com duas: tornar gratuito, mas apenas para os pequenos órgãos de comunicação social, o acesso ao material fotográfico da Agência Lusa; e permitir que os cidadãos possam decidir, através de uma espécie de ‘voucher imprensa’, quem, de entre os diversos órgãos de comunicação social, merece receber os apoios estatais. Só assim se corrigirão erros e vieses de um bem público como é a imprensa. Se a opção for burocrática e política, com o Governo a distribuir dinheiro e prebendas pelos ‘suspeitos do costume’, a tal correcção das ‘falhas de mercado’ será um embuste, apenas agravando o problema da qualidade e credibilidade da imprensa, até ao dia em que acordarmos com uma imprensa não lida, não ouvida e não vista, existindo somente como receptáculo de uma fonte de despejos de dinheiro chamado Estado.

    Infelizmente, na esfera da discussão dos apoios à imprensa e do papel do Estado, não tem entrado neste debate – e não será por esquecimento – o papel do Governo (e do Parlamento) num assunto fundamental para o trabalho da imprensa: a transparência da Administração Pública e o acesso à informação dos jornalistas, que são ‘instrumentos’ essenciais para a prática do (bom) jornalismo.

    Mostra-se crucial, para termos um jornalismo ao serviço da sociedade (e não da política e dos negócios), que a imprensa regresse às suas origens mais nobres, à sua função de ‘watchdog’ incisivo, e que deixe de ser o ‘pet dog’ fofinho que se anda a mostrar, agora de mão e língua estendidas. E, para isso, não é aceitável que a Administração mantenha uma postura de obscurantismo, como se tem mostrado evidente em diversos casos denunciados pelo PÁGINA UM, obrigando mesmo ao recurso aos tribunais administrativos para aceder a informação pública, demorando isso dinheiro e tempo. A Administração Pública portuguesa está cada vez mais obscura e fechada; não respondem a perguntas incómodas de jornalistas; cedem informações manipuladas a jornalistas de ‘confiança’ que lhes dêem garantias de notícias favoráveis. E isso tem de terminar. Mesmo quando surgem decisões dos tribunais favoráveis ao acesso, a Administração Pública mantém expedientes dilatórios.

    Por exemplo, corre há mais de um ano no Tribunal Administrativo de Lisboa [corre é um eufemismo, porque o juiz tem o caso parado há meses] um processo de execução de sentença contra a Administração Central do Sistema de Saúde para aceder a uma base de dados por parte do PÁGINA UM, cujo direito já foi decretado até pelo Supremo Tribunal Administrativo, depois de uma sentença e de um acórdão.

    Se o Estado (Governo e Parlamento) quer a existência de um jornalismo como pilar da democracia, então faça-se o favor de melhorar a lei do acesso aos documentos administrativos, tornando vinculativos os pareceres da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativos (CADA) e decretando multas (ou mesmo a demissão) aos dirigentes da Administração Pública que não os acatem integralmente.

    a microphone that is sitting on a stand

    Em complemento, é essencial, se se quer mesmo apoiar o jornalismo, garantir efectivamente a liberdade e independência dos jornalistas, sobretudo dos incómodos, consagrada na Constituição da República. Não basta bater no peito e clamar por um jornalismo independente e incómodo – dois adjectivos que deveriam ser redundantes quando falamos da imprensa – e depois ver-se que não existem, na prática, mecanismos de protecção, permitindo que fiquem submetidos a práticas abusivas.

    Seja através de sucessivas queixas na Entidade Reguladora para a Comunicação Social e na Comissão da Carteira Profissional de Jornalista – duas entidades anacrónicas, pelo facto de os seus membros não entenderem as suas funções –; seja através de ameaças mais ou menos veladas de processos judiciais se uma notícia for publicada; seja mesmo através de processos judiciais, sobretudo quando os gastos em advogados não são pagos pelos queixosos. Veja-se, aliás, que pendem sobre mim, neste momento, três processos judiciais, onde claramente o Ministério Público nem sequer se deu ao trabalho de fazer uma adequada investigação, limitando-se a acompanhar as queixas por difamação, sem se ter dado ao trabalho de apurar se aquilo que escrevi é verdade ou mentira. Deduzo que haja mais a surgir.

    Transparência da Administração Pública e reforço da protecção dos jornalistas são, por isso, para mim, aspectos tanto ou mais importantes do que o apoio financeiro às empresas de media. Redireccionemos, portanto, o debate sobre aquilo que o Estado pode fazer, sobretudo porque se existirem mecanismos para haver bom jornalismo, por certo a sociedade o valorizará. Focar a crise da imprensa na sua crise financeira é um erro; querer debater o futuro do jornalismo com o fito de somente salvar de imediato empresas de media (mal geridas) da bancarrota, para assim suportar artificialmente o sustento de 5.300 jornalistas, apenas adiará uma inevitável queda no abismo.

    Nota final: Foi ontem publicada em Diário da República uma Resolução do Conselho de Ministros que visa criar uma enigmática Estrutura de Missão para a Comunicação Social. Tremo, só ao ler o preâmbulo. Diz-se que “o Governo assumiu a opção política de contribuir para ajudar a inverter uma perigosa tendência de desvalorização social e cívica da função do jornalista e da informação rigorosa, livre, plural e credível”, acrescentando que “o crescente fenómeno de difusão massiva de notícias falsas, designadamente através de plataformas digitais, de desinformação e de manipulação dos factos, cada vez mais simples e acessível, por exemplo, através de ferramentas de inteligência artificial de fácil acesso, exige uma resposta mais eficaz tendo em vista a defesa da democracia e de liberdade”.

    Paternalmente, anuncia-se que “neste contexto, torna-se necessário e urgente que o Governo disponha de uma estrutura que, recorrendo às capacidades de recursos humanos e outras, já existentes no âmbito da atual Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros, possa ser um suporte para a execução das políticas públicas para o sector da comunicação social, designadamente no período em que o Governo executará o seu Plano de Ação para os Media”, concluindo que “um dos objetivos cometidos à estrutura de missão agora criada é a elaboração de um novo plano nacional para a literacia mediática, a aprovar pelo Conselho de Ministros”. Já se sabe no que isto vai dar: num Governo a insinuar-se para que o tratem bem em troca de uns milhões para uma imprensa ávida de se salvar, mesmo que se mate o verdadeiro jornalismo. Este Governo não quer dar mais liberdade à imprensa; quer apenas controlá-la (ainda) mais e ver os administradores dos grupos de media a agradecer-lhes os apoios financeiros.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Casa Pia 3.0

    Casa Pia 3.0


    Ano novo – época nova – e problemas renovados, alguns agravados, talvez da idade, que me fez chegar ao estádio a pensar que o jogo começava às 20, quando era meia hora depois. Pior, à conta deste meu desacerto, julgando haver debandada geral, enviei uma foto das bancadas quase vazias a um lagarto que se estava deleitando pelo cristalino facto de o Sporting ter já despachado seis ‘secos’ ao Nacional da Madeira.

    Homem sem fé, assim me vejo. A ‘coisa’ – leia-se, bancadas – lá se compôs, não é ‘casa cheia’, enfim, mas não envergonha, apesar de subsistir um problema ‘velho’: houve novo tropeção na primeira jornada. E mais assobios ao Roger Schmidt, depois das palmas aos jogadores anunciados pelos altifalantes. Quer dizer, não estive com grande atenção, pelo que não posso confirmar que o nome do João Mário recebeu aplausos.

    (coloquemos aqui o início do jogo, embora se na época passada houve dúvidas sobre a veracidade da escrita em directo, agora ainda mais, não sendo a crónica publicada imediatamente a seguir ao apito final)

    Não é novidade para o Benfica começar um campeonato com uma derrota; são logo três pontos que à vida seguem, e geralmente nas competições cá do burgo um desaire é logo um terço dos desaires aceitáveis para se ser campeão. Excepto, claro, se se for o Giovanni Trapattoni, que nos devolveu as faixas onze anos depois no campeonato de 2004/2005, mesmo tendo ‘chupado’ oito empates e sete derrotas. Sim, foi nesse campeonato, o do cabeceamento do Luisão que, ou foi um ‘frango’ do Ricardo, ou foi falta de jeito do Ricardo – coisas de antanho, antes do VAR.

    Objectivamente, a 20 anos de distância, e comigo a poucos metros de distância (estava atrás da baliza), posso garantir que foi um belíssimo cruzamento do Petit, na sequência de um livre, logo ele que, por norma, marcava cantos sem conseguir levantar a bola, estranho nele que corria que nem pitbull. Enfim, bons tempos, que aquele campeonato soube a mel, depois de tão longo jejum com Vale e Azevedo à mistura.

    (e lá em baixo, andamos a pastar agora; tirando um remate do Casa Pia, para boa defesa do Trubin, nada de relevante, ou seja, uma pasmaceira)

    Acho que vou começar a fazer contas à vida, que, no meu caso, significa analisar as probabilidades de sermos campões. A jogarmos assim, zero. Tenho de começar a ter uma mentalidade britânica, que mesmo nos clubes da quinta divisão no fundo da tabela gritam amor até ao fim dos tempos. Se calhar não é uma honra, mas sim uma maldição ser benfiquista: contentamo-nos apenas com muito, e o pouco parece nada.

    (e nada saiu desta primeira parte)

    Enquanto anda ali uma confusão no topo sul, acho que na claque dos No Name Boys, estou aqui a pesquisar se uma derrota na primeira jornada é mesmo determinante. Ainda recorro ao ChatGPT, mas este ‘tipo’ não me parece de confiança na determinação do número de campeonatos em que o Benfica foi campeão mesmo perdendo na primeira jornada. Dá-me valores com ‘pinta’ de serem inventados.

    Uma coisa sei, sem ser necessário inteligência artificial: o jogo do Bessa, no ano passado, não augurou ‘coisa’ boa, pese embora tenha sido ao intervalo dessa partida, que assistia ali na Graça, que me lembrei, não sei se para bem ou mal dos meus pecados, de criar este Da Varanda da Luz. Enfim, o mal está feito, e arrepia-me a ideia de uma segunda época a ‘pão e água’, mesmo se acompanhado pelo já famoso farnel do Benfica que, pelo menos nesta jornada, surgiu com uma novidade: pãozinho tipo ‘bolo do caco’, besuntado de uma pasta de carne, em vez da sensaborona e ‘insuflável’ baguete.

    (e lá vamos para a segunda parte, que é sempre de esperança neste estádio, o que é mau prenúncio, porque significa que precisamos de melhorar, pois esta primeira metade não foi ‘grande espingarda’)

    Além de tudo isto, a caminho do estádio, talvez impressão somente minha, pairavam ares de ambiente fúnebre ou funesto, tantos eram os adeptos do Benfica trajando o equipamento alternativo, mais de pendor negro, em vez do glorioso encarnado. Enfim, pelo menos, os jogadores ali em baixo seguem com a tradicional camisola vermelha e calções brancos – e deveriam ser proibidas outras cores para não se manchar o simbolismo deste ‘sacrossanto manto’. Já nos bastou aquela época em que se meteram em ‘mariquices’ [posso agora usar essa expressão?!] com uma camisola cor-de-rosa: acho que foi no campeonato de 2007/2008, em que ficámos em quarto, atrás mesmo do Vitória de Guimarães, com quatro derrotas e 13 empates.

    Confesso também que, não sendo a confiança muita – e comungando o estado de espírito de qualquer benfiquista, entre o medo de mais um desaire e o pânico de continuarmos com o Roger Schmidt –, há o factor Casa Pia, de má memória para esta, mesmo assim, invicta crónica. Sim! Parecendo impossível, e mesmo com a transacta desgraça, como só escrevi Da Varanda da Luz para os jogos da Liga, nunca assisti ainda a qualquer derrota, e somente a dois empates, um dos quais com este mesmo Casa Pia.

    (começo a exasperar-me com a pobreza franciscana lá por baixo; e eu que me estava a preparar para glorificar o Pavlidis, com um trocadilho com as minhas iniciais, e o grego nada… haja fé com as substituições agora feitas, com uma vaia ao João Mário)

    Entretanto, como tive tempo, porque nada de relevo se passa, encontrei um campeonato épico onde começamos em desgraça e terminámos em apoteose. Época de 1976/1977, já eu nascido, e talvez já benfiquista, com o inglês John Mortimore aos comandos. Primeira jornada: derrota contra o Sporting, três ‘secos’ sem resposta. Segunda jornada: empate em casa, com o Braga, a dois golos…

    (golooooooooooooooooooooo… finalmente! O miúdo Tiago Gouveia com um grande cruzamento e o grego PAVlidis a facturar… caramba, haja esperança!)

    Bem, se ganharmos, então estaremos melhor do que na tal época do Mortimore, que à terceira jornada, no antigo Estádio da Luz, permitiu novo empate, dessa vez com o modesto Estoril, a uma bola. A primeira vitória só à quarta jornada, e bem magrinha foi (1-0), contra a Académica. No final, fomos campeões com nove pontos à frente do Sporting e deixámos o Porto a 10.

    A memória é boa para nos reconfortar, nas desgraças do presente, com as glórias do passado…

    (golooooooooooooooo… já está; aliviemo-nos. Depois de um susto, desconfiando eu que Nossa Senhora ajudou a deslocar a cabeça de um casapiano, de sorte a falhar a baliza, o nosso Tiago Gouveia [como é mesmo o nome daquele que foi para o PSG?!] garante, ai Jesus, assim espero, a nossa primeira vitória)

    Parece-me isto salvo. Já me deveria a experiência precaver que isto de escrever crónicas apaixonadas em directo não é fácil para um escriba, porquanto, convenhamos, esta minha paixão exige retribuição no amor, ou seja, golos, para a chama se manter acesa.

    Despachado isto está. O Marcos Leonardo, que entrou com o Tiago Gouveia, quase fazia o gostinho ao pé, mas fiquemos satisfeitos, porquanto, na verdade, com este resultado mostramos até mais força do que na época passada, considerando que então empatámos aqui com este Casa Pia e perdemos em Famalicão, por sinal também por 2-0…

    (e é goloooooooooooooo… bolas, acordaram na segunda metade da derradeira parte; se isto fosse como no basquetebol, com quatro partes, isto ainda ia parar num quimérico 15 a zero)

    Acabemos a crónica aqui. O árbitro acaba de apitar para o fim do jogo. Finalizemos o texto; hoje nem sequer tive de meter já o texto e as fotos, e assim regresso mais cedo ao lar, doce lar, apesar de lá viver uma portista…


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

  • Babel, ou os equívocos de um acordo ortográfico

    Babel, ou os equívocos de um acordo ortográfico

    Emigrando do Oriente, os descendentes de Noé inundaram a planície de Chinear. Foi a conta-gotas. Primeiro chegou Cuche e seu filho Nimerod, um valente caçador diante do Senhor; depois o primo, a seguir o sobrinho do cunhado, mais tarde o sogro do tio, pouco depois o genro do neto, e as respectivas mulheres, e tantos e tantos outros que, em pouco tempo, era tamanha a batelada de parentescos cruzados que já ninguém entendia ou percebia quem era quem em relação a Noé. Pouco importava: constituíam um povo uno e navegavam pelo quotidiano ao sabor de uma única língua.

    Havia um clima aprazível, sem alterações, a paisagem se mostrava venusta, da terra manavam gados e verduras, os homens entretendo-se em labores e muito ócio, as mulheres em desvelos pelos filhos e comidas, e os velhos gozando resplandescentes tardes de cavilhadas num chão sempre húmido de refrescantes e curtas chuvas. Harmonia, paz e sossego reinavam naquelas paragens. O paraíso terreno pós-Éden. Andavam assim todos satisfeitos em suas vidinhas, sem malquerenças nem segregamentos.

    tower, factory, headframe

    Enfim, por tudo isto, vivalma queria arredar pé daquela planície, que de arraial passara a lugarejo, de lugarejo evoluíra para póvoa, de póvoa transmutara-se em aldeota, de aldeota crescera para vilarejo. E chegando-se a vila, quis-se mais. «Faça-se uma cidade», disse Nimerod. E a cidade fez-se. Muralhas, fortalezas, casas sólidas, poisos de descanso e de ócio. E o povo viu que era coisa boa, feita apenas pela mão do homem, sem qualquer ajuda nem orientação divina. E ambicionaram mais. «Uma torre, cujo cimo atinja os céus», decretou Nimerod, aplaudido por conselheiros.

    Para isso, aditou alguém, havia de se encontrar alternativa às pedras. Nomeou-se portanto comissão adequada, task force como sói dizer-se agora, escolhendo para a liderar ancião hirsuto nos modos, mas de alva e imaculada barba, que, à quarta semana de investigações e experiências, inventou os tijolos, cozidos em fogo, e ainda um betume de asfaltos vindos mar e das fontes de água da terra de Sinar. «Assim, havemos de tornar-nos famosos para evitar que nos dispersemos por toda a superfície da Terra», declarou logo Nimerod.

    Um arquitecto foi então nomeado para orientar uma grandiosa e não pouco majestática torre. Andando a obra em bom ritmo, os tijolos tão sólidos, que nem ferro precisavam, e já se alcançara os quatrocentos e sessenta e três cúbitos de altura, foi Deus servido descer à terra e, vendo aquela empreitada, vociferou: «Não gosto disto». «Mas quando os acabamentos se fizerem, vai ficar uma beleza», argumentou o arquitecto. «Não é uma questão de estética. Se principiarem desta maneira, coisa nenhuma vos impedirá, de futuro, de realizaram todos os vossos projectos», atirou o Senhor. «E qual é o problema? Se somos semelhantes a Vós, também podemos construir nesta terra sob os céus algo idêntico ao que presumimos exista nos próprios céus. Estou mesmo a conceber uma broca para, quando nos abeirarmos da porta, a furarmos para saber se é feita de barro, de latão ou de ferro», ainda replicou o arquitecto. «Pode ser útil para subirmos mais», acrescentou.

    Deus saiu do sério: «Mas que estupidez é essa?! Era o que faltava quererem-me igualar. Os humanos vão para o céu quando eu os arrebato da Terra. E ponto final nesta conversa e nesta obra. E é para já».

    ai generated, tower of babel, scattered tribes

    Temeroso destas divinas ameaças – até porque, após o Senhor se ter eclipsado, trovejou rijamente, e um relâmpago estilhaçou um parapeito e deslocou um andaime –, o arquitecto remeteu um relatório circunstanciado às autoridades, solicitando que, com urgência e de forma clara, lhe indicassem se o seu projecto deveria ser reequacionado.

    Horas depois, uma lacónica missiva de Nimerod chegou às mãos do arquitecto. «Em reunião de emergência, malgrado o que está em causa, e considerando as palavras do Senhor, informo que, sobre a questão em apreço, a nossa decisão é peremptória: NÃO, PARA JÁ». Portanto, assim sendo, lido o escrito, e sobretudo as maiúsculas, o arquitecto continuou obedientemente a obra, e sacou então de uma broca para furar os céus, convencido estava de o amanuense ter usado uma preposição.

    Mas não: o amanuense apenas cumprira a norma de um novo acordo ortográfico que estabelecera a supressão do acento agudo na forma verbal do presente do indicativo do verbo parar.

    Equívoco grave, como sabeis: com o barulho da broca entrando pelos céus, Deus irritou-se e tratou de confundir a língua deste povo. Os erros de construção sucederam-se, a torre colapsou, as gentes desentenderam-se e todos os descendentes de Noé acabaram se dispersando em caótica algaraviada pelos quatro cantos do Mundo, incluindo para o pequeno pedaço da Europa onde hoje ainda se fala português, e se escreve em acordo ou em desacordo com o tal acordo ortográfico…


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Ana Margarida de Carvalho

    Ana Margarida de Carvalho

    Na sétima sessão de BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira conversa com a escritora Ana Margarida de Carvalho.



    Deixou o curso de Direito de lado, e destacou-se a partir dos anos 90 como jornalista, arrecadando diversos prémios pelas suas reportagens. Mas seria na ficção que Ana Margarida de Carvalho galgou etapas e atingiu de imediato um patamar elevado, com os seus dois primeiros romances – ‘Que importa a fúria do mar’ (2013) e ‘Não se pode morar nos olhos de um gato’ (2016) –, sendo o primeiro escritor a vencer por duas vezes o Grande Prémio de Romance e Novela APE/DGLAB com as suas primeiras obras. O seu primeiro livro de contos (‘Pequenos delírios domésticos’) também venceu o Grande Prémio de Conto Camilo Castelo Branco.

    Numa conversa descontraída com Pedro Almeida Vieira, Ana Margarida de Carvalho fala sobre o percurso que a levou do jornalismo (que não lhe deixa boas memórias) até à ficção como ofício mais permanente, e como lidou com um sucesso fulgurante. E também aborda a sua intervenção social (e política), bem como a sua relação no ‘ofício da escrita’ com o consagrado escritor Mário de Carvalho, seu pai.

    Ana Margarida de Carvalho fotografada na Biblioteca do PÁGINA UM.

    De entre as obras patentes na BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Ana Margarida de Carvalho escolheu ‘Casa Grande Romarigães’, de Aquilino Ribeiro, publicado em 1957, e ‘O ano da morte de Ricardo Reis’, de José Saramago, com primeira edição de 1984.

    Pormenor da biblioteca ‘caseira’ de Ana Margarida de Carvalho.

    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Sandro William Junqueira

    Sandro William Junqueira

    Na sexta sessão de BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Pedro Almeida Vieira conversa com o escritor Sandro William Junqueira.



    Um dos mais consistentes escritores da última década e meia, Sandro William Junqueira – que recentemente entrou no ‘clube dos 50’ – consegue conciliar com esmero dois géneros aparentemente antagónicos: romances de uma grande crueza e complexidade psicológica e também livros para o público infantil, enquanto também faz incursões pelo teatro.

    Numa conversa descontraída com Pedro Almeida Vieira, Sandro William Junqueira fala sobre o seu percurso como leitor, o seu caminho pouco ortodoxo até à Literatura, e a forma como cria e recria a sua escrita.

    Sandro William Junqueira

    De entre as obras patentes na BIBLIOTECA DO PÁGINA UM, Sandro William Junqueira escolheu, para sugerir a leitura, a trilogia ‘As areias do Imperador’, de Mia Couto, publicado entre 2015 e 2017, que retrata os derradeiros dias do chamado Estado de Gaza, o segundo maior império em África dirigido por Gungunhane no final do século XIX. E trouxe também, da sua biblioteca, para recomendação, o livro de contos ‘Um repentino pensamento libertador’ do norueguês Kjell Askildsen.

    Pormenor da biblioteca ‘caseira’ de Sandro William Junqueira.

    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Vacinas contra a covid-19: Infarmed escondeu mortes verdadeiramente fulminantes

    Vacinas contra a covid-19: Infarmed escondeu mortes verdadeiramente fulminantes

    Não são apenas (umas poucas) vidas destruídas por sequelas associadas às vacinas contra a covid-19, como mostraram recentes reportagens dos canais televisivos TVI e CMTV. Na verdade, há muitas pessoas que perderam literalmente a vida de forma fulminante, cujos desfechos foram escondidos pelas autoridades, mais interessadas em atingir objectivos máximos de vacinação, estratégia defendida com ‘unhas e dentes’ pelo coordenador da ‘task force’ Gouveia e Melo. Em resultado de uma ‘luta’ de 32 meses, contra advogados pagos a ‘peso de ouro’ pelo Infarmed, o PÁGINA UM conseguiu um acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul para aceder à base de dados das reacções adversas (Portal RAM), mas o regulador do medicamento, presidido por Rui Santos Ivo, não o quer cumprir na íntegra. O Infarmed insiste em mutilar e omitir diversas variáveis, e ainda só disponibilizou os dados do primeiro ano do programa de vacinação. Mesmo assim, aquilo que já se vê é assustador: não apenas ocorreram mortes fulminantes, algumas poucos minutos após a administração das doses, como se salienta que as autoridades negligenciaram o apuramento das causas de muitas fatalidades, sendo provável um elevado grau de subnotificação. O PÁGINA UM revela, por agora, nesta notícia em edição especial, a ponta de um (escandaloso) icebergue.


    Diversas mortes fulminantes, conjugadas com escandalosas lacunas de informação – é este o retrato inicial da informação parcial disponibilizada pelo Infarmed integrada na base de dados das reacções adversas (Portal RAM) relativas às vacinas contra a covid-19. O regulador dos medicamentos, presidido por Rui Santos Ivo, viu-se obrigado por acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS) a permitir o acesso ao Portal RAM, mas intencionalmente optou por enviar apenas os dados do primeiro ano da campanha de vacinação, sendo notórias várias manipulações e ocultamentos em variáveis, entre as quais a data da administração e número do lote da vacina, a idade precisa das vítimas e sobretudo a causalidade (definitiva, provável, possível e improvável).

    Perante o incumprimento intencional do Infarmed – e até por via da recusa implícita do organismo estatal em realizar uma análise conjunta do Portal RAM com o PÁGINA UM a partir dos dados brutos – será solicitada a execução da sentença ao Tribunal Administrativo de Lisboa. Desde o primeiro requerimento do PÁGINA UM, e mesmo depois da Comissão de Acesso aos Documentos Administrativo ter também considerado de relevante interesse público o acesso à base de dados anonimizados, já decorreram mais de 32 meses. Rui Santos Ivo, presidente do regulador desde 2019 – e com um percurso profissional sempre próximo do sector empresarial, tendo sido mesmo director executivo da Associação Portuguesa da Indústria Farmacêutica (2008-2011) – chegou a defender afincadamente em audiência no Tribunal Administrativo de Lisboa no início do ano passado a ocultação do Portal RAM, bastando, na sua óptica, os relatórios de farmacovigilância.

    Seguras e eficazes – assim foram sempre classificadas as vacinas contra a covid-19 pelas autoridades, que tudo têm feito para esconder a informação sobre reacções adversas.

    Em todo o caso, mostra-se de enorme gravidade a inexistência na base de dados do Infarmed de pormenores relevantes mesmo em desfechos fatais, nem se percebe se, no decurso do tempo, muitos outros casos evoluíram favorável ou desfavoravelmente. Certo é que no período compreendido entre 27 de Dezembro de 2020 – início da campanha de vacinação – e 6 de Dezembro de 2021, em que foram reportadas 27.220 reacções adversas, das quais 7.110 classificadas como graves, nem os casos de morte foram alvo de particular investigação.

    Com efeito, a base de dados gerida pelo Infarmed – e que possibilita actualizações posteriores por médicos notificadores –, indica a ocorrência de 104 mortes durante o primeiro ano de vacinação, mas em cerca de quatro dezenas nem sequer é indicado o período desde a administração da vacina e o desfecho fatal. Porém, em diversos casos, surge a indicação de mortes absurdamente fulminantes. Por exemplo, identificada como o caso 23897, uma mulher com mais de 80 anos sucumbiu de ataque cardíaco apenas dois escassos minutos após receber a vacina da Pfizer (Comirnaty) em 18 de Outubro de 2021. Pouco mais durou um idoso da mesma faixa etária, identificado como a reacção 27033: após lhe administrarem também a vacina da Pfizer (Comirnaty), em 4 de Dezembro de 2021, morreu ao fim de 15 minutos com um tromboembolismo pulmonar.

    Em apenas 30 minutos morreu, em 6 de Abril de 2021, uma mulher com idade entre os 65 e os 79 anos, identificada como caso 8712, depois de receber a vacina da AstraZeneca. E somente uma hora ‘sobreviveu’ o caso 7486: uma morte súbita ‘levou’ um homem com idade entre os 65 e os 74 anos depois de lhe ser administrada uma vacina cuja marca, estranhamente, nem sequer surge no Portal RAM – e nem sequer o Infarmed pareceu preocupado em saber.

    Primeiro vacinado em Portugal, no dia 27 de Dezembro de 2020, foi António Sarmento, director do serviço de Infecciologia do Hospital de São João, no Porto. Primeira morte por reacção adversa foi registada no portal do Infarmed em 15 de Janeiro de 2021. Num mês estavam cinco, algumas de forma fulminante.

    Em duas ou menos horas estão identificadas mais três mortes: o caso 1062 (mulher com mais de 80 anos, por dispneia, em 21 de Janeiro de 2021); o caso 5987 (mulher com idade entre os 65 e 79 anos, por ataque cardíaco, em 30 de Março de 2021); e o caso 6675 (homem com idade dos 50 aos 64 anos, por choque anafilático, em 8 de Abril de 2021). Com desfecho fatal entre duas horas e menos de dois dias, o PÁGINA UM contabilizou mais 24 mortes, quase todas associadas a distúrbios cardiovasculares.

    Também se mostra surpreendente a ausência de informação recolhida – ou então ilegalmente escondida ao PÁGINA UM pelo Infarmed – sobre mortes de pessoas de menor idade. No ficheiro ‘mutilado’, estão reportadas nove mortes de pessoas com idade entre os 25 e 49 anos, uma faixa onde a covid-19 constituía um perigo real bastante reduzido. Ora, em cinco destas mortes (casos 200, 11860, 13665, 25779 e 26408) nem sequer se registou a duração da reacção até ao desfecho fatal.

    Nem sequer se considerou alarmante que a primeira destas mortes, em faixas mais jovens (25-49 anos), tenha ocorrido logo na primeira fase, vitimando uma mulher no primeiro dia do ano de 2021, surgindo somente a referência a ter sido uma morte súbita. Neste grupo de vítimas mais jovens, alguns das causas de morte estão em linha com alguns distúrbios compatíveis com reacções adversas das vacinas contra a covid-19 confirmadas pela Ciência ao longo dos últimos anos. Por exemplo, o caso 18448 diz respeito à morte de um homem nesta faixa etária que foi acometido de trombocitopenia imune somente 24 horas depois de lhe ser administrada a vacina da Janssen. Já uma mulher do mesmo grupo etário morreu em Agosto de 2021 depois de sofrer um choque anafilático seis horas após receber uma dose da vacina da Pfizer, acabando por sucumbir de ataque cardíaco.

    Ainda mais complexa, e agonizante, foi a morte de um homem desta faixa etária a quem, três dias após receber a vacina da Pfizer, foi diagnosticada uma miocardite, seguindo-se um acidente vascular cerebral grave e uma trombose arterial. Morreu passado mais três dias, em 26 de Novembro de 2021, de ataque cardíaco.

    Rui Santos Ivo, presidente do Infarmed desde 2019: somente pela protecção política de que goza se pode justificar que continue, mesmo com um acórdão do Tribunal Administrativo, a recusar divulgar dados oficiais relevantes para a aplicação do conceito de consentimento informado.

    O PÁGINA UM continuará a analisar o Portal RAM, a pressionar o Infarmed a cumprir o acórdão do Tribunal Administrativo, e a fazer um levantamento das reacções adversas mais graves causadas pelas vacinas da covid-19 no espaço europeu, através de um levantamento exaustivo e rigoroso da informação da EudraVigilance, a base de dados da Agência Europeia do Medicamento.

    Destaque-se, no entanto, e desde já, que não existe nenhum outro medicamento autorizado que actualmente apresente tantas vítimas por efeitos adversos, mantendo-se um estranho alheamento com vista a uma necessária análise ética e política sobre os programas de vacinação contra a covid-19, que inclua uma avaliação do custo-benefício por grupo etário e por grau de vulnerabilidade. E, sobretudo, com a transparência exigida para que haja um verdadeiro (e sem pressão) consentimento informado, assumindo o Estado – já que as farmacêuticas obtiveram isenções de responsabilidades da Comissão von der Leyen – os apoios e indemnizações por danos causados durante os programas (quase impostos) de vacinação.

    N.D. A ‘luta’ do PÁGINA UM nos tribunais administrativos, neste processo contra o obscurantismo do Infarmed, e noutros, somente tem sido possível em virtude dos apoios individuais dos leitores, através de donativos específicos para o FUNDO JURÍDICO.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Limpezas na Marinha: este ano, Gouveia e Melo já soma ajustes directos de quase quatro milhões

    Limpezas na Marinha: este ano, Gouveia e Melo já soma ajustes directos de quase quatro milhões

    Embora o actual Chefe do Estado-Maior da Armada, Gouveia e Melo, tenha usado o camuflado como ‘imagem de marca’ durante a pandemia, é o branco, a cor da limpeza, que mais se associa à Marinha. Mas este ano, o ramo das Forças Armadas liderado pelo homem que se tornou ‘herói da logística’, apenas consegue manter as suas instalações limpas recorrendo a sucessivos ajustes directos, porque um concurso público agregado aberto no início de 2022 ‘naufragou’, e no ano passado um novo concurso público só previu a limpeza durante três meses. Por via de contratos de ‘mão beijada’, que beneficiaram sobretudo duas empresas, este ano já foram ‘limpos’ quase quatro milhões de euros por esta via, três vezes mais do que em 2022 e 2023. Além disso, a Marinha usou um expediente que levanta muitas dúvidas legais: admitiu ao PÁGINA UM que ‘ofereceu’ os contratos às empresas a quem fez uma consulta preliminar ao mercado, algo que viola os princípios da não discriminação e da transparência.


    Um concurso público da Marinha aberto em Novembro do ano passado para, entre outros lotes, comprar esfregonas, vassouras, esponjas em nylon, trapos, pás de plástico, panos de flanela para o pó e sacos de lixos foi concluído com sucesso no ‘tempo de um ai’. No início de Fevereiro deste ano, já estavam a ser celebrados contratos com diversas empresas concorrentes, para cumprir o plano de compras de 2024, com montantes que iam de 20,40 euros até pouco mais de 17 mil euros.

    Porém, no ramo das Forças Armadas que tem hoje a liderar o homem que se destacou nas operações de logística da vacinação contra a covid-19, o almirante Gouveia e Melo, foi um autêntico ‘cabo das tormentas’ despachar um concurso público para a limpeza de diversas instalações militares aberto em Fevereiro de 2022. Em abono da verdade, o concurso público ‘naufragou’. Resultado prático: este ano têm-se somado sucessivos ajustes directos sem se conhecerem os verdadeiros motivos do imbróglio de um procedimento concursal iniciado há 30 meses nem os motivos para a preferência agora concedida sobretudo a duas empresas de limpeza, a Intelimpe e a Lucena & Lucena.

    seven white push mops on wall

    O mais recente ajuste directo desta natureza beneficiou a empresa Fine Facility Services, contratada até ao final de Dezembro por serviços de limpeza da Base Naval de Lisboa, do Comando do Corpo de Fuzileiros e do Depósito de Munições, entre outros departamentos da Marinha. Vai receber, de ‘mão beijada’, um total de 584 mil euros, que se ‘transformam’ em 718 mil euros com IVA. Mas mais ‘sorte’ teve a sua concorrente Interlimpe, que conseguiu arrecadar, apenas desde Fevereiro de 2024, seis ajustes directos que já totalizam mais de 1,47 milhões de euros, que aumentam para mais de 1,8 milhões de euros com IVA.

    Também afortunada aparenta ser a Lucena & Lucena – uma empresa de Matosinhos com apenas três anos e um capital social de apenas 5.000 euros, que pertence a um casal que viverá no Brasil –, que celebrou, entre Fevereiro e Julho deste ano, quatro ajustes directos para limpeza de instalações da Armada. O valor potencial destes contratos sem concorrência aproxima-se dos 990 mil euros, que aumentam para mais de 1,2 milhões de euros com IVA.

    De acordo com um levantamento do PÁGINA UM no Portal Base, incluindo um contrato de compra de papel higiénico com folha dupla de 12.450 euros – que deverá dar para 50 mil rolos, embora o caderno de encargos nem sequer indique a quantidade a entregar –, a Marinha já contabiliza, para serviços e produtos de limpeza, 16 ajustes directos nos primeiros oito meses do presente ano. No total, a factura já ultrapassa os 3,1 milhões de euros, ou seja, 3,85 milhões de euros contando com o IVA.

    Confrontando os valores registados este ano para serviços de limpeza, mostra-se evidente um aumento substancial dos ajustes directos, não tanto em número mas sobretudo em montantes. Por exemplo, em todo o ano passado, a estrutura militar liderada por Gouveia e Melo celebrou 16 ajustes directos, embora totalizando 974 mil euros (sem IVA), ou seja, apenas um terço daquilo que registou em apenas oito meses de 2024. Em 2022, o primeiro ano com Gouveia e Melo em funções de topo, a Marinha tinha celebrado 35 ajustes directos, mas sem chegar à fasquia de um milhão de euros (995 mil, sem IVA). Em contraste, os serviços de limpeza e de aquisição de produtos de limpeza contratados por concurso público atingiram 2,01 e 1,21 milhões de euros, respectivamente em 2022 e 2023. Este ano, em oito meses, por concurso público apenas se celebraram contratos no valor de 131 mil euros, todos de pequeno valor.

    Almirante Gouveia e Melo, Chefe do Estado-Maior da Armada. Foto: DR

    Um conjunto de seis questões foram enviadas pelo PÁGINA UM ao Chefe do Estado-Maior da Armada, pedindo esclarecimentos, entre outros aspectos, sobre a sistemática opção pelos ajustes directos em serviços de necessidade contínua e programável, uma porta-voz da Marinha diz terem sido “motivos extraordinários e num âmbito muito restrito” que levaram à decisão dos ajustes directos, após o concurso público de 2022 – que agregava 22 lotes de diversos ramos das Forças Armadas – ter sofrido “diversas vicissitudes procedimentais, normais em procedimentos contratuais”, tendo estes sido concluídos apenas “no final de Maio”.

    Acrescente-se, contudo, que, além de a Marinha não ter explicitado, apesar de pedido reiterado, quais as vicissitudes procedimentais que alegadamente existiram, não é (ou não deveria ser) uma situação normal a não conclusão de um concurso público ao fim de 30 meses. Aliás, aparentemente, o Estado-Maior da Armada não terá contado toda a ‘história verdadeira’ ao PÁGINA UM, porque o concurso aberto em Fevereiro de 2022 já nem sequer será aproveitável. Tanto assim que em Julho do ano passado foi aberto pela Marinha um novo concurso público para serviços de limpeza, mas para apenas os três últimos meses de 2023, provavelmente por razões orçamentais.

    Apesar de o Estado-Maior da Armada ter colocado a informação errada no Portal Base sobre este concurso público, repartido em 20 lotes, referindo que foi ganho apenas pela Interlimpe, contra cinco concorrentes, na verdade esta empresa arrecadou 11 lotes e a Lucena & Lucena um total de nove, com um custo global de 733 mil euros. Certo é que, neste caso, este concurso público ficou decidido em menos de quatro meses, uma vez que os contratos para os 20 lotes foram assinados em Outubro do ano passado.

    Porém, terminada a vigência de apenas três meses destes contratos dos 20 lotes, e sem haver novo concurso público concluído para garantir serviços de limpeza ao longo de 2024, a Marinha decidiu então lançar mão de sucessivos ajustes directos. E esta é a principal razão para já se atingirem quase quatro milhões de euros em serviços e produtos de limpeza. E é para tentar justificar a falta de planeamento que a Marinha tenta usar a estratégia da tergiversação.

    Base Naval de Lisboa, no Alfeite. Foto: DR

    Com efeito, perguntado como são feitas as escolhas específicas das empresas que, por ausência de concorrência, beneficiam dos ajustes directos, e se existe uma justificação por escrito (para ser enviada), a porta-voz de Gouveia e Melo diz ter-se optado “por efectuar consultas preliminares ao mercado nos termos do artigo 35º-A do CCP [Código dos Contratos Públicos], tendo como racional na escolha dos operadores económicos a consultar as empresas que já se encontravam a prestar os serviços de limpeza e as empresas a quem, no âmbito do procedimento agregado do MDN [Ministério da Defesa Nacional], foram adjudicados os serviços, ou seja, aquelas que dispunham de capacidade de resposta imediata por conhecer os serviços e as infraestruturas  a limpar”.

    Em termos práticos, apesar de não explicado, o Estado-Maior da Armada estabeleceu ajustes directos, pelo que se apura, apenas com as duas empresas – Intelimpe e Lucena & Lucena – que tinham vencido os concursos públicos do último trimestre de 2023, em detrimento da concorrência. E alega urgência imperiosa que, na verdade, se deverá prolongar, na generalidade dos casos, até ao final do presente ano. Acrescente-se também que o alegado uso pela Marinha de uma consulta ao mercado para decidir pela escolha das empresas beneficiadas com ajustes directos mostra-se opção polémica e eventualmente ilegal. Com efeito, a consulta ao mercado constitui somente uma fase de preparação do procedimento para a formação de contratos e requer, por isso, especiais cuidados, devendo cingir-se a consultas informais de mercado, através da “solicitação de informações ou pareceres de peritos, autoridades independentes ou agentes económicos, que possam ser utilizados no planeamento da contratação”.

    Nessa linha, a consulta preliminar às “empresas que já se encontravam a prestar os serviços de limpeza e as empresas a quem, no âmbito do procedimento agregado do MDN [Ministério da Defesa Nacional], foram adjudicados os serviços”, como refere a Marinha na resposta ao PÁGINA UM, aparenta configurar uma violação ao CCP. E isto porque a lei destaca que a consulta preliminar “não pode ter por efeito distorcer a concorrência, nem resultar em qualquer violação dos princípios da não discriminação e da transparência”, o que sucederá se, posteriormente à consulta a uma empresa, a entidade pública adjudicante lhe oferece de ‘mão beijada’ um ajuste directo.

    Aliás, a norma do CCP sobre a consulta preliminar ao mercado explicita, por esse motivo, que ”quando um candidato ou concorrente, ou uma empresa associada a um candidato ou concorrente, tiver apresentado informação ou parecer à entidade adjudicante ou tiver sido consultada […] ou tiver participado de qualquer outra forma na preparação do procedimento de formação do contrato, a entidade adjudicante [neste caso, a Marinha] deve tomar as medidas adequadas para evitar qualquer distorção da concorrência em virtude dessa participação”.

    Fuzileiros em acção. Foto: DR.

    E acrescenta essa norma que “são consideradas medidas adequadas, entre outras, a comunicação aos restantes candidatos ou concorrentes de todas as informações pertinentes trocadas no âmbito da participação do candidato ou concorrente na preparação do procedimento de formação do contrato, com inclusão dessas informações nas peças do procedimento”. Ora, como a Marinha fez ajustes directos com as empresas que consultou, sem ponderar sequer outros procedimentos, esta norma do CCPJ terá sido assim violada.

    Saliente-se que o PÁGINA UM solicitou a Gouveia e Melo que fossem enviadas as justificações escritas para a escolha por ajuste directo das empresas, mas sem sucesso. Também não foi respondida a questão sobre as regras existentes no Estado-Maior da Armada com vista à redução dos contratos de ‘mão beijada’, sobretudo para a aquisição de bens e serviços onde exista concorrência conhecida, como é o caso evidente dos serviços de limpeza.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Dona do Diário de Notícias está em falência técnica e mentiu ao regulador

    Dona do Diário de Notícias está em falência técnica e mentiu ao regulador

    Ao regulador, e publicamente, a Global Media diz ter ainda capitais próprios positivos, acima de sete milhões de euros, mas nas suas contas consolidadas mostra afinal uma situação de falência técnica, depois de prejuízos no ano passado de mais de sete milhões de euros. Acrescem ainda dívidas ao Estado de nove milhões de euros, que foram ‘ignoradas’ quando o Governo Montenegro decidiu comprar as participações na Lusa detidas por este grupo de media, novamente dominado por Marco Galinha. Com a transmissão recente da exploração de diversos títulos e a venda da TSF a um grupo de empresários liderado por Domingos de Andrade, o cenário da Global Media, que ficou apenas integralmente com o Diário de Notícias, é mais do que sombrio. E o Estado está assim prestes a assumir outro ‘calote’, adicionado ao da Trust in News, o grupo liderado por Luís Delgado, que tem uma dívida fiscal e à Segurança Social de 15 milhões de euros.


    A Global Media – o grupo de media proprietário do Diário de Notícias – está em falência técnica, apesar de ter revelado no Portal da Transparência dos Media, gerido pela Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) uma situação financeira bastante diferente.

    Dominado de novo pelo empresário Marco Galinha, após um conturbado período em que foi dominado por um fundo das Bahamas – que viria a culminar em ameaças de despedimento colectivo e em salários em atraso –, este grupo de media e o seu sócio maioritário, a Páginas Civilizadas, venderam recentemente a sua participação na Agência Lusa ao Estado, bem como diversos títulos, com Jornal de Notícias à cabeça, e a empresa proprietária da TSF a um grupo de investidores. Neste último caso, os montantes envolvidos são desconhecidos, ignorando-se também se os compradores assumiram as dívidas passadas.

    Certo é que, no âmbito da obrigatoriedade de transmissão de indicadores financeiros ao regulador dos media, a Global Media referiu que detinha ainda capitais próprios positivos da ordem dos 7,1 milhões de euros, apesar de um passivo de 46,5 milhões de euros. Eram valores pouco famosos – indiciando que em seis anos perdera mais de 24 milhões de euros de capital –, mas a serem verdadeiros sempre colocava o grupo de media acima da ‘linha de água’. Mas não são. Na verdade, de acordo com o balanço entregue neste mês pela própria Global Media na base de dados das contas anuais, a empresa está em falência técnica, de acordo com as contas consolidadas de 2023, isto é, apresenta um capital próprio negativo. E bem negativo: – 2.022.714 euros.

    Significa assim que desde que Marco Galinha se tornou um accionista relevante no início de 2020 – em que terá adquirido o controlo da Global Media, através da Páginas Civilizadas, que então criou –, este grupo de media acumulou prejuízos de 28,3 milhões de euros. E com os valores negativos do capital próprio no final de 2023, agora revelados pelo PÁGINA UM, os accionistas terão perdido quase 18 milhões de euros face aos valores de 2019. Em simultâneo, os activos definharam: a Global Notícias tinha em 2018 activos no valor de 76,7 milhões de euros; no final do ano passado cifravam-se apenas em 41,4 milhões. Ou seja, sumiram-se mais de 35 milhões de euros em sete anos.

    Os principais indicadores financeiros da Global Media no final do ano passado – portanto, ainda antes das alienações das participações na Lusa e da venda, em contornos desconhecidos, do Jornal de Notícias e da TSF – mostram já uma situação deplorável, mantendo-se, além do mais, uma elevadíssima dívida ao Estado: 8.978.101 euros. Este montante é cerca de 1,1 milhões de euros mais baixo do que em 2022, mas estranhamente, tal como sucede com a Trust in News, a Global Media nunca teve de sofrer o opróbrio de ver o seu nome na lista dos devedores ao Fisco ou à Segurança Social.

    Desde que Marco Galinha assumiu um papel preponderante, a partir de 2020, quase 18 milhões de euros ‘sumiram’ dos capitais próprios da Global Media.

    Apesar desta enorme dívida ao Estado, o Governo de Montenegro terá aceitado entregar grande parte do dinheiro da alienação das participações da Global Media e da Páginas Civilizadas na Agência, que valeriam cerca de 2,5 milhões de euros. Segundo as notícias então veiculadas, apenas uma dívida de cerca de um milhão de euros da Páginas Civilizadas ao Estado foi deduzida, pelo que o valor líquido da operação terá sido de 1.489.933,65 euros. Ou seja, o Governo Montenegro ignorou a dívida da Global Media ao Estado, de quase 9 milhões de euros, e passou-lhe o cheque.

    Além das dívidas ao Estado, a dimensão e tipologia do endividamento da Global Media no final do ano passado são, aliás, aterradoras. Além de empréstimos bancários da ordem dos 6,4 milhões de euros, o grupo de media devia ainda, no final de 2023, quase 9,2 milhões de euros a fornecedores, havendo ainda 9,3 milhões de euros a credores não identificados. Além de provisões e responsabilidade de pagamento de rescisões, que totalizam quase 2,9 milhões de euros, o grupo deve 11,6 milhões de euros aos seus próprios accionistas. O PÁGINA UM sabe que, fora do perímetro de consolidação, a Global Media tem ainda um empréstimo feito pela sua subsidiária de 6,7 milhões de euros, um crédito que, a não ser pago, colocará a empresa de impressão de jornais em maus lençóis.

    O envio de informação falsa ou com lacunas por parte de grupos de media para o Portal da Transparência dos Media, gerido pela ERC, não é novidade, e tem sido reiteradamente detectado pelo PÁGINA UM. Porém, essa é questão que, na aparência, e apesar de revelar um desrespeito pela transparência num sector sensível, não incomoda absolutamente nada o regulador dos media. Instada a informar se já tinha conferido este ano a veracidade da informação financeira transmitida pelos grupos de media de maior dimensão (com uma facturação de, pelo menos, 10 milhões de euros), fonte do regulador presidido por Helena Sousa diz ser “da responsabilidade das entidades que prosseguem atividades de comunicação social o reporte completo e correcto da informação”, indicando que somente faz fiscalização numa “base de amostragem” ou intervém após uma denúncia ou exposição. E relembra ainda “a falta de comunicação ou a comunicação defeituosa dos elementos a reportar à luz deste enquadramento normativo poderão constituir contraordenação grave ou muito grave”.

    Sede da ERC: regulador mostra confrangedora passividade, fiscalizando por amostra e intervindo apenas após denúnicas.

    São, contudo, palavras que não encontram respaldo na realidade. A ERC não emitiu ainda qualquer deliberação com vista à abertura de processos de contra-ordenação por omissão ou falsas declarações ou ocultação de credores e clientes. Há mesmo empresas de media que nunca sequer apresentaram contas no Portal da Transparência e que nunca foram incomodadas pelo regulador.

    O PÁGINA UM colocou questões sobre estas matérias a Marco Galinha, mas não obteve ainda qualquer resposta.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Câmara da Covilhã é uma ‘casa santa’ para o provedor da Santa Casa da Misericórdia do Fundão

    Câmara da Covilhã é uma ‘casa santa’ para o provedor da Santa Casa da Misericórdia do Fundão

    Amigos, amigos, negócios à parte” – assim reza o adágio. Mas há uma excepção, pelo menos na Covilhã: se quem pagar a conta for o Erário Público, então pode ser ‘amigos, amigos, negócios incluídos’, porque não será de estranhar que um presidente da autarquia contrate sucessivamente por ajuste directo um seu correligionário de longa data, por sinal provedor da Santa Casa da Misericórdia do vizinho Fundão, para serviços jurídicos. E se for necessário ‘inventar’ que não há, entre os 40.065 advogados existentes em Portugal, outro igual ao amigo, alegue-se então ser ele um ‘primus inter pares’, para se prescindir de concurso público aberto e transparente. Numa investigação do PÁGINA UM, conheça a fantástica relação comercial entre o edil Vítor Pereira, que também acumula a liderança da Federação Distrital de Castelo Branco do Partido Socialista, e o advogado Jorge Gaspar, que tem sido frutuosa para o segundo: 432 mil euros sem ‘espinhas’. O mais recente contrato de ‘mão beijada’ ocorreu há cerca de três semanas e ‘pinga’ até meio de 2027.


    No final do ano passado, estavam registados 40.065 advogados em Portugal, segundo a Ordem dos Advogados, mas o advogado e presidente da autarquia da Covilhã, o socialista Vítor Pereira, não teve dúvidas em contratar com dinheiros públicos, no início deste mês, o seu antigo colega de escritório, Jorge Gaspar, entregando-lhe uma nova avença mensal de 4.000 euros para os próximos três anos, por alegadamente não existir “concorrência por motivos técnicos”. Em todo o país, presume-se; daí não se ter a autarquia do distrito de Castelo Branco aberto um concurso público para prestar serviços jurídicos, pois seria uma inutilidade, porquanto, a atender às razões invocadas (ausência de concorrência), Jorge Gaspar nunca teria quem o igualasse, quanto mais o superasse.

    E quem é Jorge Gaspar? Considerando a existência de 40.065 advogados, será então um ‘primus inter pares’, uma ‘pérola’ mesmo se sedeado num pequeno escritório de advocacia na Covilhã, sem parceiros, mas com estatuto social suficiente para liderar também a Santa Casa da Misericórdia do Fundão, uma instituição de solidariedade social fortemente financiada pela Estado, embora com um passivo que subiu dos 6,1 milhões de euros em 2018 para 10,3 milhões no ano passado.

    Covilhã: amigos, amigos; negócios incluídos. Foto: D.R.

    A inusitada contratação do advogado Jorge Gaspar – através de uma justificação perfeitamente ridícula e falaciosa, apenas com o objectivo de contornar as limitações legais aos ajustes directos – foi concretizada no passado dia 30 de Julho, tendo sido disponibilizada três dias depois no Portal Base. Este contrato, que tem Vítor Pereira e Jorge Gaspar como signatários, não é acompanhado na plataforma da contratação pública pelo caderno de encargos, não estipula em concreto as tarefas específicas a executar, que poderiam fazer alguma luz para o facto de este causídico ser considerado único, ou seja, sem concorrência possível de se encontrar. O presidente da Câmara da Covilhã, que também é líder da Federação Distrital de Castelo Branco do Partido Socialista, não respondeu às perguntas do PÁGINA UM.

    Certo é que este é um contrato entre dois amigos de longa data da cidade da Covilhã, algo que pode ser visto como um hino à fraternidade, mas com o senão de envolver dinheiros públicos. E não é amizade recente: já ultrapassou três décadas e meia. Não tão longa é a relação de negócios entre o edil Vítor Pinheiro e o causídico Jorge Gaspar. Começou em 2014, um ano depois do ex-deputado socialista ter vencido as suas primeiras eleições autárquicas. Nesse ano, o presidente da autarquia da Covilhã mostrou-se grato ao seu antigo patrono, Antunes Ferreira, e entregou um ajuste directo de 48 mil euros à sociedade de advogados Antunes Ferreira, Jorge Gaspar & Associados, ou seja, começou a relação comercial. A norma para o ajuste directo tinha, neste caso, uma base legal, porque era então possível este procedimento para montantes inferiores a 75 mil euros.

    Este contrato terminaria em meados de 2015, mas só em 2016, mais precisamente em Julho, Vítor Pereira achou que, apesar da existência do habitual departamento jurídico camarário, precisava novamente do seu amigo Jorge Gaspar, e assim o contratou, dessa vez apenas a ele. Por um ano, em ajuste directo se ‘ajustou’ o pagamento de 48 mil euros por 365 dias de trabalho, ou seja, 4.000 euros por mês. Como o preço era inferior a 75 mil euros, o contrato mostrava-se legal por esta via.

    Vítor Pereira, advogado e presidente da autarquia socialista da Covilhã desde 2013, considera o seu amigo Jorge Gaspar como o único capaz de executar tarefas que já custaram mais de 420 mil euros ao município. Foto: CMC

    No ano seguinte, em Julho de 2017, foi repetida a ‘dose’: mais 12 meses com a avença de 4.000 euros, num total de 48 mil euros no ano. O limite legal para o ajuste directo era então de 50 mil euros, e o contrato entre os dois amigos foi concretizado pouco mais de um mês antes de uma alteração legislativa que procurava impedir a sucessão de ajustes directos por valores ‘cirurgicamente’ abaixo do limite. Ou seja, a partir desse momento, em teoria deixavam de ser possíveis ajustes directos (ou adjudicações após consulta prévia) a entidades ou pessoas que no ano económico em curso e nos dois anos económicos anteriores tivessem sido contratados por essa via, e se fossem ultrapassados limites relativamente baixos.

    Mas onde o Código dos Contratos Públicos fecha uma porta aos abusos, a imaginação e os expedientes encontram sempre uma brecha, ou rasgam uma janela. Por esse motivo, mudou a estratégia do presidente da Câmara da Covilhã para contratar o amigo Jorge Gaspar por ajuste directo, sem os incómodos da concorrência. Assim, apesar de ter sido divulgado apenas em Novembro de 2021, o ajuste directo celebrado em 20 de Julho de 2018, no habitual valor de 48 mil euros com a duração de um ano, apresentou já como justificação um critério material, ou seja, um expediente que permite qualquer valor desde que se possa encaixar numa das excepções do Código dos Contratos Públicos. E foi aqui que se começou a ‘inventar’ que Jorge Gaspar era um advogado tão especial que, enfim, a sua contratação por ajuste directo se mostrava inevitável por “não exist[ir] concorrência por motivos técnicos”.

    O PÁGINA UM consultou diversos peritos que asseguraram que a amizade ou a confiança não podem ser invocadas como “motivo técnico” para uma contratação por ajuste directo (ou consulta prévia), ainda mais quando se está perante um mercado fortemente concorrencial como o da advocacia.

    Depois deste ajuste directo de 2018, no Portal Base apenas surge um novo contrato entre a autarquia da Covilhã e Jorge Gaspar em Julho de 2021, voltando-se a alegar novamente o critério material de inexistência de concorrência. E desta vez, para não se estar a repetir a ‘cantiga’ dos outros anos, o presidente Vítor Pereira tratou de compor um contrato com a duração de três anos pelo valor global de 144 mil euros, dando assim os habituais 4.000 euros por mês. Nessa linha, o contrato do passado mês de Julho acaba assim por ser um déjà vu: até meados de 2027, ‘imune’ à inflação, serão 4.000 euros a pingar por mês. Em suma, descontando o primeiro contrato, ainda celebrado com a sociedade de advogados, Jorge Gaspar ‘sacou’ do seu amigo Vítor Pereira 432 mil euros em dinheiros públicos, sempre através de ajustes directos, e sempre sem os incómodos da concorrência, e sem sequer se saber os processos em que terá trabalhado.

    Vítor Gaspar (ao centro), em Julho, durante uma visita de deputados do Grupo Parlamentar Socialista à Santa Casa da Misericórdia do Fundão, onde se destaca Alexandra Leitão e Ana Mendes Godinho, antiga ministra da Segurança Social. Foto: SCMF

    Apesar de a Câmara da Covilhã – a entidade pública que deve responder pela contratação – nada ter dito ao PÁGINA UM, o advogado Jorge Gaspar reagiu, questionando alegadas “encomendas” nesta investigação jornalística, que ‘nasceu’ de uma pesquisa no Portal Base. Mas o causídico covilhanense ‘sem igual’ diz presumir que na base desta investigação jornalística esteja “o mesmo covarde que, após a minha primeira contratação pelo Município da Covilhã, apresentou uma denúncia anónima na PJ [Polícia Judiciária]”, que assegura ter sido arquivada pelo Ministério Público.

    Jorge Gaspar defende, aliás, a legalidade de todos os contratos, apesar das evidências, dizendo que “a relação entre advogado e cliente tem subjacente uma relação de confiança, pessoal e profissional, pelo que as pessoas singulares e os representantes das pessoas coletivas, particulares ou públicas, procuram para os patrocinar juridicamente os advogados e/ou jurisconsultos e quem confiam, quer pelas suas qualidades pessoais, quer pelas suas qualidades e competências profissionais”. E o advogado ‘puxa dos galões’ para demonstrar que, na sua perspectiva, não existem mesmo dúvidas quanto aos facto de ser um ‘primus inter pares’: “os quase 34 anos de advocacia, os milhares de clientes, pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou particular, que já patrocinei, bem como os colegas e magistrados com quem tenho trabalhado, falam por mim”, diz. O presidente da Câmara da Covilhã, que pelo facto de ter contratado, poderia (e deveria) falar, optou por não o fazer.

    Jorge Gaspar acrescenta também, à laia de argumento de não ser o único a beneficiar de dinheiros públicos de ‘mão beijada’, achar “estranho que tendo o Município da Covilhã um outro advogado avençado, com uma avença de valor superior à que me é paga, cujo contrato existe há décadas, inicialmente com o pai, ilustre advogado, e actualmente e desde há mais de 20 anos, com o filho, igualmente ilustre advogado, só suscite estranheza e curiosidade a minha contratação, quando o meu prestígio e competência profissionais não são menores do que os daqueles ilustres profissionais”.

    Saliente-se, contudo, que antes mesmo desta ‘sugestão’ de Jorge Gaspar, já o PÁGINA UM detectara a outra avença para serviços jurídicos, beneficiando por ajuste directo a sociedade Fontes Neves & Associados, fundada na Covilhã por um antigo delegado do Procurador da República, António Fontes Neves, e agora liderada pelo seu filho David. No entanto, de acordo com a consulta ao Portal Base, onde devem constar todos os contratos públicos desde 2009, as relações entre a autarquia liderada desde 2013 pelo socialista Vítor Pereira são, porém, mais pontuais com a Fontes Neves & Associados. Na verdade, sob a liderança do actual presidente da edilidade covilhanense, somente foi assinado um ajuste directo, em finais de Maio de 2022, com uma duração de três anos e um valor de 252 mil euros, ou seja, uma avença mensal de 7.000 euros.

    Neste caso, porém, o argumento para a contratação não foi a ausência de concorrência, mas antes um outro ‘expediente’ cada vez mais comum para contornar o concurso público: a alegada dificuldade “na elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas”. Conhecer os motivos desta contratação também não foi possível, uma vez que também em relação a esta contratação o presidente da autarquia da Covilhã não deu resposta.

    book lot on black wooden shelf
    Para a autarquia da Covilhã, Jorge Gaspar não é um entre mais de 40 mil advogados portugueses: é o único advogado capaz de defender os interesses do município…

    Já Jorge Gaspar não esconde a longa relação que tem com o edil da Covilhã, mas considera não existirem motivos para colocar em causa a legitimidade ou a ética dos procedimentos contratuais. “Quanto ao meu relacionamento com o atual Presidente da Câmara, além de termos estagiado, em simultâneo, com o mesmo patrono [Antunes Ferreira] e de termos trabalhado durante algum tempo no escritório daquele (do qual o s[enho]r. Presidente saiu, há mais de 25 anos, para abrir escritório próprio e eu fiquei, acabando por constituir uma sociedade de advogados com o meu ex-patrono), nunca existiu qualquer outro relacionamento profissional ou negocial, seja de que natureza for”, assegura Jorge Gaspar.

    E o advogado ‘sem concorrência’ não esconde que “sempre t[e]ve uma relação de amizade com o Dr. Vitor Pereira, mesmo após a sua saída do escritório, tal como mantenho com outros autarcas, empresários, colegas de profissão, etc.”, se bem que, acrescenta, teve mesmo assim “ ocasião de litigar em processos em que o Dr. Vítor Pereira, enquanto exerceu advocacia, patrocinava a parte contrária, defendendo cada um, o melhor possível, os interesses dos seus clientes”. E conclui: “o S[enho]r. Presidente da Câmara Municipal da Covilhã, tal como os demais vereadores do executivo camarário, conhecem bem as minhas qualidades pessoais e profissionais, que me levaram a granjear o prestígio que me é reconhecido não só na cidade da Covilhã, mas em toda a Beira Interior, onde mais trabalho”.

    Portanto, concluindo, para o advogado Jorge Gaspar, tudo normal nos sucessivos contratos por ajuste directo com a câmara municipal liderada pelo amigo de longa data Vítor Pereira, usando-se dinheiros públicos… e esta notícia nem sequer tem, nessa perspectiva, uma razão para existir.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.

  • Nova SBE: Miguel Pinto Luz deixou fundação em condições de perder estatuto de utilidade pública

    Nova SBE: Miguel Pinto Luz deixou fundação em condições de perder estatuto de utilidade pública

    O ministro das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, presidiu a fundação que gere o campus da Nova SBE, em Carcavelos, e ‘esqueceu-se’ que, para manter o estatuto de utilidade pública concedido pelo Governo socialista em finais de 2020, teria de enviar os relatórios de contas e das actividades. Não o fez em 2023, em relação ao ano de 2022, e não deixou nada preparado para se enviarem a tempo os documentos respeitantes ao ano passado. Resultado: pela Lei-Quadro, a Fundação Alfredo de Sousa cometeu uma “violação reiterada” dos deveres susceptível de perder o estatuto de utilidade pública durante pelo menos cinco anos e a devolver os benefícios fiscais já obtidos. Mas para se aplicar a máxima ‘dura lex, sed lex’ será necessário que o secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros se mexa. O PÁGINA UM fez a pergunta a Paulo Lopes Marcelo. Do outro lado, o silêncio num assunto sobre o qual o ministro Pinto Luz, o presidente da Nova SBE e o reitor da Universidade Nova de Lisboa também nada dizem. Talvez na esperança de saírem de um vergonhoso imbróglio sem ninguém os envergonhar. Ou responsabilizar.


    A Fundação Alfredo de Sousa, a entidade gestora do Campus de Carcavelos da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa (Nova SBE) está em risco de perder o estatuto de utilidade pública concedida em Outubro de 2020. Em causa está a violação considerada “reiterada” da respectiva Lei-Quadro por parte da instituição que até Março foi presidida por Miguel Pinto Luz, actual ministro das Infraestruturas e Habitação. O actual governante, em representação da autarquia de Cascais, foi administrador da Fundação Alfredo de Sousa desde 2017 e a liderou a partir de Abril de 2021, até ao convite de Luís Montenegro para integrar o seu Governo.

    De acordo com a Lei-Quadro, para ser mantido o estatuto de utilidade pública – que, além de constituir um factor de marketing relevante, concede diversos benefícios fiscais e tarifários, bem como um regime especial ao abrigo do Código das Expropriações –, as entidades que o recebem têm de comunicar à Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros (SGPCM) o relatório e contas anual e o relatório de actividades, bem como publicitar a lista dos titulares dos órgãos sociais em funções, com indicação do início e do termo dos respectivos mandatos. O prazo para comunicação obrigatória dos relatórios é de “seis meses a contar da data do encerramento desse exercício”, devendo estes também estar disponíveis ao público em geral.

    Miguel Pinto Luz foi administrador da Fundação Alfredo de Sousa entre 2017 e início deste ano, tendo ocupado a presidência desde 2021.

    Ora, conforme o PÁGINA UM revelou no passado dia 8, a Fundação Alfredo de Sousa não aprovou sequer ainda as contas de 2021 – que era da responsabilidade máxima da administração presidida Miguel Pinto Luz –, e passados quase oito meses de 2024 também não estão aprovadas as relativas ao exercício de 2023, o que constitui, de forma clara, motivo de revogação do estatuto de utilidade pública. Com efeito, de acordo com a Lei-Quadro, constitui fundamento susceptível de determinar a revogação “o incumprimento, em dois anos seguidos ou três interpolados, dentro do período total de validade do estatuto de utilidade pública” dos deveres, entre outros, da comunicação dos relatórios com as demonstrações financeiras e de actividades. Se tal suceder, prevê a legislação, a Fundação Alfredo de Sousa apenas poderá requerer novamente a atribuição do estatuto de utilidade pública “passados cinco anos da decisão de revogação”.

    Porém, para que essa sanção seja aplicada – que pode também resultar até na restituição dos benefícios entretanto obtidos pela Fundação Alfredo de Sousa, até por estar em falta desde que obteve o estatuto em finais de 2020 –, será necessário que a SGPCM tome a iniciativa. Com efeito, na prática, cabe ao actual secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros, Paulo Lopes Marcelo, determinar a realização de inquéritos, sindicâncias, inspeções e auditorias às entidades beneficiárias do estatuto de utilidade pública. E como são evidentes as violações – dois anos com atraso na apresentação obrigatória de relatórios –, a Lei-Quadro não deixa grande escapatória, a não ser política, à revogação do estatuto de utilidade pública do Fundação Alfredo de Sousa, com todas as consequências que daí advêm por estar associada a uma universidade pública e sobretudo por ter tido Miguel Pinto Luz a liderá-la durante dois anos.

    Paulo Lopes Marcelo, actual secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros: terá coragem de aplicar a Lei-Quadro do Estatuto de Utilidade Pública contra uma fundação presidida até este ano pelo ministro das Infraestruturas?

    O PÁGINA UM colocou questões ao secretário de Estado Paulo Lopes Marcelo sobre esta matéria, mas não obteve resposta, somando-se assim aos comprometedores silêncios de todos responsáveis directa e indirectamente envolvidos na gestão da Fundação Alfredo de Sousa. Recorde-se que, para a edição anterior do PÁGINA UM, tinham sido pedidos esclarecimentos e informações a Miguel Pinto Luz, ao actual presidente da Nova SBE, Paulo Oliveira, e ao reitor da Universidade Nova de Lisboa, João Sàágua, que se demitiu no início deste ano da presidência do Conselho de Curadores da fundação, que necessita de dar um parecer para que as contas sejam depois aprovadas.

    Aliás, na aparência, a Fundação Alfredo de Sousa, com apenas dois funcionários, está à deriva, porque Miguel Pinto Luz ainda nem sequer foi substituído e a sua renúncia nem sequer está formalmente registada, o que não surpreende porque a sua nomeação em Abril de 2021 somente surge registada em Março de 2024. Por outro lado, além da renúncia de João Sàágua ao Conselho de Curadores, o presidente da Nova SBE nunca se mostrou interessado em assumir um cargo de administrador da Fundação Alfredo de Sousa, ao contrário do seu antecessor, Daniel Traça, um dos ‘pais’ do Campus de Carcavelos.

    Mostra-se patente, aliás, que o modelo de gestão da Nova SBE, através de uma fundação – que, além da autarquia de Cascais e da Universidade Nova de Lisboa, conta com a participação do Banco Santander, da Jerónimo Martins e da Arica – está estruturalmente deficitário, o que não abona a favor de uma faculdade prestigiada internacionalmente na área da Economia e Finanças. Depois da inauguração do Campus de Carcavelos, em Setembro de 2018, as receitas da Fundação Alfredo de Sousa, provenientes da renda e aluguer dos espaços que construiu, nunca foram suficientes, até porque era ‘obrigada’ a desviar parte dos donativos para a própria Nova SBE, o que também levanta dúvidas de legalidade.

    Marcelo Rebelo de Sousa participou na inauguração do Campus de Carcavelos, em Setembro de 2018, na companhia do actual reitor da UNL, João Sàágua (segundo à esquerda) e do então presidente da Nova SBE, Daniel Traça (terceiro à esquerda). Foto: Miguel Figueiredo Lopes / Presidência da República.

    O PÁGINA UM, conforme revelou na edição anterior, teve acesso às contas ainda não aprovadas de 2022 e 2023 da Fundação Alfredo de Sousa – apenas assinadas por cinco dos oito administradores, e ainda sem parecer do Conselho de Curadores –, que mostram prejuízos acumulados de quase 7,9 milhões de euros e um elevado endividamento, com o passivo total superior a 31 milhões de euros, dos quais mais de 13 milhões são empréstimos bancários ao Banco Europeu do Investimento e ao Banco Santander.

    Mais preocupante ainda, por se tratar de uma fundação com um património sobretudo assente nos edifícios do Campus de Carcavelos, é a ‘pressão’ financeira causada pelas depreciações, que no ano passado atingiram os 2,8 milhões de euros, que se aproximam dos 3,3 milhões de euros de rendas e alugueres. Para agravar o cenário futuro, as expectativas em redor de donativos não são muito risonhas. Neste ano, os doadores ainda assumem entregas próxima de 3,2 milhões de euros, mas esse valor será de metade (1,6 milhões) em 2025. Para 2030, somente há garantia, por agora, de receber 150 mil euros.

    N.D. Pode consultar aqui os relatórios e contas de 2016 a 2021. Os relatórios não aprovados de 2022 e de 2023 podem ser consultados, respectivamente, aqui e aqui.


    PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.

    Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.

    APOIOS PONTUAIS

    IBAN: PT50 0018 0003 5564 8737 0201 1

    MBWAY: 961696930 ou 935600604

    FUNDO JURÍDICO: https://www.mightycause.com/story/90n0ff

    BTC (BITCOIN): bc1q63l9vjurzsdng28fz6cpk85fp6mqtd65pumwua

    Em caso de dúvida ou para informações, escreva para subscritores@paginaum.pt ou geral@paginaum.pt.

    Caso seja uma empresa e pretende conceder um donativo (máximo 500 euros por semestre), contacte subscritores@paginaum.pt, após a leitura do Código de Princípios.