Autor: Pedro Almeida Vieira

  • Do invocar a independência em vão

    Do invocar a independência em vão


    Não pode, ou não deveria pelo menos, o Diário de Notícias, ou a sua directora Rosália Amorim, invocar a independência deste centenário jornal, e depois expor uma vassalagens pornográfica ao poder político e empresarial no dia do aniversário.

    Está lá tudo na reportagem da efeméride: o Diário de Notícias “homenageou Carlos Moedas”, “distinguiu o vice-almirante Gouveia e Melo”, “agraciou Joe Biden” (o homem deve estar fora de si de contente), e houve ainda “mensagens do Presidente da República” e de um ministro de um Governo de gestão.

    O conceito de independência ao poder é aqui similar à evocação da castidade como estilo de vida pelos clientes num bar de alterne.

    E, ó deuses do sétimo céu, independência com uma festa de aniversário onde nem faltaram os patrocínios da Altice, Fidelidade e Santander? Terão os cheques sido entregues por administradores vestidos de Melchior, Gaspar e Baltazar?

    Talvez. Não sei. Não confirmo. Nas fotografias da festança não deu para identificar muita gente, por graça do patrocínio da empresa Portuguese Mask, que já agora tem à venda um Winter Pack bem catita para a época natalícia…

    Não sei bem se as festas do Diário de Notícias no tempo do Salazar tiveram tanta subserviência ao poder político e tanta bajulação ao capital.

    Dúvidas também possuo sobre se as gentes e os dirigentes editoriais da Global Media estão apenas em dissonância cognitiva, ou se afinal estão apenas a tentar mudar o conceito de independência, transmutando o real sentido do termo para o oposto –como muitos fizeram, por exemplo, com palavra “despoletar”, que significando retirar a espoleta de uma granada, afinal nada desencadeia, porque sem espoleta não há explosão.


  • Do crime de Graça Freitas: a divulgação de dados clínicos sigilosos

    Do crime de Graça Freitas: a divulgação de dados clínicos sigilosos


    Foi divulgado ontem a morte de uma jovem de 19 anos com síndrome de Dravet – uma encefalopatia progressiva rara, de origem genética e incurável. Uma em cada cinco pessoas que sofre desta doença acaba por morrer até ao início da fase adulta, em muitíssimos casos por acidentes durante crises epilpléticas ou por morte súbita.

    A jovem tinha estado cinco dias antes no Hospital de Braga com febre alta, e testara positivo ao SARS-CoV-2. Fora mandada para casa com recomendação para tomar paracetamol. A sua morte terá sido atribuída à covida-19. E, segundo a generalidade da comunicação social, a Direcção-Geral da Saúde (DGS divulgou que a jovem “não estava vacinada”.

    Ora, a Direcção-Geral da Saúde – que esconde deliberadamente informação fundamental, mesmo quando jornalistas requerem dados anonimizados, ou seja, sem menção ao nome – mandou agora às malvas a ética e a deontologia, que até está consagrada em diploma legal.

    Graça Freitas, directora-geral da Saúde

    O Código de Conduta Ética da DGS estipula, por exemplo, que os seus colaboradores, entre os quais Graça Freitas, “estão sujeitos ao sigilo profissional relativamente a matérias a que tenham acesso no desempenho das suas funções ou por virtude das mesmas, com preponderância para a proteção dos dados pessoais, e que, pela sua efetiva importância, por legítima decisão da DGS ou por força da legislação em vigor, não devam ser do conhecimento geral.” Isto não se aplica somente à pandemia nem à covid-19, mas a todo o tipo de dados clínicos.

    Anda toda a gente distraída, ou entramos num mundo distópico. Divulgar dados clínicos de uma pessoa, ainda mais oficialmente e através da comunicação social, é crime. Ponto. Não poderia jamais a DGS divulgar a situação vacinal – ainda mais nas actuais circunstâncias de uma morte – daquela jovem.
    Nunca! Não apenas porque jamais poderia revelar dados clínicos individuais sem autorização da própria pessoa (ou neste caso, dos familiares), mas também por não ser sua competência nem sequer enquadrar os motivos (que até poderiam ser clínicos) para a jovem não estar eventualmente vacinada. De forma subliminar, a DGS quis mostrar que a vacina poderia alterar o desfecho, incutindo assim uma mensagem crítica aos pais, quer aos pais da malograda jovem, quer a todos os pais de adolescentes e crianças. Isto chama-se bullying estatal.

    Aliás, a Doutora Graça Freitas saberá, por certo (mas eu já tenho dúvidas), que esta síndrome tem uma elevadíssima taxa de mortalidade até ao início da idade adulta, e que sucede muitas vezes de forma repentina num evento de convulsões. Ou seja, como sucedia com outras infecções respiratórias, a jovem tem uma elevada probabilidade de ter morrido com covid-19 – e não de covid-19.

    Na verdade, é nojento e abjecto a DGS usar uma sempre lamentável morte, independentemente da causa, para alimentar uma campanha de pânico, para “forçar” pelo medo – e não por vantagens em termos de saúde pública – a vacinação em adolescentes e crianças. Continuando a ignorar aspectos básicos: aqueles são grupos etários onde, se não existirem comorbilidades, o risco de morte é virtualmente nulo.
    A Doutora Graça Freitas começa a parecer-me uma personagem sinistra.

    Numa sociedade decente, a Doutora Graça Freitas ia já para o olho da rua. Mas aqui, agora aqui, não. E nunca com a imprensa mainstream, que se virará até contra os pais da falecida jovem, por não a terem vacinado. Haverá quem até os venha a criticar de negacionistas, a propor até, hélas, que se venha a promover a acção da Comissão Nacional de Crianças e Jovens (CNCJ) contra os pais que neguem vacinar os seus filhos. Estamos perto desse cenário.

    Enfim, vivemos tempos obscuros.

    Na verdade, até sobre os meus dados clínicos eu acho que já muita gente não autorizada os terá visto. E serão usados se os seus caprichos e fins assim o determinarem e advirem vantagens para o “bem comum”.

    A confiança no Estado torna-se nula com esta gente.


  • Parecer admite desconhecimento dos efeitos em crianças e usa estudos não publicados nem revistos

    Parecer admite desconhecimento dos efeitos em crianças e usa estudos não publicados nem revistos

    O cenário mais favorável da eficácia do programa vacinal proposto pela Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC) empola o número previsível de infecções, de modo a maximizar os benefícios absolutos da vacina nas crianças. Na verdade, se a actividade viral for baixa durante o próximo Inverno, a “cura” pode vir a ser pior do que a doença para os mais novos. O PÁGINA UM analisou com detalhe o parecer da CTVC, que admite que os riscos a longo prazo das vacinas para crianças não são conhecidos, e utiliza apenas estudos, incidindo em adolescentes, que nem sequer estão publicados ou revistos por cientistas independentes. A CTVC também não garante que o programa de vacinação das crianças salvará qualquer vida. Neste caso, por uma razão simples: mesmo sem vacinação, até agora nenhuma criança morreu por causa da covid-19.


    A Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC) recomendou a vacinação universal de crianças apesar de admitir que “os riscos, a longo prazo, associados à administração da vacina, nas idades 5-11 anos, não são ainda definitivamente conhecidos”. Esta incerteza está discretamente inserida no final da página 18 do parecer (com um total de 32), no capítulo intitulado “Sinal de Segurança: Miocardites e Pericardites”.

    Apenas divulgado na tarde da passada sexta-feira pela Direcção-Geral da Saúde (DGS) – após fortes críticas ao secretismo que Graça Freitas desejava –, o parecer da CTVC confessa, de forma taxativa, que recomendou as vacinas em crianças mesmo ignorando as consequências a longo prazo. Isto para um grupo etário que não regista até agora qualquer morte.

    Mesmo assim, a CTVC disserta sobre a segurança baseando-se em estudos e ensaios aplicados a adolescentes. Porém, esses estudos não estão sequer publicados nem acessíveis, mesmo a investigadores, ou ainda nem foram sujeitos à revisão pelos pares (peer review) – um processo imprescindível em Ciência para garantir o seu rigor e integridade.

    a boy crying tears for his loss

    Um dos casos passa-se com o estudo intitulado “SARS-CoV-2 Vaccination and Myocarditis in a Nordic Cohort Study of 23 Million Residents”, cujo primeiro autor somente é identificado no parecer da CTVC pelo seu apelido. Será eventualmente o fármaco-epidemiologista norueguês Øystein Karlstad, que estudou este ano os efeitos de tromboembolismos e eventos similares causados pela vacina da AstraZeneca em adultos escandinavos.

    De acordo com o parecer da CTVC, uma equipa liderada por Karlstad terá concluído existir um risco acrescido de miocardite em adolescentes do sexo masculino com um excesso de 2,2 e 36,5 casos por 100 mil doses passados 28 dias do início do esquema vacinal, respectivamente para as vacinas da Pfizer (Comirnaty) e da Moderna (Spikevax). No entanto, como esse risco terá sido estudado apenas em jovens entre os 12 e os 15 anos, não se aplica obviamente às crianças.

    Um outro estudo citado pela CTVC, da responsabilidade do Ministério da Saúde de Israel, sofre do mesmo problema: apresenta resultados de farmacovigilância da vacina da Pfizer apenas em adolescentes vacinados, com idades entre os 12 e 15 anos.

    Um terceiro estudo, realizado no Canadá, e também referenciado pela CTVC, segue o mesmo padrão. Liderado por Jennifer Pillay, do Departamento de Pediatria da Universidade de Alberta, o estudo – que consiste sobretudo numa “revisão sistemática rápida” – conclui que a vacina da Pfizer causa uma maior incidência de miocardites em homens dos 12 aos 29 anos. Nada diz sobre crianças (5 aos 11 anos). E salienta mesmo que “pesquisas futuras são necessárias para examinar outros factores de risco e efeitos de longo prazo”.

    Este estudo tem outra “deficiência”: encontra-se publicado apenas no medRxiv – um site da Internet que distribui versões pré-publicadas de artigos científicos sobre ciências da saúde.

    Como habitualmente sucede, um aviso de entrada neste site alerta que o artigo em causa “não foi revisto pelos pares”, acrescentando-se ainda que se está em face de “novas pesquisas médicas que ainda não foram avaliadas e, portanto, não devem ser usadas para orientar a prática clínica”. Para os peritos da CTVC este aspecto não será relevante. Mas é.

    Um quarto estudo referenciado pela CTVC é, como os outros, uma análise do impacte de curto prazo em não-crianças, podendo-se somente saber o que sucedeu num grupo etário “próximo”: adolescentes e jovens adultos dos 12 aos 29 anos. Desenvolvido em França, este estudo também não está revisto pelos pares.

    Quase por ironia, o estudo francês encontra-se publicado no site do EPI-PHARE, uma entidade criada em 2018 pela Agência Nacional para a Segurança de Medicamentos e Produtos de Saúde (ANSM) e pelo Seguro Nacional de Saúde (CNAM), em consequência do escândalo do Mediator, e para melhorar a farmacovigilância.

    Recorde-se que este medicamento, da farmacêutica Servier, destinava-se inicialmente para tratamento de diabetes, mas passou a ser comercializado como produto de emagrecimento. Acabou suspenso em 2009 por se provar ter causado a morte de entre 1.500 e 2.100 pessoas.

    O julgamento deste processo ficou concluído em Março deste ano, tendo-se sentado no banco dos réus os responsáveis da Servier, por manipulação de informação sobre segurança, e a própria ANSM, por não ter actuado em devido tempo. A farmacêutica foi condenada a pagar indemnizações no valor de 2,7 milhões, e a agência estatal foi multada em 303 mil euros.

    Estimativas vista à lupa

    Os benefícios da vacinação de crianças em Portugal previstos pelos peritos da CTVC constitui também um exercício interessante de análise. O PÁGINA UM meteu-se nesta tarefa.

    Assumindo que “os benefícios da vacinação dependem da incidência da infecção por SARS-CoV-2” –, a CTCV propôs três cenários: optimista, mediano e pessimista, em função da actividade viral ao longo da pandemia. Curiosamente, o período em análise foi de apenas quatro meses, indiciando-se assim que a CTVC não acredita que eficácia da vacina se prolongará por mais do que esse período, necessitando de novo reforço no final da Primavera.

    Outro facto estranho: a CTVC considera, como efeito adverso das vacinas, o risco de miocardites e pericardites em crianças, mas para estimar o seu número potencial utiliza as incidências conhecidas em adolescentes. Essa extrapolação coloca sérias dúvidas de índole científica e mesmo ética.

    Assim, face aos pressupostos teóricos da eficácia do programa vacinal para as crianças – cobertura de 85%, uma efectividade vacinal contra infeção entre 70% e 85% e uma efectividade contra doença grave de 95% –, a CTVC compara, para cada um dos cenários, duas situações distintas: sem vacinação e com vacinação.

    person pulling cart with boy

    Deste modo, no cenário optimista sem vacinação, a CTVC aponta para a possibilidade de ocorrência de 5.551 casos positivos entre Dezembro de 2021 e Março de 2022, que desceria para apenas 1.540 casos naquele período se 85% das crianças fossem vacinadas.

    No cenário pessimista – ou seja, com elevada incidência –, sem vacinação a CTVC estimou que houvesse 45.442 casos positivos, reduzindo-se para 18.404 com o programa de vacinação. No cenário intermédio (mediano) foi estimado pela CTVC a existência de 21.189 casos positivos sem vacinação, baixando para 7.681 casos com vacinação.

    Estranhamente, a CTVC não explica no parecer a razão para, assumindo similar capacidade das vacinas em evitar as transmissões, se estimarem reduções relativas diferentes nos diversos cenários. Com efeito, para o cenário optimista com vacinação, a redução estimada das infecções é de 72% face à situação sem vacinação, mas desce apenas para os 64% no cenário mediano e para os 61% no cenário pessimista.

    Compreensivelmente, o cenário pessimista, que representa uma maior actividade viral no próximo Inverno, é aquele que mostra um maior benefício absoluto das vacinas. A razão é simples: se houver mais infecções, numa situação sem aplicação do programa vacinal em crianças, em termos absolutos maiores serão, em princípio, as hospitalizações e os internamentos em unidades de cuidados intensivos (UCI), e assim maior o diferencial quando se confronta com a situação de vacinação de 85% deste grupo etário.

    Contudo, o cenário mais pessimista (45.442 infecções) – aquele em que a vacinação potencialmente trará mais vantagens, com menos 147 hospitalizações, menos 16 internamentos em UCI e menos 15 casos de síndrome inflamatório multissistémico (MIS-C) – mostra-se muito pouco provável. Com efeito, face ao período considerado na avaliação da CTVC (Dezembro de 2021 a Março de 2022), significaria a ocorrência de 11.360 casos positivos por mês em crianças se o plano de vacinação não avançasse, mais do dobro da actual média mensal ao longo de 2021 (4.674 casos positivos) para este grupo etário.

    Mais sensato aparenta ser o cenário mediano. Neste caso, a média mensal é de quase 5.300 casos positivos, um valor mais consentâneo com a realidade e a época do ano (Inverno). Porém, com menos infecções, também os benefícios potenciais se tornam bem mais modestos. De facto, neste cenário os peritos da CTVC já só antevêem uma redução de 51 hospitalizações e de cinco internamentos em UCI.

    Se o cenário (mais) optimista estimado pelo CTVC se concretizasse – ou seja, uma menor actividade viral durante o próximo Inverno –, o programa vacinal ameaçaria então “parir um rato”. Nesse cenário, o programa vacinal – que poderá atingir um investimento superior a 10 milhões de euros, no pressuposto do preço unitário da dose infantil ser metade da dos adultos –, a vacina apenas causaria uma redução de nove hospitalizações, um internamento em UCI e um evento de MIS-C.

    man in blue and red polo shirt holding a pen and a brown bear plush toy

    Em todo o caso, saliente-se que não é líquido que um maior número de infecções resulte num aumento proporcional de hospitalizações e internamentos em UCI. Ou seja, mesmo que a variante Ómicron ganhe prevalência, e um maior número de casos, tal não significará automaticamente um aumento proporcional de internamentos.

    Aliás, essa questão revela-se mesmo na página 10 do parecer da CTVC, onde se compara as hospitalizações em idade pediátrica em 2020 (quando a variante dominante era a Alfa) e em 2021 (com a Delta já dominante). Em todos os grupos etários a percentagem de hospitalização em função dos casos positivos diminuiu consideravelmente. Nas crianças (5-11 anos) passou de 0,61% (112 hospitalizações em 18.358 casos) em 2020 para apenas 0,21% (84 hospitalizações em 39.215 casos) este ano.

    Ou seja, numa faixa etária em que a prevalência de assintomáticos ou de sintomatologia ligeira é muito elevada, a subida de casos positivos em crianças pode estar intimamente associada sobretudo à estratégia de testagem. Em suma, se se aumentar consideravelmente a realização de testes em crianças sem que estas estejam com sintomas, o potencial aumento de casos positivos poderá estar relacionado sobretudo à maior detecção de assintomáticos, e sem necessidade de hospitalização.

    Ora, neste caso, uma consequência imediata é a redução da percentagem das hospitalizações (internamentos por 100 casos positivos), mesmo se houver um aumento absoluto no número de internados em relação ao período anterior, tal como se evidencia na situação das crianças quando se compara o ano de 2020 com 2021.

    Um último aspecto particularmente estranho das estimativas da CTVC observa-se também em relação às miocardites vacinais – que, recorde-se, são reportadas à incidência conhecida em adolescentes, e não a crianças. Embora todos os três cenários estabelecidos pelos peritos pressupõem uma cobertura vacinal de 85%, o número estimado de miocardites vacinais é de 12 para o cenário pessimista, mas de sete para os cenários mediano e optimista.

    Como as miocardites vacinais são, como a denominação indica, um efeito adverso apenas associado à vacina – e nada tem a ver com a maior ou menor actividade viral –, esse número distinto entre os cenários poderá ser ou um engano absurdo – por o parecer ser assinado por 13 peritos – ou uma forma de mascarar uma possibilidade atroz. De facto, se o SARS-CoV-2 estiver pouco activo neste Inverno – e se concretizar o cenário optimista –, a “cura” (leia-se, a vacina) será pior do que a doença.


  • Autora de parecer de bioética para a vacinação de crianças com ligações ao Partido Socialista e a hospitais privados

    Autora de parecer de bioética para a vacinação de crianças com ligações ao Partido Socialista e a hospitais privados

    A Direcção-Geral da Saúde preferiu ouvir Helena Pereira de Melo, vice-presidente da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, do que pedir parecer ao Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida. A jurista tem ligações ao Partido Socialista e é presidente de uma associação em consórcio com o Grupo José de Mello.


    A conselheira de bioética da Comissão Técnica de Vacinação contra a Covid-19 (CTVC), que proferiu um parecer favorável para a vacinação universal de crianças – sem sequer analisar as incertezas a longo prazo e as questões éticas que tal encerra –, tem fortes ligações ao Partido Socialista e também ao Grupo José de Mello, que integra a CUF, gestora de 14 hospitais e clínicas privadas.

    A alegada inexistência de problemas éticos, assumida no parecer final da CTVC, terá sido um dos aspectos determinantes para a decisão esta semana da Direcção-Geral da Saúde (DGS) em aprovar a vacinação universal de crianças.

    Recorde-se que, até ao momento, nenhuma criança entre os 5 e os 11 anos morreu em Portugal por causa de covid-19. Além disso, apenas 0,21% dos casos positivos nesta faixa etária tiveram necessidade de hospitalização ao longo deste ano, uma significativa redução na gravidade em relação a 2020, que apresentou um rácio quase três vezes superior (0,61%), de acordo com dados divulgados no recente parecer da CTVC.

    Helena Pereira de Melo

    Uma investigação do PÁGINA UM descobriu que a autora do parecer de bioética, a jurista Helena Pereira de Melo – cuja identidade apenas foi revelada ontem com a divulgação a contragosto de todos os documentos do polémico parecer integral da CTVC –, foi indicada em 2019 pelo Partido Socialista para integrar o Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida.

    No ano anterior integrou também, por convite do Governo socialista, a comissão para a revisão da Lei de Bases da Saúde, presidida por Maria de Belém.

    Além das suas funções académicas e como vice-presidente da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa, esta jurista é ainda preside à ABIO – Associação para o Estudo do Biodireito. Criada em 2016, esta associação surge apresentada como um “consórcio entre a José de Mello Saúde e a Universidade Nova de Lisboa”, que inclui a TAGUS Tank – Tagus Academic Network for Knowledge, com actividades na área da Medicina e apoio à investigação.

    Apesar de também acumular a vice-presidência da Associação Portuguesa de Bioética, Helena Pereira de Melo não integra a lista obrigatória de consultores da DGS, segundo confirmado pelo PÁGINA UM no site da DGS. Ou seja, o pedido de parecer solicitado pela CTVC terá sido pontual e específico para o fim em vista.

    Saliente-se que, por obrigação legal, os consultores da DGS não podem ser membros de órgão social de sociedade científica, associação ou empresa privada que tenham recebido financiamento superior a 50 mil euros por ano (em média no último quinquénio) de empresa produtora, distribuidora ou vendedora de medicamentos ou dispositivos médicos.

    Em todo o caso, refira-se que, apesar da directora-geral Graça Freitas ter nomeado por despacho os membros da CTVC, não os obrigou a apresentar qualquer declaração de incompatibilidades. Assim, de entre os membros desta comissão, apenas Manuel do Carmo Gomes e Válter Fonseca o fizeram, por já serem consultores da DGS há vários anos. Todos os outros – Ana Maria Correia, António Sarmento, Diana Costa, João Rocha, Luís Graça, Luísa Rocha, Maria de Fátima Ventura, Maria de Lurdes Silva, Marta Valente, Raquel Guiomar e Teresa Fernandes – não apresentaram qualquer documento desta natureza. Por exemplo, Luís Graça, imunologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa, recebeu este ano um pouco mais 7.000 euros de farmacêuticas, dos quais 2.050 euros da AstraZeneca.

    No entanto, aquilo que mais poderá chocar no parecer de Helena Pereira de Melo é a ligeireza na abordagem da ética na vacinação de crianças, porque nada refere sobre a incerteza e os efeitos a longo prazo.

    white and clear syringe on blue textile

    No seu texto de apenas três páginas, a jurista ocupa grande parte do espaço a apresentar uma mera síntese de documentos enviados pela DGS e a expor uma súmula da “leitura dos relatórios que nos foram facultados, da autoria do Centro Europeu de Controlo de Doenças (ECDC) e da Agência Europeia de Medicamentos (EMA). Lista depois os “efeitos benéficos prováveis”, e acrescenta existirem “benefícios para a saúde mental da criança decorrentes de ser vacinada, uma vez que, se não for infectada, não sofrerá os efeitos negativos associados a uma ou várias situações de confinamento”.

    Um artigo publicado em 5 de Outubro passado na revista Nature, que cita David Eyre, epidemiologista da Universidade de Oxford, revelou que o efeito benéfico da vacina na transmissão da variante Delta diminui para níveis quase insignificantes pouco tempo depois. Por exemplo, em pessoas que sejam infectadas já com a vacina da Pfizer em acção (duas semanas após a tomada das doses), o risco de contaminar outra é de 42%, aumentando para 58% pouco mais tarde. O risco de um não-vacinado contaminar outra pessoa é de 67%.

    Ou seja, se o objectivo for beneficiar as crianças vacinadas em detrimento das não-vacinadas – um aspecto polémico do ponto de vista legal e ético, e ainda não decidido pelo Governo à data do parecer –, não mandando para quarentena os primeiros, os efeitos da medida serão nulos do ponto de vista epidemiológico.

    Na verdade, sobre questões concretas de bioética, o parecer de Helena Pereira de Melo elenca só os mais básicos princípios da bioética, que se podem encontrar num simples manual académico.

    Com efeito, a jurista escreve em apenas um breve parágrafo que a vacinação de crianças contra a covid-19 cumpre os “três princípios da não-maleficência (não causa, previsivelmente, prejuízo à sua vida, à sua saúde e à sua integridade pessoal), da beneficência (apresenta probabilidade elevada de prevenir a contração da doença e contribui, deste modo, para a saúde física e mental da criança), e da justiça (contribui para a quebra das cadeias de transmissão da doença, pelo menos relativamente às variáveis conhecidas, em particular a Delta (…)”. E justifica isto com “os dados epidemiológicos [que] revelam uma alta transmissibilidade da doença nesta faixa etária, em Portugal”.

    grayscale photography of girls

    Por fim, destaca ainda que o princípio da autonomia nem sequer merece discussão no caso das crianças, porque “este grupo etário não goza de maturidade indispensável para consentir ou não consentir na administração da vacina em causa”.

    No seu parecer, Helena Pereira de Melo não apresenta sequer uma reflexão teórica nem uma única referência bibliográfica sobre bioética e vacinas, e especialmente sobre vacinas contra a covid-19 e aplicadas a crianças – um dos temas sociológicos actualmente em ebulição nas ciências sociais.

    Por exemplo, uma consulta breve ao Google Scholar identifica cerca de 18.200 artigos científicos que debatem as questões de ética relacionados com a vacinação (obrigatória ou não), incluindo largas centenas sobre a vacinação contra a covid-19, a aplicação de certificados de acesso, a eventual vacinação universal obrigatória e a discriminação de não-vacinados. Temas nem sequer foram aflorados neste parecer da professora de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

    Recorde-se que anteontem, em declarações à rádio TSF, Maria do Céu Patrão Neves, presidente da Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida – que seria o organismo “natural” para emitir um parecer ético desta natureza – defendeu “o maior interesse das crianças”, pelo que “ponderar a vacinação em termos de proteção dos adultos não é aceitável do ponto de vista ético”.

    Esta professora catedrática de Ética na Universidade dos Açores, e também consultora do Presidente da República para a Ética da Vida – e que foi eurodeputada do PSD entre 2009 e 2014 – considerou que a decisão de se avançar, nas actuais circunstância, para um programa de vacinação neste grupo etário deveria ser tomada “na sua dimensão física, psicossocial, afectiva, ou seja, uma forma holística”.


  • Zero mortes, 0,5% de hospitalizações e 0,03% de internamentos em cuidados intensivos

    Zero mortes, 0,5% de hospitalizações e 0,03% de internamentos em cuidados intensivos

    O PÁGINA UM revela as taxas de internamento e apresenta os casos clínicos mais graves em crianças durante o primeiro ano da pandemia. Num grupo que envolve mais de 600 mil pessoas, por agora contabilizam-se zero mortes, uma taxa de hospitalização que rondará os 0,5% dos infectados (quase 37 mil entre Março de 2020 e Abril deste ano) e um rácio de internamento em cuidados intensivos de 0,03%. Este é o cenário de uma faixa etária que pouco tem a beneficiar de um programa de vacinação em massa. Apenas ganha incerteza no longo prazo.


    No primeiro ano da pandemia, nenhuma criança morreu em Portugal por causa da covid-19, e apenas 11 – num total de quase 37 mil que testaram positivo à covid-19 entre Março de 2020 e 21 de Abril deste ano – tiveram necessidade de cuidados intensivos. Por outro lado, cerca de 995 em cada 1.000 crianças (com idades entre os 5 e os 11 anos) com teste positivo ao SARS-CoV-2 apresentaram sintomas ligeiros ou manifestaram-se assintomáticos, uma vez que somente 179 precisaram de internamento por curtos períodos (0,49% do total dos infectados.

    Confirma-se assim o muito reduzido risco da covid-19 – quase irrelevante – para um grupo etário que estará agora sujeito à campanha de vacinação decidida esta semana pelo Governo.

    Esta informação – até agora desconhecida pelo público em geral, e apenas acessível a um estrito grupo de peritos – obtém-se pelo cruzamento de duas bases de dados: o Sistema Nacional de Vigilância Epidemiológica (SINAVE) e o registo das hospitalizações de doentes-covid.

    man in blue denim jeans standing on brown hays during daytime

    A primeira base de dados identifica todos os casos positivos, desagregados por idade, sexo e concelho. O segundo elenca, após anonimização, os internamentos de todas as pessoas, incluindo idade, sexo, unidade de saúde, período de internamento, eventual encaminhamento para cuidados intensivos (UCI), desfecho (outcome) e também as comorbilidades e/ou agravamentos no decurso da hospitalização.

    A Direcção-Geral da Saúde (DGS), autoridade com a máxima responsabilidade na gestão da pandemia, tem recusado a conceder acesso a informação essencial para calcular o risco e taxas de internamento e de letalidade de forma estratificada. Contudo, o PÁGINA UM obteve acesso confidencial a estas duas bases de dados, embora contendo apenas informação até 21 de Abril deste ano.

    Em todo o caso, o reduzido impacte dos primeiros 14 meses da pandemia sobre as crianças – e muito provavelmente sem alterações relevantes nos últimos sete meses – mostra-se sobretudo numa taxa efectiva de internamento muito baixa.

    CASOS POSITIVOS E INTERNAMENTOS EM CRIANÇAS – MARÇO DE 2020 E ABRIL DE 2021
    (Fonte: Ministério da Saúde; dados tratados por PAV)

    Enquanto até Abril deste ano, este rácio rondava os 6% para toda a população (cerca de 54 mil internamentos em cerca de 834 mil infectados, até àquela data), no grupo das crianças situou-se entre um mínimo de 0,27% (aos 7 anos) e um máximo de 0,7% (aos 8 anos). Globalmente, apenas aproximadamente 0,5% das crianças infectadas precisaram de tratamento hospitalar.

    Considerando os casos de maior gravidade, a necessitarem de cuidados intensivos, não existe qualquer justificação para alarmismos. De acordo com o registo de internamentos, até Abril deste ano passaram por UCI um total de 5.458 pessoas, ou seja, cerca de 10% do total das hospitalizações e 0,65% das pessoas infectadas. No caso das crianças, essas taxas situaram-se em 6% e 0,03%, respectivamente.

    No entanto, a esmagadora maioria dos casos de hospitalização de crianças, e sobretudo daquelas que necessitaram de cuidados intensivos, envolveram comorbilidades graves de natureza diversas. Por exemplo, de entre os 11 internamentos de crianças em UCI – apenas em hospitais da Grande Lisboa e no hospital de São João, no Porto –, somente quatro não tinham um quadro prévio de enfermidades graves.

    TAXA DE LETALIDADE (%) DA COVID-19 POR GRUPO ETÁRIO (até 9 de Dezembro de 2021)
    (Fonte: Direcção-Geral da Saúde; dados tratados por PAV)

    Nem todos – incluindo os quatro que registaram síndrome inflamatório do sistema múltiplo ou miocardites, efectivamente associados a complicações da covid-19 – tiveram necessidade de ventilação, tendo bastado um acompanhamento contínuo de monitorização do estado de saúde. Todos estes 11 casos clínicos mais complexos tiveram desfecho favorável: nenhuma destas crianças morreu. E os internamentos foram, por regra, de curta duração, inferior a duas semanas. Apenas um menino de 8 anos, que sofria já de um melanoma maligno, teve um internamento mais prolongado (41 dias), em parte para recuperar de uma infecção bacteriana apanhada no hospital (ver lista em baixo).

    Embora se ignore os dados de internamentos posteriores a Abril deste ano, certo é que a faixa etária dos 5 anos 11 anos continua sem registo de mortes atribuídas à covid-19. Até agora, apenas se contabilizam dois óbitos de bebés com menos de 1 ano, e de outra com menos de 4 anos. Além destes, contam-se duas mortes de jovens com 19 anos. Todos apresentavam gravíssimas comorbilidades.

    Nesse sentido, o grupo etário que o Governo se apresta a vacinar – envolvendo mais de 600 mil crianças, com um investimento ainda desconhecido, uma vez que o contrato com a Pfizer não consta ainda do Portal BASE – apresenta assim uma taxa de letalidade ainda de 0%.

    Mesmo agregando as idades, segundo os grupos etários usados pela DGS, o risco de morte nas faixas dos 0-9 anos e dos 10-19 anos é incomensuravelmente inferior aos dos mais idosos. Por exemplo, observando a taxa de letalidade da covid-19 para os maiores de 80 anos (15,1% até à data), conclui-se que a probabilidade de um desfecho fatal naquela faixa etária é mais de 4.000 vezes superior ao de um menor de 10 anos. E chega a ser superior a 9.500 vezes se confrontada com o grupo dos 10-19 anos.


    LISTA DE CASOS DE INTERNAMENTO DE CRIANÇAS EM CUIDADOS INTENSIVOS

    CASO 1

    Idade: 8 anos
    Sexo: Masculino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central
    Período de internamento: 19/04/2020 – 29/05/2020
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: melanoma maligno do couro cabeludo e do pescoço; e infecção bacteriana por Staphylococcus aureus
    Outcome: Alta médica

    CASO 2

    Idade: 10 anos
    Sexo: Masculino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de Lisboa Norte
    Período de internamento: 15/05/2020 – 25/05/2020
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: hipopotassemia; miocardite infecciosa
    Outcome: Alta médica

    CASO 3

    Idade: 5 anos
    Sexo: Masculino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Lisboa Ocidental
    Período de internamento: 01/06/2020 – 07/06/2020
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: defeito do septro ventricular, insuficiência (da válvula) aórtica, insuficiência congénita da válvula aórtica e anemia.
    Outcome: Alta médica

    CASO 4

    Idade: 10 anos
    Sexo: Feminino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central e Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental
    Período de internamento: 15/06/2020 – 27/06/2020
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: miocardite aguda; e cardiomiopatia dilatada.
    Outcome: Alta médica

    CASO 5
    Idade: 10 anos
    Sexo: Feminino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de São João (Porto)
    Período de internamento: 13/10/2020 – 03/11/2020
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: Distúrbios do metabolismo das proteínas plasmáticas; e anemia.
    Outcome: Alta médica

    CASO 6

    Idade: 8 anos
    Sexo: Feminino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte
    Período de internamento: 01/11/2020 – 17/11/2020
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: síndrome inflamatório do sistema múltiplo (associado à covid-19), síndrome de choque tóxico e pericardite viral
    Outocome: Alta médica

    CASO 7

    Idade: 11 anos
    Sexo: Feminino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte
    Período de internamento: 21/12/2020 – 28/12/2020
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: anemia hemolítica auto-imune
    Outcome: Alta médica

    CASO 8

    Idade: 10 anos
    Sexo: Feminino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de São João (Porto)
    Período de internamento: 24/01/2021 – 05/02/2021
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: síndrome inflamatório do sistema múltiplo (associado à covid-19); insuficiência ventricular esquerda; taquicardia supraventricular; e choque cardiogénico
    Outcome: Alta médica

    CASO 9

    Idade: 8 anos
    Sexo: Masculino
    Unidade de saúde: Hospital Professor Doutor Fernando Fonseca (Amadora-Sintra)
    Período de internamento: 25/01/2021 – 26/01/2021
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: diabetes mellitus tipo 1
    Outcome: Alta médica

    CASO 10

    Idade: 11 anos
    Sexo: Masculino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário Lisboa Central
    Período de internamento: 30/01/2021 – 11/02/2021
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: paralisia cerebral quadriplágica espástica; doença de refluxo gastroesofágico sem esofagite, alimentado por gastrostomia
    Outcome: Alta médica

    CASO 11

    Idade: 5 anos
    Sexo: Masculino
    Unidade de saúde: Centro Hospitalar Universitário de São João (Porto)
    Período de internamento: 12/02/2021 – 03/03/2021
    Principais comorbilidades e/ou agravamentos associados: aneurisma, hipotensão, trombocitopenia, hiperlipidemia e sepsis
    Outcome: Alta médica


  • Contratos com a Global Media compram silêncio

    Contratos com a Global Media compram silêncio

    A crise financeira na imprensa nacional lançou-a para “aventuras” comerciais de duvidosa legalidade, mas de deontologia maculada. Um dos casos mais graves mostra-se na Global Media, que tem estado a transformar-se numa “fábrica de notícias” para quem pagar. Garante até sigilo. Mas estes estranhos negócios comerciais mercadejando o jornalismo não são caso único. Este é o primeiro artigo de um dossier que mergulha no mundo financeiro sem escrúpulos da nossa imprensa.


    A Global Media – que detém, entre outros, os periódicos Diário de Notícias e Jornal de Notícias, e a rádio TSF, para a além de uma participação relevante na agência Lusa – tem estado a assinar contratos para a produção de notícias, sob a forma de prestação de serviços, para as Câmaras Municipais. Como contrapartida suplementar, estes contratos possuem uma cláusula de sigilo, que impedirá potencialmente a publicação de notícias prejudiciais às autarquias.

    O caso mais evidente, mas não único, detectado pelo PÁGINA UM, passa-se com um contrato assinado em 28 de Julho passado entre a Câmara Municipal de Valongo e a Global Media – e tendo como um dos signatários o jornalista Domingos de Andrade, simultaneamente director-geral editorial e director da TSF – que contratualizou a produção de “52 (cinquenta e duas) reportagens anuais”, a inserir no Canal JN Directo, e ainda “12 (doze) páginas anuais” em suplementos.

    Domingos de Andrade acumula as funções de jornalista, director da TSF e de administrador da Global Media, assinando contratos comerciais.

    Este contrato, com o prazo de 24 meses, surge no seguimento de um outro assinado no início de 2019 (mas não disponível no Portal BASE), tendo como objecto do contrato a “aquisição de serviços de promoção das marcas identitárias e tecido económico local do Município de Valongo”. Ambos com um preço contratual de 74.000 euros.

    A contratação de produção de reportagens pagas – e portanto, dependendo de critérios não editoriais – é uma das questões mais sensíveis na imprensa portuguesa e mesmo mundial. Contudo, aparentemente a Comissão da Carteira Profissional do Jornalista não tem colocado em causa a inserção, cada vez mais abundante, de notícias com conteúdos patrocinados, grande parte dos quais não assinadas para esconder a identidade dos jornalistas que as escrevem.

    Com efeito, a Lei da Imprensa destaca que o exercício da profissão de jornalista é incompatível com o desempenho de “funções de angariação, concepção ou apresentação, através de texto, voz ou imagem, de mensagens publicitárias” e ainda de “funções de marketing, relações públicas, assessoria de imprensa e consultoria em comunicação ou imagem, bem como de planificação, orientação e execução de estratégias comerciais”.

    No entanto, essa regra legal (e sobretudo deontológica) não é cumprida na Global Media mesmo ao alto nível. Domingos de Andrade, detentor da carteira profissional 1723, sendo director-geral de todas as publicações da Global Media e director da TSF, demonstra participar activamente nas estratégias comerciais do grupo. Por uma simples razão: é um dos signatários do contratos dessa natureza.

    Porém, a cláusula de sigilo que se encontra expressa no contrato da Global Media com a autarquia de Valongo, mostra-se ainda de maior gravidade.

    Em todo o caso, esta cláusula aparenta ser desnecessária tendo em conta as excelentes relações comerciais entre a Global Media e a Câmara de Valongo. De acordo com um levantamento do PÁGINA UM no Portal Base, apenas desde 2019 estão já contabilizados 18 contratos entre estas duas entidades no valor total de 248.300 euros. Somente 16.300 euros dizem respeito à inserção de publicidade – que, até há anos, era a forma básica de financiamento dos media.

    O grosso do montante pago pela autarquia liderada pelo socialista José Manuel Ribeiro refere-se, para além dos contratos já referidos, ao patrocínio de etapas do Grande Prémio de Ciclismo Jornal de Notícias (60.000 euros, no total de dois contratos) e à aquisição de diversos serviços de comunicação das actividades daquela autarquia do distrito do Porto, algumas das quais relacionadas com a actual pandemia, e com a participação activa de jornalistas e mesmo de responsáveis editoriais.

    Com efeito, a cláusula 8ª do citado contrato de Julho passado estabelece que “o segundo outorgante [Global Media] garantirá o sigilo quanto a informações que os seus funcionários [que inclui, obviamente, os jornalistas] venham a ter conhecimento relacionados com a actividade do primeiro outorgante [Câmara Municipal de Valongo]. Em suma, como esta cláusula se estende à “actividade” (toda, salvo a inexistência de referência contrária), tal significa que se qualquer jornalista dos órgãos de comunicação social da Global Media souber, por exemplo, de um caso de corrupção naquela autarquia, estará impedido de a noticiar.

    Nesses “eventos”, que são efectivamente uma prestação de serviços contra pagamento de verbas, mostra-se à saciedade um franco convívio entre as partes, pouco consentâneo com a equidistância e independência exigida aos jornalistas perante as entidades e responsáveis políticos.

    Por exemplo, em 21 de Abril passado, num webinar patrocinado pela autarquia de Valongo em redor da pandemia, e organizado pelo Jornal de Notícias, a directora desta publicação, Inês Cardoso – com a carteira profissional 2511 –, não se inibiu de tecer encómios ao patrocinador do evento. Cite-se: “Uma saudação também especial ao presidente da câmara de Valongo. Nós temos tido algumas iniciativas com Valongo. São particularmente significativas pela forma como o presidente da câmara tem uma perspectiva muito mobilizadora e focado nos cidadãos, nas suas emoções. E por isso foi particularmente desafiante a preparação e a montagem deste webinar”.


  • Do jornalismo ao Estraca, terminando em José Mário Branco

    Do jornalismo ao Estraca, terminando em José Mário Branco


    Um jornalista que se preze tem duas obrigações: informar e não ser ridículo. Geralmente, o ridículo encontra-se intimamente associado à ignorância. E à maldade. João Amaral Santos, jornalista da Visão, talvez não seja completamente ignorante, mas não informa e é ridículo. E é mau. Mau jornalista. E má pessoa, uma pessoa para quem os meios mais escroques justificam os seus “beatíficos” fins.

    Num texto publicado hoje no site da Visão – catalogado na secção Sociedade, mas que se assume claramente como artigo de opinião, embora dissimulado –, o escriba Santos, que recebeu a carteira profissional 7544, mas jamais deve ter lido o Código Deontológico, avisa ao que vem no título: “Movimentos negacionistas e antivacinas usam Hip Hop para espalhar teorias da conspiração em Portugal”. O pretexto: a música “Jornalixo”, do rapper Estraca, nome artístico de Carlos Guedes, 24 anos.

    João Amaral Santos não tem qualquer relevância no meio jornalístico, e o seu percurso na imprensa nada tem de assinalável. Porém, exactamente por esse motivo merece este destaque: a maldade surge a partir da mediocridade. Ele constitui, à falta de qualquer cume qualitativo abonatório, o expoente de uma forma de estar no jornalismo de hoje: o jornalismo dogmático e securitariamente ideológico, com posturas missionárias, inquisitoriais e populistas, usando execrável manipulação e falsificação, cimentadas pela inanidade, fruto da ignorância e impreparação técnica e científica das escolas de Jornalismo e Comunicação.

    Ele, João Amaral Santos de nominata, corporiza o jornalista mediano da nossa imprensa. Mediano,, no sentido estatístico do termo; medíocre no sentido qualitativo, devido ao actual estado da classe.
    São jornalistas como João Amaral Santos – e a ausência de uma comissão deontológica séria e interventiva – que fazem proliferar a má imprensa, o “jornalixo” retratado por Estraca, que medram um “jornalismo de merda”. Ameaçam-nos eles, no mínimo, de ficar na História como um lastimável e lamentável episódio da vida em democracia. Mas temo que, na pior das hipóteses, venham a contribuir para minar e destruir as democracias ocidentais, tornando a liberdade individual e o livre arbítrio em direitos maléficos, a serem coarctados em prol de um imaginário bem comum, que beneficiará somente elites políticas e financeiras.

    Estamos no prelúdio de um paraíso de democratas com sonhos ditatoriais: a aceitação pacífica de uma felicidade sanitária colectiva aliada à infelicidade individual; a imposição ordeira da versão século XXI da biopolítica e do biopoder teorizadas por Foucault. E os jornalistas serão os teólogos e missionários deste novo mundo.

    Não desejo, contudo, fugir muito ao tema que suscitou a escrita desta opinião. Nem vou sequer perder demasiado tempo a dissertar, e muito menos em direcção a “periodistas” do quilate de João Amaral Santos, por que motivo um jornalista decente jamais pode catalogar como negacionistas os críticos e contestatários da gestão da pandemia.

    Nem mesmo quem nega a existência do vírus merece uma denominação de conotação tão depreciativa e específica para um período negro da História da Humanidade. E muito menos se pode catalogar como negacionista quem apela para a transparência da informação das autoridades políticas; quem aponta alternativas; quem denuncia incongruências; quem crítica o uso de certificados supostamente sanitários como instrumentos de segregação; quem abomina que vacinas (com tão pouco tempo de “vida”) sejam utilizadas sem ponderação; e/ou quem defenda que estas sejam aplicadas em função de dois princípios básicos: o da precaução e o do risco-incerteza-benefício.

    Na verdade, a questão essencial no artigo de opinião de João Amaral Santos é a sua inata e intrínseca maldade. Maldade nas suas diversas acepções. Somente por maldade, pela mais sublime má-fé, pode João Amaral Santos escrever o seguinte: “Com letras que incluem os chavões e as teorias da conspiração de sempre, artistas como Estraca ou Penhx recorrem a uma amálgama de palavras e frases cantadas, onde se incluem acusações a políticos, jornalistas ou médicos e enfermeiros, entre outros, e se fala de corrupção, pedofilia ou satanismo – uma retórica próxima da utilizada pelos norte-americanos QAnon.”

    Eis a alusão à extrema-direita agora como cereja em cima do bolo da retórica jornalista contra quem contesta e crítica. O poder nem precisa de opinar nem criticar quem os critica. Há sabujos e jagunços dispostos ao servicinho: os jornalistas. Salazar não fez, não faria melhor. Sempre! Sempre a merda da extrema-direita! Isto já não apenas chateia; faz perder as estribeiras.

    Enfim, só um jornalista calaceiro, imberbe e maldoso – ou seja, só se sendo um João Amaral Santos – pode ignorar o estilo e forma das canções de intervenção, desde os tempos dos tempos. Desde, recuemos à História Pátria, os tempos do pós-25 de Abril. Como pode alguém então, sem cair no ridículo, e manter amanhã a carteira profissional de jornalista, considerar que são “amálgamas de palavras e frases cantadas” isto aqui em baixo que Estraca canta?

    Estraca, nome artístico de Carlos Guedes (n. 1997)

    E hoje é puros contra impuros
    São cultos contra incultos
    Estudos, estudos e mais estudos para te fazerem mais burro
    Grupos, grupos e mais grupos, medo forma novos surdos
    Questionar o questionável é conversa de malucos
    Então eu sou louco, assumidamente louco
    Se loucura é questionar aquilo que injetam no meu corpo
    Sim, então eu sou louco
    Conclusivamente louco
    Só existem duas escolhas: homem livre ou homem morto
    Eu escolhi ser livre e lutar pela liberdade
    Dignidade pela vida ou vida pela dignidade
    Escolhas dignas de injustiça, tempos de desigualdade
    Ataque a direitos base e crimes contra a humanidade
    Regras e novas medidas anti-constitucionais
    Querem passes sanitários mas com direitos iguais
    Sinais que fazem lembrar tempos ditatoriais
    Até miúdos viram escudos para proteger os pais.

    Contudo, no meio da diatribe que é o texto (chamemos assim por convenção) de João Amaral Santos, causa-me ainda maior fúria – e eu não sou o Estraca – a colagem do rapper a teorias conspirativas de extrema-direita.

    Associar Estraca à extrema-direita é como tentar misturar a decência com o João Amaral Santos: temos, de um lado o azeite, do outro a água.

    Questiono-me, aliás, como pode uma anémona sequer pensar que Estraca pode estar ao serviço de interesses de extrema-direita quando, no seu magistral “Terra Nostra”, escrito no início do ano passado, ele se expõe assim:

    Chega de aventuras dum Ventura partidário
    E de um comentário CM pa’ fascista parlamentário
    Marcelinho nosso querido, muito pouco autoritário
    A passear pelo país com os impostos do meu salário.

    Enfim, estará sim ele, João Amaral Santos, ao serviço de um propósito, que não a decência, e esse propósito não é digno do Jornalismo. Ele e muitos jornalistas, e infelizmente são mesmo muitos – e um bastaria para ser demais – justificam plenamente a música de intervenção de Estraca. As suas reacções justificam cada palavra do rapper. E mereciam mais ainda de mim, para além destas que acabei de escrever. Tivesse eu melhor arte.

    E já que estamos numa de abordar canções de intervenção, deixo-vos uma das minhas passagens preferidas de “FMI”, do José Mário Branco, escrita “de um só jorro, numa noite de Fevereiro de 79”, como ele cantou, e que estranhamente, ou talvez não, se encaixa, perfeita, na realidade dos nossos distópicos dias:

    José Mário Branco (1942-2019)

    Vá mandem-me lavar as mãos antes de ir para a mesa
    Filhos da puta de progressistas do caralho da revolução que vos foda a todos!
    Deixem-me em paz porra, deixem-me em paz e sossego
    Não me emprenhem mais pelos ouvidos caralho
    Não há paciência
    Não há paciência
    Deixem-me em paz caralho
    Saiam daqui
    Deixem-me sozinho, só um minuto
    Vão vender jornais e governos e greves e sindicatos e polícias e generais para o raio que vos parta!
    Deixem-me sozinho
    Filhos da puta
    Deixem só um bocadinho
    Deixem-me só para sempre
    Tratem da vossa vida que eu trato da minha
    Pronto, já chega
    Sossego porra
    Silêncio porra
    Deixem-me só, deixem-me só, deixem-me só
    Deixem-me morrer descansado.


  • Da música de intervenção

    Da música de intervenção


    Silenciar pelo ostracismo, através da censura popular, e não pela opressão policial, é o sonho húmido do autoritarismo.

    Eric Clapton lançou há três meses uma música de protesto sobre a gestão da pandemia: “This Has Gotta Stop” foi, porém, ostracizada, e rapidamente se quis desenterrar supostos males e defeitos do músico britânico. A generalidade dos músicos – receosos de perder os benefícios do marketing num mundo que se tornou agora politicamente correcto e sem questionar o poder – não me surpreendeu.

    Por exemplo, em Portugal a dependência de músicos e outros artistas dos subsídios e contratos com o Estado e autarquias é medonha.

    Estraca, nome artístico de Carlos Guedes (n. 1997)

    Não admira assim que, perante a “mensagem oficial” e o ambiente de um “unanimismo artificial”, e imposto pela imprensa mainstream, uma parte se auto-silencie, enquanto a outra se auto-eleva ao estatuto de “fariseus dos costumes”, ou “de samaritanos da hipocrisia”, dando bordoada pública (porque em público vale a dobrar) em quem ergue a cabeça para dizer nem que seja um “mas…”.

    Todos estes “nogueiras de pacotilha” conseguiram, durante a pandemia, manter os seus “financiamentos” para fazer “coltura da TV, da rádio e da cassete-pirata”, e ainda receberem medalhas de bom comportamento cívico.

    Os muitos poucos que dizem “mas…”, e os raros que agora clamam por mais do que “mas…”, têm pedras por caminho.

    Mas a estratégia de “silenciar” os músicos rebeldes ou incómodos mostra que, afinal, o poder tem muito receio das suas consequências. A mensagem de uma canção entra sem filtros, matraqueia, faz pensar.
    Isto a pretexto de “Jornalixo”, do rapper Estraca, que, com uma mensagem sibilina mas muito directa, dá “murros” ao jornalismo, ao poder, e a nós todos.

    Em quatro dias conta já com 130 mil visualizações e está em 4o. lugar nas tendências musicais do YouTube em Portugal.

    Claro que a imprensa mainstream vai ignorá-lo, e é isso mesmo que fará a sua mensagem passar, e começar a fazer mais pessoas pensarem por elas.


  • Carta aberta à presidente da Comissão da Carteira Profissional do Jornalista

    Carta aberta à presidente da Comissão da Carteira Profissional do Jornalista


    Exma. Senhora Presidente da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista,

    Dra. Leonete Botelho:

    Como V. Exa. saberá, tanto ou certamente mais que eu, a Comissão da Carteira Profissional de Jornalistas (adiante designada CCPJ), tem as suas competências claramente definidas pelo Estatuto do Jornalista, mas em todo o caso, e mais ainda no caso em apreço, devo aqui expôr:

    a) Atribuir, renovar, suspender ou cassar os títulos de acreditação profissional dos jornalistas, equiparados a jornalistas, correspondentes e colaboradores da área informativa dos órgãos de comunicação social;

    b) Apreciar, julgar e sancionar a violação, pelos jornalistas, equiparados a jornalistas, correspondentes e colaboradores da área informativa dos órgãos de comunicação social, dos deveres profissionais enunciados no n.º 2 do artigo 14.º do Estatuto do Jornalista;

    c) Aprovar, após consulta pública aos jornalistas, o regulamento aplicável ao procedimento disciplinar e promover a sua publicação, nos termos da lei;

    d) Assegurar a constituição e o funcionamento das comissões de arbitragem previstas no artigo 7.º-C do Estatuto do Jornalista e aprovar o respectivo regulamento;

    e) Instruir os processos de contra-ordenação por infracção aos artigos 3.º, 4.º, 5.º, 7.º-A, 7.º-B, 15.º e 17.º do Estatuto do Jornalista e aplicar as respectivas coimas e sanções acessórias;

    f) Aprovar o regulamento e organizar o processo eleitoral dos membros da CCPJ designados pelos jornalistas profissionais;

    g) Exercer os demais poderes que lhe sejam conferidos por lei.

    Leonete Botelho, jornalista do Público e presidente da CCPJ

    Ademais, estipula o mesmo Estatuto dos Jornalistas, quais os requisitos e documentação necessária para a atribuição do título profissional de jornalista, bem como do título de estagiário.

    Ora, sendo eu, Pedro Almeida Vieira, detentor da carteira profissional de jornalista 1786, estou, neste momento, a desenvolver um projecto jornalístico (PÁGINA UM), para o qual registei a marca no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, e procedi ao registo na Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), que, salvo melhor opinião, é a única entidade autorizada para estas matérias de autorização de funcionamento, podendo essa acção ser realizada a todo o tempo.

    Ao PÁGINA UM foi concedido pela ERC um registo provisório de publicação periódica de âmbito nacional e com conteúdo de informação geral, com o número 127661. O registo foi feito em 11 de Novembro p.p., pelo que, desde essa data, o PÁGINA UM é um órgão de comunicação social, o qual tem apenas nesta fase, como única obrigação, e perante a ERC, ter de começar a divulgar informação (1º exemplar), no site indicado, no prazo de 90 dias e requerer então a conversão em definitivo da inscrição.

    Deste modo, apesar de ser evidente e claro que à CCPJ estão somente atribuídas as competências para conceder, dentro de regras bem definidas, os diversos títulos de acreditação profissional, bem como, e ainda bem, apreciar, julgar e sancionar a violação de deveres profissionais dos jornalistas, fui entretanto informado que uma colaboradora do PÁGINA UM, a qual trabalhará comigo como jornalista estagiária, foi “alertada” por um funcionário da CCPJ de que “para a emissão de um título profissional é fundamental o órgão de informação estar a funcionar”, acrescentando que “sendo um órgão de informação novo é importante saber o seu conteúdo”.

    Refira-se que essa resposta da CCPJ, via e-mail, foi dada após a entrega de todos os documentos estipulados por lei, entre os quais uma declaração comprovativa da admissão como estagiária no PÁGINA UM, por mim assinada, com indicação do nome do jornalista responsável pela orientação do estágio e número da respectiva carteira profissional. Além disso, também assinei, sob meu compromisso de honra, um documento garantindo que a estagiária exerceria a sua actividade a título permanente e remunerada.
    Pasmei, portanto, perante esta resposta da CCPJ, via e-mail, e mais fiquei após confirmar, por telefone, ser essa a V. prática corrente desta entidade presidida por V. Exa..

    Não pode ser. Nem deve. É ilegal. É eticamente imoral. Ainda mais numa comissão que integra jornalistas, e que tem sobretudo a deontologia e a defesa da profissão de jornalista como bandeiras.
    Por um lado, todos sabemos – e ainda mais os elementos que formam a CCPJ – que um órgão de comunicação social funciona desde o momento da sua concepção, e que são necessárias, antes mesmo da sua existência junto dos leitores, tarefas diversas que devem ser executadas apenas por jornalistas acreditados. Seria, aliás, ilegal se o PÁGINA UM estivesse a utilizar pessoas que, escrevendo textos jornalísticos, não estivessem munidos de título profissional da CCPJ.

    Por outro lado, não cabe à CCPJ fazer análises de conteúdos para a emissão de títulos profissionais, ademais sabendo que o dito órgão de comunicação social (PÁGINA UM) está devidamente registado como tal onde deve estar (ERC). Pode sim a CCPJ, e deve sim, exercer a sua autoridade somente à posteriori, e sobre os jornalistas que pratiquem eventualmente infracções deontológicas.

    Aliás, eu, como director do PÁGINA UM, e como jornalista, estou desde já sob a V. alçada disciplinar, se assim desejarem. O meu jornal PÁGINA UM não estará sob alçada da CCPJ, nem os seus conteúdos, asseguro desde já a V. Exa.. Pelo menos enquanto a CCPJ for uma entidade de um país democrático em pleno.

    Recordo que V. Exa. preside à Comissão da Carteira Profissional de Jornalista, e não à Direcção dos Serviços da Censura.

    Aliás, nas presentes circunstâncias, só a ideia de verificar que uma entidade como a CCPJ se julga capaz de analisar conteúdos de um jornal, de desejar fazer essa tarefa, e ainda de ficar a saber que tal é “importante” para atribuir ou não títulos profissionais a jornalistas de um “órgão de informação novo”, causa-me arrepios. Faz-me recuar no tempo, e relembrar um período de má memória.

    Ademais, causa-me ainda mais estranheza, sim, a inacção da CCPJ, e particularmente de V. Exa., em outras matérias graves de cariz deontológico – essas sim que se enquadram nas competências deontológicas e mesmo disciplinares dos jornalistas –, e que se têm vindo a assistir ao longo dos últimos meses na imprensa nacional.

    Mas se a CCPJ se quiser entreter com minudências ao nível de títulos profissionais – ou de conteúdos num “órgão de comunicação novo” por opções saudosistas – sempre pode então indagar porque motivo, por exemplo, o director do órgão de comunicação social que paga o salário de V. Exa. não tem o nome profissional registado como o nome que assina. Tal como sucede, por exemplo, com o director do Polígrafo, por ironia um órgão de comunicação social que se assume como “verificador da verdade”.
    Ou então ainda pode inspeccionar se, por exemplo, o jornalista com carteira profissional número 18 exerce ou não alguma actividade incompatível com o Estatuto do Jornalista, verificando, por exemplo, se ser chairman de uma empresa de media implica ou não a planificação, orientação e execução de estratégias comerciais.

    Ou, no limite, poderá a própria CCPJ – que se arvora do poder de verificar conteúdos de um órgão de comunicação social (presumo que novo ou velho), extravasando as suas competências e até os limites deontológicos – entreter-se a discutir se deve ter como presidente alguém que exerce naturalmente a sua função de jornalista (ainda mais fazendo cobertura de assuntos de política) num órgão de comunicação, onde os jornalistas estão sob sua alçada disciplinar.

    Na verdade, e no limite, a presidente da CCPJ exerce poderes disciplinares sobre ela própria no exercício da sua profissão, que mantém num periódico que, pelo que deduzo, não é alvo de análise do “seu conteúdo”. E até sobre os seus colegas de redacção. No limite dos limites, a presidente da CCPJ, ou seja, V. Exa., exerce a disciplina sobre os seus superiores na redacção, sobre o próprio director da publicação onde continua a trabalhar.

    Parece-me isto muito mais pertinente do que condicionar a atribuição de um título de estagiário ao lançamento concreto, para o público, do PÁGINA UM, que é dirigido, repita-se, por um jornalista profissional.

    Independentemente desta carta – que considero, aliás, uma carta aberta, e de reflexão –, espero que seja tomada uma decisão célere, dentro da lei e das atribuições da CCPJ, no que respeita ao pedido do título de jornalista estagiária à colaboradora do PÁGINA UM.

    Com os mais respeitosos cumprimentos, também como camarada de profissão,

    Pedro Almeida Vieira


  • Negócio dos testes já movimentou pelo menos 1,3 mil milhões de euros em Portugal

    Negócio dos testes já movimentou pelo menos 1,3 mil milhões de euros em Portugal

    Os testes PCR e de antigénio ultrapassaram este mês, pela primeira vez, a fasquia dos 100 mil por dia. Até ao final do ano, a manter-se o ritmo, Portugal atingirá os 18 milhões de testes desde o início da pandemia. Agora sem mãos a medir, as dezenas de laboratórios não se podem queixar: 2021 será um excelente ano. E muito superior ao de 2020. O PÁGINA UM foi “visitar”, como amostra, as demonstrações financeiras do ano passado de duas das principais empresas: Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa S.A. e o Dr. Joaquim Chaves – Laboratório de Análises Clínicas S.A.. Não se saíram nada mal.


    A estratégia de gestão da pandemia assente na massificação de testes PCR e de antigénio estará a resultar num aumento brutal dos lucros dos principais laboratórios de diagnóstico. Numa altura em que o número de testes em Portugal atinge valores próximos de 120 mil por dia – em parte pelo efeito da obrigatoriedade de testagem para acesso a determinados espaços públicos e privados –, o ano de 2021 poderá terminar com mais de 18 milhões de testes PCR e de antigénio processados.

    Este ano, até 3 de Dezembro, a Direcção-Geral da Saúde indica que já se realizaram 15.884.737 testes, dos quais 39% de antigénio – quase o triplo dos de 2020, em que se processaram 5.695.754 testes, quase todos de PCR. Se se considerar um preço unitário (em valores modestos) de 80 euros para os testes PCR e de 10 euros para os testes de antigénio, este mercado já terá movimentado perto de 1.300 milhões de euros. Ignora-se a parte desta colossal verba que foi assumida pelo Estado ou autarquias, sob a forma de comparticipação ou pagamento integral, e nessa medida também se desconhece o montante já despendido pelas famílias e empresas privadas.

    green pink and purple plastic bottles

    O crescimento na testagem em Portugal terá como consequência uma previsível subida substancial dos lucros dos principais laboratórios e também das farmácias, e até de outros estabelecimentos comerciais, que têm visto nos testes um “negócio da China”. Esse impacte nas contas dos laboratórios foi já bastante visível no ano passado, que compensou largamente a quebra de diagnósticos médicos requisitados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS) após o surgimento da pandemia em Portugal há pouco mais de 20 meses.

    Por exemplo, o Centro de Medicina Laboratorial Germano de Sousa S.A. – fundado por este antigo bastonário da Ordem dos Médicos – mais que quadruplicou os seus resultados operacionais em 2020 em relação ao ano anterior, passando de 8,1 milhões de euros para os 31,1 milhões. Em termos de lucro quase tiveram idêntico desempenho: subiram de 6 milhões em 2019 para o 23,2 milhões. Para este extraordinário desempenho bastou à empresa duplicar o valor das vendas e serviços prestados (de 35,7 milhões de euros, em 2019, para 74.4 milhões, em 2020).

    Situação similar, embora inferior em montante absoluto, registou a empresa Dr. Joaquim Chaves S.A., também um dos principais laboratórios de análises e diagnósticos clínicos a nível nacional. No ano de 2019, antes da pandemia, obteve um resultado operacional próximo dos 8 milhões e um lucro líquido de 2,8 milhões. Em 2020, os resultados operacionais atingiram os 16,5 milhões de euros, enquanto os lucros mais do que quadruplicaram em relação ao ano anterior, aproximando-se dos 11.7 milhões de euros.

    Em 2021, os lucros destes e de muitos outros laboratórios serão certamente superiores, tanto mais que o SNS reforçou o pedido de diagnósticos não-covid adiados ao longo do ano anterior por razões de estratégia política do Ministério da Saúde.