Autor: Luís Gomes

  • Roma ou a nova queda de um império

    Roma ou a nova queda de um império


    Em férias, aproveito para ler o livro The failure of the “New Economics”: an analysis of the Keynesian fallacies, de Henry Hazlitt. Como sabem,Keynes foi o “economista” que mais justificou o estado omnipresente e omnipotente do Estado.

    O Estado Social, com um peso na Economia sem precedentes, teve a sua justificação “académica” com Keynes. Obviamente, para os poderes instalados, as suas “receitas económicas” foram como música celestial. A estrada para um poder estatal sem limites estava aberta.

    Para além de um investidor de bolsa fracassado, Keynes era um estatístico que nunca estudou verdadeiramente Economia; só assim se justifica a quantidade de disparates que escreveu ao longo da vida. Apesar disso, o seu livro Teoria geral do emprego, do juro e da moeda, objecto de análise no livro de Henry Hazlitt, foi elevado ao estatuto de fundador da Macroeconomia!

    John Maynard Keynes (1883-1946)

    Para Keynes, o mais importante era o nível de despesa da sociedade: denominado de despesa agregada. Se gasta muito, os produtores são incentivados a produzir mais, empregando, desta forma, mais trabalhadores e promovendo o pleno emprego. Se a despesa total subir demasiado, para além do pleno emprego, ocorre uma subida do nível geral dos preços, i.e., inflação.

    A recessão é o processo ao contrário: a sociedade gasta pouco, os produtores reduzem a produção, gerando desemprego e queda dos preços. Nunca pode haver desemprego com inflação.

    Segundo Keynes, a despesa é uma espécie de acelerador da Economia: se vai a fundo, temos pleno emprego e inflação; se vai a meio gás, fantástico, temos pleno emprego sem inflação; se não se acelera, temos recessão e desemprego. Cabe ao Estado acelerar e desacelerar: é simples!

    As recessões são causadas por quedas abruptas no nível de despesa agregada. Keynes nunca nos explicou as razões por detrás das mesmas, utilizando apenas o esmorecimento dos “animals spirits” como argumento. Ao longo do século XX, e ainda hoje, os seus discípulos continuam a tentar explicar as razões por detrás desse esmorecimento. Até hoje, sem grandes resultados.

    low-angle photography of high rise building

    Sempre que há uma recessão e subida do desemprego, qual a solução? O Governo tem de estimular a despesa agregada. Keynes propôs três soluções: (i) inflação, imprimindo moeda; (ii) subida da despesa pública, com o agravamento do défice orçamental; (iii) e redução de impostos.

    A terceira hipótese nunca foi verdadeiramente considerada por Keynes. A redução de impostos significa mais dinheiro no bolso dos contribuintes; imaginem se decidem poupar esse dinheiro em lugar de o gastar? Sacrilégio, funesto. Poupar é algo terrível, gerador de um cataclismo económico.

    Tais disparates são compreensíveis. Keynes, herdeiro de uma enorme fortuna, nunca trabalhou verdadeiramente na vida; nunca compreendeu, ou não quis, que a poupança é civilização, prosperidade e progresso. Sem poupança, ainda hoje, estaríamos a viver na Idade da Pedra.

    Os factores originais que Deus colocou na terra foram: (i) a força de trabalho dos homens; (ii) e a terra, incluindo os seus recursos naturais, como o petróleo, a água, as árvores de fruto…Nada mais. Um náufrago que tenha conseguido sobreviver a nado para uma ilha deserta encontrar-se-á nesse estado: sem bens de capital. O que são? Não satisfazem directamente uma necessidade humana, mas permitem uma enorme expansão da capacidade produtivas, ou seja, da riqueza.

    Uma cana de pesca não mata a fome, mas ajuda a incrementar a produtividade de quem tenta pescar; com as próprias mãos seria uma tarefa bem mais complicada! Um barco de pesca é igualmente um bem que não satisfaz qualquer necessidade humana, mas incrementa substancialmente a produtividade de um pescador. Ambos são bens de capital.

    pink pig coin bank on brown wooden table

    Para produzir um bem de capital, esse náufrago irá ter de restringir o consumo para se dedicar a construir uma cana de pesca. Se trabalha durante seis horas a recolher frutos para a sua subsistência, tem duas opções para obter um bem de capital: (i) aumenta as horas de trabalho, por exemplo, para oito horas, com o propósito de obter uma maior quantidade de frutos, não consumido uma parte que servirá para o alimentar na construção da cana de pesca; (ii) diminui as horas dedicadas a recolher frutos, aceitando comer menos durante o tempo que demora a construir a cana de pesca.

    Não há milagres. A poupança implica sempre um sacrifício do consumo presente. Não podemos trabalhar mais de 24 horas e os recursos na Natureza são escassos. Para obtermos bens de capital, aquilo que nos irá permitir obter um maior número de bens e serviços por hora de trabalho, necessitamos de poupar.

    A poupança é aplicada a criar bens de capital, aquilo que designamos por investimento, como construir uma cana de pesca. O investimento acarreta riscos, apesar de muitos burocratas terem estabelecido que tal não existia – seguro de depósitos bancários é um bom exemplo.

    Que riscos podem existir no nosso exemplo? A cana de pesca pode não funcionar; alguém que viveu anteriormente na ilha pode ter deixado uma cana de pesca já construída, deitando a perder as horas de trabalho.

    Essa é precisamente a função do empreendedor, utilizar as suas poupanças num negócio, correndo sempre o risco de as perder, mas com a possibilidade de lucros enormes, caso a iniciativa seja um sucesso. Que riscos podem ser? Eis alguns exemplos: a procura que pensava ter pode não aparecer; as preferências do consumidor podem alterar-se, afectando a procura pelos seus produtos.

    person standing near the stairs

    Um trabalhador corre riscos, pois as poupanças do empreendedor são utilizadas para o pagamento do seu salário mensal. Os eventuais lucros ou perdas são sempre imputados ao empreendedor, é assim que deverá funcionar um mercado livre.

    Em conclusão, a teoria keynesiana do “paradoxo da poupança” é, pois, um completo disparate, porque, para esta corrente económica, a poupança agrava uma recessão!

    As outras duas vias para o estímulo da despesa agregada são o aumento da despesa ou a impressão de moeda. Ambas, com um impacto muito negativo a longo prazo, como seguidamente explicarei. Para Keynes tal não importa, pois no “no futuro estaremos todos mortos”.

    Não interessa que a impressão de moeda significa a redistribuição de riqueza a favor de uma casta de privilegiados junto da impressora de notas; isto sem ocorrer a produção adicional de um carro, de um prego, de nada, apenas uma fatia maior do mesmo bolo a favor de uma casta de privilegiados.

    Também não interessa que o aumento da despesa fiscal signifique um agravamento do défice público e, por conseguinte, incremento da dívida pública. No futuro alguém irá pagar a conta com maiores impostos; afinal, estaremos todos mortos!

    Do lado “oposto” a esta corrente económica, temos uma espécie de oposição controlada, fundada por esse paladino do “mercado livre”, Milton Friedman. Esta é designada por escola monetarista ou escola de Chicago.

    Milton Friedman (1912-2006)

    Milton Friedman, esse arauto do “mercado livre”, foi o inventor das retenções na fonte – por exemplo, as retenções de IRS (podemos imaginar a nossa reacção se a conta fosse apresentada de uma única vez!?) – e conselheiro de Richard Nixon, presidente norte-americano que terminou em 1971 com a convertibilidade do Dólar norte-americano em ouro.

    Segundo os monetaristas, o problema do desemprego resolve-se pelo ajuste dos salários. A livre interacção entre a procura e oferta resolve o problema. Desta forma, bastará uma descida dos salários e as empresas voltam a contratar, fazendo desaparecer o desemprego.

    O grande temor dos monetaristas é a descida do nível dos preços: a deflação. Ai Jesus, se tal acontece – tal conclusão, sempre me espanta, dado que beneficia os mais pobres, pois adquirem mais por menos!

    Tal como os Keynesianos, para as monetaristas a despesa agregada não pode cair, dado que provoca deflação. Se tal ocorre, as pessoas irão diferir consumo e acentuar a recessão. Segundo a teoria, o Banco Central tem de aparecer e imprimir dinheiro para que tal não aconteça. O confisco da população, em particular dos mais pobres, é justificado em nome de um benefício colectivo: evitar uma recessão!

    Qual o suporte teórico para tudo isto? No livro Monetary history of the United States, 1867–1960, Milton Friedman e Anna J. Schwartz analisam a História Monetária dos Estados Unidos. Nesse livro de factos estatísticos, com quase 900 páginas, não dedicam uma linha à enorme inflação criada pela Reserva Federal, o Banco Central norte-americano, durante os anos 20 do século transacto.

    U.S. American flags under clear sky

    Depois da Primeira Guerra Mundial, a Inglaterra voltou ao padrão-ouro, tentando regressar ao rácio de conversão pré-guerra, mesma depois de ter impresso Libras Esterlinas sem respaldo por ouro, para financiar a guerra. Desta forma, havia o risco de vários países europeus solicitarem a conversão das Libras Esterlinas em Ouro, nesse momento a moeda reserva do Mundo, colocando a nu a inflação criada pelo Banco de Inglaterra durante a guerra.

    Quem apoiou o Banco Central inglês? O Banco Central norte-americano, imprimindo enormes quantidades de Dólares norte-americanos, para posterior venda por contrapartida de Libras Esterlinas, evitando a sua queda nos mercados internacionais. Apesar do nível geral dos preços nos Estados Unidos não ter subido durante esses anos, a massa monetária criada pela Reserva Federal canalizou-se para o imobiliário e mercado de acções, onde se sentiu a inflação… Onde já vimos isto?

    Milton Friedman nunca nos explicou as razões para a grande depressão que se iniciou em 1929, em particular a impressão massiva de dinheiro e as políticas intervencionistas que agravaram a recessão – impostos sobre o comércio internacional, subsídios, proibição de ajustes salariais e regulação sobre os negócios. Para ele e a co-autora, a Reserva Federal não tinha impresso moeda em quantidades suficientes, deixando esse diabo à solta chamado deflação!

    concrete statues near wall

    No livro também não nos fala da recessão no início da década de 20 do século transacto, que se iniciou com piores indicadores que a Grande Depressão dos anos 30, mas que foi resolvida por redução de despesa e subida de juros (contracção da massa monetária) por parte da Reserva Federal. Nunca as comparou, tornando evidente o erro das políticas económicas – oculta-se quando não interessa.

    Temos agora duas correntes oficiais de teoria económica, ambas suportam intervenções estatais de todo o género, incluindo a impressão massiva de dinheiro em caso de recessão.

    Tais teorias económicas, apesar de serem um falhanço completo, são as únicas hoje ensinadas na maioria das faculdades do Mundo Ocidental. Apenas existem e são possíveis pela existência de dinheiro estatal, que pode ser criado em quantidades infinitas e com custos praticamente nulos – basta o apertar de um botão.

    As intervenções são sempre em nome do interesse colectivo: para “salvar o Euro”, para “evitar uma recessão pandémica”, para evitar a “fragmentação”.

    Quem não se recorda dos falhanços estrondosos destas teorias. Nos anos 70, tínhamos um fenómeno em total contradição com a teoria Keynesiana: inflação e desemprego. Um dos discípulos de Keynes, Paul Samuelson, autor do principal manual de Economia durante décadas desde a Segunda Guerra Mundial, louvava a Economia soviética, mesmo depois do seu colapso no final da década de 80 do século XX.

    close-up photo of assorted coins

    Quem não se recorda do nosso engenheiro das bancarrotas, quando o mandaram gastar sem freio após a crise do subprime em 2008? Sabemos como terminou a experiência Keynesiana: o Estado português esteve em risco de suspender pagamentos caso não aparecesse uma mão salvífica – o empréstimo do FMI e da União Europeia por contrapartida da emissão massiva de dinheiro.

    E a recente inflação, fruto das enormes quantidades impressas de moeda – que irá gerar uma recessão sem precedentes, em nome da necessidade de atingir um objectivo de 2% para a subida do nível geral de preços –, onde já lá vai o objectivo!?

    Em nome de recursos inimagináveis a favor do Estado, por forma a intervir de acordo com as “orientações oficiais” das duas correntes económicas, estamos a destruir a poupança, a fonte da prosperidade e do progresso humano.

    O sistema bancário controlado pelo Estado através do seu Banco Central impõe juros 0% ou mesmo negativos, enquanto a inflação oficial situa-se em torno de 10%. Esta inflação, criada em nome do “bem”, justificada pelas correntes económicas oficiais, apenas é possível porque existe dinheiro estatal, sem quaisquer restrições à sua emissão.

    Temos de voltar a possuir dinheiro sem controlo estatal, onde a taxa de juro seja determinada pela oferta e procura por poupança e que seja escassa, por forma a garantir o seu poder aquisitivo no futuro – uma verdadeira reserva de valor. Para se poupar tem de existir confiança de que essa moeda irá ter um valor estável nos próximos anos, décadas ou mesmo séculos. Caso contrário é uma sociedade que apenas pensa no amanhã e não programa a longo prazo.

    A queda de Roma deveu-se ao deboche dos imperadores – que retiravam o conteúdo de prata ao Denarius ou o ouro ao Áureo criado por Júlio César. Constantinopla sobreviveu mais 1.000 anos, em resultado da reforma monetária do imperador Constantino, que impôs seriedade à cunhagem, não ocorrendo qualquer desvalorização do Soldo durante quase 700 anos. Só assim, as pessoas podem poupar: se confiam na escassez da moeda.

    Com dinheiro estatal tal nunca será possível, por essa razão, o Bitcoin é a alternativa que se irá impor após a crise financeira que se avizinha. É escasso – apenas 21 milhões –, a sua mineração torna-se extremamente cara à medida que nos aproximamos dos 21 milhões, ou seja, não é possível expandir a oferta em resultado da subida do preço, como acontece com outros bens. E, por outro lado, não é controlado pelo Governo, a razão para a desgraça do Ouro, pois quando existem substitutos – notas e depósitos bancários -, torna-se possível a existência de reservas fraccionadas.

    Por fim, outra questão: quase todos os economistas das correntes mainstream detestam o Bitcoin. É um bom sinal!

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Sardenha: não vi o Ricardo Salgado

    Sardenha: não vi o Ricardo Salgado


    Não podia morrer estúpido: na Sardenha, tinha de conhecer Porto Cervo, o local dos famosos, dos multimilionários e do nosso conhecido ex-banqueiro Ricardo Salgado – há uns anos, como sabemos, foi uma espécie de dono do regime.

    No ano passado, a imprensa lusa fez parangonas sobre as férias de Ricardo Salgado, enquanto decorria o seu julgamento. Beneficiou da lei que permitia aos arguidos com mais de 70 anos não marcarem presença em tribunal devido aos riscos associados à putativa pandemia. Por Porto Cervo, segundo fotografias na imprensa, andava ele descontraído, sem máscara e longe dos tais riscos – o “bicho” por lá não aparecia.

    crystal blue water on white sand beach

    Hospedei-me em Olbia, a cerca de 30 quilómetros de Porto Cervo, onde me foi possível encontrar um local para pernoitar a preços acessíveis. Em Porto Cervo, ou nas redondezas, os preços do alojamento são proibitivos. Acima dos 300 euros por quarto em cada noite.

    As estradas na Sardenha são miseráveis; mais se parecem com as estradas de Portugal nos anos 80, onde para percorrer 30 quilómetros se demora 45 minutos. É o oposto da Madeira – com a população a ganhar na sua maioria menos de 1.000 Euros por mês e governada por um tiranete –, onde existem túneis e estradas de luxo para qualquer lugar.

    O empreendimento de Porto Cervo está impecável, vivendas e apartamentos perfeitamente integrados na paisagem, com lojas de luxo em redor de uma marina, onde cada barco parece disputar a primeira posição em tamanho, esplendor e tripulação. Praticamente não se avistam carros de luxo.

    Não vi Ricardo Salgado. Também não vi o café a 10 Euros anunciado pela imprensa mainstream. Também não ouvi ninguém falar português de Portugal, apenas escutei o sotaque do país irmão: o Brasil. Não espanta, hoje aquele país possui uma das comunidades empresariais mais dinâmicas e numerosas do Mundo.

    Em relação à inexistência de portugueses, não há qualquer assombro: em 48 anos de socialismo, o regime encarregou-se de “abater” os empresários, enquanto elevava o peso do Estado na Economia, de 18% para mais de 50%, levando a dívida pública à estratosfera e destruindo o mercado de capitais. As empresas cotadas chegaram a valer 66% do PIB; valem agora menos de 40%, e o mercado está muito dependente de duas cotadas em mãos chinesas.

    Apesar do pesadelo instituído durante dois anos pelo facínora Mario Draghi, a Itália continua a ser uma das nações mais ricas do Mundo. Em Porto Cervo, as lojas de luxo são, na sua maioria, de marcas italianas. Também se vende iates de luxo por encomenda, igualmente de fabrico italiano. Ou seja, continua a existir um capitalismo vibrante, onde a indústria de luxo tem uma enorme preponderância e há capacidade industrial.

    Olho para a Itália, e à distância recordo Portugal. Fomos em tempos uma das nações mais prósperas do planeta; hoje, estamos a caminho de ser a nação mais pobre da Europa. Talvez esteja relacionado com a forma como nos relacionamos com o capitalismo e a riqueza.

    Continuamos a pensar que é fruto do acaso, da sorte, da vigarice e dos contactos certos, em lugar do esforço, da poupança, do risco, da excelência, do trabalho em equipa e da perseverança. Para nos aliviar a abjecção, não espanta o novo-riquismo com estradas e carros de luxo.

    Aparentemente, o único português que pode aparecer em Porto Cervo de Iate e aí alojar-se é um ex-banqueiro acusado de subornar os próceres do regime. Talvez por lá também apareçam figurões desse mesmo regime, com riqueza obtida à mesa do Orçamento do Estado e fruto do confisco dos demais portugueses.

    Mas, confesso, que não os vi; e também não vi Ricardo Salgado. Estará ele e os outros, por certo, em outras paragens paradisíacas.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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  • As missangas do século XXI

    As missangas do século XXI


    De férias, aproveito para ler. Desde sempre, a História e a Teoria do Dinheiro foram temas que me fascinaram. Revejo o livro que mais me marcou a este respeito: The theory of money and credit, do economista Ludwig von Mises, publicado em 1912 em alemão.

    Hoje, a maioria dos estudantes de Economia não compreende o funcionamento do presente sistema monetário, nem tão pouco estudou ou se debruçou sobre o tema. São coisas esotéricas para muitos. Não podemos atribuir-lhes qualquer culpa, pois o ensino dá pouca importância a estas matérias, talvez porque interessa manter a ignorância generalizada.

    man in red and white plaid shirt wearing white scarf

    Eu próprio fui uma vítima deste sistema de ensino: poucas disciplinas tive sobre estes temas no meu tempo de faculdade; mas salvei-me: apesar de tudo, a experiência profissional e a minha curiosidade ajudaram-me a reconhecer a importância do dinheiro no aparecimento de sociedades prósperas e dinâmicas.

    Dentro desta temática, sempre me fascinou um episódio da nossa História: a troca de missangas por ouro e escravos, que os descobridores portugueses realizavam na costa africana. A pergunta que sempre subsistiu na minha cabeça foi a seguinte: qual a razão para uma troca voluntária aparentemente tão desfavorável para os africanos?

    Não devia ser desfavorável. E passo a explicar. As missangas eram pulseiras, podendo ser adaptadas para colares ou braceletes, construídas com pedaços de vidro. Tornaram-se preciosas na África subsariana, porque a tecnologia do vidro era então cara e pouco comum naquela região. Desta forma, tornaram-se dinheiro, ou seja, um meio de troca e uma reserva de valor.

    Os europeus – detentores de tecnologia capaz de produzir vidro em enormes quantidades – foram assim capazes de produzir missangas em enormes quantidades, utilizando-as como meio de pagamento para obter escravos e ouro. Saiu-lhes barato, e acabou por dar cabo das missangas como reserva de valor em África.

    gold and silver round coins

    O colapso do valor das missangas em África, em resultado das enormes quantidades introduzidas pelos europeus, acabou por ser uma tragédia para os proprietários das missangas originais. Os comerciantes europeus, capazes de as produzir em enorme quantidade e a baixo custo, operaram assim uma enorme transferência da riqueza para si.

    Para ser reserva de valor, o dinheiro tem que ser imune à putrefacção, corrosão, e outras formas de deterioração. Por isso, se alguém pensar em acumular riqueza sob a forma de maçãs, peixes ou laranjas, não se dará bem: no futuro, não será capaz de vender estes bens no mercado porque apodreceram ou perderam qualidades com uma eventual congelação – além de que o congelamento teria um custo que depreciaria o valor. Ou seja, devemos utilizar como reserva de valor algo que possua as mesmas características ao longo de anos, ou mesmo séculos, com baixo ou nenhum custo.

    Deste modo, para além de não se poder deteriorar, a reserva de valor exige também que o “dinheiro” seleccionado se mantenha escasso ao longo do tempo. Para tal, é necessário que a emissão do “dinheiro” não aumente de forma drástica ao longo do tempo; caso contrário, o seu valor de mercado irá diminuir drasticamente.

    Ora, as missangas funcionaram bem durante séculos, pois cumpriam os dois critérios: por um lado não eram deterioráveis e, por outro, a sua escassez estava garantida, atendendo à dificuldade em emitir drasticamente novas missangas. Em conclusão: antes da chegada dos europeus, a emissão drástica não era possível.

    Assim, para medirmos a força monetária do dinheiro devemos atender a dois aspectos: (i) o inventário, que consiste em tudo o que foi produzido no passado e deduzido do que foi consumido, e (ii) a produção que irá ocorrer no período temporal seguinte. O rácio entre a quantidade e a produção define a força monetária do dinheiro.

    O ouro transformou-se assim em dinheiro, durante longo tempo, fundamentalmente por possuir uma elevada força monetária, ou seja, a produção de um dado período tem pouco ou nenhum impacto no inventário existente.

    Praticamente todo o ouro extraído da natureza até à data encontra-se na posse de alguém, seja de um particular ou de um Banco Central. Por outro lado, a produção anual de ouro não supera os 2% do inventário, atendendo que a mineração é cara e difícil.

    Diga-se que outros metais não possuem esta força monetária, como, por exemplo, o ferro. Num dado ano, a produção é praticamente consumida, havendo, por conseguinte, pouco inventário; por outro lado, afectando capital e recursos humanos à sua produção, esta pode ser drasticamente incrementada, algo que não acontece com o ouro.

    O sucesso deste metal levou a que Bancos Centrais, governos e bancos centralizassem a sua propriedade. Hoje, estima-se que apenas os Bancos Centrais possam deter mais de 30% do inventário existente.

    grey concrete building

    Tal concentração de propriedade permite a emissão de substitutos, como notas ou cheques, deixando de existir a necessidade de transportar o ouro para realizar o pagamento, bastando a compensação junto do banco, movendo-se a propriedade do mesmo de um cliente para outro.

    Esta capacidade de emitir substitutos permitiu aos governos manipular o inventário do ouro. Para financiar a guerra do Vietname, os Estados Unidos emitiram uma enorme quantidade de notas de dólar sem qualquer respaldo em ouro. E, deste modo, a manipulação do seu inventário levou ao fim do ouro como dinheiro.

    Actualmente, estamos a viver o mesmo drama dos proprietários das missangas. A produção de nova moeda é quase infinita: Euros e Dólares norte-americanos podem ser produzidos com um simples apertador de um botão de computador, praticamente sem quaisquer custos. Isso gera uma transferência de riqueza a favor dos produtores de dinheiro: Bancos Centrais, governos, bancos e apaniguados, em detrimento dos produtores de bens e serviços.

    A força monetária das actuais moedas é mínima, pelo que a sua viabilidade a longo prazo é inexistente. Por outro lado, a alternativa proposta, a moeda digital dos Bancos Centrais mantém o mesmo problema: a sua produção pode ser aumentada drasticamente e sem custos.

    A razão de afirmar, vezes sem conta, que o Bitcoin é uma excelente reserva de valor deriva das suas características, que resolvem os problemas já anteriormente indicados.

    aerial photography of dump trucks

    Primeiro, a sua produção está limitada a 21 milhões de tokens; a emissão é muito cara, pois consome imensa energia, pelo que a produção está fortemente condicionada. Assim, a sua força monetária está assegurada.

    Segundo, a tecnologia em que assenta – o blockchain – elimina por completo a centralização. Cada node pode operar de forma individual e não é possível controlar mais de 50% dos nodes da rede. Em resumo, dispensa uma autoridade central e funciona de forma descentralizada.

    Por fim, ao contrário do ouro – que pode ser manipulado o seu inventário através de substitutos, i.e., o fenómeno das reservas fraccionadas –, o valor de Bitcoins total, e a quem pertence, pode ser auditado com uma simples ligação à Internet, impossibilitando tal prática.

    Isto para concluir, embora seja suspeito por estar nesta área, e mais ainda de férias, que continuo a pensar que a acumulação de riqueza em Bitcoins será altamente compensadora no futuro. Mais do que a moeda fiduciária dos Bancos Centrais, que se transformou nas “missangas do século XXI”.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O socialismo está a vencer…

    O socialismo está a vencer…


    Ao fim de vários anos, decido gozar um período de férias com a minha família. Regressámos ao princípio dos anos 90: metemo-nos num carro e partimos por essa Europa fora.

    Mas, apesar de tudo, os tempos já são outros. Viajar de carro tornou-se um luxo extremo. A gasolina nunca esteve tão cara. Aproximámo-nos dos míticos 500 escudos por litro (2,5 Euros), algo impensável há três décadas.

    Primeira paragem, a cidade onde vivemos quase 10 anos, onde os meus filhos frequentaram o infantário, a primária e parte do secundário: Barcelona.

    Em dois dias, com uma paragem num hotel de estrada à entrada de Madrid, chegámos. Apenas em Portugal nos cobraram portagem. O litro de gasóleo em Espanha, depois de aplicado o desconto de 20 cêntimos, situa-se agora em torno de 1,85 euros. Em Portugal, está em 2,2 euros. Algo que, enfim, não nos devia espantar, pois, como todos sabem, somos sumamente mais ricos que os nossos vizinhos espanhóis. Talvez seja esta a razão para ninguém levantar um dedo em protesto.

    Em Barcelona, estivemos três dias a rever amigos. Apesar de todos os ataques, a sociabilidade com outros seres humanos é das melhores coisas que levamos desta vida. A esta distância, e depois de voltar a viver em Portugal desde 2019, o que mais me surpreendeu foram os empregos das pessoas, algo que nunca tinha dado a devida atenção.

    Na capital da Catalunha, o grande desejo de qualquer pessoa é ter um negócio ou singrar numa grande empresa – sócio de uma grande sociedade de advogados ou de consultoria, sócio de uma auditora internacional… A burguesia catalã sempre me surpreendeu pela sua riqueza, aptidão para os negócios e obsessão com a educação dos seus filhos. Talvez isso explique a enorme diferença com Portugal: com uma população de apenas 7 milhões (70% da nossa), o seu PIB é superior ao de Portugal.

    Sagrada Famiglia cathedral during daytime

    Para minha surpresa, os tempos parecem estar a mudar. Uma das minhas amigas, que tem um negócio de promoções em jornais, é uma grande proprietária de imóveis em Barcelona. Segundo me explicou, durante a putativa pandemia, o governo de Espanha decidiu impor um tecto às rendas praticadas em determinadas áreas da cidade.

    Esta medida foi “vendida” como uma forma de “partir os dentes à especulação desenfreada” – já ouvimos isto algures… nunca compreendi a obsessão pela fixação de preços, pois nunca resultou. Ninguém se pergunta se, por exemplo, a 800 euros existem inquilinos disponíveis; se sim, por que razão o proprietário é obrigado a cobrar apenas 650 euros? Tem de realizar caridade em nome de quem?

    Por outro lado, muitos inquilinos protestam agora contra o possível aumento de 10% ou mais das rendas no final do presente ano, em virtude de uma taxa de inflação em dois dígitos. É sempre surpreendente que nunca se acuse o Governo de ser o principal responsável dessa mesma inflação, vertida directamente da impressora de notas do seu Banco Central. Ao Governo pede-se o confisco puro e simples dos proprietários.

    Parece que Espanha regressa ao Portugal pós-revolucionário, em que os proprietários se viram impossibilitados de aumentar as rendas em linha com a inflação. Qual foi o resultado? Um parque imobiliário completamente decrépito, em particular nas cidades de Lisboa e Porto.

    A ténue liberalização das rendas e o sucesso do alojamento local fizeram reverter parcialmente esta desgraça. Não será por muitos anos: o socialismo, entranhado nos nossos dirigentes, encarregar-se-á de reverter os ventos favoráveis que se registaram neste sector nos últimos anos.

    No barco para a Sardenha, aproveito para dar uma olhada na imprensa nacional e internacional. Nada de novo. O representante máximo da República, que pisa há mais de dois anos a Constituição que jurou defender, decide ir de férias ao Brasil e visitar um candidato pouco recomendável, em lugar de realizar a visita oficial. A imprensa mainstream, como previsível, rejubilou com o mergulho na praia de Copacabana. Parece que foi o melhor momento da visita: o tronco nu, os calções de banho, a pele e o cabelo molhado.

    Leio, também, que vários aeroportos europeus se encontram perto da ruptura: caos, filas e cancelamentos de voos parecem ser a norma em pleno período de férias. É sempre enternecedor verificar que a imprensa mainstream nunca aponta o dedo aos confinamentos a pretexto de um vírus com uma taxa de sobrevivência superior a 99%. A culpa parece ser do SEF, os que matam ucranianos à pancada, e da falta de funcionários.

    Entretanto, os meus olhos passam por um panegírico, num estilo canino, ao ministro das Infra-estruturas, o tal que enterrou mais de 4 mil milhões de euros na bancarroteira nacional. Parece que foi assinado por alguém que se diz jornalista.

    Por fim, a revolta dos agricultores holandeses, em protesto contra o fecho de 30%, ou mesmo mais, de explorações agrícolas decretado pelo Governo holandês. Parece que o objectivo é reduzir as emissões de poluentes, como os óxidos de azoto, em 50% até 2030. O socialismo continua a prosperar: planeadores centrais decidem quanto e quem pode produzir, em nome do combate às alterações climáticas que ainda ninguém provou que seja um fenómeno ou mesmo causado pelo Homem.

    Tal como na revolta dos camionistas no Canadá, noto a total ausência desta revolta na imprensa mainstream, sempre do lado dos facínoras e aspirantes a tiranos.

    Chego a uma conclusão: é melhor nem ler notícias. Fico-me pelos livros.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Lembram-se do Cisne Negro? Cheira que está perto…

    Lembram-se do Cisne Negro? Cheira que está perto…


    Primeiro, era “temporário”:

    • A 27 de Maio de 2021, a Secretária do Tesouro norte-americano e ex-presidente do Banco Central norte-americano, Janel Yellen, afirmava: “Segundo a minha opinião, a recente inflação que estamos a sentir será temporária. É algo não endémico…”;
    • No final de Agosto de 2021, o presidente do Banco Central norte-americano, Jerome Powell, dizia que a recente subida da inflação era um fenómeno transitório;
    • A 28 de Outubro de 2021, a presidente do Banco Central europeu, Christine Lagarde, comentava que “… a recente subida da inflação na zona Euro acima da meta de 2% é temporária e espera que as pressões inflacionistas diminuam no próximo ano”.
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    Depois, de “temporário” passou para “afinal, veio para ficar”:

    • No final de 2021, a Secretária do Tesouro norte-americano e ex-presidente do Banco Central norte-americano, Janel Yellen, alterou o discurso: o processo inflacionário tinha deixado de ser temporário;
    • Em Março de 2022, o presidente do Banco Central norte-americano, Jerome Powell, reconheceu que a inflação era um problema que necessitava de medidas drásticas;
    • No início do presente mês, a secretária do tesouro norte-americano e ex-presidente do Banco Central norte-americano, Janet Yellen, admitia que estava errada acerca da inflação.

    E, por fim, de “afinal, veio para ficar” veio o “pânico”:

    • Na manhã de 15 de Junho, antes da efectivação da subida das taxas de juro pelo Banco Central norte-americano, o Conselho do BCE reunia-se de emergência, anunciando uma nova ferramenta, denominada: “anti-fragmentação”. Traduzindo: o BCE passará a imprimir dinheiro e a comprar obrigações apenas para os estados em apuros;
    • Na tarde de 15 de Junho, o Banco Central norte-americano subiu a sua taxa directora em 0,75% (75 pontos base), a maior subida desde 1994!

    Cheira, portanto, a fim de festa.

    Tal como escrevi em artigo anterior, no passado dia 19 de Abril, a visita de um Cisne Negro poderia ocorrer a qualquer momento. Isto não é uma surpresa. As afirmações dos responsáveis pela situação a que chegámos é a surpresa. Como podia ser uma surpresa?

    O que esperavam do resultado de imprimir dinheiro como se não houvesse amanhã?

    O principal Banco Central do mundo, a Reserva Federal norte-americana, imprimiu 4,75 biliões de Dólares norte-americanos (USD) desde o final de 2019, o equivalente a 22 vezes o Produto Interno Bruto (PIB) português (0,22 biliões de USD) e cerca de 20% do PIB norte-americano (23,5 biliões de USD).

    Ao mesmo tempo, obrigava-se a sociedade a ficar em casa, sem nada produzir, distribuindo cheques e pagando todas as necessidades com dinheiro proveniente da impressora de notas. Anunciava-se então um final feliz: “tudo ia acabar bem”!

    Evolução dos activos totais (em biliões de USD) do balanço da Reserva Federal norte-americana entre o final de 2019 e Junho de 2022. Fonte: St. Louis Fed. Análise do autor.

    Os sinais de fim de festa são agora evidentes.

    No último dia 10 de Junho, para o mês de Maio, a inflação nos Estados Unidos situou-se em 8,6%, um máximo de 40 anos. Na Zona Euro, para o mesmo mês, a inflação foi de 8,1%.

    Entretanto, apesar das minúsculas subidas de juros por parte dos Bancos Centrais, o mercado de dívida pública começa a dar sinais de pânico.

    A rendibilidade implícita das obrigações emitidas pelo Estado Federal norte-americano com maturidade a 10 anos rompeu o máximo de 2018, um pouco acima de 3%. Agora, situa-se em 3,3%, um máximo de 11 anos. Importa notar que esta subida foi muito rápida: em pouco mais de 2 anos subiu de 0,4% para 3,3%.

    Evolução da taxa de juro implícita (%) das obrigações norte-americanas com maturidade a 10 anos negociadas no mercado secundário entre Janeiro de 2008 e Junho de 2022. Fonte: Yahoo Finance. Análise do autor.

    Este é um dos grandes problemas que se depara aos Bancos Centrais: continuar a manipular, no sentido descendente, as taxas de juro pela compra massiva de obrigações com dinheiro de monopólio pode gerar uma inflação sem precedentes.

    Esta subida também afectou os países do sul da Europa, os denominados PIGS (Portugal, Itália, Grécia e Espanha). Agora, assistem à queda do preço das suas obrigações negociadas no mercado secundário, elevando o juro implícito e tornando incomportável o custo de futuras emissões.

    Durante o último dia 14 de Junho, as obrigações gregas e italianas com maturidade a 10 anos chegaram a ser negociadas a 4,7% e 4,2% respectivamente, um máximo de mais de 10 anos.

    Evolução da taxa de juro implícita (%) das obrigações italianas com maturidade a 10 anos negociadas no mercado secundário entre Janeiro de 2008 e Junho de 2022. Fonte: Yahoo Finance. Análise do autor.

    No final de 2021, a Grécia era o país mais endividado da Zona Euro, com um rácio de dívida pública vs. PIB de 193%, seguido da Itália, com 151%, e de Portugal, com 127%.

    A título de exemplo, com um dívida próxima de 300 mil milhões de Euros, em caso de uma subida de 1%, Portugal sofre um acréscimo de 3 mil milhões de Euros de encargos com juros, cerca de 25% do custo do Serviço Nacional de Saúde.

    No caso do Japão, este rácio encontra-se agora em 266%, sendo talvez o maior sinal de alarme do desastre que está a acontecer no mercado de dívida pública. Recordemo-nos que o Japão leva quase oito anos de avanço com este tipo de políticas monetárias, tendo iniciado a compra de activos financeiros por emissão de dinheiro em 2000.

    Em face de uma dívida tão elevada, o Banco Central japonês determinou que o juro implícito das obrigações com maturidade a 10 anos não podia superar, imagine-se, os 0,25%! Hoje é praticamente o único comprador destes títulos de dívida pública.

    Com esta política está a destruir o Iene japonês. Em 2022, cai 13% frente ao USD e encontra-se num mínimo de mais de 20 anos!

    Evolução de Iene japonês (JPY) cotado em Dólares norte-americanos (USD) entre Janeiro de 1998 e Junho de 2022. Fonte: Yahoo Finance. Análise do autor.

    Esta é a situação que irão enfrentar em breve os dois principais Bancos Centrais, o norte-americano (Reserva Federal) e o europeu (BCE): ou combatem a inflação seriamente ou tornam os estados e os bancos comerciais insolventes, destruindo, ao mesmo tempo, a moeda e o poder de compra dos cidadãos – precisamente o que os japoneses agora enfrentam, em que compram do exterior tudo mais caro, em resultado da depreciação do Iene japonês.

    Apesar da nova crise de dívida soberana – capaz de destruir o sistema monetário que surgiu com o final dos acordos de Bretton Woods (1971) –, a imprensa tem-se dedicado a anunciar o “desastre” que se abateu sobre as Criptomoedas. A correcção de mais de 60% do Bitcoin faz notícia todos os dias.

    Parece que perdemos a perspectiva das coisas. Esta loucura monetária iniciou-se no início de 2020, em que a maioria dos activos financeiros subiu à boleia de uma impressão de dinheiro sem limites.

    Medido em USD, entre o final de 2019 e o último dia 15 de Junho, as duas principais Criptomoedas – o Ethereum e o Bitcoin – subiram 851% e 214% respectivamente. Foram seguidas pelo Petróleo, com 89%, e pelo Nasdaq 100, com 33%. Para o mesmo período, o Euro perdeu 7% e o Iene 20%!

    Variação (%) de oito activos financeiros, medidos em Dólares norte-americanos, entre finais de 2019 e 15 de Janeiro de 2022. Fonte: Yahoo Finance. Análise do autor.

    É assim alguma surpresa que as Criptomoedas sejam os activos financeiros que mais corrigem?

    Continuo a prever que em caso de descontrolo do mercado de dívida pública norte-americana – isto é, caso ocorra uma subida vertiginosa da taxa de juro implícita (maturidade a 10 anos), por exemplo, de 4,3% para 5% em poucas sessões –, os mercados de acções e de obrigações poderão sofrer um autêntico cataclismo. Algo a que nunca assistimos.

    Como é óbvio para todos, o dinheiro não desaparece. Quando começar a sair dos mercados de dívida e de acções, em caso de pânico, os investidores vão dar-se conta que o Bitcoin é a verdadeira reserva de valor, pois não tem risco de contraparte.

    Na verdade, quando alguém tem um Bitcoin numa carteira digital, este activo é seu, não depende da solvência de nenhuma entidade, seja um banco comercial, um Banco Central ou um estado. Quando o pânico se instalar, podemos assistir a subidas vertiginosas no mercado de Criptomoedas e de Matérias-Primas, o refúgio do dinheiro em fuga.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Economia: um mundo ao contrário

    Economia: um mundo ao contrário


    Vivemos num mundo de contradições: a Educação é universal, as sociedades nunca estiveram tão bem preparadas, o Ensino Superior “democratizou-se”, mas, no entanto, as falácias e os sofismas prosperam.

    A desinformação sobre temas económicos e de mercados financeiros nunca foi tão gritante. Aos nossos olhos, uma elite de banqueiros centrais, burocratas e políticos vendem, todos os dias, patranhas sem qualquer contraditório. A sociedade acredita acriticamente em tudo o que lhe dizem, como se fossem dogmas; eles são os novos presbíteros que nos conduzem à salvação.

    Os bancos deixaram de ser bancos. Em lugar de entidades que procuram atrair as nossas poupanças, protegendo ao mesmo tempo a nossa privacidade, são agora gigantescas máquinas de burocratas, directamente ligadas à autoridade tributária. A maioria das suas receitas provém da especulação com títulos de dívida dos Governos, em lugar da tradicional intermediação financeira.

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    Enquanto isso, dizem eles, por exemplo, que as Criptomoedas apenas servem para lavar dinheiro e consomem muita energia. Mas “esquecem”, ao mesmo tempo, de esclarecer que, afinal, com as Criptomoedas todas as transacções são rastreáveis – ao contrário do dinheiro físico – e que o consumo de energia é essencial para um processo de mineração sério, em lugar de um simples apertar do “botão”, que é como os bancos centrais produzem dinheiro.

    Recordemos o charlatão Alves dos Reis, que imprimia notas iguais às do Banco de Portugal, tendo levado, durante algum tempo, uma vida de luxo em Lisboa. Após ter sido descoberto, foi condenado a 20 anos de prisão, dos quais 12 em degredo.

    Contudo, agora, os bancos centrais imprimem moeda sem limites – como se viu, em particular, nos anos de 2020 e 2021 –, algo não possível com o Bitcoin. Mas a “culpa” da inflação, dizem, é da guerra na Ucrânia.

    Dizem-nos também que estão a combater a inflação com juros próximos de 0% e subidas de 0,5%. E com isto, enfim, a inflação já se aproxima dos dois dígitos – ou está mesmo acima em alguns países da União Europeia. Em paralelo, diabolizam as StableCoins – exigindo que sejam ainda mais reguladas –, quando se sabe que estas são usadas em projectos DeFi (finanças descentralizadas) remunerando acima da taxa de inflação.

    Evolução da taxa de inflação (%) na Zona Euro entre Junho de 2021 e Maio de 2022. Fonte: Trading Economics.

    Há dois anos, os “peritos económicos” informavam-nos que a deflação era algo diabólico, trágico mesmo.

    Que argumentos eram utilizados para tal conclusão? As pessoas, quando tal acontece, atrasam o seu consumo, esperando por preços se tornem ainda mais baixos no futuro. Caso tal aconteça, a contracção económica está ao virar da esquina. Funestíssimo! A razão para a loucura monetária que estamos a viver.

    Há muitos anos, quando os computadores não paravam de descer de preço, algum consumidor foi tentado a não comprar algo que necessitava de imediato? Alguém no seu perfeito juízo deixa de comprar um bem ou um serviço porque agora custa 100 e daqui a um ano 95?

    Não será isto, afinal, beneficiar os pobres e desfavorecidos, pois o poder aquisitivo da moeda que têm no bolso incrementa? Não é a subida da produtividade, fruto da acumulação e inovação capitalista, que pode fazer resultar em preços mais baixos para todos? Verdades que desapareceram!

    Na Constituição Portuguesa diz-se também que “a todos é garantido o direito à propriedade privada e à sua transmissão em vida ou por morte”. Isto é verdade?

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    Vejamos. Os bancos podem utilizar de forma impune o sistema de reservas fraccionadas – ou seja, concedem crédito a particulares e empresas a partir da emissão de moeda a partir do “nada”, diminuindo, desta forma, o poder aquisitivo do dinheiro que temos no bolso.

    Isto é uma óbvia agressão à propriedade privada.

    Não obstante, esta prática está perfeitamente legalizada e é responsável pelas crises financeiras que atravessamos, cada vez mais acentuadas.

    Segundo consta, o fenómeno da inflação resulta da evolução de um índice de preços definido por uma agência governamental:

    Será mesmo assim? Não deveria ser a evolução da massa monetária?

    Se imaginássemos que o Alves dos Reis, com as suas fantásticas notas falsas, decidia comprar maçãs no mercado de Lisboa sem qualquer preocupação em relação preço, o que iria acontecer? Correcto: o preço subia!

    Os vendedores sabiam que Alves dos Reis as compraria mesmo que subissem o preço. E com isto levava que a propriedade privada das outras pessoas fosse afectada, atendendo que, com a mesma quantidade de dinheiro, passariam a comprar cada vez menos maçãs.

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    Na prática, é isto o que está a acontecer com toda a massa monetária emitida nos últimos dois anos pelos Bancos Centrais. Já todos repararam, certamente, na subida do custo de vida dos últimos dois anos: comida, preços das casas. E até nos activos financeiros – excepto as acções dos bancos –, incluindo as Criptomoedas, subiram expressivamente e sem cessar.

    Não será isso uma “prova” de que massa monetária, emitida do ar, “correu” para esses bens, provocando subidas exponenciais do seu preço?

    A título ilustrativo, o Ethereum subiu 1.349% e o Bitcoin 340%. Qualquer cidadão se apercebe que os preços sobem, de forma inexorável com o aumento da massa monetária; mas, todavia, segundo a versão oficial, a inflação é algo temporário e desaparecerá em breve.

    Sabemos ser um consenso que consumir agora é preferível a consumir no futuro. Mas conceder um crédito significa que alguém realiza um sacrifício no presente para consumir no futuro; e por isso exige um preço, por exemplo, de 5% ao ano. Porém, agora só o podem fazer no mundo das Criptomoedas, através de projectos DeFi.

    Variação (%) do preço (em euros) das principais Criptomoedas e das das acções de bancos entre o final de 2019 e 8 de Junho de 2022. Fonte: Yahoo Finance. Análise do autor.

    Porque na Economia dos Bancos Centrais temos taxas de juro reais negativas – que significa taxas de juro nos bancos inferiores à inflação –, e este é um fenómeno de mercado que veio para ficar, uma nova verdade.

    Ora, não será evidente que esta situação resulta da compra de títulos de dívida, a partir de moeda emitida do “ar”, provocando a descida da rendibilidade desses títulos, inclusive para um valor negativo?

    Mas isto também se passa, em certa medida, com a Segurança Social. Em breve explicarei como…

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A Senhora Lagarde, o Zimbabué, a inflação e o Banco Central Europeu

    A Senhora Lagarde, o Zimbabué, a inflação e o Banco Central Europeu


    Recentemente, ficámos a conhecer a taxa de inflação para o mês de Maio de 2022 na Zona Euro: 8,1%; um máximo de muitas décadas! Em Portugal situou-se nos 8,0%, um máximo desde 1993, quase três décadas depois.

    A imprensa já noticia isto com a maior das naturalidades, sem mais; há uns meses seriam as rupturas das cadeias de abastecimento, há umas semanas a guerra na Ucrânia. Indagar as razões de tal evolução não parece ser a vontade da imprensa mainstream. As dezenas de casos da varíola dos macacos parece ser agora mais importante que os 8,0% que perdemos todos os anos nas nossas poupanças aplicadas nos bancos, onde o juro é literalmente de 0,0%.  

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    Enquanto isto acontece, a principal instituição responsável por esta situação, o Banco Central Europeu (BCE), parece estar imune a qualquer crítica ou reparo. Aliás, a sua presidente, Christine Lagarde, parece apenas estar preocupada em “atacar” as Criptomoedas, como se viu numa entrevista a um canal holandês.

    Apesar de tudo, tiveram coragem de a questionar sobre o crescimento do balanço do BCE, em particular de 4 biliões de Euros (atenção: são 12 zeros) desde o início de 2020. Respondeu ela, candidamente, que “teve de ser”, caso contrário, teríamos assistido a uma autêntica catástrofe financeira, uma recessão económica nunca vista!

    A protérvia não tem limites: não se conhece nenhuma Economia ocidental que não tenha colocado as impressoras de notas a funcionar a toda a velocidade durante 2020 e 2021, mas a Senhora Lagarde conhecia e conhece as consequências de um cenário alternativo ao adoptado – “teria sido muito pior”, informa-nos!

    Evolução do balanço do Banco Central Europeu (em biliões de Euros) entre 1999 e 2022. Fonte: FRED Economic Data (análise do autor)

    Na verdade, ao contrário do que a Senhora Lagarde imagina, já podemos tirar conclusões da sua política monetária: há mais de quatro décadas que não assistíamos a uma inflação tão elevada.

    Não foi a guerra na Ucrânia, Senhora Lagarde: foi a impressora do BCE, por si presidido, que provocou uma enorme subida dos preços.

    A população com rendimentos fixos, a mais pobre, enfrenta agora enormes subidas de preços quando se dirige a um supermercado, abastece o carro, ou recebe as contas de luz e gás em sua casa.

    Não é por causa da guerra da Ucrânia, como tenta impingir.

    Senão vejamos, o que aconteceu, entre o final de 2019 e o final de Fevereiro de 2022 com algumas matérias-primas. Ou seja, antes da invasão da Rússia à Ucrânia. Chegaram a subir mais de 200%, no caso da Madeira; o Gás Natural subiu 101%, o Petróleo encareceu 57%. Os cereais também registaram fortes subidas: a Aveia cresceu 139%, o Milho 80% e o Trigo 66%.

    Evolução (%) do preço das principais matérias-primas entre finais de 2019 e Fevereiro de 2022. Yahoo Finance (contratos de futuros).

    A impressora da Senhora Lagarde, ao contrário dos anos anteriores a 2020, não só afectou os activos financeiros, mas também os bens de consumo da generalidade da população, que vê o seu poder de compra confiscado pela tal suposta política salvífica do BCE.

    E como a Senhora Lagarde e o BCE causaram a inflação?

    Bem, é um processo de complexidade muito mais elevada que o utilizado pelo Zimbabué, onde há uns anos Robert Mugabe pagava religiosamente aos funcionários públicos, simplesmente ordenando que o seu banco central imprimisse notas, e com estas pagava os salários. Seguidamente, os funcionários públicos saíam à rua e desatavam a comprar, gerando a subida de preços, pois os vendedores sabiam que notas não faltavam! Os preços subiam e os funcionários públicos berravam então por mais. Solução para isto? Colocava-se a rotativa a funcionar com mais velocidade, e formou-se um círculo vicioso que terminou em hiperinflação.

    Aqui, na civilizada Europa, o método é muito mais sofisticado, ao abrigo de um qualquer programa de estímulos e em nome de um bem-comum. De forma simplista, eis como funciona:

    • Um Governo necessita de dinheiro; para isso, emite obrigações ou títulos de dívida;
    • Para se realizarem propostas de compra por essas obrigações, o Estado organiza um leilão, onde apenas os bancos comerciais podem participar;
    • Vamos imaginar que após a realização do leilão, apura-se um preço de 100 Euros por obrigação, com um cupão anual (juros) de 10 euros, ou seja, um juro implícito de 10% (10 ÷ 100);
    • Para procederem à compra das obrigações, os bancos solicitam um empréstimo ao BCE, e vamos imaginar que é de 1.000 Euros e que foram vendidas 10 obrigações;
    • Seguidamente, ao abrigo de um programa de estímulos, o BCE decide comprar essas obrigações aos bancos no mercado secundário; ou seja, por essa razão os bancos comerciais compram toda a dívida pública, pois já que sabem que, no futuro, existe um comprador com notas de monopólio disposto a comprar tudo – é garantido, e nunca falha;
    • O BCE emite “dinheiro do ar”, ou seja, credita reservas aos bancos comerciais e adquire essas obrigações, obviamente com lucro para os bancos. Vamos imaginar que as compra por 200 Euros – não nos podemos esquecer que para a Senhora Lagarde dinheiro não lhe custa e nunca é um problema; desta forma, o juro implícito passa a ser 5% (5÷200). Por isso, nos últimos anos as taxas de financiamento do Estado português não pararam de descer, era “o milagre dos mercados”. Os bancos podem assim amortizar a dívida e embolsar 1000 Euros;
    • Com as obrigações no seu balanço, o BCE distribui essas obrigações pelas suas filiais, por exemplo, as obrigações emitidas pelo Estado português vão parar à sua filial em Portugal, o Banco de Portugal; assim, no momento de pagar o cupão da obrigação – os juros -, é pago ao Banco de Portugal pelo Estado português, constituindo uma receita para o Banco de Portugal;
    • No final, o Banco de Portugal, depois de abatidas as suas despesas, distribui lucros ao Estado português e paga impostos sobre esses lucros. Coisa fantástica! É uma espécie de alquimia financeira, onde a inflação gerada pelo BCE roda a favor de bancos e Estado. Depois, o “patinho feio” da história é a plebe, que tem de suportar preços mais elevados.
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    Naquela entrevista, não estranhemos que a Senhora Lagarde nunca tenha comentado o enorme esquema em pirâmide que é hoje o BCE.

    Vamos analisar a sua situação financeira. No final de 2021, as contas do BCE informavam-nos do seguinte:

    • Activos totais: 8,6 biliões de Euros (atenção: 12 zeros), dos quais 4,9 biliões, investidos em activos financeiros – isto é, obrigações dos diferentes Estados da Zona Euro –, e 2,2 biliões em empréstimos aos bancos comerciais da zona Euro;
    • Capitais próprios: 0,109 biliões de Euros, ou seja, apenas 1,3% dos activos totais.

    Para simplificar a coisa: seria o mesmo que o leitor constituísse uma empresa com 1.300 Euros do seu capital (dinheiro) e pedisse ao banco 98.700 euros. Com os 100.000 euros decide comprar uma loja de rua. Esta é a situação do BCE: o capital representa apenas 1,3% dos activos. Estamos perante uma alavancagem financeira de 78 vezes (100÷1,3), algo que um investidor particular, através de CFDs – um produto financeiro regulado –, está proibido de fazer pela ESMA, o regulador europeu dos valores mobiliários.

    E isto por uma razão muito simples: se os prejuízos forem de 2%, as perdas para os accionistas serão de 156% (78 vezes os 2%).

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    Voltando ao nosso exemplo: se a loja de rua desvalorizar 2%, passando a valer 98.000 Euros, significa que a perda para o accionista é de 156%, aproximadamente. Isto porque perdeu os 1.300 Euros do seu capital inicial, e ainda mais 700 Euros. Além disso, a sociedade está falida, pois a loja não permite pagar as dívidas: 98 000 < 98 700!

    É esta a instituição, o BCE, que se arroga de afirmar o seguinte: “O dia em que tivermos a moeda digital do Banco Central, um euro digital, garanto que o Banco Central estará por trás dela e penso que será muito diferente“. Julgamos que a diferença é em relação às Criptomoedas. A segurança do tal Euro Digital assenta em dívida pública de Estados falidos, o tal activo subjacente de que Christine Lagarde nos fala.

    E ainda teve tempo a Senhora Lagarde para o “chavão” do risco das Criptomoedas, porque supostamente as pessoas “não percebem os riscos” do investimento. Bastaria à Senhora Lagarde percorrer as páginas web de corretoras de valores devidamente autorizadas, onde são comercializados produtos de risco, como os CFDs, onde aparece o seguinte aviso: “82% das contas de investidores não profissionais perdem dinheiro quando negoceiam CFD com este distribuidor”.

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    Apesar destas corretoras realizarem milhares de perguntas e testes aos seus clientes, de os avisarem de uma panóplia de riscos, temos estes resultados com produtos regulados. Mas depois, a Senhora Lagarde diz que o problema são as Criptomoedas e que estas “devem ser reguladas”.

    Enfim, continuamos a ser tratados pela Senhora Lagarde como criancinhas, incapazes de compreender o risco associado às Criptomoedas [obviamente que estas são altamente voláteis, devendo apenas investir-se o dinheiro que se pode perder, uma pequena fracção do património financeiro de cada um.]

    Por fim, a pérola da entrevista: o seu filho investe em Criptomoedas, não seguindo o seu conselho. Talvez seja uma pessoa sensata. Se o fez há uns anos, conseguiu preservar o seu poder aquisitivo, ao contrário das pessoas que deixaram o seu dinheiro no banco a ser confiscado pela inflação criada pela Senhora Lagarde e a sua “rica” regulação.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Guerra da Ucrânia: pode estar aqui o fim do dólar americano?

    Guerra da Ucrânia: pode estar aqui o fim do dólar americano?


    Em meados de Março, depois de uma série de sanções, a Rússia anunciou que os “países inimigos” – leia-se, as empresas dos “países inimigos” – seriam obrigados a pagar as suas importações em Rublos ou Ouro, com o rácio fixo de 5.000 Rublos por uma grama de Ouro. Isso aplicava-se, por exemplo, às grandes quantidades de gás e petróleo que todos os dias continuam a sair daquele país para toda a Europa.

    Ou seja, os russos “decretaram” que Dólares norte-americanos (USD) ou Euros (EUR), mesmo se fossem as moedas nos contratos, deixavam de ser aceites.

    Esta “exigência”, no contexto da Guerra na Ucrânia, advém da escalada de sanções mútuas, que incluiu o “congelamento” pelos Estados Unidos de cerca de 300 mil milhões de dólares em activos russos em ouro e várias moedas. Os países da União Europeia fizeram o mesmo, suspendendo o acesso a 35 mil milhões de euros de activos russos, com a França a encabeçar a lista (23,5 mil milhões de euros).

    Os efeitos colaterais destas medidas, pouco faladas, é a crise de confiança que introduziu nos mercados financeiros. O facto de os Estados Unidos, ou os países da União Europeia, poderem usar o poder político para condicionar o sistema financeiro dos circunstanciais inimigos em tempo de guerra não augura nada de bom para os tempos de paz. A desconfiança não costuma ser boa para a estabilidade dos mercados.  

    Muitos analistas começam mesmo a anunciar uma mudança de paradigma que poderá representar o início do fim do USD como a moeda reserva do Mundo.

    Não será o fim do Mundo, nem algo inimaginável, nem sequer inédito.

    Na verdade, a moeda dos Estados Unidos só beneficia do estatuto de “moeda reserva do Mundo” desde a II Guerra Mundial, tendo sido precedidos pelas moedas de cinco países: Inglaterra, França, Holanda, Espanha e… Portugal.

    A duração média do domínio desses países, ao longo dos séculos, foi de apenas 100 anos. E o domínio do USD dura há aproximadamente 80 anos.

    Moedas reservas do Mundo desde o século XV. Fonte: BTCM Research (análise do autor)

    Para se tornar moeda reserva do Mundo, um dado país tem que ter um papel determinante no comércio internacional para que, desta forma, a maioria dos países eleja essa divisa para realizar pagamentos internacionais.  

    Vejamos o caso, por exemplo, de uma empresa angolana nos tempos que correm. Terá ela todo o interesse em receber em USD para as exportações que realiza. E porquê? Porque sabe que nos meses seguintes, ou mesmo anos, poderá sempre usar esses USD para realizar compras, porque serão aceites em qualquer lado e em qualquer circunstância. O USD é assim uma moeda de confiança, para além do seu valor intrínseco.

    Nem sempre foi assim.

    Durante séculos e séculos, o estatuto de dinheiro da Humanidade esteve sempre associado ao Ouro. Qualquer comerciante ou homem de negócios, independentemente da sua naturalidade ou residência, podia realizar ou receber pagamentos em Ouro, dado que qualquer entidade ou pessoa o aceitava como meio de pagamento.

    No princípio, para além do peso no comércio internacional, a diferença para um país emitir uma moeda reserva do Mundo, também tinha de dispor de uma cunhagem confiável e quantidades de metal precioso assinaláveis.  

    Um país que respeitasse a quantidade de metal precioso nas moedas por si cunhadas obtinha assim maior procura pela sua moeda.

    Este foi o caso do Soldo – Numisma, em grego, daí numismática –, uma moeda com 4,5 gramas de Ouro, emitida pelo Império Bizantino durante séculos, e utilizada na maioria das trocas comerciais do Mediterrâneo. Nunca sofreu qualquer desvalorização durante mais de 600 anos, desde a sua introdução no ano de 312, desde o reinado do imperador romano Constantino I até ao reinado do imperador bizantino Nicéforo II Focas (963–969).

    gold and silver round coins

    O caso português apresentou características semelhantes: o nosso país controlou, durante a segunda metade do século XV e uma parte do século XVI, o comércio das especiarias – a matéria-prima de maior valor naquele período – e dispunha de quantidades de Ouro importantes para cunhagem, proveniente de São Jorge da Mina, actual Gana.

    No caso dos Estados Unidos, o seu domínio veio da II Guerra Mundial, quando registavam com 21.770 toneladas de reservas de Ouro, o equivalente hoje a 1,32 biliões de USD – aproximadamente 6% do PIB deste país –  e possuíam a maior capacidade produtiva do Mundo, provada durante o conflito: construiu 141 porta-aviões (de todos os tipos), 203 submarinos, 62 mil bombardeiros, 88 mil tanques e quatro bombas atómicas.

    Assim, em 1945, o USD substituiu a Libra Esterlina do Reino Unido como moeda reserva do Mundo.

    Para selar este estatuto, foram estabelecidos os acordos de Bretton Woods: o USD tornou-se a única moeda convertível em Ouro, com o seguinte rácio: 35 USD por uma onça de ouro (31,103 gramas), ou seja, 1,13 USD por um grama de Ouro.

    Com o envolvimento dos Estados em vários conflitos militares, em particular no Vietname, de imediato o seu Governo iniciou a impressão de moeda sem qualquer respaldo em Ouro.

    Por outro lado, os défices comerciais da Economia norte-americana durante os anos 60 do século passado também provocaram a erosão expressiva das suas reservas de Ouro. Em 1971, já eram inferiores a 10 mil toneladas, uma queda superior a 50% desde o final da II Guerra Mundial.

    Em 1971, Nixon terminou então com a convertibilidade do USD em Ouro. Para salvar a sua moeda, convenceu os dirigentes da Arábia Saudita, o maior produtor de Petróleo de então, a cotar os barris de crude apenas em USD. Em troca, os sauditas obtiveram a protecção do exército norte-americano.

    Foi assim criado o mercado dos Petrodólares, em que todos os negócios do Ouro Negro passaram a ser realizados em USD. Sabemos o destino de Saddam Hussein e de Gaddafi por terem desafiado este monopólio.

    Com os acordos de Bretton Woods, em 1971, qual foi a evolução do USD face ao Ouro? Ora, perdeu aproximadamente 98% do seu valor.

    Evolução do preço de uma onça (31,1 gramas) de Ouro entre 1950 e 2022 em USD (escala invertida). Fonte: Yahoo Finance (análise do autor).

    Fica, por tudo isto, evidente que este monopólio monetário, desfrutado pelos Estados Unidos, é agora artificial e está a permitir vários abusos.

    O primeiro refere-se aos défices comerciais. Se um determinado país regista importações superiores a exportações, como é o caso dos Estados Unidos, significa que as vendas de USD são superiores às compras de USD no mercado de divisas. Ou seja, ocorre uma pressão vendedora. Vamos utilizar um exemplo para ilustrá-lo melhor:

    • Quando um importador norte-americano adquire bens à China, vende por exemplo 2.000 USD e compra bens chineses no valor de 2.000 USD; o exportador chinês vende os Dólares (USD) ao seu Banco Central e compra Iuanes (CHY);
    • Quando um exportador norte-americano vende bens à China, recebe por exemplo 1.000 USD e vende os bens norte-americanos no valor de 1.000 USD; para pagar ao exportador norte-americano, o importador chinês compra Dólares (USD) e vende Iuanes (CHY);
    • Se a pressão vendedora (2.000 USD) supera a pressão compradora (1.000 USD), o USD tende a depreciar-se nos mercados internacionais.

    Ou seja, um défice comercial para um dado país, por regra, coloca pressão vendedora no mercado para a sua moeda. No entanto, este não é o caso do USD, dada esta ser a divisa reserva do Mundo.

    assorted banknotes

    Isso explica a “despreocupação” dos Estados Unidos com o maior défice da sua balança comercial de sempre, que ocorreu em 2021: 859,1 mil milhões de USDs; e com o maior défice comercial para apenas um mês (109,8 mil milhões de USD), que ocorreu no passado mês de Março.

    Esta pressão vendedora de USD não ocorre, porque, na verdade, os grandes países exportadores para os Estados Unidos não convertem os USD que recebem para a sua divisa. Ao receberem os USD dos importadores norte-americanos, através do seu Banco Central, aplicam-nos em instrumentos financeiros denominados em USD, como obrigações do tesouro norte-americano (financiando os défices públicos) ou acções de empresas cotadas em bolsa – como é caso do Banco Central Suíço, um dos maiores accionistas da Apple. Ou seja, nestes casos não há pressão vendedora de USD.

    Por outro lado, muitos destes países exportadores também optam por acumular os USD das suas exportações junto do seu Banco Central, pois consideram-nos reservas, dada a sua enorme liquidez no mercado – todos o aceitam.

    Por exemplo, países como o Brasil, quando exportam soja para os Estados Unidos, recebem USD; e, em lugar de os vender no mercado, deixam-nos à guarda do seu Banco Central sem colocar pressão vendedora no mercado.

    Na sua óptica, caso a sua divisa seja atacada em crises financeiras, como acontece com a Argentina muitas vezes, o seu Banco Central desata a vender USD – utilizando as referidas reservas – e a comprar Pesos argentinos no mercado, apreciando, desta forma, a sua divisa ou evitando a sua queda abrupta nos mercados.

    Quando existem crises financeiras, como a de 2008, atendendo que a maioria dos instrumentos financeiros negociados em bolsa estão denominados em USD (matérias primas, como Petróleo), conduzem à inevitável liquidação, ou seja, a uma venda a qualquer preço, visando obter liquidez.

    silver round pendant on white and red textile

    Consiste isto na venda desse instrumento e na compra de USD, colocando, mais uma vez, pressão compradora sobre a divisa norte-americana. Ou seja, quando ocorrem quedas nas cotações na maioria dos activos financeiros, os investidores fogem para os “braços” do USD.

    A maioria dos países do dito Terceiro Mundo emite dívida denominada em USD, atendendo que os seus mercados nacionais não possuem poupanças e liquidez para satisfazer a sua oferta de obrigações. Assim, no momento em que emitem empréstimos em USD, não os convertem na sua divisa local, realizando pagamentos internacionais com esses USD.

    No futuro, quando ocorre o pagamento de capital e juros, estes países convertem a sua moeda local em USD, ou seja, vendem a divisa local e compram USD para poder pagar aos credores internacionais – apenas aceitam receber em USD. Atendendo que a dívida é crescente, existirá sempre procura por USD nos mercados para proceder a estes pagamentos.

    O último abuso – e talvez o mais importante no período que vivemos –, resulta da dimensão dos seus mercados de capitais. Muitos investidores internacionais procuram elevadas rendibilidades, num contexto de taxas de juro 0%, comprando todo o tipo de instrumentos financeiros (acções, obrigações, ETFs, matérias-primas, derivados, etc.), apenas nos mercados norte-americanos, que proporcionam estas oportunidades de investimento. Para tal investimento, os investidores internacionais são obrigados a vender a sua divisa e a adquirir USD para negociarem nessas bolsas de valores.

    Estas são as principais razões para que o USD não se afunde nos mercados. A sua situação de moeda reserva do Mundo tem mantido os norte-americanos com um nível de vida que não corresponde à sua produção.

    O conflito na Ucrânia parece voltar a confirmar esta teoria. Em crises, os investidores correm para a moeda reserva do Mundo, vendendo activos financeiros e convertendo-os em USD. Todas as principais moedas do mundo ocidental perderam valor frente ao Rublo desde o início do ano, mas, no entanto, o USD foi o que menos perdeu: “apenas” 14%, que confronta com uma queda de 20% no caso do EUR.

    Apetece, aliás, perguntar: afinal as sanções foram para a Rússia ou para nós?!

    Evolução do preço das principais divisas mundiais entre o final de 2021 e 4 de Maio de 2022 face ao Rublo. Fonte: Yahoo Finance (análise do autor)

    Um aspecto crucial na Guerra da Ucrânia está a suceder, aliás. No passado, o lançamento de sanções sobre um dado país, regra geral, levava à ruína da sua divisa.

    Isso não parece estar a acontecer com o Rublo russo.

    No início do conflito, o USD frente ao Rublo valorizou-se consideravelmente, tendo chegado a atingir os 139 Rublos por 1 USD; mas desde então, o USD caiu mais de 50% frente ao Rublo, tendo cotado na passada quinta-feira no mínimo do ano, em torno de 64 Rublos por 1 USD.

    Mas este modelo ocidental, dominado pelos Estados Unidos, em que um dado país paga as suas contas com a “impressora”, parece estar a chegar ao fim, pois a Rússia e a China – ambos grandes exportadores, a primeira de matérias-primas, o segundo de bens de consumo – já não parecem aceitar o USD como moeda reserva do Mundo.

    Por um lado, não estão já interessados em acumular USD – veja-se o caso da Rússia, que vendeu todas as obrigações emitidas pelo tesouro norte-americano. Por outro, a China deixou de incrementar substancialmente as suas reservas de USD.  

    Em conclusão, parece já não ser possível aos Estados Unidos “exportarem” a sua inflação para a China.

    Esta dura nova realidade terá agora de ser enfrentada por consumidores norte-americanos e europeus. Em Março último, a inflação situou-se em 8,5% nos Estados Unidos, um máximo desde o início dos anos 80 do século passado.

    Fica assim claro que uma nova moeda reserva do Mundo terá que emergir desta crise.

    Evolução do USD medido em Rublos entre o final de 2021 e 4 de Maio de 2022. Fonte: Yahoo Finance (análise do autor).

    Julgo que três cenários podem colocar-se:

    • A emergência do Bitcoin como moeda reserva do Mundo (já irei explicar as razões);
    • A emergência de uma moeda respaldada por Ouro ou uma combinação de matérias-primas relevantes para a Economia mundial;
    • A emergência do Iuane chinês como moeda reserva do Mundo, substituindo o USD.

    No caso da segunda e terceira opções, estas estariam sempre sujeitas aos “caprichos” e corrupção dos humanos: o imperialismo, os gastos sem fim, as guerras, os défices, provocariam, certamente, a sua queda – por essa razão, o estatuto de moeda reserva durou em média 100 anos. Existe sempre a tentação de abusar da emissão para financiar gastos através da inflação.

    Esse não é o caso do Bitcoin.

    A emissão em circulação de Bitcoin não depende de nenhum Governo, estando limitada a 21 milhões de tokens em termos absolutos – foi assim que se concebeu, por algoritmo, como oposição ao regabofe dos bancos centrais que imprimem sem limite. Por outro lado, o blockchain está hoje preparado para processar milhões de transferências em curtos espaços de tempo; a rede funciona 24 horas sobre 24 horas, e pode ser acessível a qualquer pessoa ou entidade a todo o tempo, algo impossível nas redes que suportam as moedas fiat.

    Por fim, importa ter em mente que emitir novos Bitcoin implica um custo e um “esforço”, ao contrário do Banco Central norte-americano, que apenas tem de carregar num botão para criar nova massa monetária, isto é, sem qualquer custo.

    Em suma, os próximos anos serão disruptivos. E a supremacia futura do sistema monetário é, por agora, uma incógnita.

    Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O nosso glorioso “Mundo Livre”

    O nosso glorioso “Mundo Livre”


    Nos dias que correm, nunca deixamos de escutar um lema já em lengalenga: é preciso defender o nosso modo de vida, a nossa Liberdade, a nossa Democracia, o nosso Estado de Direito…

    Tudo isto é repetido ad nauseam pela nossa comunicação social, em particular por comentadores que descobriram que afinal apenas serviam para tal emprego, depois de anos e anos na vida política e em cargos governamentais.

    As palavras que ecoam da boca destes comentadores proporcionam-nos a sensação de que vivemos numa espécie de Alice no país das maravilhas, liderado por uma nação excepcional: os Estados Unidos da América (EUA), esse farol da Liberdade.

    city skyline across body of water during daytime

    Todos os dias recebemos as suas directrizes e orientações, caso contrário, como seria possível conhecer os bons e os maus da fita deste mundo perigoso?

    Será o mundo ocidental liderado pelos EUA assim tão idílico? Será assim tão respeitador da propriedade privada, dos direitos humanos, da imprensa livre e do estado de direito? Comecemos pela propriedade privada, um direito “sagrado” do mundo ocidental.

    A moeda norte-americana, o dólar norte-americano (USD), é desde o final da II Guerra Mundial a moeda reserva do Mundo.

    Em 1971, depois de ter financiado a guerra do Vietname com a impressora do seu Banco Central, sem qualquer respaldo por Ouro, os EUA foram obrigados a terminar a convertibilidade do USD no metal amarelo. Desde então, o USD perdeu 98% do seu valor!

    A desvalorização de uma moeda, através da impressão massiva de dinheiro, não é mais do que o confisco da propriedade privada dos cidadãos.

    Quais as consequências de tal política? Uma inflação descontrolada. Em Março último situou-se em 8,5%, a mais elevada desde o início da década de 80 do século transacto. Segundo a página Shadow Statistics, que aplica o método de cálculo de inflação de há 40 anos, em Março de 2022 a inflação encontrava-se em 17,5%! Podemos imaginar o presente saque às poupanças dos cidadãos do “mundo livre”, com taxas de juro dos depósitos nos 0% e a inflação próxima de 20%!

    Evolução do dólar (USD) em função da cotação do ouro (unidade: gramas de ouro por 100 USD). Fonte: Yahoo Finance (análise do autor)

    Como chegámos até aqui? Com a impressão de mais 5 biliões de USD (12 zeros) desde o final de Setembro de 2019, em que ocorreu uma crise no mercado interbancário norte-americano, por parte do banco central norte-americano. A crise “pandémica” e agora a “guerra na Ucrânia” são desculpas perfeitas para justificar as consequências desta loucura monetária.

    A classe política do “Mundo Livre” tem de continuar a vencer eleições atrás de eleições. Estes gloriosos feitos requerem dinheiro, muito dinheiro: para as clientelas políticas, para os funcionários públicos, para os empresários e colaboradores em casa sem produzir, para a obnóxia imprensa e para alimentar guerras sem fim, visando incrementar índices de popularidade de líderes caídos em desgraça.

    Evolução da taxa de inflação nos Estados Unidos entre 1970 e Março de 2022. Fonte: Yahoo Finance (análise do autor)

    Como o fazem? Geram défices públicos monstruosos – em 2020 foi de 3,3 biliões, um valor superior a 16% do PIB norte-americano – que necessitam de ser financiados por novas emissões de dívida pública.

    E quem a compra? O Banco Central, usando a respectiva impressora.

    O leitor coloca a seguinte pergunta? Mas isso não gera inflação, o tal confisco de propriedade de privada? Claro que sim, mas a culpa é do “Putin” ou da “pandemia”.

    Para além da inflação, o assalto à propriedade privada no Ocidente ocorre de outras formas. O maior de todos é perpetrado pelo esquema em pirâmide denominado Segurança Social. Apesar de tudo, apresenta duas diferenças, para muito pior, em relação ao famoso burlão Bernie Madoff: (i) é obrigatória, caso contrário, o destino do rebelde é o cárcere; (ii) a saída não é voluntária nem pode ocorrer a qualquer momento, é quando as autoridades assim o decidam.

    Evolução do balanço do Banco Central norte-americano, em biliões de USD, entre 2008 e 2022. Fonte: Stlouisfed (análise do autor)

    E quem não se recorda dos assaltos ocorridos em vários países ocidentais – por cá, já ocorreu por diversas vezes – aos fundos pensões privados, mediante a sua transferência para a Segurança Social? Tal desvio do alheio foi propagandeado como uma receita extraordinária para os cofres públicos, com o propósito de salvar as contas e a boa gestão!

    Agora até temos um estado vassalo dos EUA, liderado por um membro do World Economic Forum (WEF), que decretou um estado de emergência para colocar um fim às manifestações pacíficas de camionistas e confiscar-lhes as contas bancárias e activos financeiros, depois de se ter apropriado de 12 milhões de USD em fundos angariados em plataformas de crowdfunding.

    E os estados vassalos grego e italiano que confiscam todos os meses os seus pensionistas, impondo-lhes sanções pecuniárias apenas por se recusarem à inoculação de substâncias experimentais no seu corpo?!

    O que dizer dos EUA e dos seus vassalos europeus que congelam e confiscam as reservas do Banco Central russo? Ou de cidadãos russos, sem qualquer acusação ou direito de defesa, tal como exige um Estado de Direito?

    Evolução do défice (vermelho) ou superávit (verde) federal dos Estados Unidos, ano a ano, em milhares de milhões de dólares, entre 1980 e 2021. Fonte: Stlouisfed (análise do autor)

    Tal como diz a nossa Constituição, bem como a maioria das constituições do suposto “mundo livre”, no seu nº 1 do artigo 26º: “A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.

    Será mesmo assim? E o nosso direito à personalidade, eliminado por umas fraldas faciais durante dois anos, sem qualquer evidência científica de que funcionam?

    E a tortura de crianças durante dois anos, prejudicando seriamente a sua educação; ora através de um ensino à distância, prejudicando os mais pobres que não têm Internet ou computador pessoal, ora presencial e com fraldas faciais, sem possibilidade de lerem as emoções e os rostos dos professores, indispensáveis a uma boa Educação.

    O que dizer do certificado digital imposto pela União Europeia, utilizado unicamente para discriminar cidadãos que se recusam a inocular-se com uma substância experimental, vedando-lhes o acesso a uma vida normal – ginásios, restaurantes, estádios, teatros –, e impedindo-os de circular livremente, tal como se vivessem numa prisão.

    E o discurso de ódio de que foram vítimas, sem que ninguém se indignasse? E o direito ao corpo tantas vezes reclamado para as questões do aborto e da eutanásia, mas que na “pandemia” não se aplicou, caso contrário, tal “negacionista” não passava de um inimigo do bem comum.

    man opening his arms wide open on snow covered cliff with view of mountains during daytime

    A discriminação atingiu novos absurdos: recentemente, a organização do torneio de ténis de Wimbledon baniu os jogadores russos e bielorussos.

    O mesmo seguramente terá acontecido aos tenistas norte-americanos Arthur Ashe, Pancho González e Stan Smith durante os torneios de ténis nos finais dos anos 60 e princípios dos anos 70, em resultado dos bombardeamentos de nações soberanas como o Camboja e o Vietname, onde faleceram milhares e milhares de civis inocentes.

    Certamente que o mesmo se passou com os jogadores norte-americanos Andy Roddick, James Blake, Andre Agassi e as irmãs Williams durante o torneio de Wimbledon de 2003, como castigo pelo emprego de fósforo branco e urânio empobrecido na cidade iraquiana de Fallujah pelo exército norte-americano.

    Uma missão em nome da eliminação de “armas de destruição maciça” que afinal nunca tinham existido. As consequências são ainda hoje visíveis, em que crianças nascem com defeitos congénitos catastróficos.

    E o que dizer da mítica final de Wimbledon entre os norte-americanos Pete Sampras e Andre Agassi em 1999, como foi possível tal ter acontecido!, dado que nesse ano a NATO bombardeava a capital sérvia e o “Exército de Libertação do Kosovo” fazia uma limpeza étnica de Sérvios, Judeus e Ciganos – na altura, a nossa imprensa não os veio defender, nem o então presidente da Assembleia da República se indignou com tal chacina!

    E o que dizer da detenção por anos a fio de pessoas sem julgamento?

    Por cá, o método é um apanágio da nossa justiça há décadas; para não falar dos milhares de cidadãos acusados pelo Ministério Público e posteriormente absolvidos pelos tribunais, com a total indulgência dos magistrados que arruinaram o bom-nome e a reputação dessas pessoas. São autênticos inimputáveis, destruindo vidas com recursos públicos.

    Nos últimos dois anos, o governo australiano, outro membro do “Mundo Livre”, quis regressar às suas origens, no tempo em que não era mais que uma colónia penal do império britânico. Para tal, construiu acampamentos para forçar cidadãos saudáveis a isolamento e quarentena, sob o olhar atento de guardas e funcionários de saúde. Caso tentassem escapar, eram encarcerados e acusados ​​de crimes! Tudo em nome do estado de direito, das liberdades e garantias tão características do “mundo livre”.

    E no nosso cantinho à beira-mar plantado? Durante a “pandemia”, tivemos cidadãos detidos em prisão domiciliária, apenas por terem acusado positivo num teste sem qualquer fiabilidade, sem qualquer mandado judicial, tal como determina a Constituição, apenas com uma ordem de um funcionário administrativo. Tudo em nome do Estado de Direito!

    E o que dizer de Julian Assange, que teve o topete de desmascarar os crimes de guerra dos EUA, há anos detido sem qualquer julgamento? Outro estado vassalo prepara-se agora para o entregar ao país líder do “Mundo Livre”.

    Bem, mas o que nos salva é a imprensa livre, sem qualquer censura e dotada de uma imaculada imparcialidade.

    Esta “imprensa livre” diz-nos há muito que a censura é necessária, pois serve para nos “proteger da desinformação e da propaganda”.

    Talvez por isso, contrataram os famigerados “Fact-checkers”, para nos proporcionar a verdade oficial.

    Talvez por isso, sejam os beneficiários de enormes subsídios estatais, possivelmente para compensar os colossais prejuízos em que vivem mergulhados há anos, o suficiente para encerrar portas de qualquer simples negócio.

    Talvez por isso, tenham participado na cocção dos cidadãos à inoculação de uma vacina experimental nos seus corpos.

    Talvez por isso, puderam publicar em Janeiro do presente ano que a CIA preparou as forças especiais ucranianas a “matar russos”.

    Talvez por isso, ignorem que o conflito na Ucrânia existe desde 2014, onde faleceram 14 mil pessoas e foram deslocadas 1,5 milhões de pessoas.

    Talvez por isso, as redes sociais agora autorizam discursos de ódio, desde que sejam dirigidos a russos!

    Sorria estimado leitor: não perca os discursos encomiásticos às nossas liberdades, à nossa democracia; convença-se e seja feliz neste mundo perfeito, de garantias e de respeito pelos direitos humanos!

    Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A terrível e (in)esperada visita do Cisne Negro

    A terrível e (in)esperada visita do Cisne Negro


    O termo Cisne Negro foi popularizado pelo livro The black swan, de Nassim Nicholas Taleb, que mostra como eventos raros e imprevisíveis e de consequências potencialmente graves são muito difíceis de prever, apesar de, quando ocorrem, se observa uma insistência generalizada de que as suas causas e consequências eram antecipadamente óbvias.

    Mas essa imprevisibilidade não significa improbabilidade; apenas significa que não sabemos quando, com exactidão, ocorrerá o evento repentino. Ora, mas se conseguirmos identificar sinais que concorram para esse evento raro e imprevisível, talvez continuemos a não conseguir prever o exacto dia em que irrompe um Cisne Negro por aí fora, mas podemos garantir que ele está a chegar; que a sua chegada é mesmo inevitável.

    white and blue labeled pack

    Qual será então o nosso próximo Cisne Negro?

    Uma crise financeira. E económica.

    E tudo começa pela política monetária implementada pelos bancos centrais após a crise iniciada pela falência do banco de investimento norte-americano Lehman Brothers, em Setembro de 2008.

    Como se sabe, essa política consistiu na compra de activos financeiros pelos bancos centrais directamente no mercado secundário por contrapartida da impressão massiva de dinheiro. O activo de eleição foi a dívida soberana, com consequências na taxa de juro implícita: a sua inexorável descida a valores próximos de zero, ou mesmo negativos, como aconteceu na Alemanha e outros países do norte da Europa. Uma “impossibilidade” teórica escrita em manuais de Economia.

    Como funciona este mecanismo? Os bancos comerciais que participam nos leilões de dívida pública estão plenamente seguros dos seus investimentos, dado que passou a existir um comprador com bolsos infinitos e dinheiro de monopólio: o Banco Central.

    No entanto, importa, em primeiro lugar, explicar a relação entre a taxa de juro implícita e o preço de uma obrigação. Vamos supor que uma obrigação proporciona um pagamento de 10 Euros todos os anos, como se mostra na figura seguinte.

    Análise do valor de uma obrigação com um cupão anual de 10 euros (valor actual vs. rendibilidade)

    Se o leitor investir apenas 100 euros na aquisição dessa obrigação, a taxa de juro que irá receber será 10%; se investir 200 euros será 5%; mas se investir 2000 euros será apenas 0,5%. Vamos resumir:

    1. O valor actual (hoje) dos recebimentos anuais futuros no valor de 10 euros descontados a 10% é 100 Euros;
    2. O valor actual (hoje) dos recebimentos anuais futuros no valor de 10 euros descontados a 5% é 200 Euros;
    3. O valor actual (hoje) dos recebimentos anuais futuros no valor de 10 euros descontados a 0,5% é 2 000 Euros.

    A uma taxa de juro mais elevada corresponde um valor actual menor e vice-versa. Para simplificarmos a nossa explicação, vamos suportá-la num exemplo:

    • os bancos comerciais participam num leilão de dívida pública, em que um dado estado deseja colocar 1000 milhões de Euros no mercado primário;
    • obrigação emitida pelo estado proporciona o tal cupão anual de 10 Euros;
    • no leilão determina que o preço da obrigação é 100 Euros, ou seja, uma rendibilidade implícita de 10%;
    • seguidamente, os bancos comerciais tentam vender a obrigação no mercado secundário;
    • dada a enorme procura do banco central por estas obrigações, o preço das mesmas sobe, estabelecendo-se um novo preço de 200 Euros por obrigação;
    • a nova taxa de juro implícita é 5%, em lugar de 10%, uma descida de 10 pontos percentuais.

    Isto foi precisamente o que aconteceu nos últimos 13 anos. Os Estados e os bancos comerciais passaram a estar seguros de que as suas obrigações eram sempre vendidas ao Banco Central; por essa razão, ocorreu a inexorável descida das taxas de juro implícitas nos últimos anos, em particular em 2020, ano em que ocorreu uma massiva impressão de dinheiro para responder à crise Covid-19.

    Evolução da taxa de juro implícita (%) das obrigações emitidas por Portugal com maturidade a 10 anos. Fonte: Yahoo Finance (análise do autor)

    A pressão compradora do BCE provocou a subida do preço das obrigações, levando à redução da taxa de juro implícita. Na figura anterior, podemos observar que no final de 2021, com a subida da inflação, a taxa de juro implícita está a subir consideravelmente, ainda que de forma controlada.

    E qual o impacto desta política no mercado de acções?

    Vamos agora imaginar que um investidor tem as seguintes expectativas para a empresa ABC, tal como ilustrado na figura seguinte: hoje, perde muito dinheiro, mas, num futuro longínquo, supõe-se que irá ganhar imenso dinheiro. Isto é o que acontece, regra geral, com as empresas tecnológicas. No arranque perdem imenso dinheiro – Amazon, Tesla, Netflix e Uber –, com o propósito de ganhar uma enorme quota de mercado, e depois consolidam a sua posição, podendo vender a preços mais elevados e gerar enormes lucros.

    Expectativa para os resultados da empresa ABC (unidade: euros)

    Nesta figura podemos ver que no primeiro ano a empresa perde 250 Euros; ao longo do tempo, espera-se que vá diminuindo as perdas, até que no 9º ano começa a apresentar resultados positivos, passando, a partir daí, a crescer todos os anos a 0,5%.

    Qual o valor actual dos resultados futuros caso sejam descontados com diferentes taxas de juro? Se descontarmos a 10%, 5% e 4%, trata-se de um investimento não interessante, tal como podemos observar na próxima figura.

    No entanto, para valores inferiores a 4%, o valor actual passa a ser positivo; quando se aproxima dos 0%, o valor actual começa a subir de forma exponencial. Trata-se precisamente do fenómeno que acontece com os mercados financeiros da actualidade. Esta é a explicação para as valorizações estratosféricas a que assistimos recentemente!

    Os estímulos dos bancos centrais durante a crise Covid-19 são paradigmáticos desta situação.

    No início de 2020, o índice Nasdaq 100 situava-se em 8.000 pontos e a taxa de juro implícita das obrigações do tesouro norte-americano a 10 anos situava-se em torno de 2%.

    Quando o Banco Central norte-americano decidiu emitir dinheiro e comprar obrigações do tesouro norte-americano, o preço destes activos financeiros disparou, provocando a descida da taxa de juro implícita para 0,5%.

    Repare-se que ao mesmo tempo o Nasdaq 100 subia de 8.000 para 16.000 pontos, praticamente duplicando de valor em resultado de tal “estímulo monetário” – um eufemismo para denominar a impressão de dinheiro.

    Valor actual de uma empresa com vários cenários de taxas de juro (%)

    Note-se que a partir do final de 2021, com a subida da inflação – a consequência da enorme impressão de dinheiro durante a crise Covid-19 -, os bancos centrais passaram a estar pressionados para reduzir a impressão massiva de dinheiro e a subir os juros.

    Desse modo, o índice Nasdaq 100 não recuperou do máximo histórico ocorrido no final do ano transacto, estando em correcção desde então.

    Em resumo, o valor dos activos financeiros depende da taxa de juro que se aplica aos fluxos financeiros futuros, tal como sobredito no presente artigo.

    O valor de uma obrigação depende do valor do cupão (fluxos financeiros futuros), da capacidade do devedor pagar – se existem dúvidas, o valor da obrigação desce e os juros sobem, como foi o caso da última bancarrota em Portugal – e da taxa juro que se aplica para descontar os cupões.

    Tal como vimos no exemplo no início deste artigo, se o preço da obrigação sobe por pressão compradora do Banco Central, a taxa de juro implícita desce, e vice-versa.

    No caso das acções, estas funcionam igual às obrigações, mas com uma diferença relevante: os fluxos financeiros futuros não são conhecidos, pois numa obrigação o pagamento dos cupões e do capital estão calendarizados desde o início, enquanto os lucros futuros dependem da gestão, do mercado onde a empresa actua e da situação económica em geral.

    Em relação ao Bitcoin (BTC) ou ao Ouro (PAXG), esta relação não se aplica: ou seja, não existe qualquer rendimento – dividendos, cupões, lucros, etc. – associado à sua detenção, dado que a procura por estes activos deriva da sua situação de reserva de valor. São activos com oferta escassa – no caso do Bitcoin, 21 milhões – e não dependentes dos “caprichos” dos bancos centrais.

    Qual então o Cisne Negro a que podemos assistir em breve?

    Evolução do índice Nasdaq 100 (pontos) e da taxa de juro implícita (%) das obrigações do tesouro norte-americano com maturidade a 10 anos. Fonte: Yahoo Finance (análise do autor).

    Nada mais nada menos que o final da bolha da dívida que se iniciou desde o final de Bretton Woods em 1971.

    Desde o início dos anos 80, em que o então presidente da Reserva Federal norte-americana subiu os juros acima de 15%, a política tem sido uma redução sistemática dos juros, através da impressora dos bancos centrais, provocando a subida sistemática da dívida no sistema. Esta situação agravou-se a partir de 2008 e particularmente com a crise Covid-19 em 2020.

    A impressão massiva de dinheiro para aquisição de obrigações emitidas pelos estados do Ocidente elevou a dívida pública à estratosfera, e poderá ser o Canto do Cisne da enorme bolha que é hoje o mercado de dívida – pública, privada e empresarial.

    Se, nos próximos meses, a taxa de juro implícita das obrigações norte-americanas com maturidade a 10 anos subir de forma descontrolada – isto é, atingir os 3% e continuar a subir rapidamente –, poderá advir daí uma visita do Cisne Negro, que porá um fim à bolha de dívida que tem caracterizado a Economia ocidental.

    O dinheiro, tal como o poder, ocupa sempre o vazio.

    Se toda massa monetária “fugir” do mercado de dívida – pois ocorre uma venda descontrolada de obrigações do tesouro norte-americano, e do mercado de acções –, terá inevitavelmente de ir para algum lado.

    Esse lado, na minha opinião, será o das Criptomoedas – em particular, o Bitcoin –, o Ouro e as matérias-primas. Ou seja, activos reais não dependentes de bancos centrais.

    Gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


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