Autor: Luís Gomes

  • O pote dos 133 mil milhões e os parasitas em campanha

    O pote dos 133 mil milhões e os parasitas em campanha


    Termina hoje mais uma campanha eleitoral neste bordel institucionalizado a que insistem em chamar democracia representativa. Foi, como sempre, uma campanha sem debate sério, sem ideias que rompam com o estatismo doentio que define o regime, e marcada — outra vez — pela suspeita de corrupção no seio do poder.

    Desta feita, não foi o PS que caiu do cavalo, mas o PSD, em plena montada: o escândalo tem nome de clínica privada de fisioterapia ou rótulo de uma garrafa de vinho verde — Spinumviva. A empresa do agora primeiro-ministro Luís Montenegro e família, que afinal tinha como clientes os senhores da Solverde, uma empresa que explora casinos.

    Ninguém, porém, ousa colocar a verdadeira questão: se vivêssemos em mercados livres, onde qualquer indivíduo pudesse abrir um casino, como um talho ou uma padaria, por que razão um empresário pagaria a Montenegro por acesso e favores?

    A resposta é óbvia: porque os mercados não são livres — são cartéis legislados, concessões para monopólios, onde os donos mudam de camisa conforme o partido no poder. O Estado, esse buraco negro de favores e regulações, cria a escassez artificial, fecha a porta ao concorrente e permite que os Montenegro desta vida vendam a chave da entrada. É a porta giratória do banditismo democrático.

    Mas não se pense que isto se resume à Solverde ou ao PSD. O verdadeiro drama português é o pote. Um pote de 133 mil milhões de euros, segundo o Orçamento do Estado para 2025. É a soma colhida à força por um exército de fiscais, inspectores e cobradores de dízimos, sob a égide de uma máquina chamada Autoridade Tributária. Chamam-lhe o “nosso dinheiro”. Mas o que é arrancado com ameaças não é “nosso” — é deles, os que decidem quem mete a mão no pote. Todos, mas todos os partidos, disputam apenas isso: quem o esvazia, quanto e para quem.

    A única preocupação das duas alas do Partido Socialista — PS1 (de Pedro Nuno) e PS2 (de Montenegro) — é garantir que continuam a ter prioridade na colher. O medo não é o colapso do regime, mas a entrada de um novo parasita: o Chega. Ventura, esse populista profissional, não quer mudar o sistema, apenas alterar os convidados à mesa. Nada de cortes na despesa, nada de redução do Estado, nada de liberdade. Quer mais leis, mais regulamentos, mais penas e mais polícia — ou seja, mais Estado.

    No entanto, o problema estrutural é evidente: há milhões de portugueses que já não contribuem para o pote, mas dele dependem. Em 2025, o Estado prevê gastar 43,5 mil milhões de euros em pensões — incluindo as não contributivas, os complementos solidários e os reformados da CGA.

    Acrescem os subsídios: 1,7 mil milhões em desemprego, fora os de doença, maternidade, inserção e por aí fora. No total, são 51,3 mil milhões de euros a sair do pote — ou seja, quase 4.800 euros por português. Entretanto, as contribuições para a Segurança Social somam apenas 37,9 mil milhões — um défice de 13,4 mil milhões que é coberto com os impostos gerais: IRS, IVA, ou seja, o roubo normalizado aos que ainda trabalham.

    A mentira do porquinho é das mais perversas. Disseram a cada português que poupava para si mesmo, mas o que sempre existiu foi um sistema de redistribuição forçada — onde os activos são saqueados para comprar os votos dos inactivos. É o modelo do bandido estacionário: o político não destrói a sua base de exploração, mas confisca de uns para comprar os outros. O tempo é curto, por isso urge perpetuar-se no poder.

    É nesse desespero que nasce a política de importação de gado humano. Milhares de imigrantes do terceiro mundo, muitos sem qualificações e com um sonho na cabeça, são despejados num país sobrelotado, com rendas absurdas, hospitais de campanha, transportes públicos ao estilo de Calcutá e escolas onde o português já é a segunda língua. Tudo “grátis”, claro. Gratuito para quem chega, pago por quem fica — até à exaustão.

    O povo acorda, e eis que a “extrema-direita” ganha palco. Palavras como “deportação” entram na arena pública com o Chega, o Ergue-te e o ADN, cada um à sua maneira, apontando o dedo aos imigrantes. Mas, paradoxalmente, não se insurgem contra o sistema que os trouxe. Esperam, com algum cinismo, que o mesmo Estado que os atraiu com subsídios e serviços “grátis”, pagos pelo colectivo saqueado, agora os expulse.

    À esquerda, o delírio mantém-se intacto. O Bloco de Esquerda fala de tectos às rendas como se a inflação, a invasão do terceiro mundo, os impostos, as taxas, as licenças, o IMI, o IMT, o IRS, o IRC e a impressora do BCE não existissem. O problema do preço das casas é, para eles, apenas o senhorio. Vivem, definitivamente, num universo paralelo.

    A CDU segue fiel à cassete: nacionalizar a banca e os “sectores estratégicos”. Quais são? Nunca se sabe. É a mesma dúvida quando se trata de identificar os rostos do “Grande Capital”. São os que o Comité Central definir numa noite de tinto e tremoços. Com que dinheiro? Com o dinheiro do gado, claro. Porque, no fundo, a vaca fiscal tem de continuar a ser ordenhada — mesmo que já só largue sangue.

    O Livre, por sua vez, atinge novos cumes de comédia trágica. Propõe “dar” 5 mil euros por cada nascimento. É como se o ladrão, depois de nos assaltar, nos oferecesse uma manta para o berço. É a ilusão estatista no seu esplendor: tiram-nos 10, devolvem-nos 2 e esperam que agradeçamos de joelhos.

    O mesmo raciocínio se aplica à sua proposta de taxar as “grandes fortunas”. Como se alguém que emprega centenas, arrisca o seu capital e gera riqueza devesse ser castigado por ter sucesso. Talvez desejem que os empresários vendam as suas fábricas para pagar os caprichos de Paulo Raimundo ou Rui Tavares. É a destruição da criação para alimentar a redistribuição.

    E a Iniciativa Liberal? São apenas globalistas simpáticos? Dizem que “desejam” cortar impostos — roubar menos. Mas propõem cortar 1% por ano na despesa pública!, o que é uma anedota em câmara lenta. É como prometer emagrecer comendo mais arroz e a mesma feijoada. Sem cortes reais na máquina pública, a redução de impostos é só um aperitivo de ilusão.

    O PS1 defende o Estado Social como “a maior conquista de Abril”, esquecendo convenientemente que nos trouxe três bancarrotas e abriu as portas a uma invasão do terceiro mundo. A ideia de que um punhado de políticos e burocratas gere melhor o dinheiro dos outros do que os próprios indivíduos é o dogma central desta seita.

    Já o PS2 fala em baixar impostos, mas sem mexer na despesa. Tal como a IL. Resultado: nada de novo. A dívida continuará a crescer, a despesa continuará a explodir e o empobrecimento será inevitável.

    Portugal está entregue. Não à direita ou à esquerda. Está entregue à lógica do saque. A única variável que muda é o nome do assaltante. O pote de 133 mil milhões continua a ser servido na mesa. Os comensais, de garfo e faca na mão, olham para si!

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • O apagão e o bandido estacionário

    O apagão e o bandido estacionário


    Na passada segunda-feira, Portugal, o país dos 133 mil milhões de euros em receitas estatais anuais – confiscados sob ameaça a uma população que trabalha de sol a sol –, converteu-se num autêntico Burkina Faso durante algumas horas. Sem energia, sem serviços, sem Estado funcional.

    Um buraco negro institucional a que chamam “serviço público”. Quem confiava na omnipotência estatal percebeu, mesmo que só por momentos, que o rei vai nu, muito nu. O Leviatã que tudo prometia é um colosso com pés de barro.

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    É nestes momentos que vale a pena lembrar a analogia do bandido estacionário, conceito desenvolvido pelo economistra norte-americano Mancur Olson no século passado. Porque se há imagem que melhor sintetiza o Estado, é essa: o ladrão que deixou de fugir e decidiu ficar.

    Imaginemos um vale fértil, habitado por camponeses laboriosos. Um Éden terrestre, onde a riqueza brota do suor e da terra. Os camponeses vivem em paz, trocam entre si, cultivam os campos, constroem famílias e vida. Um dia, das montanhas, descem uns salteadores: armados, sedentos de ouro e mulheres, disparam, assaltam, saqueiam. Mas, como qualquer ladrão, fogem. Saquear e fugir, essa é a essência do bandido tradicional.

    Mas eis que surge um novo tipo de bandido. Um que, ao olhar o vale fértil, pensa diferente: “E se ficasse? Se, em vez de fugir, ficasse aqui para sempre a saqueá-los? Mais eficiente, mais contínuo, menos arriscado.” Assim fez: instalou-se no vale, autoproclamou-se rei, distribuiu títulos nobiliárquicos pelos seus lacaios e instituiu a primeira taxa: 10% de tudo o que os camponeses produzissem. Nascia assim o Estado. O roubo organizado, institucionalizado, perpétuo. O bandido estacionário deixara de ser bandido: tornara-se governante.

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    Mas este novo tipo de ladrão tinha um problema: a aritmética. Os camponeses eram muitos, os bandidos eram poucos. Como evitar a revolta? Como manter o saque sem resistência? A resposta foi tão velha quanto genial: a dissimulação. A força bruta não bastava. Era preciso convencer as vítimas de que não estavam a ser roubadas. Era necessário construir um véu de legitimidade, de inevitabilidade, de justiça. Nascia assim a propaganda.

    Ao longo da história, o bandido estacionário serviu-se de tudo. Da religião (“o rei governa por vontade divina”), da inflação (“não é roubo, é política monetária”), da manipulação simbólica (as colunas de Trajano, os hinos patrióticos, os retratos oficiais, as estátuas dos governantes), da pedagogia da servidão (as escolas públicas, os manuais de “cidadania”). A arte do parasita é sofisticada: quanto mais complexa for a estrutura, menos perceptível será o roubo. É por isso que as vítimas, hoje, nem sabem o que lhes está a acontecer.

    Depois, o golpe de mestre: o contrato social. Um documento que ninguém viu, ninguém assinou, mas que supostamente legitima tudo. Reza a fábula que homens livres e selvagens, felizes no planeta Terra, se reuniram voluntariamente para estabelecer um acordo com o seu opressor. O resultado? Um monopólio do uso da força, dos tribunais, da justiça. Quem rouba julga. Quem abusa legisla. Um prodígio de circularidade lógica que até faria rir o Diabo. É como se o lobo passasse a decidir litígios entre as ovelhas e as suas próprias dentadas.

    Numa fase inicial, nos tempos da monarquia absoluta, o saque era mais honesto. Sabíamos quem nos roubava. Era um homem, com nome, cara e trono. O roubo era concentrado. O povo via o ouro, os bailes, as orgias palacianas, e, de vez em quando, revoltas e revoluções despontavam. Quando Maria Antonieta sugeriu que dessem bolos ao povo, o povo respondeu com guilhotinas. A visibilidade do parasitismo era o seu maior inimigo.

    Com a democracia, o golpe foi ainda mais brilhante. Agora, todos, em teoria, podemos ser ladrões. Todos podemos aceder ao pote. O roubo democratizou-se. A ilusão é que há participação. Mas o resultado é idêntico: o dinheiro vai para o mesmo lado.

    A diferença? O trajecto. Na monarquia, o saque ia do povo para o rei. Na democracia, vai do povo para o “público” – esse conceito abstracto e gaseificado – e depois, pelas vias do compadrio, escorre até ao bolso dos novos duques: os administradores de empresas públicas, os assessores autárquicos, os gestores de monopólios subsidiados, os parasitas eleitos. Gente que não sabe estrelar um ovo, mas que aparece todos os meses com salários de cinco dígitos para “servir o interesse comum”.

    E onde entram as causas ambientais nesta equação? Ora, onde sempre entraram as causas nobres: como camuflagem. O CO2, o alimento das plantas, tornou-se o novo Satã. Como nas indulgências da Igreja, em que se pagava para salvar a alma, agora paga-se para salvar o planeta. É o mesmo mecanismo medieval, agora com verniz ecológico. Um pretexto para confiscar mais. O gado confuso aceita tudo: imposto sobre combustíveis, imposto sobre automóveis a combustão, imposto sobre o plástico, imposto sobre energia fóssil. Tudo em nome da salvação!

    Onde se gasta esse dinheiro? Nas empresas de energias renováveis, claro. Não porque estas sejam viáveis, mas porque são a nova galinha dos ovos de ouro do saque bem-pensante. Os amigos do regime aparecem como administradores dessas empresas, recebem subsídios, benefícios fiscais, contratos garantidos, financiamento verde, directamente da impressora do BCE. É o milagre da multiplicação do saque. É o assalto com arco-íris e painéis solares. Tudo com um sorriso e uma propaganda impecável. Porque, lembremos, a arte do bandido estacionário não é roubar com violência, mas sim com consentimento.

    Eis, portanto, a realidade nua: vivemos num sistema de pilhagem institucionalizada, sofisticada, pacífica e contínua. O apagão de Segunda-feira foi apenas uma breve revelação. Uma janela para o que acontece quando o bandido estacionário “falha” por umas horas: o caos. Mas o caos não é a ausência do Estado. O caos é o Estado em acção, quando deixa cair a máscara de eficiência e se mostra na sua forma crua: um parasita gigantesco a sugar a vida de milhões, em nome do bem comum.

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    Portugal não precisa de mais Estado. Precisa de menos. Não precisa de mais democracia, precisa de mais liberdade. Não precisamos de novos líderes, precisamos de menos ladrões. O bandido estacionário não se reforma. Só desaparece quando o povo se recusar a ser vítima. Quando entende que não deve tributo ao seu assaltante, nem vassalagem ao seu algoz.

    Até lá, continuará a pagar a factura do assalto…com apagão incluído. Porque, como já perceberam, até a luz que o ilumina serve para alimentar o parasita.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Trump: o novo Hitler?

    Trump: o novo Hitler?


    Em todos os tempos e impérios, o Estado teve uma capacidade extraordinária de inventar inimigos que, por singular coincidência, não se podiam identificar, localizar ou sequer apalpar. Inimigos invisíveis, convenientes, versáteis. Os judeus, os ciganos, os especuladores, os estrangeiros — a galeria é vasta, rica e colorida.

    Quando a turba se cansava do colectivo, punha-se a cabeça a prémio de um só: um Hitler, um Estaline, um Lenine — curiosamente, nunca um Churchill, esse santo padroeiro dos bombardeamentos humanitários e das colónias civilizadoras. A história, como se sabe, é escrita pelos vencedores — e muitas vezes pela impressora do Banco Central.

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    Convém recordar que a aliança entre banqueiros e o Estado não é um namoro recente. É um matrimónio antigo, consumado sob os auspícios daquilo que se convencionou chamar “reserva fraccionada”, essa mágica técnica de multiplicar dinheiro como Jesus multiplicava os pães — só que sem qualquer milagre, apenas fraude legalizada.

    O banco recebe 100, empresta 900, e quando alguém estranha a matemática, eis que surge o seu Deus protector: o Banco Central, criatura de aparência austera, mas de hábitos perdulários. Sem ele, os bancos comerciais cairiam como dominós mal empilhados, vítimas da sua própria insensatez. Mas com ele, tornam-se deuses do Olimpo monetário, infalíveis e eternos.

    Desde finais do século XIX que o Banco Central passou de ajudante de cozinha a chefe de Estado. Os governos obedecem-lhe, os parlamentos dobram-se diante dele e os eleitores…bem, esses já há muito deixaram de importar, excepto enquanto números em sondagens ou estatísticas de desemprego. Este monstro criado pelos bancos, este Frankenstein monetário, terá, como na obra de Mary Shelley, de matar os seus criadores — mas só depois de muita devastação, claro. Há que cumprir o ritual.

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    É também este mesmo Banco Central que aparece, com ares de cavaleiro branco, cada vez que o mercado — essa criatura malvada e cruel — tenta corrigir os desmandos da orgia de crédito. As taxas de juro foram manipuladas até ao absurdo e, quando os maus investimentos se acumulam como lixo nas traseiras da civilização, vem resgatar os amigos banqueiros com o dinheiro de ninguém: do nada, ex nihilo, como um demiurgo sem rosto. Por isso se lhe chama “emprestador de último recurso”, embora o nome mais correcto fosse “emprestador de dinheiro que ninguém poupou para sustentar quem não sabe gerir”.

    Recordemos o ano de 2019. Em Setembro, o mercado Repo norte-americano entrou em convulsão. Uma crise silenciosa, ignorada pelos jornais, como convém. Só faltava uma desculpa para accionar a gráfica sagrada. Em Março de 2020, a Providência — sempre ela — enviou um vírus. Invisível, claro está. Não fosse o caso de alguém querer medir a veracidade do desastre.

    Assim, os Bancos Centrais mundiais, liderados pelo Banco Central norte-americano, a Reserva Federal, e pelo seu aprendiz europeu, o BCE, dedicaram-se cada um a imprimir mais de 4 biliões (12 zeros!) de dólares e euros. A moral? Se não consegues resolver o problema, deita-lhe dinheiro. De preferência, muito. De preferência, inventado.

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    Neste milagre moderno, o pequeno comércio morreu à míngua — as padarias, as mercearias, os cafés de bairro. Em compensação, floresceram empresas que entregavam comida ao domicílio por escravos importados do terceiro mundo ou séries sobre “pandemias”. E não esqueçamos as novas indústrias estatais: produção de fraldas faciais, inoculações experimentais e testes que testavam tudo, excepto a suposta doença. A recessão foi decretada, não pelo mercado, mas pelo decreto. E o povo, obediente como sempre, aplaudiu a catástrofe higienizada com álcool-gel.

    Mas o espectáculo não termina aqui. Agora, temos um novo vilão — ou, melhor dizendo, um substituto de Hitler. A personagem? Um senhor de tez laranja, dono de um cabelo indecifrável e de uma retórica que provoca urticária nos salões de Bruxelas.

    Donald Trump tornou-se o novo símbolo do Mal Absoluto. Porque ousou — vejam só a audácia! — Impor tarifas a países que o fazem há décadas. Porque falou em recuperar a indústria nacional. Porque tentou, com o seu estilo de elefante em loja de porcelana, questionar os dogmas do comércio global que serve, exclusivamente, às multinacionais, aos bancos e aos estados.

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    Claro está, o objectivo não é devolver empregos à classe operária norte-americana, nem reduzir défices. Isso seria ingenuidade. O plano — maquiavélico e genial — será provocar mais uma crise artificial. Uma desculpa nova, moderna, vibrante. Desta vez, não será um vírus invisível.

    Será o o proteccionismo, o nacionalismo económico, ou qualquer outra heresia do século XXI. Assim, quando as empresas norte-americanas, dependentes de componentes chineses e tailandeses, forem esmagadas pela engrenagem fiscal e tarifária, então voltaremos à estaca zero. Aí, o Banco Central norte-americano, mais uma vez, imprimirá, e muito! Desta forma, salvará, como sempre, os seus criadores.

    E os idiotas úteis — os eternos manifestantes bem-intencionados, os jornalistas indignados, os “liberais de pacotilha”, os peritos em mercados financeiros e os académicos do regime — gritarão: “Trump é o novo Hitler!”

    Afinal, sempre se pode contar com os velhos truques: um inimigo invisível, um bode expiatório humano e uma impressora sem limites. O ciclo repete-se. A peça é a mesma, apenas se troca o figurino e o vilão.

    Mas, caro leitor, console-se. Quando tudo desabar e a moeda for mais fina que o papel em que está impressa, haverá sempre um banqueiro sorridente, um político paternalista e um jornalista de confiança a garantir-lhe que a culpa foi do outro. De um vírus. De um laranja. De um qualquer que não seja o sistema.

    E o povo? Ah, o povo…continuará feliz, a aplaudir e a “pagar” IRS!

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Novas eleições: a perpetuação de um embuste

    Novas eleições: a perpetuação de um embuste


    Parece que iremos ter novas eleições legislativas; infelizmente, vamos continuar a perpetuar o regime que nos conduziu a esta situação de total ruína. Já dura há mais de cinco décadas. Este modelo baseia-se na glorificação patética da democracia e da soberania popular, que é vista como um altar intocável.

    A realidade, porém, revela que se trata de um dos sistemas mais perversos que já se inventou. Ao contrário de uma monarquia absoluta, onde o monopólio do governo estava nas mãos de um rei que legaria o trono ao filho, os incentivos para confiscar a população eram consideravelmente menores. Porquê?

    Porque o rei não precisava de encher os bolsos à pressa; o seu filho herdaria o reino e a máquina de parasitagem já estava montada. Além disso, o rosto do ladrão era conhecido por todos: um senhor rechonchudo e rosado, a empanturrar-se de pernas de frango. A resistência era mais firme porque o inimigo era claro e evidente. Talvez por isso, nunca um monarca absoluto se atreveu a confiscar mais de 15% ou 20% da riqueza produzida. As modernas democracias, em contrapartida, fazem gala em sugar 50% do PIB, tudo em nome do combate às desigualdades sociais e da sustentação daquela vaca sagrada chamada Estado Social.

    Enquanto no mercado queremos concorrência, que atrai os mais produtivos e inovadores para satisfazer as necessidades dos consumidores, na democracia sucede precisamente o inverso. Ao permitir que “qualquer um” possa concorrer à chefia desta organização criminosa chamada Estado — que vive do confisco e detém o monopólio da força e dos tribunais —, abrem-se as portas para que demagogos, crápulas e vigaristas assumam o controlo. Os produtivos, como é natural, afastam-se desse pântano.

    Não é casualidade que a qualidade da classe política esteja em queda livre. Como a propriedade do governo é “pública” e não privada, todos se sentem com legitimidade para meter a mão na gamela. Um monarca absoluto, por exemplo, trataria de preservar a sua propriedade e geriria os seus bens com prudência, sabendo que, no longo prazo, esse património passaria para o seu filho. Havia parcimónia e cuidado na gestão dos recursos.

    Na democracia, porém, a lógica é inversa: o tempo para roubar é limitado e há que ser rápido na pilhagem antes que o cargo escorregue pelas mãos. Daí que os políticos gastem boa parte do seu tempo a inventar esquemas para se perpetuarem no poder, comprando votos das massas e roubando uma minoria produtiva cada vez mais pequena – ser otário toda a vida é complicado e estúpido.

    Veja-se o caso da Segurança Social, onde se faz crer que os descontos dos trabalhadores activos estão guardados num porquinho mágico, pronto para sustentar a sua velhice. Nada mais ilusório: esses 34,75% do salário bruto dos trabalhadores servem apenas para pagar as pensões dos actuais reformados — hoje, nem é suficiente, outros impostos cobrem a diferença negativa entre receitas e despesas.

    A escalada no assalto aos activos tem sido incessante ao longo das últimas cinco décadas, tudo para manter a farsa de que o Estado Social é sustentável. É assim que o bloco central se perpetua no poder: prometendo saquear os que produzem para comprar os votos dos reformados, dos funcionários públicos e dos subsidio-dependentes. Eles sabem perfeitamente que este esquema piramidal há-de ruir, mas, na democracia, ponderar as consequências futuras é coisa que simplesmente não existe.

    A escória sem escrúpulos que governa vendeu-nos de corpo e alma a instituições transnacionais em troca de subsídios e prebendas para amigos e companheiros — como é o caso da sinecura de deputado europeu. Venderam a nossa soberania monetária para garantir que um esquema piramidal europeu pudesse expandir-se e praticar a fraude da criação monetária em larga escala, chamada Banco Central Europeu (BCE). Foi assim que, quando Portugal faliu em 2011, o BCE ligou a impressora para nos “salvar” — empobrecendo-nos pela inflação, enquanto plutocratas bem relacionados se encheram à custa dessa manobra, comprando activos a preços irrelevantes (aeroportos, companhias de seguros, bancos…).

    Depois veio o “dinheiro grátis”: sempre que há uma crise (normalmente provocada pelos próprios), aparecem milagrosamente milhares de milhões de euros em “fundos de resgate”. Esse dinheiro, que simplesmente não existe, é inventado pelo BCE e pago pela população com inflação.

    A realidade é esta: Bruxelas é uma casta parasitária ainda mais cara que os nossos políticos locais. Não beneficiamos nada com a sua existência: tornaram-nos os pedintes oficiais da Europa, sempre a pedir subsídios e dívida mutualizada, enquanto se cultiva a ilusão de que nada pagaremos, tudo nos será dado sem esforço ou custo. No entanto, no fim, pagamos sempre a conta: seja por impostos, inflação ou pela destruição da actividade produtiva.

    Há cinco décadas que dois partidos socialistas têm o monopólio deste saque. Para quem trabalha e produz, a vida é um inferno de impostos asfixiantes, regulação absurda vinda de Bruxelas, burocracia sufocante que só beneficia os grandes negócios capazes de suportar tais custos. Para os parasitas do regime, basta uma agenda de contactos para que milhares de euros fluam como um rio. A política transformou-se, assim, numa carreira profissional: uma actividade onde se sobe não pelo mérito, mas pela aptidão na arte do parasitismo.

    Tomemos o caso da empresa de casinos Solverde, tão falada nos últimos tempos. Se houvesse liberdade de entrada no mercado de casinos, os clientes decidiriam qual prosperaria. Mas para quê contratar Luís Montenegro, se ele não detivesse o poder de conceder monopólios privados? É o controlo e o poder estatal que alimenta esta promiscuidade entre plutocratas e políticos.

    O mesmo se aplica à despesa pública. Se cada um de nós contratasse o seu hospital ou a sua escola directamente ao prestador de serviços, não haveria qualquer incentivo para subornar políticos. Mas, como o Estado português controla 133 mil milhões de euros — cerca de 12,5 mil euros por português —, esse maná precisa de ser dirigido para os bolsos “certos”: contratos camarários para amigos, assessorias jurídicas para filhos de políticos e subsídios para empresas onde os parasitas têm familiares.

    Este modelo, como é óbvio, é insustentável e está condenado a falir. Daí o crescendo do controlo social, pois é preciso espremer até à última gota de sangue os que ainda produzem alguma coisa. Por essa razão, a União Europeia tornou-se uma espécie de URSS moderna: se a população vota “errado”, retira-se o candidato das listas; se já não há como roubar mais, inventam-se pandemias ou ameaças externas para justificar mais impostos, mais impressão monetária e mais inflação. Todas as crises são pretexto para aumentar o controlo e esmagar os dissidentes. Necessitam, assim, de um sistema que determine onde podemos gastar o nosso dinheiro e como nos devemos comportar: daí o Euro Digital, a peça final do puzzle totalitário – já prometido para Outubro deste ano.

    Chegámos, enfim, à farsa final: novas eleições para um parlamento nacional que nada decide, apenas aqueles que terão o privilégio de repartir o saque. Enquanto os portugueses acreditam que estão a escolher o seu destino, apenas seleccionam o próximo grande parasita. Nada mais.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Foi você que pediu o rearmamento europeu?

    Foi você que pediu o rearmamento europeu?


    A Europa, essa entidade amorfa que oscila entre a tecnocracia despótica e a incompetência institucionalizada, decidiu, uma vez mais, sacrificar o cidadão comum no altar das suas ilusões megalómanas.

    Recentemente, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que ninguém elegeu para coisa alguma, anunciou, com o fervor de uma sacerdotisa do destino europeu, que a União precisa de se rearmar urgentemente.

    Se o tom não é de histeria, é pelo menos de um fervor messiânico, como outrora aconteceu quando a mesma burocracia exigiu que todos fossem inoculados a uma velocidade vertiginosa com uma substância experimental, sob a ameaça de segregação social e de perda de direitos fundamentais. Agora, a urgência não é uma suposta pandemia, mas uma guerra que, como todas as tragédias europeias, tem as suas raízes na incompetência crónica dos mesmos líderes que agora nos exigem sacrifícios.

    Qual é, exactamente, a natureza desse novo imperativo existencial? Ao que parece, a Europa precisa de se defender de Putin e dos russos, que, depois de décadas a vender gás aos europeus, passaram a encarnar o mal absoluto. O mesmo continente que, até há poucos anos, celebrava efusivamente contratos de fornecimento energético com a Rússia, construía gasodutos, organizava campeonatos mundiais de futebol e estreitava laços comerciais, caiu agora numa amnésia conveniente e decidiu que a única solução é a guerra.

    Para essa guerra, propõe-se assaltar-nos em 800 mil milhões de euros, canalizados para o rearmamento e para os bolsos da casta não eleita em Bruxelas, sem que se levantem grandes questões sobre o impacto deste endividamento colossal. Como se a União Europeia não estivesse já atolada em problemas económicos e sociais, nem enfrentasse, em simultâneo, uma invasão silenciosa vinda do terceiro mundo, promovida e incentivada pelos mesmos que agora exigem que se levantem exércitos para travar um inimigo externo.

    A ironia é grotesca: enquanto se financia o caos dentro de casa, exige-se que os cidadãos paguem uma nova cruzada bélica que não lhes diz respeito. A incongruência atinge proporções quase teatrais quando se observa o súbito desinteresse pelas normas de responsabilidade orçamental que, até há pouco tempo, eram o evangelho inquestionável da União.

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    Durante anos, venderam-nos a austeridade como um dogma incontornável. Cortaram na saúde, na educação, nas pensões, no investimento público, tudo para garantir que os orçamentos se mantinham alinhados com os preceitos sagrados de Bruxelas. Claro está que, para um libertário, toda esta retórica era uma falácia, um mero eufemismo para justificar a pilhagem fiscal e o desvio dos recursos da população para os bolsos de burocratas e plutocratas.

    Ironicamente, nem sequer mantêm a coerência desse discurso: passaram da austeridade pregada em tom de sermão à mais descarada orgia de despesa pública, onde o dinheiro corre como água em direcção à indústria de armamento e às engrenagens do Estado belicista.

    Os que, há três anos, impunham prisões domiciliárias e encerravam negócios em nome da protecção de vidas humanas, são agora os mesmos que falam com frieza burocrática sobre a necessidade de enviar jovens para a carnificina de um campo de batalha na Ucrânia.

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    Aqueles que nos disseram que deveríamos viver trancados em casa porque poderíamos matar os velhinhos ao transmitir-lhes o vírus invisível, são agora os que dizem que vale a pena sacrificar gerações inteiras para manter o sonho delirante de um império europeu armado até aos dentes. A dicotomia é tão absurda que não pode ser explicada sem uma referência à hipocrisia estrutural da elite política europeia, que ora se veste de humanitarismo tecnocrático, ora se assume como máquina de guerra sem escrúpulos.

    Nada disto estaria completo sem um toque de ironia ecológica. Durante anos, disseram-nos que o CO2 era o grande inimigo da civilização, que era urgente transformar as nossas vidas num exercício permanente de penitência ambiental.

    Fomos proibidos de usar carros a combustíveis fósseis, obrigados a comprar veículos eléctricos, sujeitos a restrições energéticas para salvar o planeta. Agora, essa mesma elite que nos impôs estas limitações vem exigir uma corrida armamentista que, por um capricho técnico, não será feita com tanques eléctricos nem com caças movidos a energia solar. Não, o exército europeu de Ursula von der Leyen continuará, sem dúvida, a operar com os mesmos combustíveis fósseis que foram interditos aos cidadãos comuns.

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    As preocupações ambientais evaporam-se quando se trata de mobilizar frotas de navios de guerra ou de despejar bombas sobre cidades distantes. A preservação do planeta é um fardo exclusivamente nosso, os otários de sempre, enquanto os militares, os fabricantes de armamento e a quadrilha que orquestra este teatro continuam a “poluir” impunemente.

    A justificação para esta nova corrida armamentista baseia-se numa narrativa cuidadosamente construída sobre a suposta ameaça russa. Aqui, surge outro detalhe que mereceria um prémio de cinismo: durante décadas, os líderes europeus não só negociaram alegremente com Putin como fizeram da Europa um refém energético da Rússia. Foram eles que financiaram os gasodutos, que construíram infraestruturas para garantir o fluxo de gás barato, que promoveram acordos comerciais estratégicos com Moscovo.

    Agora, esses mesmos líderes afirmam estar surpreendidos com as acções do Kremlin, como se nada do que aconteceu nos últimos anos tivesse sido previsível. A guerra, longe de ser uma fatalidade inevitável, foi alimentada por anos de irresponsabilidade geopolítica e arrogância ocidental. A solução proposta é a escalada, em vez da negociação. O diálogo, que noutros tempos era considerado um pilar da diplomacia europeia, foi descartado em favor de uma retórica belicista que só beneficia as indústrias que lucram com a destruição.

    Vladimir Putin e Ursula von der Leyen na Conferência sobre a Líbia, em Berlim, em Janeiro de 2020.
    / Foto: D.R.

    O que nos resta então? A factura será paga por todos aqueles que, à semelhança do que aconteceu durante a putativa pandemia, acreditam que os sacrifícios impostos pelos governantes são sempre necessários e justificados. O cidadão comum, que já viu o seu poder de compra dizimado pela inflação, que já enfrenta um custo de vida insustentável, terá agora de suportar uma nova onda de inflação – tudo será pago com a impressora do Banco Central Europeu (BCE) –, impostos e de perda de liberdade em nome da segurança colectiva.

    Tal como aconteceu durante a suposta crise sanitária, qualquer resistência será tratada com desprezo e hostilidade. Os que questionaram a narrativa da pandemia foram apelidados de negacionistas, perigosos para a sociedade. Agora, os que se opõem à escalada militarista serão inevitavelmente rotulados como agentes do Kremlin, putinistas, traidores da democracia, alvos a abater no grande jogo da propaganda política.

    O ciclo repete-se com um cinismo avassalador. O mesmo cidadão europeu que aceitou ser coagido a receber injecções experimentais, que aceitou ser trancado em casa e impedido de trabalhar, que aceitou a destruição da economia em nome da protecção da saúde pública, aceitará agora mais esta impostura.

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    Aceitará pagar a factura da guerra, aceitará a militarização da sociedade, aceitará ser um peão descartável num jogo de poder que não compreende e que em nada o beneficia. Tudo porque, no final, continua a acreditar nas mesmas elites e na sua propaganda que o desprezam e que, sem qualquer vergonha, conduzem o continente à ruína enquanto garantem para si próprios um futuro confortável entre os corredores de Bruxelas e os conselhos de administração das empresas de armamento.

    Bem-vindos à nova normalidade. O circo prossegue, os holofotes brilham, a música toca. Como sempre, os palhaços somos nós.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Propaganda, enxovalho e mentiras

    Propaganda, enxovalho e mentiras


    Nas últimas décadas, temos sido alvo de propaganda, enxovalhos e mentiras sem fim. O Estado dita uma narrativa e, mais tarde, dá-se o milagre da iluminação: percebemos que tudo era uma mentira, uma ilusão bem montada. Mas, nessa altura, o mal já está feito e os criminosos que gerem o aparelho estatal lograram o seu objectivo: roubar-nos as liberdades; assaltar-nos sem complacência, seja por impostos, dívida pública ou inflação; e vigiar-nos em permanência. Cada passo, cada cêntimo, cada palavra.

    George Orwell, quando publicou 1984 em 1949, não estava a escrever ficção; estava a antecipar o nosso futuro. Novilíngua, reescrita da história, verdade que se torna mentira e vice-versa, guerra que é paz e vice-versa…um esboço da actual realidade.

    Como não podia deixar de ser, a nossa pequena república bananeira também não perdeu tempo em adoptar o manual do Grande Irmão. No final do século transacto, em todas as eleições, ouvíamos invariavelmente o refrão: “se todos pagarmos a nossa parte, todos iremos pagar menos”. Uma autêntica obra-prima da aldrabice. Os gatunos estatais tentavam convencer-nos de que era moral e correcto sermos assaltados sem resistência.

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    Foto: D.R.

    O riso, porém, acabou depressa, pois assim que montaram a máquina afinada, conhecida por Autoridade Tributária, o assalto tornou-se total e sem falhas. Cada cêntimo monitorizado, cada rendilhado de evasão cortado. Hoje, já não há margem para escapatória, pois qualquer erro é punido sem complacência, qualquer tentativa de conservar o que é nosso é vista como um crime hediondo. No fim, o que sobra? A sensação de que vivemos num regime em que somos escravos que devem ser confiscados pelo privilégio de existirem.

    A novilíngua continuou a refinar-se com expressões como “despesa fiscal” – ou seja, se o Estado nos rouba um pouco menos, considera isso uma perda para si, não um alívio para a vítima. Já não se trata de permitir que os cidadãos fiquem com o que é seu; trata-se de um conceito onde tudo pertence ao Estado por direito e o que nos deixam conservar é visto como uma concessão, uma dádiva!

    O que dizer dos “meus descontos” para a Segurança Social? Como se houvesse algum porquinho a guardar o nosso dinheiro até à reforma. Nada disso: é apenas mais um imposto para alimentar vitórias eleitorais dos criminosos que dominam o Estado há mais de 50 anos, onde os votos dos reformados são comprados com o dinheiro extorquido aos activos. Se um trabalhador morre antes da reforma, os seus herdeiros podem ir buscar o dinheiro? A resposta é óbvia: um rotundo não. O sistema foi desenhado para que o assaltado nunca tenha qualquer retorno real. O roubo é organizado, planeado, metodológico. Nada é deixado ao acaso.

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    Foto: D.R.

    No plano internacional, vivemos de farsa em farsa. Primeiro, foi a “guerra ao terror”, cujo verdadeiro objectivo foi colocar os bancos a vigiar-nos sob o pretexto da “prevenção do branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo”. Com esta desculpa, hoje, cada transacção, cada transferência, cada levantamento de numerário é um acto suspeito.

    Os bancos, outrora instituições privadas que serviam os seus clientes, passaram a braço armado do Estado, denunciando e rastreando cada cêntimo. Reparem: qualquer país pode ser atirado para uma lista negra, ser declarado pária, ser bloqueado financeiramente porque não segue a cartilha ditada por um grupo de burocratas sem rosto.

    Seguidamente, veio o vírus invisível, um verdadeiro teste de obediência em massa. Prisões domiciliárias mascaradas de “confinamentos salvíficos”, fraldas faciais transformadas em amuletos de submissão, substâncias experimentais perigosas injectadas sob coacção. A máquina propagandística funcionou na perfeição: o medo como ferramenta de dominação.

    Imagem do filme ‘They Live‘, de John Carpenter.

    Depois da gripe com outro nome, veio a narrativa da bandeirinha azul e amarela, que agora se desmorona diante dos nossos olhos. Disseram-nos que a Ucrânia era a vítima, mas esqueceram-se de mencionar vários factos: que os EUA prometeram não expandir a NATO para leste e que quebraram essa promessa. A expansão foi implacável, sempre empurrando as fronteiras da aliança militar para as portas da Rússia, como se fosse um jogo de provocação deliberado. Mas a propaganda ocidental finge que este contexto nunca existiu.

    Nem nos explicaram que houve um golpe de Estado na Ucrânia em 2014, patrocinado pelos Estados Unidos, que derrubou um presidente democraticamente eleito. A substituição foi cirúrgica, colocando no poder elementos leais ao Ocidente, prontos para executar a agenda imposta.

    O regime que saiu desse golpe praticou atrocidades, como o massacre de Odessa, onde dezenas de manifestantes russófonos foram queimados vivos num edifício; um crime horrendo que foi rapidamente varrido para debaixo do tapete mediático.

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    Foto: D.R.

    O que dizer dos acordos de Minsk I e II, que foram apresentados como tentativas de paz, mas serviram apenas para a Ucrânia armar-se até aos dentes, enganando a Rússia e preparando a Ucrânia para um conflito inevitável. Até ao início da guerra em 2022, o regime de Kiev bombardeou civis no Donbass, provocando um sofrimento incalculável, mas os olhos ocidentais estavam convenientemente fechados para esta realidade.

    O cúmulo da hipocrisia chegou depois do início da guerra em Fevereiro de 2022, quando um acordo de paz foi alcançado no mês seguinte em Istambul, garantindo a neutralidade da Ucrânia e o reconhecimento do seu território. Foi imediatamente sabotado pelos parasitas do Ocidente.

    Estamos agora a conhecer a realidade sobre o ex-comediante transformado em suposto Churchill do Ocidente. Zelensky ilegalizou partidos de oposição em Março de 2022, sob pretexto da lei marcial, eliminando qualquer resquício de democracia.

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    Mandou encerrar três canais de televisão em 2021, acusando-os de serem apoiantes russos, silenciando qualquer voz dissidente. Recrutou à força jovens para a guerra, proibindo homens entre 18 e 60 anos de saírem do país, transformando-os em carne para canhão num conflito inútil.

    Está ligado ao oligarca Kolomoisky, suspeito de transferir milhões para os seus bolsos, demonstrando que a corrupção continua a ser o verdadeiro pilar do regime ucraniano. Fechou a Igreja Ortodoxa Russa no país para cortar laços culturais com Moscovo, num acto de perseguição religiosa e política.

    Gonzalo Lira, um escritor e cineasta norte-americano, que residia em Kharkiv, Ucrânia, durante a invasão russa de 2022, conhecido pelas suas críticas ao governo de Volodymyr Zelensky e por divulgar informações pró-Rússia, foi detido pelo Serviço de Segurança da Ucrânia (SBU) em Abril de 2022, sendo posteriormente libertado.

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    Foto: D.R.

    Em Maio de 2023, foi novamente preso sob acusações de justificar a invasão russa, permanecendo sob custódia até à sua morte em 12 de Janeiro de 2024, oficialmente atribuída a “pneumonia”. Contudo, relatos indicam que Lira terá sido vítima de tortura e negligência médica durante a sua detenção, levantando sérias questões sobre as práticas do SBU e o tratamento de detidos políticos do regime liderado por Zelensky. Mais uma morte incómoda que será convenientemente esquecida.

    Mas espantam-se quando lhe chamam ditador! O homem recusa-se a realizar eleições, mas os nossos iluminados da União Europeia continuam a suspirar pela continuação da guerra, talvez porque os seus bolsos são recheados com o sangue que escorre nos campos de batalha da Ucrânia.

    Porque há uma coisa que nunca falha: sempre que um grande esquema de propaganda cai por terra, já têm outro a ser cozinhado. A pergunta é: por que carga de água continuamos a cair neles? Será que a nossa capacidade de discernimento foi completamente obliterada pelo bombardeamento incessante da mentira? Ou será que, no fundo, muitos preferem a ilusão confortável à dura verdade?

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • Um mundo às avessas

    Um mundo às avessas


    A memória é uma maldição. De nada serve apontar os factos históricos, os processos lógicos, as evidências empíricas – a turba sempre volta a esquecer a essência do Estado. Poucos ousam dizê-lo com todas as letras, mas eis a verdade nua e crua: o Estado é um grupo de bandidos organizados que adquire propriedade de forma ilegítima.

    Um assaltante de esquina, ao menos, não pretende dignificar a sua vileza com argumentos pomposos, não se esconde atrás de leis e regulamentos, nem se apresenta como benfeitor da humanidade. O Estado, esse grande parasita, disfarça-se de entidade moral e omnipotente, apresentando a pilhagem como um acto de justiça, a coerção como um serviço público e a violência como um dever cívico.

    Mas o que é, afinal, uma aquisição legítima de propriedade? Há três vias para tal: a apropriação original, a troca voluntária e a herança ou doação. Quem desbrava um campo e planta as primeiras sementes estabelece um direito legítimo sobre aquela terra. Quem troca trabalho por dinheiro ou bens e serviços pratica uma relação mútua, sem violência. Quem recebe algo por doação ou herança apenas vê transferida uma posse obtida legitimamente.

    Eis a base da propriedade privada, um conceito que deveria ser óbvio para qualquer ser humano que não tenha sofrido uma lavagem cerebral em escolas públicas. No entanto, o Estado tem uma característica única que o distingue do ladrão vulgar: a capacidade de legalizar formas de apropriação de propriedade privada para si próprio, enquanto as torna ilegais para os demais.

    Veja-se o caso dos impostos. Se um cidadão qualquer confiscar parte do salário de um vizinho sob ameaça de violência, chamar-se-á a isso roubo, e com razão. Mas quando o Estado o faz, chama-se tributação.

    Se um indivíduo imprimir notas falsas e as introduzir na economia, será preso por falsificação de moeda. Mas se o Banco Central ou um banco o faz, é porque precisa de estimular a economia ou evitar uma recessão.

    Se um sujeito invadir uma casa e a tomar para si alegando necessidade, será desalojado e julgado. Mas se o Estado decide que aquela propriedade privada é necessária para um quartel de bombeiros, uma esquadra de polícia ou um hospital, a expropriação forçada torna-se um acto legítimo. A ironia é palpável, mas a aceitação desse duplo critério revela a profundidade da propaganda estatal.

    O endividamento público é outro mecanismo de pilhagem. Os chamados representantes do povo, sem qualquer mandato expresso para tal, assinam contratos de dívida que amarram gerações futuras a um fardo impagável. Como essa dívida não pode ser paga com receitas fiscais – pois os impostos já se encontram no seu limite tolerável –, imprime-se moeda, desvalorizando o poder de compra dos cidadãos, roubando-lhes riqueza pela via silenciosa da inflação. Em qualquer outro contexto, isto seria chamado de esquema fraudulento, digno dos mais célebres charlatães. Mas quando praticado por banqueiros centrais, banqueiros do sistema e políticos engravatados, converte-se em política económica responsável.

    O Estado não é apenas um ladrão comum. É um bandido catedrático, erudito, com um departamento de relações públicas eficiente e uma capacidade notável de manipular consciências. Rouba, mas apresenta-se como protector dos fracos e oprimidos. Confisca propriedade, mas afirma que é para garantir serviços essenciais. Extorque riqueza, mas proclama que é para combater desigualdades.

    É um parasita que não apenas suga os seus hospedeiros, mas também os convence de que tal processo é justo e necessário. O ensino estatal e a academia desempenham um papel fundamental nesta lavagem cerebral, disfarçando a exploração sistemática com teorias rebuscadas sobre bens públicos, concorrência perfeita e externalidades. O que outrora era visto como pilhagem descarada é hoje aceite como dogma económico.

    A evolução do parasitismo estatal atingiu níveis de sofisticação inigualáveis. Já não há um rosto concreto para o roubo. Nos tempos da monarquia absoluta, havia um rei gordo e anafado, a quem se podia atribuir a responsabilidade directa pelos impostos opressivos. Hoje, a democracia criou um sistema de bandidagem difusa, onde os assaltantes são anónimos e se multiplicam em gabinetes, comissões, assessores e departamentos. A genialidade do modelo reside no facto de que o povo é ensinado a ver-se como responsável pela sua própria espoliação, pois são os seus representantes a conduzir os saques. O mecanismo tornou-se tão eficiente que as vítimas chegam ao ponto de defender apaixonadamente os seus algozes, recorrendo a expressões como os “meus impostos”, os “meus descontos”.

    Além disso, a moralidade foi meticulosamente corroída, dando lugar ao relativismo como norma. Princípios fundamentais como a vida, a liberdade e a propriedade deixaram de ser valores absolutos, transformando-se em meros conceitos maleáveis, sujeitos ao arbítrio de burocratas e ideólogos. Hoje, pode-se eliminar um ser humano até às dez semanas de gestação, pois, segundo os burocratas, ainda não é um ser humano, ignorando-se o facto inegável de que a vida é um contínuo desde a concepção até à morte. Todos nós, os vivos, fomos, um dia, um ser humano com um dia, com dez dias ou com dez semanas. Mas agora, o Estado determina onde se inicia a sacralidade da vida, como se esta pudesse ser medida em dias, semanas ou meses.

    A impressão de dinheiro deixou de ser considerada roubo para ser promovida como uma ferramenta de política monetária. As proibições já não são vistas como censura, mas como uma protecção contra discursos perigosos. Veja-se o caso de pessoas presas por discursos de ódio, nos quais não há vítimas, pois a sua vida, propriedade e liberdade não foram minimamente afectadas. Tudo se tornou relativo, excepto a necessidade de pagar impostos.

    O Estado, para garantir o seu domínio absoluto, precisa de fabricar constantemente inimigos comuns. A partir de 11 de Setembro de 2001, tivemos a guerra ao terror, que transformou árabes barbudos no inimigo global, justificando invasões, ocupações e assassinatos em massa. Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria, Iémen – países arrasados em nome da liberdade e da democracia.

    Depois, a putativa pandemia, em que um vírus se tornou o inimigo comum que justificou a suspensão arbitrária de liberdades constitucionais e a governação por decretos, sem qualquer escrutínio democrático. A propaganda oficial atingiu um paroxismo sem precedentes, com ritos de obediência transformados em mandamentos inquestionáveis: fraldas faciais, prisões domiciliárias, distanciamento social, certificados de pureza genética – toda uma panóplia de medidas que nunca tiveram qualquer base científica, mas que serviram para testar os limites da submissão.

    Aqueles que ousaram questionar a narrativa oficial foram imediatamente rotulados de negacionistas, tratados como párias e perseguidos como criminosos de pensamento. A segregação social dos não vacinados atingiu níveis de discriminação comparáveis aos períodos mais negros da História, com indivíduos impedidos de trabalhar, viajar ou até de frequentar espaços públicos, reduzidos ao estatuto de sub-humanos – Untermenschen.

    Os governos, movidos pelo pânico ou pelo desejo oportunista de expandir o seu poder, impuseram coercivamente a toma de uma substância experimental, sob a ameaça de exclusão social e económica, subvertendo o princípio fundamental da autonomia corporal. Tudo isto feito sob a égide do bem comum, utilizando a velha estratégia totalitária de forjar um inimigo invisível para justificar atrocidades bem visíveis. A liberdade, que outrora se dizia inalienável, foi obliterada sem resistência significativa, numa capitulação vergonhosa que revelou o quão frágil se tornou a ideia de autodeterminação numa sociedade educada para a obediência cega.

    Enfim, a putativa pandemia serviu como o laboratório perfeito para testar os limites da nossa servidão voluntária. Mas quando o medo biológico já não bastava, foi necessário forjar um novo inimigo conveniente: Putin e a Rússia, rapidamente convertidos na raiz de todos os males, enquanto se esquece deliberadamente que o regime de Zelensky tem pouco ou quase nada de democrático, sendo um títere financiado pelo Ocidente, que persegue a oposição, suspende liberdades religiosas, envia jovens despreparados para a carnificina e rejeita eleições.

    A verdade inegável é que este conflito não tem heróis, apenas bandidos. Putin, com a sua nostalgia imperial e a sua política de força bruta, nada tem de libertador; os EUA, mestres na arte da desestabilização global, fomentaram a guerra para garantir os seus próprios interesses hegemónicos; a Ucrânia, longe de ser um bastião de liberdade, tornou-se um peão útil neste jogo sujo de geopolítica e manipulação.

    Enquanto os grandes jogadores repartem os despojos, o cidadão comum, seja russo, ucraniano ou ocidental, paga a conta em sangue, inflação e perda de liberdades, enquanto os arquitectos do conflito assistem do alto das suas torres de marfim, indiferentes ao sofrimento que perpetuam.

    Mas o arsenal de ameaças invisíveis não termina aqui. O inimigo eterno, aquele que nunca se extinguirá e cujo combate justifica o saque perpétuo, é o CO2, o gás da vida transformado em agente do apocalipse. No século XV, os desesperados compravam indulgências para salvar a alma; agora, pagamos taxas de carbono para salvar o planeta, rendendo-nos ao novo clero ambientalista, que impõe dogmas inquestionáveis e exige sacrifícios perpétuos. Desta forma, geração após geração, o grande saque prossegue, meticulosamente planeado e executado por uma casta de ladrões legalizados que, com mão de ferro e luva de veludo, perpetuam o maior embuste da história da humanidade: a ideia de que são necessários para a nossa existência.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário

    Nota: Ilustrações produzidas com recurso a inteligência artificial


    N.D. Os textos de opinião expressam apenas as posições dos seus autores, e podem até estar, em alguns casos, nos antípodas das análises, pensamentos e avaliações do director do PÁGINA UM.

  • A Economia é uma ciência exacta?

    A Economia é uma ciência exacta?


    Há uma mania persistente, quase obstinada, que recusa morrer mesmo diante da lógica mais evidente: tratar o valor económico como uma entidade objectiva, rigorosa, como se fosse uma equação da física newtoniana. Uma ideia quase patológica, que permite ao planeador central brincar com a economia como se fosse uma roldana presa às regras da física quântica.

    O mais curioso, contudo, é como esta tentativa delirante de matematizar a acção humana encontra raízes profundas numa mentalidade religiosa muito específica. Sim, o protestantismo, especialmente na sua variante calvinista.

    Acreditam que o homem nunca poderá livrar-se do pecado original. O destino da sua alma está determinado por Deus antes mesmo de nascer. De nada valem as boas obras, as confissões ou as tentativas de redenção. Essa visão trouxe consigo duas consequências profundamente nefastas para a economia e para a sociedade.

    Primeiro, a crença de que o homem é mau por natureza e, por isso, precisa de ser regulado até ao último suspiro; segundo, uma obsessão patológica com sinais exteriores de riqueza, pois, na lógica calvinista, a prosperidade material é um sinal de que a pessoa foi eleita por Deus para a salvação. O trabalho, portanto, tornou-se o altar desse culto terreno, e a riqueza, o ícone sagrado.

    Ao considerar o trabalho como a medida de todas as coisas, Adam Smith, esse suposto “pai da economia”, perpetuou um erro monumental. A sua teoria do valor-trabalho, fruto do seu pensamento calvinista, refinada depois por David Ricardo, afirmava que o valor de um bem dependia das horas despendidas na sua produção.

    Karl Marx levou esta ideia ao extremo ridículo, sugerindo que o capitalista roubava o valor produzido exclusivamente pelos trabalhadores. Ora, para refutar esta tolice, basta imaginar duas senhoras: uma, passa cinco horas a fazer pastéis de nata; a outra, durante o mesmo tempo, faz bolinhos de areia. Quem irá vender o seu produto? A resposta não exige grande esforço intelectual, mas parece ter escapado a Marx.

    A utilidade de um bem reside na sua capacidade de satisfazer uma necessidade humana, sendo, portanto, uma característica que não é intrínseca ao bem em si, mas antes definida pela relação entre o bem e as necessidades específicas do indivíduo. Uma cadeira, por exemplo, pode ter uma essência material – é feita de madeira, com uma estrutura fixa –, mas a sua utilidade prática depende da função que desempenha, como proporcionar descanso ou permitir uma postura confortável. Esta relação dinâmica entre o bem e o utilizador reflecte a natureza subjectiva da utilidade, algo que não pode ser reduzido a métricas absolutas ou universais.

    Além disso, a utilidade de um bem é influenciada pela sua escassez e que determina o seu valor. Se uma pessoa possui três cavalos de características idênticas, a distribuição do uso será hierárquica: o primeiro cavalo será destinado à tarefa mais urgente, como lavrar a terra; o segundo, para puxar uma charrua de carga; o terceiro, a uma necessidade menos premente, como passear. À medida que se aumenta a quantidade de um bem disponível, o valor marginal – ou seja, a utilidade da última unidade – tende a diminuir, pois as necessidades mais urgentes já foram satisfeitas. Este princípio, conhecido como utilidade marginal decrescente, demonstra que a abundância reduz o valor subjectivo de cada unidade adicional.

    O valor, portanto, é inerentemente subjectivo e condicionado pela escassez. Bens como o ar, por exemplo, são de extrema utilidade – afinal, respiramos a cada segundo –, mas não possuem valor económico porque a sua oferta excede infinitamente a procura, sendo virtualmente ilimitados em circunstâncias normais.

    Por outro lado, bens cuja procura supera consistentemente a oferta, como uma casa, possuem um valor económico significativo, pois satisfazem necessidades para as quais os recursos disponíveis são insuficientes. Esta relação entre procura e escassez é o que define a maior parte dos preços no mercado, que são relações de troca entre duas partes com diferentes perspectivas de valor.

    As circunstâncias específicas em que os bens são avaliados também afectam as decisões humanas. Imaginemos um naufrágio em alto-mar, onde quatro tripulantes têm apenas uma quantidade limitada de bolachas para sobreviver 15 dias, o tempo necessário para chegar a terra firme. Mesmo que um deles possua um quilo de ouro, este metal precioso não terá qualquer valor para os restantes tripulantes, pois não satisfaz as necessidades urgentes de sobrevivência em tal contexto. Assim, as bolachas, que em terra poderiam ter um valor marginal reduzido, tornam-se indispensáveis, enquanto o ouro, que simboliza a riqueza noutras condições, perde completamente o seu valor. Tal exemplo evidencia a flexibilidade do valor subjectivo, sempre dependente do contexto e das necessidades concretas de cada indivíduo.

    Muito antes de Adam Smith e Marx, os escolásticos ibéricos do Renascimento lançaram as suas fundações intelectuais, recusando reduzir a acção humana a meros números. O português Pedro da Fonseca, o “Aristóteles português”, afirmou que “a essência é aquilo que a coisa é; a existência, por sua vez, é o ser actual da coisa” (Institutionum Dialecticarum, 1564). Um bem tem uma essência, mas o seu valor reside na existência prática e nas necessidades humanas que pode satisfazer. Este pensamento abriu caminho para uma análise económica que reconhecia o papel central do indivíduo e das suas escolhas.

    Luis de Molina, por exemplo, captou a essência dessa abordagem ao afirmar que “o valor de uma coisa depende da estimação que dela fazem os homens, mesmo que essa coisa não tenha utilidade em si mesma, pois é suficiente que seja útil para alguém ou que seja tida como tal” (De Justitia et Jure, 1593). Molina refutava a ideia de que o valor era intrínseco aos bens ou determinado pelos custos de produção, apontando directamente para a subjectividade que molda o mercado.

    Francisco Suárez complementou essa visão ao afirmar que “o preço de mercado de uma mercadoria não depende apenas da sua utilidade ou dos custos de produção, mas também da estimação comum e da abundância ou escassez da mesma em relação à procura” (De Legibus ac Deo Legislatore, 1612). Estes escolásticos já anteviam os princípios de equilíbrio de mercado e utilidade marginal que, mais tarde, seriam formalizados.

    Os escolásticos também compreenderam o papel determinante da escassez. Martín de Azpilcueta, no seu tratado Comentario Resolutorio de Cambios (1556), afirmou: “O dinheiro vale mais onde é mais escasso do que onde é mais abundante, mesmo que o material seja o mesmo.” Este raciocínio antecipou os fundamentos da teoria monetária moderna, demonstrando como a oferta influencia o poder de compra.

    Domingo de Soto, por sua vez, afirmou que “os preços justos de uma mercadoria não são fixos e objectivos, mas dependem das circunstâncias do mercado e da necessidade dos indivíduos em determinado momento” (De Justitia et Jure, 1553). Soto reconhecia que o valor é dinâmico, moldado pelas condições de mercado e pelas percepções individuais, rejeitando qualquer tentativa de fixar uma métrica universal.

    Ainda mais eloquente foi Juan de Mariana, que em De Monetae Mutatione (1609) afirmou: “O valor das coisas não é determinado pela natureza delas, mas pela estimativa humana e pela utilidade que delas se pode extrair.” A clareza com que Mariana aborda a subjectividade do valor é notável.

    Mas a teoria do valor subjectivo foi verdadeiramente formulada por Carl Menger no século XIX– um católico que nasceu no Império Austro-Húngaro. O valor não é algo objectivo, medido em “utils”, como sugeriu Jevons. É subjectivo, ordinal e não cardinal, nem tão pouco pode ser comparado entre indivíduos.

    Assim, por que razão a economia, dominada por ideias protestantes, insiste em reduzir tudo a números, fórmulas e supostas verdades universais? A ciência económica moderna adoptou o método das ciências exactas, em que hipóteses são testadas e, a partir daí, verdades universais são estabelecidas. No entanto, quando se trata da acção humana, esse método falha rotundamente. A praxeologia de Ludwig von Mises, por outro lado, segue o método escolástico: parte-se de axiomas evidentes e deduzem-se verdades universais sobre a acção humana.

    O protestantismo, infelizmente, derivou para o utilitarismo, uma filosofia que maximiza o bem comum em detrimento dos direitos individuais, dominando desde o século XIX por completo a economia. Veja-se o exemplo das políticas de confinamento, justificadas pela suposta maximização da segurança colectiva, ignorando por completo os direitos naturais dos indivíduos. Milton Friedman, no seu livro “A Monetary History of the United States, 1867-1960”, chega a justificar a impressão de dinheiro como meio de evitar uma recessão. Ora, diluir o valor da moeda para “estimular” a economia não é mais do que uma forma sofisticada de confiscar a propriedade privada.

    Hoje, a falácia do bem comum tudo justifica: impostos extorsivos e regulações asfixiantes para regular o mercado; ou licenças para impedir a entrada de concorrentes em nome da protecção do consumidor, é a prova de que vivemos sob o jugo de burocratas e parasitas que dizem agir pelo bem comum, mas que, na verdade, não têm qualquer capacidade de medir a acção humana. São os herdeiros de uma tradição protestante que se perdeu na loucura de tentar quantificar o incalculável.

    As instituições protestantes, alimentadas pela pseudociência económica que produzem, são, de facto, a nossa maior desgraça. Enquanto continuarmos a acreditar que o valor é uma entidade objectiva, e que o planeador central consegue manipular as nossas vidas com a precisão de um físico, estaremos condenados a este ciclo de loucura. A solução, talvez, seja redescobrir o valor da liberdade e da subjectividade, algo que os escolásticos católicos sabiam muito bem.

    Luís Gomes é gestor (Faculdade de Economia de Coimbra) e empresário

    Nota: Ilustrações produzidas com recurso a inteligência artificial


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  • John Locke: o pai do liberalismo?

    John Locke: o pai do liberalismo?


    Na visão de muitos, John Locke é a figura seminal do liberalismo, o pensador que delineou os princípios fundamentais de uma sociedade baseada na liberdade individual, nos direitos naturais e na propriedade privada. A sua filosofia, frequentemente exaltada como a base das democracias modernas, parece estar envolta numa aura de racionalidade inquestionável e virtude universal. No entanto, um exame mais detalhado das suas ideias revela as influências profundas do protestantismo da época, e, com elas, algumas contradições marcantes.

    Para Locke, a propriedade é o ponto de partida da sua filosofia política, começando pelo direito inalienável que cada indivíduo tem sobre o próprio corpo. Este princípio, que ele considerava derivado da lei divina, estendia-se à apropriação dos recursos naturais por meio do trabalho: ao misturar o esforço humano com os bens da terra, o indivíduo conferia legitimidade à propriedade privada.

    John Locke (1632-1704)

    Os direitos naturais, segundo Locke, são inalienáveis e precedem qualquer instituição política. Incluem o direito à vida, protegido contra qualquer interferência – inclusive a própria. Para Locke, a vida é uma dádiva divina, e a liberdade, embora fundamental, deve ser limitada pelo respeito aos direitos dos outros, especialmente no que toca à propriedade.

    Por fim, o contrato social surge como a solução para o dilema do estado de natureza, onde os homens são “livres”, mas vulneráveis à arbitrariedade alheia. A formação de um governo, segundo Locke, é um acto racional e consensual, concebido para proteger os direitos naturais e garantir a ordem.

    Um exame mais atento revela que muitas das suas ideias já tinham sido profundamente exploradas pelos escolásticos católicos, particularmente pelos membros das Universidades de Salamanca, Coimbra e Évora. Estes pensadores, séculos antes de Locke, abordaram questões sobre liberdade, propriedade e organização política de maneira sistemática. Ou seja, o liberalismo nasceu na Igreja Católica.

    A ideia de que cada indivíduo tem soberania sobre o próprio corpo, central no pensamento de Locke, encontra paralelos claros no trabalho de Francisco de Vitoria. Este escolástico afirmou que todos os homens são naturalmente livres e que ninguém pode ser privado dessa liberdade sem uma causa justa. Nas suas palavras: “O direito natural é aquele que procede da dignidade da natureza humana, pelo qual todo o homem possui um domínio pleno da sua liberdade e da sua pessoa” (Relectio de Indis, 1539). Esta formulação, que enraíza a liberdade individual na dignidade intrínseca do ser humano, já contém o germe da concepção lockeana de que o corpo é propriedade do próprio indivíduo, um fundamento inalienável dos direitos naturais.

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    Outro pilar central do pensamento de Locke, a noção de que o trabalho legitima a apropriação de bens naturais, também foi claramente antecipado pelos escolásticos. Luis de Molina, ao abordar a justiça económica, argumentava que o esforço humano conferia legitimidade à posse: “Quando o homem, com o suor do seu rosto, cultiva o solo ou transforma recursos em algo útil, a propriedade desses bens é sua por direito” (De Iustitia et Iure, 1593). Aqui, Molina não apenas reconhece o trabalho como uma extensão do uso legítimo do corpo, mas também como um mecanismo que transforma recursos comuns em propriedade privada, um princípio que Locke posteriormente sistematizaria como a “mistura do trabalho com os bens naturais”.

    A noção de contrato social, que Locke popularizou como a solução para os desafios do estado de natureza, também tem profundas raízes escolásticas. Domingo de Soto, nas suas reflexões sobre a lei natural, afirmava que os homens, embora livres e iguais por natureza, necessitavam de pactos mútuos para garantir a convivência pacífica e a justiça; escreveu: “O contrato entre os homens nasce da necessidade de garantir a justiça e proteger os direitos que todos possuem por natureza” (De Iustitia et Iure, 1553). Este raciocínio reflecte o mesmo princípio de Locke de que o contrato social é essencial para proteger os direitos naturais e estabelecer uma ordem política legítima.

    Francisco de Vitoria foi ainda mais longe, ao afirmar que o governo deriva do consentimento dos governados, e não de uma imposição divina directa. “O poder político é estabelecido pelo consenso dos homens, para assegurar a justiça e o bem comum” (De Potestate Civili, 1528), estabelecendo uma base teórica que Locke ecoaria nas suas defesas do governo como uma instituição criada para preservar os direitos naturais.

    Luis de Molina complementava essa visão ao argumentar que o pacto social é uma expressão da racionalidade humana, que reconhece a necessidade de acordos para evitar a arbitrariedade do estado de natureza. Para ele, “sem um acordo entre os homens, os direitos e deveres tornam-se incertos” (De Iustitia et Iure, 1593). Esta visão, que coloca a racionalidade e a cooperação humana no centro da organização política, ressoa directamente com o pensamento de Locke, mostrando que o filósofo inglês não estava a inventar conceitos.

    Apesar da obra “De Justitia et Jure“, de Luis de Molina (1535-1600) ter sido escrita no século XVI, somente foi impressa em 1733.

    Assim, o que muitas vezes é celebrado como a originalidade de Locke deve ser entendido, em grande parte, como uma continuação e adaptação das ideias escolásticas. Os pensadores ibéricos, ao articular a soberania individual, a legitimidade da propriedade pelo trabalho e a necessidade de pactos sociais, estabeleceram os alicerces de uma filosofia política que transcendeu as fronteiras do seu tempo.

    Locke, apesar da sua aparente genialidade, fundamentou grande parte do seu pensamento político numa ficção: o estado de natureza. Essa aberração teórica, onde os homens seriam livres, iguais e independentes, ignora a realidade evidente de que os seres humanos vivem em hierarquias naturais desde o início da sua existência – algo inaceitável para os protestantes, que recusavam a autoridade papal. A relação entre pai e filho, general e soldado, ou sábio e aluno ilustra claramente que a liberdade absoluta nunca foi, nem poderia ser, a condição humana. Há sempre relações de autoridade e dependência que moldam a convivência. O próprio Locke, ao tentar escapar ao caos deste estado hipotético, recorreu ao contrato social como uma solução, mas aqui também tropeçou em contradições.

    A ideia de Locke de que o Estado existe para proteger os direitos naturais é um princípio perigoso, que abriu caminho para o que hoje conhecemos como o fascismo estatal. Um governo que se apresenta como guardião da vida, da liberdade e da propriedade não tarda a transformar-se no maior violador desses mesmos direitos. A tributação, elemento central de qualquer Estado, é em si mesma uma violação do direito à propriedade.

    O Estado não produz riqueza; apenas a extrai, usando sempre a força e a coerção, sob o pretexto de proteger os cidadãos. A liberdade defendida por Locke acaba subjugada a um Leviatã moderno, que, sob a capa de justiça e ordem, se torna o maior predador dos recursos individuais.

    Quanto ao contrato social, a maior ironia é que ele nunca existiu de facto. Nenhum cidadão o assinou, nenhum juiz supervisiona a sua aplicação e nenhum mecanismo foi criado para que seja renovado pelas gerações que nascem sob a sua pretensa autoridade. É uma ficção conveniente, usada para legitimar a existência de uma organização parasitária que se impõe aos indivíduos como se fosse um bem universal. Este “contrato” é, na realidade, um instrumento de dominação, uma imposição unilateral que não reflecte a vontade de nenhum indivíduo específico.

    O que Locke nos oferece, portanto, não é a liberdade, mas a legitimação de uma estrutura que mascara o controlo e a exploração com o véu de uma suposta protecção dos direitos naturais. A crítica a Locke é, assim, inevitável. Não nos deu as bases para a liberdade individual, mas sim os fundamentos filosóficos para a aceitação de um poder centralizado, disfarçado de protector dos direitos. A sua filosofia é um exemplo claro de como uma “boa teoria”, construída sobre premissas erradas, pode ser usada para justificar um sistema que perpetua desigualdades e violações em nome da ordem e da justiça.

    Em conclusão, as ideias de Locke não eram inovadoras, pois já os escolásticos católicos as tinham antecipado com profundidade e rigor. No entanto, as suas inovações – nomeadamente a criação do grande Leviatã para nos proteger, legitimado por um contrato social fictício – são um exemplo perverso da mentalidade protestante. Aqueles que abominavam a autoridade da Igreja e clamavam pela liberdade espiritual pareciam não ter qualquer problema em aceitar a expansão de um Estado totalitário, sob o pretexto de proteger os nossos direitos, que se tornou no maior inimigo da liberdade individual dos tempos modernos.

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  • Como o Estado nos roubou o dinheiro

    Como o Estado nos roubou o dinheiro


    Desde os primórdios da civilização, o dinheiro emergiu como uma solução natural para os problemas da troca directa. O ouro e a prata foram escolhidos não por decreto, mas pela sua capacidade de preservar valor, facilidade de transporte, divisibilidade e aceitação geral. Era um fenómeno de mercado, fruto da selecção natural dos bens mais adequados para servir como intermediário universal das trocas. Contudo, como sempre, onde há valor, há parasitas. O maior deles, o Estado, foi rápido em compreender que controlar o dinheiro seria uma forma eficaz de roubo sistemático.

    Na Roma republicana, as transacções eram feitas com barras de metal pesadas e avaliadas em cada troca, atrasando consideravelmente o comércio. Com o Império, os Césares centralizaram a cunhagem, monopolizando a produção monetária sob o pretexto de “garantir” a qualidade. O Denário, uma moeda de prata que deu origem à palavra dinheiro, foi progressivamente adulterado. Reduziram o seu conteúdo de prata e adicionaram metais inferiores, como o latão. Não era apenas uma manipulação, mas um roubo flagrante. Os imperadores financiaram guerras e luxúrias, empobrecendo a população ao desvalorizar o meio de troca que oleava a economia.

    Tal como hoje, os criminosos culpam sempre os homens de negócios pela subida dos preços. Em 301 d.C., o imperador Diocleciano decretou um édito de preços máximos (Edictum de Pretiis Rerum Venalium), ameaçando com severos castigos quem praticasse preços superiores. É como se o bandido não desejasse aceitar as consequências do seu roubo. Veja-se a recente nota de culpa lançada à guerra da Ucrânia, depois dos Bancos Centrais terem andado a imprimir biliões durante a falsa pandemia.   

    Na Idade Média, Portugal seguiu o mesmo caminho. D. Dinis centralizou a cunhagem, eliminando as experiências descentralizadas que, em países como a França medieval, permitiam a vários privados cunhar moeda. Esse monopólio prometia “simplificar” as transacções, eliminando a necessidade de verificar o peso e a pureza em cada troca – existiam várias moedas em circulação –, mas abriu as portas aos abusos. Com D. Fernando, o reino conheceu o desastre. Para financiar as guerras contra Castela, o rei emitiu moedas de fraca qualidade. A falta de lastro permitiu uma inundação de moeda falsa no mercado, arruinando a economia. Depois de um bandido de tal calibre, não foi uma surpresa a crise dinástica que se seguiu.

    Na Idade Média, surgiu outro esquema brilhante – ou fraudulento – que transformou os banqueiros em comparsas do poder estatal. Os ourives, que armazenavam ouro para comerciantes, emitiam recibos representando os valores depositados. Esses recibos circularam como substitutos do ouro. Mas, percebendo que os depositantes raramente retiravam todo o ouro ao mesmo tempo, os banqueiros começaram a emitir mais recibos do que o ouro guardado. Criaram dinheiro do nada. Essa prática, denominada de reservas fraccionadas, foi a origem do que hoje chamamos de sistema bancário “moderno”. Quem melhor para se aproveitar dela do que os bandidos ao leme do Estado?

    As reservas fraccionadas foram rapidamente apropriadas pelos Estados. As guerras são dispendiosas e os reis preferiam evitar revoltas populares causados por um aumento de impostos. Nada melhor que recorrer à inflação monetária, um imposto silencioso e quase invisível. Quando o povo percebia, era tarde demais. Na Barcelona medieval, as fraudes bancárias eram punidas severamente. Banqueiros falidos tinham um ano para restituir os depósitos. Caso não conseguissem, perdiam não apenas os bens, mas também a cabeça. Era uma época de maior responsabilidade, pelo menos comparada ao que viria depois.

    O golpe de génio dos banqueiros foi legalizar a fraude. Para isso, recorreram ao Direito Romano, que diferenciava o depósito de bens fungíveis (como dinheiro) do depósito de bens não fungíveis (como um quadro ou uma jóia). No caso dos bens fungíveis, o depositário podia utilizar os bens, desde que devolvesse um equivalente. Assim, o depósito virou um contrato de mútuo, permitindo que os bancos especulassem com o dinheiro dos depositantes. Era uma distorção completa do conceito original de depósito, transformando tal legalização num instrumento de roubo institucionalizado.

    Com os Bancos Centrais, essa fraude foi escalada para um nível global e sem precedentes. Fundado em 1694, o Banco de Inglaterra foi criado para financiar a guerra contra a França, emitindo títulos de dívida que podiam ser convertidos em moeda. Era a primeira vez que a inflação era centralizada e controlada directamente por um governo. John Law, na França do início do século XVIII, refinou o esquema. Convenceu o regente a emitir papel-moeda sem lastro, prometendo riqueza infinita com base na especulação. O resultado foi a bolha do Mississippi, um colapso que arruinou milhares de franceses. John Law fugiu, mas as suas ideias persistem nos Bancos Centrais modernos. Enfim, deixara-nos um grandiloquente legado.

    Para justificar tudo isso, o Estado precisava de intelectuais dispostos a transformar a fraude em “ciência”. Milton Friedman, o pai do monetarismo e do perverso esquema de extorsão conhecido por retenção na fonte, afirmou que a Grande Depressão foi culpa da Reserva Federal norte-americana, o Banco Central dos EUA, por não emitir dinheiro suficiente! A sua solução? Imprimir. Economistas como Paul Krugman continuam hoje a defender que a criação de moeda é necessária para “estimular” a economia, ignorando os efeitos destrutivos a longo prazo. Esses “cientistas” são os apóstolos de um sistema que enriquece elites financeiras e empobrece as massas.

    A inflação, frequentemente definida como a “subida generalizada de um índice de preços”, não é nada mais que o aumento da oferta monetária. Quando os Bancos Centrais criam dinheiro do nada, não criam riqueza; apenas diluem o poder de compra da moeda existente. Quem recebe o dinheiro em primeiro lugar, como as grandes empresas fornecedoras do Estado, compra os bens e serviços antes que os preços subam. Quem recebe por último – os mais pobres – paga os preços inflacionados. É um sistema de redistribuição ao contrário, que tira dos mais vulneráveis para dar aos privilegiados.

    A bolha imobiliária de 2008 foi um exemplo claro. Taxas de juros artificialmente baixas, manipuladas pelos Bancos Centrais, incentivaram investimentos insustentáveis no sector imobiliário. Quando a bolha estourou, o capital acumulado foi destruído e milhões perderam as suas casas. Na Argentina, onde a inflação fora crónica até à chegada de Javier Milei, o poder de compra evaporava diariamente, deixando a população presa a um ciclo de pobreza interminável.

    O sistema monetário actual é uma fraude institucionalizada. Os Bancos Centrais, longe de protegerem a economia, são instrumentos de roubo. O Estado age como um parasita, transferindo riqueza das massas para plutocratas e burocratas. O dinheiro precisa de ser devolvido ao mercado, onde pertence. Ouro, prata e, agora, o Bitcoin são as únicas formas verdadeiras de preservar riqueza, livres das manipulações do Leviatã estatal.

    Enquanto continuarmos a aceitar o papel-moeda e os sistemas de crédito desenfreado, perpetuaremos um ciclo de exploração, onde os Bancos Centrais e os seus comparsas devoram o que resta do nosso poder de compra. O Estado e a máfia organizada em partidos que o lidera, como sempre, continuará a viver às nossas custas, um parasita que se alimenta incessantemente do trabalho alheio.

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