Autor: Elisabete Tavares

  • ‘Proibir o uso das redes sociais pelos adolescentes é mais uma forma de o Governo controlar o mundo digital’

    ‘Proibir o uso das redes sociais pelos adolescentes é mais uma forma de o Governo controlar o mundo digital’

    Há mais de duas décadas que o investigador Andrew Lowenthal defende os direitos humanos e civis no espaço digital. Actualmente, dirige a liber-net, uma organização sem fins lucrativos de combate ao autoritarismo digital. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, feita por videochamada a partir de Sydney, na Austrália, o investigador e activista comentou as duas recentes iniciativas legislativas do Governo australiano que fizeram soar os alarmes dos defensores dos direitos fundamentais: uma proposta que visava o alegado combate à desinformação, que foi vista como uma ameaça à liberdade de expressão; e uma iniciativa legislativa para proibir os menores de 16 anos de aceder a redes sociais. O primeiro diploma acabou por ‘morrer na praia, depois de o Governo não ter conseguido reunir suficiente apoio para que fosse aprovado. O segundo foi aprovado, mas está a gerar polémica por haver quem defenda que o Governo deveria optar por uma abordagem mais pedagógica em vez de proibir o acesso. Lowenthal sublinhou que a iniciativa levanta ainda muitas dúvidas sobre como vai ser protegida a privacidade de todos os australianos online no processo de confirmar a idade de quem acede a redes sociais no país. Nesta entrevista, Lowenthal falou ainda sobre a rede X e os eventuais riscos da proximidade de Elon Musk à nova administração Trump e defendeu que devem existir mais redes sociais e descentralizadas, em vez das actuais plataformas controladas por “meia-dúzia da oligarcas”.



    Mais do que nunca, há que estar vigilante para evitar que ideais totalitários tomem conta da Internet, designadamente através de ferramentas de controlo da informação e da eliminação da liberdade de expressão e da privacidade. Esta a é a visão de Andrew Lowenthal, que há mais de duas décadas trabalha na defesa dos direitos humanos e civis no espaço digital.

    Segundo o investigador e director executivo da liber-net, uma organização sem fins lucrativos de combate ao autoritarismo digital, duas recentes iniciativas legislativas na Austrália são a prova de que não se pode baixar os braços e tem de se continuar vigilante, para impedir que a censura e a vigilância dos cidadãos passe a ser o ‘novo normal’ no mundo online.

    Uma das iniciativas legislativas na Austrália, alegadamente visando o combate à desinformação, colocava em perigo a liberdade de expressão. A segunda proposta legislativa, visava impedir que menores de 16 anos pudessem usar redes sociais, o que levanta questões sobre o perigo de passar a ser obrigatório que todos, adultos incluídos, tenham de apresentar uma prova de identificação ou dados biométricos para entrar em plataformas como Facebook, Instagram ou X.

    Andrew Lowenthal tem sido uma das vozes a combater o autoritarismo no mundo digital e tem participado em conferências e concedido entrevistas em vários países. / Foto: D.R.

    A primeira proposta foi retirada, depois de o Governo não ter obtido apoio suficiente para que fosse aprovada. A segunda foi aprovada à pressa e sem tempo para que partidos e o público a pudessem analisar e debater convenientemente. Mas a polémica em torno deste diploma promete continuar, até porque, para ser confirmada a idade, na prática, todos os utilizadores terão de passar a apresentar alguma prova de serem maiores de 16 anos, eliminando assim um direito fundamental: o direito à privacidade.

    Nesta entrevista, Lowenthal alertou que esta alteração à Lei levanta riscos sobre a segurança de protecção dos dados e abre a porta a uma potencial vigilância apertada dos cidadãos australianos no mundo online. Numa futura crise, como foi o caso da pandemia de covid-19, o Governo pode mesmo usar esse recurso para impedir cidadãos, incluindo jornalistas, de aceder a redes sociais.

    Lowenthal, que colaborou nas investigações dos ‘Twitter Files‘ − que expuseram a máquina de censura que existia no antigo Twitter e que englobava a Casa Branca e diversas entidades oficiais −, defendeu que devem existir mais redes sociais e descentralizadas, deixando algumas dúvidas sobre a centralização da rede X na figura do seu proprietário, o magnata Elon Musk, que é aliado declarado do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.

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    Há receios de que uma nova lei na Austrália para impedir o acesso de menores de 16 anos às redes sociais pode vir a impor a todos os australianos, incluindo adultos, a apresentação de um documento de identificação digital ou dados biométricos, como a leitura facial, para poderem usar plataformas como o Facebook, Instagram ou X. A acontecer, eliminará a privacidade dos utilizadores e deixará nas mãos das redes sociais e do Governo muitos dados que podem ser roubados por ‘piratas’ e também o poder de vigiar os australianos, podendo, no futuro, ter a capacidade de impedirem cidadãos específicos, designadamente jornalistas e opositores políticos, de usar redes sociais. / Foto: D.R.

    Na Austrália, tem havido iniciativas legislativas preocupantes, nomeadamente para eliminar a liberdade de expressão. Afinal, o que se passa na Austrália?

    O Governo diria que estão a tentar eliminar a desinformação, mas a forma como funcionaria teria um impacto significativo na liberdade de expressão na Austrália. Estavam essencialmente a propor criar um sistema com dois níveis de liberdade de expressão em que, se se tratasse de um académico, um político ou um jornalista dos media ‘mainstream’, não seria abrangido por esta lei. Mas se fosse um jornalista de um meio de comunicação social independente, um comentador no Twitter ou um ‘influencer‘ no Instagram a dizer exactamente aquilo que o académico ou o político dissesse, seria considerado como estando a espalhar desinformação. Seria criado um sistema com dois níveis de direito à liberdade de expressão na Austrália. As definições que propunham eram muito vagas; apenas diziam que as informações tinham de ser razoavelmente verificáveis. Mas seria verificável à luz dos ‘standards‘ de quem? Pensando na covid-19, diriam que seria razoavelmente verificável a afirmação que a vacina impede a transmissão do vírus, por exemplo [o que se sabe que é falso]. Seria complemente selectivo.

    A lei também iria impor multas enormes às plataformas que operam redes sociais, de 5% da facturação anual a nível global; não apenas a facturação registada na Austrália. Por exemplo, o Facebook poderia ser multado em 5% das sua facturação anual global por não combater suficientemente o que o Governo entendesse tratar-se de desinformação. Também iria endereçar toda a informação que fosse considerada pelo Governo como prejudicial para o ambiente ou para a economia, por exemplo. Se alguém criticasse os bancos, estaria a espalhar desinformação. Na Saúde, se alguém criticasse confinamentos ou o uso de máscaras, tudo o que o Governo considerasse ser desinformação, poderia ser abrangido.

    O que foi positivo é que, em geral, as pessoas que habitualmente têm criticado este novo tipo de regime de censura têm sido classificadas como sendo de direita, apesar de muitas vezes serem de esquerda; mas assim que alguém critica estas coisas é logo acusado de ser direita. Mas, neste caso, a oposição [à proposta legislativa] por parte de progressistas foi muito significativa. Porque, em termos de estrutura de decisão política, há uma câmara inferior e uma superior, com os senadores, e partido com a maioria na câmara inferior não tem a maioria no Senado e precisa do apoio dos partidos progressistas para aprovar legislação. E todos disseram ‘não’. Disseram que iria ser muito mau para a liberdade de expressão. O que é particularmente de destacar é que, finalmente, se abriu uma brecha entre os progressistas. Há uma fatia considerável de pessoas que vêem esta ideia da desinformação e entendem como pode ser usada para censurar, e como potencialmente poderia ser usada contra todos nós.

    Mas será que alguns políticos aprenderam a lição com o facto de Donald Trump ter vencido as eleições norte-americanas? Porque, um dos temas que preocupava muitos norte-americanos era a questão da liberdade de expressão. Sabemos como a Casa Branca liderada por Biden era pró-censura, designadamente na Internet. Há quem defenda que um dos motivos que levou à vitória de Trump foram receios nessa temática. Os políticos estão a aprender a lição, de que as pessoas não querem censura? 

    Penso que esse ambiente político já chegou à Austrália. As pessoas estão agora mais confiantes para dizerem o que pensam e não estão disponíveis para alinhar com um conjunto particular de ideias que lhes queiram estar a impor. Penso que teve definitivamente um efeito. Não se sabe ao certo em que medida, porque, ao mesmo tempo, muitos dos partidos progressistas têm muitos receios sobre a desinformação que pensam estar associada a Trump e isso pode facilmente ter o efeito contrário e pensarem: ‘temos de nos proteger de todas as mentiras que Trump vai andar a espalhar e que vão chegar aos cidadãos australianos’. Começa a haver um regresso de normalidade. As pessoas olham para a legislação e tentam vê-la sob uma luz menos emocional. O jogo parece ter mudado, o que é muito, muito encorajador.

    Foto: D.R.

    Mas o pior já passou ou vai haver nova tentativa para eliminar a liberdade de expressão no futuro, na Austrália?

    Penso que não vão tentar voltar a tentar aprovar esta lei. Até porque haverá eleições na Austrália no próximo ano, no primeiro semestre. Algumas pessoas pensam que o que está a acontecer é que o Governo está a tentar apressar a aprovação de legislação, porque esta semana é a última em que o Parlamento está reunido [semana passada]. No início do próximo ano, vão convocar eleições.  Por isso, estão a apressar tudo isto. E estão a cometer erros em resultado de estarem com muita pressa. Penso que se tentarem voltar a tentar fazer passar esta lei teria de a mudar radicalmente, porque teve a oposição de dois terços do Senado. Depois, Os Verdes votarem contra não foi bem por serem a favor da liberdade de expressão. Foi parcialmente por isso. Eles queriam que o Governo tivesse mais autoridade sobre as empresas [tecnológicas] mas estavam também incluídos os media ‘mainstream‘, que são contra o partido Os Verdes. Em alguns níveis queriam mais autoridade e em outros não. É uma posição complicada. O que podem tentar fazer, e já estão a tentar, é tentar aprovar outro tipo de leis. Uma das novas, que já mencionámos, é a que visa proibir os adolescentes de aceder a redes sociais, proibindo todos com menos de 16 anos de aceder à maioria das redes sociais. O acesso ao TikTok, Instagram, Facebook e X seria banido a todos com 15 anos e menos. Isso traz imensos problemas. Sim, as redes sociais têm efeitos negativos em adolescentes, mas em ambos os casos estão a tentar fazer algo muito autoritário, em vez de adoptar uma abordagem educativa a este problema. Está a gerar muita contestação, incluindo de progressistas, finalmente. Um dos grandes problemas é: como se verifica se alguém tem mais de 16 anos? Têm de arranjar uma forma, ainda não especificaram como, para verificar a idade de todos, para que possam usar as redes sociais. Portanto, os adultos terão de se identificar, de algum modo, para poderem usar o Facebook ou o Instagram, ou outra rede social. Potencialmente, [será usada] uma forma de identificação digital ou reconhecimento facial ou partilhando a carta de condução ou o passaporte. Com todos as questões de segurança que surgem com isso, em termos dessas empresas terem acesso a uma quantidade enorme de dados sensíveis. Há sempre o risco de roubo ou fugas. Depois, o Governo ficaria a saber tudo o que as pessoas diriam nas redes sociais; cada comentário, cada ‘like‘, cada publicação, cada pensamento. Não queremos isto.

    E vimos o que aconteceu durante a covid-19, com a censura. No futuro, numa futura crise, pessoas, incluindo jornalistas, poderiam ser simplesmente banidos das redes sociais, de modo fácil.

    Seria muito fácil banir pessoas das redes sociais. Mas também mataria algumas destas plataformas. Porque muitas pessoas usariam o Facebook, mas menos pessoas usariam o X ou o TikTok se tivessem de se identificar de algum modo. E se alguém quisesse criar uma rede social que exige identificação real, então também poderia ser possível criar uma rede social para as pessoas que não querem identificar-se, ou as pessoas terem uma opção. Mas isso seria excluir as pessoas que não querem disponibilizar dados reais sobre si. É mais uma forma de o Governo controlar o mundo digital.

    O que passa com a Austrália? Porque, durante a pandemia de covid-19, foi um dos países mais autoritários do mundo. Vimos imagens terríveis de violação de direitos humanos e civis por parte das autoridades; violência sobre cidadãos australianos; imposição de medidas sem base na evidência científica.  Porquê esta abordagem radical, agora, para acabar com direitos humanos e civis?

    É uma pergunta muito interessante. Penso que a forma como as pessoas vêem a Austrália já desapareceu há muito tempo. Essa versão da Austrália morreu na década de 70 [do século passado] mas continuou a estar viva nos filmes e nos media. Mas é uma sociedade muito urbana, a maioria das pessoas trabalha no sector dos serviços. Poucas pessoas trabalham com as mãos ou no exterior. É uma sociedade altamente institucional, com as pessoas a trabalharem com computadores. Isso torna as pessoas um pouco frágeis. Todos vivemos nos subúrbios. Esta ideia anterior de uma Austrália forte e resiliente já não existe há muito tempo. Numa crise, manifesta-se de forma significativa. Depois, há confiança no Governo porque nunca tivemos uma guerra para obter a independência, nunca passámos por uma ditadura. Até à covid-19, penso que 9 em 10 cidadãos australianos podiam confiar no Governo; talvez 8 em 10. Nunca fomos realmente confrontados com este tipo de desafios. Essa confiança foi explorada durante a covid-19. Isso agora está a mudar, porque grande parte da confiança desapareceu, pelo menos junto de uma porção significativa da população. E muita da oposição que tem havido a este tipo de leis sobre a desinformação e a verificação de idades para aceder a redes sociais está muito ligada ao movimento de liberdade de decisão na Saúde, o movimento que saiu da covid-19, que não é da direita nem de esquerda, que é mais anti-autoritário. Esse movimento é que conseguiu parar esta lei sobre desinformação.

    Página da liber-net fundada, uma iniciativa criada por Andrew Lowenthal. / Foto: PÁGINA UM

    Esteve na Web Summit, em Lisboa, recentemente. Pode falar sobre o evento em que participou?

    Tivemos um pequeno evento na Web Summit para falar sobre censura e alegações de desinformação e como podem ser usadas para censurar. Este evento resultou de conversas que tive com Paddy Cosgrove, o CEO, que está muito activo politicamente e no ano passado teve de se afastar do evento porque fez comentários não muito controversos sobre o conflito Israel-Gaza. Houve uma resposta desproporcional.

    Foi imediatamente cancelado.

    Foi cancelado, mas regressou e, não posso falar em seu nome, mas compreendeu os perigos da censura e do cancelamento, porque aconteceu directamente com ele. O evento, foi uma curta conversa. Estiveram presentes representantes de grandes media ‘mainstream‘ e de meios independentes que têm trabalhado sobre temas similares aos que temos estado a falar; desinformação; covid-19; os camionistas no Canadá; toda a farsa ‘Russiangate’ nos media [que envolveu acusações falsas sobre Trump]. Houve um debate aceso no final. Houve pessoas que falaram com muita paixão de ambos os lados. Houve pessoas muito críticas dos media ‘mainstream‘, que acham que os media foram longe demais e perderam o contacto com a realidade. Alguns media ‘mainstream‘ reconheceram isso, em particular um senhor que estava presente e admitiu que os media ‘mainstream‘ tinham feito um péssimo trabalho em torno do estado mental débil de Biden. Houve outras pessoas a admitir os erros dos media ‘mainstream‘. Houve uma pessoa que gere uma grande plataforma de media europeia que admitiu que, na covid-19, não tiveram uma diversidade de opiniões. Algumas pessoas reconheceram alguns dos problemas. Houve outras que acharam que não fizeram nada de errado e disseram: ‘vocês é que são o problema; deve-se sempre confiar no Governo’.

    Isso vai contra o que é o Jornalismo.

    O que penso é que este tipo de debates não tem sido permitido. Tem havido imensas conferências sobre desinformação, mas é com pessoas que têm todas a mesma opinião, de que há uma crise de desinformação, e admito que há problemas, mas nunca promovem uma auto-reflexão sobre se não se está a ultrapassar a fronteira e a entrar no campo da censura. Por isso, para mim, esta rejeição da proposta de lei na Austrália é tão emocionante. Porque muitas destas pessoas, não apenas pessoas da direita, mas também pessoas da esquerda, veem que há problemas com toda esta máquina de combater a desinformação e do quanto se excedeu e de como pode ser perigosa para a liberdade de expressão. Estou bastante encorajado a esse respeito.

    Há problemas com desinformação, sempre houve esses problemas. Também mencionou os efeitos que as redes sociais podem ter nos adolescentes. Mas deve haver uma abordagem pela educação e não pela censura e o autoritarismo.

    Sem dúvida. Muitas pessoas da esquerda estão a chegar a essa conclusão. Tenho ouvido alguns a usar o argumento de, por exemplo, no tema do LGBT, um jovem com 15 ou 16 anos, que não conhece ninguém na escola ou está isolado e não sabe como se conectar com pessoas; as redes sociais são um meio para encontrar pessoas e se conectar e avançar, sendo alguém muito diferente na sociedade. E estão a querer impedir isso, estarão a isolar estes miúdos e afastá-los uns dos outros. Há grandes problemas nas redes sociais mas colocar um cobertor e bloquear o acesso como solução… Talvez tenha razão e, dado o que a Austrália fez na covid-19, não é inteiramente surpreendente que faríamos isto neste tema. Mas criou uma polémica. Portanto, a história acabou por conduzir a duas situações. Porque, há esta tendência profundamente autoritária na Austrália, numa sociedade muito resiliente e bem gerida aos olhos de fora − excessivamente gerida, a meu ver. Por outro lado, há esta rejeição deste novo sistema de controlo social na Internet.

    Lowenthal dedica-se há mais de duas décadas a defender os direitos humanos e civis no mundo digital. / Foto: D.R.

    O que espera do futuro? Tem esperança de que a sociedade ocidental não vá cair na armadilha de voltar aos tempos de censura e a tempos de autoritarismo? Ou está pessimista e pensa que a batalha ainda não terminou e a liberdade a democracia estão em perigo?

    Talvez ambas. Penso que a única forma de se reverter este totalitarismo e ditaduras é através de se estar vigilante constantemente. Estou muito mais optimista do que estava há umas semanas. Há mais pessoas a fazer ouvir a sua voz sobre como estão fartas disto. Mas a luta não terminou. Vai continuar indefinidamente. Mas, talvez, haja mais vitórias no curto e médio prazos, e mais desafios que surgirão depois. Mas temos estado a ter algumas vitórias, o que é muito bom.

    Sobre o X, tem havido celebridades e mesmo jornais, como The Guardian, a sair da rede social. Colaborou nos ‘Twitter Files’ e sabe sobre a censura que o antigo Twitter fez e como se articulou com a Casa Branca de Biden para censurar. Como vê estas saídas do X, numa altura em que a rede social regista um recorde de utilização?

    Deve haver múltiplas plataformas de redes sociais. Temos demasiada centralização nas redes sociais. Talvez, hoje, um utilizador pode concordar com Elon Musk [dono da rede X] e amanhã pode discordar. E ele tem muito poder sobre aquela plataforma, não é algo democrático. É baseada no que ele pensa hoje e pode não pensar o mesmo amanhã. Não creio que a Bluesky seja para mim, mas ainda não a vi bem. Precisamos de ter redes sociais descentralizadas e não apenas meia-dúzia de oligarcas a controlar estas plataformas, o que é, definitivamente um problema. No futuro, deveria haver uma maior diversidade de plataformas do que as que temos actualmente. Obviamente, há também problemas sobre a proximidade que Musk tem com a nova administração [Trump]. Temos de estar vigilantes, mesmo em relação a pessoas que a dada altura considerámos serem nossas aliadas. Temos de poder criticar e manter as pessoas de acordo com os princípios, fundamentalmente.

    NOTA: Transcrição editada e adaptada para português de entrevista feita em inglês.


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  • ‘Nas redes sociais, as pessoas estão cansadas de as prioridades dos anunciantes estarem em primeiro lugar’

    ‘Nas redes sociais, as pessoas estão cansadas de as prioridades dos anunciantes estarem em primeiro lugar’

    Em exclusivo para o PÁGINA UM, a directora de operações da Bluesky − a rede social ‘sensação’ que ganhou milhões de seguidores no último mês, após a vitória de Donald Trump nas presidenciais norte-americanas, − garantiu que a chave do sucesso está em dar prioridade aos utilizadores e não aos anunciantes. Rose Wang defendeu que os utilizadores gostam de ter ferramentas para poderem decidir que conteúdos veem. A jovem executiva de 33 anos explicou como uma equipa de apenas 20 pessoas está a gerir o crescimento da Bluesky que, dos 13 milhões de utilizadores que tinha no final de Outubro, passou a ter agora 23 milhões. Também falou sobre o conceito descentralizado, “aberto” e colaborativo desta rede social e defendeu a política de moderação de conteúdos da sua rede social, que funciona “por camadas”, com intervenção dos utilizadores. A privacidade dos dados também foi um dos temas abordados. Sobre o ‘concorrente’ mais directo, disse que “o X se tornou num grande megafone para um partido”.



    É a ‘app’ sensação do momento entre as plataformas que operam redes sociais. Em apenas um mês, a Bluesky saltou dos 13 milhões de utilizadores para os 23 milhões. Parte do crescimento deve-se a migração de utilizadores que deixaram a rede X (ex-Twitter), de Elon Musk, descontentes pelo facto de o magnata ter ajudado o antigo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, a regressar à Casa Branca, nas recentes eleições presidenciais que levaram à derrota da candidata democrata, Kamala Harris.

    Rose Wang, 33 anos, é Chief Operating Officer (COO) da Bluesky, que nasceu como um projecto interno do Twitter. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, feita por videochamada, Rose Wang falou sobre como uma equipa de apenas 20 pessoas está a gerir uma plataforma de milhões de utilizadores. Também defendeu a política de moderação de conteúdos da Bluesky, que conta com diferentes “camadas”, em que utilizadores dispõem também de ferramentas de ‘moderação’.

    A Bluesky é uma rede social descentralizada que foi pensada por Jack Dorsey, co-fundador do Twitter, com o objectivo de criar uma plataforma sem um controlo central. O projecto acabou por tornar-se autónomo e desvincular-se do Twitter, já na ‘era’ Musk. Mas Dorsey decidiu sair da Bluesky, em Maio deste ano, desencantado com o caminho que a rede social estava a seguir e acusou a Bluesky de estar a cometer os mesmos erros que o Twitter cometeu.

    A Bluesky, que funcionava apenas por convite, começou a estar aberta a todos os utilizadores a partir de Fevereiro deste ano. Não vende os dados dos utilizadores a anunciantes e, no mês passado, anunciou que conseguiu um financiamento de 15 milhões de dólares (14.2 milhões de euros), através de uma operação financeira liderada por uma empresa de ‘venture capital’ ligada ao sector das criptomoedas.

    Rose Wang, Chief Operating Officer (COO) da Bluesky. / Foto: D.R./Bluesky

    Qual é o conceito da Bluesky? Qual é a filosofia da rede social?

    A Bluesky é fundamentalmente diferente das outras plataformas de redes sociais porque somos uma rede social aberta, que coloca os utilizadores em primeiro lugar e dá às pessoas a possibilidade de escolha. O que é que isso significa exactamente? Estamos habituados a estar presos num algoritmo controlado por um pequeno grupo de pessoas. Não é o caso da Bluesky. Os utilizadores construíram cerca de 50 mil ‘feeds’, nomeadamente de gatos, mais de  200  ‘feeds’ sobre Taylor Swift e muitos outros que estão organizados cronologicamente ou com base naquilo que os seguidores estão a colocar ‘gostos’ (‘likes’). As possibilidades são infinitas. E quando se mistura com este feed, encontra-se um cantinho mais aconchegante para estar com pessoas com os mesmos interesses porque não existe um algoritmo único denominador que ou promove as publicações mais polarizadoras ou as publicações com mais ‘posts’ (‘threads’). Consegue-se interagir com pessoas reais e divertir-se e ter conversas, de novo.

    Pensa que a Bluesky é a resposta que a Internet estava à procura, em termos de uma rede social mais descentralizada, porque os algoritmos são um problema, tal como a publicidade e outros temas.

    Penso que a Bluesky está a cumprir uma promessa do que uma rede social deveria ter sido desde o início. Se pensarmos no e-mail ou nas operadoras de comunicações móveis. Se estou no Gmail, consigo falar consigo no Yahoo!. Isso não acontece nas redes sociais. Se estou no Facebook, não consigo falar consigo no LinkedIn. É um jardim fechado entre paredes que é dono da sua identidade, tenta mantê-la na sua plataforma, não a deixa sair, porque despromovem ‘links’; as pessoas estão cansadas de um espaço [redes sociais] onde as suas prioridades não estão em primeiro lugar, onde as prioridades dos anunciantes estão primeiro. Porque são eles que estão a pagar pelo serviço. Portanto, é por isso que chegámos a um mundo em que existe tanta toxicidade, tanto discurso de ódio e tanta desinformação. Porque as empresas não são incentivadas para tornar a experiência melhor para o utilizador final. Apenas são incentivadas a tornar a experiência melhor para os anunciantes. Para a Bluesky, a nossa missão é dar prioridade ao utilizador, como nosso principal cidadão. Aquilo que procuramos é: está a divertir-se? Está a fazer amigos? Está mesmo a publicar posts? O que está a acontecer na Bluesky é fundamentalmente diferente do que o que está a acontecer no Twitter, ou X. Por exemplo, no X, 1% dos seus utilizadores publicam posts. Não são muitas as pessoas que estão a interagir com o resto da rede social. Na Bluesky, cerca de 30 das pessoas fazem publicações. Na última semana tivemos 1,5 milhões de publicações de pessoas por hora. Foi tão emocionante assistir a isso porque: ‘olha, esta é uma rede social onde podes tirar o filtro, em vez de seres uma versão menos autêntica de ti’. Não é preciso fazer isso na Bluesky. Pode-se auto-expressar e expressar partes de si, em comunidades mais pequenas e ‘feeds’ diferentes, onde não ser julgado, poderá fazer amigos e criar ligações de novo.  Penso que é por isso que as pessoas estão a gostar da Bluesky.

    Falou sobre desinformação. Qual é a vossa política, em termos de moderação de conteúdos? Há receios sobre se a Bluesky vai ser uma rede social que vai aplicar uma forte censura como a que assistimos, por exemplo, no Facebook e no antigo Twitter, onde vimos cientistas e investigadores proeminentes e até jornalistas a serem censurados. O que podemos esperar da Bluesky?

    Moderação é governação. Se pensarmos nas redes sociais, a forma como a moderação funciona, o que vemos é um pequeno grupo de pessoas a tomar decisões sobre que conteúdos são autorizados ou não na plataforma, quem é permitido e não permitido na plataforma. Isso é ter muito poder. Nós somos mais inspirados na abordagem de uma governação baseada numa república democrática, onde existem camadas de governação. Quando alguém entra na ‘appBluesky, entra na nossa sociedade. Há outras sociedades; há o ‘Greysky’; pode construir a ‘Greensky’; ou a ‘Yellowsky’. Pode ter as próprias regras e uma Constituição própria. Quando entra na nossa Bluesky, temos os nossos termos de serviço e as regras de comunidade, que são como que a Constituição deste espaço, que o nosso director de Segurança e Confiança, Aaron Rodericks -, ex-responsável da equipa de ‘Elections Integrity’ no Twitter – gere implementa. A Constituição apenas protege contra desinformação, discurso de ódio, assuntos graves. Mas há muitos assuntos que não atingem esse nível de gravidade, como deepfakes, má-educação, informação especulativa que não é desinformação. Há uma zona cinzenta e é aí que demos ferramentas aos utilizadores para gerirem os seus espaços. Não é muito diferente do que se passa no Reddit, onde moderadores de comunidades também gerem sub-comunidades, mas apenas têm soluções manuais. O que fizemos foi melhorar essa experiência e dar ferramentas digitais aos utilizadores. Pode retirar todos os ‘spoilers’ de filmes na rede. E pode esconder todos os ‘spoilers’ de filmes. Ou política: algumas pessoas querem ver publicações de política; em alguns dias quer ver publicações de política e em outros não quer ver; há um filtro para isso que um utilizador criou. É isso que é bom na Bluesky: não tem de esperar por uma autoridade central, ou um centro de gestão, como nós, que vá fazer essas mudanças que a sua comunidade precisa. E é difícil porque somos uma equipa de 20 pessoas, provavelmente não conseguimos chegar a todos os assuntos. Se tem essas soluções, o utilizador pode decidir o que a sua comunidade precisa e outros utilizadores vão olhar para o seu feed e escolher subscrever a sua etiqueta de moderação. Essa é a promessa de uma república democrática.

    Foto: D.R.

    Quantos utilizadores tem a Bluesky hoje? E com uma equipa de 20 pessoas; como é que estão a gerir toda esta atenção?

    Temos cerca de 23 milhões de utilizadores na Bluesky, o que é muito emocionante. Temos apenas 20 membros na equipa. Mas isto não é novo. Somos muito inspirados em equipas como as do Instagram e WhatsApp, antes de serem adquiridas. Eram equipas pequenas de 18 a 23 pessoas a servir centenas de milhões de utilizadores. Há um precedente. E há um benefício em ter uma pequena e forte equipa. Primeiro, temos muita experiência. Mencionei Aaron Rodericks. É importante que não se tenha pessoas que nunca trabalharam em empresas de redes sociais. E em equipas pequenas é mais fácil tomar decisões. Por isso, conseguimos agir tão rápido, como equipa. Temos uma coordenação apertada e caminhamos para o mesmo objectivo. É algo mais difícil de se fazer quando se tem uma grande equipa.

    Mas precisa de mais servidores e há outro tema: tem muito mais conteúdo para moderar. É um crescimento enorme em tão pouco tempo.

    Para nós, ao mesmo tempo, não é novo. No mundo ocidental, a app Bluesky entrou nos tops da App Store e está nas notícias. Mas vimos a Bluesky a crescer em outras partes do mundo. Quando tornámos a app pública (antes era por convite), em fevereiro deste ano, tivemos mais de um milhão de utilizadores japoneses. Quando o X foi banido no Brasil, este ano, tivemos mais de quatro milhões de brasileiros a vir para a Bluesky em poucas semanas. A equipa tem experiência com fases de grande crescimento. É por isso que a rede não registou períodos significativos de estar em baixo. Por isso, as pessoas continuam a divertir-se sem se sentirem inseguras, ao contrário de outras plataformas. A nossa equipa tem experiência e está pronta para mais.

    E na Europa. Suponho que tenham também muitos utilizadores europeus e portugueses.

     Temos muitos utilizadores europeus e portugueses, o que significa que tenho de ir a Portugal.

    Definitivamente.

    É emocionante para nós. Vemo-nos como uma plataforma global. Se vir a nossa equipa, vem de todo o mundo e é muito diversa, em termos de género e ‘raça’. A equipa reflecte a base de utilizadores que queremos ter na Bluesky, desde que tenha um diálogo gentil e saudável. É difícil gerir. A liberdade de expressão no Reino Unido é diferente do que é nos Estados Unidos. Os valores em diferentes países da União Europeia são ligeiramente diferentes. São este tipo de nuances que nos fazem quer dar ferramentas aos utilizadores para criarem o seu novo feed para servir a comunidade. Isto está a ressoar muito com os europeus, não há um controlo centralizado que garante que os anunciantes estão a ter um lucro maior.

    E em relação aos regulamentos na União Europeia? Se continuam a crescer a esta ritmo, precisam ajustar-se a regras da União Europeia. Podem ajustar-se ou ainda têm tempo para se ajustar?

     Vamos cumprir com as regras europeias. Houve uma notícia sobre haver uma regulação europeia que nós não cumpríamos, mas se ler a notícia, nenhum regulador tentou entrar em contacto com a Bluesky, só falaram com a imprensa, o que está bem. Se tivessem falado connosco, teríamos imediatamente feito essa mudança. Temos a total intenção de cumprir com as regras.

    A person holding up a smart phone in their hand

    E quais são os vossos planos? Quais são as novas funcionalidades que querem disponibilizar?

    Sem dúvida. Olhamos sempre para o que as pessoas realmente precisam e o que está a acontecer na app. Penso que o motivo por que as pessoas estão a vir para a Bluesky é que não há outro lugar onde ir para ver notícias globais e de última hora de vários lados. O X tornou-se num grande megafone para um partido. O Threads despromove ligações da Internet e conteúdo político. A Bluesky está a fazer oposto: ‘venham, partilhem os vossos links aqui’. Mesmo a forma como o nome de utilizador funciona; pode-se usar um website como nome de utilizador porque é dono dessa identidade. Queremos mais notícias na Bluesky e vamos criar mais funcionalidades para que os media possam publicar. Parte disto é compreender o que está a acontecer. O Guardian anunciou hoje que o tráfego da Bluesky para seu jornal é duas vezes aquilo que vem do Threads. Isto na primeira semana na plataforma, com 300 mil seguidores. O tráfego nas notícias do Guardian é mais alto do que em qualquer semana de 202 no Twitter em 2024, onde tinha 10,8 milhões de utilizadores. Em geral, há muito mais interacção na Bluesky porque não se está preso a um algoritmo.

    Então é uma boa plataforma para quem tem publicações?

    Sem dúvida.

    Como opera a Bluesky em termos de consentimento dos utilizadores sobre a utilização dos seus conteúdos para treinar inteligência artificial (IA)?

    A Bluesky teve de escolher entre ter os dados públicos ou privados. A maioria das redes sociais escolheu dados privados, o que significa que são donos dos dados, estão a treinar os seus modelos de inteligência artificial com os dados dos utilizadores e estão a vender os dados privados a anunciantes. Queríamos sair desse mundo. Portanto fizemos uma plataforma aberta como o Reddit. É aberta como a Internet. Não somos donos dos seus dados, é o utilizador. E o utilizador é dono da sua identidade. Aquilo que estamos a tentar fazer é que seja o utilizador a expressar o seu consentimento sobre se as empresas de IA podem usar ou não os seus dados. Não podemos obrigar as empresas de IA a seguir o consentimento que você expressou, mas podemos dar-lhe, pelo menos, as ferramentas para poder expressar o seu consentimento. E esse é nosso primeiro passo nesse sentido.

    Como definiria, em resumo, a Bluesky?

    A Bluesky põe os utilizadores em primeiro lugar, e isso significa que lhes estamos a dar escolha; podem escolher ‘feeds’ diferentes e podem conhecer pessoas reais e divertir-se, novamente, em comunidades.


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  • Trumpmania 2.0: Mercados de capitais reagem em euforia à “vitória esmagadora” dos republicanos

    Trumpmania 2.0: Mercados de capitais reagem em euforia à “vitória esmagadora” dos republicanos

    O choque que muitos sofreram com o regresso do antigo presidente dos Estados Unidos Donald Trump à Casa Branca não parece ter chegado aos mercados de capitais. Pelo contrário. Os dados sugerem que investidores e casas de investimento já estavam a prever um resultado favorável para o candidato republicano. A vitória do Partido Republicano acabou por ser esmagadora em várias frentes, do Senado à Câmara dos Representantes, reforçando os poderes de Trump, o que ajudará o novo presidente dos Estados Unidos a baixar os impostos a empresas, como pretende, e a impor taxas nas importações. Por outro lado, o Mundo também não parece ter mergulhado no apocalipse, o que está a desapontar grande parte da comunicação social e comentadores mediáticos que adoptaram uma posição activista em prol de Kamala Harris e do Partido Democrata durante a campanha. A ‘ressaca’ e espanto nos media tradicionais contrasta com a animação e confirmação das previsões nos mercados de capitais.


    Não chegou o apocalipse nem acabou o mundo após a eleição de Donald Trump para a Casa Branca. Para grande desilusão de muitos comentadores influencers, e a generalidade dos jornalistas dos media tradicionais, o regresso do antigo presidente dos Estados Unidos republicano à Casa Branca está a ser motivo de celebração para muitos, nomeadamente no sector empresarial e económico e nos mercados de capitais.

    Ao contrário do que sucede cada vez mais nos media, em que jornais e jornalistas adoptam uma posição de activistas, neste caso de apoio a Kamala Harris e ao Partido Democrata, nos mercados de capitais os factos é que contam. Analistas financeiros destacam a “vitória esmagadora” dos republicanos que deixa a porta aberta para a prometida descida de impostos para empresas nos Estados Unidos. Os mercados também antecipam a perspectiva de se estar mais perto do fim de alguns conflitos armados, além de se preverem melhores expectativas para a economia. Tudo isto levou os índices norte-americanos para novos máximos históricos e gerou valorizações em diversos sectores de actividade e classes de activos.

    Até em Lisboa houve quem celebrasse a vitória do candidato republicano e antigo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, na corrida à Casa Branca. (Foto: PÁGINA UM)

    De resto, os dados mostram que nos mercados de capitais já se contava com a vitória do candidato do Partido Republicano nestas eleições para a presidência dos Estados Unidos. “Havia uma cegueira, um certo negacionismo nos media tradicionais, de que Trump iria ganhar, mas os mercados já estavam a descontar que o cenário central seria o de uma vitória dos republicanos”, disse Filipe Garcia, economista da IMF-Informação de Mercados Financeiros. “Os mercados só não previam que a vitória dos republicanos fosse tão vasta, por isso é que ainda reagiram”, adiantou em declarações em PÁGINA UM.

    De facto, os mercados de capitais reflectem as perspectivas para a economia e para os lucros de diversos sectores e evolução dos preços de matérias-primas. Com a confirmação da eleição de Trump e a esmagadora vitória republicana em várias frentes, os índices norte-americanos dispararam para novos máximos, o dólar valorizou, as criptomoedas dispararam.

    A 6 de Novembro, um dia a seguir às eleições, era claro que a vitória de Trump não era uma surpresa para muitos investidores e analistas. “Com todos os sinais a apontarem para uma vitória de Donald Trump, esperamos que muitas das suas políticas populistas tenham repercussões, embora os mercados tenham sido largamente avaliados a contar com este resultado”, escreveram responsáveis da Allianz Global Investors numa análise publicada a seguir às eleições.

    Para Filipe Garcia, Trump ganhou sobretudo devido “à falta de propostas” do Partido Democrata. “O outro lado não tinha nada para oferecer”, sublinhou.

    O regresso do republicano Donald Trump à Casa Branca já era largamente antecipado pelos mercados financeiros que esperam um acalmar de alguns conflitos e tensões geo-políticas, nomeadamente na Ucrânia, e um cenário mais positivo para a economia norte-americana e as empresas dos Estados Unidos.

    E o que dizem os mercados de capitais? Esperam que os republicanos implementem medidas que irão beneficiar as empresas norte-americanas e a economia nos Estados Unidos. Prevêem que Trump vai levar a que acalmem ou se resolvam guerras e conflitos. Segundo Filipe Garcia, “os mercados estão a descontar um apaziguar das coisas”, nomeadamente na Ucrânia. Mas lembrou que, para já, a administração Biden vai continuar a armar e a financiar Zelensky enquanto Putin, em troca, não quererá dar sinais de fraqueza, pelo que a acalmia naquele conflito pode não chegar já. “No anterior mandato, Trump não iniciou guerras, mas não quer dizer que resolveu os problemas, apenas os meteu debaixo do tapete”, lembrou Filipe Garcia.

    Em termos de ‘vencedores’ deste resultado nas eleições nos Estados Unidos, no mercado accionista contam-se bancos, tecnológicas, e, claro, a Tesla de Elon Musk, um aliado do novo presidente. Entre os perdedores, estão as grandes farmacêuticas, a antecipar que os dias de políticas de saúde pública vergadas à influência e poder das ‘big-pharma‘ vão chegar ao fim, pelo menos nos Estados Unidos. Também o ouro desvalorizou para o mínimo em dois meses, com os investidores mais confiantes a apostarem no mercado accionista. O preço do ouro fechou nos 2749,7 dólares a onça, no dia 5 de Novembro e no dia 13 fechou a cotar nos 2586,5 dólares, uma queda de 6%.

    Comecemos então por olhar para os vencedores destas eleições nos Estados Unidos.

    Os principais índices accionistas norte-americanos dispararam para novos máximos de sempre com a eleição de Trump, a antecipar uma redução da carga fiscal sobre as empresas e uma maior pujança económica. Também esperam que a “vitória esmagadora” dos republicanos permita ao novo presidente dos Estados Unidos implementar políticas sem o boicote ou travões do Partido Democrata.

    Os analistas da Allianz Global Investors destacaram, numa análise após as eleições que “o foco de Donald Trump na redução dos impostos sobre as empresas e numa maior desregulação deverá favorecer as empresas dos EUA (Estados Unidos), especialmente os pequenos negócios com avaliações atrativas no mercado acionista”.

    Segundo Michael Heydt, analista da divisão de ‘ratings’ de dívida soberana da Morninstar DBRS, “a forte performance eleitoral dos republicanos – vencendo a presidência, o Senado e, potencialmente, a Câmara dos Representantes – coloca-os numa posição de mudar de várias formas importantes a política económica dos Estados Unidos”.

    O dólar valorizou, designadamente face à moeda única europeia enquanto o petróleo reflecte a previsão de um aumento da oferta e de vir a haver menos entraves regulatórios à exploração nos Estados Unidos, que são já o maior produtor de mundial, liderando na produção de barris de ‘ouro negro’ por dia.

    Para os especialistas da Allianz Global Investors, “a posição dura de Trump numa série de questões que vão desde o comércio à imigração poderá impulsionar o dólar americano e o ouro”. Já o impacto nos mercados obrigacionistas “é mais difícil de prever”.

    No caso do preço do petróleo, fechou no dia 5 de Novembro nos 71,99 dólares o barril de crude e no dia 13 de Novembro valia 67,93 dólares o barril no fecho do mercado. Durante a campanha eleitoral, Trump apresentou uma política energética que promete focar-se na produção de combustível e energia dos Estados Unidos. Esta estratégia contraria as políticas da Administração Biden, mais voltadas para seguir a estratégia focada nos negócios e indústrias que beneficiam do tema em torno do combate às alterações climáticas. “Penso que será um governo positivo para as empresas de combustíveis fósseis, com menos regulamentação a restringir a produção”, disse Ronald Temple, responsável pela estratégia de mercado da Lazard, citado pela Reuters.

    Quanto ao euro, cotava a 1,09 dólares no dia das eleições e no dia 13 de Novembro valia 1,07 dólares.

    Acções de bancos valorizaram com a vitória do candidato republicano, com casos como a acção do Goldman Sachs a disparar com a confirmação da eleição de Trump. Também as ações dos norte-americanos JPMorgan Chase e Bank of America dispararam.

    Os investidores contam agora com menos travões regulatórios e, sobretudo, um ambiente mais propício ao investimento e aos negócios. “Há uma expectativa de que o cenário regulatório diminua na Administração Trump”, o que ajuda a impulsionar a cotação das acções do sector financeiro, disse David Ellison, gestor de activos da Hennessy Funds, que detém várias acções de bancos, citado pela Reuters.

    No caso das Obrigações do Tesouro dos Estados Unidos a 10 anos já se antecipava que desvalorizassem. Trump prometeu implementar taxas sobre as importações estrangeiras, com o foco em produtos provenientes da China. Analistas esperam que a medida leve a aumentos de preços, o que, a acontecer, também levaria a um aumento da inflação.

    Ao contrário do esperado, as acções da Trump Media registaram uma queda de 15%, pois no dia 5 de Novembro cotavam a 33,94 dólares por acção e no dia 13 de Novembro a 28,93 dólares.

    Mas o destaque tem sido a Tesla, fabricante de veículos eléctricos de Elon Musk, que se tornou um grande aliado do agora presidente dos Estados Unidos. Musk vai mesmo ter uma tarefa de relevo na nova Administração Trump, tenso sido incumbido de ‘cortar’ a gordura e melhorar a eficiência ao nível federal.

    Pode dizer-se hoje que as previsões ‘negras’ que tantas vezes os media tradicionais vaticinaram para a as acções da Tesla foram definitivamente enterradas, fazendo agora essas previsões apenas parte do cemitério de expectativas da imprensa mainstream para os títulos da empresa de Musk.

    As acções da Tesla valiam 251 dólares no dias das eleições e chegaram a fechar nos 350 dólares no dia 11 de Novembro. Valorizaram quase 50% no último mês. Nos últimos cinco anos, subiram mais de 1260%.

    Tal como a generalidade das empresas norte-americanas, as acções das ‘big-tech’ também beneficiaram com a vitória de Trump. “Até certo ponto, as tecnológicas podem beneficiar da sua lealdade a Trump”, salientaram os analistas da Allianz numa análise.

    Por outro lado, espera-se menos pressão regulatória em geral, o que pode ajudar também as tecnológicas. Por outro, a intenção de aplicar taxas a importações, nomeadamente da China, deverá ajudar algumas empresas norte-americanas deste sector.

    Mas há casos e casos. O historial do relacionamento de Trump com empresas que detêm plataformas e redes sociais, como a Meta, dona do Facebook e Instagram, e a Alphabet, dona do Google e do YouTube, tem sido acidentada, para dizer o mínimo. O novo Presidente dos Estados Unidos viu as suas contas serem suspensas em diversas plataformas e acusou várias empresas de censurarem conteúdos e favorecerem o Partido Democrata.

    Aliás, grandes tecnológicas foram aliados da Casa Branca de Biden/Harris, tendo inclusivamente, segundo documentos oficiais que foram tornados públicos, actuado em conluio para censurar e manipular informação verdadeira. Chegaram a banir contas de vozes conservadoras, cientistas, médicos, investigadores, como foi o caso do antigo Twitter.

    Um dos grandes vencedores das eleições norte-americanas foi o mercado das criptomoedas, com destaque para o ‘ouro digital, a Bitcoin. No dia 6 de Novembro, a seguir às eleições, a Bitcoin disparou para um valor acima dos 75.600 dólares e ontem já estava nos nos 89.747 dólares.

    Mas, em geral, as moedas e activos virtuais dispararam após a confirmação da vitória de Trump, que é mais favorável a um ambiente pró-criptomoedas. A promessa de Trump de fazer dos Estados Unidos a capital do mundo das criptomoedas foi talvez o argumento mais forte por detrás desta euforia.

    Também as acções de empresas ligadas ao sector dos criptoactivos dispararam, como foi o caso dos títulos da Coinbase e da MicroStrategy.

    As acções das grandes farmacêuticas, sobretudo das que tiveram lucros pornográficos com a pandemia de covid-19, como a Pfizer, começaram há semanas a antecipar uma vitória dos republicanos. Com a confirmação da eleição de Trump e a vitória alargada do Partido Republicano em várias frentes, a desvalorização ainda se acentuou mais. Isto porque, com os republicanos no poder, arrefecem as perspectivas de as farmacêuticas poderem ter cortes nas receitas provenientes da subsidiação de de medicamentos e tratamentos por parte dos cofres federais. Trump também defende preços mais baixos dos medicamentos.

    Por outro lado, a política de saúde pública dos republicanos deverá também sofrer alterações, com menor tolerância para o lobby das ‘big-pharma‘ junto de decisores públicos e a promessa de acabar com a corrupção e conflitos de interesses no sector regulatório e de saúde pública nos Estados Unidos.


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  • Violência doméstica sobre homens quadruplicou em 15 anos

    Violência doméstica sobre homens quadruplicou em 15 anos

    Apesar de as mulheres continuarem a ser as principais vítimas de violência doméstica, há cada vez mais homens a surgir como as vítimas nas participações por violência doméstica que chegam às autoridades. No ano de 2023 o número de denúncias feitas por homens vítimas de violência doméstica em contexto de casal atingiu mesmo o recorde: 10.309. O PÁGINA UM analisou a série temporal desde 2008 e mostra que em 15 anos a violência sobre homens aumentou 296%, apesar de, no ano passado, por cada 100 agressões contavam-se 78 vítimas do sexo feminino. O vice-presidente da Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, Manuel Albano, diz que mais do que um aumento real das agressões violência, este aumento nas estatísticas é um reflexo das campanhas de sensibilização para o fenómeno da violência doméstica, que pode ser física, psicológica, económica, ou mesmo abranger estes três tipos de abuso em simultâneo.


    No início, são rosas, passeios à beira-mar, muitos sorrisos e juras de amor. Mas há casos em que as promessas de felicidade se diluem e as relações azedam e acabam a assemelhar-se a filmes de terror. Aos milhares de mulheres que anualmente denunciam os seus parceiros por violência doméstica, têm-se juntado cada vez mais de homens que se queixam de ser vítimas de agressões. E são cada vez mais. Já ultrapassam a fasquia dos 10 mil por ano e bateram no ano passado um novo recorde.

    Segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), actualizados no final do mês passado, em 2023, o número de participações às autoridades em que as vítimas de violência doméstica eram homens atingiu as 10.309. Trata-se de um aumento de 30% face aos dados registados há três anos, mas se se comparar com os valores de há 15 anos – em 2008 contabilizaram-se 2.603 participações por homens –, a evolução é impressionante: 296%. Ou seja, quase quadruplicou.

    Apesar de as mulheres continuarem, de longe, a serem os principais alvos de violência doméstica, o diferencial entre denúncias de vítimas do sexo feminino e do sexo masculino está a estreitar-se. De facto, segundo os novos dados do INE, em 2023, as queixas de violência doméstica feitas por homens representaram já 28% do total de queixas feitas junto das autoridades policiais, que somaram 37.214. Ou seja, em cada 100 agressões participadas, 72 ainda são de mulheres. Em 2008, por cada 100 agressões que chegavam ao conhecimento das autoridades, 88 eram de mulheres. Há 15 anos, havia uma média diária de 58 participação; no ano passado subiu para 102.

    man holding his left shoulder

    A explicação para este aumento do número de queixas em que as vítimas são homens estará na maior sensibilidade que existe para o tema da violência doméstica. Manuel Albano, vice-presidente da Comissão para a Cidadania e a Igualdade do Género (CIG) disse ao PÁGINA UM que as inúmeras campanhas públicas sobre o tema têm “‘desocultado’ o fenómeno da violência doméstica”, incentivando mais pessoas a sentirem segurança para “denunciar os crimes”. Ou seja, há agora uma maior predisposição para a denúncia de situações de agressões entre casais do que havia antes, quando ainda não se estava perante um crime público.

    Para Manuel Albano, as estatísticas deste tipo de crime não revelam toda a realidade, já que os dados conhecidos são apenas os relativos às denúncias que chegam à PSP e à GNR. “Penso que nunca se saberá ao certo quantas pessoas são vítimas de violência doméstica”, disse aquele responsável do CIG, em declarações ao PÁGINA UM.

    No caso dos homens, este responsável destaca existir ainda uma percepção social de que “os homens não choram”, salientando que “isto não é verdade”. Por outro lado, também existe a ideia generalizada de ser mais difícil para um homem apresentar queixa por violência doméstica. “Denunciar este crime tem exactamente a mesma dificuldade quando é feito por mulheres”, defende.

    Número de queixas de violência doméstica em que o agressor é o cônjuge ou análogo efectuadas junto da PSP e da GNR. Fonte: INE/Valores em unidades.

    De resto, apesar de haver mais queixas de homens, Manuel Albano destaca que as mulheres continuarão previsivelmente a ser sempre as principais vítimas. No ano passado, 26.905 mulheres apresentaram queixa nas autoridades como vítimas de agressões físicas ou psicológicas, representando 72% do total, embora se tenha até registado uma ligeira queda de 2,2% face ao ano anterior, quando o número de denúncias feitas por mulheres atingiu o recorde.

    Nessa linha, não surpreende que a gravidade da agressão física seja maior nas vítimas do sexo feminino. Em 2023, dos 22 homicídios cometidos em contexto doméstico, 17 das vítimas eram mulheres, havendo a registar três homens e duas crianças, segundo dados do Portal da Violência Doméstica. Este ano há a lamentar 18 mortes, sendo que 15 eram mulheres e três homens.

    Segundo dados do mesmo Portal, entre Janeiro e o final de Setembro deste ano, houve 23.032 ocorrências registas pela PSP e a GNR referentes a crimes de violência doméstica, mas esta base de dados não apresenta dados discriminados por sexo.

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    Por outro lado, tanto no caso dos homens como das mulheres, não existem dados sobre se o agressor é ou não do sexo oposto, podendo haver situações de violência doméstica em casais do mesmo sexo. Os dados do INE não revelam essa informação. Mas, seja de que sexo for a vítima e o agressor, o crime de violência doméstica constitui um atentado a “um direito humano, um direito fundamental” em que quem agride se aproveita do poder que detém sobre o parceiro, argumenta Manuel Albano. “E são as mulheres quem mais sofre num contexto de intimidade”, lamenta.

    Recorde-se que a violência doméstica passou a ser considerado um crime público a partir do ano 2000, quando houve uma alteração legislativa que reforçou a protecção das vítimas. Contudo, a maior percepção e conhecimento em torno deste tipo de violência, deverá levar a que continue a haver mais denúncias, sinalizou o mesmo responsável da CIG. Até porque hoje, além dos postos policiais da PSP e da GNR, existem em todos os distritos pontos de atendimento para vítimas de violência doméstica, o que facilita a denúncia.

    O PÁGINA UM contactou também a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), mas ninguém se mostrou interessado ou disponível.


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  • X e o ‘Guardian-costas’ da censura

    X e o ‘Guardian-costas’ da censura


    Alterações Mediáticas, podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No 11º episódio, analisa-se o anúncio do jornal britânico The Guardian de sair da rede social X (antigo Twitter), depois da vitória do candidato republicano, Donald Trump, nas presidenciais norte-americanas. No tempo em que o Twitter censurava vozes conservadoras e até jornalistas o The Guardian nunca viu problema nenhum naquela rede social…

    Acesso: LIVRE, mas subscreva o P1 PODCAST com um donativo mensal de 2,99 euros. Ajude o PÁGINA UM a amplificar o seu trabalho.

  • O ‘dia da vergonha’ para a imprensa

    O ‘dia da vergonha’ para a imprensa


    Os norte-americanos deram um murro na mesa e elegeram Donald Trump para a Casa Branca. Será o 47º Presidente dos Estados Unidos. Mas a vitória de Trump não representa apenas a derrota de Kamala Harris, a candidata do Partido Democrata. Representa também a derrota da imprensa tradicional que, mais uma vez, nestas eleições, decidiu meter a ética jornalística debaixo do tapete. Na cobertura que fez da campanha de Trump nestas eleições, a generalidade da imprensa mainstream, incluindo a portuguesa, destilou ódio e desinformação em vez de fornecer ao público factos e rigor jornalístico.

    Essa cobertura enviesada criou uma opinião pública mal informada e com o ‘cérebro lavado’ de imagens de um Trump ‘fascista’ contra uma Harris ‘heroína’.

    Durante a campanha para a Casa Branca, a maioria dos jornalistas de grandes órgãos de comunicação social endeusou Harris, escolhendo as melhores fotografias, as poses mais favoráveis, as frases que ficavam mais ‘no ouvido’. E enterrou o passado de Harris, as frases comprometedoras, as gaffes, as gigantescas falhas.

    graffiti, trump, melbourne

    Em geral, os media, enterraram todos os ‘defeitos de Harris e exacerbaram os de Trump. Fingiram que Harris não tem sido número dois na administração Biden, sendo cúmplice das suas políticas, nomeadamente o envolvimento e apoio do país a conflitos armados e guerras. Fingiram que Harris não era a pró-censura e contra a liberdade de imprensa e de expressão. Fingiram que Harris era a democrata, a ‘boa’, e pintaram Trump como o ‘fascista’, o ‘mau’. E falharam. A imprensa escolheu um lado, violando o Jornalismo. E perdeu. Massivamente.

    O dia de hoje não foi apenas de vitória para Trump e para os republicanos. Foi um dia de despertar para muitos na imprensa, nomeadamente em Portugal. Falharam nas previsões. Falharam nas expectativas. Falharam, sobretudo, com o Jornalismo e com o público, os leitores, ouvintes e telespectadores. Mas ganharam no ódio, que é visível em algumas reacções ao resultado eleitoral na Internet.

    Ao mar de jornalistas e comentadores a destilar ódio e mentiras nos media, juntaram-se jornalistas e comentadores influencers a espumar raiva nas redes sociais. Dois exemplos, em Portugal, são casos como o de Mafalda Anjos e de Luís Ribeiro. A primeira foi directora da Visão até ao final do ano passado e actualmente é comentadora da CNN; o segundo continua a ser jornalista desta revista da Trust in News, desde 1999, e ainda comenta na SIC. Ambos lançam insultos recorrentes em publicações na rede X e alimentam assim uma rede de seguidores e ‘haters’ que sustentam a sua base de audiência e de ‘engagement’ naquela rede social (e isso pode trazer receita). Promovem o discurso de ódio constantemente e alimentam-se disso. São os vampiros desta era digital em que as redes sociais se tornaram um espelho do pior que pode haver nos seres humanos.

    Curiosamente, Mafalda e Luís são dois nomes associados a um grupo de media à beira da insolvência, a Trust in News. Não será coincidência. Ambos reflectem o pior que pode haver em ‘jornalistas’: proferem discurso de ódio contra os seus ‘alvos’; promovem uma cultura de polarização. Usam a sua posição como jornalistas e a sua carteira profissional para levar a cabo campanhas de raiva aproveitando para ganhar audiência com a polarização de seguidores e ‘haters‘.

    Estes dois influencers/jornalistas são exemplos do tipo de individualidades que vampirizam o ecossistema digital e que se alimentam do ódio e de um público polarizado, em parte, devido à actuação da imprensa  tradicional, que ao invés de informar, muitas vezes aposta na propaganda e na polarização.

    Estes influencers do ódio vivem das emoções das massas, manipulando-as; usam e abusam das mais básicas técnicas de bullying e assédio contra os seus ‘alvos’.  Muitas vezes, lendo algumas publicações, parecem ter sido escritas por adolescentes inseguros, com borbulhas e muito ódio aos pais, procurando desesperadamente a validação dos seus pares para se sentirem integrados e aceites num qualquer grupo.

    man in black suit jacket

    Curiosamente, a faixa etária que mais votou em Trump foi a dos adultos já mesmo adultos – entre os 45 e os 64 anos. E Trump conquistou também o voto popular. Na realidade, é o tipo de malta que não tem pachorra para tretas e merdas nem paciência para influencers digitais inseguros a espumar raiva e a debitar insultos.  

    Quando há adultos ‘na sala’, a opinião destes influencers/jornalistas vale menos que zero. Isto é válido para Portugal, com exemplos como o destes influencers/jornalistas, como nos Estados Unidos . E, na verdade, as notícias enviesadas e com discurso de ódio contra Trump até ajudaram à derrota de Harris.

    Com estas eleições, surge a visão de um mundo ocidental em que o Jornalismo se liberta desta imprensa tóxica que tem asfixiado o público e a verdade. Não admira que Jeff Bezos, dono da Amazon e do Washington Post, tenha apoiado a decisão do seu jornal de não recomendar o voto em nenhum dos candidatos à Casa Branca. O magnata assumiu, ele próprio, o declínio da credibilidade da imprensa mainstream. De resto, a perda de credibilidade tem crescido em paralelo com as campanhas de desinformação a que todos assistimos nos media, em temas como a pandemia, Ucrânia, inflação, Gaza, etc, etc..

    Estas eleições são um sinal de que a era destes vampiros/influencers do ódio tem os seus dias contados e que a sua popularidade está agora restrita a um nicho ‘dark’ e depressivo do ecossistema digital que vive da raiva e dos insultos. Uma minoria raivosa a espumar e a atirar pedras entre si.  

    Com estas eleições, pelo menos nos Estados Unidos, floresce a visão de uma Internet em que há liberdade de imprensa e de expressão, em que é aceite diversidade de opiniões. Enquanto isso, no resto do mundo ocidental paira a nuvem da censura e do fim da liberdade de imprensa e de expressão, designadamente na Europa e em países como o Brasil.

    Não duvido que estas eleições norte-americanas são também a pedra que marca agora a sepultura onde jaz a credibilidade da imprensa tradicional.

    Trump tem muitos defeitos. Bezos também. Mas ambos sabem quando um ‘produto’ está morto. E o motor da imprensa é a sua credibilidade. Sem ela, não há ‘produto’. A morte em definitivo do motor, da credibilidade da imprensa mainstream, dá esperança de que haja um futuro para o Jornalismo. Um futuro em que uma nova imprensa, com um novo motor, com credibilidade, se apresenta ao público para cumprir a sua missão de informar com rigor e seriedade. Porque esta imprensa tóxica, que tem alimentado mentiras e a polarização, defendido a censura digital e apoiado a indústria de guerra, se morrer, traz outra esperança: a de que há um futuro para a Democracia no mundo ocidental. E para a Paz.


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  • ‘Sou e serei sempre, com muito orgulho, independente’

    ‘Sou e serei sempre, com muito orgulho, independente’

    É conhecido pela sua vida na política, mas a sua paixão são a água e o ambiente. Depois de ter sido o mentor do plano de drenagem de Lisboa, há precisamente duas décadas, António Carmona Rodrigues é presidente da AdP – Águas de Portugal e coordena o Grupo de Trabalho ‘Água que Une’, que visa assegurar a disponibilidade de água no país para todos os usos essenciais. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Carmona Rodrigues fala sobre o sector da água e o ambiente e a necessidade de ter estratégias bem pensadas para o futuro, incluindo de prevenção e preparação para eventos extremos, como o que afectou Valência, em Espanha, recentemente. Carmona Rodrigues também recorda os tempos de actividade política activa, os quais lhe chegaram a trazer alguns dissabores, e diz não ter guardado ressentimentos, embora guarde memórias.    



    Tornou-se mais conhecido pelo seu papel na política, mas é uma das principais ‘autoridades’ em Portugal em matéria de água e ambiente. Podia estar a saborear a reforma mas, aos 68 anos, António Carmona Rodrigues preside à AdP – Águas de Portugal, cargo para o qual foi nomeado em Maio deste ano e que “não podia recusar”.

    Mas foi também nomeado, em Julho, para coordenar o Grupo de Trabalho ‘Água que Une’, para elaborar uma nova estratégia nacional para a gestão da água. Este grupo que Carmona Rodrigues coordena é responsável, provavelmente, pela principal tarefa que o país enfrenta para o futuro: assegurar a disponibilidade de água para todos os usos essenciais. “O nosso dever cívico é tentar contribuir para melhorar o que não está bem”, afirmou nesta entrevista ao PÁGINA UM.

    António Carmona Rodrigues na sede do jornal PÁGINA UM. / Foto: PÁGINA UM

    Depois de ter sido o mentor do plano de drenagem de Lisboa, cuja construção está em marcha, Carmona Rodrigues foi chamado a liderar esta iniciativa interministerial no âmbito da qual vai ser revisto o Plano Nacional da Água para 2025-2035 e desenvolvido um plano de armazenamento e de distribuição eficiente de água para a agricultura – Plano REGA –, designadamente em articulação com outros instrumentos de planeamento e gestão que estão em vigor, como é o caso do Plano Estratégico para o Abastecimento de Água e Gestão de Águas Residuais e Pluviais (PENSAARP 2030).

    Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Carmona Rodrigues falou sobre um dos projectos em curso no âmbito das novas origens de água: o projecto de dessalinização da água do mar no Algarve. Também abordou a a sua ‘paixão’ pela água e pelo ambiente e os desafios que o país enfrenta e defendeu que devem ser adoptadas estratégias de prevenção, designadamente para se lidar com eventuais eventos extremos, como as trágicas cheias recentes em Valência, Espanha. Também recordou a sua vida política, que até lhe valeu um longo processo judicial, que se arrastou por nove anos, culminando na sua absolvição.

    Independente, Carmona Rodrigues foi ministro das Obras Públicas, Transportes e Habitação e deu ao PSD a maior vitória de sempre na capital, quando foi eleito presidente da autarquia, em 2005. Admitiu não ter “nada contra os partidos”, mas prefere ser independente. “Sou e serei sempre, com muito orgulho, independente”, afirmou durante a entrevista.

    O presidente da AdP – Águas de Portugal foi também nomeado, em Julho, coordenador do Grupo de Trabalho ‘Água que une’, cuja missão é desenhar uma estratégia para garantir a disponibilidade de água para todos os usos essenciais no país. / Foto: PÁGINA UM

    Considerou que a democracia não está em perigo em Portugal, mas criticou a grande resistência à mudança que existe no país. Defendeu que Portugal precisa modernizar, por exemplo, a “própria lei do poder local, que é uma lei obsoleta”, e lamentou que “parece que essas matérias são tabus em Portugal”. Lembrou que se trata de uma lei criada em 1976, que “deu muitos bons frutos”. Mas sublinhou que, até aos anos 90, “os autarcas comungavam do primeiro interesse, que era servir as comunidades, estivessem eles no poder ou na oposição”. “Hoje só vejo a dita oposição a não deixar fazer. A oposição transformou-se muito em não deixar fazer, por qualquer meio”, frisou.

    Carmona Rodrigues não duvida que “a democracia não está em perigo, mas devia haver um esforço de adaptação legal, institucional, aos tempos modernos”. “Não se muda. Não se muda porquê? Na água, toda a gente é criticada por não se adaptar, na política não, é o contrário”, apontou, referindo ainda os exemplos dos que defendem a Regionalização ou a adopção de alterações à Constituição da República.

    Disse que há muitas opções na política que podiam ser discutidas e recordou uma experiência extrema levada a cabo na antiga Grécia, em que governantes foram escolhidos por amostra estatística, sem opção de recusarem desempenhar as funções de gestão do bem público.

    Mas, em Portugal, lamentou que nem debater algumas temas, se pode. “Em Portugal, penso que temos passado muitos anos com uma grande resistência à mudança”, observou.


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  • ‘O cartão europeu de vacinação é mais uma machadada grave nos nossos direitos, liberdades e garantias’

    ‘O cartão europeu de vacinação é mais uma machadada grave nos nossos direitos, liberdades e garantias’

    A psicóloga, comentadora e antiga deputada Joana Amaral Dias é uma das três autoras da Petição Pela Rejeição do Cartão Europeu de Vacinação, a qual conta com mais de 16.600 assinaturas. A petição será apreciada em sede da Comissão de Saúde. Para as peticionárias, o cartão representa uma séria ameaça aos direitos, liberdades e garantias individuais e se for aliado à identidade digital e euro digital poderá ser usado para controlar os cidadãos. Assim, qualquer Estado que tenha nas suas mãos estas ferramentas digitais ficará com um poder sobre a população que coloca em risco a democracia. Com esta Petição, as autoras da iniciativa pretendem, primeiro, alertar a população; segundo, comprometer os deputados com as suas decisões, para que mais tarde não posso dizer que nada sabiam. O objectivo final é o de deter a adopção deste cartão em Portugal.    



    A psicóloga, comentadora e antiga deputada Joana Amaral Dias e a médica-dentista e defensora da medicina baseada na evidência Marta Gameiro são as vozes defensoras dos direitos humanos e liberdades fundamentais que, pela segunda vez, surgem no Parlamento para ‘agitar as águas’ em torno de novas políticas de saúde pública que ameaçam tornar-se em instrumentos de controlo e vigilância para usar nos cidadãos.

    Depois de terem sido ouvidas no Parlamento a propósito de uma petição que pedia um referendo sobre a adesão de Portugal ao Tratado Pandémico da Organização Mundial de Saúde, Joana Amaral Dias e Marta Gameiro lançaram uma nova petição, com a jurista Alexandra Marcelino, para a rejeição do cartão europeu de vacinação. Nesta entrevista ao PÁGINA UM, Joana Amaral Dias alertou que “este cartão europeu de vacinação é mais uma machadada grave nos nossos direitos, liberdades e garantias”.

    Esta petição conta com mais de 16.600 assinaturas e vai ser analisada no Parlamento, tendo baixado à Comissão de Saúde para apreciação. Para já, foi designado como relator, no dia 25 de Outubro, o deputado do Livre Paulo Muacho.

    Joana Amaral Dias. / Foto: Júlia Oliveira

    Em causa está o projecto EUVABECO, criado pela da Comissão Europeia, o qual “visa intensificar e controlar a vacinação na União Europeia (UE), e está em vias de lançar 5 ‘ferramentas’ que devem, até 2030, governar a Saúde Pública e Privada”, segundo o texto da petição. Uma das ‘ferramentas’ consiste num “cartão de vacinação transfronteiriço, permitindo o controlo dos cuidados de saúde a nível global e ao longo da vida”.

    A fase de teste-piloto arrancou em Setembro passado e vai durar até Agosto de 2025. Portugal é um dos cinco países onde o cartão vai ser testado a par da Bélgica, Grécia, Letónia e Alemanha.

    Mas, recorda a petição, “a agenda da EUVABECO prevê a implementação deste CVE (cartão de vacinação europeu) em 2026, que, integrado no sistema global de certificação digital da Organização Mundial da Saúde (OMS), está a ser conjugado com dois outros projectos, a saber: Identidade Digital Europeia eMoeda Digital Europeia”. Para as peticionárias, “o CVE surge como um instrumento de rastreamento, controlo e coerção dos cidadãos, que, se não for travado, nos conduzirá a cinco pontos de não retorno”.

    Joana Amaral Dias. / Foto: Júlia Oliveira

    A decisão de lançar esta petição surgiu devido à “magna importância” do tema, “que diz respeito à saúde de todos” e que envolve a criação, “por parte de pessoas não eleitas”, de um instrumento “sem discussão pública” e até contra a vontade de cidadãos. Para as peticionárias, o cartão visa coligir dados dos europeus e centralizá-los, sendo que Portugal já tem um cartão de vacinação.

    Joana Amaral Dias alertou que os dados do cartão serão “armazenados de forma electrónica e centralizados em instâncias europeias” que terão acesso a dados de saúde dos europeus e poder usá-los a ser bel-prazer”.

    Para as peticionárias, o problema não está apenas no cartão e nas ferramentas que o acompanham, mas no facto de vir a poder ser usado em articulação com o euro digital a identidade digital. Segundo Joana Amaral Dias, o cartão de vacinação, aliado a estes instrumentos “torna-se especialmente maquiavélico e perverso, porque qualquer Estado que disponha destes três elemento pode ‘vergar a espinha’ a qualquer cidadão”. “Qualquer estado que detenha estas ferramentas deixa de ser democrático”, alertou.

    Para já há que aguardar que seja agendada a data para ouvir as peticionárias na Comissão de Saúde. Segundo Joana Amaral Dias, o primeiro objectivo da petição é alertar as populações, mas também conseguir que os deputados se comprometam com as suas decisões, não podendo, no futuro, fingir que nada sabiam. Por fim, o terceiro objectivo é deter a implementação do cartão em Portugal.

    No caso da petição relativa ao Tratado Pandémico, esforços de aumento de literacia sobre o tema levados a cabo em diversos países, como foi feito em Portugal por Marta Gameiro e Joana Amaral Dias, a pressão dos cidadãos, médicos e investigadores acabou por surtir algum efeito, pois o Tratado não chegou a ser adoptado, mas a OMS não desistiu que o implementar.


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  • 31 milhões em três anos: Porto Editora aproveita manuais digitais para vender computadores

    31 milhões em três anos: Porto Editora aproveita manuais digitais para vender computadores

    Desde 2018, os contribuintes desembolsaram 36,6 milhões de euros em contratos feitos com a Porto Editora, na maioria por ajuste directo, mas grande parte da verba (30,8 milhões) advem de contratos a partir de 2022. O grupo portuense, que possui conhecidas editoras de manuais escolares, tem beneficiado de muitos contratos por ser o escolhido pelos agrupamentos escolares e escolas do ensino público para fornecer manuais digitais e licenças de acesso a conteúdos. Mas, à boleia, a Porto Editora acaba a vender ‘kits’ de computadores, muitas vezes sem concorrência, porque as escolas decidem, de forma questionável, não separar as aquisições. Em contratos recentes, a Porto Editora cobrou 490 euros por cada portátil. Somando os manuais digitais e software, cada ‘kit’ para alunos rendeu mais de 900 euros. No top 20 dos maiores contratos ganhos pela Porto Editora, a Região Autónoma da Madeira dá um ‘baile’ ao Continente. As escolas madeirenses são responsáveis pelos 16 contratos mais valiosos feitos com a Porto Editora. Na sua maioria, são adjudicações feitas no último ano e meio por ajuste directo.


    As licenças de acesso a manuais digitais têm sido o’ cavalo de Tróia’ da Porto Editora para facturar milhões de euros em contratos com as escolas do ensino público, muitas vezes sem concurso. O grupo editorial, que detém a Areal e a Raiz, ganhou já contratos no valor de 36,6 milhões de euros desde 2018, na maioria por ajuste directo, mesmo quando o objecto do negócio foi a venda de ‘kits’ informáticos para os alunos, num sector com ampla concorrência.

    As escolas e os professores têm autonomia para escolher os manuais escolares a adoptar a cada ano lectivo, mas no que toca o material informático, o caso muda de figura. Ainda assim, à boleia da compra de manuais digitais e licenças de acesso a conteúdos pedagógicos, há escolas a adjudicar contratos por ajuste directo de milhares de euros sem a devida fundamentação legal.

    A Porto Editora tem beneficiado desta prática. Num levantamento feito pelo PÁGINA UM a contratos públicos registados no Portal Base, a Porto Editora é a ‘rainha’ da venda de manuais e licenças digitais, detendo 100% dos contratos. Na mesma análise, constata-se que em diversos contratos, além dos manuais e das licenças digitais, a empresa vende ‘kits’ informáticos para alunos.

    three person pointing the silver laptop computer

    Já em Setembro do ano passado, o PÁGINA UM tinha denunciado esta prática, de haver contratos por ajuste directo com a Porto Editora para vender tablets e computadores em ‘packs‘ à boleia dos manuais e licenças digitais. Em contratos recentes, a Porto Editora cobra mais de 900 euros por cada ‘kit’ para alunos do 10º ano, por exemplo, com o custo de cada portátil a sair a quase 500 euros ao Estado.

    De resto, este ano, a editora obteve os dois maiores contratos de sempre feitos com o Estado, ambos envolvendo a venda de ‘kits’ e manuais digitais a escolas da Região Autónoma da Madeira. O seu maior contrato de sempre, no valor de e 1.036.411,89 euros, que, acrescido de IVA, eleva a despesa dos contribuintes para 1.264.422,50 euros, foi efectuado a 22 de Julho com a Secretaria Regional de Educação, Ciência e Tecnologia – Escola Secundária Francisco Franco, no Funchal, referente à ‘Aquisição de manuais escolares digitais, bens e serviços conexos, 2024/2025’. Apenas a Porto Editora concorreu a este concurso público anunciado a 7 de Junho e com data-limite para entrega de propostas a 8 de Julho.

    Este contrato inclui a venda, pela Porto Editora, de 780 portáteis Chromebook, com bolsa de proteção personalizada, para alunos do 10º ano, disponibilização da ‘Plataforma LMS-Learning Management System com conteúdos e recursos educativos’, licenças ‘para Firewall Cloud (Secure Access Service Edge – SASE)’, licenças de acessos aos ‘Manuais em Formato digital’ e ainda licenças da ‘plataforma MDM-Mobile Device Management, para gestão centralizada dos equipamentos’. Cada ‘kit’ foi vendido ao preço de 907,52 euros, excluindo IVA. Além disso, o contrato abrangeu o fornecimento de licenças digitais a alunos do 11º ano ao preço de 416,64 euros, cada.

    Valor (em euros) dos contratos públicos relativos à compra de manuais digitais, licenças de acesso ou ‘kits’ com manuais digitais e computadores ou tablets. A Porto Editora foi a entidade contratada em 100% dos contratos detectados pelo PÁGINA UM. Fonte: Portal Base.

    O segundo maior contrato, no valor de 797.852,37 euros, foi efectuado a 19 de Agosto com a Escola Secundária Jaime Moniz, no Funchal. Este contrato engloba, por exemplo, a venda de 600 ‘kits’ no valor de 907,52 euros para os alunos do 10º ano, que inclui um portátil ‘Chromebook com bolsa de protecção’, num valor global de 544.512 euros, sem IVA. No caso dos ‘kits’ para os alunos do 11º ano, a Porto Editora cobra 416,64 euros por cada um, apenas para disponibilizar manuais digitais, software de cibersegurança e a plataforma LMS-Learning Management System. Fazendo as contas, significa que a Porto Editora vendeu, neste contrato, computadores portáteis para alunos ao preço de 490,88 euros sem IVA.

    De resto, os 16 maiores contratos da Porto Editora com entidades públicas foram celebrados com escolas da Região Autónoma da Madeira em contratos adjudicados, na sua maioria, no último ano e meio, tendo gerado mais de 8,1 milhões de euros de receita à Porto Editora. Destes contratos, 12 foram feitos por ajuste directo.

    Numa análise a várias compras de ‘kits’ informáticos para alunos feitas por escolas públicas, nos últimos meses, e registadas no Portal Base, o PÁGINA UM detectou contratos em que cada ‘kit’ composto por portátil, uma mochila de transporte, um ‘headset‘ e um rato com ligação USB custa em redor dos 410 euros ou 415 euros, incluindo um sistema operativo. Além do custo mais baixo, alguns dos contratos para a aquisição de portáteis para os alunos são feitos através de concurso ou consulta prévia, mas, na sua maioria, têm sido adjudicados por ajuste directo, apesar de existirem diversas empresas a operar no mercado.

    woman reading book

    Nos contratos registados no Portal Base referentes à aquisição de manuais e licenças digitais, todos feitos com a Porto Editora, verifica-se que o ‘pico’ das compras ocorreu em 2023, quando o valor total da despesa atingiu os 12,4 milhões de euros. Contudo, este ano o valor global dos contratos vai em 10,3 milhões de euros e há ainda procedimentos que não estarão registados no Portal Base.

    Além da Porto Editora, outras empresas que surge ligada a compras por ajuste directo relacionadas com a digitalização das escolas e a aquisição de material informático são a Meo e a Altice, que facturaram 460 mil euros com contratos públicos. Estes contratos feitos pelas escolas surgem num contexto de políticas que têm promovido uma maior digitalização do ensino público e a desmaterialização dos manuais escolares em papel.

    Recorde-se que, em 2018, a Direcção-Geral das Actidades Económicas e a Associação de Editores e Livreiros assinaram uma convenção relativa à venda de manuais escolares destinados aos ensinos básico e secundário, na qual se previa a distribuição de licenças digitais a todos os alunos do ensino público abrangidos pela medida de gratuitidade dos manuais escolares. Nesse sentido, anualmente, o Estado tem subsidiado ‘vouchers’ que são enviados aos encarregados de educação dos alunos para serem trocados por manuais escolares novos ou usados, os quais vem acompanhados por licenças de acesso a conteúdos digitais das editoras.

    woman wearing blue denim jacket holding book

    Neste caso, são os pais que recebem os ‘subsídios’ e, por isso, não surgem compras de manuais escolares às diferentes editoras no Portal Base. “A relação é entre o Ministério da Educação e os pais, que recebem os ‘vouchers’, pelo que não há uma compra de manuais às editoras por parte de nenhuma escola”, afirmou Pedro Sobral, presidente da Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), em declarações ao PÁGINA UM.

    Pedro Sobral defendeu que, no caso da compra de manuais digitais por parte das escolas, como as que estão registadas no Portal Base, faz sentido que sejam feitas por ajuste directo, já que “são as escolas que escolhem os manuais que pretendem”. Recordou que essas compras surgem inseridas em programas de digitalização das escolas e desmaterialização dos manuais em papel.

    Estes programas surgiram no âmbito do ‘Plano de Ação para a Transição Digital’ aprovado pelo Governo socialista em Abril de 2020. Nesse âmbito, desde então que o Ministério da Educação, Ciência e Inovação tem vindo a implementar, por exemplo, um projecto-piloto relativo ao uso de manuais digitais que, no ano lectivo passado, abrangeu 24 mil alunos de 104 agrupamentos escolares e escolas não agrupadas. No total, para o ano lectivo de 2023-2024, foi fixado o tecto de 24,167 milhões de euros que o Governo autorizou a gastar em licenças digitais de manuais.

    Página online da ‘Escola Virtual’ do grupo Porto Editora. Foto: Captura de ecrã/PÁGINA UM

    Mas a aposta na ‘desmaterialização’ dos livros escolares está em ‘banho-maria’ e tem um futuro incerto. “Felizmente, o anterior Governo decidiu, e bem, suspender esse plano”, disse Pedro Sobral, frisando que existem muitos estudos científicos que revelam a importância que o uso de livros em papel tem para o adequado desenvolvimento das crianças, nomeadamente nas suas capacidades de leitura, escrita e compreensão de textos.

    “Na APEL, pugnamos por uma complementariedade de formatos”, juntando o manual em papel com conteúdos digitais, frisou Pedro Sobral. “Não somos contra a digitalização, pelo contrário. Pensamos que é complementar”, salientou.

    Também o actual Governo já indicou que a estratégia de apostar numa maior digitalização dos manuais escolares está sob análise. Isto acontece numa altura em que persistem as dúvidas sobre os benefícios do uso exclusivo de livros digitais pelos alunos e também os ‘efeitos adversos’ que surgem com a excessiva exposição de crianças e jovens a ecrãs. Ao mesmo tempo, aumenta a pressão por parte de movimentos como o ‘Menos Ecrãs, Mais Vida‘, para travar o projecto dos manuais digitais nas escolas públicas.

    Seja como for, o negócio dos manuais digitais já rendeu milhões à Porto Editora e, até ordem contrária, as escolas irão continuar a comprar licenças se quiserem que os alunos continuem a poder usar os computadores comprados em ‘kit’ junto com os manuais digitais.


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  • Jeff Bezos diz ‘Ka-ma-lá e pára o baile’

    Jeff Bezos diz ‘Ka-ma-lá e pára o baile’


    Alterações Mediáticas, podcast da jornalista Elisabete Tavares sobre os estranhos comportamentos e fenómenos que afectam o ‘mundo’ anteriormente conhecido como Jornalismo. No 10º episódio, analisa-se o apoio do magnata e dono do Washington Post, Jeff Bezos, ao anúncio do jornal de que não vai recomendar o voto em nenhum dos candidatos na corrida à Casa Branca. Isto num cenário em que a maioria dos media mainstream faz propaganda aberta e descarada a Kamala Harris, que tem exercido o cargo de vice-presidente na Administração Biden.

    Acesso: LIVRE, mas subscreva o P1 PODCAST com um donativo mensal de 2,99 euros. Ajude o PÁGINA UM a amplificar o seu trabalho.