Uma aquisição de serviços de telerradiologia, um tipo de prestação onde existe concorrência, foi contratada para o Hospital Garcia de Orta através de um simples ajuste directo de 707 mil euros, IVA incluido, através da Unidade Local de Saúde Almada-Seixal (ULSAS). E ainda mais: sem sequer ter sido assinado um contrato por escrito, onde constem as condições, tipologia dos serviços e o preço unitário. O ‘feliz contemplado’ por esta liberalidade de gestores hospitalares foi a empresa Dr. Campos Costa -Consultório de Tomografia Computorizada, pertencente ao universo do grupo Unilabs.
O anúncio deste peculiar procedimento de contratação pública foi publicado na plataforma Portal Base no passado dia 13 de Janeiro, mas o ‘contrato’ fico assumido em 26 de Dezembro, vigorando por 365 dias. Em causa, de acordo com os poucos elementos constantes no Portal Base, está a prestação de um serviço de telerradiologia, que consiste na transmissão electrónica à distância de imagens radiológicas, designadamente radiografias e TACs, bem como a elaboração de relatórios de diagnóstico por médicos especialistas.
Hospital Garcia de Orta, em Almada. / Foto: D.R.
No Potal Base, a ULSAS justifica esta despesa por ajuste directo e sem contrato formal reduzido a escrito “por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade”. Contudo, se o motivo de urgência pode ser invocado para não se abrir concurso público, não pode justificar um período tão longo de vigência, e teria de se confirmar se o atraso numa opção concorrencial se deveu ou não à própria estrutura local do SNS.
Além disso, não se encontra previsto no Código dos Contratos Públicos que um ajuste directo por “urgência imperiosa” justifique a ausência de um contrato escrito, ainda mais quando atinge mais de 700 mil euros, e não se vislumbra qualquer impedimento físico ou emocional para não se pegar em contratos similares e os adaptar ao actual contexto.
Até porque, na verdade, o Hospital Garcia da Orta já tem um longo historial com a empresa da Unilabs. Nos últimos dois anos, a Dr. Campos Costa facturou 1.016.475 euros, através de três contratos, dois por ajuste directo e um por concurso público. O primeiro contrato, no valor de 233.850 euros, foi adjudicado por ajuste directo em 24 de Julho de 2023. O segundo contrato, no montante de 207.625 euros, foi feito por concurso público no dia 21 de Agosto de 2023.
Em resposta a questões colocadas pelo PÁGINA UM, a ULSAS explicou que o primeiro ajuste directo adjudicado a esta empresa, em 2023, resultou da “não adjudicação” após dois concursos públicos. Assim, foi decidido efectuar o ajuste directo à Dr. Campos Costa “para garantia de continuidade da prestação de Serviços de Telerradiologia, essenciais à prestação directa de cuidados de saúde, pelo período de tempo estritamente necessário até à conclusão” de um novo concurso público. Este ajuste directo “produziu efeitos de 1 de Janeiro de 2023 a 31 de Maio de 2023”.
Posteriormente, após a conclusão do novo concurso público, acabou por ser feita nova adjudicação à Dr. Campos Costa, produzindo efeitos de 1 de junho de 2023 a 31 de dezembro de 2023.
Segundo a ULSAS, no concurso público que deu lugar ao contrato com a Dr. Campos Costa, em 2023, “ficou expressamente prevista” a possibilidade “de adopção de procedimento por ajuste directo para a celebração de futuro contrato de aquisição de novos serviços que consistam na repetição de serviços similares objeto do presente procedimento”. Mas tal deveria ter sido feito de outra forma, ou seja, através de uma prorrogação do contrato já estabelecido, sob condições. Assim, aquilo que se depreende é que a ULSAS usou um argumento falso para celebrar um ajuste, porque a urgência imperiosa, por não haver contrato, era exclusivamente sua.
A empresa Dr. Campos Costa foi integrada no grupo Unilabs em 2017. / Foto: D.R.
Em todo o caso, a ULSAS, defende que o ajuste directo ao longo do presente ano está em “respeito pelas condições constantes do contrato suprarreferido”.
Recorde-se que a Dr. Campos Costa, que pertence ao grupo Unilabs desde 2017, foi condenada pela Autoridade da Concorrência, em 2022, ao pagamento de uma coima superior a cinco milhões de euros. Em causa esteve “a participação num cartel em concursos públicos para prestação do serviço de telerradiologia a hospitais e centros hospitalares no território nacional”, segundo a acusação da AdC.
A Dr. Campos Costa e outras empresas do sector repartiram entre si o mercado e puseram em prática estratégias para que houvesse um aumento generalizado dos preços dos serviços de telerradiologia junto de unidades que integram o Serviço Nacional de Saúde. Na altura, a Dr. Campos Costa colaborou com as investigações da AdC, tendo admitido a participação no cartel e abdicado de qualquer litigância judicial da condenação.
No total, esta empresa facturou 26.248.991,50 euros através de 127 contratos com entidades públicas, desde 2009. Só em 2024, a Dr. Campos Costa ganhou 4,130 milhões de euros em contratos feitos com entidades estatais, a maior parte através de concurso público e quatro por ajuste directo.
Sabendo-se que, segundo a ULSAS, o serviço prestado pela Dr. Campos Costa é essencial, aguarda-se a divulgação de um novo concurso público ou um ajuste directo relativo aos serviços que estarão a ser prestados, eventualmente pela mesma empresa, ao Hospital Garcia de Orta em 2025. Fica na dúvida se se invocará uma nova e estafada “urgência imperiosa” com pagamentos feitos sem se saber preços unitários.
Tudo começou há uma década e meia, e não tem fim à vista. Por causa de um conflito com a arrecadação de IVA, a Infraestruturas de Portugal – a empresa estatal responsável pelas redes rodoviárias e ferroviárias – e a Autoridade Tributária ‘renovam’, ano após ano, diferendos semelhantes que acabam no tribunal administrativo. Junte-se à morosidade judicial – que em 15 anos de quezílias ainda não conseguiu tomar uma decisão final em qualquer um dos 11 processos – uma incompreensível inacção política para encontrar uma solução por via legislativa. Numa luta entre duas entidades da Administração Pública, cujos resultados serão indiferentes para os contribuintes, quem está a ganhar, e bem, nesta absurda ‘guerra de alecrim e manjerona’ tem sido a sociedade de advogados sistematicamente contratada por ajuste directo pela Infraestruturas de Portugal. Liderada por Eduardo Paz Ferreira, o marido da ex-ministra socialista da Justiça, Francisca Van Dunem, esta sociedade já amealhou 1,3 milhões de euros a tratar destes diferendos.
O Fisco, já se sabe, não aceita de bom grado que não o deixem amealhar o máximo de imposto e de taxas. Nem as entidades públicas se livram desta sanha. E a antiga Estradas de Portugal, hoje Infraestruturas de Portugal (IP), foi uma dessas ‘vítimas’: no exercício financeiro do ano de 2008 e no primeiro semestre de 2009, esta empresa pública argumentou, perante a Autoridade Tributária, que tinha direito a deduzir o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo à denominada Consignação de Serviço Rodoviário. Essa receita, apesar de legalmente pertencer à IP, era cobrada aos consumidores pelos distribuidores de combustível, que a encaminhava para o Fisco. Somente depois, de acordo com os mecanismos legais para cobrança e liquidação do imposto, esses montantes chegavam (e chegam) à IP.
O diferendo de 2008 e primeiro semestre de 2009, que poderia ter sido pontual, e mediado, no limite, pelos Ministérios das Finanças e das Infraestruturas, não ficou resolvido nos gabinetes, como seria de esperar em entidades da Administração Pública, e acabou por parar no tribunal. Ou seja, o Tribunal Administrativo é que decidiria em que parte do Estado ficaria esse dinheiro: se no Fisco ou se na IP. Se o diferendo de 2008 foi parar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, o mesmo destino teve um diferendo similar de 2009, e assim sucessivamente, em praticamente todos os anos até, por agora, 2020. À conta disto, estão ainda sem resolução 11 processos nas diferentes fases. Ou melhor dizendo, estão todos os processos, incluindo o de 2008, por resolver, porque nos tribunais administrativos anda tudo a passo de caracol.
Um desentendimento entre a IP e o Fisco em torno do IVA está longe de entrar nos carris. / Foto: D.R.
Com efeito, o primeiro processo, que envolve uma verba de 277 mil euros, teve uma decisão favorável ao Fisco na primeira instância, mas está parado desde 2013 por via do recurso da então Estradas de Portugal. Mas se a Autoridade Tributária começou por marcar o ‘primeiro golo’, sem ganhar em definitivo, os conflitos dos outros anos têm estado a dar ‘vitórias’ à actual Infraestruturas de Portugal. Porém, como há recurso do outro lado, contabilizam-se pelo menos oito processos que ainda estão muito longe do fim, porque aguardam acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul depois de um longo ‘calvário’ na primeira instância.
Só para dar um exemplo, o diferendo relativo ao exercício de 2013 só teve sentença de primeira instância em finais de Março do ano passado – ou seja, assumindo que este conflito entre o Fisco e a IP se terá iniciado em 2014, a primeira decisão judicial demorou 10 anos. Mesmo assim pior está o diferendo de 2008 e primeiro semestre de 2009: depois da primeira sentença, aguarda-se por um acórdão do tribunal de recurso desde 2013. Ou seja, vai fazer, em Março, 12 anos.
Os processos relativamente mais recentes (2017, 2018, 2019 e 2020) ainda estão numa fase mais atrasada. Nos dois primeiros casos, as impugnações no tribunal por parte da IP, depois do indeferimento do recurso hierárquico no Fisco, foram feitas em Abril de 2023, sem ter havido ainda sentença. Nos outros dois casos (2019 e 2020) ainda se está, respectivamente, na fase de recurso hierárquico e no projecto de relatório de inspecção tributária. Ignora-se se existem mais processos posteriores a 2020.
Certo é que, com tudo isto, a empresa estatal que gere as redes rodoviárias e ferroviárias em Portugal está num impasse, que se prevê venha a durar anos, ou mesmo décadas, sobre montantes bastante significativos. De acordo com dados da empresa pública, no final de Junho de 2024, o saldo que reivindica deste conflito com o Fisco correspondia a 2,358 mil milhões de euros, um aumento face aos 2,254 mil milhões de euros no final de 2023.
Com o ‘dinheiro’ empatado, porque contabilisticamente nem o Fisco nem a IP podem considerar aqueles elevados montantes como seus, quem está a pagar é, na verdade, o contribuinte, sendo que lhe será indiferente quem venha a ganhar as causas, uma vez que se tratam de conflitos entre duas entidades da Administração Pública. E o contribuinte está a perder já por uma simples razão: a IP está a contratar a ‘peso de ouro’ uma sociedade de advogados, por ajuste directo, liderada por Eduardo Paz Ferreira, marido da ex-ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, que ocupou o cargo entre 2015 e 2022.
A ‘colaboração’ entre Paz Ferreira e a IP nos chamados “processos IVA” começou em 2010, ainda com a Estradas de Portugal, para tratar das primeiras fases dos processos. Os montantes recebidos pela sociedade de advogados rondou os 184.500 euros entre 2010 e 2014. Nesta fase, apenas estariam em curso entre cinco e seis processos judiciais, pelo que cada processo, geralmente requerimentos, terá custado à actual IP mais de 30 mil euros.
Em 2015, com IVA incluído, o montante recebido por Paz Ferreira foi de quase 37 mil, descendo para pouco mais de 21 mil no ano seguinte e em 2017 subiu para 60.270 euros e em 2018 para quase 73 mil euros. Mas depois disparou: em 2019 foi celebrado novo ajuste directo, desta vez pelo valor de quase 347 mil euros, com IVA, que deveria durar para tratar dos “processos IVA” até Fevereiro de 2022. Somente no primeiro semestre de 2023 surgiram dois novos ajustes directos, mas de baixo valor: o primeiro de 12.300 euros, e o segundo de 24.600 euros.
Eduardo Paz Ferreira, advogado e marido de Francisca Van Dunem, ex-ministra da Justiça do governo socialista. / Foto: D.R.
Porém, o ano não terminaria sem mais um chorudo contrato de ‘mão-beijada’: Paz Ferreira arrecadou uma adjudicação de mais de 258 mil euros (com IVA) para tratar dos “processos IVA” por três anos; em teoria, até Julho de 2026. Contudo, na prática o dinheiro esfumou-se, supostamente por prestação de serviços. E assim sendo, 17 meses depois, no passado dia 16 de Dezembro, foi assinado um novo ajuste directo com Paz Ferreira no valor de 253.134 euros, IVA incluído.
Em resposta a questões colocadas pelo PÁGINA UM, um porta-voz da IP diz que houve ” necessidade de um novo contrato decorrente do facto de o anterior se ter esgotado, dados os desenvolvimentos processuais entretanto ocorridos, quer decorrentes dos processos de inspecção anuais quer porque, em 2024, foram proferidas seis decisões judiciais favoráveis à IP, mas objeto de recurso” pela Autoridade Tributária.
A IP tem justificado a contratação de Paz Ferreira através de uma norma que prevê o ajuste directo sempre que “a natureza das respetivas prestações, nomeadamente as inerentes a serviços de natureza intelectual, não permita a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam definidos os atributos qualitativos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação […], e desde que a definição quantitativa dos atributos das propostas, no âmbito de outros tipos de procedimento, seja desadequada a essa fixação tendo em conta os objetivos da aquisição pretendida”. Essa tem sido uma forma enviesada para perpetuação de ajustes directos, afastando a concorrência.
Mesmo que haja complexidade nos processos em tribunal, o certo é que a Paz Ferreira está longe de ser a única sociedade de advogados do país capaz de representar a IP em processos relacionados com IVA. Mas o argumento de que ‘só esta sociedade de advogados sabe da poda’ não é verídico nesta situação. Pode estar-se, mais uma vez, perante um abuso na interpretação das normas do Código dos Contratos Públicos.
Segundo a empresa pública, a mais recente contratação decorre “da necessidade da IP em manter o patrocínio judiciário que tem vindo a ser assegurado, mantendo, deste modo, a estratégia e o sucesso da defesa adoptada, que tem subjacente um elevado grau de conhecimento nas valências de direito e processo tributário e o conhecimento efetivo de toda a tramitação inerente aos complexos processos em curso e aos que eventualmente se venham a iniciar, com a mesma natureza fiscal, valências essas que, pela sua especificidade, a equipa interna da IP não dispõe”.
De entre os contratos públicos celebrados pelo escritório de Eduardo Paz Ferreira, a IP é, de longe, o seu melhor cliente, totalizando 13 contratos, todos por ajuste directo, a que acrescem mais seis pela Estradas de Portugal, até 2015. No total, este advogado celebrou 58 contratos desde 2013, segundo dados do Portal Base, sempre de ‘mão-beijada’, facturando cerca de 2,9 milhões de euros. Com a IP será previsível, se se mantiver, o facilitismo na contratação, que continue assim por muitos anos.
Na plataforma que agrega os registos sobre contratos públicos, o Portal Base, encontram-se contratos adjudicados pela IP à Paz Ferreira desde 2015. No entanto, as verbas envolvidas eram bem mais baixas, situando-se entre os 7.500 euros e os 40 mil euros.
Ainda não é visível a luz ao fundo do túnel nos processos que opõem a IP e o Fisco. / Foto: D.R.
Saliente-se, por fim, que o diferendo com a Autoridade Tributária tem tido fortes reflexos negativos nas contas da empresa pública liderada por Miguel Cruz, que foi secretário de Estado do Tesouro entre Junho de 2020 e Março de 2022. No primeiro semestre de 2024, a IP teve mesmo de reforçar as suas provisões em 20,3 milhões de euros, ficando o valor acumulado nos 547,7 milhões de euros no final do primeiro semestre do ano passado. Esse montante que “corresponde ao IVA que o Grupo IP estima que deixaria de receber caso fosse considerado que a CSR [Consignação do Serviço Rodoviário] não é uma receita sujeita a IVA”.
A empresa também registava, a 30 de Junho último, responsabilidades assumidas com garantias bancárias de 1,5 mil milhões de euros prestadas a favor da Autoridade Tributária decorrentes do processo do IVA, além de assumir ainda garantias no montante de 4,9 milhões de euros prestadas a favor de tribunais no âmbito de processos de contencioso e a outras entidades.
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Ao contrário do que sucede quando, por exemplo, uma sociedade anónima desportiva (SAD) tem de pagar ou receber uma indemnização, a Impresa – o grupo de media que controla o Expresso e a SIC – não revelou os montantes do acordo milionário firmado este mês com a apresentadora Cristina Ferreira. Os investidores também desconhecem qual o impacto que o encaixe milionário terá nas contas anuais da SIC e da Impresa, apesar de a lei exigir que as empresas com acções ou obrigações emitidas no mercado de capitais divulguem informação relevante, incluindo eventos com impacto contabilístico. O ‘polícia’ da Bolsa portuguesa, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) não quis explicar a razão de o valor da indemnização ‘choruda’ estar ainda no ‘segredo dos deuses’. Além disso, a CMVM também está a ‘fechar os olhos’ ao impacto da insolvência da Trust in News nas contas do grupo fundado por Pinto Balsemão. Nos últimos cinco anos, esta é a terceira vez, pelo menos, que a Impresa não divulga informação clara e transparente ao mercado.
Nem ‘ai’ nem ‘ui’. Apesar de a lei obrigar as empresas cotadas em Bolsa a divulgar informação relevante, os investidores continuam sem ser informados sobre o valor da indemnização que a SIC, estação de televisão da Impresa, acordou com Cristina Ferreira, uma verba que deverá ter impacto nos resultados da Impresa, o grupo liderado por Francisco Pedro Balsemão.
Em causa está a indemnização milionária que a apresentadora acordou pagar à SIC pela sua saída intempestiva da estação. Um comunicado-conjunto de Cristina Ferreira, da empresa da apresentadora, Amor Ponto, e da SIC, enviado à imprensa no dia 11 de Dezembro, apenas mencionou a existência do acordo entre as partes. O comunicado, que foi citado pela generalidade dos media portugueses, não inclui detalhes do acordo.
“A SIC, a Amor Ponto e Cristina Ferreira informam que chegaram a um acordo mútuo no âmbito do litígio que opunha a primeira às segundas”, informava o comunicado citado pela Impresa. nota. Adiantava que o “acordo, alcançado após negociações construtivas, põe termo ao litígio existente entre as partes” e que “ambos os lados expressam satisfação com a resolução encontrada”.
Foto: D.R.
Recorde-se que, em Junho passado, o Tribunal de Sintra condenou a Amor Ponto a pagar mais de 3,3 milhões de euros à SIC por quebra do contrato com a apresentadora, mas assinado pela empresa. Cristina Ferreira recorreu da sentença, mas não pediu efeitos suspensivos da decisão. Entretanto, o PÁGINA UM noticiou a 11 de Junho que a actual apresentadora da TVI estava a descapitalizar a empresa e a sociedade também não tinha constituído uma provisão para fazer face ao pagamento da indemnização, o que espoletou a SIC a agir. Assim, no passado mês de Novembro, o Tribunal acabou por executar bens da Amor Ponto num montante até 4,7 milhões de euros, segundo noticiou a agência Lusa.
Contudo, consultado o site da CMVM, onde as empresas cotadas e todos os emitentes do mercado divulgam informação relevante, não se encontra nenhum comunicado da Impresa ou da SIC referente a esta matéria. No caso da SIC, a última informação divulgada ao mercado é um comunicado divulgado no dia 9 de Dezembro referente à assembleia dos titulares das obrigações ‘Obrigações SIC 2021-2025’ que estava agendada para aquela data e que não teve lugar por falta de quórum, tendo sido convocada numa reunião de obrigacionistas para o dia 27 de dezembro de 2024.
Ora, o Código dos Valores Mobiliários (CVM), que rege o mercado financeiro português, estabelece no artigo 7º que “a informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”. Tanto a SIC como a Impresa são ‘emitentes’.
Foto: PÁGINA UM
Segundo o número 1 do artigo 389.º do mesmo Código, “constitui contra-ordenação muito grave: a) a comunicação ou divulgação, por qualquer pessoa ou entidade, e através de qualquer meio, de informação que não seja completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”. Também é considerada uma contra-ordenação muito grave “a falta de envio de informação para o sistema de difusão de informação organizado pela CMVM” bem como toda a “a prestação de informação à CMVM que não seja completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita ou a omissão dessa prestação”. As coimas referentes a contra-ordenações muito graves oscilam entre os 25 mil euros e os 5,0 milhões de euros.
Claramente, os investidores não têm informação completa, verdadeira, actual, clara e objectiva sobre a SIC e a casa-mãe, Impresa. Do mesmo modo, não se sabe qual o impacto que a indemnização, cujo valor a CMVM e o mercado desconhecem, terá nas contas da SIC e da Impresa em 2024.
Mas a CMVM não diz se vai ou não obrigar a Impresa e a SIC a divulgarem informação clara e objectiva sobre a indemnização e o seu impacto nos resultados das duas empresas. Uma porta-voz do ‘polícia’ da Bolsa justificou que “a CMVM encontra-se vinculada por deveres legais de sigilo profissional que a impedem de se pronunciar sobre casos concretos”. Disse ainda que “compete aos emitentes [neste caso, a SIC e a Impresa], em primeira linha, aferir os factos que, em função das características próprias do emitente, constituem informação privilegiada”. E garantiu que “a CMVM mantém uma supervisão contínua sobre as entidades emitentes sujeitas à sua supervisão, nomeadamente sobre o cumprimento dos deveres de divulgação de informação ao público”, citando assim o artigo 362º do CVM.
Contudo, cabe à CMVM, nomeadamente, garantir a “protecção dos investidores” e fazer o “controlo da informação”, como estabelece o artigo 358º do mesmo Código, relativo aos princípios da supervisão do mercado financeiro. Um dos procedimentos de supervisão atribuídos à CMVM pelo artigo 360º do CVM é “acompanhar a a[c]tividade das entidades sujeitas à sua supervisão” e “fiscalizar o cumprimento da lei e dos regulamentos”.
A condenação de Cristina Ferreira ao pagamento de uma indemnização de 3,3 milhões de euros à SIC ocorreu em Junho deste ano, mas a apresentadora recorreu da sentença, tendo agora chegado a acordo para pagar uma indemnização secreta à estação de TV da Impresa.
Cabe também à CMVM, segundo o CVM, organizar “um sistema informático de difusão de informação acessível ao público que pode integrar, entre outros aspetos, elementos constantes dos seus registos, decisões com interesse público e outra informação que lhe seja comunicada ou por si aprovada, designadamente, informação privilegiada, participações qualificadas, documentos de prestação de contas e prospetos”.
Tanto a SIC como a Impresa, bem como a empresa de Cristina Ferreira, estão na posse de informação privilegiada, que pode ter impacto na avaliação das empresas, bem como das acções ou obrigações emitidas no mercado . O CVM define informação privilegiada no número 4 do artigo 378º “toda a informação não tornada pública que, sendo precisa e dizendo respeito, direta ou indiretamente, a qualquer emitente ou a valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros, seria idónea, se lhe fosse dada publicidade, para influenciar de maneira sensível o seu preço no mercado”. É caso do registo de perdas ou ganhos que influenciem os resultados de uma empresa cotada.
Por sua vez, o Regulamento da CMVM n.º 4/2023 sobre ‘os meios de cumprimento dos deveres de informação dos emitentes’ estipula no número 1 do artigo 2º que “os emitentes divulgam as informações legalmente requeridas, no sistema de difusão de informação da CMVM, mediante envio das mesmas à CMVM”.
Ou seja, tudo aponta que os investidores vão continuar sem saber, ao certo, o valor da indemnização e os contornos do acordo firmado entre a ‘emitente’ de obrigações SIC, da empresa cotada Impresa.
Luís Delgado (à esquerda) e Francisco Pedro Balsemão na assinatura do acordo de venda do portfólio tóxico das revistas da Impresa à Trust in News, em 2018. O anúncio da venda das revistas, nomeadamente a Visão e a Exame, por 10,2 milhões de euros, foi anunciado pela Impresa no site da CMVM. Mas, desde então, tem sido o silêncio sobre a dimensão do calote de Delgado a Balsemão. / Foto: D.R.
Em todo o caso, esta não é a única situação na Impresa sobre a qual a Bolsa está ‘às escuras’. O grupo de media é um dos principais credores da Trust in News, empresa unipessoal de Luís Delgado à qual a Impresa vendeu, em 2018, o seu portfólio tóxico de revistas, numa altura em que se encontrava em sérias dificuldades financeiras, com o mercado de crédito ‘fechado’ e após ter falhado uma emissão de obrigações. Ora, a Trust in News está a meio de um processo de insolvência. Contudo, os investidores também não têm acesso a informação clara sobre os impactos previstos deste ‘calote’ nas contas e da Impresa.
A Impresa chegou a reconhecer um ‘calote’ parcial de Delgado nas suas contas de 2023, como o PÁGINA UM noticiou. Contudo, mais uma vez, os investidores não têm sobre o desenrolar deste negócio a informação completa, clara, verdadeira e objectiva, como manda a lei. Certo é que o anúncio do negócio de venda das revistas, incluindo a Visão e a Exame, foi publicado no site da CMVM, com a divulgação de um encaixe de 10,2 milhões de euros. Desde então, nunca mais houve um comunicado ao mercado sobre o andamento do negócio. Mas é assumido que a insolvência da Trust in News terá impacto nas contas do grupo que é dono do Expresso e da SIC e que já não irá ‘ver a cor do dinheiro’ anunciado no comunicado feito ao mercado em 2018.
Mas, nos últimos cinco anos, houve, pelo menos, uma outra ocasião em que a informação prestada pela Impresa ao mercado não foi clara nem objectiva: o negócio de recompra do seu edifício-sede ao Novo Banco. Também neste caso, a venda do edifício situado em Paço D’ Arcos foi anunciada através de um comunicado divulgado no site da CMVM. A venda rendeu 24,2 milhões de euros à Impresa e ajudava a ‘tapar’ o buraco que o grupo não tinha conseguido tapar com a emissão de obrigações que falhou. o Novo Banco ‘investiu’ no imóvel, apesar de estar a receber injecções estatais, do Fundo de Resolução, e numa altura em que a ‘ordem’ na banca era para os bancos se desfazerem de imobiliário e de créditos tóxicos. O Novo Banco não só comprou o edifício à Impresa, como financiou Luís Delgado na compra das revistas ao grupo de Balsemão. No caso do imóvel, a Impresa recomprou o edifício, no final de 2022, pagando menos do que o valor pelo qual o vendeu, como o PÁGINA UM noticiou. O negócio foi feito em surdina e sem direito a comunicado ao mercado.
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Em declarações ao PÁGINA UM, André Correia Pais, administrador de insolvência da Trust in News, diz que a sua máxima prioridade tem sido manter os títulos nas bancas, bem como os empregos dos trabalhadores, e garante ser falso estar a preparar uma liquidação, até por ser essa uma decisão dos credores. Para já, apesar da situação deficitária, o administrador judicial assegura estar a trabalhar para que não haja cortes de fornecimentos e assim manter a produção jornalística e promete que uma pequena parte do subsídio de Natal (1/12) será entregue aos trabalhadores, que acumulam já vários salários em atraso.
O administrador de insolvência da Trust in News (TIN), dona da revista Visão e de mais 16 títulos de imprensa, diz estar “satisfeito” por Luís Delgado anunciar que tem um plano para a reestruturação do grupo de media, mas desmente algumas das afirmações que aquele ex-jornalista proferiu hoje na Assembleia da República. O sócio único da TIN, e também gerente da empresa, em audição na comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, acusou o administrador da insolvência, André Correia Pais, nomeado pelo Tribunal no início deste mês, de não estar interessado em conhecer o seu plano de reestruturação.
Delgado, que investiu 10 mil euros em 2018 para comprar um portofólio de revista à Impresa, mas que em sete ano acumulou um passivo de mais de 30 milhões de euros, incluindo um rasto de dívidas praticamente incobráveis, assegurou no Parlamento que um alegado “plano, com medidas directas específicas”, que promete vir a apresentar no próximo dia 27 de Dezembro junto do Tribunal de Sintra, “e, previamente a isso, junto do administrador de insolvência”. O ex-jornalista disse, no entanto, que o administrador de insolvência, nomeado pelo Tribunal, André Correia Pais, lhe terá dito que “não tem nenhum plano” para o futuro do grupo de media, insinuou que não estará muito interessado em conhecer o seu. “Mas ser-lhe-á mostrado na altura”, disse Delgado.
Nomeado pelo Tribunal apenas a 4 de Dezembro, André Correia Pais garantiu ao PÁGINA UM serem falsas as afirmações de Delgado sobre o desinteresse em saber as ideias de Luís Delgado sobre o futuro da empresa de media. “Fico satisfeito por haver mais um plano de reestruturação [para a TIN], mas não é verdade que não queira conhecer o plano dele”, salienta.
Luís Delgado na audição no Parlamento sobre a situação da Trust in News. / Foto: Imagem de vídeo da AR-TV.
André Correia Pais frisou também que nos 14 dias em que está em funções como administrador de insolvência da TIN, a sua prioridade tem sido manter as publicações nas bancas e garantir os postos de trabalho, apesar da grave situação deficitária, com as despesas a serem muito superiores às receitas, sem grande liquidez. “O meu dia-a-dia tem sido convencer fornecedores e convencer clientes para manter a empresa em laboração e os títulos em banca”, referiu ao PÁGINA UM, sabendo-se que a opção mais fácil seria a simples insolvência imediata com a consequente liquidação. “Estou a fazer esse esforço correndo riscos a título pessoal, arriscando até o meu património perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social”, afirmou.
Apesar do ‘chumbo’ do Plano Especial de Revitalização (PER) já revelar uma situação insustentável – com um aumento das dívidas fiscais e à Segurança Social, bem como o agudizar dos salários em atraso -, Correia Pais diz ainda estar a analisar os dados financeiros mais recentes da empresa, somente lhe tendo chegado hoje a informação referente a Outubro. “Não tive ainda tempo de fazer um plano, a minha preocupação tem sido as publicações e os trabalhadores”, afirmou.
O administrador judicial também desmentiu ao PÁGINA UM a afirmação de Delgado de que pretenderá enviar a empresa para liquidação, tanto mais que nem sequer tem competências para essa decisão. “Disse apenas aos trabalhadores [da TIN] que, se não conseguir pagar os salários de Dezembro até ao dia 31, nos primeiros dias de Janeiro terei de comunicar ao Tribunal que a empresa deverá entrar em liquidação, mas serão os credores a decidir”, afirmou, mas isso é uma imposição legal, uma vez que uma falha no pagamento de salários constitui um incumprimento legal da chamada ‘massa insolvente’.
Revista Visão (Foto: PÁGINA UM)
O administrador diz ainda que “se quisesse, poderia ter declarado que a empresa entrava em liquidação logo no primeiro dia e avançava para despedimento colectivo”, mas defendeu, em declarações ao PÁGINA UM, que a simples suspensão imediata das publicações da TIN não seria uma boa solução, uma vez que os custos fixos referentes aos trabalhadores se manteriam. Ora, isso agravaria a situação da empresa, que está a laborar com “défice de exploração”, com as receitas a serem inferiores aos custos.
Salientando que apanhou a empresa com uma situação de trabalhadores com “dois ou três meses de salários em atraso”, sendo que alguns já abandonaram a empresa, André Correia Pais adiantou ao PÁGINA UM que que esta quinta-feira os trabalhadores irão receber um doze avos [1/12] do subsídio de Natal. “É o possível neste momento”, lamenta.
Recorde-se que esta audição de Luís Delgado no Parlamento surgiu no seguimento de requerimentos apresentados pelo Livre e pelo PS, após o ‘chumbo’ do PER pelos principais credores da TIN: Autoridade Tributária e Segurança Social. Durante os dois últimos governos socialistas, liderados por António Costa, a TIN de Luís Delgado acumulou dívidas superiores a 15 milhões de euros ao Estado, mas, apesar disso, a empresa nunca surgiu na lista de credores e a dívida gigantesca esteve escondida durante anos, até ser revelada pelo PÁGINA UM em Julho do ano passado.
Luís Delgado e Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa, na assinatura do acordo de venda do portefólio tóxico de revistas da Impresa Publishing, em 2018. O negócio salvou a Impresa, mas vai deixar os prejuízos nas mãos dos contribuintes. / Foto: D.R.
Delgado descartou, hoje, na audição, responsabilidades na insolvência da TIN, culpando a Autoridade Tributária e a Segurança Social pelo ‘chumbo’ do PER iniciado em Maio. Ou seja, Luís Delgado não pagou aquilo que outras empresas cumpridoras têm pago, contribuindo para uma concorrência desleal, mas culpa o Estado, mesmo sendo evidente que, desde 2018, o Governo foi complacente com os ‘calotes’. Além disso, Luís Delgado tem ignorado que os três gerentes da TIN até já foram condenadas a pena de prisão de dois anos e meio, suspensa por cinco anos, por uma dívida ao Fisco relativa a 2018 e arriscam mais condenações por dívidas fiscais e à Segurança Social nos anos subsequentes
Certo é que a cada dia que passa se agrava a situação para os credores da TIN, aos quais caberá a decisão última sobre o destino da empresa e dos 17 títulos, que incluem, além da Visão, a Exame e o Jornal de Letras. Para o administrador de insolvência, alguns títulos poderão ter viabilidade.
Em todo o caso, este é mais um episódio de um dos mais estranhos negócios de media nos últimos anos, concretizado no início de 2018 quando Delgado comprou à Impresa um portefólio com ‘activos tóxicos’ da Impresa Publishing, por 10,2 milhões de euros. O grupo liderado por Francisco Pedro Balsemão estava em dificuldades financeiras, tinha falhado uma emissão de obrigações e estava com o mercado de crédito bloqueado. A salvação da Impresa foi a transferência para a TIN de um portefólio de revistas em dificuldades.
Delgado assumiu, hoje, na audição, que poucos meses depois da compra percebeu que a TIN não seria rentável. “Quando é que percebi que tinha um grupo que não era rentável? Percebi um mês depois de ter comprado, dois meses, cinco anos depois, percebi sempre”, assumiu o ex-jornalista e comentador televisivo aos deputados.
Garantido está já o facto de que os contribuintes serão lesados em milhões de euros, não apenas pelo ‘buraco’ de mais de 15 milhões de euros, como por um eventual apoio estatal que se estará a preparar no Governo Montenegro para salvar algumas revistas da TIN. Outros credores também dificilmente recuperarão os créditos, como é o caso do Novo Banco que fez empréstimos à TIN para a compra das revistas à Impresa. Foi, na verdade, mais um crédito ruinoso numa altura em que o ‘banco bom’ do colapso do BES estava a receber ajudas públicas para ‘tapar’ perdas herdadas do tempo de Ricardo Salgado.
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A Padaria Portuguesa está à venda, e as notícias veiculadas pela imprensa garantem que existem fundos de capital de risco e de private equity interessados no negócio intermediado pelo banco de investimentos Haitong. Mas por detrás desta cadeia de 78 lojas de restauração, além de duas fábricas de panificação, estão muitas fragilidades, com prejuízos elevados durante a pandemia e uma facturação que está em estagnação com margens operacionais modestas. A reputação da empresa de pagar pouco aos funcionários tem sido também uma marca pouco abonatória, e há agora um litígio com o fisco de quase 900 mil euros. No final de Outubro, chegou entretanto uma rival de peso ao mercado português, com a abertura da primeira loja da britânica Pret a Manger, no Centro Colombo, e aparentemente os actuais sócios querem saltar fora do barco. O destino da empresa que teve como sócios iniciais o ex-ministro Dias Loureiro e até Nuno Rebelo de Sousa, filho do actual Presidente da República, parece estar encaminhado. Mas a que preço?
Salários baixos, anos com prejuízos e uma marca consolidada, com um marketing também assente na figura mediática de um dos sócios, José Diogo Quintela, do quarteto humorístico Gato Fedorento. Para os donos da Padaria Portuguesa, a oportunidade para vender a cadeia de lojas de restauração pode ser única. Os dois últimos anos foram de lucros, mas após dois penosos anos de prejuízos em 2020 e 2021, por via das opções adoptadas pelo Governo na gestão da pandemia de covid-19 terem triturado a Economia e esmagado muitas empresas em áreas como a da restauração e alojamento.
Apesar dos subsídios do Estado para compensar a perda de rendimento da Padaria Portuguesa no valor de quase 3,9 milhões de euros entre 2020 e 2022, a empresa registou prejuízos de 4,8 milhões de euros no somatório dos anos de 2020 e 2021, regressando aos lucros em 2022 com 887 mil euros de lucros. No ano passado, os lucros até subiram, para 1,6 milhões de euros, mas uma parte substancial devido a activos por impostos diferidos, ou seja, uma forma de compensação fiscal por prejuízos anteriores.
Mais do que uma real vontade de expandir o seu negócio, a venda pelos sócios – Nuno Carvalho e demais familiares, incluindo José Diogo Quintela – denota pressa para se livrarem de um negócio que já viu melhores dias. Até porque a concorrência por parte de formatos similares está a aumentar. Aliás, a britânica Pret a Manger acaba de inaugurar a sua primeira loja em Portugal, em Lisboa, no Centro Colombo pela ‘mão’ da Ibersol, que opera marcas de ‘fast food‘. E um sinal disso está no facto de no ano passado terem sido distribuídos 800 mil euros de dividendos, numa empresa em anos anteriores apostava sobretudo em investir lucros, só possível por um aumento do endividamento.
Recorde-se que a Padaria Portuguesa nasceu em 2010 numa pequena fábrica em Samora Correia, tendo, curiosamente, nesta fase como sócios Nuno Carvalho, em nome individual, e a ZDQ Unipessoal, do seu primo José Diogo Quintela. Mais tarde, juntou-se a Bakers Capital, através de um aumento de capital, controlada pelo ex-ministro social-democrata Dias Loureiro. Em 2013, houve outra entrada de um sócio: Nuno Rebelo de Sousa, o agora mediático filho do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, mas foi passagem efémera, porque em 2015 deixou de constar na estrutura societária da empresa. Hoje, a empresa é detida pela ZDQ Unipessoal, de Diogo Quintela, pela Nutelo, de Nuno Carvalho, presidente-executivo, e ainda por outros membros da família.
No ano de 2019, a Padaria Portuguesa obteve lucros de 1,3 milhões de euros e estava em franca expansão. Mas chegou a pandemia, e Portugal não a geriu como a Suécia. E fechou tudo. Logo em Abril de 2020, Nuno Carvalho criticou essa medida, escrevendo uma carta aberta ao ministro da Economia Pedro Siza Vieira, alertando sobre o impacte dos confinamentos, mas acabou criticado pelo unanimismo imposto do ‘vai ficar tudo bem’. Para a Padaria Portuguesa ficou tudo mal. Mesmo com subsídios à exploração nesse ano por parte do Estado de quase 1,8 milhões de euros, a empresa fechou as contas anuais com prejuízos de mais de 1,5 milhões de euros, à medida que o país prosseguia com a gestão radical da pandemia.
Aliás, mesmo com alguma abertura do comércio, mas ainda num cenário de forte instabilidade e quase sem turistas, a facturação da Padaria Portuguesa estagnou em 2021, na ordem dos 26 milhões de euros, e mesmo com uma redução nos gastos com pessoal de 4,3 milhões de euros em relação a 2019 e ainda 1,5 milhões de euros em subsídios do Estados, os resultados operacionais foram negativos. E no final, resultados líquidos bateram ainda mais no vermelho: prejuízos de quase 3,3 milhões de euros.
Foto: D.R.
Apesar de um regresso aos lucros em 2002, em cerca de 886 mil euros, o mal estava feito e a empresa perdeu gás. No ano passado, o lucro atinguu os 1,6 milhões de euros, mas sobretudo graças à contabilização de impostos ‘derivados’ dos prejuízos na pandemia. Antes de impostos, o resultado foi de apenas 836 mil euros. No mesmo exercício, os sócios aproveitaram para ‘sacar’ 800 mil euros em dividendos, denotando já um sinal de desinvestimento.
Este ano, a empresa anunciou um plano de expansão que envolve um investimento de 16 milhões de euros para adicionar 40 lojas às actuais 78 e criar 600 empregos até 2028, mas mostra-se evidente que não tem ‘mãos para tocar essa guitarra’, porque, em comparação com 2019, os capitais próprios (‘património’ dos sócios) estão mais baixos em 3,1 milhões de euros e o passivo (sobretudo endividamento) aumentou quatro milhões de euros). Ou seja, a autonomia financeira é bastante baixa.
A evolução da facturação da empresa, mesmo descontando o impacte da pandemia, foi muito modesta: saltou de 39,4 milhões de euros em 2019 para 42,6 milhões, prevendo a empresa fechar este ano com vendas na ordem dos 44 milhões. Ora, isso significa um aumento da facturação um pouco acima de 10%, muito inferior à taxa de inflação.
Mas a empresa tem mais alguns pontos fracos, para além de demonstrar uma grande sensibilidade a factores externos e políticos, como sucedeu durante a pandemia. Além disso, o PÁGINA UM apurou que a Padaria Portuguesa tem em curso um litígio judicial com a Autoridade Tributária, tendo entrado no passado dia 22 de Outubro com um processo de impugnação no Tribunal Tributário de Lisboa por causa de 893.492,41 euros em impostos.
Mas é, sem dúvida, a reputação de empregador ‘sovina’, baseada em salários baixas, que tem sido o grande ‘calcanhar de Aquiles’ da Padaria Portuguesa, que se tornou quase uma imagem de marca da empresa. De facto, uma análise à evolução dos gastos com pessoal entre 2019 e 2023 mostram uma prevalência de sinais de salários baixos, especialmente quando comparados ao número de empregados.
Por exemplo, olhando em detalhe para estes dados, em 2019, os gastos com pessoal foram de 15.052.110 euros enquanto em 2023 ascenderam a 15.946.429 euros. Em 2019, a empresa empregava 1.104 trabalhadores, dos quais 939 a tempo inteiro e 165 a tempo parcial. Em 2023, empregava 905 funcionários, dos quais 764 a tempo inteiro e 141 a tempo parcial. Isto resulta em gastos anuais médios por empregado de 13.638 euros, em 2019, e de 17.621 euros em 2023.
Foto: D.R.
Apesar de ter existido uma recuperação, este gasto médio por empregado é indicativo de salários baixos. O valor anual médio de 17.621 euros, em 2023, traduzindo-se em cerca de 1.468 euros por mês, incluindo os encargos sociais, sugerindo salários médios líquidos inferiores, especialmente para trabalhadores a tempo parcial. Por outro lado, a proporção de trabalhadores a tempo parcial também contribui para a redução do gasto médio, mas mesmo entre os trabalhadores a tempo inteiro, o valor médio não reflecte salários competitivos, considerando o sector.
Ora, por um lado, o custo laboral reduzido contribui para margens operacionais mais sustentáveis, especialmente em anos difíceis, como foi o caso de 2020 e 2021. Mas abre a porta ao risco de não conseguir fazer retenção de talentos, já que salários baixos são sinónimo de uma rotatividade elevada de pessoal, afetando a continuidade e eficiência operacional. Há ainda a contabilizar os danos causados na imagem pública, já que a prática sistemática de salários baixos é, em geral, mal recebida pelo público, especialmente em sectores que valorizam práticas laborais éticas.
Há, portanto, um caminho a percorrer nesta matéria para que a Padaria Portuguesa se torne mais competitiva nesta matéria. Um ajuste salarial proporcional à recuperação seria aconselhável. Com a recuperação das receitas e do EBITDA em 2022 e 2023, seria recomendável que a empresa avaliasse aumentos salariais para reter talentos e melhorar a motivação dos seus empregados. Complementar os salários com benefícios, designadamente formação, subsídios ou incentivos de produtividade, pode mitigar a percepção de uma empresa que paga salários baixos.
Nuno Carvalho, CEO, (à esquerda) e José Diogo Quintela a participar num programa da RFM, em 2015.
Num contexto de venda da empresa, apresentar um custo laboral reduzido é um factor que contribui para a viabilidade da empresa, mas pode haver um potencial impacto negativo de uma eventual dependência excessiva de salários baixos em negociações futuras. Supondo que a empresa pudesse aumentar em média em 10% os salários dos seus funcionários, teria um impacto nos resultados e na sustentabilidade do negócio. A margem EBITDA iria cair ligeiramente. Mas, no caso de o comprador ter um forte compromisso ético, o negócio seria atractivo, embora o preço de aquisição fosse reflectir o impacto do aumento salarial.
Olhando para o mercado, com base no EBITDA de 2023, de 3.343.879 euros, considerando uma avaliação do negócio assente em múltiplos médios de operações de fusão e aquisição na Europa, em 2023, de cinco vezes o EBITDA, a avaliação da empresa ficaria próxima dos 17 milhões de euros.
Tudo isto ponderado, o eventual futuro dono da cadeia de lojas da Padaria Portuguesa herdará uma marca – para além dos croissants, pão-de-deus e outros produtos conhecidos da empresa – mas também algumas polémicas que ficaram na memória. Quem não se lembra dos bolos-rei empilhados em cima de um caixote do lixo em frente à loja da marca no centro da Graça, em Lisboa. Ou ainda as frases proferidas por Nuno Carvalho, em defesa de uma maior flexibilidade laboral em Portugal. Com um passado de ser uma empresa familiar e algumas polémicas à mistura, em 2025 irá saber-se se a Padaria Portuguesa irá mudar de menu e melhorar a sua política laboral ou se ficará tudo na mesma.
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Os gerentes da Trust in News (TIN), dona das revistas Visão e Exame, não vão ficar à frente do processo de insolvência do grupo de media, mas esta nem é uma má notícia para os trabalhadores do grupo de media pertencente ao ex-jornalista Luís Delgado. Pelo contrário, o seu afastamento, hoje decretado pelo Tribunal de Sintra, abre portas à possibilidade de venda de 16 títulos da imprensa portuguesa a outros investidores, com a ‘vantagem’ de poderem ser comprados sem quaisquer dívidas, embora com o poder de reajustamento das redacções. Este é mais um episódio de uma crise financeira num grupo de media, que começou a ser denunciada pelo PÁGINA UM em Julho do ano passado após detectar dívidas de milhões ao Fisco e à Segurança Social permitidas pelo Governo socialista. A Trust in News nunca esteve na lista de devedores do Estado mesmo se os ‘calotes’ se iniciaram logo após a compra em 2018 dos títulos à Impresa, do grupo de Francisco Pinto Balsemão, que se livrou de autênticos ‘activos tóxicos’. Luís Delgado arrisca agora, além de condenações por abuso de confiança fiscal, a ser processado por falência fraudulenta. E o Estado vai perder mais de 15 milhões de euros.
À primeira vista, a declaração de insolvência da Trust in News (TIN) parece ser um acontecimento negativo, mas, na realidade, com a decisão de nomeação de um administrador judicial, hoje decretada pelo Tribunal de Sintra, esta situação será o melhor que podia ter acontecido, tanto para as revistas do grupo de media como para os trabalhadores, que já registam salários em atraso. Isto porque, sem Luís Delgado, o proprietário único da TIN e que levou ao colapso financeiro da empresa com dívidas colossais acumuladas, fica aberta a porta para a venda a terceiros das publicações, sem dívidas, permitindo a manutenção de, pelo menos, alguns dos postos de trabalho.
Tal como o PÁGINA UM já tinha avançado, Luís Delgado, dono da TIN, e os dois outros gerentes da empresa unipessoal não tinham condições para ficar a gerir a insolvência do grupo. Além de não terem cumprido com pagamentos ao Fisco e à Segurança Social durante as negociações do Processo de Especial de Revitalização (PER) – que, por esse motivo, acabou ‘chumbado‘ -, os gerentes da TIN foram já condenados a pena de prisão de dois anos e meio de prisão na primeira instância, com a sentença confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Os gerentes da TIN ficaram com pena suspensa por cinco anos mas só se pagassem a dívida ao Fisco que levou à condenação, que era uma pequena parte (cerca de 850 mil euros) do total acumulado desde 2018. Recorde-se que o grupo apresenta dívidas de 30 milhões de euros, sendo que mais de metade são ao Fisco e à Segurança Social.
A sentença de declaração de insolvência foi hoje anunciada publicamente pelo Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste – Sintra, estando disponível no Portal Citius. A juíza Diana Rute Campos Martins, nomeou de imediato André Fernando de Sá Correia Pais como administrador da insolvência, contrariando as pretensões de Luís Delgado, que desejava administrar o processo.
Revista Visão (Foto: PÁGINA UM)
Agora, em princípio será aprovado um Plano de Insolvência, com vista ao pagamento dos créditos, pressupondo a liquidação dos activos e a sua repartição pelos credores, que são muitos, sendo que o Estado tem a primazia. Este Plano pode ser apresentado pelo administrador da insolvência, pela gerência da TIN e por credores que representem um quinto do total dos créditos não subordinados reconhecidos. É mais do que certo de que muitos dos activos apresentados pela TIN nas suas contas não terão os valores contabilísticos atribuídos, como é o caso dos títulos (mais de 10 milhões de euros) e da rubrica ‘Outras contas a receber’ (mais de 14 milhões de euros). A juíza também agendou para o dia 29 de Janeiro, às 11:00 horas, a realização da reunião de assembleia de credores de apreciação do relatório. Os credores, designadamente trabalhadores do grupo de media, dispõem de 30 dias para apresentar uma reclamação de créditos junto do administrador da insolvência.
No edital com a sentença, está explícito que “ficam advertidos os devedores do insolvente de que as prestações a que estejam obrigados, deverão ser feitas ao administrador da insolvência e não ao próprio insolvente”. Também “ficam advertidos os credores do insolvente de que devem comunicar de imediato ao administrador da insolvência a existência de quaisquer garantias reais de que beneficiem.
A sentença que declarou a TIN insolvente pode ser ainda alvo de recurso, no prazo de 15 dias e/ou deduzidos embargos, no prazo de cinco dias, segundo o edital da decisão do Tribunal publicado hoje, dia em que os trabalhadores da TIN agendaram uma concentração, no Chiado, em Lisboa.
Luís Delgado (à esquerda), dono da Trust in News e gerente do grupo de media, e Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa na assinatura do acordo de venda do portfólio de revistas que incluía a Visão e a Exame, em Janeiro de 2018. / Foto: D.R.
Recorde-se que os principais títulos do grupo de Luís Delgado encontram-se penhorados desde 2020, por dívidas acumuladas à Autoridade Tributária e à Segurança Social, como o PÁGINA UM noticiou. Ou seja, praticamente desde o primeiro ano de existência que a TIN, uma sociedade unipessoal do ex-jornalista e comentador Luís Delgado, com um capital social de apenas 10.000 euros, regista problemas financeiros e acumula dívidas.
Na insolvência, também se vai poder analisar ao detalhe a evolução da contabilidade da TIN e das opções de gestão da gerência, para se apurar se houve uma falência fraudulenta. Além dos títulos de media, a TIN contabiliza cerca de 14 milhões de euros em activos que atribui a receitas de assinaturas futuras das revistas. Os montantes destes activos aumentaram significativamente nos últimos anos, num quadro de queda de vendas, e existem legítimas suspeitas de contabilidade criativa para ‘mascarar’ os resultados anuais, uma vez que só no ano passado a TIN apresentou prejuízos. Neste processo de insolvência ou na liquidação, irá tirar-se a ‘prova dos nove’ sobre o real valor destes ‘activos’ que têm sido incluídos nas contas da empresa de Luís Delgado ou apurar-se se não passou de um caso de finanças criativas. Luís Delgado e os outros gerentes, além de poderem ser condenados a prisão efectiva por abuso de confiança fiscal agravada, correm o risco de um processo por falência fraudulenta.
Ao que o PÁGINA UM apurou, só mediante certas condições é que os principais credores, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e a Segurança Social, aprovariam um plano de insolvência da TIN. Recorde-se que, como noticiou o PÁGINA UM no mês passado, tanto a AT como a Segurança Social votaram contra a aprovação do PER da TIN argumentando, designadamente, que a empresa nem sequer estava a cumprir com as suas obrigações, pagando impostos e contribuições, enquanto decorria o PER.
O PER da TIN foi ‘chumbado’ com os votos tanto da AT (24,7% do crédito original) e da Segurança Social (27,3%), como de outras entidades, como os CTT (6,1% dos créditos) e mesmo jornalistas. No total, o PER foi chumbado por 61,16% dos credores, havendo a registar 10,1% de abstenções ou ausência de declaração de voto. Entre os credores que queriam viabilizar o PER estiveram a Impresa (13,5% do total dos créditos), que vendeu as suas revistas à TIN em 2018 –, o Novo Banco (10,8%) e o Banco Comercial Português (2,2%). No total, apenas 28,7% do volume de créditos quis salvar a gerência de Luís Delgado, estando neste lote também a agência de notícias Lusa, a Vodafone e a QDF, sendo que esta última empresa é o ‘senhorio’ da Trust in News, no Taguspark, a quem Luís Delgado devia 83 mil euros em Maio passado.
Será também a possibilidade de desvendar os estranhos contornos de um processo iniciado em 2018, quando a Impresa vendeu a Luís Delgado o seu ‘portfólio tóxico’ de revistas, salvando contabilisticamente a Impresa Publishing e o próprio grupo dono do Expresso e da SIC, que enfrentava dificuldades financeiras após o falhanço de uma emissão de obrigações. Agora, seis anos depois, mais de 30 milhões de euros em dívidas, o antigo negócio que era da Impresa deverá passar para um dono ou vários donos – quem sabe, a própria Impresa –, mas agora limpo das dívidas, as quais ficarão, na sua maioria, nas mãos dos contribuintes.
Conhecido o destino das revistas da TIN, ficará, no entanto, por explicar como foi possível uma empresa com um capital social de apenas 10 mil euros ter conseguido acumular milhões de euros em dívidas sem nunca ter ido parar à lista de devedores ao Fisco e à Segurança Social durante os governos socialistas de António Costa.
PÁGINA UM – O jornalismo independente (só) depende dos leitores.
Nascemos em Dezembro de 2021. Acreditamos que a qualidade e independência são valores reconhecidos pelos leitores. Fazemos jornalismo sem medos nem concessões. Não dependemos de grupos económicos nem do Estado. Não temos publicidade. Não temos dívidas. Não fazemos fretes. Fazemos jornalismo para os leitores, mas só sobreviveremos com o seu apoio financeiro. Apoie AQUI, de forma regular ou pontual.
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Os museus do Porto passaram a ser os preferidos dos visitantes estrangeiros, ultrapassando os de Lisboa e de Sintra. Desde 2021, que a ‘capital’ do Norte’ é líder nas visitas de estrangeiros aos museus, mas em 2022 e 2023 a posição de liderança consolidou-se. E, ao contrário de Lisboa e Sintra, o Porto conseguiu nos últimos dois anos ultrapassar o número de visitantes que registava nos anos antes da pandemia. Os novos dados do Instituto Nacional de Estatística mostram que os museus do Porto receberam 2,352 milhões de visitantes em 2023 face aos 2,0 milhões registados em 2019. De resto, a nível nacional, os museus não conseguiram ainda recuperar do tombo observado em 2020 e 2021 devido às políticas radicais e controversas impostas pelo Governo na gestão da pandemia de covid-19. Lisboa não só não recuperou como saltou da primeira para a terceira posição no Top 10 das cidades com mais visitantes estrangeiros nos museus, cabendo o segundo lugar a Sintra.
Goodbye, Lisbon and Sintra! Hello, Oporto! O interesse dos turistas estrangeiros pelos museus da ‘capital’ do Norte catapultaram o Porto para a liderança das cidades com mais visitantes estrangeiros nos museus. Se, em 2019, Lisboa e Sintra eram as cidades com mais visitantes estrangeiros nos museus, o cenário mudou com a crise provocada pela gestão radical da pandemia seguida pelo Governo, que praticamente ‘fechou’ o sector da Cultura e o Turismo. Lisboa não só deixou de ser a favorita como desceu mesmo à terceira posição no ‘top 10’ das cidades com mais visitantes estrangeiros nos museus.
Os novos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam que, logo em 2021, o Porto ultrapassou Lisboa e Sintra nas visitas de estrangeiros aos museus, mas foi em 2022 e 2023 que a posição de ‘Rei’ incontestado se consolidou. Em 2019, o número de visitantes estrangeiros nos museus do Porto foi de 2,0 milhões. Em 2020, afundou para 452 mil, mas em 2021 recuperou para 684 mil e, nesse ano, a cidade já superou o número de visitantes estrangeiros nos museus de Lisboa e de Sintra. Em 2022, disparou para 2,27 milhões o número de visitantes estrangeiros nos museus do Porto e voltou a subir para 2,35 milhões em 2023.
Além de se ter tornado o preferido dos estrangeiros, o Porto – que é a ‘casa’ da Fundação Serralves – conseguiu outra ‘proeza’: ultrapassar o número de visitantes que recebia antes da crise provocada pelas medidas covid-19 do Governo. Já Lisboa e Sintra, ainda estão aquém da performance observada nos antes da pandemia.
Fundação Serralves, no Porto. / Foto: D.R.
De notar que o Porto alberga três dos cinco museus nacionais mais visitas em 2022, segundo o INE. Além da Fundação Serralves, existem ainda o Museu dos Clérigos e o Tesouro da Sé Catedral do Porto.
Já Lisboa, deixou a liderança que ocupava antes da pandemia e afundou para a terceira posição em 2023 e está longe de recuperar ‘a aura’ que tinha entre os visitantes estrangeiros. No ano passado, os museus da capital receberam a visita de 1,69 milhões de estrangeiros, ligeiramente mais do que os 1,66 milhões do ano anterior. Em 2019, o número registado foi de 2,75 milhões de visitantes. Ou seja, no caso dos museus da capital, estão 38,6% abaixo do número de visitantes observado em 2019. Ainda assim, trata-se de uma recuperação, depois de em 2020 as visitas terem descido para 527 mil, uma quebra de 80,8% face a 2019.
Sintra, onde a ‘estrela é o Palácio Nacional da Pena, que ocupava o segundo lugar do ranking de visitas antes da pandemia, chegou a descer ao terceiro lugar mas ultrapassou Lisboa no ano passado e ocupa actualmente a segunda posição, com 1,73 milhões de visitantes estrangeiros em 2023. Está ainda distante dos 2,53 milhões de visitas de estrangeiros que se observou em 2019.
Evolução do número de visitantes estrangeiros nos museus do Porto, Sintra e Lisboa. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.
Os dados do INE são provenientes do ‘Inquérito aos museus’, o qual é dirigido “aos museus e aos jardins zoológicos, botânicos e aquários que, no ano de referência, estiveram em funcionamento permanente ou sazonal, com pelo menos uma sala ou espaço de exposição e com, pelo menos uma pessoa ao serviço”. É considerado ‘visitante’ cada “pessoa que visita as exposições, utiliza os serviços disponíveis (biblioteca, centro de documentação, reservas, entre outros), e/ou frequenta as atividades realizadas no museu (concertos e conferências, entre outros)”. O INE contabilizou a existência de 644 museus em actividade a nível nacional, dos quais 586 no Continente.
Segundo o INE, a nível nacional, os museus ainda não conseguiram atingir o número de visitantes estrangeiros que tinham em 2019. Em 2023, o número global de visitantes estrangeiros aos museus atingiu os 8,64 milhões. Se o valor representa uma melhoria de 12,7% face a 2022, ainda está 16,4% abaixo dos 10,34 milhões de visitantes estrangeiros em 2019.
De facto, o Governo português optou, em 2020 e 2021, por seguir a linha ‘dura’ dos países que optaram por medidas extremas na gestão da pandemia, com imposição de confinamentos e fecho de actividades. As medidas não só levaram ao desastre económico, como deixaram um rasto de excesso de mortalidade recorde nos anos subsequentes, além de ter criado uma onda de problemas diversos de saúde na população que esteve privada de acesso a tratamentos e diagnóstico de outras doenças não-covid. O sector da Cultura esteve entre os mais afectados com as medidas políticas, muitas delas sem base na evidência científica e que hoje estão desacreditadas.
Visitas totais de estrangeiros aos museus em Portugal. Fonte: INE.
Em 2020, as visitas de estrangeiros aos museus em Portugal afundou dos 10,34 milhões para os 2,0 milhões. Em 2021, as visitas subiram, mas apenas para 2,89 milhões. Só em 2022, houve uma recuperação mais acentuada, para 7,66 milhões de visitantes estrangeiros. Em 2023, o número de visitas recuperou mas está até abaixo do nível registado em 2018.
Outra alteração que se pode observar nos últimos anos é a descida observada do peso a nível nacional do ‘top 10’ de cidades favoritas dos estrangeiros que visitam museus. Se em 2014, as 10 cidades com mais visitantes representavam 86,6% do total nacional, em 2019, o peso era de 86,2% e em 2023 já estava nos 81,5%, segundo uma análise feita aos dados do INE.
Por outro lado, também a composição do ‘top 10’ tem sofrido alterações. Mafra era a quarta favorita em 2014, em 2019 já estava na sétima posição e em 2023 nem consta do ‘top 10’. Já Évora não constava da lista das 10 preferidas em 2014, em 2019 estava na sexta posição e no ano passado ocupava a quinta posição. Também Braga tem vindo a subir na tabela, estando na sexta posição. Guimarães, ‘berço’ de Portugal, mantém a quarta posição que tinha em 2019. Enquanto isso, Coimbra tem vindo a cair na tabela e está oitava posição.
Top 10 por município do número de visitas de estrangeiros em museus portugueses em 2014, 2019 e 2023. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.
Dados do INE relativos a 2022, indicavam que “os cinco museus mais visitados foram o Palácio Nacional da Pena, Museu dos Clérigos, Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Museu Coleção Berardo e o Tesouro da Sé Catedral do Porto, que em conjunto receberam cerca 4,6 milhões de visitantes (29,5% do total), dos quais 2,9 milhões (37,9%) eram estrangeiros”.
Dos museus geridos pela empresa pública Museus e Monumentos Nacionais, o mais visitado em 2023 foi o Mosteiro dos Jerónimos, com 965 mil visitas. No total, entre visitantes nacionais e estrangeiros, os museus e monumentos públicos geridos pela MMN geraram um total de 5,15 milhões de visitas em 2023, acima das 4,71 milhões registados no ano anterior.
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Os actuais gerentes da Trust in News (TIN), dona das revistas Visão e Exame, estão mesmo em maus lençóis. Os credores chumbaram o Processo Especial de Revitalização (PER) da empresa e decidirão em breve se a insolvência da TIN se faz através de um plano de rentabilização dos activos ainda com valor, nomeadamente a transmissão dos títulos de media, ou se se parte, de imediato, para a liquidação. Qualquer um dos cenários dará, garantidamente, calotes de milhões ao Estado e restantes credores. Seja como for, a actual gerência liderada por Luís Delgado, apesar de manifestar interesse, não terá as mínimas condições de credibilidade para se manter à frente da Trust in News durante o processo de insolvência, até porque, além de ter recebido a confirmação de uma condenação por abuso de confiança fiscal agravada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, aumentou ainda mais as dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança durante o PER, chumbado na semana passada, e os atrasos no pagamento de salários agravaram-se.
Salários em atraso, dívidas de mais de 30 milhões de euros, um Processo Especial de Revitalização (PER) ‘chumbado‘ e uma condenação a pena de prisão pelo crime de abuso de confiança fiscal na forma agravada. Este é o cenário que enfrenta o ex-jornalista e comentador Luís Delgado, gerente e dono da Trust in News (TIN), que detém as revistas Visão e Exame. Com os títulos já penhorados desde 2020 pela Segurança Social e o Fisco, a Trust in News avança agora para um processo de insolvência. Os credores irão decidir se aprovam um plano ou se a empresa parte para a liquidação. Seja como for, os activos deverão ser vendidos, sendo alvo de um ‘saneamento’. Ou seja, os novos donos das revistas da TIN irão ficar com os títulos mas não com as dívidas. Também irão ‘herdar’ os trabalhadores.
Neste novo processo que vai ser iniciado pelo Tribunal, após o ‘chumbo’ do PER, Luís Delgado e os outros dois gerentes da TIN não estão em condições de liderar a insolvência da empresa, ainda que sob a fiscalização de um administrador judicial apontado pelo Tribunal. Isto porque os três gerentes da TIN viram confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa a condenação, pelo crime de abuso de confiança fiscal na forma agravada, a uma pena de prisão de dois anos e meio, suspensa por cinco anos sob condição de a dívida em causa ser saldada.
Apesar disso, a gerência da TIN anunciou a intenção de apresentar aos credores um plano de insolvência, depois de não ter conseguido convencê-los com o plano de recuperação da empresa que apresentou no decurso do PER. Curiosamente, os meios de comunicação social que noticiaram o anúncio da gerência da TIN, designadamente a agência Lusa, omitiram aos leitores que os três gerentes da dona da Visão foram condenados a penas de prisão, enfrentando ainda mais processos, incluindo um da Segurança Social, que deverá também levar a uma condenação a pena de prisão.
Sendo que na insolvência serão analisados ao detalhe a evolução da contabilidade da TIN e das opções de gestão da gerência, para se apurar se houve uma falência fraudulenta.
Os próximos passos serão decisivos para as revistas da TIN e para os seus trabalhadores. O administrador judicial provisório do PER, Bruno Costa Pereira, indicou, ao PÁGINA UM, que iria entregar ao Tribunal na quarta-feira o seu parecer no sentido de se avançar para a insolvência da empresa. De seguida, o Tribunal irá encerrar o processo do PER e iniciar um novo processo, desta vez relativo à insolvência da TIN. Será, depois, convocada uma assembleia de credores , os quais irão, ou não, aprovar um plano de insolvência ou decidir pela liquidação da dona da Visão.
Ao que o PÁGINA UM apurou, só mediante certas condições é que os principais credores, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e a Segurança Social, aprovariam um plano de insolvência da TIN. Recorde-se que, como noticiou o PÁGINA UM, tanto a AT como a Segurança Social votaram contra a aprovação do PER da TIN argumentando, designadamente, que a empresa nem sequer estava a cumprir com as suas obrigações, pagando impostos e contribuições, enquanto decorria o PER.
O PER da TIN foi ‘chumbado’ com os votos tanto da AT (24,7% do crédito original) e da Segurança Social (27,3%), como de outras entidades, como os CTT (6,1% dos créditos) e mesmo jornalistas. No total, o PER foi chumbado por 61,16% dos credores, havendo a registar 10,1% de abstenções ou ausência de declaração de voto. Entre os credores que queriam viabilizar o PER estiveram apareceu a Impresa (13,5% do total dos créditos), que vendem as suas revistas à TIN em 2018 –, o Novo Banco (10,8%) e o Banco Comercial Português (2,2%). No total, apenas 28,7% do volume de créditos quis salvar a gerência de Luís Delgado, estando neste lote também a agência de notícias Lusa, a Vodafone e a QDF, sendo que esta última empresa é o ‘senhorio’ da Trust in News, no Taguspark, a quem Luís Delgado devia 83 mil euros em Maio passado.
Os novos donos das revistas da Trust in News, onde se destaca a Visão, irão ficar com os títulos da empresa após um ‘saneamento’ que ‘limpará’ os activos das dívidas. (Foto: PÁGINA UM)
Certo é que, com aprovação do plano de insolvência ou com a liquidação, o desfecho mais provável é de que as revistas da empresa irão ter de encontrar novos donos, os quais ficarão com os activos da TIN sem dívidas. Haverá um ‘saneamento’ e os novos donos das revistas não ficarão com as dívidas, apenas com os títulos e os trabalhadores.
Além dos títulos de media, a TIN contabiliza cerca de 14 milhões de euros em activos que atribui a receitas de assinaturas futuras das revistas. Neste processo de insolvência ou na liquidação, irá tirar-se a ‘prova dos nove’ sobre o real valor destes ‘activos’ que têm sido incluídos nas contas da empresa de Luís Delgado ou apurar-se se não passou de um caso de finanças criativas.
Entretanto, os trabalhadores da Visão e da Exame convocaram um plenário para o dia 18 de Novembro para analisar a insolvência da empresa de media, segundo noticiou o jornal Expresso.
Para já, após o início do processo de insolvência decretado pelo Tribunal, os credores só serão chamados a pronunciar-se no prazo de 45 dias a 60 dias, em sede de assembleia de credores. Aí será então decidido o destino dos activos da TIN. Será também o culminar de um processo iniciado em 2018, quando a Impresa vendeu a Luís Delgado o seu portfólio tóxico de revistas, ‘salvando’ a Impresa Publishing e o próprio grupo dono do Expresso e da SIC, que enfrentava dificuldades financeiras após o falhanço de uma emissão de dívida. Agora, seis anos depois, mais de 30 milhões de euros em dívidas, o antigo negócio que era da Impresa deverá passar para um dono ou vários donos – quem sabe, a própria Impresa –, mas agora limpo das dívidas, as quais ficarão, na sua maioria, nas mãos dos contribuintes.
Conhecido o destino das revistas da TIN, ficará, no entanto, por explicar como foi possível uma empresa com um capital social de apenas 10 mil euros ter conseguido acumular milhões de euros em dívidas sem nunca ter ido parar à lista de devedores do Fisco e da Segurança Social durante os governos socialistas de António Costa.
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Não estalou apenas o verniz. Escaqueirou-se o edifício inteiro, neste caso a (pouca) credibilidade da actual Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), revelando-se o caos que há muito ruminava por dentro. A demissão de três membros da ‘polícia dos jornalistas’, que concede acreditações e tem funções disciplinares, veio sob a forma de acusações de centralismo, despotismo, desvio de funções e mesmo gastos excessivos que colocaram as contas da CCPJ no vermelho. Nas cartas de renúncia dos três jornalistas (Anabela Natário, Isabel Magalhães e Miguel Alexandre Ganhão) são expostos vastos exemplos da forma como a presidente da CCPJ, Licínia Girão, que não tem exercido jornalismo nos últimos anos, usou e abusou dos seus poderes para, através de senhas de presença e outros gastos, bem como de acções de formação, transformar uma função não remunerada num ‘salário’ que estará a ultrapassar os 4.000 euros por mês. Também se soube que, por causa de notícias do PÁGINA UM, Licínia Girão contratou um escritório de advogados para apresentar uma queixa pessoal, mas apresentou a conta de 6.000 euros à CCPJ. Com inéditos prejuízos, a CCPJ arrisca agora ficar nos mesmos ‘lençóis’ onde as finanças pessoais de Licínia Girão estiveram há poucos anos: em 2019, a jornalista beneficiou de um perdão de dívidas num processo de insolvência pessoal.
As renúncias de três dos nove membros da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), conhecidas ontem, vieram trazer a público uma gestão financeira caótica e casos de centralismo e despotismo da sua presidente, a jurista e também jornalista Licínia Girão, que tomou posse em Maio de 2022, três anos depois de um processo de insolvência (falência) pessoal, interposto em 2012, ter sido concluído.
No rol de acusações agora conhecidas nas cartas de renúncia de três dos seus pares – que a designaram por cooptação, em Maio de 2022 -, constam as excessivas despesas, sobretudo por uso indiscriminado de senhas de presença, de Licínia Girão – que reside em Coimbra, não tendo actividade jornalística conhecida nos últimos anos –, bem como as suas tentativas de ‘reorientar’ as funções da CCPJ de acreditação e acção disciplinar para passar a exercer também como ‘centro de formação’ e ainda o facto de ter metido despesas de honorários de advogados para tratar de questões pessoais.
Licínia Girão, presidente da CCPJ
Neste último caso, a carta de renúncia de Anabela Natário e de Isabel Magalhães, datada de 24 de Outubro, explicita o uso indevido de recursos financeiros da CCPJ no decurso das notícias do PÁGINA UM sobre o currículo e experiência profissional de Licínia Girão, e que colocavam em causa os seus pergaminhos de “jurista de mérito” exigido por lei para o cargo, incluindo a existência de um estágio de advocacia fictício e um ‘chumbo’ nas provas de acesso ao curso de magistrados no Centro de Estudos Judiciários.
De entre o rol de exemplos de anormalidades da gestão centralizadora de Licínia Girão, as duas jornalistas demissionárias relatam a decisão da presidente da CCPJ em processar o director do PÁGINA UM, por notícias publicadas sobre o seu percurso profissional, mas às custas desta entidade com estatuto público. “Foram, pelo menos, seis mil euros em advogados, e desconhecemos quanto em senhas e viagens”, relatam Anabela Natário e Isabel Magalhães, recordando que Licínia Girão tinha garantido, em plenário de 15 novembro de 2023, que tinha “apresentado uma queixa, em nome pessoal, contra o jornalista Pedro Almeida Vieira junto do Conselho Deontológico (…) e apresentado igualmente queixa junto do Ministério Público”. As duas jornalistas dizem ainda que “só depois de uma grande pressão, [Licínia Girão] acabou por retirar a queixa, querendo, no entanto, impor condições tão esquisitas que foram ‘chumbadas’. E não se comprometeu a devolver a quantia gasta indevidamente.” A queixa judicial terá sido mesmo retirada, mas o processo enviesado no Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas avançou, sendo mesmo recusada a defesa apresentada pelo director do PÁGINA UM. Saliente-se que não é necessário que seja um advogado a apresentar uma queixa judicial nem a solicitar uma intervenção do Conselho Deontológico, bastando saber escrever razoavelmente. Além disso, embora não sendo advogada, por não ter conseguido concluir o estágio da Ordem dos Advogados, Licínia Girão é jurista.
Mas este gasto de seis mil euros é apenas uma ‘gota de água’ nos despesismos de Licínia Girão, e que estão rapidamente a delapidar os recursos financeiros da CCPJ, que ‘vive’ sobretudo dos emolumentos pagos pelos jornalistas (70,50 euros a cada dois anos). Se nas contas de 2021, a CCPJ apresentava resultados transitados (ou seja, acumulação de lucros) de 343.882 euros, os dois anos de gestão de Licínia Girão já ‘comeram’ uma parte substancial destas reservas. Em 2022, a CCPJ apresentou um ligeiro mas inédito prejuízo (2.588 euros), mas no ano passado o prejuízo subiu para os 78.904 euros, havendo indicações de o ano de 2024 terminar com mais perdas. A parte substancial destes prejuízos advirá da constante apresentação de gastos diversos e de senhas de presença de Licínia Girão, que ao contrário dos anteriores presidentes da CCPJ, não tem actividade jornalística conhecida. Nos seus estatutos, este organismo, apenas com funções de acreditação e de acção disciplinar, nunca previu a remuneração dos membros dos seus órgãos sociais, sendo os nove membros recompensados por senhas de presença em reuniões.
Renúncias de três membros da CCPJ destapam gestão centralista e ruinosa de Licínia Girão.
Porém, Licínia Girão tem vindo a assumir, pessoalmente, múltiplas tarefas fora das competências da CCPJ, entre as quais acções de formação, para amealhar um autêntico salário. Na carta de renúncia, Anabela Natário e Isabel Magalhães destacam que os gastos associados a senha de presença em 2022 chegaram aos 26 mil euros – quando em 2021, no mandato de Leonete Botelho, jornalista do Público tinham sido de 22 mil euros –, mas que aumentaram abruptamente em 2023 para os 40 mil euros [na verdade, 40.986 euros, de acordo com as demonstrações financeiras, consultadas pelo PÁGINA UM]. Do montante despendido no ano passado, só Licínia Girão embolsou, segundo as duas demissionárias, 18.948 euros apenas em senhas de presença, ou seja, quase tanto quanto o que os oito membros auferiram no mesmo período. No primeiro semestre de 2024, o recebimento, nesta modalidade, situou-se já nos 14 mil euros, ou seja, um ‘salário’ médio de mais de 2.300 euros por mês. Na carta de renúncia de Anabela Natário e Isabel Magalhães destacam que Licínia Girão atribuiu a si própria as senhas de presença.
Porém, existem mais gastos assumidos pela CCPJ, sedeada em Lisboa, que acabaram nos bolsos da sua presidente, que vive em Coimbra. De acordo com informações recolhidas pelo PÁGINA UM – e que encontram respaldo numa análise na evolução das despesas desta entidade face ao mandato anterior –, enquanto Leonete Botelho, anterior presidente da CCPJ, auferiu cerca de seis mil euros por ano para compensar o tempo dedicado, Licínia Girão fez por ganhar o direito de receber 33 mil euros em senhas de presença e outras compensações ao longo de 2023. Este ano, a ‘factura’ de Licínia Girão, suportada sobretudo pelos emolumentos dos jornalistas, foi já de 24 mil euros apenas no primeiro semestre, ou seja, uma média de quatro mil euros por mês.
Destaque-se que os gastos em senhas de presença têm sido escondidos activamente pela CCPJ, tendo o PÁGINA UM intentado uma acção de intimação no ano passado junto do Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder aos documentos de pagamentos individuais. Uma sentença de Setembro do ano passado chegou a conceder o direito ao PÁGINA UM de acesso à “totalidade das actas do Plenário” desta entidade desde 2020, bem como “a consulta de documentos onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data”. Porém, a sentença ainda não foi executada porque houve recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul sobre outras matérias, mas tem sido evidente ao longo dos anos que a CCPJ, apesar de ser constituída por jornalistas, nunca se mostrou muito defensora da transparência. Muito pelo contrário.
Crise na imprensa e crise na CCPJ: jornalismo a atravessar problemas crónicos de credibilidade.
O mal-estar pelos gastos e gestão da presidente da CCPJ à frente de uma entidade que tem tido uma actuação polémica por via da ausência de acção sobre ‘jornalistas comerciais’ e pela acção pífia face ao descrédito generalizado da profissão não são recentes, mas ganharam agora expressão com o bater da porta dos três membros eleitos com o apoio do Sindicato dos Jornalistas, apenas restando Jacinto Godinho, jornalista da RTP e docente na Universidade Nova de Lisboa, que se tem comportado como o ‘braço direito’ de Licínia Girão. Apesar de ser um órgão colegial de nove elementos que funciona em Plenário com frequência mensal, orientado por um Secretariado de três membros (Licínia Girão, Jacinto Godinho e Paulo Ribeiro), os três jornalistas demissionários tecem críticas demolidoras, incluindo a tomada de decisões da CCPJ que, na verdade, apenas reflctem a posição da presidente.
“Quase tudo é feito por ‘iniciativa’ do Secretariado, a maioria das vezes apenas com a assinatura da presidente em nome do mesmo, contudo, no corpo dos textos ou nos depoimentos fala-se em nome da CCPJ, como se representasse de facto todos os seus membros”, salientam Anabela Natário e Isabel Magalhães, que denunciam um clima pouco saudável criado pela gestão de Licínia Girão. E acrescentam que “a centralização de quase tudo na pessoa da presidente é um dos entraves ao bom funcionamento da CCPJ”, exemplificando com “os inúmeros pontos na ordem de trabalhos das reuniões semanais do secretariado, tão evocados, interna e externamente, para justificar a ineficácia da sua gestão”.
Já Miguel Alexandre Ganhão, o terceiro demissionário, é mais curto mas igualmente contundente nas suas críticas expostas na carta de renúncia, falando, como exemplo, no “processo burocrático que desabou no gigantismo de 80 pontos a serem discutidos em reunião de Secretariado”, acrescentando que “mais uma vez, este não é um indicador de eficácia, é uma entropia que foi alimentada por uma estratégia centralizadora”.
Todos os três demissionários são unânimes também em criticar a opção de Licínia Girão em tentar reorientar as funções da CCPJ para a área da formação e mesmo para cativar fundos comunitários, de forma a encontrar fontes de financiamento que a beneficiem, algo que acabou por ser travado pela Direcção-Geral do Emprego e Relações de Trabalho (DGERT). Como tal não avançou, por ‘chumbos’ diversos, Licínia Girão acabou por optar pelo estabelecimento de parcerias com o Centro de Estudos Judiciários e o CENJOR. Isabel Magalhães e Anabela Natário lamentam, na carta de renúncia, ser “incompreensível o facto da presidente [Licínia Girão] arranjar formações para ela própria ganhar financeiramente com as mesmas”.
Jacinto Godinho é o único jornalista eleito pelo seus pares a manter-se aliado de Licínia Girão, ocupando funções de ‘braço direito’ da presidente. Os outros quatro membros da CCPJ, a par de Licínia Girão, que se mantêm em funções são indicados pelas empresas de media.
Acrescente-se que, antes mesmo destas renúncias, o PÁGINA UM estava já a investigar a promoção de acções de formação entre a CCPJ e o CENJOR, tendo questionado ambas as entidades sobre os montantes a receber por Licínia Girão. Ambas as entidades não quiserem revelar esses montantes.
Com a saída dos três membros do Plenário da CCPJ, em princípio deveriam ser substituídos pelos suplentes, mas o PÁGINA UM apurou que ninguém manifestou disponibilidade, até por estarem previstas eleições para esta entidade em finais de Janeiro do próximo ano. Certo é que Licínia Girão respondeu às demissões acusando os ex-membros de terem “muitas dificuldades em lidar com a democracia quando as suas opiniões são contrárias“. E tem a esperança de vir a ser reconduzida em novo mandato por mais três anos.
Nesse caso, e tendo em conta o desempenho financeiro de Licínia Girão no seu primeiro mandato à frente da CCPJ, com elevados prejuízos acumulados, e o seu passado de gestão pessoal, não se prevêm bons resultados. Recorde-se que Licínia Girão beneficiou de um processo de insolvência pessoal, iniciado em 2012, e que a partir de 2019 a desonerou das dívidas que acumulara com o Banco Credibom, o Barclaycard, a Gesphone, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a Optimus e a Universidade Aberta.
N.D. O Código Deontológico dos Jornalistas estipula que “o jornalista não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesse”. Nessa linha, pode eventualmente criticar-se o facto de eu co-assinar uma notícia em que se revela que Licínia Girão apresentou uma queixa judicial (aparentemente retirada) contra mim. A opção poderia passar por incluir a autoria exclusivamente à Elisabete Tavares, que também é a autora da intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. Mas, ponderado com racionalidade, não há aqui, salvo melhor opinião (um jargão jurídico), qualquer conflito de interesses, no pressuposto de que o rigor com que o PÁGINA UM tem vindo a tratar dos assuntos relacionados com a CCPJ e Licínia Girão são a nossa maior garantia de credibilidade daquilo que assinamos. Se temos, como jornalistas do PÁGINA UM, algum interesse a manifestar nesta ‘estória’ da CCPJ que culminou na renúncia aos cargos de três membros, então acrescentarei apenas: lamento e não estou absolutamente nada surpreendido.
Pedro Almeida Vieira, director do PÁGINA UM
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Portugal continua, no século XXI e meio século depois do 25 de Abril, a ser um país ainda dividido por desigualdades económicas e sociais, com regiões privilegiadas e outras mais ‘esquecidas’. Os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística revela que há 13 concelhos onde mais de um quinto das habitações não tem ainda acesso a água canalizada da rede pública. Cerca de metade destes concelhos estão no Alentejo, sendo que os restantes se localizam sobretudo na região Norte, embora haja um na região Centro e outro no Algarve. Os municípios de Cinfães e Marco de Canaveses são os casos mais deploráveis, com quase metade das habitações sem ligação a sistemas públicos de água, constituindo assim um elevado risco de saúde pública.
Ter água sempre disponível a sair da torneira, com quantidade e controlo de qualidade assegurados, é serviço que ainda está longe de ser uma realidade em todas as casas do país. E a estatística nacional esconde as profundas assimetrias e desequilíbrios ainda vigentes em Portugal. Os dados revelados esta semana pelo Instituto Nacional de Estatística, relativos ao ano de 2022, até mostram um país de ‘primeiro mundo’, onde somente três em cada 100 alojamentos não têm serviço público de abastecimento de água.
Porém, como a ‘estória’ da falácia estatística que defende que duas pessoas comeram metade de um frango quando, na verdade, só uma o comeu inteiro, no caso do abastecimento de água Portugal Continental está excelente mas ‘esconde’ 13 munícipios com mais de uma em cada 10 alojamentos sem abastecimento de água de rede pública. Cinfães, no distrito de Viseu é o pior concelho: quase metade (47%) das casas não têm água canalizada, seguido de perto por Marco de Canaveses, no distrito do Porto, onde 46% dos lares têm de ir buscar água a furos privados ou mesmo à fonte, com risco para a saúde pública.
De acordo com os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados esta semana e respeitante ao ano de 2022, estes municípios, sendo os piores, estão longe de ser casos únicos. No Alentejo encontram-se seis dos municípios com mais de um quinto das casas sem abastecimento de água. Três dos municípios situam-se no distrito de Beja: Odemira; Alvito; e Almodôvar. Outros dois municípios pertencem ao distrito de Portalegre: Marvão; e Arronches. O sexto é Montemor-o-Novo, no distrito de Évora.
Na região do Norte contabilizam-se cinco concelhos no top dos piores: Cinfães, no distrito de Viseu; Marco de Canaveses, no Porto; Freixo de Espada à Cinta, em Bragança; Vale de Cambra, no distrito de Aveiro; e Vila Verde, em Braga. Os restantes situam-se na região Centro – São Pedro do Sul, distrito de Viseu – e no Algarve – Monchique, no distrito de Faro.
De resto, dos 308 concelhos do país, apenas 135 têm a totalidade das casas com abastecimento de água da rede, sendo que o INE não dispõe de dados relativamente à região Autónoma dos Açores nem aos concelhos de Mirandela, Crato e Idanha-a-Nova. Cerca de uma centena tem menos de 5% das habitações ainda sem água canalizada, incluindo a Região Autónoma da Madeira, que tem 99,9% das habitações com abastecimento da rede.
Concelhos com a maior percentagem de alojamentos sem acesso a abastecimento público de água em 2022. Fonte. INE.
Não é por isso de estranhar que a penetração da cobertura dos sistemas de distribuição de água se reflicta também nos dados anuais de água distribuída pelos municípios ou empresas, que tem reflexo directo no consumo per capita. Segundo indicadores do INE, por também ser o município com menos casas com água canalizada, Cinfães também é o concelho com o menor volume de água distribuída por habitante. Também no top dos 10 concelhos com menor volume de água distribuída está Marco de Canaveses, que surge no sexto lugar com menor consumo.
No lado oposto, o concelho que mais água distribui por habitante é Albufeira, que até está no grupo de municípios com uma elevada cobertura de abastecimento de água pela rede público (95%). Porém, o elevado volume anual per capita distribuído – 199,5 metros cúbicos em 2022, o que representa quase 550 litros por dia para cada pessoa – advém de uma ‘inflação’ decorrente do turismo, uma vez que os residentes pontuais não entram na contabilidade para o cálculo unitário. Este volume é, aliás, o triplo do valor médio registado pelo INE para todo o país: 64,6 metros cúbicos, representando 177 litros por habitante.
Não surpreende assim que, embora em alguns casos haja ‘responsabilidades’ nas perdas de água nos sistemas de abastecimento, a generalidade dos municípios com maior volume de água distribuída sejam de zonas de grande actividade turística, designadamente na região do Algarve, no Porto Santo (Madeira), em Lisboa e em Grândola.
Concelhos com mais e menor volume de água distribuída (m3/habitante por ano). Fonte: INE
De notar ainda que também na quantidade de água distribuída por habitante há uma diferença grande em termos regionais. Os concelhos com menor volume de água por habitante são sobretudo da região Norte, enquanto os que somam mais consumo de água da rede são destinos preferidos em termos turísticos, designadamente os que ficam localizados mais a Sul, além da própria capital. A excepção é Mangualde, no distrito de Viseu, que registou 122,4 metros cúbicos de água distribuída por habitante.
Numa altura em que crescem as pressões em Portugal e outros países contra a pressão turística e o seu impacto no dia-a-dia das cidades, o que é certo é que as que mais turistas atraem melhor cobertura de abastecimento de água têm, o que pode ser visto também como uma questão de progresso e bem-estar das populações. O acesso a água canalizada através de sistemas públicos é visto como um indicador de progresso, além de uma das necessidades mais básicas para garantir a saúde e o bem-estar das populações, uma vez que é, teoricamente, um garante de fornecimento estável e de qualidade da água consumida.
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