Autor: Elisabete Tavares e Pedro Almeida Vieira

  • Imprensa: Presidente da CCPJ usou poderes e influência para receber ‘salário’ milionário

    Imprensa: Presidente da CCPJ usou poderes e influência para receber ‘salário’ milionário

    Não estalou apenas o verniz. Escaqueirou-se o edifício inteiro, neste caso a (pouca) credibilidade da actual Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), revelando-se o caos que há muito ruminava por dentro. A demissão de três membros da ‘polícia dos jornalistas’, que concede acreditações e tem funções disciplinares, veio sob a forma de acusações de centralismo, despotismo, desvio de funções e mesmo gastos excessivos que colocaram as contas da CCPJ no vermelho. Nas cartas de renúncia dos três jornalistas (Anabela Natário, Isabel Magalhães e Miguel Alexandre Ganhão) são expostos vastos exemplos da forma como a presidente da CCPJ, Licínia Girão, que não tem exercido jornalismo nos últimos anos, usou e abusou dos seus poderes para, através de senhas de presença e outros gastos, bem como de acções de formação, transformar uma função não remunerada num ‘salário’ que estará a ultrapassar os 4.000 euros por mês. Também se soube que, por causa de notícias do PÁGINA UM, Licínia Girão contratou um escritório de advogados para apresentar uma queixa pessoal, mas apresentou a conta de 6.000 euros à CCPJ. Com inéditos prejuízos, a CCPJ arrisca agora ficar nos mesmos ‘lençóis’ onde as finanças pessoais de Licínia Girão estiveram há poucos anos: em 2019, a jornalista beneficiou de um perdão de dívidas num processo de insolvência pessoal.


    As renúncias de três dos nove membros da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), conhecidas ontem, vieram trazer a público uma gestão financeira caótica e casos de centralismo e despotismo da sua presidente, a jurista e também jornalista Licínia Girão, que tomou posse em Maio de 2022, três anos depois de um processo de insolvência (falência) pessoal, interposto em 2012, ter sido concluído.

    No rol de acusações agora conhecidas nas cartas de renúncia de três dos seus pares – que a designaram por cooptação, em Maio de 2022 -, constam as excessivas despesas, sobretudo por uso indiscriminado de senhas de presença, de Licínia Girão – que reside em Coimbra, não tendo actividade jornalística conhecida nos últimos anos –, bem como as suas tentativas de ‘reorientar’ as funções da CCPJ de acreditação e acção disciplinar para passar a exercer também como ‘centro de formação’ e ainda o facto de ter metido despesas de honorários de advogados para tratar de questões pessoais.

    Licínia Girão, presidente da CCPJ

    Neste último caso, a carta de renúncia de Anabela Natário e de Isabel Magalhães, datada de 24 de Outubro, explicita o uso indevido de recursos financeiros da CCPJ no decurso das notícias do PÁGINA UM sobre o currículo e experiência profissional de Licínia Girão, e que colocavam em causa os seus pergaminhos de “jurista de mérito” exigido por lei para o cargo, incluindo a existência de um estágio de advocacia fictício e um ‘chumbo’ nas provas de acesso ao curso de magistrados no Centro de Estudos Judiciários.

    De entre o rol de exemplos de anormalidades da gestão centralizadora de Licínia Girão, as duas jornalistas demissionárias relatam a decisão da presidente da CCPJ em processar o director do PÁGINA UM, por notícias publicadas sobre o seu percurso profissional, mas às custas desta entidade com estatuto público. “Foram, pelo menos, seis mil euros em advogados, e desconhecemos quanto em senhas e viagens”, relatam Anabela Natário e Isabel Magalhães, recordando que Licínia Girão tinha garantido, em plenário de 15 novembro de 2023, que tinha “apresentado uma queixa, em nome pessoal, contra o jornalista Pedro Almeida Vieira junto do Conselho Deontológico (…) e apresentado igualmente queixa junto do Ministério Público”. As duas jornalistas dizem ainda que “só depois de uma grande pressão, [Licínia Girão] acabou por retirar a queixa, querendo, no entanto, impor condições tão esquisitas que foram ‘chumbadas’. E não se comprometeu a devolver a quantia gasta indevidamente.” A queixa judicial terá sido mesmo retirada, mas o processo enviesado no Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas avançou, sendo mesmo recusada a defesa apresentada pelo director do PÁGINA UM. Saliente-se que não é necessário que seja um advogado a apresentar uma queixa judicial nem a solicitar uma intervenção do Conselho Deontológico, bastando saber escrever razoavelmente. Além disso, embora não sendo advogada, por não ter conseguido concluir o estágio da Ordem dos Advogados, Licínia Girão é jurista.

    Mas este gasto de seis mil euros é apenas uma ‘gota de água’ nos despesismos de Licínia Girão, e que estão rapidamente a delapidar os recursos financeiros da CCPJ, que ‘vive’ sobretudo dos emolumentos pagos pelos jornalistas (70,50 euros a cada dois anos). Se nas contas de 2021, a CCPJ apresentava resultados transitados (ou seja, acumulação de lucros) de 343.882 euros, os dois anos de gestão de Licínia Girão já ‘comeram’ uma parte substancial destas reservas. Em 2022, a CCPJ apresentou um ligeiro mas inédito prejuízo (2.588 euros), mas no ano passado o prejuízo subiu para os 78.904 euros, havendo indicações de o ano de 2024 terminar com mais perdas. A parte substancial destes prejuízos advirá da constante apresentação de gastos diversos e de senhas de presença de Licínia Girão, que ao contrário dos anteriores presidentes da CCPJ, não tem actividade jornalística conhecida. Nos seus estatutos, este organismo, apenas com funções de acreditação e de acção disciplinar, nunca previu a remuneração dos membros dos seus órgãos sociais, sendo os nove membros recompensados por senhas de presença em reuniões.

    Renúncias de três membros da CCPJ destapam gestão centralista e ruinosa de Licínia Girão.

    Porém, Licínia Girão tem vindo a assumir, pessoalmente, múltiplas tarefas fora das competências da CCPJ, entre as quais acções de formação, para amealhar um autêntico salário. Na carta de renúncia, Anabela Natário e Isabel Magalhães  destacam que os gastos associados a senha de presença em 2022 chegaram aos 26 mil euros – quando em 2021, no mandato de Leonete Botelho, jornalista do Público tinham sido de 22 mil euros –, mas que aumentaram abruptamente em 2023 para os 40 mil euros [na verdade, 40.986 euros, de acordo com as demonstrações financeiras, consultadas pelo PÁGINA UM]. Do montante despendido no ano passado, só Licínia Girão embolsou, segundo as duas demissionárias, 18.948 euros apenas em senhas de presença, ou seja, quase tanto quanto o que os oito membros auferiram no mesmo período. No primeiro semestre de 2024, o recebimento, nesta modalidade, situou-se já nos 14 mil euros, ou seja, um ‘salário’ médio de mais de 2.300 euros por mês. Na carta de renúncia de Anabela Natário e Isabel Magalhães destacam que Licínia Girão atribuiu a si própria as senhas de presença.

    Porém, existem mais gastos assumidos pela CCPJ, sedeada em Lisboa, que acabaram nos bolsos da sua presidente, que vive em Coimbra. De acordo com informações recolhidas pelo PÁGINA UM – e que encontram respaldo numa análise na evolução das despesas desta entidade face ao mandato anterior –, enquanto Leonete Botelho, anterior presidente da CCPJ, auferiu cerca de seis mil euros por ano para compensar o tempo dedicado, Licínia Girão fez por ganhar o direito de receber 33 mil euros em senhas de presença e outras compensações ao longo de 2023. Este ano, a ‘factura’ de Licínia Girão, suportada sobretudo pelos emolumentos dos jornalistas, foi já de 24 mil euros apenas no primeiro semestre, ou seja, uma média de quatro mil euros por mês.

    Destaque-se que os gastos em senhas de presença têm sido escondidos activamente pela CCPJ, tendo o PÁGINA UM intentado uma acção de intimação no ano passado junto do Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder aos documentos de pagamentos individuais. Uma sentença de Setembro do ano passado chegou a conceder o direito ao PÁGINA UM de acesso à “totalidade das actas do Plenário” desta entidade desde 2020, bem como “a consulta de documentos onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data”. Porém, a sentença ainda não foi executada porque houve recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul sobre outras matérias, mas tem sido evidente ao longo dos anos que a CCPJ, apesar de ser constituída por jornalistas, nunca se mostrou muito defensora da transparência. Muito pelo contrário.

    Crise na imprensa e crise na CCPJ: jornalismo a atravessar problemas crónicos de credibilidade.

    O mal-estar pelos gastos e gestão da presidente da CCPJ à frente de uma entidade que tem tido uma actuação polémica por via da ausência de acção sobre ‘jornalistas comerciais’ e pela acção pífia face ao descrédito generalizado da profissão não são recentes, mas ganharam agora expressão com o bater da porta dos três membros eleitos com o apoio do Sindicato dos Jornalistas, apenas restando Jacinto Godinho, jornalista da RTP e docente na Universidade Nova de Lisboa, que se tem comportado como o ‘braço direito’ de Licínia Girão. Apesar de ser um órgão colegial de nove elementos que funciona em Plenário com frequência mensal, orientado por um Secretariado de três membros (Licínia Girão, Jacinto Godinho e Paulo Ribeiro), os três jornalistas demissionários tecem críticas demolidoras, incluindo a tomada de decisões da CCPJ que, na verdade, apenas reflctem a posição da presidente.

    “Quase tudo é feito por ‘iniciativa’ do Secretariado, a maioria das vezes apenas com a assinatura da presidente em nome do mesmo, contudo, no corpo dos textos ou nos depoimentos fala-se em nome da CCPJ, como se representasse de facto todos os seus membros”, salientam Anabela Natário e Isabel Magalhães, que denunciam um clima pouco saudável criado pela gestão de Licínia Girão. E acrescentam que “a centralização de quase tudo na pessoa da presidente é um dos entraves ao bom funcionamento da CCPJ”, exemplificando com “os inúmeros pontos na ordem de trabalhos das reuniões semanais do secretariado, tão evocados, interna e externamente, para justificar a ineficácia da sua gestão”.

    Já Miguel Alexandre Ganhão, o terceiro demissionário, é mais curto mas igualmente contundente nas suas críticas expostas na carta de renúncia, falando, como exemplo, no “processo burocrático que desabou no gigantismo de 80 pontos a serem discutidos em reunião de Secretariado”, acrescentando que “mais uma vez, este não é um indicador de eficácia, é uma entropia que foi alimentada por uma estratégia centralizadora”.

    Todos os três demissionários são unânimes também em criticar a opção de Licínia Girão em tentar reorientar as funções da CCPJ para a área da formação e mesmo para cativar fundos comunitários, de forma a encontrar fontes de financiamento que a beneficiem, algo que acabou por ser travado pela Direcção-Geral do Emprego e Relações de Trabalho (DGERT). Como tal não avançou, por ‘chumbos’ diversos, Licínia Girão acabou por optar pelo estabelecimento de parcerias com o Centro de Estudos Judiciários e o CENJOR. Isabel Magalhães e Anabela Natário lamentam, na carta de renúncia, ser “incompreensível o facto da presidente [Licínia Girão] arranjar formações para ela própria ganhar financeiramente com as mesmas”.

    Jacinto Godinho é o único jornalista eleito pelo seus pares a manter-se aliado de Licínia Girão, ocupando funções de ‘braço direito’ da presidente. Os outros quatro membros da CCPJ, a par de Licínia Girão, que se mantêm em funções são indicados pelas empresas de media.

    Acrescente-se que, antes mesmo destas renúncias, o PÁGINA UM estava já a investigar a promoção de acções de formação entre a CCPJ e o CENJOR, tendo questionado ambas as entidades sobre os montantes a receber por Licínia Girão. Ambas as entidades não quiserem revelar esses montantes.

    Com a saída dos três membros do Plenário da CCPJ, em princípio deveriam ser substituídos pelos suplentes, mas o PÁGINA UM apurou que ninguém manifestou disponibilidade, até por estarem previstas eleições para esta entidade em finais de Janeiro do próximo ano. Certo é que Licínia Girão respondeu às demissões acusando os ex-membros de terem “muitas dificuldades em lidar com a democracia quando as suas opiniões são contrárias“. E tem a esperança de vir a ser reconduzida em novo mandato por mais três anos.

    Nesse caso, e tendo em conta o desempenho financeiro de Licínia Girão no seu primeiro mandato à frente da CCPJ, com elevados prejuízos acumulados, e o seu passado de gestão pessoal, não se prevêm bons resultados. Recorde-se que Licínia Girão beneficiou de um processo de insolvência pessoal, iniciado em 2012, e que a partir de 2019 a desonerou das dívidas que acumulara com o Banco Credibom, o Barclaycard, a Gesphone, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a Optimus e a Universidade Aberta.


    N.D. O Código Deontológico dos Jornalistas estipula que “o jornalista não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesse”. Nessa linha, pode eventualmente criticar-se o facto de eu co-assinar uma notícia em que se revela que Licínia Girão apresentou uma queixa judicial (aparentemente retirada) contra mim. A opção poderia passar por incluir a autoria exclusivamente à Elisabete Tavares, que também é a autora da intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. Mas, ponderado com racionalidade, não há aqui, salvo melhor opinião (um jargão jurídico), qualquer conflito de interesses, no pressuposto de que o rigor com que o PÁGINA UM tem vindo a tratar dos assuntos relacionados com a CCPJ e Licínia Girão são a nossa maior garantia de credibilidade daquilo que assinamos. Se temos, como jornalistas do PÁGINA UM, algum interesse a manifestar nesta ‘estória’ da CCPJ que culminou na renúncia aos cargos de três membros, então acrescentarei apenas: lamento e não estou absolutamente nada surpreendido.

    Pedro Almeida Vieira, director do PÁGINA UM


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  • Em Portugal, ainda há 13 municípios onde mais de uma em cada cinco casas não tem água canalizada

    Em Portugal, ainda há 13 municípios onde mais de uma em cada cinco casas não tem água canalizada

    Portugal continua, no século XXI e meio século depois do 25 de Abril, a ser um país ainda dividido por desigualdades económicas e sociais, com regiões privilegiadas e outras mais ‘esquecidas’. Os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística revela que há 13 concelhos onde mais de um quinto das habitações não tem ainda acesso a água canalizada da rede pública. Cerca de metade destes concelhos estão no Alentejo, sendo que os restantes se localizam sobretudo na região Norte, embora haja um na região Centro e outro no Algarve. Os municípios de Cinfães e Marco de Canaveses são os casos mais deploráveis, com quase metade das habitações sem ligação a sistemas públicos de água, constituindo assim um elevado risco de saúde pública.


    Ter água sempre disponível a sair da torneira, com quantidade e controlo de qualidade assegurados, é serviço que ainda está longe de ser uma realidade em todas as casas do país. E a estatística nacional esconde as profundas assimetrias e desequilíbrios ainda vigentes em Portugal. Os dados revelados esta semana pelo Instituto Nacional de Estatística, relativos ao ano de 2022, até mostram um país de ‘primeiro mundo’, onde somente três em cada 100 alojamentos não têm serviço público de abastecimento de água.

    Porém, como a ‘estória’ da falácia estatística que defende que duas pessoas comeram metade de um frango quando, na verdade, só uma o comeu inteiro, no caso do abastecimento de água Portugal Continental está excelente mas ‘esconde’ 13 munícipios com mais de uma em cada 10 alojamentos sem abastecimento de água de rede pública. Cinfães, no distrito de Viseu é o pior concelho: quase metade (47%) das casas não têm água canalizada, seguido de perto por Marco de Canaveses, no distrito do Porto, onde 46% dos lares têm de ir buscar água a furos privados ou mesmo à fonte, com risco para a saúde pública.

    a hand holding a glass of water

    De acordo com os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados esta semana e respeitante ao ano de 2022, estes municípios, sendo os piores, estão longe de ser casos únicos. No Alentejo encontram-se seis dos municípios com mais de um quinto das casas sem abastecimento de água. Três dos municípios situam-se no distrito de Beja: Odemira; Alvito; e Almodôvar. Outros dois municípios pertencem ao distrito de Portalegre: Marvão; e Arronches. O sexto é Montemor-o-Novo, no distrito de Évora.

    Na região do Norte contabilizam-se cinco concelhos no top dos piores: Cinfães, no distrito de Viseu; Marco de Canaveses, no Porto; Freixo de Espada à Cinta, em Bragança; Vale de Cambra, no distrito de Aveiro; e Vila Verde, em Braga. Os restantes situam-se na região Centro – São Pedro do Sul, distrito de Viseu – e no Algarve – Monchique, no distrito de Faro.

    De resto, dos 308 concelhos do país, apenas 135 têm a totalidade das casas com abastecimento de água da rede, sendo que o INE não dispõe de dados relativamente à região Autónoma dos Açores nem aos concelhos de Mirandela, Crato e Idanha-a-Nova. Cerca de uma centena tem menos de 5% das habitações ainda sem água canalizada, incluindo a Região Autónoma da Madeira, que tem 99,9% das habitações com abastecimento da rede.

    Concelhos com a maior percentagem de alojamentos sem acesso a abastecimento público de água em 2022. Fonte. INE.

    Não é por isso de estranhar que a penetração da cobertura dos sistemas de distribuição de água se reflicta também nos dados anuais de água distribuída pelos municípios ou empresas, que tem reflexo directo no consumo per capita. Segundo indicadores do INE, por também ser o município com menos casas com água canalizada, Cinfães também é o concelho com o menor volume de água distribuída por habitante. Também no top dos 10 concelhos com menor volume de água distribuída está Marco de Canaveses, que surge no sexto lugar com menor consumo.

    No lado oposto, o concelho que mais água distribui por habitante é Albufeira, que até está no grupo de municípios com uma elevada cobertura de abastecimento de água pela rede público (95%). Porém, o elevado volume anual per capita distribuído – 199,5 metros cúbicos em 2022, o que representa quase 550 litros por dia para cada pessoa – advém de uma ‘inflação’ decorrente do turismo, uma vez que os residentes pontuais não entram na contabilidade para o cálculo unitário. Este volume é, aliás, o triplo do valor médio registado pelo INE para todo o país: 64,6 metros cúbicos, representando 177 litros por habitante.

    Não surpreende assim que, embora em alguns casos haja ‘responsabilidades’ nas perdas de água nos sistemas de abastecimento, a generalidade dos municípios com maior volume de água distribuída sejam de zonas de grande actividade turística, designadamente na região do Algarve, no Porto Santo (Madeira), em Lisboa e em Grândola.

    Concelhos com mais e menor volume de água distribuída (m3/habitante por ano). Fonte: INE

    De notar ainda que também na quantidade de água distribuída por habitante há uma diferença grande em termos regionais. Os concelhos com menor volume de água por habitante são sobretudo da região Norte, enquanto os que somam mais consumo de água da rede são destinos preferidos em termos turísticos, designadamente os que ficam localizados mais a Sul, além da própria capital. A excepção é Mangualde, no distrito de Viseu, que registou 122,4 metros cúbicos de água distribuída por habitante.

    Numa altura em que crescem as pressões em Portugal e outros países contra a pressão turística e o seu impacto no dia-a-dia das cidades, o que é certo é que as que mais turistas atraem melhor cobertura de abastecimento de água têm, o que pode ser visto também como uma questão de progresso e bem-estar das populações. O acesso a água canalizada através de sistemas públicos é visto como um indicador de progresso, além de uma das necessidades mais básicas para garantir a saúde e o bem-estar das populações, uma vez que é, teoricamente, um garante de fornecimento estável e de qualidade da água consumida.


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  • Aplicação de lei militar ‘exige’ processo disciplinar a Gouveia e Melo

    Aplicação de lei militar ‘exige’ processo disciplinar a Gouveia e Melo

    As declarações de índole política de Gouveia e Melo na sua entrevista à RTP3, onde opinou mesmo sobre as causas do atraso no desenvolvimento económico de Portugal, são susceptíveis da abertura de um processo disciplinar automático e secreto por parte do Estado-Maior das Forças Armadas por violação do dever de isenção. Na entrevista do passado dia 4 de Setembro, o actual chefe do Estado-Maior da Armada compareceu fardado e com todas as insígnias e, além de ter dissertado sobre o seu tabu a candidatura à presidência da República fez considerações políticas sobre o estado do país. A maior evidência de se ter tratado de uma entrevista de índole política está no impacto que as declarações de Gouveia e Melo tiveram nos meandros da política e também na comunicação social.


    O almirante Gouveia e Melo, actual chefe do Estado-Maior da Armada, violou o dever de isenção na sequência de uma entrevista de carácter político concedida à RTP3 no passado dia 4, numa altura em que se discutem possíveis candidaturas à Presidência da República. De acordo com a Lei da Defesa Nacional, apesar de um militar ter direito à liberdade de expressão, estão-lhe vedadas opiniões políticas, mesmo se apartidárias, quer pela Constituição da República Portuguesa quer pelo Regulamento de Disciplina Militar, um diploma de 2009.

    O dever de isenção dos militares consiste no seu rigoroso apartidarismo, “não podendo usar a sua arma, o seu posto ou a sua função para qualquer intervenção política, partidária ou sindical”. Ora, num contexto de posicionamento de putativos candidatos, em que o seu nome surge sistematicamente em sondagens, Gouveia e Melo concedeu uma longa entrevista televisiva, fardado e com todas as insígnias militares, onde dissertou sobre o seu tabu em redor de uma candidatura às Presidenciais de 2025, expondo também considerações políticas e sugerindo até que o perfil de alguém com experiência militar será o mais indicado para o futuro do país. Gouveia e Melo ‘colou-se’ mesmo ao General Ramalho Eanes, Presidente da República entre 1976 e 1986, por ter sido também militar. Recorde-se que, durante o Estado Novo, a Presidência da República foi também ocupada por militares que não deixaram saudades: Gomes da Costa, Óscar Carmona, Craveiro Lopes e Américo Tomás.

    No início desta entrevista de cariz político, onde o único tema não-político se centrou por breves minutos na intervenção da Autoridade Marítima na recuperação dos corpos dos bombeiros vítimas de um acidente com um helicóptero no rio Douro, o jornalista Vítor Gonçalves apresentou Gouveia e Melo como “militar de carreira, almirante” e actual “chefe do Estado-Maior da Armada, mandato que termina no final do ano”. Ainda na apresentação do entrevistado, o jornalista acrescentou que aquilo “que vai acontecer depois [do mandato] é uma incógnita, no entanto o seu nome tem sido apontado como candidato presidencial e as sondagens indicam que está bem colocado se decidir avançar”.

    O chefe do Estado-Maior da Armada na entrevista à RTP3, à qual compareceu fardado e em representação das funções que desempenha na hierarquia militar.
    (Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)

    Nesta entrevista, Gouveia e Melo nunca recusou vir a ser candidato, mas foi sempre alimentando um tabu cada vez menos escondido, salientando que avançaria se sentisse que a sua “candidatura à Presidência seria útil ao país”. O actual chefe do Estado-Maior da Armada criticou também aqueles que o tentavam condicionar. Questionado sobre se o actual contexto de incerteza e guerras poderia favorecer um candidato militar, o almirante, estando fardado, respondeu: “sem me pôr no meu papel militar, no meu papel de Gouveia e Melo, falando como uma pessoa normal, como cidadão, acho que os contextos influenciam muito as situações; este contexto de uma guerra e incerteza geoestratégica e de alguma violência, […] de certeza que vai pesar nas circunstâncias futuras em quaisquer eleições”. Gouveia e Melo disse ainda que “o último militar na Presidência foi Ramalho Eanes, a quem a população tem de estar agradecida”.

    Pelo meio, partilhou diversas opiniões políticas, como: “temos que saber aproveitar, em termos geopolíticos, a nossa posição; não é só a Europa, é também o Atlântico; não é só o Atlântico, é também a Europa e o Norte de África”. Gouveia e Melo também dissertou, embora sem profundidade, sobre o que considera serem os maiores problemas do país, argumentando que “o maior desafio [de Portugal] é a produtividade da nossa Economia”. E manifestou até ser um adepto das políticas dos países nórdicos. Partilhando uma visão populista, Gouveia e Melo afirmou ainda que “devemos criar riqueza e a criação de riqueza deve beneficiar aqueles que são os motores dessa riqueza, mas também devemos distribuir a riqueza pela sociedade porque uma sociedade desequilibrada é o fim dessa própria sociedade, criamos extremismos e pobreza”.

    Além de tudo isto, Gouveia e Melo chegou a revelar aspectos operacionais sensíveis relacionados com a Armada no decurso da invasão russa da Ucrânia, alegando terem já existido “momentos de tensão com navios russos que foram resolvidos com bom senso”. E detalhou que, “só o ano passado, tivemos que fazer 43 missões de seguimento e acompanhamento desses navios militares” e que “este ano, já superámos esse número”.

    (Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)

    Estas revelações também infringem gravemente normas legais. A Lei da Defesa Nacional salienta que “os militares na efectividade de serviço estão sujeitos a dever de sigilo relativamente às matérias cobertas pelo segredo de justiça ou pelo segredo de Estado e por outros sistemas de classificação, aos factos referentes ao dispositivo, à capacidade militar, ao equipamento e à acção operacional das Forças Armadas de que tenham conhecimento em virtude do exercício das suas funções, bem como aos elementos constantes de centros de dados e registos de pessoal que não possam ser divulgados”.

    Saliente-se que a Constituição da República Portuguesa estipula que “as Forças Armadas [e por extensão os militares] estão ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política”.

    O dever de isenção política está ainda plasmado no Regulamento da Disciplina Militar, onde se explicita que “o dever de isenção dos militares consiste no seu rigoroso apartidarismo, não podendo usar a sua arma, o seu posto ou a sua função para qualquer intervenção política, partidária ou sindical”. A violação deste regulamento implica obrigatoriamente a abertura de um processo disciplinar que, no caso de Gouveia e Melo, será José ​Nunes da Fonseca, o Chefe do Estado-Maior-General das Forç​as Armadas. Com efeito, o regulamento disciplinar destaca que “o processo disciplinar é obrigatória e imediatamente instaurado, por decisão dos superiores hierárquicos, quando estes tenham conhecimento de factos que possam implicar a responsabilidade disciplinar dos seus subordinados, devendo do facto ser imediatamente notificado o arguido”.

    (Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)

    Em todo o caso, por agora não se mostra legalmente possível saber se José Nunes Fonseca cumpriu este preceito legal, porque “o processo disciplinar é de natureza secreta até à notificação da acusação“, sendo proibida a divulgação de peças procedimentais. Em todo o caso, dado o impacto mediático e político da entrevista, será tecnicamente impossível que o general que comanda as Forças Armadas alegue, no futuro, que não tomou conhecimento das declarações deste mês de Gouveia e Melo.

    A entrevista do líder da Marinha teve amplo eco mediático, com diversos órgãos de comunicação social a destacar as suas declarações e a possível candidatura do chefe de Estado-Maior da Armada a Belém. Ao volume de notícias juntou-se ainda um coro de comentadores a amplificar as palavras de Gouveia e Melo e posicionando-o como candidato à Presidência da República.

    No caso de comentadores, as declarações políticas de Gouveia e Melo foram destacadas, por exemplo, no programa Soundbite, no jornal Público, do dia 5 de Setembro, na crónica de João Pereira Coutinho, no dia 7 de Setembro, no Correio da Manhã, e como ‘nota de rodapé’ da última crónica de Dinis de Abreu, no Observador. Mas a entrevista também teve impacto nos meandros da política, com políticos, nomeadamente Pedro Santana Lopes, a comentar a possível candidatura de Gouveia e Melo à Presidência.

    De acordo com juristas consultados pelo PÁGINA UM – e pela interpretação de obras sobre esta matéria escritas por constitucionalistas, como Gomes Canotilho, Vital Moreira e Jorge Miranda, – as intervenções de Gouveia e Melo são, de facto, susceptíveis de abertura automática e secreta de um processo disciplinar. Para José Melo Alexandrino, professor da Faculdade de Direito de Lisboa, “no contexto em que foram proferidas, tais declarações, por serem essencialmente políticas, e, mais do que isso, por se referirem a potenciais projectos políticos do entrevistado, constituem clara ofensa aos deveres de apoliticidade e de neutralidade a que os militares estão sujeitos, por força da Constituição e da lei”.

    Fazendo uso da sua farda, o almirante admitiu que pode vir a ser candidato à Presidência da República e as suas declarações tiveram um forte impacto mediático e político.
    (Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)

    Apesar de não ter assistido à entrevista, este reputado constitucionalista e especialista em Direito Comparado diz bastar “a leitura da dezena de notícias dos dias seguintes e das opiniões” de comentadores para concluir, “sem margem para grandes dúvidas” que Gouveia e Melo violou gravemente a lei.

    José Melo Alexandrino também considera, aliás, que no cerne desta entrevista não está “num problema de liberdade de expressão dos militares, direito fundamental cujo âmbito foi adequadamente alargado na revisão da Lei de Defesa Nacional em 2009”, mas sim os limites decorrentes da “reserva própria do estatuto da condição militar”, como expressamente determina a Lei da Defesa Nacional.

    O professor de Direito salienta ainda que, “dentro dessa esfera da reserva da condição militar, se encontra precisamente o dever fundamental especial, inscrito na Constituição, segundo o qual ‘os elementos das Forças Armadas não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política”.

    Assim, “à luz das notícias e das opiniões já divulgadas na opinião pública, está mais do que demonstrado que algumas das declarações feitas nessa entrevista ofenderam de forma grave e manifesta o dever de neutralidade e de ‘apoliticidade’ inerente ao estatuto da condição militar, dever como tal concretizado nas diversas leis militares”.

    Para este jurista, há que ter em consideração não só o contexto pré-eleitoral em que a entrevista foi concedida e as declarações políticas que foram proferidas, como também o forte impacto mediático que causou, com comentadores políticos a destacar as palavras do almirante. Além disso, Gouveia e Melo proferiu as considerações políticas usando farda e estando a representar o cargo que ocupa na hierarquia militar.

    Estes posicionamento segue em linha com a de outros constitucionalistas José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira que já defenderam, obra “Constituição da República Portuguesa Anotada“, publicada em 2007. que “o princípio da imparcialidade e neutralidade política política − que, em parte, integra já o princípio do apartidarismo − é mais extenso do que este, pois ele impõe , além do apartidarismo, também a apoliticidade dos militares, enquanto tais”. E citam também a Constituição, a qual explicita que um militar não pode aproveitar-se “da sua função, do seu posto ou da sua arma para qualquer intervenção política”, acrescentando que cabem, “nesta interdição, todos os actos típicos de intervenção militar na política, desde as simples tomadas de posição políticas de um chefe militar, até, bem entendido, aos actos insurrecionais”.

    A entrevista do chefe do Estado-Maior da Armada teve um forte impacto mediático e político.

    Por seu lado, Jorge Miranda, outro reputado constitucionalista, considerou também já numa obra anotada sobre a Constituição da República, publicada há quatro anos, que “a proibição de intervenções políticas (…) dirige-se, em primeiro lugar, aos representantes institucionais das Forças Armadas − os Chefes de Estado-Maior”, defendendo que “não podem estes , nem qualquer militar, assumir posição política ou, muito menos, político-partidária”.

    Nessa obra, Jorge Miranda esclarece ainda que a definição de “serviço do povo português” significa “o reconhecimento da legitimidade inerente ao Estado de Direito democrático (…), com obediência aos órgãos de soberania (…) baseados nesta legitimidade − os únicos aos quais cabe decretar a legislação e o orçamento militares e definir as missões que, em concreto, em cada momento, as Forças Armadas podem ser chamadas a cumprir, nos termos da Constituição”.

    Contudo, em contraciclo, Jorge Pereira da Silva, professor na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, considera que as declarações do almirante podem ser abrangidas no conceito de liberdade de expressão, citando o artigo 270º da Constituição da República e o artigo 28º da Lei da Defesa Nacional.

    Apesar de não ter ouvido a entrevista, Pereira da Silva salientou ao PÁGINA UM que “se as declarações de Gouveia e Melo tivessem resultado em consequências materiais”, nomeadamente agitação social ou algum tipo de tumulto, haveria, nesse caso, violação de deveres, porque iriam para além do direito à liberdade de expressão.

    (Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)

    Para este professor, pode haver ataques a Gouveia e Melo, nomeadamente acusando-o de violação de deveres, por parte de pessoas de esquerda, que não vejam com bons olhos a possível eleição para a Presidência de um “candidato popular e populista, de origem militar”. Mas considera que a melhor resposta não será tentar silenciar Gouveia e Melo, mas sim “responder-lhe no espaço público e mediático”.

    Na entrevista, Gouveia e Melo − que liderou a operação de distribuição logística das vacinas contra a covid-19 − insurgiu-se, aliás, por existirem sectores de o quererem “condicionar”, defendendo o direito a ser um cidadão livre e de ser candidato a Belém, se o desejar, quando terminar o actual mandato como chefe do Estado-Maior da Armada no próximo dia 27 de Dezembro. “Estou é decidido a ser um cidadão livre, depois de sair das minhas funções; e que ninguém me venha tentar condicionar essa liberdade porque aí, sim, ficarei aborrecido, como é evidente, porque acho que nós não devemos ser condicionados das nossas liberdades garantidas por lei”. Esta opinião de Gouveia e Melo contrasta, contudo, com as suas posições durante a pandemia, quando as liberdades e garantias definidas pela lei constitucional foram violadas e condicionadas.


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  • Sinais de corrupção atingem um terço dos gastos públicos do Reino Unido durante a pandemia

    Sinais de corrupção atingem um terço dos gastos públicos do Reino Unido durante a pandemia

    Uma organização anti-corrupção, a Transparency International UK, detectou 135 contratos públicos adjudicados durante a pandemia de covid-19 que levantam fortes suspeitas de terem envolvido práticas corrupção. No total, estes contratos envolveram um montante de 18,2 mil milhões de euros, cerca de um terço de toda a despesa pública efectuada na pandemia pelo país. Agora, aquela organização apela às autoridades britânicas para investigarem os contratos suspeitos. Não foi só no Reino Unido que a gestão da pandemia escancarou a porta para a corrupção. Em Portugal, houve o chamado ‘cartel dos testes’, envolvendo os maiores laboratórios do país, mas também floresceu a falta de transparência, como no caso dos contratos das vacinas assinados pela Direcção-Geral da Saúde, que permanecem envoltos em opacidade. Um processo de intimação do PÁGINA UM, apresentado em Dezembro de 2022, ainda não tem desfecho previsto, devido a sucessivas procrastinações e mentiras do Ministério da Saúde.


    A Transparency International UK, uma organização britânica anti-corrupção, analisou 5.000 contratos públicos adjudicados no Reino Unido durante a pandemia da covid-19 em busca de sinais de potencial corrupção. A análise aos contratos públicos detectou a existência de problemas significativos em contratos no valor de 15,3 mil milhões de libras (ou 18,2 mil milhões de euros), o que corresponde a um terço dos gastos globais. Segundo a análise da mesma organização, foram identificados 135 contratos com sinais de alto risco de poderem envolver práticas de corrupção.

    Testes, material de protecção médica e máscaras geraram estão entre os bens que originaram contratos nebulosos no Reino Unido. Um total de 28 contratos, no valor de 4,1 mil milhões de libras (4,9 mil milhões de euros), foram adjudicados a empresas com conhecidas ligações políticas. Outros 51 contratos, no montante de 4,0 mil milhões de libras (4,75 mil milhões de euros), foram adjudicados através de uma via VIP para empresas recomendadas por membros do parlamento e pares, uma prática que o Supremo Tribunal considerou ser ilegal.

    Para a Transparency International UK, a suspensão das regras normais de prevenção da corrupção no Reino Unido, careceu de fundamentação, na maior parte dos casos, tendo a medida acabado por trazer prejuízo aos contribuintes. Segundo aquela organização, quase dois terços dos contratos de valores mais elevados para fornecer bens como máscaras e equipamento de protecção médica durante a pandemia, num total de 30,7 mil milhões de libras (36,5 mil milhões de euros), foram adjudicados por ajuste directo.

    Um grupo de oito contratos, num valor global de 500 milhões de libras (593,8 milhões de euros) foram entregues a empresas que não tinham mais de 100 dias de existência, que é um dos sinais de alarme na prevenção da corrupção.

    A Transparency International UK, uma organização que tem tido um papel forte e activo na investigação à gestão da pandemia naquela país, apelou às autoridades para que investiguem os contratos identificados como apresentando um risco muito elevado de corrupção.

    Em Portugal, foi notícia, recentemente, a aplicação de coimas ao chamado ‘cartel dos testes‘ que envolveu os grandes laboratórios de análises clínicas do país. Mas, além da corrupção, a gestão da pandemia trouxe falta de transparência em diversos contratos públicos. O PÁGINA UM, por exemplo, aguarda ainda o desfecho da intimação colocada no Tribunal Administrativo de Lisboa contra a Direccção-Geral da Saúde para o acesso aos contratos da compra das vacinas para a covid-19, bem como da correspondência com as farmacêuticas e as guias de remessa. A acção foi colocada em 31 de Dezembro de 2021, ou seja, há quase 21 meses.

    O Ministério da Saúde tem tentado aproveitar o secretismo dos acordos prévios assinados entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas para convencer a juíza deste exasperante e longo processo, Telma Nogueira, a considerar os tribunais administrativos portugueses incompetentes para analisar o pedido. A suceder significaria que qualquer acto administrativo que decorresse de Bruxelas podia estar vedado aos cidadãos portugueses se houvesse qualquer cláusula secreta determinada por ‘eurocratas’ não-eleitos, independentemente da sua cidadania.

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    Depois de o Tribunal Geral da União Europeia ter considerado abusivas as cláusulas de confidencialidade, a juíza Telma Nogueira instou o Ministério da Saúde, antes de concluir a sentença, a fornecer-lhe os contratos assinados pelo Estado português, bem como a correspondência. E deu um prazo de 15 dias. Esta semana, no limite deste prazo, a directora-geral da Saúde, Rita Sá Machado, pediu uma prorrogação de de mais 40 dias. A juíza concordou, o que, em princípio, fará com que um processo de intimação, considerado urgente, vá demorar, na primeira instância, aproximadamente dois anos.

    Além deste negócio da compra das vacinas, merece também destaque em Portugal uma aquisição sem contrato no valor de 20 milhões de euros do antiviral Paxlovid, da farmacêutica Pfizer, usando uma norma legal já revogada. De entre os casos obscuros de aquisição de testes e diversos materiais de protecção individual, estão situações qm que as empresas não detinham sequer qualificações nem histórico no sector.

    Houve também entidades públicas que esconderam compras por ajuste directo e sem documentos de suporte conhecidos, aproveitando um regime especial de contratação pública que dispensava a redução a escrito. O caso mais gritante detectado ao longho dos anos pelo PÁGINA UM passou-se no Hospital de Braga, presidido por João Porfírio Oliveira, que escondeu 1.354 ajustes directos de 47 milhões de euros relacionados com a pandemia por mais de dois anos. Em muitos nem se sabe o que se comprou. O PÁGINA UM ainda aguarda que o Tribunal de Contas se pronuncie sobre esta matéria.


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  • Mafra transforma patrocínio em falso contrato de ‘aquisição de serviços’ de organização de prova internacional de surf

    Mafra transforma patrocínio em falso contrato de ‘aquisição de serviços’ de organização de prova internacional de surf

    O Município de Mafra pagou 125 mil euros a uma empresa para organizar uma prova de surf, mas, na verdade, este evento desportivo integra o circuito da Liga Mundial de Surf e tem associada uma empresa de cerveja espanhola, uma marca de roupa desportiva norte-americana e a EDP. O ajuste directo para uma falsa prestação de serviços é assim, em concreto, um ‘subsídio’ a uma empresa privada dado pela Câmara de Mafra é justificado, pela autarquia com o facto de os municípios poderem apoiar eventos “que contribuam para a promoção da saúde e prevenção das doenças”. Desde 2018, a autarquia social-democrata já ‘lançou ao mar’ 750 mil euros. porque tem boas ondas…


    A Câmara Municipal de Mafra assinou um contrato por ajuste dirrecto para a “produção” em concreto da prova internacional de surf, mas, na verdade, trata-se de um apoioà organização deve ser visto com um patrocínio. Denominada “EDP Vissla Ericeira 2024”, a prova decorrerá na praia de Ribeira d’Ilhas, entre os próximos dias 29 de Setembro e 6 de Outubro, e integra o circuito internacional de Liga Mundial de Surf, sendo que a organização está associada a uma empresa espanholsa de cerveja (Estrella Galicia) e tem como ‘naming’ (principais patrocinadores) uma marca de roupa desportiva da Califórnia (Vissla) e a EDP.

    A autarquia do distrito de Lisboa tem, aliás, desembolsado anualmente sempre a mesma verba de 125 mil euros para pagar a organização da prova autorizada pela Liga Mundial de Surf, tanto directamente, como através de uma empresa municipal. Desde 2018, foram gastos 750 mil euros de dinheiros públicos para suportar gastos com a organização desta prova, que, em quase todas as edições, tem tido o ‘naming‘ da EDP, com a excepção do evento de 2021, que foi patrocinada pela MEO.

    Autarquia assume em contrato que uma empresa organiza para si um evento que é afinal da responsabilidade da Liga Mundial de Surf, estando associada a uma emprsa espanhola de cerveja e tem a Vissla e a EDP como patrocinadores com direito a ‘naming’.

    Este ano, o contrato assinado pelo presidente social-democrata da autarquia, Hugo Moreira Luís, em 3 de Setembro passado e registado no Portal Base na mesma data, beneficiou a empresa 3Sports Events e explicita que o objecto é a “Produção do Evento Desportivo – EDP Vissla Pro Ericeira 2024”. Porém, apesar de o contrato estipular que faz parte integrante o caderno de encargos, este documento não se encontra disponibilizado no Portal Base, como deveria. Deste modo, pouco se sabe sobre as tarefas a executar pela empresa contratada, inferindo-se, sem ser evidente, nas cláusulas do contrato que envolverá montagens e desmeontagens de estruturas e também limpeza de espaços. Este procedimento, através de ajuste directo, contrasta com apoios atribuídos por outras autarquias a provas desportivas, mesmo quando sob a forma de patrocínio, onde as contrapartidas estão definidas em detalhe.

    No único documento disponível no Portal Base, que se resume às sucintas cláusulas do contrato, apenas é mencionado que prazo para a prestação do serviço é de 19 dias e corresponde não só ao período em que decorre o evento, de 29 de Setembro a 6 de Outubro, incluindo um período para montagem de infraestruturas e posterior desmontagem e limpeza dos espaços. Mas não diz explicitamente que a emprsa adjudicatária seja quem executa essas tarefas.

    Em resposta a perguntas do PÁGINA UM, a autarquia de Mafra afirmou apenas que, “nos termos do caderno de encargos [que não enviou], a prestação de serviços é referente à ‘Produção do Evento Desportivo – EDP Vissla Pro Ericeira 2024’, a realizar, previsivelmente, de 29 de Setembro a 6 de Outubro do corrente ano, com período inicial de preparação e montagem das infraestruturas, e final onde será contemplada a desmontagem e limpeza dos espaços, prazo este com início a 22 de Setembro e término a 10 de Outubro do corrente ano”. Em suma, repetiu o que consta no contrato.

    O evento “subsidiado” pela Câmara Municipal de Mafra tem como patrocinador de destaque a EDP, que dá mesmo o nome ao evento. (Foto: D.R.)

    A mesma fonte oficial da autarquia adiantou ainda que esta prestação de serviços contempla a “apresentação de licença para realização da prova; produção do evento (gestão de atletas; viagens; refeições), gestão logística; montagem de infraestruturas e equipamentos; desenvolvimento de plano de comunicação; [e] gestão da atividade desportiva”. Ora, esta parte não consta nas breves cláusulas do contrato.

    Sobre o facto de a autarquia assumir os custos de produção de um um evento onde não é formalmente a organizadora – nem o seu nome consta na divulgação da prova no site da Liga Mundial de Surf –, e cujo ‘naming’ é de duas empresas privadas, a Câmara argumenta que “ainda que o município de Mafra não tenha o seu nome do evento, do mesmo faz parte a referência à Ericeira, que é uma localidade deste município e que, numa perspectiva de marketing territorial, se pretende promover”. E conclui ainda que “a referência do Município de Mafra, através do seu brasão, faz parte dos diversos materiais de comunicação da prova”. O PÁGINA UM consultou vários materiais e diversos vídeos de anteriores edições desta prova na Ribeira d’Ilhas, como a do ano passado, e apenas surgem referências à EPD, Vissla e Estrella Galicia.

    Para explicar a entrega deste ‘apoio’ à prova internacional através de um ajuste directo, a autarquia alegou a ncessidade de “proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual”, o que torna estranho este contrato de prestação de serviços se estivesse em causa a simples montagem ou desmontagem de instalações e limpeza de espaços.

    O município de Mafra tem patrocinado o evento de surf pelo menos desde 2018, incluindo através da empresa municipal GIATUL. Fonte: Portal Base.

    A explicação para esta “aquisição de serviços” por parte da autarquia de Mafra também se mostra ‘sui generis’. O município liderado pelo social-demcrata Hugo Moreira Luís refere que o regime jurídico das autarquias locais lhe que confere competências para “apoiar actividades de natureza social, cultural, educativa, desportiva, recreativa ou outra de interesse para o município, incluindo aquelas que contribuam para a promoção da saúde e prevenção das doenças”. Fica por explicar como uma prova internacional privada de surf, já apoiada por empresas privadas, pode promover a saúde e prevenir doenças da população do concelho de Mafra.

    Segundo o contrato, o procedimento por ajuste directo foi autorizado por despacho do presidente da autarquia social-democrata, Hugo Moreira Luís, assinado pelo autarca a 11 de Julho deste ano. A prestação de serviços contemplada no contrato foi adjudicada pelo autarca a 26 de Julho.

    Este contrato está isento de fiscalização pelo Tribunal de Contas ao abrigo do artigo 48º da Lei 98/97 que refere que “ficam dispensados de fiscalização prévia os contratos referidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 46.º de valor inferior a 750 000 (euro), com exclusão do montante do imposto sobre o valor acrescentado que for devido”.

    Câmara de Mafra alega que o seu brasão está em todos os materiais de divulgação do evento internacional.

    Saliente-se que este procedimento tem sido seguido em anos anteriores, embora por vezes em moldes distintos. Já o anterior presidente da autarquia, o social-democrata Hélder Sousa Silva, que saiu do cargo este ano, para assumir funções como eurodeputado, usou a mesma estratégia para conceder este “apoio”. No entanto, para o ano de 2022 e 2023, a autarquia fez contratos de “aquisição de serviços”, também no valor de 125 mil euros, à empresa Oceanptevents, para patrocinar o mesmo evento de surf na Ericeira.

    No entanto, nos três anos anteriores os contratos, por ajuste directo e pelo mesmo valor, foram suportados pela GIATUL, a empresa municipal que gere as actividades lúdicas, infraestruturas e rodovias deste concelho, mas neste caso o patrocínio, embora não explicitamente assumido, tornava-se mais evidente. Resta saber se, nos próximos anos, o município vai continuar a ‘surfar esta onda de águas turvas’, concedendo um apoio ou subsídio, justificando tudo através de um contrato de “aquisição de serviços”, aproveitando-se também do facto de não ser, aparentemente, exigido visto prévio do Tribunal de Contas.


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  • Imprensa escrita: quatro dos principais grupos de media em falência técnica e quase todos acumulam prejuízos de milhões

    Imprensa escrita: quatro dos principais grupos de media em falência técnica e quase todos acumulam prejuízos de milhões

    De entre os nove maiores grupos de media em Portugal com títulos da imprensa escrita, segundo uma análise financeira do PÁGINA UM, apenas duas (Medialivre e Impresa Publishing) apresentaram lucros em 2023, mas somente o grupo que tem Cristiano Ronaldo como accionista mostra uma situação financeira saudável. De resto, a tónica destes grupos de media é a acumulação imparável de resultados negativos, havendo mesmo quatro em falência técnica (Swipe, Trust in News, Media9Par e Newsplex). A hecatombe não é maior porque, por exemplo, nos casos do Público (que acumula 24,2 milhões de euros de prejuízos desde 2017) e do Observador (prejuízos acumulados de 11,3 milhões de euros), os accionistas têm tapado os ‘buracos’. A crise neste sector não é uma surpresa, derivando de diversos factores, incluindo a ‘concorrência’ das grandes plataformas digitais na captação de publicidade e a mudança dos hábitos de leitura, embora a crescente quebra de credibilidade e a promiscuidade com o poder político e económico não ajudem.


    O cheiro a papel, a tinta que sobra para os dedos, os anúncios, as ‘gordas’, as palavras cruzadas têm lugar na era do pixel, do clique, do Chat GPT, e dos textos escritos por máquinas? Nesta era de acelerada transformação para um mundo digital, o sector da imprensa escrita em Portugal enfrenta uma crise longa e definha a olhos vistos. Um levantamento do PÁGINA UM, que analisou as contas dos maiores grupos da imprensa escrita, tanto impressa como digital, nos últimos oito anos, encontrou um cenário negro, com prejuízos sucessivos e até falências técnicas, com empresas já com a ‘corda no pescoço’ e outras em processo de desmantelamento.

    Neste cenário de decadência e ‘cheiro’ a fim dos dias, poucos se ‘salvam’ e ainda menos vivem desafogados. A excepção é, na verdade, Medialivre, dona do Correio da Manhã, da revista Sábado e do desportivo Record (e também dos canais televisivos CMTV e Now), que está para a imprensa em Portugal como Cristiano Ronaldo, seu accionista, está para o mundo do futebol: marca ‘golos’, acumulando lucros todos os anos. Mas ‘Ronaldos’ não há muitos e este grupo é um dos poucos na imprensa nacional com um registo de lucros sustentáveis, ao longo dos anos num sector em crise. De facto, na análise do PÁGINA UM, apenas três grupos registaram lucros em 2023. A Medialivre, que também detém a CMTV, destaca-se com um lucro de 7,2 milhões de euros no ano passado. Em oito anos, a empresa, antes conhecida como Cofina Média, registou lucros totais de 50 milhões de euros, o que se mostra excelente neste sector.

    A maioria dos grupos de imprensa está preso por ‘fios’, acumulando prejuízos atrás de prejuízos. Três terminaram o ano passado em situação de falência técnica, um deu início a um PER e outro foi desmantelado. (Foto: PÁGINA UM)

    Também a dona do Expresso, a Impresa Publishing, tem conseguido apresentar um resultado líquido positivo nos últimos anos, com o ano de 2023 a fechar com um lucro de 1,478 milhões de euros. Mas este desempenho tem uma explicação pragmática: em 2018 livrou-se ‘milagrosamente’ de um ‘pedregulho no sapato’: o tóxico portfólio de revistas, encabeçado pela Visão, que ‘chutou’ para uma empresa unipessoal de Luís Delgado, a Trust in News, com um capital social de apenas 10 mil euros. Um negócio ainda hoje está muitíssimo mal explicado, e que está a dar um fenomenal calote de cerca de 15 milhões de euros ao Estado e outro tanto a outros credores. Mas já vamos à Trust in News.

    Hoje, a ‘divisão’ de imprensa escrita do Grupo Impresa, fundado por Pinto Balsemão, com o Expresso à cabeça, tem um passivo de ‘apenas’ 10,1 milhões de euros, quando em 2017 essa rubrica contabilizava um valor na ordem dos 30 milhões de euros. Transferida a ‘Impresa má’ para a Trust in News, já sem ónus e muitos encargos insuportáveis, ficou o caminho livre para a dona do Expresso registar lucros. Já a actual dona das revistas Visão e Exame, Trust in News, iniciou este ano um Processo Especial de Revitalização (PER), cujo desfecho ainda se aguarda.

    Com a excepção destes dois casos, de empresas com lucros em 2023, os restantes maiores grupos fecharam o exercício abaixo da ‘linha de água’. À cabeça, a Global Notícias, dona do Diário de Notícias, que apresentou um prejuízo 7,284 milhões de euros. O grupo, que detém também a rádio TSF, tem registado prejuízos sucessivos, que totalizam quase 50 milhões de euros em oito anos. O passivo da Global Notícias estava no final de 2023 nos 46,5 milhões de euros, quando em 2017 se situava nos 66,9 milhões de euros. Mas o activo, num processo de ‘vampirização’, caiu para metade, de 98,3 milhões de euros para 53,6 milhões de euros no fim do exercício passado. Quanto aos capitais próprios, sofreram uma redução de dois terços: passaram de 31,4 milhões de euros em 2017, para 7,2 milhões de euros no ano passado. Entretanto, o grupo foi já desmantelado, com a Notícias Ilimitadas de Marco Galinha a ficar com a ‘galinha dos ovos de ouro’ do grupo – o Jornal de Notícias –, além de engolir também outros títulos e a rádio TSF.

    Apesar de estar inserido num gigante, que é a Sonae, e de beneficiar da rede de distribuição e pontos de venda que incluem os supermercados Continente e demais lojas do grupo, o jornal Público registou em 2023 um dos maiores prejuízos de, pelo menos, os últimos oito anos. (Foto: PÁGINA UM)

    Ao descalabro da Global Notícias, segue-se um histórico prejuízo do jornal Público, que em 2023 fechou o ano com o pior resultado líquido de, pelo menos, os últimos oito anos, a atender aos dados do Portal de Transparência dos Media. De resto, o jornal do grupo Sonae tem um problema de prejuízos crónicos. Em 2023, o jornal fechou o ano com um prejuízo de 4,5 milhões de euros. Em 2022, o jornal tinha registado um prejuízo de 2,1 milhões de euros. Somado desde 2017, o Público deu um prejuízo acumulado de 24,2 milhões de euros, mesmo (ou por causa) das constantes promiscuidades entre informação e marketing empresarial por via de parcerias. Não se vislumbra uma melhoria da situação para o jornal, que se ‘aguenta’ por estar sustentado num dos maiores grupos empresariais do país e que lhe garante a ‘banca’ gigantesca que é a rede de lojas e supermercados da dona do Continente, com campanhas de assinatura que incluem desconto ‘em cartão’ da principal marca da Sonae.

    Também no ‘vermelho’, e muito, está a dona do Observador, a Observador Ontime, que, tal como o Público, tem a ‘sorte’ de contar com accionistas ‘generosos’, que têm efectuado injecções de capital na sociedade. O maior accionista, com 55% do capital, é a Amaral Y Hijas Holding, de Luís Amaral, dono da empresa de distribuição polaca Eurocash, seguido da Orientempo (com 7,69%), que tem o gestor António Carrapatoso como accionista de referência. São ainda accionistas de referência empresas ligadas a nomes como Alexandre Relvas, Filipe de Botton, João Talone, António Champalimaud e Carlos Moreira da Silva, entre outros.

    Em 2023, a Observador Ontime fechou o ano com prejuízos de quase 1,3 milhões de euros, mas isso é o ‘normal’: os prejuízos acumulados atingem já os 11,3 milhões de euros desde a sua criação. O passivo da empresa mais do que duplicou desde 2017, situando-se agora nos 2,5 milhões de euros. Mas, além de encontrar apoio nos seus accionistas famosos, a empresa conta ainda com o apoio dos seus principais credores: a Caixa Geral de Depósitos, com cerca de 30% do passivo, e o BCP, com 11%.

    O momento em que a Impresa passou os seus ‘activos tóxicos’ da imprensa para a empresa unipessoal de Luís Delgado, que apesar do ‘calote’ que deu ao grupo liderado por Francisco Balsemão continua a ser comentador na SIC. Hoje, a Impresa Publishing apresenta lucros. Já a empresa de Delgado iniciou um PER e está ‘por um fio’ e o empresário arrisca ser condenado na Justiça, já que além de não ter pago contribuições dos trabalhadores à Segurança Social, também deve ao Fisco, nomeadamente pagamentos de IVA. (Foto: D.R.)

    De notar, que os resultados de 2023 da Observador Ontime não constam ainda do Portal da Transparência dos media, como é obrigatório. Desconhece-se se a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) já deu um ‘puxão de orelhas’ à empresa devido a este atraso na divulgação de informação financeira ao público.

    Quanto à Media9Par, dona do Jornal Económico e da Forbes, também está em ‘maus-lençóis’. Além do prejuízo ter piorado, passando de 412 mil euros em 2022 para 1,925 milhões de euros no ano passado, a empresa viu os seus capitais próprios descerem de 517 mil euros para o valor negativo de 1,079 milhões de euros, sinalizando estar em falência técnica.  O passivo da empresa do Emerald Group, do ‘misterioso’ empresário angolano N’Gunu Tiny – que é também accionista do Polígrafo –, mais do que duplicou, de 1,439 milhões de euros para 3,932 milhões de euros.  

    Outra empresa do sector da imprensa escrita, neste caso exclusivamente digital, a fechar o ano passado com prejuízos foi a Swipe News, dona do Eco, que registou um resultado líquido negativo de 235 mil euros. E isto depois de sucessivos anos sucessivos de prejuízos. Esta empresa de média – detida em 79% por empresários e empresas, incluindo a Amorim SGPS e a Valens Private Equity, de Mário Ferreira, principal accionista da TVI – não tem grandes motivos para festejar, pois tem capitais próprios negativos de 1,6 milhões de euros, o que não abona a favor de quem aborda sobretudo temas económicos. Além disso, registou um passivo de 2,6 milhões de euros, quando há oito anos, em 2017, o valor estava nos 375 mil euros. Entretanto, em Março deste ano, os accionistas abriram os cordões à bolsa com um aumento de capital de 1.302.647 euros para 3.211.397 euros. Aparentemente, vão ter de injectar mais.

    Outro grupo que registou uma deterioração dos resultados foi a Newsplex, dona do Nascer do Sol, que no ano passado viu os prejuízos aumentar de 474 mil euros para 574 mil euros. Os capitais próprios foram negativos, em 1,628 milhões de euros, e o grupo apresentava, no final de 2023, dívidas à Segurança Social (738 mil euros) e ao Fisco (398 mil euros).

    Mas estas dívidas ao Estado são ‘peanuts‘, quando comparadas com a situação da sua vizinha no Taguspark, a Trust in News, que está a dever mais de 15 milhões de euros aos contribuintes. O prejuízo da empresa que detém a Visão até nem foi tão elevado quanto o de outros grupos, já que a sociedade unipessoal do comentador e empresário Luís Delgado fechou 2023 com um resultado líquido negativo de 116 mil euros. O problema é mesmo os mais de 30 milhões de euros de passivo.

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    A incógnita permanece: como é que uma empresa com um capital social de apenas 10.000 euros conseguiu acumular uma dívida desta dimensão, ainda para mais, quando o maior credor é o Estado, mais concretamente a Segurança Social e o Fisco. Além disso, pela lista de credores do PER, a empresa deixou um longo rasto de dívidas a todo o tipo de fornecedores e também a trabalhadores. Do que não se duvida é que o acumular de dívidas aos cofres públicos só foi possível com ‘carimbo’ político, do Governo.

    Só falta saber se a factura do descalabro deste grupo e de outras empresas do sector da imprensa vai acabar por suportada pelos bolsos dos contribuintes, que, mesmo que não queiram ser leitores e assinantes das publicações, arriscam tornar-se apoiantes à força destes meios de comunicação social dos media mainstream. Os mesmos media que estão, por sua vez, cada vez mais reféns e dependentes de accionistas ‘generosos’ e de promíscuas parcerias comerciais que encomendam o funeral à ética jornalística, a troco da sobrevivência a prazo dos maiores donos da imprensa em Portugal.

    N.D.: A Swipe News começou por apresentar no Portal da Transparência dos Media um lucro no ano passado de cerca de 235 mil euros, que acabou por corrigir para valor negativo (prejuízo). O PÁGINA UM somente detectou essa correcção em 11 de Setembro de 2024, refazendo essa parte da notícia original.


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  • Uma serralharia de Guimarães é a única empresa capaz (por três vezes) de ‘tratar’ de um bloco operatório do Hospital de Faro

    Uma serralharia de Guimarães é a única empresa capaz (por três vezes) de ‘tratar’ de um bloco operatório do Hospital de Faro

    O caso foi insólito no primeiro ajuste directo. Estranho no segundo. E cada vez mais suspeito ao terceiro. Por estranhas razões, a empresa Custódio de Castro Lobo & Filhos, uma simples serralharia de Guimarães, conseguiu, desde Setembro do ano passado, sucessivos ajustes directos adjudicados pelo Centro Hospitalar Universitário do Algarve, primeiro para instalar um bloco operatório em estrutura amovível, depois para serviços de ‘terraplanagem’ e, agora, para efectuar melhorias não especificadas. Tudo sem concurso, sempre com justificações diversas, e a última mesmo absurda. Certo é que a empresa vimaranense, com sede a 600 quilómetros de distância de Faro, já facturou com este negócio mais de 1,2 milhões de euros.


    Já diz o ditado que ‘não há duas sem três’. No caso de uma empresa de serralharia de Guimarães, a permissa cumpriu-se. A sociedade Custódio de Castro Lobo & Filhos conseguiu um terceiro contrato por ajuste directo com o Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA), desta vez, para efectuar “melhorias funcionais ao novo edifício do Bloco Operatório Amovível”, sem se saber que melhorias são precisas para uma unidade que terá sido construída, em princípio para ficar funcional, pela mesma empresa, há menos de um ano.

    Ao todo, não tendo transcorrido uma volta da Terra ao eixo do Sol, esta empresa facturou já 1.245.495,90 euros em três contratos com o CHUA. O primeiro contrato que conseguiu, em Setembro de 2023, no valor de 800 mil euros, noticiado pelo PÁGINA UM, envolveu a ‘montagem de bloco operatório, duas salas cirúrgicas, em estrutura aligeirada amovível’.

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    (Foto: D.R.)

    Seguiu-se, no mesmo mês, um segundo e estranho contrato de 199.249,60 euros para a realização de ‘trabalhos de terraplanagem, modelação do terreno e preparação de acessibilidades’, apesar de o alvará registado pela serralharia vimaranense no Instituto dos Mercados Públicos Imobiliário e Construção (IMPIC) não pareça abranger a execução daquele tipo de trabalhos de construção, como o PÁGINA UM também noticiou.

    Agora, no dia 1 de Agosto, foi publicado no Portal Base um terceiro contrato, assinado a 20 de Maio, por ajuste directo, entre a CHUA e a Custódio de Castro Lobo & Filhos, no valor de 246.246,30 euros, para efectuar ‘melhorias funcionais ao novo edifício do Bloco Operatório Amovível’. O motivo invocado, desta vez, para a não realização de concurso público pelo CHUA, foi a necessidade de “proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual“, algo que, por norma, se aplica à compra de obras de arte ou de espectáculos culturais, e não para obras de construção, como blocos operatórios. Instado a comentar este argumento, o centro hospitalar nada disse a este respeito.

    Assim, segundo o CHUA, o primeiro contrato com esta serralharia foi feito sem concorrência invocando o o artigo do Código dos Contratos Públicos que admite o ajuste directo quando “em anterior concurso público ou concurso limitado por prévia qualificação, nenhum concorrente tenha apresentado proposta, todas as propostas tenham sido excluídas […], nenhum candidato se haja apresentado, ou todas as candidaturas tenham sido excluídas” com base em determinados fundamentos.

    A serralharia de Guimarães tem um alvará de empreiteiro de obras públicas mas não consta expressamente no IMPIC que esteja habilitada para efectuar um dos serviços contratados pelo CHUA, que envolveu a execução de terraplanagem. (Foto: PÁGINA UM)

    No segundo contrato, o da terraplanagem, o argumento usado pelo CHUA foi o da urgência, para não lançar concurso público. Isto sabendo-se que, nestes casos, o ajuste directo só pode ser justificado se “estritamente necessário e por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, [e que] não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias […] não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”. Para essa opção, não basta invocar, mas tem de se fundamentar; algo que nunca sucedeu.

    De resto, antes destes contratos com o centro hospitalar algarvio, a empresa de Guimarães tinha apenas mais um contrato registado, além destes três ajustes directos com o CHUA: um contrato obtido através de um procedimento de consulta prévia, em Junho de 2023, com o Município de Alijó, no valor de 23.070 euros para ‘Aquisição de serviços de restauro e recuperação de peças para exposição do Centro Interpretativo D`Olival ao Azeite de D`Ouro’.

    Saliente-se que esta empresa vimaranense tem uma estrutura familiar, sendo gerida por José Dâmaso da Cruz Castro Lobo, um empresário que também é dono da Mabera, que comprou a histórica têxtil Coelima, em 2021, para a recuperar. No seu portfólio, disponível no site da empresa, a serralharia vimaranense apresenta como clientes o Hospital de Braga, apesar de no Portal Base não constar nenhum contrato correspondente. No entanto, é comum existirem subcontratações em obras de grande envergadura.

    Destaque-se que o Hospital de Braga chegou a ser presidido pelo actual presidente do CHUA, o economista João António do Vale Ferreira, entre 2011 e 2019, mas o centro hospitalar algarvio sempre se escusou a esclarecer o motivo para que fosse escolhida uma serralharia a 600 quilómetros para montar um bloco operatório, que requer conhecimentos específicos.

    (Foto: D.R.)

    Com efeito, questionado pelo PÁGINA UM sobre as razões da ausência de concurso público nestes três contratos e como foi feita a escolha da empresa vimaranense, a Unidade Local de Saúde do Algarve apenas afirmou, através de respostas enviadas pelo gabinete de comunicação, que “realizou os procedimentos de contratação, a que se refere no estrito cumprimento da lei em vigor e da sua missão e na proteção de direitos e obrigações exclusivas dos Contratos Públicos”.

    Adiantou que “a escolha do procedimento contratual adotado para cada um dos contratos, encontra-se devidamente fundamentada, considerando a exigência das necessidades de garantia de prestação de cuidados em segurança, por parte do órgão competente para a decisão de contratar”, sem responder directamente às questões colocadas.

    Fonte oficial deste centro hospitalar indicou ainda que, desde o início de atividade do bloco operatório amovível, “foram já realizados 481 procedimentos urgentes em ambas as salas cirúrgicas, atendendo a que o Bloco Operatório Central da Unidade Hospitalar de Faro não estará operacional até final do corrente ano por motivo de obras adjudicadas a outro concorrente”.

    (Foto: D.R.)

    “A alteração do Plano de Contingência Clínico da obra principal para salvaguarda da segurança na reabilitação de forma muito mais célere no Bloco Central no Edifício Principal, considerando a adaptação das respostas cirúrgicas ao plano de proteção radiológica e reforço do circuito do doente, motivou a decisão de adjudicar os trabalhos necessários à empresa responsável pela construção do novo Bloco Operatório em causa”, diz fonte do centro hospitalar algarvio, acrescentando que só dessa forma ficavam garantidos “os direitos e obrigações de garantia relacionados com a montagem e fornecimento dessa instalação, e assegurando a celeridade e qualidade desejadas”.

    Este tipo de procedimentos, de sucessivos ajustes directos, transformando em fases a execução de um projecto, constitui um expediente de duvidosa legalidade, sobre o qual o Tribunal de Contas ainda se pode pronunciar. Caso tal não suceda, será provável que haja um quarto ou quinto contrato, e que a facturação improvável desta serralharia de Guimarães em serviços num hospital do Algarve, a 600 quilómetros de distância, e sem concorrência, continue de boa saúde.


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  • Exclusivo: ‘Chumbos’ no 7º ao 9º ano quase duplicam entre 2020 e 2023

    Exclusivo: ‘Chumbos’ no 7º ao 9º ano quase duplicam entre 2020 e 2023

    Os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística, divulgados na semana passada e analisados pelo PÁGINA UM, revelam que a taxa de retenção no ensino básico, que vinha a baixar desde 2013/2014, já é passado: a tendência agora é a subida dos ‘chumbos’, que aumentaram, em especial no 3º ciclo, pelo terceiro ano consecutivo. A pior evolução neste ciclo, que abrange os alunos dos 7º ao 9º ano, resultou numa quase duplicação das reprovações em apenas três anos lectivos. Em termos absolutos, em todo o ensino básico, ‘chumbaram’ mais 16 mil alunos no ano lectivo de 2022/2023 do que em 2019/2020, passando de 19 mil para 35 mil retenções, sendo que grande parte frequentava o 3º ciclo.


    Pelo terceiro ano consecutivo, as taxas de retenção de alunos do 3º ciclo (7º ao 9º anos de escolaridade) aumentaram, após um período de queda contínuo entre os anos lectivos de 2012/2013 e 2019/2020. Os novos dados sobre os ‘chumbos’ do ensino básico, relativos ao ano lectivo 2022/2023 foram revelados na semana passada pelo Instituto Nacional de Estatística (INE), tornando já desactualizados os dados que o Ministério da Educação disponibilizou recentemente a alguns meios de comunicação social que foram interpretados num cenário de melhoria “em todos os níveis de ensino”.

    A realidade é bem diferente. Face ao ano lectivo anterior, a taxa de retenção na globalidade do ensino básico registou um acréscimo de 0,8 pontos percentuais, cifrando-se em 3,8%. Este valor é semelhante ao registado em 2018/2019, mas há está bem abaixo do nível de ‘chumbos’ até ao ano lectivo de 2013/14 que rondava ou ficava acima dos 10%, chegando mesmo a aproximar-se dos 20% no 3º ciclo. Independentemente da melhorias no ensino, foram também orientações administrativas para dificultar os ‘chumbos’ – ou facilitar as aprovações – que estavam a contribuir fortemente para uma redução das taxas de retenção até ao início da pandemia (ano lectivo 2019/2020). A partir desse ano, a tendência inverteu-se.

    João Costa, ex-ministro da Educação do governo socialista, deixou como herança uma tendência negativa, um retrocesso na taxa de ‘chumbos’ no ensino básico. (Foto: D.R.)

    O agravamento na taxa de retenção mostra-se mais evidente nos alunos do 3º ciclo do ensino básico, que compreende o 7º, 8º e 9º ano de escolaridade. A taxa de retenção (incluindo por desistência) mais do que duplicou entre 2019/2020 e 2022/2023. No ano lectivo que apanhou o início da pandemia da covid-19 (2019/2020), a taxa de ‘chumbos’ situou-se em 3,0% – o valor mais baixo de sempre –, para subir no ano lectivo seguinte (ainda com fortes restrições nas aulas presenciais, com a imposição de máscaras e condicionamento de recreios, além de aulas online) para os 4,3%. No ano lectivo de 2021/2022, a taxa voltou a subir ligeiramente (4,6%) e em 2022/2023 (dados agora revelados pelo INE) voltou a subir para os 6,2%, suplantando mesmo os valores do ano lectivo de 2018/2019.

    Saliente-se que, embora ainda escasseiem os estudos sobre o impacte da pandemia na aprendizagem, e a assumpção de erros políticos nas restrtições impostas a crianças em jovens numa doença que lhes causava uma mortalidade virtualmente nula, de acordo com dados da Organização Mundial para a Cooperação Económica (OCDE), Portugal foi dos países mais radicais em termos de fecho de escolas, tendo mantido os alunos do ensino básico afastados da escola durante mais tempo.

    No restantes níveis do ensino básico, os novos dados actualizados do INE mostram também aumentos relevantes não só face a 2021/2022 como em relação a 2019/2020. No 1º ciclo, que vai até ao 4º ano (classe), a taxa de retenção subiu de 1,4% em 2020 para 1,9% no ano lectivo do ano passado, sendo que em 2021/2022 a taxa foi de 1,8%. Quanto ao 2º ciclo, que inclui o 5º e o 6º ano, a taxa de retenção aumentou de 2,4% para 3,6%. Mas também aumentou face a 2021/2022, quando a taxa de ‘chumbos’ se situou em 3,1%. Assim, os ‘chumbos’ no ensino básico, no geral, têm aumentado desde 2020, passando de uma taxa de ‘repetentes’ e desistentes de 2,2% para 3,8% em 2023. No lectivo de 2021/2022, a mesma taxa foi de 3,1%.

    Evolução da taxa de retenção no ensino básico entre os anos lectivos de 1999/2020 e 2022/2023. Fonte: INE.

    Segundo o histórico de dados do INE sobre taxas de retenção dos alunos do ensino básico, desde o ano lectivo de 2012/2013 que se observava uma melhoria, com menos alunos a ficarem retidos. Para se ter uma ideia, naquele ano lectivo 10,4% dos alunos do ensino básico não passavam de ano. Em termos de ciclos, 4,9% dos alunos do 1º ao 4º ano ficaram retidos em 2012/2013. No caso do 2º ciclo, a taxa de retenção foi de 12,5%. Já no 3º ciclo, 15,9% dos alunos ficaram ‘retidos’ no mesmo ano de escolaridade.

    Em termos absolutos, no ano lectivo de 2012/2013 frequentaram o ensino básico quase 1,2 milhões de alunos, pelo que, com essa taxa de retenção (10,4%), terão chumbado cerca de 120 mil alunos, sendo que cerca de 69 mil estavam no 3º ciclo. Se considerarmos as taxas de retenção de 2019/2020, também por força da redução da população jovem, de entre os 970 mil alunos do ensino básico nesse ano houve pouco mais de 19 mil ‘chumbos’, sendo que quase 11 mil frequentavam o 3º ciclo.

    Perante o número de alunos em cada ciclo do ensino básico em 2022/2023 – quase 375 mil no 1º ciclo; 213 mil no 2º ciclo e um pouco menos de 343 mil no 3º ciclo –, o número total de retenções superou os 35 mil alunos – ou seja, mais 16 mil alunos ‘chumbados’ do que três anos lectivos antes. Destes, sete mil frequentavam o 1º ciclo, quase oito mil o 2º ciclo e cerca de 21 mil frequentavam o 3º ciclo.

    Apesar de o aumento da taxa de retenção em Portugal ser um alvo de preocupação, em alguns concelhos do país os valores mantêm-se extraordinariamente elevados. No ano lectivo de 2022/2023, o concelho açoriano do Corvo registou, de longe, o pior resultado do 1º ciclo, com uma taxa de ‘chumbos’ de 23,1%, seguido de Vila Velha de Rodão, onde 9,9% dos alunos do 1º ciclo ‘chumbaram’ em 2022/2023. Nos concelhos com maior nível de repetentes no 1º ciclo em 2022/2023 encontram-se ainda Figueira de Castelo Rodrigo (9,4%) e Moura (8,2%). Um total de 22 concelhos registaram mais de 5% de ‘chumbos’.

    Evolução da taxa de retenção no 1º ciclo do ensino básico entre os anos lectivos de 1999/2020 e 2022/2023. Fonte: INE.

    Em Lisboa, a taxa de retenção no 1º ciclo subiu ligeiramente em 2022/2023, para 2,4% comparando com o ano anterior (2,1%) e com o ano de 2018/2019 (2,3%). No Porto, também houve mais alunos da ‘Primária’ a ‘chumbar’ em 2022/2023, já que a taxa aumentou de 1,2% em 2021/2022 para 1,4% em 2022/2023. Os concelhos com menor nível de repetentes no 1º ciclo foram Ponte de Lima, Fafe, São João da Madeira e Vizela, todos com uma taxa de 0,1%. Registaram-se 63 concelhos com taxas de retenção inferior a 1%.

    No caso do 2º ciclo, Mourão, no Alentejo, registou no mesmo ano lectivo uma taxa de retenção de 27,3%, sendo o único concelho acima da fasquia dos 20%. Ou seja, mais de um em cada quatro alunos ficou no mesmo ano lectivo. Seguiram-se, entre os piores municípios, Idanha-a-Nova (19,8%), Cuba (16,1%) e Serpa (14,1%). Nos municípios de Figueira de Castelo Rodrigo, Vila Real de Santo António, Porto Moniz, Avis e Manteigas, as taxas de retenção situaram-se entre os 10% e os 13,3%.

    Em Lisboa, subiu de 6,3% em 2021/2022 para 6,7% em 2022/2023. No Porto, a taxa de ‘chumbos’ no 2º ciclo também tem vindo a subir nos últimos anos. Em 2022/2023 aumentou para 4,6% de 3,2% no ano lectivo anterior. Em 2018/2019 a taxa era de 3,2% e caiu para 1,7% em 2019/2020.

    No extremo oposto, destacam-se os concelhos de Fafe, Vizela e Alcochete com uma taxa de 0,2% de retenção no 2º ciclo, havendo mais 31 com ‘chumbos’ abaixo de 1%.

    Evolução da taxa de retenção no 2º ciclo do ensino básico entre os anos lectivos de 1999/2020 e 2022/2023. Fonte: INE.

    Quanto ao 3º ciclo, foi em Figueira de Castelo Rodrigo que se registou a mais alta taxa de ‘chumbos’ em 2022/2023: 28,1%. Mas já nos dois anos lectivos anteriores este município tinha registado ‘chumbos’ na casa dos 24%. Trata-se uma acentuada inversão da tendência de melhoria verificada nos anos de 2018/2019 e 2019/2020 quando Figueira de Castelo Rodrigo registou taxas de retenção de 4,9% e 6,5%, respetivamente.

    Na lista dos concelhos com os piores desempenhos ao nível do 3º ciclo estão ainda Idanha-a-Nova (25,7%), Serpa (20,6%) e Sobral de Montagraço (18,3%). De resto, contabilizam-se mais de quatro dezenas de municípios com taxas de retenção no 3º ciclo acima dos 10%.

    Em Lisboa, também houve mais alunos a chumbar no 3º ciclo no ano lectivo de 2022/2023, com a taxa de retenção a fixar-se nos 6,6%, acima dos 5,3% e 5,1% observados, respetivamente em 2021/2022 e 2020/2021. O valor também está acima dos 6,5% registados em 2018/2019, antes do ano lectivo marcado pelas medidas restritivas radicais adoptadas pelo Governo na pandemia.

    No caso do Porto, observa-se a mesma tendência de regressão neste indicador. Em 2018/2019, a taxa de retenção estava nos 4,9%, no ano seguinte desceu para 2,4% e tem vindo sempre a subir até aos 5,5% no ano passado.

    Evolução da taxa de retenção no 3º ciclo do ensino básico entre os anos lectivos de 1999/2020 e 2022/2023. Fonte: INE.

    No 3º ciclo, os conselhos com melhor desempenho em 2022/2023 foram Arcos de Valdevez (0,2%), Ponte de Lima (0,5%) e Pinhel (0,6%). Apenas nove municípios ficaram abaixo de uma taxa de retenção de 1%: além dos três indicados, também Terras de Bouro, Sever do Vouga, Armamar, Lajes do Pico, Mortágua e Tarouca.

    Mas mesmo nestes casos, como em outros, estes desempenhos devem ser olhados numa perspectiva múltipla, para se compreender evoluções por vezes espantosas. Por exemplo, o concelho de Penamacor, que em 2014/2015 apresentou um cenário desolador de quase três ‘chumbos’ em cada 10 alunos (28,3%), está agora com uma taxa de 1,2%. Tal como noutros municípios, as quedas na taxa de retenção são abruptas em períodos muito curtos.


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  • Visão e Exame têm marcas penhoradas pelo Estado desde 2020

    Visão e Exame têm marcas penhoradas pelo Estado desde 2020

    Os registos do Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI) comprovam que as marcas das revistas mais emblemáticas da Trust in News — a Visão e a Exame — estão penhoradas desde 2020. Já o título da revista Activa ‘está no prego’ desde o ano passado. Em causa estão processos judiciais de execução iniciados pela Segurança Social e pelo Fisco relativos a dívidas que se acumulavam já desde 2019, segundo documentos consultados pelo PÁGINA UM. Apesar de ter um capital social de apenas 10 mil euros, a sociedade de Luís Delgado conseguiu, surpreendentemente, acumular dívidas da ordem dos 30 milhões de euros e não pagou contribuições dos trabalhadores à Segurança Social nem os descontos de IRS ao Fisco. Em Junho, iniciou um Processo Especial de Revitalização numa tentativa de evitar a declaração de insolvência. Há outros títulos da Trust in News sob penhor, como garantias de empréstimo do Novo Banco, mas Luís Delgado foi registando marcas ‘paralelas’, salvas agora de penhoras. A Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) nunca foi informada pela Trust in News destas penhoras.


    A Segurança Social e o Fisco mandaram penhorar, em 2020, as marcas de dois dos principais títulos da Trust in News, Visão e Exame, na tentativa de recuperar dívidas acumuladas pela empresa desde 2019. A sociedade unipessoal do empresário e comentador Luís Delgado iniciou recentemente um Processo Especial de Revitalização (PER) para tentar evitar a falência quase iminente. O Estado é o maior credor da empresa de media que comprou, em 2018, o portfólio de revistas da Impresa, dona do Expresso e da SIC.

    Segundo os registos no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), desde 23 de Novembro de 2020 que a marca da revista Visão tem o seguinte averbamento: “[sic] penhora à ordem do instituto de gestão financeira da segurança social, i.p. exequente: secção de processo executivo de lisboa ii – instituto de gestão financeira da segurança social, i.p. executado: trust in news, unipessoal lda”. Segundo os dados do INPI, o pagamento de taxas relativas à manutenção da marca está suspenso a aguardar “sentença de tribunal”.

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    Também a marca da revista Exame tem no seu registo no INPI um averbamento relativo a uma penhora por ordem do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social no âmbito de processo de execução da Trust in News desde a mesma data de 2020. No caso da marca da revista Activa, desde Maio de 2023 que o seu registo no INPI inclui um averbamento de penhora referente a um processo de execução fiscal da Autoridade Tributária, mais concretamente do ‘Serviço de Finanças de Oeiras 1’. Esta marca tem igualmente suspenso o pagamento de taxas a aguardar sentença. O Fisco também penhorou as marcas Tele Novelas e TVMais.sapo.pt.

    No total, de acordo com os documentos de reclamação de créditos consultados pelo PÁGINA UM, a Autoridade Tributária efectuou 10 penhoras referentes a dívidas da Trust in News e exigiu ainda duas fianças. A titularidade das marcas é essencial para o exercício da actividade jornalística. Ou seja, Luís Delgado não poderia já usar os títulos se não houvesse uma autorização da Segurança Social e a Autoridade Tributária.

    Segundo os documentos, a empresa unipessoal de Luís Delgado acumula dívidas ao Fisco desde Agosto de 2019 até ao anúncio do PER. Só a estas duas entidades, a dívida perfaz um total de 8.125.545,20 euros, sendo relativa a descontos dos trabalhadores para efeitos de IRS, IVA, juros e custas.

    A marca da revista Visão é uma das que está sob penhora desde 2020 por parte da Segurança Social. O Novo Banco tem penhora de 2º grau sobre a marca.

    Quanto ao incumprimento perante a Segurança Social, este ocorre desde Dezembro de 2019. Até Abril deste ano, a dívida da dona da revista Visão à Segurança Social ascendia aos 8.973.112,22 euros. Este montante engloba sobretudo contribuições não pagas relativas aos trabalhadores, mas também responsabilidades com trabalhadores independentes, juros e custas. Ou seja, há mais de quatro anos que Luís Delgado decidiu deixar de pagar as contribuições à Segurança Social, apesar da Trust in News nunca ter sequer sido inscrita na lista dos devedores, porque alegadamente chegou a um acordo de pagamento faseado que não só incumpriu como manteve a postura de não saldar as novas e sucessivas obrigações.

    Tanto o incumprimento do pagamento de IVA como o não pagamento à Segurança Social de descontos retidos dos trabalhadores são considerados crime e passíveis de pena de prisão, independentemente da aprovação do PER.

    Além das marcas acima mencionadas, outros títulos da Trust in News foram entregues ao Novo Banco como garantia do empréstimo que Luís Delgado assinou para efectuar a compra das revistas a Pinto Balsemão. O banco, que nasceu em 2014 para ficar com os ‘ativos bons’ do antigo BES, é um dos principais credores da Trust in News. Apesar do prolongado incumprimento por parte da empresa de media, só no ano passado é que o Novo Banco exigiu, como garantia, o penhor de sete marcas, nomeadamente, Exame Informática, Jornal de Letras, Visão Júnior, Visão História, Visão Saúde, Visão Biografia e A Nossa Prima (marca da União Europeia, já que o INPI recusou o registo como marca nacional). Mas o banco detém ainda penhor em segundo grau sobre outras marcas, incluindo a Visão, que será exercidas se o Estado permitir.

    Registo do INPI que mostra penhora da marca Visão pelo Instituto de Gestão da Segurança Social.

    Recorde-se que o Novo Banco arrisca perder 3,5 milhões de euros, uma verba que emprestou à Trust in News em 2018, quando ainda recebia injecções de capital com recurso a empréstimos do Estado.

    Não é de estranhar a entrega das marcas como garantia. Numa empresa de media, são sobretudo os títulos o principal activo e Luís Delgado atribui um valor de quase 11 milhões de euros a esses activos intangíveis que detém. Trata-se de um valor próximo ao da venda pela Impresa do portfólio das revistas há cinco anos, que foi de 10,2 milhões de euros. E é essencial para qualquer entidade poder exercer a sua actividade com essa marca.

    Contudo, no Portal da Transparência dos Media não se encontra qualquer referência ao facto de a maioria das marcas de publicações da Trust in News estarem penhoradas ou dadas como garantia a um possível futuro dono. Também não existe qualquer menção nas contas certificadas sobre os títulos penhorados, o que não se mostra compreensível por serem activos essenciais para a actividade de um grupo de media.

    Questionada sobre se recebeu alguma informação sobre as penhoras por parte da Trust in News, a Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC) indicou ao PÁGINA UM que “não dispõe dessa informação”. A ERC foi apenas “informada”, no início de Junho deste ano, “de que a empresa Trust in News, Unipessoal, Lda., deu início a um processo especial de revitalização”. Aliás, a ERC é uma das entidades credoras da Trust in News: Luís Delgado deixou de pagar taxas de regulação e supervisão de 35.088 euros.

    Sobre se deveria ou não constar no Portal da Transparência a informação sobre a penhora das marcas dos títulos da Trust in News, a ERC remeteu para a legislação em vigor sobre a matéria, escusando-se a fazer mais comentários. Segundo o regulamento que estabelece as regras sobre a transparência dos media, as empresas têm de dar garantias de “independência em matéria editorial” e divulgar informação financeira, nomeadamente sobre os maiores credores, como é o caso da Segurança Social e do Fisco. Ora, o facto de existirem marcas de publicações dadas como garantia, constitui uma potencial ameaça à independência editorial.

    Recorde-se que, em Julho de 2023, o PÁGINA UM revelou que a Trust in News registava uma dívida gigantesca ao Estado, a qual escondia da ERC e do Portal de Transparência dos Media. A empresa fez rectificação depois dessa notícia, mas mais uma vez enganou o regulador. Na declaração dos indicadores financeiros de 2022 – a Trust in News já está em falta sobre o ano de 2023 –, a empresa de Luís Delgado diz que a Autoridade Tributária e Aduaneira é detentora de 42% do passivo. Esse valor não estará correcto e, além disso, continuou omisso a existência de dívidas elevadíssimas á Segurança Social.

    Independentemente disso, estas novas revelações confirmam que as dificuldades financeiras da empresa de media remontam ao primeiro ano da sua existência, após a compra das revistas à Impresa, o que indicia que o negócio nunca deu qualquer indicador de viabilidade financeira. E nem sequer pode ser assacada á pandemia, porquanto as dívidas começaram ainda muito antes de 2020.

    Saliente-se também que, apesar de a Trust in News ter os seus títulos principais penhorados e outros dados como garantia, a Trust in News pediu, a partir de 2018, o registo junto do INPI de marcas ‘paralelas’, que estão, actualmente, livres de ónus, tais como Visão Digital; Courrier Internacional Digital; Activa Digital; Exame Informática Digital; Jornal de Letras Digital; e Visão Júnior Digital. Também é titular da marca Exame Digital, registada desde 2001, e da Exame Online, registada em 2000. Nenhuma destas marcas ‘irmãs’ dos títulos principais da empresa estão penhoradas ou dadas como garantia a grandes credores, mas subsistem dúvidas se serão de alguma utilidade sem as marcas originais.

    De fora destes imbróglios, estão publicações que a Trust in News tem registadas junto da ERC, mas cujas marcas pertencem a outras entidades, como é o caso da Caras e da Caras Decoração, detidas pelo Grupo Perfil Inversora, e o Courrier Internacional.


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  • Estado do Kansas processa Pfizer por deturpar informação da vacina contra a covid-19

    Estado do Kansas processa Pfizer por deturpar informação da vacina contra a covid-19

    O procurador-geral do Kansas processou a Pfizer por ter enganado o público em relação à eficácia e segurança da sua vacina contra a covid-19. Kris Kobach acusa a farmacêutica de ter violado a lei que protege os consumidores daquele estado norte-americano. A acusação sustenta que a Pfizer escondeu do público os riscos que a sua vacina poderia ter para grávidas bem como os riscos de causar reacções adversas como miocardites. A farmacêutica é também acusada de ter mentido aos consumidores, quando sugeriu que a sua vacina era eficaz na prevenção da covid-19. O anúncio teve uma cobertura alargada nos media sobretudo nos Estados Unidos, e foi amplamente partilhado nas redes sociais, até por ser o segundo processo desta natureza contra a Pfizer, depois de uma acção similar em Novembro do ano passado por iniciativa do Estado do Texas. Em Portugal, como seria de esperar, o tema está a ser abafado pelos principais media.


    O Estado norte-americano do Kansas processou a Pfizer por ter mentido ao público sobre a eficácia e segurança da sua vacina contra a covid-19. Este é o segundo processo intentado por iniciativa estadual, depois do Texas, contra a farmacêutica que mais facturou com a venda deste fármaco, vendendo em todo o Mundo mais de 85 mil milhões de euros.

    O procurador-geral do Kansas, Kris Kobach, acusa a farmacêutica norte-americana de ter violado a lei que protege os consumidores, uma vez que omitiu informação relevante sobre reacções adversas graves e também por sugerir falsamente que a sua vacina impedia a infecção por covid-19 e a transmissão da doença. Foi por esse motivo que grande parte dos governos mundiais proibiram a viagem a não-vacinados e mesmo o acesso a locais públicos, porque se considerava, erradamente, que quem estivesse vacinado teria uma probabilidade ínfima de transmitir a doença.

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    A acção que deu entrada no Tribunal Distrital do Kansas alega que a Pfizer enganou o público ao garantir que a sua vacina contra a covid-19 era segura e eficaz, lembrando que a farmacêutica afirmou que sua vacina impedia a transmissão da doença, apesar de a empresa saber que nunca tinha estudado o efeito do fármaco na transmissão do vírus.

    Apesar disso, em Abril de 2021, a Pfizer revelava publicamente resultados espectaculares, garantindo em comunicado de imprensa, que a sua vacina “é altamente eficaz com 91,3% de eficácia vacinal […], medida sete dias até seis meses após a segunda dose” e ainda “100% eficaz na prevenção da doença grave, conforme definido pelos Centros de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA [Estados Unidos da América], e 95,3% eficaz na prevenção da doença grave, conforme definido pela Food and Drug Administration dos EUA”. E acrescentava também que “a vacina foi 100% eficaz na prevenção de casos de COVID-19 na África do Sul, onde a linhagem B.1.351” era então predominante. Desempenhos que se mostraram completamente exagerados, mas que, na altura, determinaram muitas das políticas governamentais, incluindo mesmo situações de imposição da vacinação.

    A acção do procurador-geral – que, nos Estados Unidos, tem uma função também política, funcionando também como uma espécie de Ministério da Justiça – releva que “a Pfizer disse que sua vacina contra a covid-19 era segura, mesmo sabendo que sua vacina contra a covid-19 estava ligada a reacções adversas graves, incluindo miocardite e pericardite, abortos e mortes”.

    O anúncio de Kris Kobach, procurador-geral do Kansas, teve ampla cobertura mediática, incluindo de agências noticiosas internacionais como a Reuters e a Bloomberg, bem como estações de televisão norte-americanas.

    Para o procurador-geral do Kansas, as ações e declarações da Pfizer sobre a sua vacina contra a covid-19 violaram a Lei de Proteção do Consumidor daquele estado norte-americano. Na conferência de imprensa em que anunciou a acção contra a farmacêutica, Kobach foi directo: “este processo é simplesmente sobre [a Pfizer] esconder, enganar e deturpar o público”. O procurador-geral defendeu que “uma empresa tem a obrigação de ser honesta com os americanos em todas as situações”. “E a nossa Lei de Protecção do Consumidor é sobre isso; é sobre não se enganar os consumidores”, afirmou.

    A acusação sustenta que a Pfizer manteve a sua própria base de dados com informações sobre reacções adversas da sua vacina separada do Sistema Federal de Notificação de Eventos Adversos de Vacinas (VAERS), o qual é gerido pelos reguladores norte-americanos do sector da saúde, a Food and Drug Administration (FDA) e os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC).

    Segundo a acção, o sistema de dados de reacções adversas da Pfizer tinha reacções adversas relatadas espontaneamente à farmacêutica ou detectados pelas autoridades de saúde, bem como casos publicados em artigos e revistas de medicina.

    Albert Bourla, presidente-executivo da Pfizer afirmou que a vacina contra a covid-19, que foi desenvolvida com a alemã BioNTech, era segura e eficaz, impedindo a infecção e transmissão do vírus SARS-CoV-2.

    Em reacção ao anúncio do processo, a Pfizer afirmou, em comunicado citado pela Bloomberg, que as suas declarações sobre a sua vacina contra a covid-19 “foram precisas e baseadas na Ciência”, adiantando que “acredita que o caso do Estado [do Kansas] não tem mérito e responderá ao processo no devido tempo”.

    No Kansas, com uma população de cerca de três milhões de habitantes, foram administradas mais de 3,5 milhões de doses da Pfizer até ao dia 7 de Fevereiro deste ano, segundo revela a Procuradoria-Geral daquele Estado de maioria republicana. Kobach também acusa a Pfizer de ter encetado esforços para que fosse aplicada censura nas redes sociais a críticas e informações negativas sobre a sua vacina.


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