Autor: Elisabete Tavares e Pedro Almeida Vieira

  • Administrador de insolvência da Trust in News diz estar a lutar para não ‘liquidar’ revistas

    Administrador de insolvência da Trust in News diz estar a lutar para não ‘liquidar’ revistas

    Em declarações ao PÁGINA UM, André Correia Pais, administrador de insolvência da Trust in News, diz que a sua máxima prioridade tem sido manter os títulos nas bancas, bem como os empregos dos trabalhadores, e garante ser falso estar a preparar uma liquidação, até por ser essa uma decisão dos credores. Para já, apesar da situação deficitária, o administrador judicial assegura estar a trabalhar para que não haja cortes de fornecimentos e assim manter a produção jornalística e promete que uma pequena parte do subsídio de Natal (1/12) será entregue aos trabalhadores, que acumulam já vários salários em atraso.


    O administrador de insolvência da Trust in News (TIN), dona da revista Visão e de mais 16 títulos de imprensa, diz estar “satisfeito” por Luís Delgado anunciar que tem um plano para a reestruturação do grupo de media, mas desmente algumas das afirmações que aquele ex-jornalista proferiu hoje na Assembleia da República. O sócio único da TIN, e também gerente da empresa, em audição na comissão parlamentar de Cultura, Comunicação, Juventude e Desporto, acusou o administrador da insolvência, André Correia Pais, nomeado pelo Tribunal no início deste mês, de não estar interessado em conhecer o seu plano de reestruturação.

    Delgado, que investiu 10 mil euros em 2018 para comprar um portofólio de revista à Impresa, mas que em sete ano acumulou um passivo de mais de 30 milhões de euros, incluindo um rasto de dívidas praticamente incobráveis, assegurou no Parlamento que um alegado “plano, com medidas directas específicas”, que promete vir a apresentar no próximo dia 27 de Dezembro junto do Tribunal de Sintra, “e, previamente a isso, junto do administrador de insolvência”. O ex-jornalista disse, no entanto, que o administrador de insolvência, nomeado pelo Tribunal, André Correia Pais, lhe terá dito que “não tem nenhum plano” para o futuro do grupo de media, insinuou que não estará muito interessado em conhecer o seu. “Mas ser-lhe-á mostrado na altura”, disse Delgado.

    Nomeado pelo Tribunal apenas a 4 de Dezembro, André Correia Pais garantiu ao PÁGINA UM serem falsas as afirmações de Delgado sobre o desinteresse em saber as ideias de Luís Delgado sobre o futuro da empresa de media. “Fico satisfeito por haver mais um plano de reestruturação [para a TIN], mas não é verdade que não queira conhecer o plano dele”, salienta.

    Luís Delgado na audição no Parlamento sobre a situação da Trust in News. / Foto: Imagem de vídeo da AR-TV.

    André Correia Pais frisou também que nos 14 dias em que está em funções como administrador de insolvência da TIN, a sua prioridade tem sido manter as publicações nas bancas e garantir os postos de trabalho, apesar da grave situação deficitária, com as despesas a serem muito superiores às receitas, sem grande liquidez. “O meu dia-a-dia tem sido convencer fornecedores e convencer clientes para manter a empresa em laboração e os títulos em banca”, referiu ao PÁGINA UM, sabendo-se que a opção mais fácil seria a simples insolvência imediata com a consequente liquidação. “Estou a fazer esse esforço correndo riscos a título pessoal, arriscando até o meu património perante a Autoridade Tributária e a Segurança Social”, afirmou.

    Apesar do ‘chumbo’ do Plano Especial de Revitalização (PER) já revelar uma situação insustentável – com um aumento das dívidas fiscais e à Segurança Social, bem como o agudizar dos salários em atraso -, Correia Pais diz ainda estar a analisar os dados financeiros mais recentes da empresa, somente lhe tendo chegado hoje a informação referente a Outubro. “Não tive ainda tempo de fazer um plano, a minha preocupação tem sido as publicações e os trabalhadores”, afirmou.

    O administrador judicial também desmentiu ao PÁGINA UM a afirmação de Delgado de que pretenderá enviar a empresa para liquidação, tanto mais que nem sequer tem competências para essa decisão. “Disse apenas aos trabalhadores [da TIN] que, se não conseguir pagar os salários de Dezembro até ao dia 31, nos primeiros dias de Janeiro terei de comunicar ao Tribunal que a empresa deverá entrar em liquidação, mas serão os credores a decidir”, afirmou, mas isso é uma imposição legal, uma vez que uma falha no pagamento de salários constitui um incumprimento legal da chamada ‘massa insolvente’.  

    Revista Visão (Foto: PÁGINA UM)

    O administrador diz ainda que “se quisesse, poderia ter declarado que a empresa entrava em liquidação logo no primeiro dia e avançava para despedimento colectivo”, mas defendeu, em declarações ao PÁGINA UM, que a simples suspensão imediata das publicações da TIN não seria uma boa solução, uma vez que os custos fixos referentes aos trabalhadores se manteriam. Ora, isso agravaria a situação da empresa, que está a laborar com “défice de exploração”, com as receitas a serem inferiores aos custos.

    Salientando que apanhou a empresa com uma situação de trabalhadores com “dois ou três meses de salários em atraso”, sendo que alguns já abandonaram a empresa, André Correia Pais adiantou ao PÁGINA UM que que esta quinta-feira os trabalhadores irão receber um doze avos [1/12] do subsídio de Natal. “É o possível neste momento”, lamenta.

    Recorde-se que esta audição de Luís Delgado no Parlamento surgiu no seguimento de requerimentos apresentados pelo Livre e pelo PS, após o ‘chumbo’ do PER pelos principais credores da TIN: Autoridade Tributária e Segurança Social. Durante os dois últimos governos socialistas, liderados por António Costa, a TIN de Luís Delgado acumulou dívidas superiores a 15 milhões de euros ao Estado, mas, apesar disso, a empresa nunca surgiu na lista de credores e a dívida gigantesca esteve escondida durante anos, até ser revelada pelo PÁGINA UM em Julho do ano passado.

    Luís Delgado e Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa, na assinatura do acordo de venda do portefólio tóxico de revistas da Impresa Publishing, em 2018. O negócio salvou a Impresa, mas vai deixar os prejuízos nas mãos dos contribuintes. / Foto: D.R.

    Delgado descartou, hoje, na audição, responsabilidades na insolvência da TIN, culpando a Autoridade Tributária e a Segurança Social pelo ‘chumbo’ do PER iniciado em Maio. Ou seja, Luís Delgado não pagou aquilo que outras empresas cumpridoras têm pago, contribuindo para uma concorrência desleal, mas culpa o Estado, mesmo sendo evidente que, desde 2018, o Governo foi complacente com os ‘calotes’. Além disso, Luís Delgado tem ignorado que os três gerentes da TIN até já foram condenadas a pena de prisão de dois anos e meio, suspensa por cinco anos, por uma dívida ao Fisco relativa a 2018 e arriscam mais condenações por dívidas fiscais e à Segurança Social nos anos subsequentes

    Certo é que a cada dia que passa se agrava a situação para os credores da TIN, aos quais caberá a decisão última sobre o destino da empresa e dos 17 títulos, que incluem, além da Visão, a Exame e o Jornal de Letras. Para o administrador de insolvência, alguns títulos poderão ter viabilidade.

    Em todo o caso, este é mais um episódio de um dos mais estranhos negócios de media nos últimos anos, concretizado no início de 2018 quando Delgado comprou à Impresa um portefólio com ‘activos tóxicos’ da Impresa Publishing, por 10,2 milhões de euros. O grupo liderado por Francisco Pedro Balsemão estava em dificuldades financeiras, tinha falhado uma emissão de obrigações e estava com o mercado de crédito bloqueado. A salvação da Impresa foi a transferência para a TIN de um portefólio de revistas em dificuldades.

    Delgado assumiu, hoje, na audição, que poucos meses depois da compra percebeu que a TIN não seria rentável. “Quando é que percebi que tinha um grupo que não era rentável? Percebi um mês depois de ter comprado, dois meses, cinco anos depois, percebi sempre”, assumiu o ex-jornalista e comentador televisivo aos deputados.

    Garantido está já o facto de que os contribuintes serão lesados em milhões de euros, não apenas pelo ‘buraco’ de mais de 15 milhões de euros, como por um eventual apoio estatal que se estará a preparar no Governo Montenegro para salvar algumas revistas da TIN. Outros credores também dificilmente recuperarão os créditos, como é o caso do Novo Banco que fez empréstimos à TIN para a compra das revistas à Impresa. Foi, na verdade, mais um crédito ruinoso numa altura em que o ‘banco bom’ do colapso do BES estava a receber ajudas públicas para ‘tapar’ perdas herdadas do tempo de Ricardo Salgado.          


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  • Padaria Portuguesa: a polémica empresa familiar, não assim tão doce, valerá 17 milhões de euros

    Padaria Portuguesa: a polémica empresa familiar, não assim tão doce, valerá 17 milhões de euros

    A Padaria Portuguesa está à venda, e as notícias veiculadas pela imprensa garantem que existem fundos de capital de risco e de private equity interessados no negócio intermediado pelo banco de investimentos Haitong. Mas por detrás desta cadeia de 78 lojas de restauração, além de duas fábricas de panificação, estão muitas fragilidades, com prejuízos elevados durante a pandemia e uma facturação que está em estagnação com margens operacionais modestas. A reputação da empresa de pagar pouco aos funcionários tem sido também uma marca pouco abonatória, e há agora um litígio com o fisco de quase 900 mil euros. No final de Outubro, chegou entretanto uma rival de peso ao mercado português, com a abertura da primeira loja da britânica Pret a Manger, no Centro Colombo, e aparentemente os actuais sócios querem saltar fora do barco. O destino da empresa que teve como sócios iniciais o ex-ministro Dias Loureiro e até Nuno Rebelo de Sousa, filho do actual Presidente da República, parece estar encaminhado. Mas a que preço?


    Salários baixos, anos com prejuízos e uma marca consolidada, com um marketing também assente na figura mediática de um dos sócios, José Diogo Quintela, do quarteto humorístico Gato Fedorento. Para os donos da Padaria Portuguesa, a oportunidade para vender a cadeia de lojas de restauração pode ser única. Os dois últimos anos foram de lucros, mas após dois penosos anos de prejuízos em 2020 e 2021, por via das opções adoptadas pelo Governo na gestão da pandemia de covid-19 terem triturado a Economia e esmagado muitas empresas em áreas como a da restauração e alojamento.

    Apesar dos subsídios do Estado para compensar a perda de rendimento da Padaria Portuguesa no valor de quase 3,9 milhões de euros entre 2020 e 2022, a empresa registou prejuízos de 4,8 milhões de euros no somatório dos anos de 2020 e 2021, regressando aos lucros em 2022 com 887 mil euros de lucros. No ano passado, os lucros até subiram, para 1,6 milhões de euros, mas uma parte substancial devido a activos por impostos diferidos, ou seja, uma forma de compensação fiscal por prejuízos anteriores.

    Mais do que uma real vontade de expandir o seu negócio, a venda pelos sócios – Nuno Carvalho e demais familiares, incluindo José Diogo Quintela – denota pressa para se livrarem de um negócio que já viu melhores dias. Até porque a concorrência por parte de formatos similares está a aumentar. Aliás, a britânica Pret a Manger acaba de inaugurar a sua primeira loja em Portugal, em Lisboa, no Centro Colombo pela ‘mão’ da Ibersol, que opera marcas de ‘fast food‘. E um sinal disso está no facto de no ano passado terem sido distribuídos 800 mil euros de dividendos, numa empresa em anos anteriores apostava sobretudo em investir lucros, só possível por um aumento do endividamento.

    Recorde-se que a Padaria Portuguesa nasceu em 2010 numa pequena fábrica em Samora Correia, tendo, curiosamente, nesta fase como sócios Nuno Carvalho, em nome individual, e a ZDQ Unipessoal, do seu primo José Diogo Quintela. Mais tarde, juntou-se a Bakers Capital, através de um aumento de capital, controlada pelo ex-ministro social-democrata Dias Loureiro. Em 2013, houve outra entrada de um sócio: Nuno Rebelo de Sousa, o agora mediático filho do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, mas foi passagem efémera, porque em 2015 deixou de constar na estrutura societária da empresa. Hoje, a empresa é detida pela ZDQ Unipessoal, de Diogo Quintela, pela Nutelo, de Nuno Carvalho, presidente-executivo, e ainda por outros membros da família.

    No ano de 2019, a Padaria Portuguesa obteve lucros de 1,3 milhões de euros e estava em franca expansão. Mas chegou a pandemia, e Portugal não a geriu como a Suécia. E fechou tudo. Logo em Abril de 2020, Nuno Carvalho criticou essa medida, escrevendo uma carta aberta ao ministro da Economia Pedro Siza Vieira, alertando sobre o impacte dos confinamentos, mas acabou criticado pelo unanimismo imposto do ‘vai ficar tudo bem’. Para a Padaria Portuguesa ficou tudo mal. Mesmo com subsídios à exploração nesse ano por parte do Estado de quase 1,8 milhões de euros, a empresa fechou as contas anuais com prejuízos de mais de 1,5 milhões de euros, à medida que o país prosseguia com a gestão radical da pandemia.

    Aliás, mesmo com alguma abertura do comércio, mas ainda num cenário de forte instabilidade e quase sem turistas, a facturação da Padaria Portuguesa estagnou em 2021, na ordem dos 26 milhões de euros, e mesmo com uma redução nos gastos com pessoal de 4,3 milhões de euros em relação a 2019 e ainda 1,5 milhões de euros em subsídios do Estados, os resultados operacionais foram negativos. E no final, resultados líquidos bateram ainda mais no vermelho: prejuízos de quase 3,3 milhões de euros.

    Foto: D.R.

    Apesar de um regresso aos lucros em 2002, em cerca de 886 mil euros, o mal estava feito e a empresa perdeu gás. No ano passado, o lucro atinguu os 1,6 milhões de euros, mas sobretudo graças à contabilização de impostos ‘derivados’ dos prejuízos na pandemia. Antes de impostos, o resultado foi de apenas 836 mil euros. No mesmo exercício, os sócios aproveitaram para ‘sacar’ 800 mil euros em dividendos, denotando já um sinal de desinvestimento.

    Este ano, a empresa anunciou um plano de expansão que envolve um investimento de 16 milhões de euros para adicionar 40 lojas às actuais 78 e criar 600 empregos até 2028, mas mostra-se evidente que não tem ‘mãos para tocar essa guitarra’, porque, em comparação com 2019, os capitais próprios (‘património’ dos sócios) estão mais baixos em 3,1 milhões de euros e o passivo (sobretudo endividamento) aumentou quatro milhões de euros). Ou seja, a autonomia financeira é bastante baixa.

    A evolução da facturação da empresa, mesmo descontando o impacte da pandemia, foi muito modesta: saltou de 39,4 milhões de euros em 2019 para 42,6 milhões, prevendo a empresa fechar este ano com vendas na ordem dos 44 milhões. Ora, isso significa um aumento da facturação um pouco acima de 10%, muito inferior à taxa de inflação.

    Mas a empresa tem mais alguns pontos fracos, para além de demonstrar uma grande sensibilidade a factores externos e políticos, como sucedeu durante a pandemia. Além disso, o PÁGINA UM apurou que a Padaria Portuguesa tem em curso um litígio judicial com a Autoridade Tributária, tendo entrado no passado dia 22 de Outubro com um processo de impugnação no Tribunal Tributário de Lisboa por causa de 893.492,41 euros em impostos.

    Mas é, sem dúvida, a reputação de empregador ‘sovina’, baseada em salários baixas, que tem sido o grande ‘calcanhar de Aquiles’ da Padaria Portuguesa, que se tornou quase uma imagem de marca da empresa. De facto, uma análise à evolução dos gastos com pessoal entre 2019 e 2023 mostram uma prevalência de sinais de salários baixos, especialmente quando comparados ao número de empregados.

    Por exemplo, olhando em detalhe para estes dados, em 2019, os gastos com pessoal foram de 15.052.110 euros enquanto em 2023 ascenderam a 15.946.429 euros. Em 2019, a empresa empregava 1.104 trabalhadores, dos quais 939 a tempo inteiro e 165 a tempo parcial. Em 2023, empregava 905 funcionários, dos quais 764 a tempo inteiro e 141 a tempo parcial. Isto resulta em gastos anuais médios por empregado de 13.638 euros, em 2019, e de 17.621 euros em 2023.

    Foto: D.R.

    Apesar de ter existido uma recuperação, este gasto médio por empregado é indicativo de salários baixos. O valor anual médio de 17.621 euros, em 2023, traduzindo-se em cerca de 1.468 euros por mês, incluindo os encargos sociais, sugerindo salários médios líquidos inferiores, especialmente para trabalhadores a tempo parcial. Por outro lado, a proporção de trabalhadores a tempo parcial também contribui para a redução do gasto médio, mas mesmo entre os trabalhadores a tempo inteiro, o valor médio não reflecte salários competitivos, considerando o sector.

    Ora, por um lado, o custo laboral reduzido contribui para margens operacionais mais sustentáveis, especialmente em anos difíceis, como foi o caso de 2020 e 2021. Mas abre a porta ao risco de não conseguir fazer retenção de talentos, já que salários baixos são sinónimo de uma rotatividade elevada de pessoal, afetando a continuidade e eficiência operacional. Há ainda a contabilizar os danos causados na imagem pública, já que a prática sistemática de salários baixos é, em geral, mal recebida pelo público, especialmente em sectores que valorizam práticas laborais éticas.

    Há, portanto, um caminho a percorrer nesta matéria para que a Padaria Portuguesa se torne mais competitiva nesta matéria. Um ajuste salarial proporcional à recuperação seria aconselhável. Com a recuperação das receitas e do EBITDA em 2022 e 2023, seria recomendável que a empresa avaliasse aumentos salariais para reter talentos e melhorar a motivação dos seus empregados. Complementar os salários com benefícios, designadamente formação, subsídios ou incentivos de produtividade, pode mitigar a percepção de uma empresa que paga salários baixos.

    Nuno Carvalho, CEO, (à esquerda) e José Diogo Quintela a participar num programa da RFM, em 2015.

    Num contexto de venda da empresa, apresentar um custo laboral reduzido é um factor que contribui para a viabilidade da empresa, mas pode haver um potencial impacto negativo de uma eventual dependência excessiva de salários baixos em negociações futuras. Supondo que a empresa pudesse aumentar em média em 10% os salários dos seus funcionários, teria um impacto nos resultados e na sustentabilidade do negócio. A margem EBITDA iria cair ligeiramente. Mas, no caso de o comprador ter um forte compromisso ético, o negócio seria atractivo, embora o preço de aquisição fosse reflectir o impacto do aumento salarial.

    Olhando para o mercado, com base no EBITDA de 2023, de 3.343.879 euros, considerando uma avaliação do negócio assente em múltiplos médios de operações de fusão e aquisição na Europa, em 2023, de cinco vezes o EBITDA, a avaliação da empresa ficaria próxima dos 17 milhões de euros.

    Tudo isto ponderado, o eventual futuro dono da cadeia de lojas da Padaria Portuguesa herdará uma marca – para além dos croissants, pão-de-deus e outros produtos conhecidos da empresa – mas também algumas polémicas que ficaram na memória. Quem não se lembra dos bolos-rei empilhados em cima de um caixote do lixo em frente à loja da marca no centro da Graça, em Lisboa. Ou ainda as frases proferidas por Nuno Carvalho, em defesa de uma maior flexibilidade laboral em Portugal. Com um passado de ser uma empresa familiar e algumas polémicas à mistura, em 2025 irá saber-se se a Padaria Portuguesa irá mudar de menu e melhorar a sua política laboral ou se ficará tudo na mesma.


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  • Fim de linha: Luís Delgado afastado da gestão da Trust in News

    Fim de linha: Luís Delgado afastado da gestão da Trust in News

    Os gerentes da Trust in News (TIN), dona das revistas Visão e Exame, não vão ficar à frente do processo de insolvência do grupo de media, mas esta nem é uma má notícia para os trabalhadores do grupo de media pertencente ao ex-jornalista Luís Delgado. Pelo contrário, o seu afastamento, hoje decretado pelo Tribunal de Sintra, abre portas à possibilidade de venda de 16 títulos da imprensa portuguesa a outros investidores, com a ‘vantagem’ de poderem ser comprados sem quaisquer dívidas, embora com o poder de reajustamento das redacções. Este é mais um episódio de uma crise financeira num grupo de media, que começou a ser denunciada pelo PÁGINA UM em Julho do ano passado após detectar dívidas de milhões ao Fisco e à Segurança Social permitidas pelo Governo socialista. A Trust in News nunca esteve na lista de devedores do Estado mesmo se os ‘calotes’ se iniciaram logo após a compra em 2018 dos títulos à Impresa, do grupo de Francisco Pinto Balsemão, que se livrou de autênticos ‘activos tóxicos’. Luís Delgado arrisca agora, além de condenações por abuso de confiança fiscal, a ser processado por falência fraudulenta. E o Estado vai perder mais de 15 milhões de euros.


    À primeira vista, a declaração de insolvência da Trust in News (TIN) parece ser um acontecimento negativo, mas, na realidade, com a decisão de nomeação de um administrador judicial, hoje decretada pelo Tribunal de Sintra, esta situação será o melhor que podia ter acontecido, tanto para as revistas do grupo de media como para os trabalhadores, que já registam salários em atraso. Isto porque, sem Luís Delgado, o proprietário único da TIN e que levou ao colapso financeiro da empresa com dívidas colossais acumuladas, fica aberta a porta para a venda a terceiros das publicações, sem dívidas, permitindo a manutenção de, pelo menos, alguns dos postos de trabalho.

    Tal como o PÁGINA UM já tinha avançado, Luís Delgado, dono da TIN, e os dois outros gerentes da empresa unipessoal não tinham condições para ficar a gerir a insolvência do grupo. Além de não terem cumprido com pagamentos ao Fisco e à Segurança Social durante as negociações do Processo de Especial de Revitalização (PER) – que, por esse motivo, acabou ‘chumbado‘ -, os gerentes da TIN foram já condenados a pena de prisão de dois anos e meio de prisão na primeira instância, com a sentença confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa. Os gerentes da TIN ficaram com pena suspensa por cinco anos mas só se pagassem a dívida ao Fisco que levou à condenação, que era uma pequena parte (cerca de 850 mil euros) do total acumulado desde 2018. Recorde-se que o grupo apresenta dívidas de 30 milhões de euros, sendo que mais de metade são ao Fisco e à Segurança Social.

    A sentença de declaração de insolvência foi hoje anunciada publicamente pelo Tribunal da Comarca de Lisboa Oeste – Sintra, estando disponível no Portal Citius. A juíza Diana Rute Campos Martins, nomeou de imediato André Fernando de Sá Correia Pais como administrador da insolvência, contrariando as pretensões de Luís Delgado, que desejava administrar o processo.

    Revista Visão (Foto: PÁGINA UM)

    Agora, em princípio será aprovado um Plano de Insolvência, com vista ao pagamento dos créditos, pressupondo a liquidação dos activos e a sua repartição pelos credores, que são muitos, sendo que o Estado tem a primazia. Este Plano pode ser apresentado pelo administrador da insolvência, pela gerência da TIN e por credores que representem um quinto do total dos créditos não subordinados reconhecidos. É mais do que certo de que muitos dos activos apresentados pela TIN nas suas contas não terão os valores contabilísticos atribuídos, como é o caso dos títulos (mais de 10 milhões de euros) e da rubrica ‘Outras contas a receber’ (mais de 14 milhões de euros). A juíza também agendou para o dia 29 de Janeiro, às 11:00 horas, a realização da reunião de assembleia de credores de apreciação do relatório. Os credores, designadamente trabalhadores do grupo de media, dispõem de 30 dias para apresentar uma reclamação de créditos junto do administrador da insolvência.

    No edital com a sentença, está explícito que “ficam advertidos os devedores do insolvente de que as prestações a que estejam obrigados, deverão ser feitas ao administrador da insolvência e não ao próprio insolvente”. Também “ficam advertidos os credores do insolvente de que devem comunicar de imediato ao administrador da insolvência a existência de quaisquer garantias reais de que beneficiem.

    A sentença que declarou a TIN insolvente pode ser ainda alvo de recurso, no prazo de 15 dias e/ou
    deduzidos embargos, no prazo de cinco dias, segundo o edital da decisão do Tribunal publicado hoje, dia em que os trabalhadores da TIN agendaram uma concentração, no Chiado, em Lisboa.

    Luís Delgado (à esquerda), dono da Trust in News e gerente do grupo de media, e Francisco Pedro Balsemão, presidente-executivo da Impresa na assinatura do acordo de venda do portfólio de revistas que incluía a Visão e a Exame, em Janeiro de 2018. / Foto: D.R.

    Recorde-se que os principais títulos do grupo de Luís Delgado encontram-se penhorados desde 2020, por dívidas acumuladas à Autoridade Tributária e à Segurança Social, como o PÁGINA UM noticiou. Ou seja, praticamente desde o primeiro ano de existência que a TIN, uma sociedade unipessoal do ex-jornalista e comentador Luís Delgado, com um capital social de apenas 10.000 euros, regista problemas financeiros e acumula dívidas.

    Na insolvência, também se vai poder analisar ao detalhe a evolução da contabilidade da TIN e das opções de gestão da gerência, para se apurar se houve uma falência fraudulenta. Além dos títulos de media, a TIN contabiliza cerca de 14 milhões de euros em activos que atribui a receitas de assinaturas futuras das revistas. Os montantes destes activos aumentaram significativamente nos últimos anos, num quadro de queda de vendas, e existem legítimas suspeitas de contabilidade criativa para ‘mascarar’ os resultados anuais, uma vez que só no ano passado a TIN apresentou prejuízos. Neste processo de insolvência ou na liquidação, irá tirar-se a ‘prova dos nove’ sobre o real valor destes ‘activos’ que têm sido incluídos nas contas da empresa de Luís Delgado ou apurar-se se não passou de um caso de finanças criativas. Luís Delgado e os outros gerentes, além de poderem ser condenados a prisão efectiva por abuso de confiança fiscal agravada, correm o risco de um processo por falência fraudulenta.

    Ao que o PÁGINA UM apurou, só mediante certas condições é que os principais credores, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e a Segurança Social, aprovariam um plano de insolvência da TIN. Recorde-se que, como noticiou o PÁGINA UM no mês passado, tanto a AT como a Segurança Social votaram contra a aprovação do PER da TIN argumentando, designadamente, que a empresa nem sequer estava a cumprir com as suas obrigações, pagando impostos e contribuições, enquanto decorria o PER.

    woman in dress holding sword figurine

    O PER da TIN foi ‘chumbado’ com os votos tanto da AT (24,7% do crédito original) e da Segurança Social (27,3%), como de outras entidades, como os CTT (6,1% dos créditos) e mesmo jornalistas. No total, o PER foi chumbado por 61,16% dos credores, havendo a registar 10,1% de abstenções ou ausência de declaração de voto. Entre os credores que queriam viabilizar o PER estiveram a Impresa (13,5% do total dos créditos), que vendeu as suas revistas à TIN em 2018 –, o Novo Banco (10,8%) e o Banco Comercial Português (2,2%). No total, apenas 28,7% do volume de créditos quis salvar a gerência de Luís Delgado, estando neste lote também a agência de notícias Lusa, a Vodafone e a QDF, sendo que esta última empresa é o ‘senhorio’ da Trust in News, no Taguspark, a quem Luís Delgado devia 83 mil euros em Maio passado.

    Será também a possibilidade de desvendar os estranhos contornos de um processo iniciado em 2018, quando a Impresa vendeu a Luís Delgado o seu ‘portfólio tóxico’ de revistas, salvando contabilisticamente a Impresa Publishing e o próprio grupo dono do Expresso e da SIC, que enfrentava dificuldades financeiras após o falhanço de uma emissão de obrigações. Agora, seis anos depois, mais de 30 milhões de euros em dívidas, o antigo negócio que era da Impresa deverá passar para um dono ou vários donos – quem sabe, a própria Impresa –, mas agora limpo das dívidas, as quais ficarão, na sua maioria, nas mãos dos contribuintes.

    Conhecido o destino das revistas da TIN, ficará, no entanto, por explicar como foi possível uma empresa com um capital social de apenas 10 mil euros ter conseguido acumular milhões de euros em dívidas sem nunca ter ido parar à lista de devedores ao Fisco e à Segurança Social durante os governos socialistas de António Costa.


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  • Museus: Porto ultrapassou Lisboa e Sintra em visitas de estrangeiros

    Museus: Porto ultrapassou Lisboa e Sintra em visitas de estrangeiros

    Os museus do Porto passaram a ser os preferidos dos visitantes estrangeiros, ultrapassando os de Lisboa e de Sintra. Desde 2021, que a ‘capital’ do Norte’ é líder nas visitas de estrangeiros aos museus, mas em 2022 e 2023 a posição de liderança consolidou-se. E, ao contrário de Lisboa e Sintra, o Porto conseguiu nos últimos dois anos ultrapassar o número de visitantes que registava nos anos antes da pandemia. Os novos dados do Instituto Nacional de Estatística mostram que os museus do Porto receberam 2,352 milhões de visitantes em 2023 face aos 2,0 milhões registados em 2019. De resto, a nível nacional, os museus não conseguiram ainda recuperar do tombo observado em 2020 e 2021 devido às políticas radicais e controversas impostas pelo Governo na gestão da pandemia de covid-19. Lisboa não só não recuperou como saltou da primeira para a terceira posição no Top 10 das cidades com mais visitantes estrangeiros nos museus, cabendo o segundo lugar a Sintra.


    Goodbye, Lisbon and Sintra! Hello, Oporto! O interesse dos turistas estrangeiros pelos museus da ‘capital’ do Norte catapultaram o Porto para a liderança das cidades com mais visitantes estrangeiros nos museus. Se, em 2019, Lisboa e Sintra eram as cidades com mais visitantes estrangeiros nos museus, o cenário mudou com a crise provocada pela gestão radical da pandemia seguida pelo Governo, que praticamente ‘fechou’ o sector da Cultura e o Turismo. Lisboa não só deixou de ser a favorita como desceu mesmo à terceira posição no ‘top 10’ das cidades com mais visitantes estrangeiros nos museus.

    Os novos dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) revelam que, logo em 2021, o Porto ultrapassou Lisboa e Sintra nas visitas de estrangeiros aos museus, mas foi em 2022 e 2023 que a posição de ‘Rei’ incontestado se consolidou. Em 2019, o número de visitantes estrangeiros nos museus do Porto foi de 2,0 milhões. Em 2020, afundou para 452 mil, mas em 2021 recuperou para 684 mil e, nesse ano, a cidade já superou o número de visitantes estrangeiros nos museus de Lisboa e de Sintra. Em 2022, disparou para 2,27 milhões o número de visitantes estrangeiros nos museus do Porto e voltou a subir para 2,35 milhões em 2023.

    Além de se ter tornado o preferido dos estrangeiros, o Porto – que é a ‘casa’ da Fundação Serralves – conseguiu outra ‘proeza’: ultrapassar o número de visitantes que recebia antes da crise provocada pelas medidas covid-19 do Governo. Já Lisboa e Sintra, ainda estão aquém da performance observada nos antes da pandemia.

    Fundação Serralves, no Porto. / Foto: D.R.

    De notar que o Porto alberga três dos cinco museus nacionais mais visitas em 2022, segundo o INE. Além da Fundação Serralves, existem ainda o Museu dos Clérigos e o Tesouro da Sé Catedral do Porto.

    Já Lisboa, deixou a liderança que ocupava antes da pandemia e afundou para a terceira posição em 2023 e está longe de recuperar ‘a aura’ que tinha entre os visitantes estrangeiros. No ano passado, os museus da capital receberam a visita de 1,69 milhões de estrangeiros, ligeiramente mais do que os 1,66 milhões do ano anterior. Em 2019, o número registado foi de 2,75 milhões de visitantes. Ou seja, no caso dos museus da capital, estão 38,6% abaixo do número de visitantes observado em 2019. Ainda assim, trata-se de uma recuperação, depois de em 2020 as visitas terem descido para 527 mil, uma quebra de 80,8% face a 2019.

    Sintra, onde a ‘estrela é o Palácio Nacional da Pena, que ocupava o segundo lugar do ranking de visitas antes da pandemia, chegou a descer ao terceiro lugar mas ultrapassou Lisboa no ano passado e ocupa actualmente a segunda posição, com 1,73 milhões de visitantes estrangeiros em 2023. Está ainda distante dos 2,53 milhões de visitas de estrangeiros que se observou em 2019.

    Evolução do número de visitantes estrangeiros nos museus do Porto, Sintra e Lisboa. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Os dados do INE são provenientes do ‘Inquérito aos museus’, o qual é dirigido “aos museus e aos jardins zoológicos, botânicos e aquários que, no ano de referência, estiveram em funcionamento permanente ou sazonal, com pelo menos uma sala ou espaço de exposição e com, pelo menos uma pessoa ao serviço”. É considerado ‘visitante’ cada “pessoa que visita as exposições, utiliza os serviços disponíveis (biblioteca, centro de documentação, reservas, entre outros), e/ou frequenta as atividades realizadas no museu (concertos e conferências, entre outros)”. O INE contabilizou a existência de 644 museus em actividade a nível nacional, dos quais 586 no Continente.

    Segundo o INE, a nível nacional, os museus ainda não conseguiram atingir o número de visitantes estrangeiros que tinham em 2019. Em 2023, o número global de visitantes estrangeiros aos museus atingiu os 8,64 milhões. Se o valor representa uma melhoria de 12,7% face a 2022, ainda está 16,4% abaixo dos 10,34 milhões de visitantes estrangeiros em 2019.

    De facto, o Governo português optou, em 2020 e 2021, por seguir a linha ‘dura’ dos países que optaram por medidas extremas na gestão da pandemia, com imposição de confinamentos e fecho de actividades. As medidas não só levaram ao desastre económico, como deixaram um rasto de excesso de mortalidade recorde nos anos subsequentes, além de ter criado uma onda de problemas diversos de saúde na população que esteve privada de acesso a tratamentos e diagnóstico de outras doenças não-covid. O sector da Cultura esteve entre os mais afectados com as medidas políticas, muitas delas sem base na evidência científica e que hoje estão desacreditadas.

    Visitas totais de estrangeiros aos museus em Portugal. Fonte: INE.

    Em 2020, as visitas de estrangeiros aos museus em Portugal afundou dos 10,34 milhões para os 2,0 milhões. Em 2021, as visitas subiram, mas apenas para 2,89 milhões. Só em 2022, houve uma recuperação mais acentuada, para 7,66 milhões de visitantes estrangeiros. Em 2023, o número de visitas recuperou mas está até abaixo do nível registado em 2018.

    Outra alteração que se pode observar nos últimos anos é a descida observada do peso a nível nacional do ‘top 10’ de cidades favoritas dos estrangeiros que visitam museus. Se em 2014, as 10 cidades com mais visitantes representavam 86,6% do total nacional, em 2019, o peso era de 86,2% e em 2023 já estava nos 81,5%, segundo uma análise feita aos dados do INE.

    Por outro lado, também a composição do ‘top 10’ tem sofrido alterações. Mafra era a quarta favorita em 2014, em 2019 já estava na sétima posição e em 2023 nem consta do ‘top 10’. Já Évora não constava da lista das 10 preferidas em 2014, em 2019 estava na sexta posição e no ano passado ocupava a quinta posição. Também Braga tem vindo a subir na tabela, estando na sexta posição. Guimarães, ‘berço’ de Portugal, mantém a quarta posição que tinha em 2019. Enquanto isso, Coimbra tem vindo a cair na tabela e está oitava posição.

    Top 10 por município do número de visitas de estrangeiros em museus portugueses em 2014, 2019 e 2023. Fonte: INE. Análise: PÁGINA UM.

    Dados do INE relativos a 2022, indicavam que “os cinco museus mais visitados foram o Palácio Nacional da Pena, Museu dos Clérigos, Museu de Arte Contemporânea de Serralves, Museu Coleção Berardo e
    o Tesouro da Sé Catedral do Porto, que em conjunto receberam cerca 4,6 milhões de visitantes (29,5% do total), dos quais 2,9 milhões (37,9%) eram estrangeiros”.

    Dos museus geridos pela empresa pública Museus e Monumentos Nacionais, o mais visitado em 2023 foi o Mosteiro dos Jerónimos, com 965 mil visitas. No total, entre visitantes nacionais e estrangeiros, os museus e monumentos públicos geridos pela MMN geraram um total de 5,15 milhões de visitas em 2023, acima das 4,71 milhões registados no ano anterior.


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  • Condenação a pena de prisão retira condições a Luís Delgado de liderar insolvência da dona da Visão

    Condenação a pena de prisão retira condições a Luís Delgado de liderar insolvência da dona da Visão

    Os actuais gerentes da Trust in News (TIN), dona das revistas Visão e Exame, estão mesmo em maus lençóis. Os credores chumbaram o Processo Especial de Revitalização (PER) da empresa e decidirão em breve se a insolvência da TIN se faz através de um plano de rentabilização dos activos ainda com valor, nomeadamente a transmissão dos títulos de media, ou se se parte, de imediato, para a liquidação. Qualquer um dos cenários dará, garantidamente, calotes de milhões ao Estado e restantes credores. Seja como for, a actual gerência liderada por Luís Delgado, apesar de manifestar interesse, não terá as mínimas condições de credibilidade para se manter à frente da Trust in News durante o processo de insolvência, até porque, além de ter recebido a confirmação de uma condenação por abuso de confiança fiscal agravada pelo Tribunal da Relação de Lisboa, aumentou ainda mais as dívidas à Autoridade Tributária e à Segurança durante o PER, chumbado na semana passada, e os atrasos no pagamento de salários agravaram-se.


    Salários em atraso, dívidas de mais de 30 milhões de euros, um Processo Especial de Revitalização (PER) ‘chumbado‘ e uma condenação a pena de prisão pelo crime de abuso de confiança fiscal na forma agravada. Este é o cenário que enfrenta o ex-jornalista e comentador Luís Delgado, gerente e dono da Trust in News (TIN), que detém as revistas Visão e Exame. Com os títulos já penhorados desde 2020 pela Segurança Social e o Fisco, a Trust in News avança agora para um processo de insolvência. Os credores irão decidir se aprovam um plano ou se a empresa parte para a liquidação. Seja como for, os activos deverão ser vendidos, sendo alvo de um ‘saneamento’. Ou seja, os novos donos das revistas da TIN irão ficar com os títulos mas não com as dívidas. Também irão ‘herdar’ os trabalhadores.

    Neste novo processo que vai ser iniciado pelo Tribunal, após o ‘chumbo’ do PER, Luís Delgado e os outros dois gerentes da TIN não estão em condições de liderar a insolvência da empresa, ainda que sob a fiscalização de um administrador judicial apontado pelo Tribunal. Isto porque os três gerentes da TIN viram confirmada pelo Tribunal da Relação de Lisboa a condenação, pelo crime de abuso de confiança fiscal na forma agravada, a uma pena de prisão de dois anos e meio, suspensa por cinco anos sob condição de a dívida em causa ser saldada.

    Apesar disso, a gerência da TIN anunciou a intenção de apresentar aos credores um plano de insolvência, depois de não ter conseguido convencê-los com o plano de recuperação da empresa que apresentou no decurso do PER. Curiosamente, os meios de comunicação social que noticiaram o anúncio da gerência da TIN, designadamente a agência Lusa, omitiram aos leitores que os três gerentes da dona da Visão foram condenados a penas de prisão, enfrentando ainda mais processos, incluindo um da Segurança Social, que deverá também levar a uma condenação a pena de prisão.

    woman in dress holding sword figurine

    Sendo que na insolvência serão analisados ao detalhe a evolução da contabilidade da TIN e das opções de gestão da gerência, para se apurar se houve uma falência fraudulenta.

    Os próximos passos serão decisivos para as revistas da TIN e para os seus trabalhadores. O administrador judicial provisório do PER, Bruno Costa Pereira, indicou, ao PÁGINA UM, que iria entregar ao Tribunal na quarta-feira o seu parecer no sentido de se avançar para a insolvência da empresa. De seguida, o Tribunal irá encerrar o processo do PER e iniciar um novo processo, desta vez relativo à insolvência da TIN. Será, depois, convocada uma assembleia de credores , os quais irão, ou não, aprovar um plano de insolvência ou decidir pela liquidação da dona da Visão.

    Ao que o PÁGINA UM apurou, só mediante certas condições é que os principais credores, a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) e a Segurança Social, aprovariam um plano de insolvência da TIN. Recorde-se que, como noticiou o PÁGINA UM, tanto a AT como a Segurança Social votaram contra a aprovação do PER da TIN argumentando, designadamente, que a empresa nem sequer estava a cumprir com as suas obrigações, pagando impostos e contribuições, enquanto decorria o PER.

    O PER da TIN foi ‘chumbado’ com os votos tanto da AT (24,7% do crédito original) e da Segurança Social (27,3%), como de outras entidades, como os CTT (6,1% dos créditos) e mesmo jornalistas. No total, o PER foi chumbado por 61,16% dos credores, havendo a registar 10,1% de abstenções ou ausência de declaração de voto. Entre os credores que queriam viabilizar o PER estiveram apareceu a Impresa (13,5% do total dos créditos), que vendem as suas revistas à TIN em 2018 –, o Novo Banco (10,8%) e o Banco Comercial Português (2,2%). No total, apenas 28,7% do volume de créditos quis salvar a gerência de Luís Delgado, estando neste lote também a agência de notícias Lusa, a Vodafone e a QDF, sendo que esta última empresa é o ‘senhorio’ da Trust in News, no Taguspark, a quem Luís Delgado devia 83 mil euros em Maio passado.

    Os novos donos das revistas da Trust in News, onde se destaca a Visão, irão ficar com os títulos da empresa após um ‘saneamento’ que ‘limpará’ os activos das dívidas. (Foto: PÁGINA UM)

    Certo é que, com aprovação do plano de insolvência ou com a liquidação, o desfecho mais provável é de que as revistas da empresa irão ter de encontrar novos donos, os quais ficarão com os activos da TIN sem dívidas. Haverá um ‘saneamento’ e os novos donos das revistas não ficarão com as dívidas, apenas com os títulos e os trabalhadores.

    Além dos títulos de media, a TIN contabiliza cerca de 14 milhões de euros em activos que atribui a receitas de assinaturas futuras das revistas. Neste processo de insolvência ou na liquidação, irá tirar-se a ‘prova dos nove’ sobre o real valor destes ‘activos’ que têm sido incluídos nas contas da empresa de Luís Delgado ou apurar-se se não passou de um caso de finanças criativas.

    Entretanto, os trabalhadores da Visão e da Exame convocaram um plenário para o dia 18 de Novembro para analisar a insolvência da empresa de media, segundo noticiou o jornal Expresso.

    Estranhamente, tanto o Expresso como outros meios de comunicação social, designadamente a agência Lusa, têm omitido aos leitores a sentença do Tribunal da Relação que confirmou a condenação dos três gerentes da TIN a pena de prisão. Também têm omitido que a Segurança Social processou os três gerentes da TIN por dívidas pendentes, como confirmou o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social ao PÁGINA UM. A condenação é dada como certa e o crime também prevê pena de prisão.

    Para já, após o início do processo de insolvência decretado pelo Tribunal, os credores só serão chamados a pronunciar-se no prazo de 45 dias a 60 dias, em sede de assembleia de credores. Aí será então decidido o destino dos activos da TIN. Será também o culminar de um processo iniciado em 2018, quando a Impresa vendeu a Luís Delgado o seu portfólio tóxico de revistas, ‘salvando’ a Impresa Publishing e o próprio grupo dono do Expresso e da SIC, que enfrentava dificuldades financeiras após o falhanço de uma emissão de dívida. Agora, seis anos depois, mais de 30 milhões de euros em dívidas, o antigo negócio que era da Impresa deverá passar para um dono ou vários donos – quem sabe, a própria Impresa –, mas agora limpo das dívidas, as quais ficarão, na sua maioria, nas mãos dos contribuintes.

    Conhecido o destino das revistas da TIN, ficará, no entanto, por explicar como foi possível uma empresa com um capital social de apenas 10 mil euros ter conseguido acumular milhões de euros em dívidas sem nunca ter ido parar à lista de devedores do Fisco e da Segurança Social durante os governos socialistas de António Costa.


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  • Imprensa: Presidente da CCPJ usou poderes e influência para receber ‘salário’ milionário

    Imprensa: Presidente da CCPJ usou poderes e influência para receber ‘salário’ milionário

    Não estalou apenas o verniz. Escaqueirou-se o edifício inteiro, neste caso a (pouca) credibilidade da actual Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), revelando-se o caos que há muito ruminava por dentro. A demissão de três membros da ‘polícia dos jornalistas’, que concede acreditações e tem funções disciplinares, veio sob a forma de acusações de centralismo, despotismo, desvio de funções e mesmo gastos excessivos que colocaram as contas da CCPJ no vermelho. Nas cartas de renúncia dos três jornalistas (Anabela Natário, Isabel Magalhães e Miguel Alexandre Ganhão) são expostos vastos exemplos da forma como a presidente da CCPJ, Licínia Girão, que não tem exercido jornalismo nos últimos anos, usou e abusou dos seus poderes para, através de senhas de presença e outros gastos, bem como de acções de formação, transformar uma função não remunerada num ‘salário’ que estará a ultrapassar os 4.000 euros por mês. Também se soube que, por causa de notícias do PÁGINA UM, Licínia Girão contratou um escritório de advogados para apresentar uma queixa pessoal, mas apresentou a conta de 6.000 euros à CCPJ. Com inéditos prejuízos, a CCPJ arrisca agora ficar nos mesmos ‘lençóis’ onde as finanças pessoais de Licínia Girão estiveram há poucos anos: em 2019, a jornalista beneficiou de um perdão de dívidas num processo de insolvência pessoal.


    As renúncias de três dos nove membros da Comissão da Carteira Profissional de Jornalista (CCPJ), conhecidas ontem, vieram trazer a público uma gestão financeira caótica e casos de centralismo e despotismo da sua presidente, a jurista e também jornalista Licínia Girão, que tomou posse em Maio de 2022, três anos depois de um processo de insolvência (falência) pessoal, interposto em 2012, ter sido concluído.

    No rol de acusações agora conhecidas nas cartas de renúncia de três dos seus pares – que a designaram por cooptação, em Maio de 2022 -, constam as excessivas despesas, sobretudo por uso indiscriminado de senhas de presença, de Licínia Girão – que reside em Coimbra, não tendo actividade jornalística conhecida nos últimos anos –, bem como as suas tentativas de ‘reorientar’ as funções da CCPJ de acreditação e acção disciplinar para passar a exercer também como ‘centro de formação’ e ainda o facto de ter metido despesas de honorários de advogados para tratar de questões pessoais.

    Licínia Girão, presidente da CCPJ

    Neste último caso, a carta de renúncia de Anabela Natário e de Isabel Magalhães, datada de 24 de Outubro, explicita o uso indevido de recursos financeiros da CCPJ no decurso das notícias do PÁGINA UM sobre o currículo e experiência profissional de Licínia Girão, e que colocavam em causa os seus pergaminhos de “jurista de mérito” exigido por lei para o cargo, incluindo a existência de um estágio de advocacia fictício e um ‘chumbo’ nas provas de acesso ao curso de magistrados no Centro de Estudos Judiciários.

    De entre o rol de exemplos de anormalidades da gestão centralizadora de Licínia Girão, as duas jornalistas demissionárias relatam a decisão da presidente da CCPJ em processar o director do PÁGINA UM, por notícias publicadas sobre o seu percurso profissional, mas às custas desta entidade com estatuto público. “Foram, pelo menos, seis mil euros em advogados, e desconhecemos quanto em senhas e viagens”, relatam Anabela Natário e Isabel Magalhães, recordando que Licínia Girão tinha garantido, em plenário de 15 novembro de 2023, que tinha “apresentado uma queixa, em nome pessoal, contra o jornalista Pedro Almeida Vieira junto do Conselho Deontológico (…) e apresentado igualmente queixa junto do Ministério Público”. As duas jornalistas dizem ainda que “só depois de uma grande pressão, [Licínia Girão] acabou por retirar a queixa, querendo, no entanto, impor condições tão esquisitas que foram ‘chumbadas’. E não se comprometeu a devolver a quantia gasta indevidamente.” A queixa judicial terá sido mesmo retirada, mas o processo enviesado no Conselho Deontológico do Sindicato dos Jornalistas avançou, sendo mesmo recusada a defesa apresentada pelo director do PÁGINA UM. Saliente-se que não é necessário que seja um advogado a apresentar uma queixa judicial nem a solicitar uma intervenção do Conselho Deontológico, bastando saber escrever razoavelmente. Além disso, embora não sendo advogada, por não ter conseguido concluir o estágio da Ordem dos Advogados, Licínia Girão é jurista.

    Mas este gasto de seis mil euros é apenas uma ‘gota de água’ nos despesismos de Licínia Girão, e que estão rapidamente a delapidar os recursos financeiros da CCPJ, que ‘vive’ sobretudo dos emolumentos pagos pelos jornalistas (70,50 euros a cada dois anos). Se nas contas de 2021, a CCPJ apresentava resultados transitados (ou seja, acumulação de lucros) de 343.882 euros, os dois anos de gestão de Licínia Girão já ‘comeram’ uma parte substancial destas reservas. Em 2022, a CCPJ apresentou um ligeiro mas inédito prejuízo (2.588 euros), mas no ano passado o prejuízo subiu para os 78.904 euros, havendo indicações de o ano de 2024 terminar com mais perdas. A parte substancial destes prejuízos advirá da constante apresentação de gastos diversos e de senhas de presença de Licínia Girão, que ao contrário dos anteriores presidentes da CCPJ, não tem actividade jornalística conhecida. Nos seus estatutos, este organismo, apenas com funções de acreditação e de acção disciplinar, nunca previu a remuneração dos membros dos seus órgãos sociais, sendo os nove membros recompensados por senhas de presença em reuniões.

    Renúncias de três membros da CCPJ destapam gestão centralista e ruinosa de Licínia Girão.

    Porém, Licínia Girão tem vindo a assumir, pessoalmente, múltiplas tarefas fora das competências da CCPJ, entre as quais acções de formação, para amealhar um autêntico salário. Na carta de renúncia, Anabela Natário e Isabel Magalhães  destacam que os gastos associados a senha de presença em 2022 chegaram aos 26 mil euros – quando em 2021, no mandato de Leonete Botelho, jornalista do Público tinham sido de 22 mil euros –, mas que aumentaram abruptamente em 2023 para os 40 mil euros [na verdade, 40.986 euros, de acordo com as demonstrações financeiras, consultadas pelo PÁGINA UM]. Do montante despendido no ano passado, só Licínia Girão embolsou, segundo as duas demissionárias, 18.948 euros apenas em senhas de presença, ou seja, quase tanto quanto o que os oito membros auferiram no mesmo período. No primeiro semestre de 2024, o recebimento, nesta modalidade, situou-se já nos 14 mil euros, ou seja, um ‘salário’ médio de mais de 2.300 euros por mês. Na carta de renúncia de Anabela Natário e Isabel Magalhães destacam que Licínia Girão atribuiu a si própria as senhas de presença.

    Porém, existem mais gastos assumidos pela CCPJ, sedeada em Lisboa, que acabaram nos bolsos da sua presidente, que vive em Coimbra. De acordo com informações recolhidas pelo PÁGINA UM – e que encontram respaldo numa análise na evolução das despesas desta entidade face ao mandato anterior –, enquanto Leonete Botelho, anterior presidente da CCPJ, auferiu cerca de seis mil euros por ano para compensar o tempo dedicado, Licínia Girão fez por ganhar o direito de receber 33 mil euros em senhas de presença e outras compensações ao longo de 2023. Este ano, a ‘factura’ de Licínia Girão, suportada sobretudo pelos emolumentos dos jornalistas, foi já de 24 mil euros apenas no primeiro semestre, ou seja, uma média de quatro mil euros por mês.

    Destaque-se que os gastos em senhas de presença têm sido escondidos activamente pela CCPJ, tendo o PÁGINA UM intentado uma acção de intimação no ano passado junto do Tribunal Administrativo de Lisboa para aceder aos documentos de pagamentos individuais. Uma sentença de Setembro do ano passado chegou a conceder o direito ao PÁGINA UM de acesso à “totalidade das actas do Plenário” desta entidade desde 2020, bem como “a consulta de documentos onde constem os pagamentos a qualquer título, mensal ou por presença, a cada um dos membros da CCPJ desde 2020 até à data”. Porém, a sentença ainda não foi executada porque houve recurso para o Tribunal Central Administrativo do Sul sobre outras matérias, mas tem sido evidente ao longo dos anos que a CCPJ, apesar de ser constituída por jornalistas, nunca se mostrou muito defensora da transparência. Muito pelo contrário.

    Crise na imprensa e crise na CCPJ: jornalismo a atravessar problemas crónicos de credibilidade.

    O mal-estar pelos gastos e gestão da presidente da CCPJ à frente de uma entidade que tem tido uma actuação polémica por via da ausência de acção sobre ‘jornalistas comerciais’ e pela acção pífia face ao descrédito generalizado da profissão não são recentes, mas ganharam agora expressão com o bater da porta dos três membros eleitos com o apoio do Sindicato dos Jornalistas, apenas restando Jacinto Godinho, jornalista da RTP e docente na Universidade Nova de Lisboa, que se tem comportado como o ‘braço direito’ de Licínia Girão. Apesar de ser um órgão colegial de nove elementos que funciona em Plenário com frequência mensal, orientado por um Secretariado de três membros (Licínia Girão, Jacinto Godinho e Paulo Ribeiro), os três jornalistas demissionários tecem críticas demolidoras, incluindo a tomada de decisões da CCPJ que, na verdade, apenas reflctem a posição da presidente.

    “Quase tudo é feito por ‘iniciativa’ do Secretariado, a maioria das vezes apenas com a assinatura da presidente em nome do mesmo, contudo, no corpo dos textos ou nos depoimentos fala-se em nome da CCPJ, como se representasse de facto todos os seus membros”, salientam Anabela Natário e Isabel Magalhães, que denunciam um clima pouco saudável criado pela gestão de Licínia Girão. E acrescentam que “a centralização de quase tudo na pessoa da presidente é um dos entraves ao bom funcionamento da CCPJ”, exemplificando com “os inúmeros pontos na ordem de trabalhos das reuniões semanais do secretariado, tão evocados, interna e externamente, para justificar a ineficácia da sua gestão”.

    Já Miguel Alexandre Ganhão, o terceiro demissionário, é mais curto mas igualmente contundente nas suas críticas expostas na carta de renúncia, falando, como exemplo, no “processo burocrático que desabou no gigantismo de 80 pontos a serem discutidos em reunião de Secretariado”, acrescentando que “mais uma vez, este não é um indicador de eficácia, é uma entropia que foi alimentada por uma estratégia centralizadora”.

    Todos os três demissionários são unânimes também em criticar a opção de Licínia Girão em tentar reorientar as funções da CCPJ para a área da formação e mesmo para cativar fundos comunitários, de forma a encontrar fontes de financiamento que a beneficiem, algo que acabou por ser travado pela Direcção-Geral do Emprego e Relações de Trabalho (DGERT). Como tal não avançou, por ‘chumbos’ diversos, Licínia Girão acabou por optar pelo estabelecimento de parcerias com o Centro de Estudos Judiciários e o CENJOR. Isabel Magalhães e Anabela Natário lamentam, na carta de renúncia, ser “incompreensível o facto da presidente [Licínia Girão] arranjar formações para ela própria ganhar financeiramente com as mesmas”.

    Jacinto Godinho é o único jornalista eleito pelo seus pares a manter-se aliado de Licínia Girão, ocupando funções de ‘braço direito’ da presidente. Os outros quatro membros da CCPJ, a par de Licínia Girão, que se mantêm em funções são indicados pelas empresas de media.

    Acrescente-se que, antes mesmo destas renúncias, o PÁGINA UM estava já a investigar a promoção de acções de formação entre a CCPJ e o CENJOR, tendo questionado ambas as entidades sobre os montantes a receber por Licínia Girão. Ambas as entidades não quiserem revelar esses montantes.

    Com a saída dos três membros do Plenário da CCPJ, em princípio deveriam ser substituídos pelos suplentes, mas o PÁGINA UM apurou que ninguém manifestou disponibilidade, até por estarem previstas eleições para esta entidade em finais de Janeiro do próximo ano. Certo é que Licínia Girão respondeu às demissões acusando os ex-membros de terem “muitas dificuldades em lidar com a democracia quando as suas opiniões são contrárias“. E tem a esperança de vir a ser reconduzida em novo mandato por mais três anos.

    Nesse caso, e tendo em conta o desempenho financeiro de Licínia Girão no seu primeiro mandato à frente da CCPJ, com elevados prejuízos acumulados, e o seu passado de gestão pessoal, não se prevêm bons resultados. Recorde-se que Licínia Girão beneficiou de um processo de insolvência pessoal, iniciado em 2012, e que a partir de 2019 a desonerou das dívidas que acumulara com o Banco Credibom, o Barclaycard, a Gesphone, o Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, a Optimus e a Universidade Aberta.


    N.D. O Código Deontológico dos Jornalistas estipula que “o jornalista não deve valer-se da sua condição profissional para noticiar assuntos em que tenha interesse”. Nessa linha, pode eventualmente criticar-se o facto de eu co-assinar uma notícia em que se revela que Licínia Girão apresentou uma queixa judicial (aparentemente retirada) contra mim. A opção poderia passar por incluir a autoria exclusivamente à Elisabete Tavares, que também é a autora da intimação junto do Tribunal Administrativo de Lisboa. Mas, ponderado com racionalidade, não há aqui, salvo melhor opinião (um jargão jurídico), qualquer conflito de interesses, no pressuposto de que o rigor com que o PÁGINA UM tem vindo a tratar dos assuntos relacionados com a CCPJ e Licínia Girão são a nossa maior garantia de credibilidade daquilo que assinamos. Se temos, como jornalistas do PÁGINA UM, algum interesse a manifestar nesta ‘estória’ da CCPJ que culminou na renúncia aos cargos de três membros, então acrescentarei apenas: lamento e não estou absolutamente nada surpreendido.

    Pedro Almeida Vieira, director do PÁGINA UM


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  • Em Portugal, ainda há 13 municípios onde mais de uma em cada cinco casas não tem água canalizada

    Em Portugal, ainda há 13 municípios onde mais de uma em cada cinco casas não tem água canalizada

    Portugal continua, no século XXI e meio século depois do 25 de Abril, a ser um país ainda dividido por desigualdades económicas e sociais, com regiões privilegiadas e outras mais ‘esquecidas’. Os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística revela que há 13 concelhos onde mais de um quinto das habitações não tem ainda acesso a água canalizada da rede pública. Cerca de metade destes concelhos estão no Alentejo, sendo que os restantes se localizam sobretudo na região Norte, embora haja um na região Centro e outro no Algarve. Os municípios de Cinfães e Marco de Canaveses são os casos mais deploráveis, com quase metade das habitações sem ligação a sistemas públicos de água, constituindo assim um elevado risco de saúde pública.


    Ter água sempre disponível a sair da torneira, com quantidade e controlo de qualidade assegurados, é serviço que ainda está longe de ser uma realidade em todas as casas do país. E a estatística nacional esconde as profundas assimetrias e desequilíbrios ainda vigentes em Portugal. Os dados revelados esta semana pelo Instituto Nacional de Estatística, relativos ao ano de 2022, até mostram um país de ‘primeiro mundo’, onde somente três em cada 100 alojamentos não têm serviço público de abastecimento de água.

    Porém, como a ‘estória’ da falácia estatística que defende que duas pessoas comeram metade de um frango quando, na verdade, só uma o comeu inteiro, no caso do abastecimento de água Portugal Continental está excelente mas ‘esconde’ 13 munícipios com mais de uma em cada 10 alojamentos sem abastecimento de água de rede pública. Cinfães, no distrito de Viseu é o pior concelho: quase metade (47%) das casas não têm água canalizada, seguido de perto por Marco de Canaveses, no distrito do Porto, onde 46% dos lares têm de ir buscar água a furos privados ou mesmo à fonte, com risco para a saúde pública.

    a hand holding a glass of water

    De acordo com os mais recentes dados do Instituto Nacional de Estatística (INE), divulgados esta semana e respeitante ao ano de 2022, estes municípios, sendo os piores, estão longe de ser casos únicos. No Alentejo encontram-se seis dos municípios com mais de um quinto das casas sem abastecimento de água. Três dos municípios situam-se no distrito de Beja: Odemira; Alvito; e Almodôvar. Outros dois municípios pertencem ao distrito de Portalegre: Marvão; e Arronches. O sexto é Montemor-o-Novo, no distrito de Évora.

    Na região do Norte contabilizam-se cinco concelhos no top dos piores: Cinfães, no distrito de Viseu; Marco de Canaveses, no Porto; Freixo de Espada à Cinta, em Bragança; Vale de Cambra, no distrito de Aveiro; e Vila Verde, em Braga. Os restantes situam-se na região Centro – São Pedro do Sul, distrito de Viseu – e no Algarve – Monchique, no distrito de Faro.

    De resto, dos 308 concelhos do país, apenas 135 têm a totalidade das casas com abastecimento de água da rede, sendo que o INE não dispõe de dados relativamente à região Autónoma dos Açores nem aos concelhos de Mirandela, Crato e Idanha-a-Nova. Cerca de uma centena tem menos de 5% das habitações ainda sem água canalizada, incluindo a Região Autónoma da Madeira, que tem 99,9% das habitações com abastecimento da rede.

    Concelhos com a maior percentagem de alojamentos sem acesso a abastecimento público de água em 2022. Fonte. INE.

    Não é por isso de estranhar que a penetração da cobertura dos sistemas de distribuição de água se reflicta também nos dados anuais de água distribuída pelos municípios ou empresas, que tem reflexo directo no consumo per capita. Segundo indicadores do INE, por também ser o município com menos casas com água canalizada, Cinfães também é o concelho com o menor volume de água distribuída por habitante. Também no top dos 10 concelhos com menor volume de água distribuída está Marco de Canaveses, que surge no sexto lugar com menor consumo.

    No lado oposto, o concelho que mais água distribui por habitante é Albufeira, que até está no grupo de municípios com uma elevada cobertura de abastecimento de água pela rede público (95%). Porém, o elevado volume anual per capita distribuído – 199,5 metros cúbicos em 2022, o que representa quase 550 litros por dia para cada pessoa – advém de uma ‘inflação’ decorrente do turismo, uma vez que os residentes pontuais não entram na contabilidade para o cálculo unitário. Este volume é, aliás, o triplo do valor médio registado pelo INE para todo o país: 64,6 metros cúbicos, representando 177 litros por habitante.

    Não surpreende assim que, embora em alguns casos haja ‘responsabilidades’ nas perdas de água nos sistemas de abastecimento, a generalidade dos municípios com maior volume de água distribuída sejam de zonas de grande actividade turística, designadamente na região do Algarve, no Porto Santo (Madeira), em Lisboa e em Grândola.

    Concelhos com mais e menor volume de água distribuída (m3/habitante por ano). Fonte: INE

    De notar ainda que também na quantidade de água distribuída por habitante há uma diferença grande em termos regionais. Os concelhos com menor volume de água por habitante são sobretudo da região Norte, enquanto os que somam mais consumo de água da rede são destinos preferidos em termos turísticos, designadamente os que ficam localizados mais a Sul, além da própria capital. A excepção é Mangualde, no distrito de Viseu, que registou 122,4 metros cúbicos de água distribuída por habitante.

    Numa altura em que crescem as pressões em Portugal e outros países contra a pressão turística e o seu impacto no dia-a-dia das cidades, o que é certo é que as que mais turistas atraem melhor cobertura de abastecimento de água têm, o que pode ser visto também como uma questão de progresso e bem-estar das populações. O acesso a água canalizada através de sistemas públicos é visto como um indicador de progresso, além de uma das necessidades mais básicas para garantir a saúde e o bem-estar das populações, uma vez que é, teoricamente, um garante de fornecimento estável e de qualidade da água consumida.


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  • Aplicação de lei militar ‘exige’ processo disciplinar a Gouveia e Melo

    Aplicação de lei militar ‘exige’ processo disciplinar a Gouveia e Melo

    As declarações de índole política de Gouveia e Melo na sua entrevista à RTP3, onde opinou mesmo sobre as causas do atraso no desenvolvimento económico de Portugal, são susceptíveis da abertura de um processo disciplinar automático e secreto por parte do Estado-Maior das Forças Armadas por violação do dever de isenção. Na entrevista do passado dia 4 de Setembro, o actual chefe do Estado-Maior da Armada compareceu fardado e com todas as insígnias e, além de ter dissertado sobre o seu tabu a candidatura à presidência da República fez considerações políticas sobre o estado do país. A maior evidência de se ter tratado de uma entrevista de índole política está no impacto que as declarações de Gouveia e Melo tiveram nos meandros da política e também na comunicação social.


    O almirante Gouveia e Melo, actual chefe do Estado-Maior da Armada, violou o dever de isenção na sequência de uma entrevista de carácter político concedida à RTP3 no passado dia 4, numa altura em que se discutem possíveis candidaturas à Presidência da República. De acordo com a Lei da Defesa Nacional, apesar de um militar ter direito à liberdade de expressão, estão-lhe vedadas opiniões políticas, mesmo se apartidárias, quer pela Constituição da República Portuguesa quer pelo Regulamento de Disciplina Militar, um diploma de 2009.

    O dever de isenção dos militares consiste no seu rigoroso apartidarismo, “não podendo usar a sua arma, o seu posto ou a sua função para qualquer intervenção política, partidária ou sindical”. Ora, num contexto de posicionamento de putativos candidatos, em que o seu nome surge sistematicamente em sondagens, Gouveia e Melo concedeu uma longa entrevista televisiva, fardado e com todas as insígnias militares, onde dissertou sobre o seu tabu em redor de uma candidatura às Presidenciais de 2025, expondo também considerações políticas e sugerindo até que o perfil de alguém com experiência militar será o mais indicado para o futuro do país. Gouveia e Melo ‘colou-se’ mesmo ao General Ramalho Eanes, Presidente da República entre 1976 e 1986, por ter sido também militar. Recorde-se que, durante o Estado Novo, a Presidência da República foi também ocupada por militares que não deixaram saudades: Gomes da Costa, Óscar Carmona, Craveiro Lopes e Américo Tomás.

    No início desta entrevista de cariz político, onde o único tema não-político se centrou por breves minutos na intervenção da Autoridade Marítima na recuperação dos corpos dos bombeiros vítimas de um acidente com um helicóptero no rio Douro, o jornalista Vítor Gonçalves apresentou Gouveia e Melo como “militar de carreira, almirante” e actual “chefe do Estado-Maior da Armada, mandato que termina no final do ano”. Ainda na apresentação do entrevistado, o jornalista acrescentou que aquilo “que vai acontecer depois [do mandato] é uma incógnita, no entanto o seu nome tem sido apontado como candidato presidencial e as sondagens indicam que está bem colocado se decidir avançar”.

    O chefe do Estado-Maior da Armada na entrevista à RTP3, à qual compareceu fardado e em representação das funções que desempenha na hierarquia militar.
    (Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)

    Nesta entrevista, Gouveia e Melo nunca recusou vir a ser candidato, mas foi sempre alimentando um tabu cada vez menos escondido, salientando que avançaria se sentisse que a sua “candidatura à Presidência seria útil ao país”. O actual chefe do Estado-Maior da Armada criticou também aqueles que o tentavam condicionar. Questionado sobre se o actual contexto de incerteza e guerras poderia favorecer um candidato militar, o almirante, estando fardado, respondeu: “sem me pôr no meu papel militar, no meu papel de Gouveia e Melo, falando como uma pessoa normal, como cidadão, acho que os contextos influenciam muito as situações; este contexto de uma guerra e incerteza geoestratégica e de alguma violência, […] de certeza que vai pesar nas circunstâncias futuras em quaisquer eleições”. Gouveia e Melo disse ainda que “o último militar na Presidência foi Ramalho Eanes, a quem a população tem de estar agradecida”.

    Pelo meio, partilhou diversas opiniões políticas, como: “temos que saber aproveitar, em termos geopolíticos, a nossa posição; não é só a Europa, é também o Atlântico; não é só o Atlântico, é também a Europa e o Norte de África”. Gouveia e Melo também dissertou, embora sem profundidade, sobre o que considera serem os maiores problemas do país, argumentando que “o maior desafio [de Portugal] é a produtividade da nossa Economia”. E manifestou até ser um adepto das políticas dos países nórdicos. Partilhando uma visão populista, Gouveia e Melo afirmou ainda que “devemos criar riqueza e a criação de riqueza deve beneficiar aqueles que são os motores dessa riqueza, mas também devemos distribuir a riqueza pela sociedade porque uma sociedade desequilibrada é o fim dessa própria sociedade, criamos extremismos e pobreza”.

    Além de tudo isto, Gouveia e Melo chegou a revelar aspectos operacionais sensíveis relacionados com a Armada no decurso da invasão russa da Ucrânia, alegando terem já existido “momentos de tensão com navios russos que foram resolvidos com bom senso”. E detalhou que, “só o ano passado, tivemos que fazer 43 missões de seguimento e acompanhamento desses navios militares” e que “este ano, já superámos esse número”.

    (Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)

    Estas revelações também infringem gravemente normas legais. A Lei da Defesa Nacional salienta que “os militares na efectividade de serviço estão sujeitos a dever de sigilo relativamente às matérias cobertas pelo segredo de justiça ou pelo segredo de Estado e por outros sistemas de classificação, aos factos referentes ao dispositivo, à capacidade militar, ao equipamento e à acção operacional das Forças Armadas de que tenham conhecimento em virtude do exercício das suas funções, bem como aos elementos constantes de centros de dados e registos de pessoal que não possam ser divulgados”.

    Saliente-se que a Constituição da República Portuguesa estipula que “as Forças Armadas [e por extensão os militares] estão ao serviço do povo português, são rigorosamente apartidárias e os seus elementos não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política”.

    O dever de isenção política está ainda plasmado no Regulamento da Disciplina Militar, onde se explicita que “o dever de isenção dos militares consiste no seu rigoroso apartidarismo, não podendo usar a sua arma, o seu posto ou a sua função para qualquer intervenção política, partidária ou sindical”. A violação deste regulamento implica obrigatoriamente a abertura de um processo disciplinar que, no caso de Gouveia e Melo, será José ​Nunes da Fonseca, o Chefe do Estado-Maior-General das Forç​as Armadas. Com efeito, o regulamento disciplinar destaca que “o processo disciplinar é obrigatória e imediatamente instaurado, por decisão dos superiores hierárquicos, quando estes tenham conhecimento de factos que possam implicar a responsabilidade disciplinar dos seus subordinados, devendo do facto ser imediatamente notificado o arguido”.

    (Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)

    Em todo o caso, por agora não se mostra legalmente possível saber se José Nunes Fonseca cumpriu este preceito legal, porque “o processo disciplinar é de natureza secreta até à notificação da acusação“, sendo proibida a divulgação de peças procedimentais. Em todo o caso, dado o impacto mediático e político da entrevista, será tecnicamente impossível que o general que comanda as Forças Armadas alegue, no futuro, que não tomou conhecimento das declarações deste mês de Gouveia e Melo.

    A entrevista do líder da Marinha teve amplo eco mediático, com diversos órgãos de comunicação social a destacar as suas declarações e a possível candidatura do chefe de Estado-Maior da Armada a Belém. Ao volume de notícias juntou-se ainda um coro de comentadores a amplificar as palavras de Gouveia e Melo e posicionando-o como candidato à Presidência da República.

    No caso de comentadores, as declarações políticas de Gouveia e Melo foram destacadas, por exemplo, no programa Soundbite, no jornal Público, do dia 5 de Setembro, na crónica de João Pereira Coutinho, no dia 7 de Setembro, no Correio da Manhã, e como ‘nota de rodapé’ da última crónica de Dinis de Abreu, no Observador. Mas a entrevista também teve impacto nos meandros da política, com políticos, nomeadamente Pedro Santana Lopes, a comentar a possível candidatura de Gouveia e Melo à Presidência.

    De acordo com juristas consultados pelo PÁGINA UM – e pela interpretação de obras sobre esta matéria escritas por constitucionalistas, como Gomes Canotilho, Vital Moreira e Jorge Miranda, – as intervenções de Gouveia e Melo são, de facto, susceptíveis de abertura automática e secreta de um processo disciplinar. Para José Melo Alexandrino, professor da Faculdade de Direito de Lisboa, “no contexto em que foram proferidas, tais declarações, por serem essencialmente políticas, e, mais do que isso, por se referirem a potenciais projectos políticos do entrevistado, constituem clara ofensa aos deveres de apoliticidade e de neutralidade a que os militares estão sujeitos, por força da Constituição e da lei”.

    Fazendo uso da sua farda, o almirante admitiu que pode vir a ser candidato à Presidência da República e as suas declarações tiveram um forte impacto mediático e político.
    (Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)

    Apesar de não ter assistido à entrevista, este reputado constitucionalista e especialista em Direito Comparado diz bastar “a leitura da dezena de notícias dos dias seguintes e das opiniões” de comentadores para concluir, “sem margem para grandes dúvidas” que Gouveia e Melo violou gravemente a lei.

    José Melo Alexandrino também considera, aliás, que no cerne desta entrevista não está “num problema de liberdade de expressão dos militares, direito fundamental cujo âmbito foi adequadamente alargado na revisão da Lei de Defesa Nacional em 2009”, mas sim os limites decorrentes da “reserva própria do estatuto da condição militar”, como expressamente determina a Lei da Defesa Nacional.

    O professor de Direito salienta ainda que, “dentro dessa esfera da reserva da condição militar, se encontra precisamente o dever fundamental especial, inscrito na Constituição, segundo o qual ‘os elementos das Forças Armadas não podem aproveitar-se da sua arma, do seu posto ou da sua função para qualquer intervenção política”.

    Assim, “à luz das notícias e das opiniões já divulgadas na opinião pública, está mais do que demonstrado que algumas das declarações feitas nessa entrevista ofenderam de forma grave e manifesta o dever de neutralidade e de ‘apoliticidade’ inerente ao estatuto da condição militar, dever como tal concretizado nas diversas leis militares”.

    Para este jurista, há que ter em consideração não só o contexto pré-eleitoral em que a entrevista foi concedida e as declarações políticas que foram proferidas, como também o forte impacto mediático que causou, com comentadores políticos a destacar as palavras do almirante. Além disso, Gouveia e Melo proferiu as considerações políticas usando farda e estando a representar o cargo que ocupa na hierarquia militar.

    Estes posicionamento segue em linha com a de outros constitucionalistas José Joaquim Gomes Canotilho e Vital Moreira que já defenderam, obra “Constituição da República Portuguesa Anotada“, publicada em 2007. que “o princípio da imparcialidade e neutralidade política política − que, em parte, integra já o princípio do apartidarismo − é mais extenso do que este, pois ele impõe , além do apartidarismo, também a apoliticidade dos militares, enquanto tais”. E citam também a Constituição, a qual explicita que um militar não pode aproveitar-se “da sua função, do seu posto ou da sua arma para qualquer intervenção política”, acrescentando que cabem, “nesta interdição, todos os actos típicos de intervenção militar na política, desde as simples tomadas de posição políticas de um chefe militar, até, bem entendido, aos actos insurrecionais”.

    A entrevista do chefe do Estado-Maior da Armada teve um forte impacto mediático e político.

    Por seu lado, Jorge Miranda, outro reputado constitucionalista, considerou também já numa obra anotada sobre a Constituição da República, publicada há quatro anos, que “a proibição de intervenções políticas (…) dirige-se, em primeiro lugar, aos representantes institucionais das Forças Armadas − os Chefes de Estado-Maior”, defendendo que “não podem estes , nem qualquer militar, assumir posição política ou, muito menos, político-partidária”.

    Nessa obra, Jorge Miranda esclarece ainda que a definição de “serviço do povo português” significa “o reconhecimento da legitimidade inerente ao Estado de Direito democrático (…), com obediência aos órgãos de soberania (…) baseados nesta legitimidade − os únicos aos quais cabe decretar a legislação e o orçamento militares e definir as missões que, em concreto, em cada momento, as Forças Armadas podem ser chamadas a cumprir, nos termos da Constituição”.

    Contudo, em contraciclo, Jorge Pereira da Silva, professor na Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, considera que as declarações do almirante podem ser abrangidas no conceito de liberdade de expressão, citando o artigo 270º da Constituição da República e o artigo 28º da Lei da Defesa Nacional.

    Apesar de não ter ouvido a entrevista, Pereira da Silva salientou ao PÁGINA UM que “se as declarações de Gouveia e Melo tivessem resultado em consequências materiais”, nomeadamente agitação social ou algum tipo de tumulto, haveria, nesse caso, violação de deveres, porque iriam para além do direito à liberdade de expressão.

    (Foto: Captura a partir de vídeo da entrevista à RTP3)

    Para este professor, pode haver ataques a Gouveia e Melo, nomeadamente acusando-o de violação de deveres, por parte de pessoas de esquerda, que não vejam com bons olhos a possível eleição para a Presidência de um “candidato popular e populista, de origem militar”. Mas considera que a melhor resposta não será tentar silenciar Gouveia e Melo, mas sim “responder-lhe no espaço público e mediático”.

    Na entrevista, Gouveia e Melo − que liderou a operação de distribuição logística das vacinas contra a covid-19 − insurgiu-se, aliás, por existirem sectores de o quererem “condicionar”, defendendo o direito a ser um cidadão livre e de ser candidato a Belém, se o desejar, quando terminar o actual mandato como chefe do Estado-Maior da Armada no próximo dia 27 de Dezembro. “Estou é decidido a ser um cidadão livre, depois de sair das minhas funções; e que ninguém me venha tentar condicionar essa liberdade porque aí, sim, ficarei aborrecido, como é evidente, porque acho que nós não devemos ser condicionados das nossas liberdades garantidas por lei”. Esta opinião de Gouveia e Melo contrasta, contudo, com as suas posições durante a pandemia, quando as liberdades e garantias definidas pela lei constitucional foram violadas e condicionadas.


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  • Sinais de corrupção atingem um terço dos gastos públicos do Reino Unido durante a pandemia

    Sinais de corrupção atingem um terço dos gastos públicos do Reino Unido durante a pandemia

    Uma organização anti-corrupção, a Transparency International UK, detectou 135 contratos públicos adjudicados durante a pandemia de covid-19 que levantam fortes suspeitas de terem envolvido práticas corrupção. No total, estes contratos envolveram um montante de 18,2 mil milhões de euros, cerca de um terço de toda a despesa pública efectuada na pandemia pelo país. Agora, aquela organização apela às autoridades britânicas para investigarem os contratos suspeitos. Não foi só no Reino Unido que a gestão da pandemia escancarou a porta para a corrupção. Em Portugal, houve o chamado ‘cartel dos testes’, envolvendo os maiores laboratórios do país, mas também floresceu a falta de transparência, como no caso dos contratos das vacinas assinados pela Direcção-Geral da Saúde, que permanecem envoltos em opacidade. Um processo de intimação do PÁGINA UM, apresentado em Dezembro de 2022, ainda não tem desfecho previsto, devido a sucessivas procrastinações e mentiras do Ministério da Saúde.


    A Transparency International UK, uma organização britânica anti-corrupção, analisou 5.000 contratos públicos adjudicados no Reino Unido durante a pandemia da covid-19 em busca de sinais de potencial corrupção. A análise aos contratos públicos detectou a existência de problemas significativos em contratos no valor de 15,3 mil milhões de libras (ou 18,2 mil milhões de euros), o que corresponde a um terço dos gastos globais. Segundo a análise da mesma organização, foram identificados 135 contratos com sinais de alto risco de poderem envolver práticas de corrupção.

    Testes, material de protecção médica e máscaras geraram estão entre os bens que originaram contratos nebulosos no Reino Unido. Um total de 28 contratos, no valor de 4,1 mil milhões de libras (4,9 mil milhões de euros), foram adjudicados a empresas com conhecidas ligações políticas. Outros 51 contratos, no montante de 4,0 mil milhões de libras (4,75 mil milhões de euros), foram adjudicados através de uma via VIP para empresas recomendadas por membros do parlamento e pares, uma prática que o Supremo Tribunal considerou ser ilegal.

    Para a Transparency International UK, a suspensão das regras normais de prevenção da corrupção no Reino Unido, careceu de fundamentação, na maior parte dos casos, tendo a medida acabado por trazer prejuízo aos contribuintes. Segundo aquela organização, quase dois terços dos contratos de valores mais elevados para fornecer bens como máscaras e equipamento de protecção médica durante a pandemia, num total de 30,7 mil milhões de libras (36,5 mil milhões de euros), foram adjudicados por ajuste directo.

    Um grupo de oito contratos, num valor global de 500 milhões de libras (593,8 milhões de euros) foram entregues a empresas que não tinham mais de 100 dias de existência, que é um dos sinais de alarme na prevenção da corrupção.

    A Transparency International UK, uma organização que tem tido um papel forte e activo na investigação à gestão da pandemia naquela país, apelou às autoridades para que investiguem os contratos identificados como apresentando um risco muito elevado de corrupção.

    Em Portugal, foi notícia, recentemente, a aplicação de coimas ao chamado ‘cartel dos testes‘ que envolveu os grandes laboratórios de análises clínicas do país. Mas, além da corrupção, a gestão da pandemia trouxe falta de transparência em diversos contratos públicos. O PÁGINA UM, por exemplo, aguarda ainda o desfecho da intimação colocada no Tribunal Administrativo de Lisboa contra a Direccção-Geral da Saúde para o acesso aos contratos da compra das vacinas para a covid-19, bem como da correspondência com as farmacêuticas e as guias de remessa. A acção foi colocada em 31 de Dezembro de 2021, ou seja, há quase 21 meses.

    O Ministério da Saúde tem tentado aproveitar o secretismo dos acordos prévios assinados entre a Comissão von der Leyen e as farmacêuticas para convencer a juíza deste exasperante e longo processo, Telma Nogueira, a considerar os tribunais administrativos portugueses incompetentes para analisar o pedido. A suceder significaria que qualquer acto administrativo que decorresse de Bruxelas podia estar vedado aos cidadãos portugueses se houvesse qualquer cláusula secreta determinada por ‘eurocratas’ não-eleitos, independentemente da sua cidadania.

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    Depois de o Tribunal Geral da União Europeia ter considerado abusivas as cláusulas de confidencialidade, a juíza Telma Nogueira instou o Ministério da Saúde, antes de concluir a sentença, a fornecer-lhe os contratos assinados pelo Estado português, bem como a correspondência. E deu um prazo de 15 dias. Esta semana, no limite deste prazo, a directora-geral da Saúde, Rita Sá Machado, pediu uma prorrogação de de mais 40 dias. A juíza concordou, o que, em princípio, fará com que um processo de intimação, considerado urgente, vá demorar, na primeira instância, aproximadamente dois anos.

    Além deste negócio da compra das vacinas, merece também destaque em Portugal uma aquisição sem contrato no valor de 20 milhões de euros do antiviral Paxlovid, da farmacêutica Pfizer, usando uma norma legal já revogada. De entre os casos obscuros de aquisição de testes e diversos materiais de protecção individual, estão situações qm que as empresas não detinham sequer qualificações nem histórico no sector.

    Houve também entidades públicas que esconderam compras por ajuste directo e sem documentos de suporte conhecidos, aproveitando um regime especial de contratação pública que dispensava a redução a escrito. O caso mais gritante detectado ao longho dos anos pelo PÁGINA UM passou-se no Hospital de Braga, presidido por João Porfírio Oliveira, que escondeu 1.354 ajustes directos de 47 milhões de euros relacionados com a pandemia por mais de dois anos. Em muitos nem se sabe o que se comprou. O PÁGINA UM ainda aguarda que o Tribunal de Contas se pronuncie sobre esta matéria.


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  • Mafra transforma patrocínio em falso contrato de ‘aquisição de serviços’ de organização de prova internacional de surf

    Mafra transforma patrocínio em falso contrato de ‘aquisição de serviços’ de organização de prova internacional de surf

    O Município de Mafra pagou 125 mil euros a uma empresa para organizar uma prova de surf, mas, na verdade, este evento desportivo integra o circuito da Liga Mundial de Surf e tem associada uma empresa de cerveja espanhola, uma marca de roupa desportiva norte-americana e a EDP. O ajuste directo para uma falsa prestação de serviços é assim, em concreto, um ‘subsídio’ a uma empresa privada dado pela Câmara de Mafra é justificado, pela autarquia com o facto de os municípios poderem apoiar eventos “que contribuam para a promoção da saúde e prevenção das doenças”. Desde 2018, a autarquia social-democrata já ‘lançou ao mar’ 750 mil euros. porque tem boas ondas…


    A Câmara Municipal de Mafra assinou um contrato por ajuste dirrecto para a “produção” em concreto da prova internacional de surf, mas, na verdade, trata-se de um apoioà organização deve ser visto com um patrocínio. Denominada “EDP Vissla Ericeira 2024”, a prova decorrerá na praia de Ribeira d’Ilhas, entre os próximos dias 29 de Setembro e 6 de Outubro, e integra o circuito internacional de Liga Mundial de Surf, sendo que a organização está associada a uma empresa espanholsa de cerveja (Estrella Galicia) e tem como ‘naming’ (principais patrocinadores) uma marca de roupa desportiva da Califórnia (Vissla) e a EDP.

    A autarquia do distrito de Lisboa tem, aliás, desembolsado anualmente sempre a mesma verba de 125 mil euros para pagar a organização da prova autorizada pela Liga Mundial de Surf, tanto directamente, como através de uma empresa municipal. Desde 2018, foram gastos 750 mil euros de dinheiros públicos para suportar gastos com a organização desta prova, que, em quase todas as edições, tem tido o ‘naming‘ da EDP, com a excepção do evento de 2021, que foi patrocinada pela MEO.

    Autarquia assume em contrato que uma empresa organiza para si um evento que é afinal da responsabilidade da Liga Mundial de Surf, estando associada a uma emprsa espanhola de cerveja e tem a Vissla e a EDP como patrocinadores com direito a ‘naming’.

    Este ano, o contrato assinado pelo presidente social-democrata da autarquia, Hugo Moreira Luís, em 3 de Setembro passado e registado no Portal Base na mesma data, beneficiou a empresa 3Sports Events e explicita que o objecto é a “Produção do Evento Desportivo – EDP Vissla Pro Ericeira 2024”. Porém, apesar de o contrato estipular que faz parte integrante o caderno de encargos, este documento não se encontra disponibilizado no Portal Base, como deveria. Deste modo, pouco se sabe sobre as tarefas a executar pela empresa contratada, inferindo-se, sem ser evidente, nas cláusulas do contrato que envolverá montagens e desmeontagens de estruturas e também limpeza de espaços. Este procedimento, através de ajuste directo, contrasta com apoios atribuídos por outras autarquias a provas desportivas, mesmo quando sob a forma de patrocínio, onde as contrapartidas estão definidas em detalhe.

    No único documento disponível no Portal Base, que se resume às sucintas cláusulas do contrato, apenas é mencionado que prazo para a prestação do serviço é de 19 dias e corresponde não só ao período em que decorre o evento, de 29 de Setembro a 6 de Outubro, incluindo um período para montagem de infraestruturas e posterior desmontagem e limpeza dos espaços. Mas não diz explicitamente que a emprsa adjudicatária seja quem executa essas tarefas.

    Em resposta a perguntas do PÁGINA UM, a autarquia de Mafra afirmou apenas que, “nos termos do caderno de encargos [que não enviou], a prestação de serviços é referente à ‘Produção do Evento Desportivo – EDP Vissla Pro Ericeira 2024’, a realizar, previsivelmente, de 29 de Setembro a 6 de Outubro do corrente ano, com período inicial de preparação e montagem das infraestruturas, e final onde será contemplada a desmontagem e limpeza dos espaços, prazo este com início a 22 de Setembro e término a 10 de Outubro do corrente ano”. Em suma, repetiu o que consta no contrato.

    O evento “subsidiado” pela Câmara Municipal de Mafra tem como patrocinador de destaque a EDP, que dá mesmo o nome ao evento. (Foto: D.R.)

    A mesma fonte oficial da autarquia adiantou ainda que esta prestação de serviços contempla a “apresentação de licença para realização da prova; produção do evento (gestão de atletas; viagens; refeições), gestão logística; montagem de infraestruturas e equipamentos; desenvolvimento de plano de comunicação; [e] gestão da atividade desportiva”. Ora, esta parte não consta nas breves cláusulas do contrato.

    Sobre o facto de a autarquia assumir os custos de produção de um um evento onde não é formalmente a organizadora – nem o seu nome consta na divulgação da prova no site da Liga Mundial de Surf –, e cujo ‘naming’ é de duas empresas privadas, a Câmara argumenta que “ainda que o município de Mafra não tenha o seu nome do evento, do mesmo faz parte a referência à Ericeira, que é uma localidade deste município e que, numa perspectiva de marketing territorial, se pretende promover”. E conclui ainda que “a referência do Município de Mafra, através do seu brasão, faz parte dos diversos materiais de comunicação da prova”. O PÁGINA UM consultou vários materiais e diversos vídeos de anteriores edições desta prova na Ribeira d’Ilhas, como a do ano passado, e apenas surgem referências à EPD, Vissla e Estrella Galicia.

    Para explicar a entrega deste ‘apoio’ à prova internacional através de um ajuste directo, a autarquia alegou a ncessidade de “proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual”, o que torna estranho este contrato de prestação de serviços se estivesse em causa a simples montagem ou desmontagem de instalações e limpeza de espaços.

    O município de Mafra tem patrocinado o evento de surf pelo menos desde 2018, incluindo através da empresa municipal GIATUL. Fonte: Portal Base.

    A explicação para esta “aquisição de serviços” por parte da autarquia de Mafra também se mostra ‘sui generis’. O município liderado pelo social-demcrata Hugo Moreira Luís refere que o regime jurídico das autarquias locais lhe que confere competências para “apoiar actividades de natureza social, cultural, educativa, desportiva, recreativa ou outra de interesse para o município, incluindo aquelas que contribuam para a promoção da saúde e prevenção das doenças”. Fica por explicar como uma prova internacional privada de surf, já apoiada por empresas privadas, pode promover a saúde e prevenir doenças da população do concelho de Mafra.

    Segundo o contrato, o procedimento por ajuste directo foi autorizado por despacho do presidente da autarquia social-democrata, Hugo Moreira Luís, assinado pelo autarca a 11 de Julho deste ano. A prestação de serviços contemplada no contrato foi adjudicada pelo autarca a 26 de Julho.

    Este contrato está isento de fiscalização pelo Tribunal de Contas ao abrigo do artigo 48º da Lei 98/97 que refere que “ficam dispensados de fiscalização prévia os contratos referidos nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 46.º de valor inferior a 750 000 (euro), com exclusão do montante do imposto sobre o valor acrescentado que for devido”.

    Câmara de Mafra alega que o seu brasão está em todos os materiais de divulgação do evento internacional.

    Saliente-se que este procedimento tem sido seguido em anos anteriores, embora por vezes em moldes distintos. Já o anterior presidente da autarquia, o social-democrata Hélder Sousa Silva, que saiu do cargo este ano, para assumir funções como eurodeputado, usou a mesma estratégia para conceder este “apoio”. No entanto, para o ano de 2022 e 2023, a autarquia fez contratos de “aquisição de serviços”, também no valor de 125 mil euros, à empresa Oceanptevents, para patrocinar o mesmo evento de surf na Ericeira.

    No entanto, nos três anos anteriores os contratos, por ajuste directo e pelo mesmo valor, foram suportados pela GIATUL, a empresa municipal que gere as actividades lúdicas, infraestruturas e rodovias deste concelho, mas neste caso o patrocínio, embora não explicitamente assumido, tornava-se mais evidente. Resta saber se, nos próximos anos, o município vai continuar a ‘surfar esta onda de águas turvas’, concedendo um apoio ou subsídio, justificando tudo através de um contrato de “aquisição de serviços”, aproveitando-se também do facto de não ser, aparentemente, exigido visto prévio do Tribunal de Contas.


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