Autor: Elisabete Tavares e Pedro Almeida Vieira

  • Cúpula da administração da REN recebeu 2,3 milhões de euros por ano desde 2020

    Cúpula da administração da REN recebeu 2,3 milhões de euros por ano desde 2020

    Rodrigo Costa, João Faria Conceição e Gonçalo Morais Soares. São estes os três gestores que têm nas mãos a segurança energética do país, já que são responsáveis pela gestão executiva da REN-Redes Energéticas Nacionais, a empresa monopolista à quem cabia prevenir o recente ‘apagão’ histórico que deixou Portugal ‘às escuras’ durante longas horas.

    Apenas estes três gestores custaram à REN, em salários fixos e variáveis, um total de 11,4 milhões de euros nos últimos cinco anos, de acordo com um levantamento do PÁGINA UM, resultando num valor médio anual de 2,3 milhões de euros.

    Rodrigo Costa, presidente-executivo e presidente do conselho de administração, levou para casa 4,4 milhões de euros em remunerações fixas e variáveis, desde 2020. No ano passado, o seu salário fixo bruto anual foi de 413.615 euros, a que acresceram remunerações variáveis de curto e médio/longo prazo de 223.815 e 210.822 euros, respectivamente. Em termos médios, Rodrigo Costa amealhou por quase 63 mil euros em cada mês dos últimos cinco anos, ou seja, mais de 70 salários mínimos nacionais.

    Gonçalo Morais Soares, Rodrigo Costa e João Faria Conceição, membros da comissão executiva da REN. / Foto: D.R./REN

    O antigo gestor da Portugal Telecom foi vice-presidente do grupo de telecomunicações, junto com Zeinal Bava, quando a ‘telecom’ era liderada por Henrique Granadeiro. Costa dirigiu o negócio da rede fixa da PT e foi presidente da PT Multimédia, que detinha a TV Cabo. Isto numa altura em que o Grupo Espírito Santo (GES) e Ricardo Salgado tinham, junto com o Estado, o ‘comando’ não mão no que toca à gestão da PT.

    Antes de ingressar na REN, em 2015, Rodrigo Costa foi ainda presidente da NOS e da Unicre. Na REN, o gestor acumula diversos pelouros: recursos humanos; serviços jurídicos; relações com os media; sustentabilidade e comunicação; coordenação estratégica; e inovação.

    João Faria Conceição é membro da comissão executiva e do conselho de administração da REN desde Maio de 2009. O antigo assessor de Manuel Pinho e ex-consultor do Boston Consulting Group (BCG), mantém-se actualmente como administrador da REN, apesar de ser um dos arguidos no processo da EDP/CMEC pelo crime de corrupção.

    Foto: D.R./ REN

    Na REN, Faria Conceição é o responsável máximo pela gestão do sistema tanto de electricidade como de gás. Tem também a seu cargo as áreas de planeamento de rede, gestão de activos e engenharia, entre outras.

    Entre 2020 e 2024, este gestor ganhou 3.486.350 euros em remunerações brutas fixas e variáveis de curto e médio/longo prazo. Em 2024, por exemplo, auferiu 327.669 euros de salário bruto fixo anual e ainda 177.308 euros de remuneração variável de curto prazo e 167.014 euros de remuneração variável de médio/longo prazo, num total de 671.991 euros.

    A mesma verba foi paga, naquele período, a Gonçalo Morais Soares, o administrador financeiro da REN. Este gestor também passou pela PT, onde foi director de Planeamento e Controlo entre 2003 e 2007, e foi administrador da ZON, sucedânea da PT Multimédia e actual NOS.

    Foto: D.R.

    Na REN, Morais Soares tem a seu cargo a gestão financeira e, entre outros pelouros, é responsável pelos sistemas de informação do grupo, pela Rentelecom, Renfinance e a Transemel, no Chile. Al+em disso, estes administradores da holding também os conselhos de administração das diversas subsidiárias do grupo.

    Estes três gestores integram o conselho de administração da REN, que é composto por um total de 15 membros, embora com salários mais baixos e sem prémios de desempenho. Desde 2020, a REN a despesa da REN com a remuneração dos seus administradores ascendeu a 14,5 milhões de euros, incluindo os três gestores executivos.

    No conselho de administração estão representantes de accionistas da REN, que é controlada em 25% pela estatal chinesa State Grid Corporation of China, em 12% pela espanhola Pontegadea Inversiones, em 7,7% pela Lazard Asset Management, em 5,3% pela chinesa Fidelidade e em 5% pela Redeia Corporación.

    José Luís Arnaut. / Foto: D.R.

    Um dos administradores da REN é José Luís Arnaut, que está no conselho de administração da empresa desde 2012. O conhecido advogado e ‘facilitador’ de negócios lidera a sociedade de advogados CMS Rui Pena, Arnaut & Associados e é Presidente do Conselho de Administração da ANA – Aeroportos de Portugal (Vinci Airports) desde 2018.

    Apesar de ser administrador da REN, a sua sociedade de advogados também presta serviços à empresa e tem facturado milhares de euros com a REN.

  • Graça Morais ganha meio milhão de euros em duas encomendas públicas

    Graça Morais ganha meio milhão de euros em duas encomendas públicas

    Apenas duas encomendas garantiram à pintora Graça Morais a façanha de facturar meio milhão de euros em cinco meses. E engana-se quem pense que se trata de encomendas feitas por bancos ou outros patronos ricos do sector privado. O gasto é público e é superior ao valor investido no ano passado pelo Estado na compra das 12 peças de arte proposta pela Comissão para a Aquisição de Bens Culturais para os Museus e Palácios Nacionais, que envolveu 428 mil euros.

    No caso das encomendas à pintora de 77 anos, membro da Academia Nacional de Belas Artes, os mecenas que abriram generosamente os cordões à bolsa são duas entidades públicas: o Município de Oeiras e a Provedoria da Justiça, que vão desembolsar 420 mil euros, que com o IVA ultrapassarão meio milhão de euros.

    Graça Morais / Foto: Egidio Santos/Centro de Arte Contemporânea Graça Morais

    A primeira encomenda, e a mais valiosa, no valor de 300 mil euros (excluindo o IVA), foi feita pela autarquia liderada por Isaltino Morais. Por ajuste directo, assinado a 22 de Novembro do ano passado, o munícipio assume a despesa milionária para a “aquisição da prestação dos serviços para criação, aquisição e trabalhos de um Mural Artístico em Caxias/Oeiras, no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril”.

    Como é habitual, o caderno de encargos deste ajuste directo não está disponível na plataforma de contratação pública, o Portal Base, contrariando a legislação e as melhores práticas de transparência. Assim, não são conhecidos todos os contornos e condições da encomenda, cujo contrato é válido por 289 dias. O ajuste directo foi justificado com o facto de ser “necessário proteger direitos exclusivos, incluindo direitos de propriedade intelectual“. Mas não é referido como foi seleccionado o nome da pintora.

    Em Abril do ano passado, a autarquia divulgou uma publicação nas redes sociais sobre as iniciativas do município relacionadas com as comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. Nessa publicação, destaca “o mural ‘Passeio da Democracia’, em homenagem à Revolução do 25 de Abril, dedicado aos presos políticos que estiveram no Forte de Caxias, da autoria da artista Graça Morais” e avança que “este mural irá gravar os 10 mil nomes de homens e mulheres que por ali passaram”.

    Isaltino Morais num discurso sobre as iniciativas de Oeiras no âmbito das comemorações dos 50 anos do 25 de Abril. / Foto: Captura de imagem de vídeo da autarquia de Oeiras

    Na mesma publicação, é divulgado um vídeo com o edil de Oeiras, Isaltino Morais, a afirmar que “a Graça Morais vai fazer um monumento escultórico, um mural alusivo à revolução e depois vamos ter um grande mural, um painel, um memorial, onde irão ser gravados os nomes de 10 mil homens e mulheres que passaram pela prisão de Caxias”.

    No contrato consultado pelo PÁGINA UM é referido que a encomenda artística será paga através da dotação orçamental com a classificação económica “artigos e objectos de valor” e “sistemas de solidariedade e segurança social”. Refere ainda que “a repartição plurianual de encargos no presente contrato foi autorizada por deliberação da assembleia municipal”.

    Em representação da pintora no contrato com a autarquia de Oeiras a assinatura é do advogado Francisco Teixeira da Mota. Da parte da autarquia, Emanuel Gonçalves, vice-presidente da Câmara Municipal de Oeiras. O PÁGINA UM apurou que a primeira tranche do contrato, no valor de 60.000 euros (73.800 euros, incluindo o IVA), foi paga à pintora na altura da adjudicação, com a factura-recibo emitida com data de 5 de Dezembro de 2024.

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    Cinco meses depois, a pintora voltou a ‘cair nas graças’ de uma entidade pública. Desta vez, foi a Provedoria de Justiça que decidiu fazer uma encomenda a Graça Morais. O contrato por ajuste directo, no valor de 120 mil euros (excluindo o IVA), foi celebrado a 15 de Abril e visa a “aquisição de serviços de produção de obra de arte”, tendo um prazo de execução de 168 dias. Neste caso, a justificação para ter sido efectuado o ajuste directo é o facto de o “objeto do procedimento” ser “a criação ou aquisição de uma obra de arte ou de um espetáculo artístico“.

    Tudo indica que a encomenda foi feita no âmbito das comemorações dos 50 anos da existência da Provedoria de Justiça. Outra hipótese, menos provável, seria a encomenda de um retrato para a galeria de retratos de antigos provedores, que foi inaugurada a 18 de março de 2015, graças “à generosidade da Fundação Engenheiro António de Almeida, presidida por Fernando Aguiar-Branco, e ao traço do pintor João Freitas”.

    Mas não foi possível confirmar o motivo da encomenda porque o caderno de encargos deste ajuste directo também não está disponível ao público, com a Provedoria de Justiça a incorrer na mesma falta de transparência de que padecem muitas entidades públicas que omitem detalhes de contratos do Portal Base. A Provedoria de Justiça, contactada pelo PÁGINA UM, também se escusou a explicar o motivo da encomenda e como foi escolhido o nome da pintora.

    A provedora de Justiça, Maria Lúcia Amaral, numa audição na Comissão Eventual para o Acompanhamento Integrado da Execução e Monitorização da Agenda Anticorrupção no Parlamento, em Fevereiro de 2025. / Foto: Captura de imagem a partir do vídeo da audição

    Na secção ‘Observações’ no Portal Base, a Provedoria de Justiça justificou que a aquisição da encomenda à pintora foi efectuada “por total ausência de número de trabalhadores e de competências internas para a realização do serviço em causa”. No caso desta contratação, a pintora recebeu 48.000 euros na assinatura do contrato e receberá a verba restante aquando da entrega da obra encomendada, segundo os termos do contrato.

    Curioso é facto de, apesar de ser uma pintora muito conceituada, no Portal Base apenas se encontram estes dois contratos feitos directamente com Graça Morais, desconhecendo-se se haverá outros adjudicados à pintora mas em nome de uma empresa, ou se possam ter sido feitos mas não terem passado pela plataforma de contratação pública.

    No entanto, pelo menos duas obras de Graça Morais foram já compradas por entidades públicas: em 2023, a Direção-Geral do Património Cultural comprou por 60 mil euros a pintura ‘O Bordel’, para expor no Museu do Côa; e em 2013 a autarquia de Loulé comprou uma obra de arte não especificada por 10 mil euros.

    A provedora de Justiça numa visita à galeria de retratos de antigos provedores com a presença do então líder do PSD, Rui Rio, durante a Semana da Justiça. / Foto: D.R.

    Sendo actualmente a pintora ainda no activo mais valorizada em Portugal, os 420.000 euros (516.600 euros com IVA incluído à taxa de 23%) que Graça Morais vai arrecadar em apenas duas encomendas, a desenvolver em menos de seis meses, aparenta ser ‘obra’. Com efeito, em diversos leilões realizados nos últimos anos em Portugal, apenas algumas das suas pinturas ultrapassam a fasquia dos 10 mil euros, sendo um dos casos a pintura ‘Sophia e o Anjo‘, um acrílico sobre papel vendido por 18 mil euros em 2018.

    No  Centro de Arte Contemporânea de Bragança, que tem o seu nome, está exposta uma parte importante do seu espólio artístico constituída por mais de 120 obras. Em 2021, a pintora transmontana, nascida em Vila Flor, doou um conjunto de 70 pinturas a este centro, atribuindo ao lote um valor de meio milhão de euros, ou seja, um valor médio um pouco acima de sete mil euros.

  • Vila Real: ‘festa de arromba’ do centenário já vai em meio milhão

    Vila Real: ‘festa de arromba’ do centenário já vai em meio milhão

    Vila Real, outrora apelidada de ‘a Corte de Trás-os-Montes’, celebra este ano o centenário de elevação a cidade e vai ter uma festa digna de marajás. A autarquia decidiu abrir os cordões à bolsa e os gastos com a ‘festa’ já vão em meio milhão de euros – e ainda faltam contratos. A autarquia, aparentemente, nem colocou um ‘tecto’, porque, nem sequer indicou ao PÁGINA UM o valor orçamentado.

    A celebração, que ocorre em ano de eleições autárquicas, vai contar com mais de 100 eventos “gratuitos” – pagos pelos contribuintes -, designadamente lúdicos, culturais e desportivos, que inclui até a contratação da banda britânica ‘James’ para realizar um concerto no dia 5 de Julho.

    Só na contratação desta banda inglessa liderada por Tim Booth – tio da actriz portuguesa Maya Booth -, a autarquia liderada pelo socialista Rui Santos vai gastar 194.832 euros, segundo o contrato adjudicado ontem por ajuste directo à empresa Malpevent. Este montante inclui IVA.

    A banda britânica ‘James’ vai arrecadar uma grande fatia dos gastos do município liderado pelo socialista Rui Santos com a celebração do centenário da elevação de Vila Real a cidade.

    Para justificar esta contratação milionária, a autarquia referiu, em respostas enviadas ao PÁGINA UM, que, tratando-se da celebração do centenário, “deveria haver um concerto distintivo, diferente da programação habitual que acontece no concelho, sempre com bandas nacionais”. Por isso, “foi decidido contratar uma banda de dimensão internacional, que permitisse atrair a atenção da região e até do país para a comemoração do centenário da cidade de Vila Real e, simultaneamente, proporcionar aos vila-realenses uma nova experiência no seu território”.

    Quanto à escolha, em concreto, desta banda, “prende-se com uma auscultação feita ao mercado das bandas disponíveis, dentro do orçamento definido”, sendo que a “a banda ‘James’ acabou por ser a escolhida por ter disponibilidade para a data pretendida e se enquadrar nos restantes objetivos”.

    Saliente-se, contudo, que os James não são já uma banda internacional assim tão distintiva – e não apenas por já terem perdido o fulgor dos anos 90, no seu auge. Na verdade, os James são quase ‘portugueses’, tornando-se banal a sua presença em solo português, mas com cachets muito mais elevados. Há alguns meses, o Expresso contabilizou 45 aparições. No ano passado, passaram pelo Rock in Rio e pelo Crato. Neste segundo concerto, a autarquia norte-alentejana pagou então 140.835 euros, menos cerca de 54 mil do que o município de Vila Real vai pagar.

    Mas o concerto em Vila Real do agrupamento britânico é apenas um dos muitos eventos planeados. E com cachets elevados. Na área da música, algumas ‘estrelas’ nacionais farão parte do ‘programa das festas’. É o caso de Rui Veloso, que foi contratado pelo município por 47.908 euros para realizar um concerto no dia 28 de Junho. O montante é elevado, mas mesmo assim muito mais baixo do concerto aprovado pela Assembleia da República em Maio, que vai custar aos cofres do Estado cerca de 140 mil euros.

    Rui Veloso. / Foto: D.R.

    Diogo Piçarra e Sara Correia também vão actuar nas festas do centenário de Vila Real. O artista vai receber 31.980 euros para realizar um concerto no dia 10 de Junho. Quanto a Sara Correia, vai encaixar 23.370 euros para o espectáculo que vai realizar no dia 29 de Junho.

    Nininho Vaz Maia, que tem sido destaque nos últimos meses, vai receber 43.665 euros para actuar no dia 6 de Agosto. O artista Carlão, vocalista dos Da Weasel, também foi contratado, por um valor de 27.982 euros, para um concerto que está agendado para 13 de Junho. Os artistas Plutónio e DJ Dadda actuam no dia 9 de Junho por 35.670 euros.

    Incluídos no programa denominado ‘100 anos / 100 momentos’, além destes músicos, cujos contratos foram já assinados, a autarquia também vai contratar outros artistas, designadamente a banda Xutos & Pontapés e Gisela João, cuja contratação ainda não foi formalizada, mas que deverá rondar um valor próximo de 40.000 euros. Em todo o caso, somando todos os contratos detectados pelo PÁGINA UM, incluindo a ópera ‘O elixir do amor, pelo Teatro de São Carlos (quase 32 mil euros) e duas peças de teatro (quase 25 mil), em quase 475 mil euros para uma população de 50 mil habitantes. Em termos proporcionais, o ‘bolo’ seria equivalente a festas em Lisboa de mais de 5,5 milhões de euros.

    O socialista Rui Santos (segundo a contar da esquerda) na conferência de apresentação do programa ‘100 anos / 100 momentos’ para comemorar o centenário de Vila Real, enquanto cidade, e que se realizou no dia 13 de Março. O autarca, que vai no seu terceiro mandato, já não se poderá recandidatar este ano, devido ao limite de mandatos imposto por lei. / Foto: D.R.

    O socialista Rui Santos, que comanda há 12 anos os destinos do município, deverá terminar assim o seu ‘reinado’ com pompa e circunstância. O autarca já não poderá concorrer a novo mandato devido aos limites impostos pela lei.

    A comemoração do centenário da elevação de Vila Real à condição de cidade, no dia 20 de Julho de 2025, já arrancou no passado dia no passado dia 14 de Março e irá terminar no último dia do ano.

    Além dos concertos, as celebrações irão incluir várias iniciativas que passam por peças de teatro, conferências, exposições, eventos desportivos, publicação de livros, plantação de árvores e emissão de selos. Em julho, a autarquia vai homenagear “aqueles que ajudaram a construir a sua identidade, com a atribuição das Medalhas do Centenário a figuras e empresas que deixaram marca na história local”.

    people playing drum on street during daytime

    Mas, apesar da relevância e magnitude da celebração, a autarquia não conseguiu precisar qual o montante global do orçamento previsto para as comemorações. Em resposta a um pedido efectuado hoje por e-mail pelo PÁGINA UM, o município indicou que “quanto ao valor total do orçamento, é muito difícil ser apurado no intervalo de tempo que nos foi dado para esta resposta, uma vez que abrangem iniciativas na área cultural, na área desportiva, ambiental, da educação, de animação, etc, e cada uma delas tem o seu orçamento próprio”.

    Por outro lado, Vila Real celebra este ano outra efeméride que irá envolver uma variedade de eventos: os 200 anos do nascimento de Camilo Castelo Branco, escritor que viveu naquela cidade transmontana. E, hoje, o que não escreveria Camilo sobre os gastos, a opulência e o ‘status’ desta grande festa que se fará também, mas não só, em seu nome?

  • ITAU continua a ‘açambarcar’ de mão-beijada contratos de alimentação no Hospital de Santa Maria

    ITAU continua a ‘açambarcar’ de mão-beijada contratos de alimentação no Hospital de Santa Maria

    A comida dos hospitais pode ter pouco condimento, mas o seu fornecimento, e os estranhos meandos da contratação pública que envolvem, garantem uma deliciosa receita (financeira) para empresas privadas. No caso dos hospitais de Lisboa Norte – Santa Maria e Pulido Valente – a contratação dos serviços de refeições a doentes e pessoal hospitalar tem estado a recair na mesma empresa nos últimos anos, quase sempre por ajuste directo, ou seja, através de contratação de mão-beijada. Apesar de os montantes serem bastante elevados, existem sempre esquemas e justificação, muitas vezes estapafúrdias, para evitar concursos públicos que permitem maior transparência e preços mais adequados.

    O caso da empresa ITAU é um dos casos mais paradigmáticos, que acaba de obter mais um ajuste directo, celebrado na passada quarta-feira, no valor de 1.457.696 euros, para servir refeições nos meses de Março e Abril deste ano na Unidade Local de Saúde de Santa Maria (ULS-SM).

    Este é o terceiro contrato que esta empresa do grupo Trivalor, sedeada em Carnaxide, obteve este ano com esta ULS que gere os hospitais de Santa Maria e Pulido Valente e uma rede de centros de saúde de Lisboa. Em Janeiro deste ano, a ITAU já tinha ‘sacado’ dois contratos: um primeiro, por ajuste directo, no valor de 1.457.696 euros, para também para servir refeições em Janeiro e Fevereiro; e o segundo no valor de 7.339 euros, para um serviço de ‘catering’. Curiosamente, este segundo contrato, com um valor irrisório face ao milhões que envolvem a alimentação quotidiana, foi sujeita a uma consulta prévia, o que mostra o absurdo da situação.

    Recorde-se que a ITAU foi condenada em 2011 pela Autoridade da Concorrência (AdC) por formação de cartel, tendo-lhe sido aplicada uma coima de 6,8 milhões de euros. No entanto, este processo, que começou em 2007, acabou por ser declarado “extinto por prescrição”, em 2015, pelo Tribunal de Relação de Lisboa, na sequência de recursos apresentados pelas oito entidades condenadas pela AdC.

    No caso do novo contrato, apesar de ‘reincidente’, e haver sempre necessidade de dar comidas aos doentes e pessoal de saúde, recorre ao ajuste directo porque alega “urgência imperiosa”, embora esta somente pode ser alegada “na medida do estritamente necessário” e se for “resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante” e que, desse modo, “não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos [como o concurso público], e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”.

    As relações comerciais entre a ITAU e as diversas administrações que gerem os hospitais da região norte de Lisboa começaram em 2019, mas quase sempre com um ‘aperto de mão’ a selar ajustes directos. O último contrato por concurso público remonta a Abril de 2021. E se se contabilizar os contratos desde essa data, contam-se já 16, dos quais 11 adjudicados por ajuste directo e os restantes através do procedimento de consulta prévia, estes geralmente muito mais baixos, a rondar cada cerca de cinco mil euros. Os ajustes directos servem para os contratos mais chorudos: desde Abril de 2021 já totalizaram cerca de 19,1 milhões de euros, incluindo IVA.

    Se considerarmos os contratos desde Maio de 2019, a ITAU conta com 28 contratos com a ULS-SM e as suas antecessoras, encaixou uma receita de 39,2 milhões de euros.

    Assim, em 2019, registaram-se quatro contratos, sendo que apenas o primeiro foi por concurso. Em 2020, contam-se cinco, todos por ajuste directo. Em 2021, foram efectuados quatro contratos, sendo que apenas um foi por concurso público. Em 2022, houve apenas um pequeno contrato para um serviço de catering. Em 2023, contam-se quatro contratos, dos quais três por ajuste directo. Em 2024, registam-se no Portal Base sete contratos adjudicados pela ULS-SM à ITAU, todos por ajuste directo.

    Em resposta a questões do PÁGINA UM, o gabinete de comunicação da USL-SM destaca sobretudo as dificuldades em realizar ou concluir com sucesso os procedimentos por concurso público, uma vez que, por regras, existem restrições orçamentais por parte do Ministério da Saúde. A USL-SM diz que, “no ano de 2022, o então Centro Hospitalar Universitário Lisboa Norte efectuou um pedido [ao Ministério da Saúde] de assumpção de compromissos plurianuais para o triénio” de 2023 a 2025. Assim, “desde essa data, a USL-SM tramitou três procedimentos por Concurso Público com publicitação no Jornal Oficial da União Europeia”, sendo que “dois procedimentos foram revogados, com a exclusão de todas as propostas apresentadas por não cumprirem os requisitos do concurso, e o terceiro procedimento encontra-se em fase de avaliação das proposta pelo Júri do procedimento”. Ou seja, estranhamente, as empresas do sector, com elevada experiência, não se incomodam muito em perder concursos públicos, mas já se disponibilizam para aceitar ajustes directos.

    A ULS-SM garante ainda que, “face aos montantes envolvidos, todos os contratos celebrados ao abrigo de ajustes directos foram sujeitos a fiscalização prévia do Tribunal de Contas”, e acrescenta que, sendo “responsável por cerca de seis mil refeições diárias aos utentes e profissionais à sua guarda, esta é uma área prioritária” para a ULS-SM, sempre “, mas sempre “no respeito escrupuloso pelos requisitos legais e com uma rigorosa análise da qualidade do serviço prestado”.  

    Saliente-se ainda que a ITAU também tem servido outro núcleo hospitalar em Lisboa. A USL de São José – que abrange seis hospitais da capital e ainda a Maternidade Alfredo da Costa – adjudicou seis contratos a esta empresa ao longo do ano passado, dos quais cinco por ajuste directo e um por concurso público. E, ao todo, já efectuou 41 contratos com aquela empresa.

    Saliente-se que só a ITAU, detida pela Trivalor, uma gestora de participações sociais com várias empresas no seu portfólio, já facturou 680,1 milhões de euros em 1195 contratos públicos desde 2008, de acordo com os registos disponíveis no Portal Base.

    Entre os seus clientes públicos, além de unidades de saúde, contam-se a CP-Comboios de Portugal, a PSP, o Instituto da Segurança Social e várias autarquias.

  • ERC institucionaliza ‘taxa de promiscuidade’ nos media

    ERC institucionaliza ‘taxa de promiscuidade’ nos media

    Na aparência é uma condenação, mas serve ‘para inglês ver’ – e pior, vai servir para perpetuar esquemas de promiscuidade entre empresas de media e entidades públicas e privadas. Uma deliberação da Entidade Reguladora para a Comunicação Social (ERC), aprovada no início deste mês e divulgada esta semana, aplicou uma coima à Impresa Publishing, dona do Expresso, pelo facto de o jornal ter publicado um artigo publicitário, assinado por uma jornalista com carteira profissional, sem fazer referência de se tratar de publicidade contratualizada.

    Mas, apesar desta condenação parecer, à primeira vista, um sinal de que o regulador dos media está, finalmente, a punir actos de promiscuidade por violação da Lei da Imprensa e de comercialização da actividade jornalística, os factos mostram o oposto. A deliberação serve como sinal de que o ‘crime’ compensa e até dá dicas para contornar futuras sanções. Isto porque a coima aplicada (2.000 euros) foi muito inferior aos proveitos obtidos pelo Expresso por essa violação da Lei da Imprensa.

    Ou seja, a ERC aplicou, na verdade, uma espécie de ‘taxa de promiscuidade’, que pode muito bem passar a ser encaixada em futuras parcerias comerciais entre media e entidades públicas e privadas, na eventualidade do regulador os voltar a incomodar. E tem incomodado pouco, diga-se, até porque este processo de contra-ordenação demorou mais de dois anos a ser concluído e envolve actividades que ocorreram em 2021.

    Na base da condenação da Impresa Publishing está uma notícia publicada pelo semanário, no dia 28 de Junho de 2021, com o título “Taxa de abandono escolar precoce caiu 10% desde 2013“, na rubrica ‘Projectos Expresso’. Trata-se de uma notícia elaborada no âmbito de um contrato de 29 mil euros efectuado entre a Secretaria-Geral de Educação e Ciência e a Impresa Publishing, para a aquisição de serviços para organização, cobertura e promoção de evento para o Programa Operacional Capital Humano (POCH), em 9 de março de 2022. Este contrato foi um dos 56 contratos identificados pelo PÁGINA UM numa investigação sobre promiscuidade nos media, publicado em Maio de 2022. Cinco destes contratos envolviam o Expresso. Cerca de um ano mais tarde, a ERC anunciou a abertura de processos de contra-ordenação a sete empresas de media.

    A ERC acaba apenas por sancionar um dos cinco contratos -havendo mais outro que foi analisado, referente ao Instituto Nacional de Conservação da Natureza e Florestas (ICNF), também revelado pelo PÁGINA UM em Maio de 2022, mas sem quaisquer consequências.

    Nesse contrato, que visou promover o POCH, esteve em ‘discussão’ se um artigo ambíguo publicado na secção ‘ Projectos Expresso’ era notícia ou publicidade. Esse artigo foi escrito pela então jornalista Fátima Ferrão, que neste momento não tem carteira profissional, até porque tem vindo a acumular a profissão de jornalista com a de coordenadora de uma empresa que faz conteúdos empresariais, a Mad Brain. Em todo o caso, Fátima Ferrão continua a assinar notícias em meios de comunicação social e a apresentar-se como jornalista, colaboradora do Expresso e coordenadora da Mad Brain, o que constitui uma acumulação de irregularidades.

    No decurso do processo de contra-ordenação, a ERC concluiu que, embora assinada por um jornalista e com um formato de um texto jornalístico, não evidenciava, aos olhos dos leitores, tratar-se de conteúdos publicitários. Isto porque a formatação do texto era similar às das notícias jornalísticas, com o mesmo tipo, cor e tamanho de letra e fundo. Porém, estava associado a um contrato para a sua elaboração, ou seja, era um compromisso assumido previamente pela Impresa Publishing perante o pagador, a Secretaria-Geral de Educação e Ciência.

    Sede da ERC, em Lisboa. / Foto: D.R.

    Para a ‘condenação’ da Impresa Publishing contribuiu, no entanto, apenas o facto de o contrato com a SGEC contemplar, para além da organização de um evento, “a cobertura jornalística […] no jornal Expresso”. A ERC nem sequer considera grave que um evento pago tenha tido a presença de directores e jornalistas do Expresso, cuja participação era exigida também no contrato. Ou seja, o regulador ignora, na decisão final, que um director e um jornalista do Expresso tem mesmo de estar ao serviço de uma entidade externa, neste caso do Governo, para cumprir um contrato. E também realizar entrevistas aos oradores do evento e “cobrir a conferência no caderno de Economia”, e logo na primeira página, como está no contrato. E foi cumprido,

    Isto tudo apesar da ERC concluir que, “o jornal Expresso não cobriu a referida conferência porque viu nela interesse jornalístico, mas [sim] porque a sua entidade proprietária se comprometeu a fazer a promoção e cobertura jornalística desse evento num contrato que celebrou” com o Governo de António Costa..

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    Estranhamente, apesar de se tratarem de casos similares, envolvendo a secção ‘Projectos Especiais’, a ERC entendeu que não existiam provas de que as notícias associadas aos outros cinco contratos tenham violado também a Lei da Imprensa e estavam feridas de promiscuidade. E por uma simples razão: a instituição liderada por Helena Sousa, mesmo com todos os poderes de um regulador, não mexeu uma palha para obter sequer os cadernos de encargos, mesmo não estando no Portal Base.

    Assim, a ERC deixou escapar, ou quis deixar escapar, as ‘notícias’ promocionais efectuadas no âmbito de outros contratos, designadamente aquele que foi assinado em Maio de 2022 com o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), no valor de 19.500 euros, para a aquisição de serviços de apoio, organização e promoção de eventos associados à iniciativa Missão Natureza 2022. E isto porque não teve acesso ao caderno de encargos. Curiosamente, o PÁGINA UM teve, bastando um pedido ao ICNF. Está aqui.

    Sem qualquer sanção ficou também a cobertura ‘noticiosa’ feita pelo Expresso na sequência de um contrato celebrado com a Secretaria-Geral do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (SGTSSS) em Dezembro de 2020, no valor de 19.800 euros, para a aquisição de serviços diversos para apoio à realização do evento anual do Programa Operacional de Inclusão Social e Emprego – POISE.

    Helena Sousa, presidente do conselho regulador da ERC. / Foto: D.R.

    A ERC considerou que não tinha provas de que as seguintes notícias feitas na sequência dos dois contratos efectuados com o ICNF e a SGTSSS, estivessem inseridas nos serviços prestados pela Impresa: “Duarte Cordeiro: ‘Esta é a hora de reforçar as ações de proteção da biodiversidade’“; “Mulheres duplamente penalizadas com a crise“; e “Conquistas no emprego e igualdade de género poderão ‘regredir’ com a pandemia“.

    Mas o facto é que a ERC assume que, no concerne aos “factos considerados não provados, tal ficou a dever-se à circunstância de, quanto a eles, não ter sido produzida qualquer prova suficientemente consistente”. Melhor dizendo, o regulador não se deu ao trabalho de a produzir, porque nem sequer mostra que pediu às entidades públicas os respectivos cadernos de encargos. Bastaria, talvez, um e-mail.

    A ERC teve a ousadia de dizer, na sua deliberação, que não encontrou provas de que a publicação do artigo “Duarte Cordeiro: ‘Esta é a hora de reforçar as ações de proteção da biodiversidade’” “estivesse prevista no contrato celebrado entre o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas, I.P. e a Impresa Publishing, S.A., para aquisição de serviços de apoio, organização e promoção de eventos associados à iniciativa Missão Natureza 2022, celebrado em 20 de maio de 2022”.

    Foto: D.R.

    Porém, consultando o caderno de encargos deste contrato, estão claramente descritos os serviços a prestar no âmbito da realização de três conferências, designadamente: “Divulgação do evento num jornal de referência nacional (1 página)”; “Elaboração do resumo das principais conclusões”; e “apresentação das conferências, com recurso a uma personalidade reconhecida de um canal de televisão nacional com elevado número de telespetadores”. A ERC usa o argumento ‘in dubio pro reo‘ para não condenar a Impresa, mas, na verdade, verifica-se que se aplicou a máxima pouco ortodoxa ‘in ignavia iudicis, absolutio sequitur‘, ou seja, na preguiça do juiz, segue-se a absolvição.

    O caderno de encargos tem, aliás, uma particularidade que mostra a promiscuidade destes contratos: o ICNF exigia contratualmente a cobertura noticiosa mas concedendo que o Expresso dispunha “de autonomia na prestação dos referidos serviços, designadamente no apoio técnico, streaming, promoção e cobertura dos eventos”. Ou seja, o Expresso podia fazer tudo o que lhe apetecesse, do ponto de vista editorial, desde que não pensasse sequer em ignorar a cobertura noticiosa do evento pago.

    Foto: PÁGINA UM

    O mais curioso é que a ERC na sua deliberação – e convém referir que existem propostas de deliberação elaboradas pelos seus serviços que podem ser alteradas pelo Conselho Regulador – reconhece ser “convicção do regulador que estes artigos também foram elaborados na sequência dos mencionados contratos, pois os mesmos promovem os eventos visados pelos contratos”.

    Mas diz depois que, “dada a natureza híbrida destes conteúdos [‘Projectos Expresso’], que se assemelham a conteúdos jornalísticos, e considerando que os mesmos revestem certo interesse informativo, sem existirem nos contratos cláusulas específicas que prevejam a sua elaboração (que sejam do conhecimento do regulador), poder-se-á admitir que as peças em causa foram elaboradas por decisão da direção de informação do Expresso, dentro da sua liberdade editorial, que decidiu anunciar e descrever as conferências em causa, citando as declarações dos seus oradores”.

    E até acrescenta então que se considera “pouco provável essa ocorrência” mas que, face à existência de dúvidas acerca de quem partiu a decisão para elaborar os conteúdos em causa (da direção de informação do Expresso ou se já estavam previstos nos contratos para a organização desses eventos) e da existência de um pagamento pela redação dos mesmos, convoca-se o princípio ‘in dubio pro reo‘ [na dúvida, decide-se a favor do réu], aplicável ao processo de contraordenação”. Dúvidas existenciais da ERC que teriam sido sanadas com a leitura do caderno de encargos, que no caso do ICNF, está aqui. E também na imagem em baixo.

    Excerto do caderno de encargos do contrato assinado entre o ICNF e a Impresa Publishing.

    Assim, não só a ERC deixou escapar estas notícias à aplicação de coimas, já que são em tudo similares à notícia que gerou a presente condenação da Impresa Publishing, como sugere uma dica preciosa aos media promíscuos: desde que as ‘notícias’ não estejam especificamente previstas nos contratos, escapam a coima do regulador e não serão tratadas como publicidade, apesar de o serem, mas não estarem identificadas como tal aos leitores.

    Deste modo, além de aplicar apenas uma coima, e de valor baixo (2.000 euros para um contrato de 29.000 euros), a ERC ainda explica aos grupos de media como podem ‘fugir’ à Lei da Imprensa.

    Acresce a demora na análise, porque este caso remonta a Maio de 2023, quando a ERC deliberou instaurar processos de contra-ordenação contra a Impresa Publishing relacionados com “conteúdos referentes aos cinco contratos celebrados entre entidades públicas e a empresa”, no período compreendido entre 26 de fevereiro de 2020 e 20 de maio de 2022.

    De resto, essa deliberação inicial só surgiu após uma notícia do PÁGINA UM sobre promiscuidade nos media, que identificava que, desde 2020, tinham sido efectuados 56 contratos de ‘parceria comercial’ entre empresas de media e de entidades públicas.

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    Normalizou-se na imprensa a publicação de conteúdos promocionais travestidos de notícias, assinados por jornalistas, e sem que reguladores actuem para parar com a promiscuidade e a violação da Lei da Impresa no sector. / Foto: D.R.

    Este é mais um caso em que a promiscuidade vence pela inacção e posterior lentidão de actuação do regulador, mas também pela reduzida coima aplicada e demais incentivos a que os grupos de media continuem a violar a Lei de Imprensa, publicando notícias que são, afinal, publicidade.

    Recorde-se que, segundo a Lei da Imprensa, toda a publicidade “deve ser identificada através da palavra ‘Publicidade’ ou das letras ‘PUB’, em caixa alta, no início do anúncio, contendo ainda, quando tal não for evidente, o nome do anunciante”. Mas grupos de media têm criado áreas como a de ‘Projectos Especiais’ do Expresso para publicar notícias que resultado de contratos comerciais.

    Na base da presente condenação da Impresa Publishing pelo conselho regulador da ERC está também o argumento de que “os factos ocorreram porque a arguida não procedeu com o cuidado a que está obrigada e de que é capaz, já que não fez uma interpretação correta da Lei de Imprensa”.

    O PÁGINA UM detectou, em Maio de 2022, a existência de 56 contratos de ‘parceria comercial’ entre grupos de media e entidades públicas.

    A ERC frisa, na deliberação, que “a arguida tinha os meios necessários e a capacidade de compreender que uma peça que promova uma conferência por cuja organização recebeu uma contrapartida económica, estando prevista a sua redação no contrato de prestação de serviços, constitui um conteúdo publicitário, o qual tem de ser identificado expressamente”.

    Considerou ainda que “a arguida não revela arrependimento, no sentido da interiorização do desvalor da sua conduta”.

    O certo é que, após esta decisão e a coima aplicada pela ERC, fica aberto o caminho para que esta e outras empresas de media continuem a não interiorizar “o desvalor da sua conduta” quando publicam notícias ou entrevistas ou reportagens como se se tratasse de conteúdo informativo e não de publicidade encapotada.

  • Mentalizar funcionários do Banco de Portugal a trabalhar em ‘open space’ custa 158 mil euros

    Mentalizar funcionários do Banco de Portugal a trabalhar em ‘open space’ custa 158 mil euros

    Não é todos os dias que funcionários têm de mudar de instalações nem passar a trabalhar em ambiente de ‘open space’. Para muitos, a mudança representa uma oportunidade de dinamizar a comunicação e promover um espírito de equipa; para outros, é sinónimo de perda de privacidade e aumento da distração. Seja como for, a adaptação ao novo espaço de trabalho promete gerar tanto expectativas como desafios e quando o empregador é o Banco de Portugal pode-se sempre fazer um plano de “mudança física e cultural”. E pagar 158 mil euros pela função a uma consultora externa.

    A excentricidade do Banco de Portugal advém da mudança, prevista para o próximo mês, de cerca de mil funcionários que se encontram actualmente no seu edifício na Avenida Almirante Reis para o Edifício Marconi, na zona de Entrecampos.

    Mário Centeno, governador do Banco de Portugal.

    A transferência dos trabalhadores será, aliás, temporária, já que o governador Mário Centeno quer construir um novo edifício nos terrenos da antiga Feira Popular para onde passarão a estar concentrados todos os funcionários do Banco de Portugal, actualmente espalhados por diversas instalações na capital.

    A consultora escolhida para a tarefa de ajudar os trabalhadores do Banco de Portugal a encararem a mudança como “positiva mas necessária” foi a NTT Data, que assim vai facturar 158.670 euros (incluindo IVA), através de um ajuste directo. O Banco de Portugal até lançou um concurso público em Outubro do ano passado e consultoras importantes como a Ernst & Young e a With Company até manifestaram interesse, mas o Banco de Portugal excluiu todas as candidaturas. E escolheu a NTT Data.

    Isto mesmo sabendo-se que o Banco de Portugal conta, na sua gigantesca estrutura orgânica, com um Departamento de Pessoas e Estratégia Organizacional (DPE), liderado por Pedro Raposo, antigo director dos recursos humanos do BES, e um Departamento de Serviços de Apoio (DSA), chefiado por Paulo José Cardoso.

    Foto: PÁGINA UM

    Um dos argumentos do Banco de Portugal para contratar os serviços da consultora é o facto de os trabalhadores precisarem ser ‘mentalizados’ para trabalharem em espaço aberto, em vez de ser em gabinetes, como sucede no Edifício Portugal, na Almirante Reis.

    Como tem sido a norma no caso do Banco de Portugal, contrariando as melhores práticas de transparência, o registo do contrato com a NTT Data —, assinado a 29 de Novembro último e divulgado no Portal Base —, não contém em anexo documentação de relevo. A ligação para peças do procedimento dá erro, mas o PÁGINA UM teve acesso ao caderno de encargos, onde consta a ‘justificação’ para um trabalho de consultadoria pago a ‘preço de ouro’

    Segundo o documento consultado pelo PÁGINA UM, como a mudança de instalações “vai impactar de diferentes formas nos trabalhadores”, será “que será “necessário desenvolver e implementar um plano para que esta mudança seja compreendida como positiva e necessária”.

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    O plano da consultora vai preparar os trabalhadores a trabalhar em ambiente de ‘open space’ e a verem esta mudança como “positiva”. Foto: D.R.

    O plano da NTT Data, que será implementado com um mínimo de quatro consultores, deverá assim “preparar os trabalhadores [do Banco de Portugal] para as principais diferenças de funcionamento nos espaços comuns, nomeadamente, refeitório, garagem, salas de reuniões, elevadores, etc.”.

    O principal objectivo do Banco de Portugal “é garantir uma transição suave e organizada para o novo edifício, minimizando interrupções nas operações e maximizando o conforto e a produtividade dos trabalhadores através de um projeto integrado de gestão da mudança física e ‘cultural’”.

    Aparentemente, uma vez que o contrato entrou em vigor no dia 30 de Novembro, e durará 10 meses, os funcionários do Banco de Portugal já estarão a ser preparados psicologicamente antes da passagem para o Edifício Marconi.

    Neste processo, aquilo que mais se destaca é a pomposa terminologia do plano da NTT Data, ou melhor dizendo do “Project Manager Officer (PMO)”, indicado pelo Banco de Portugal.

    O Foto: PÁGINA UM

    O caderno de encargos consagra a implementação do plano em três fases: estratégia (diagnóstico e planeamento); implementação e monitorização; e pós-mudança. A primeira fase inclui, designadamente, um plano de comunicação aos trabalhadores, com a “criação de mensagens, grupos e canais de comunicação (exemplos: newsletters, intranet…). Também prevê “ações de formação/ informação necessárias (por exemplo, sobre novos hábitos de trabalho em ‘open space’ ou triagem de material e documentação) e preparar as iniciativas e os materiais de comunicação necessários”.

    Aqui estão incluídas “ações extraordinárias” como, por exemplo, um “Welcome Day” e um “Town Hall”, além de vídeos explicativos dos espaços.

    A consultora também ficou encarregue do “branding” deste plano de ajuda aos trabalhadores, que passa pelo “desenvolvimento de um conceito criativo e conceito visual da comunicação de todo o projeto”. O plano tem ainda de incluir, segundo o caderno de encargos, um “guidebook“, que consistirá num “documento completo e graficamente apelativo para consulta de todos os trabalhadores”, além de vídeos, que incluem a produção do ‘script‘, do ‘storyboard‘, filmagens e edição. Também surge referida a “organização de eventos associados à mudança em articulação com as equipas do Banco [de Portugal]”.

    A mudança dos trabalhadores do Edifício Portugal, na Almirante Reis, para o Edifício Marconi, em Entrecampos, é apenas temporária. O Banco de Portugal fechou acordo com a Fidelidade para construir um novo edifício num terreno (na foto) onde antes se situava a Feira Popular, contíguo ao Edifício Marconi. Foto: PÁGINA UM

    O Banco de Portugal também identificou ser necessário “criar um canal adequado de apoio permanente ao empregado (exemplos: quiosque móvel de apoio e informações de entrada, visita guiada,
    kit de boas-vindas)” para os ajudar na mudança. Considerou ainda essencial “definir diretrizes de comportamento e de utilização do novo espaço, incluindo política de utilização de ‘open space’, espaços comuns (refeitório, ‘lounge’, elevadores, garagem, etc.)”. A consultora também terá de “apoiar o Banco de Portugal na coordenação logística da mudança física dos bens e equipamentos.

    Com tantos neologismos na terminologia, talvez 158 mil euros do erário público seja, afinal, pouco…

  • ‘Dados biométricos ‘sacados’ pelo Estado vão parar às mãos de duas empresas estrangeiras

    ‘Dados biométricos ‘sacados’ pelo Estado vão parar às mãos de duas empresas estrangeiras

    São dados sensíveis que permitem a identificação de cidadãos através de características físicas, como o reconhecimento facial ou a impressão digital, mas estão a ser recolhidos por equipamentos fornecidos por empresas estrangeiras. Mas não existem garantias de que estejam a ser recolhidos e armazenados em segurança, e quais os níveis de acesso, manuipulação e uso por parte dos técncos de empresas privadas.

    Numa análise do PÁGINA UM aos contratos registados na plataforma de contratação pública, o Portal Base, observou-se que duas empresas estrangeiras estão já a dominar os chorudos contratos públicos relativos ao fornecimento de equipamentos e serviços relacionados com a recolha de dados biométricos: a sueca Speed Identity e ainda a Vision Box, uma empresa inicialmente portuguesas, financiada pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) e por outros programas da União Europeia, mas acabou vendida no ano passado à espanhola Amadeus, uma gigante ligada ao sector do turismo.

    Estas duas empresas arrebataram contratos que superaram, no total, os 14 milhões de euros (sem IVA), na sua maioria sem passar por concurso público. E também sem se saber qual o uso que as empresas privadas poderão dar ao dados biométricos que forem recolhidos no âmbito desses contratos, até porque está explícito que existe também uma prestação de serviços com técnicos e informáticos.

    O acesso a informação pessoal e sensível − como dados biométricos dos cidadãos − levanta sempre riscos em matéria de soberania, segurança e privacidade. Num mundo cada vez mais digital, a informação pessoal sensível é um produto que vende, mas também pode ser uma arma e uma ferramenta para eventuais roubos e fraudes.

    Segundo a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD), a lei permite que entidades públicas ou privadas subcontratem serviços relacionados com recolha ou tratamento de dados respeitando as condições previstas na lei, designadamente as que estão previstas no artigo 28 do Regulamento Geral de Protecção de Dados (RGPD), que estabelece a possibilidade de subcontratação. Contudo, apesar de todos os contratos que possam existir, acaba por ser uma questão de confiança, já que nem todas as entidades têm a capacidade para auditar a prestação do serviço prestado pelas empresas contratadas.

    A questão do acesso de terceiros a dados pessoais sensíveis é um tema que já levou a vários escândalos e à aplicação de multas aos infractores. Recorde-se que em Dezembro de 2022, a Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) multou o Instituto Nacional de Estatística (INE) em 4,3 milhões de euros “pela prática de cinco contraordenações”. A condenação surgiu na sequência de um contrato adjudicado pelo INE à polémica empresa norte-americana Cloudflare, a qual teve acesso aos dados dos portugueses que responderam ao inquérito relativo ao Censos de 2021.

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    Um caso internacional que causou muita polémica envolveu a maior rede social do mundo, o Facebook, da Meta, e a Cambridge Analytica. O escândalo envolveu o acesso a dados sensíveis de quase 90 milhões de utilizadores da rede social pela consultora britânica, durante a década de 2010. A Cambridge Analytica usou os dados para fins de propaganda política sem o consentimento dos utilizadores.

    O Facebook foi obrigado a pagar 500 mil libras (quase 600 mil euros) ao Reino Unido por ter exposto os dados dos seus utilizadores a riscos graves. Quanto à consultora, declarou falência em 2018. Nos Estados Unidos, a Federal Trade Comission, cuja missão abrange a protecção dos consumidores, aplicou ao Facebook uma coima recorde de 5 mil milhões de dólares (cerca de 4,8 mil milhões de euros).

    Em Portugal, no ano passado, registaram-se, ao todo, cerca de 40 contratos públicos de aquisição de equipamentos e serviços de recolha daqueles dados sensíveis. Dois deles foram os maiores de sempre, referentes a tecnologias de recolha de dados biométricos.

    Foto: Vision Box / D.R.

    Os dois maiores contratos registados no Portal Base, foram adjudicados no ano passado à Speed Identity, um por via de ajuste directo e outro através de concurso público. No total, esta empresa facturou 4,2 milhões de euros (5,2 milhões de euros, com IVA), com três contratos celebrados em 2024 com entidades estatais portuguesas.

    O maior contrato envolvendo equipamento de identificação e leitura de dados biométricos foi adjudicado pela secretaria-geral da Presidência do Conselho de Ministros (PCM), em Julho último, para o fornecimento, “instalação, manutenção e assistência técnica de equipamentos controlo manual de fronteiras e de equipamentos de recolha de dados biométricos”. O negócio foi entregue à empresa sueca, através de concurso público, ascendendo a 2,4 milhões de euros com um prazo de execução de três anos.

    No passado dia 13 de Novembro, a PCM fez novo contrato com a Speed Identity, através de um ajuste directo no valor de 1,6 milhões de euros para “Aquisição, instalação, assistência técnica e manutenção de 75 equipamentos móveis de recolha de dados biométricos”. Não se conhecem os detalhes do negócio, já que o caderno de encargos não está disponível.

    Foto: D.R.

    A justificação para o ajuste directo foi a habitual “urgência imperiosa”, uma ardilosa forma de não realizar concurso público. Por regra, somente se pode alegar “urgência imperiosa” para justificar um ajuste directo se ocorrerem “acontecimentos imprevisíveis pela entidade adjudicante, [e] não possam ser cumpridos os prazos inerentes aos demais procedimentos, e desde que as circunstâncias invocadas não sejam, em caso algum, imputáveis à entidade adjudicante”. Ora, quase nunca essa invicação surge justificação.

    Este contrato foi celebrado ao abrigo de uma disposição na Lei de Organização e Processo do Tribunal de Contas, que prevê que os contratos cujo valor seja superior a 950 mil euros e tenham sido celebrados por motivo de urgência imperiosa, podem entrar em vigor antes do visto ou declaração de conformidade do Tribunal de Contas.

    Já em Março, a sueca tinha ganho um concurso da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), no montante de 211.541 euros, para “aquisição equipamento para recolha de dados biométricos (10 impressões digitais)”.

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    Mas a empresa que obteve o maior valor em contratos do género foi a Vision Box. Em 2024, a Vision Box angariou contratos de 5,6 milhões de euros (6,9 milhões de euros, com IVA) junto de entidades públicas, na maioria através de ajustes directos. Entre as entidades que adjudicaram contratos a esta tecnológica estão a Secretaria-Geral da Presidência do Conselho de Ministros (PCM), a Secretaria-Geral do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), Agência para a Modernização Administrativa e Qualidade do Serviço ao Cidadão e a Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA).

    No caso da PCM, fez um ajuste directo recente à Vision Box para a “aquisição de 54 leitores de documentos, no âmbito do Sistema de Controlo de Fronteiras”, no valor de 306.770 euros. O Governo também fez outros ajustes directos recentes com outras entidades no âmbito do projecto ‘Smart Borders’, designadamente um no valor de 541.266 euros, com a Claranet, no dia 30 de Dezembro, e um no montante de 154.325 euros, com a Integrated Biometrics, no dia 26 de Dezembro. Também nestes casos, os respectivos cadernos de encargos não estão acessíveis, uma quebra de regras de transparência na contratação pública. Questionada sobre os contornos destas compras, a PCM não respondeu às questões colocadas pelo PÁGINA UM.

    Também o Ministério dos Negócios Estrangeiros fez ajustes directos para a aquisição do mesmo tipo de equipamentos e serviços. O MNE efectuou, no dia 26 de Dezembro, um ajuste directo com Vision Box, no valor de 744.375 euros, para “aquisição de estações móveis para recolha de dados biométricos”. O prazo de execução é de 21 meses.

    A justificação para não ter sido feito concurso foi, neste casos, os direitos de propriedade intelectual. Os detalhes do negócio não são, porém, conhecidos. Apesar de ser disponibilizado no Portal Base um ‘link” para se aceder às peças deste procedimento, a ligação remete para uma página que indica “acesso não autorizado”, pelo que não se conseguem visualizar os documentos, nomeadamente o caderno de encargos.

    Em resposta a questões colocadas pelo PÁGINA UM, o MNE justifica a realização deste contrato com o facto de que a “empresa Vision Box fez parte da equipa que desenvolveu este projeto”, tendo “desenvolvido a solução de recolha de dados biométricos K-PEP (e agora também M-PEP) num processo de parceria com as entidades governamentais portuguesas, designadamente o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) do Ministério da Administração Interna e o Instituto de Registos e do Notariado (IRN) do Ministério da Justiça”.

    O Ministério também explicou que, “entretanto, há cerca de três anos, foi criado um grupo de trabalho com todos os intervenientes (IRN, MNE, Casa da Moeda) para estabelecerem requisitos específicos de melhoria das funcionalidades dos quiosques tanto ao nível da usabilidade e portabilidade como ao nível da Segurança”.

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    Os dados biométricos são considerados dados sensíveis, existindo o risco de poderem ser usados para roubos e fraudes. / Foto: D.R.

    No entanto, “o MNE, aguardando os resultados deste grupo de trabalho, tem vindo a assegurar os serviços nos Postos Consulares apenas com os quiosques antigos (a[c]tuais), que necessitam invariavelmente de reparações, com todas as implicações que daí advêm tais como custos de reparações e outros custos de transportes”, salientou.

    Contudo, as conclusões do grupo de trabalho criado há três anos nunca mais chegam, Segundo o Ministério liderado por Paulo Rangel, “face ao significativo atraso destes resultados, aos vários pedidos dos Postos, e não podendo pôr em causa os serviços prestados no estrangeiro, o MNE terá de adquirir alguns quiosques para, enquanto não se obtêm resultados para as novas especificações técnicas, minimizar as faltas já existentes e que põem em causa o bom funcionamento dos serviços consulares no Estrangeiro”.

  • Hospital Garcia de Orta entrega 700 mil euros à Unilabs por serviços médicos sem contrato escrito

    Hospital Garcia de Orta entrega 700 mil euros à Unilabs por serviços médicos sem contrato escrito

    Uma aquisição de serviços de telerradiologia, um tipo de prestação onde existe concorrência, foi contratada para o Hospital Garcia de Orta através de um simples ajuste directo de 707 mil euros, IVA incluido, através da Unidade Local de Saúde Almada-Seixal (ULSAS). E ainda mais: sem sequer ter sido assinado um contrato por escrito, onde constem as condições, tipologia dos serviços e o preço unitário. O ‘feliz contemplado’ por esta liberalidade de gestores hospitalares foi a empresa Dr. Campos Costa -Consultório de Tomografia Computorizada, pertencente ao universo do grupo Unilabs.

    O anúncio deste peculiar procedimento de contratação pública foi publicado na plataforma Portal Base no passado dia 13 de Janeiro, mas o ‘contrato’ fico assumido em 26 de Dezembro, vigorando por 365 dias. Em causa, de acordo com os poucos elementos constantes no Portal Base, está a prestação de um serviço de telerradiologia, que consiste na transmissão electrónica à distância de imagens radiológicas, designadamente radiografias e TACs, bem como a elaboração de relatórios de diagnóstico por médicos especialistas.

    Hospital Garcia de Orta, em Almada. / Foto: D.R.

    No Potal Base, a ULSAS justifica esta despesa por ajuste directo e sem contrato formal reduzido a escrito “por motivos de urgência imperiosa resultante de acontecimentos imprevisíveis pela entidade”. Contudo, se o motivo de urgência pode ser invocado para não se abrir concurso público, não pode justificar um período tão longo de vigência, e teria de se confirmar se o atraso numa opção concorrencial se deveu ou não à própria estrutura local do SNS.

    Além disso, não se encontra previsto no Código dos Contratos Públicos que um ajuste directo por “urgência imperiosa” justifique a ausência de um contrato escrito, ainda mais quando atinge mais de 700 mil euros, e não se vislumbra qualquer impedimento físico ou emocional para não se pegar em contratos similares e os adaptar ao actual contexto.

    Até porque, na verdade, o Hospital Garcia da Orta já tem um longo historial com a empresa da Unilabs. Nos últimos dois anos, a Dr. Campos Costa facturou 1.016.475 euros, através de três contratos, dois por ajuste directo e um por concurso público. O primeiro contrato, no valor de 233.850 euros, foi adjudicado por ajuste directo em 24 de Julho de 2023. O segundo contrato, no montante de 207.625 euros, foi feito por concurso público no dia 21 de Agosto de 2023.

    Em resposta a questões colocadas pelo PÁGINA UM, a ULSAS explicou que o primeiro ajuste directo adjudicado a esta empresa, em 2023, resultou da “não adjudicação” após dois concursos públicos. Assim, foi decidido efectuar o ajuste directo à Dr. Campos Costa “para garantia de continuidade da prestação de Serviços de Telerradiologia, essenciais à prestação directa de cuidados de saúde, pelo período de tempo estritamente necessário até à conclusão” de um novo concurso público.  Este ajuste directo “produziu efeitos de 1 de Janeiro de 2023 a 31 de Maio de 2023”.

    Posteriormente, após a conclusão do novo concurso público, acabou por ser feita nova adjudicação à Dr. Campos Costa, produzindo efeitos de 1 de junho de 2023 a 31 de dezembro de 2023.

    Segundo a ULSAS, no concurso público que deu lugar ao contrato com a Dr. Campos Costa, em 2023, “ficou expressamente prevista” a possibilidade “de adopção de procedimento por ajuste directo para a celebração de futuro contrato de aquisição de novos serviços que consistam na repetição de serviços similares objeto do presente procedimento”. Mas tal deveria ter sido feito de outra forma, ou seja, através de uma prorrogação do contrato já estabelecido, sob condições. Assim, aquilo que se depreende é que a ULSAS usou um argumento falso para celebrar um ajuste, porque a urgência imperiosa, por não haver contrato, era exclusivamente sua.

    A empresa Dr. Campos Costa foi integrada no grupo Unilabs em 2017. / Foto: D.R.

    Em todo o caso, a ULSAS, defende que o ajuste directo ao longo do presente ano está em “respeito pelas condições constantes do contrato suprarreferido”.

    Recorde-se que a Dr. Campos Costa, que pertence ao grupo Unilabs desde 2017, foi condenada pela Autoridade da Concorrência, em 2022, ao pagamento de uma coima superior a cinco milhões de euros. Em causa esteve “a participação num cartel em concursos públicos para prestação do serviço de telerradiologia a hospitais e centros hospitalares no território nacional”, segundo a acusação da AdC.

    A Dr. Campos Costa e outras empresas do sector repartiram entre si o mercado e puseram em prática estratégias para que houvesse um aumento generalizado dos preços dos serviços de telerradiologia junto de unidades que integram o Serviço Nacional de Saúde. Na altura, a Dr. Campos Costa colaborou com as investigações da AdC, tendo admitido a participação no cartel e abdicado de qualquer litigância judicial da condenação.

    No total, esta empresa facturou 26.248.991,50 euros através de 127 contratos com entidades públicas, desde 2009. Só em 2024, a Dr. Campos Costa ganhou 4,130 milhões de euros em contratos feitos com entidades estatais, a maior parte através de concurso público e quatro por ajuste directo.

    Sabendo-se que, segundo a ULSAS, o serviço prestado pela Dr. Campos Costa é essencial, aguarda-se a divulgação de um novo concurso público ou um ajuste directo relativo aos serviços que estarão a ser prestados, eventualmente pela mesma empresa, ao Hospital Garcia de Orta em 2025. Fica na dúvida se se invocará uma nova e estafada “urgência imperiosa” com pagamentos feitos sem se saber preços unitários.

  • ‘Guerra de alecrim e manjerona’ (com 15 anos) entre Fisco e Infraestruturas de Portugal já custou 1,3 milhões

    ‘Guerra de alecrim e manjerona’ (com 15 anos) entre Fisco e Infraestruturas de Portugal já custou 1,3 milhões

    Tudo começou há uma década e meia, e não tem fim à vista. Por causa de um conflito com a arrecadação de IVA, a Infraestruturas de Portugal – a empresa estatal responsável pelas redes rodoviárias e ferroviárias – e a Autoridade Tributária ‘renovam’, ano após ano, diferendos semelhantes que acabam no tribunal administrativo. Junte-se à morosidade judicial que em 15 anos de quezílias ainda não conseguiu tomar uma decisão final em qualquer um dos 11 processos uma incompreensível inacção política para encontrar uma solução por via legislativa. Numa luta entre duas entidades da Administração Pública, cujos resultados serão indiferentes para os contribuintes, quem está a ganhar, e bem, nesta absurda ‘guerra de alecrim e manjerona’ tem sido a sociedade de advogados sistematicamente contratada por ajuste directo pela Infraestruturas de Portugal. Liderada por Eduardo Paz Ferreira, o marido da ex-ministra socialista da Justiça, Francisca Van Dunem, esta sociedade já amealhou 1,3 milhões de euros a tratar destes diferendos.


    O Fisco, já se sabe, não aceita de bom grado que não o deixem amealhar o máximo de imposto e de taxas. Nem as entidades públicas se livram desta sanha. E a antiga Estradas de Portugal, hoje Infraestruturas de Portugal (IP), foi uma dessas ‘vítimas’: no exercício financeiro do ano de 2008 e no primeiro semestre de 2009, esta empresa pública argumentou, perante a Autoridade Tributária, que tinha direito a deduzir o Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) relativo à denominada Consignação de Serviço Rodoviário. Essa receita, apesar de legalmente pertencer à IP, era cobrada aos consumidores pelos distribuidores de combustível, que a encaminhava para o Fisco. Somente depois, de acordo com os mecanismos legais para cobrança e liquidação do imposto, esses montantes chegavam (e chegam) à IP.

    O diferendo de 2008 e primeiro semestre de 2009, que poderia ter sido pontual, e mediado, no limite, pelos Ministérios das Finanças e das Infraestruturas, não ficou resolvido nos gabinetes, como seria de esperar em entidades da Administração Pública, e acabou por parar no tribunal. Ou seja, o Tribunal Administrativo é que decidiria em que parte do Estado ficaria esse dinheiro: se no Fisco ou se na IP. Se o diferendo de 2008 foi parar ao Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, o mesmo destino teve um diferendo similar de 2009, e assim sucessivamente, em praticamente todos os anos até, por agora, 2020. À conta disto, estão ainda sem resolução 11 processos nas diferentes fases. Ou melhor dizendo, estão todos os processos, incluindo o de 2008, por resolver, porque nos tribunais administrativos anda tudo a passo de caracol.

    Um desentendimento entre a IP e o Fisco em torno do IVA está longe de entrar nos carris. / Foto: D.R.

    Com efeito, o primeiro processo, que envolve uma verba de 277 mil euros, teve uma decisão favorável ao Fisco na primeira instância, mas está parado desde 2013 por via do recurso da então Estradas de Portugal. Mas se a Autoridade Tributária começou por marcar o ‘primeiro golo’, sem ganhar em definitivo, os conflitos dos outros anos têm estado a dar ‘vitórias’ à actual Infraestruturas de Portugal. Porém, como há recurso do outro lado, contabilizam-se pelo menos oito processos que ainda estão muito longe do fim, porque aguardam acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul depois de um longo ‘calvário’ na primeira instância.

    Só para dar um exemplo, o diferendo relativo ao exercício de 2013 só teve sentença de primeira instância em finais de Março do ano passado – ou seja, assumindo que este conflito entre o Fisco e a IP se terá iniciado em 2014, a primeira decisão judicial demorou 10 anos. Mesmo assim pior está o diferendo de 2008 e primeiro semestre de 2009: depois da primeira sentença, aguarda-se por um acórdão do tribunal de recurso desde 2013. Ou seja, vai fazer, em Março, 12 anos.

    Os processos relativamente mais recentes (2017, 2018, 2019 e 2020) ainda estão numa fase mais atrasada. Nos dois primeiros casos, as impugnações no tribunal por parte da IP, depois do indeferimento do recurso hierárquico no Fisco, foram feitas em Abril de 2023, sem ter havido ainda sentença. Nos outros dois casos (2019 e 2020) ainda se está, respectivamente, na fase de recurso hierárquico e no projecto de relatório de inspecção tributária. Ignora-se se existem mais processos posteriores a 2020.

    Certo é que, com tudo isto, a empresa estatal que gere as redes rodoviárias e ferroviárias em Portugal está num impasse, que se prevê venha a durar anos, ou mesmo décadas, sobre montantes bastante significativos. De acordo com dados da empresa pública, no final de Junho de 2024, o saldo que reivindica deste conflito com o Fisco correspondia a 2,358 mil milhões de euros, um aumento face aos 2,254 mil milhões de euros no final de 2023.

    Com o ‘dinheiro’ empatado, porque contabilisticamente nem o Fisco nem a IP podem considerar aqueles elevados montantes como seus, quem está a pagar é, na verdade, o contribuinte, sendo que lhe será indiferente quem venha a ganhar as causas, uma vez que se tratam de conflitos entre duas entidades da Administração Pública. E o contribuinte está a perder já por uma simples razão: a IP está a contratar a ‘peso de ouro’ uma sociedade de advogados, por ajuste directo, liderada por Eduardo Paz Ferreira, marido da ex-ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, que ocupou o cargo entre 2015 e 2022.

    A ‘colaboração’ entre Paz Ferreira e a IP nos chamados “processos IVA” começou em 2010, ainda com a Estradas de Portugal, para tratar das primeiras fases dos processos. Os montantes recebidos pela sociedade de advogados rondou os 184.500 euros entre 2010 e 2014. Nesta fase, apenas estariam em curso entre cinco e seis processos judiciais, pelo que cada processo, geralmente requerimentos, terá custado à actual IP mais de 30 mil euros.

    Em 2015, com IVA incluído, o montante recebido por Paz Ferreira foi de quase 37 mil, descendo para pouco mais de 21 mil no ano seguinte e em 2017 subiu para 60.270 euros e em 2018 para quase 73 mil euros. Mas depois disparou: em 2019 foi celebrado novo ajuste directo, desta vez pelo valor de quase 347 mil euros, com IVA, que deveria durar para tratar dos “processos IVA” até Fevereiro de 2022. Somente no primeiro semestre de 2023 surgiram dois novos ajustes directos, mas de baixo valor: o primeiro de 12.300 euros, e o segundo de 24.600 euros.

    Eduardo Paz Ferreira, advogado e marido de Francisca Van Dunem, ex-ministra da Justiça do governo socialista. / Foto: D.R.

    Porém, o ano não terminaria sem mais um chorudo contrato de ‘mão-beijada’: Paz Ferreira arrecadou uma adjudicação de mais de 258 mil euros (com IVA) para tratar dos “processos IVA” por três anos; em teoria, até Julho de 2026. Contudo, na prática o dinheiro esfumou-se, supostamente por prestação de serviços. E assim sendo, 17 meses depois, no passado dia 16 de Dezembro, foi assinado um novo ajuste directo com Paz Ferreira no valor de 253.134 euros, IVA incluído.

    Em resposta a questões colocadas pelo PÁGINA UM, um porta-voz da IP diz que houve ” necessidade de um novo contrato decorrente do facto de o anterior se ter esgotado, dados os desenvolvimentos processuais entretanto ocorridos, quer decorrentes dos processos de inspecção anuais quer porque, em 2024, foram proferidas seis decisões judiciais favoráveis à IP, mas objeto de recurso” pela Autoridade Tributária.

    A IP tem justificado a contratação de Paz Ferreira através de uma norma que prevê o ajuste directo sempre que “a natureza das respetivas prestações, nomeadamente as inerentes a serviços de natureza intelectual, não permita a elaboração de especificações contratuais suficientemente precisas para que sejam definidos os atributos qualitativos das propostas necessários à fixação de um critério de adjudicação […], e desde que a definição quantitativa dos atributos das propostas, no âmbito de outros tipos de procedimento, seja desadequada a essa fixação tendo em conta os objetivos da aquisição pretendida”. Essa tem sido uma forma enviesada para perpetuação de ajustes directos, afastando a concorrência.

    Mesmo que haja complexidade nos processos em tribunal, o certo é que a Paz Ferreira está longe de ser a única sociedade de advogados do país capaz de representar a IP em processos relacionados com IVA. Mas o argumento de que ‘só esta sociedade de advogados sabe da poda’ não é verídico nesta situação. Pode estar-se, mais uma vez, perante um abuso na interpretação das normas do Código dos Contratos Públicos.

    Segundo a empresa pública, a mais recente contratação decorre “da necessidade da IP em manter o patrocínio judiciário que tem vindo a ser assegurado, mantendo, deste modo, a estratégia e o sucesso da defesa adoptada, que tem subjacente um elevado grau de conhecimento nas valências de direito e processo tributário e o conhecimento efetivo de toda a tramitação inerente aos complexos processos em curso e aos que eventualmente se venham a iniciar, com a mesma natureza fiscal, valências essas que, pela sua especificidade, a equipa interna da IP não dispõe”.

    De entre os contratos públicos celebrados pelo escritório de Eduardo Paz Ferreira, a IP é, de longe, o seu melhor cliente, totalizando 13 contratos, todos por ajuste directo, a que acrescem mais seis pela Estradas de Portugal, até 2015. No total, este advogado celebrou 58 contratos desde 2013, segundo dados do Portal Base, sempre de ‘mão-beijada’, facturando cerca de 2,9 milhões de euros. Com a IP será previsível, se se mantiver, o facilitismo na contratação, que continue assim por muitos anos.

    Na plataforma que agrega os registos sobre contratos públicos, o Portal Base, encontram-se contratos adjudicados pela IP à Paz Ferreira desde 2015. No entanto, as verbas envolvidas eram bem mais baixas, situando-se entre os 7.500 euros e os 40 mil euros.

    Ainda não é visível a luz ao fundo do túnel nos processos que opõem a IP e o Fisco. / Foto: D.R.

    Saliente-se, por fim, que o diferendo com a Autoridade Tributária tem tido fortes reflexos negativos nas contas da empresa pública liderada por Miguel Cruz, que foi secretário de Estado do Tesouro entre Junho de 2020 e Março de 2022. No primeiro semestre de 2024, a IP teve mesmo de reforçar as suas provisões em 20,3 milhões de euros, ficando o valor acumulado nos 547,7 milhões de euros no final do primeiro semestre do ano passado. Esse montante que “corresponde ao IVA que o Grupo IP estima que deixaria de receber caso fosse considerado que a CSR [Consignação do Serviço Rodoviário] não é uma receita sujeita a IVA”.

    A empresa também registava, a 30 de Junho último, responsabilidades assumidas com garantias bancárias de 1,5 mil milhões de euros prestadas a favor da Autoridade Tributária decorrentes do processo do IVA, além de assumir ainda garantias no montante de 4,9 milhões de euros prestadas a favor de
    tribunais no âmbito de processos de contencioso e a outras entidades.


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  • CMVM ‘fecha os olhos’ ao acordo milionário entre SIC e Cristina Ferreira

    CMVM ‘fecha os olhos’ ao acordo milionário entre SIC e Cristina Ferreira

    Ao contrário do que sucede quando, por exemplo, uma sociedade anónima desportiva (SAD) tem de pagar ou receber uma indemnização, a Impresa – o grupo de media que controla o Expresso e a SIC – não revelou os montantes do acordo milionário firmado este mês com a apresentadora Cristina Ferreira. Os investidores também desconhecem qual o impacto que o encaixe milionário terá nas contas anuais da SIC e da Impresa, apesar de a lei exigir que as empresas com acções ou obrigações emitidas no mercado de capitais divulguem informação relevante, incluindo eventos com impacto contabilístico. O ‘polícia’ da Bolsa portuguesa, a Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) não quis explicar a razão de o valor da indemnização ‘choruda’ estar ainda no ‘segredo dos deuses’. Além disso, a CMVM também está a ‘fechar os olhos’ ao impacto da insolvência da Trust in News nas contas do grupo fundado por Pinto Balsemão. Nos últimos cinco anos, esta é a terceira vez, pelo menos, que a Impresa não divulga informação clara e transparente ao mercado.


    Nem ‘ai’ nem ‘ui’. Apesar de a lei obrigar as empresas cotadas em Bolsa a divulgar informação relevante, os investidores continuam sem ser informados sobre o valor da indemnização que a SIC, estação de televisão da Impresa, acordou com Cristina Ferreira, uma verba que deverá ter impacto nos resultados da Impresa, o grupo liderado por Francisco Pedro Balsemão.

    Em causa está a indemnização milionária que a apresentadora acordou pagar à SIC pela sua saída intempestiva da estação. Um comunicado-conjunto de Cristina Ferreira, da empresa da apresentadora, Amor Ponto, e da SIC, enviado à imprensa no dia 11 de Dezembro, apenas mencionou a existência do acordo entre as partes. O comunicado, que foi citado pela generalidade dos media portugueses, não inclui detalhes do acordo.

    “A SIC, a Amor Ponto e Cristina Ferreira informam que chegaram a um acordo mútuo no âmbito do litígio que opunha a primeira às segundas”, informava o comunicado citado pela Impresa. nota. Adiantava que o “acordo, alcançado após negociações construtivas, põe termo ao litígio existente entre as partes” e que “ambos os lados expressam satisfação com a resolução encontrada”.

    Foto: D.R.

    Recorde-se que, em Junho passado, o Tribunal de Sintra condenou a Amor Ponto a pagar mais de 3,3 milhões de euros à SIC por quebra do contrato com a apresentadora, mas assinado pela empresa. Cristina Ferreira recorreu da sentença, mas não pediu efeitos suspensivos da decisão. Entretanto, o PÁGINA UM noticiou a 11 de Junho que a actual apresentadora da TVI estava a descapitalizar a empresa e a sociedade também não tinha constituído uma provisão para fazer face ao pagamento da indemnização, o que espoletou a SIC a agir. Assim, no passado mês de Novembro, o Tribunal acabou por executar bens da Amor Ponto num montante até 4,7 milhões de euros, segundo noticiou a agência Lusa.

    Contudo, consultado o site da CMVM, onde as empresas cotadas e todos os emitentes do mercado divulgam informação relevante, não se encontra nenhum comunicado da Impresa ou da SIC referente a esta matéria. No caso da SIC, a última informação divulgada ao mercado é um comunicado divulgado no dia 9 de Dezembro referente à assembleia dos titulares das obrigações ‘Obrigações SIC 2021-2025’ que estava agendada para aquela data e que não teve lugar por falta de quórum, tendo sido convocada numa reunião de obrigacionistas para o dia 27 de dezembro de 2024.

    Ora, o Código dos Valores Mobiliários (CVM), que rege o mercado financeiro português, estabelece no artigo 7º que “a informação respeitante a instrumentos financeiros, a formas organizadas de negociação, às actividades de intermediação financeira, à liquidação e à compensação de operações, a ofertas públicas de valores mobiliários e a emitentes deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”. Tanto a SIC como a Impresa são ‘emitentes’.

    Foto: PÁGINA UM

    Segundo o número 1 do artigo 389.º do mesmo Código, “constitui contra-ordenação muito grave: a) a comunicação ou divulgação, por qualquer pessoa ou entidade, e através de qualquer meio, de informação que não seja completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita”. Também é considerada uma contra-ordenação muito grave “a falta de envio de informação para o sistema de difusão de informação organizado pela CMVM” bem como toda a “a prestação de informação à CMVM que não seja completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita ou a omissão dessa prestação”. As coimas referentes a contra-ordenações muito graves oscilam entre os 25 mil euros e os 5,0 milhões de euros.

    Claramente, os investidores não têm informação completa, verdadeira, actual, clara e objectiva sobre a SIC e a casa-mãe, Impresa. Do mesmo modo, não se sabe qual o impacto que a indemnização, cujo valor a CMVM e o mercado desconhecem, terá nas contas da SIC e da Impresa em 2024.

    Mas a CMVM não diz se vai ou não obrigar a Impresa e a SIC a divulgarem informação clara e objectiva sobre a indemnização e o seu impacto nos resultados das duas empresas. Uma porta-voz do ‘polícia’ da Bolsa justificou que “a CMVM encontra-se vinculada por deveres legais de sigilo profissional que a impedem de se pronunciar sobre casos concretos”. Disse ainda que “compete aos emitentes [neste caso, a SIC e a Impresa], em primeira linha, aferir os factos que, em função das características próprias do emitente, constituem informação privilegiada”. E garantiu que “a CMVM mantém uma supervisão contínua sobre as entidades emitentes sujeitas à sua supervisão, nomeadamente sobre o cumprimento dos deveres de divulgação de informação ao público”, citando assim o artigo 362º do CVM.

    Contudo, cabe à CMVM, nomeadamente, garantir a “protecção dos investidores” e fazer o “controlo da informação”, como estabelece o artigo 358º do mesmo Código, relativo aos princípios da supervisão do mercado financeiro. Um dos procedimentos de supervisão atribuídos à CMVM pelo artigo 360º do CVM é “acompanhar a a[c]tividade das entidades sujeitas à sua supervisão” e “fiscalizar o cumprimento da lei e dos regulamentos”.

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    A condenação de Cristina Ferreira ao pagamento de uma indemnização de 3,3 milhões de euros à SIC ocorreu em Junho deste ano, mas a apresentadora recorreu da sentença, tendo agora chegado a acordo para pagar uma indemnização secreta à estação de TV da Impresa.

    Cabe também à CMVM, segundo o CVM, organizar “um sistema informático de difusão de informação acessível ao público que pode integrar, entre outros aspetos, elementos constantes dos seus registos, decisões com interesse público e outra informação que lhe seja comunicada ou por si aprovada, designadamente, informação privilegiada, participações qualificadas, documentos de prestação de contas e prospetos”.

    Tanto a SIC como a Impresa, bem como a empresa de Cristina Ferreira, estão na posse de informação privilegiada, que pode ter impacto na avaliação das empresas, bem como das acções ou obrigações emitidas no mercado . O CVM define informação privilegiada no número 4 do artigo 378º “toda a informação não tornada pública que, sendo precisa e dizendo respeito, direta ou indiretamente, a qualquer emitente ou a valores mobiliários ou outros instrumentos financeiros, seria idónea, se lhe fosse dada publicidade, para influenciar de maneira sensível o seu preço no mercado”. É caso do registo de perdas ou ganhos que influenciem os resultados de uma empresa cotada.

    Por sua vez, o Regulamento da CMVM n.º 4/2023 sobre ‘os meios de cumprimento dos deveres de informação dos emitentes’ estipula no número 1 do artigo 2º que “os emitentes divulgam as informações legalmente requeridas, no sistema de difusão de informação da CMVM, mediante envio das mesmas à CMVM”.

    Ou seja, tudo aponta que os investidores vão continuar sem saber, ao certo, o valor da indemnização e os contornos do acordo firmado entre a ‘emitente’ de obrigações SIC, da empresa cotada Impresa.

    Luís Delgado (à esquerda) e Francisco Pedro Balsemão na assinatura do acordo de venda do portfólio tóxico das revistas da Impresa à Trust in News, em 2018. O anúncio da venda das revistas, nomeadamente a Visão e a Exame, por 10,2 milhões de euros, foi anunciado pela Impresa no site da CMVM. Mas, desde então, tem sido o silêncio sobre a dimensão do calote de Delgado a Balsemão. / Foto: D.R.

    Em todo o caso, esta não é a única situação na Impresa sobre a qual a Bolsa está ‘às escuras’. O grupo de media é um dos principais credores da Trust in News, empresa unipessoal de Luís Delgado à qual a Impresa vendeu, em 2018, o seu portfólio tóxico de revistas, numa altura em que se encontrava em sérias dificuldades financeiras, com o mercado de crédito ‘fechado’ e após ter falhado uma emissão de obrigações. Ora, a Trust in News está a meio de um processo de insolvência. Contudo, os investidores também não têm acesso a informação clara sobre os impactos previstos deste ‘calote’ nas contas e da Impresa.

    A Impresa chegou a reconhecer um ‘calote’ parcial de Delgado nas suas contas de 2023, como o PÁGINA UM noticiou. Contudo, mais uma vez, os investidores não têm sobre o desenrolar deste negócio a informação completa, clara, verdadeira e objectiva, como manda a lei. Certo é que o anúncio do negócio de venda das revistas, incluindo a Visão e a Exame, foi publicado no site da CMVM, com a divulgação de um encaixe de 10,2 milhões de euros. Desde então, nunca mais houve um comunicado ao mercado sobre o andamento do negócio. Mas é assumido que a insolvência da Trust in News terá impacto nas contas do grupo que é dono do Expresso e da SIC e que já não irá ‘ver a cor do dinheiro’ anunciado no comunicado feito ao mercado em 2018.

    Mas, nos últimos cinco anos, houve, pelo menos, uma outra ocasião em que a informação prestada pela Impresa ao mercado não foi clara nem objectiva: o negócio de recompra do seu edifício-sede ao Novo Banco. Também neste caso, a venda do edifício situado em Paço D’ Arcos foi anunciada através de um comunicado divulgado no site da CMVM. A venda rendeu 24,2 milhões de euros à Impresa e ajudava a ‘tapar’ o buraco que o grupo não tinha conseguido tapar com a emissão de obrigações que falhou. o Novo Banco ‘investiu’ no imóvel, apesar de estar a receber injecções estatais, do Fundo de Resolução, e numa altura em que a ‘ordem’ na banca era para os bancos se desfazerem de imobiliário e de créditos tóxicos. O Novo Banco não só comprou o edifício à Impresa, como financiou Luís Delgado na compra das revistas ao grupo de Balsemão. No caso do imóvel, a Impresa recomprou o edifício, no final de 2022, pagando menos do que o valor pelo qual o vendeu, como o PÁGINA UM noticiou. O negócio foi feito em surdina e sem direito a comunicado ao mercado.


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