Nos meus tempos de escola primária, no século passado, aprendíamos que este País, “à beira-mar plantado”, era um “país de marinheiros”.
A poesia, escrita e cantada, a literatura, a pintura, a escultura, glorificavam o mar que os portugueses tinham vencido em inúmeras provas de coragem.
“Ó mar salgado, quanto do teu sal são lágrimas de Portugal!”, exclamava Pessoa.
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Os portugueses faziam questão de mostrar, aos restantes povos do Mundo, que eram os únicos que conheciam o mar e, ainda que o temessem, o enfrentavam.
Cedo aprendíamos que só os portugueses entendiam que o género do mar era o masculino.
Em Portugal era, e é, O mar.
Não fazemos como os franceses que só o visitam nas praias vigiadas e nunca avançando para zonas onde a água suba acima dos joelhos.
Para os franceses é “La” mer. “A” mar.
Meninas!
Batíamos, em coragem, os próprios vikings, entrando em “cascas de nozes” para descobrir “novos mundos” através de “mares nunca dantes navegados”.
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E não havia monstros que nos fizessem desistir,
Porque “ao leme” ia alguém maior.
Alguém que queria o mar que tinha sido, até então, dessas criaturas medonhas.
As nossas lições de História eram hinos à coragem e à superioridade dos portugueses.
Escutava-as com atenção (infantil, talvez, mas orgulhosa) e fui crescendo com enorme respeito por todos quantos enfrentavam mares e oceanos.
De pescadores a marinheiros. De desportistas a fuzileiros.
E muito do meu patriotismo se deve a esses heróis.
O que se ensinará, hoje, nas nossas escolas primárias a esse respeito?
E no que acreditarão os nossos filhos e netos?
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Os que vivem no litoral pobre, muitos deles familiares de pescadores, continuarão a respeitar esses profissionais e a despedirem-se deles, todas as madrugadas, com um beijo, ou um abraço, que sentem poder ser o último.
Depois há os “novos” portugueses, criados em escolas sem disciplina, sem respeito pelos melhores, sem cultura, sem exemplos.
Os que se sonham heróis porque só pensam em medalhas e não sabem dos riscos de, por vezes, só nos restar “sangue, suor e lágrimas”.
Os que vão para a Marinha pensando nas fardas brancas, que prendem os olhares em cerimónias, ou nos camuflados especiais, de fuzileiros, que dão um ar de valentia e masculinidade.
Muitos conseguem ostentar dezenas de medalhas conquistadas em missões importantes mas nem sempre perigosas.
São os heróis actuais incapazes de embarcar num navio com alguns problemas embora o seu comandante garanta que não há perigo.
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O que podem fazer estes marinheiros da Armada Portuguesa, a Marinha de Guerra, por outras palavras, se houver a necessidade de entrarem em combate?
Não obedecem a ordens, porque temem uma avaria que os deixe parados no oceano?
Não obedecem a ordens, seja lá porque motivo for?
Em que país do Mundo um militar desobedece, discute ou, simplesmente, questiona uma ordem de um superior?
E este episódio foi um caso isolado, de treze erros de casting na selecção da tripulação de um navio de guerra, ou é o exemplo do que pode acontecer em qualquer navio de guerra, em qualquer esquadrilha de aviação, em qualquer companhia no exército?
A indisciplina habitual nas escolas, nas últimas décadas, com alunos a desobedecer, gritar e, mesmo, agredir professores, de modo impune, não terá formado adultos frustrados, sem noção das regras básicas e cobardes?
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Já éramos conhecidos como o país com pior educação, saúde e condições de trabalho da Europa democrática.
As nossas Forças Armadas, apesar de tudo, conseguiam disfarçar os seus problemas porque se enviavam, para as missões no estrangeiro, os seus melhores.
O que se passou no NRP (Navio da República Portuguesa) Mondego faz-nos pensar no pior.
Vejamos como reage o Comando.
Pessoalmente, gostava de continuar a viver num país de marinheiros.
Heróis do Mar!
Vítor Ilharco é secretário-geral da APAR – Associação Portuguesa de Apoio ao Recluso
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