O ‘jornalismo de manada’ como arma política

microphone, sound, music, microphone, microphone, microphone, microphone, microphone

Numa era de profuso acesso a muitas fontes de informação e conteúdos, o papel do jornalista torna-se ainda mais crucial. Afinal, como profissional de informação, conhece as técnicas para saber quais as fontes seguras credíveis e também para verificar se informações que circulam estão correctas.

Assim, numa era em que os leitores se podem perder no meio de tanta informação e conteúdos, o Jornalismo pode e deve ser, ainda mais, uma bússola. Pode e deve ser um farol que evita que os consumidores de informação fiquem atolados em informações falsas.

shallow focus photo of compass
Foto: D.R.

E, hoje, os próprios jornalistas têm mais ferramentas para poder confirmar dados e informações quase de modo instantâneo. Existem excepções, claro. Como quando entidades oficiais escondem bases de dados e informações de relevo, como tem acontecido em Portugal, o que tem levado o PÁGINA UM a accionar, por diversas vezes, mecanismos legais para forçar a divulgação dessa informação e a disponibilização do acesso a dados.

Neste contexto, se é hoje muito mais fácil para os jornalistas confirmarem informações, quando todos os grandes meios de comunicação social fazem notícias similares sobre o mesmo tema, conclui-se que deve ser mesmo verdade.

Mas esse não tem sido o caso na cobertura de muitos temas. E isso levanta um problema aos jornalistas que detectam as mentiras desses órgãos de comunicação social ditos de referência.

man sitting on bench reading newspaper
Foto: D.R.

Os jornalistas que ainda seguem as boas práticas jornalísticas de verificação de fontes e factos são colocados, em algumas ocasiões, numa posição muito estranha: o que relatam não coincide com as “notícias” de outros jornalistas de outros media.

Assim, a maioria dos jornalistas tende simplesmente a repetir o que os media de referência “noticiam”. Se o The Guardian ou, em Portugal, o Expresso, escrevem que “é assim” então não pode “ser assado”. Deste modo, dá-se um fenómeno de “manada” em que todos os media de referência dão notícias similares sobre os mesmos temas.

Não me refiro, aqui, a situações de churnalism – quando jornalistas fazem copy-paste de comunicados de imprensa ou de notícias de agências, como a Lusa. Esse é um outro fenómeno que se tornou num cancro para o Jornalismo, ao longo das últimas décadas. Veja-se o caso recente em que a Lusa noticiou falsamente que os Estados Unidos deixaram de recomendar a vacina contra o sarampo. O título da notícia é falso. Mas os media em Portugal reciclaram o take da Lusa e replicaram-no, espalhando-o por toda a Internet e gerando uma onda de desinformação impossível de travar.

ocean waves under cloudy sky during daytime
Foto: D.R.

O que falo não é nestes casos. Falo de outro fenómeno, em que os jornalistas não querem ser a “ovelha negra” que escreve uma notícia “diferente” das dos colegas. Assim, mesmo sendo mentira, se um colega do The Guardian escreve uma mentira e o pivot da SIC diz exactamente a mesma mentira, qual vai ser o jornalista a ter coragem de verificar os factos e dizer algo diferente?

Por exemplo, quando, recentemente, pesquisei informação sobre Charlie Kirk, deparei-me com um artigo no The Guardian que continha afirmações chocantes alegadamente proferidas pelo jovem cristão conservador, fundador da organização Turning Point USA, que foi assassinado quando participava em mais um debate numa universidade.

Lendo o artigo do The Guardian, qualquer um fica zangado e revoltado com Kirk. O racismo, a misoginia, a xenofobia, a homofobia são conceitos hediondos. Em outras notícias de outros grandes meios, sucedem-se as citações atribuídas a Kirk que chocam qualquer um.

printing machine
Foto: D.R.

O problema é que uma breve pesquisa — com recurso à fonte de origem das afirmações atribuídas a Kirk — revela uma verdade escondida pelo The Guardian e pelos restantes media de referência. É que as frases são totalmente retiradas do seu contexto.

Por exemplo, numa das frases chocantes citadas pelo The Guardian, Kirk afirmou: “If I see a black pilot, I’m going to be like, boy, I hope he’s qualified (se vir um piloto negro, vou pensar, espero que tenha qualificações)”. Lida assim, é obviamente uma frase chocante e concluímos que Kirk era efectivamente racista. Só que há um senão: foi dita num diálogo em que o objectivo de Kirk era alertar para o perigo de haver racismo causado pelas políticas discriminatórias de contratação nos Estados Unidos.

No diálogo, ocorrido em 2024 no The Charlie Kirk Show, Kirk concluía que as políticas discriminatórias levavam pessoas a questionar se algumas minorias estavam nos seus empregos por serem boas no que fazem ou se por terem sido favorecidas por políticas de “inclusão”. Ou seja, Kirk sugeria que essas políticas tinham o potencial de retirar mérito e levar outros a pensar que a pessoa que pilotava um avião podia estar lá apenas porque a sua contratação dava jeito para a empresa preencher “quotas” de certos grupos de pessoas. E considerava que isso era negativo.

white and black i am a good day print card
Foto: D.R.

Este é um exemplo. Mas há muitos mais. Mas o leitor não tem de acreditar no que escrevo aqui. Vá ouvir Kirk e tire as suas conclusões. Porque é verdade que Kirk pode ser visto como provocatório, dado que não alinhava com a forma de falar politicamente correcta — venerada hoje pelos media, em geral.

Mas há outro factor de relevo escondido pelos media: Kirk era um cristão devoto. E isso é relevante, por exemplo, no tema do aborto. Ou seja, o seu pensamento assenta nos princípios cristãos e “na Palavra”.

Se fosse um muçulmano devoto (ou até fundamentalista), os media teriam tratado Kirk como sendo um “racista, misógino, homofóbico, nazi e fascista”? Sabemos que não. Apenas o fizeram porque Kirk era cristão. Apenas não assumem isso. E ao fazê-lo legitimaram o seu assassinato.

person holding white book page
Foto: D.R.

O certo é que as mentiras e as citações sem contexto propagadas pelo The Guardian e outros media de dimensão espalharam-se. Ao ponto de gerarem uma onda de protestos na Internet devido à cobertura maliciosa que os media estavam a fazer sobre Kirk, manchando o seu nome.

Várias personalidades saíram em defesa de Kirk, como o comediante Terrence K. Williams, que condenou os que acusaram o jovem de ser racista. “Charlie Kirk não era racista e eu não vou ficar de braços cruzados a permitir que as pessoas espalhem essa mentira. Dei os meus parabéns ao Charlie Kirk no ano passado e agradeci-lhe por ter ajudado centenas de jovens negros a receber um convite para a Casa Branca em 2019. Ele ajudou a pagar a maioria dos voos e hotéis deles porque viajar custava muito [dinheiro] e ele não queria que eles perdessem essa oportunidade. Ele proporcionou-lhes uma experiência e uma oportunidade única na vida e, sim, ele também me ajudou a receber um convite. Vou sentir tanto a sua falta!”

O mesmo se repete em relação a outras mentiras dos media sobre Kirk. Em Portugal, além das notícias falsas que acusam Kirk de racista, misógino e de pertencer à extrema-direita, há ainda as mentiras espalhadas por comentadores, como Filipe Santos Costa. Este ex-jornalista tem repetido na CNN, impunemente, a mentira de que Kirk defendia o apedrejamento até à morte de homossexuais. Kirk jamais defendeu tal atrocidade. Aliás, qualquer jornalista verifica, numa breve pesquisa, que Kirk, era tolerante e defendia o diálogo e a tolerância. Num dos debates numa universidade, Kirk afirmou que, não concordava com “esse estilo de vida” (homossexualidade) mas frisou isto: o mais importante na identidade de uma pessoa não deve ser o que faz na intimidade, no quarto.

gray and brown stones on gray ground
Foto: D.R.

Além de jornalistas e comentadores, académicos também fogem aos factos. A historiadora portuguesa Irene Pimentel escreveu na rede social Facebook, da Meta, que Kirk era “nazi”, o que é obviamente falso. Mais uma vez, este tipo de acusações difamatórias acabam por desumanizar o alvo e facilitar e até legitimar os ataques e as agressões contra personalidades que não sendo “nazis” nem “fascistas” sofrem campanhas de desumanização.

Na realidade, Kirk não falava a linguagem woke tão amada por académicos seguidores de ideologias de esquerda, da extrema-esquerda. E, acresce, que era cristão, portanto era crítico de alguns temas e odiado por aqueles que hoje vêem no Cristianismo uma ameaça.

Perante tantos jornalistas e personalidades a atirar pedras ao nome e reputação de Kirk, quantos jornalistas arriscam hoje escrever a verdade sobre ele? Poucos.

Red game pieces grouped with one isolated piece symbolizing social distancing on a reflective surface.
Foto: D.R.

A onda de desinformação criou uma imagem falsa de Kirk. É fácil desmontar as mentiras? É. Qualquer pessoa faz isso em segundos. Qualquer jornalista. Mas falta a vontade. Falta vontade de fazer Jornalismo isento. Sem ideologias. Sem preconceitos. Falta a vontade de seguir o método que obriga a ir à fonte e verificar qual é a verdade. Sem os óculos do wokismo, sem os óculos dos ateus e das correntes em voga que ostracizam o Cristianismo.

É preferível pensar que é uma questão de “falta de vontade” ou de “preguiça”. Porque a alternativa é impensável: foi por maldade e má-fé.

Como jornalista, observam-se os factos. Pode não se concordar com as posições cristãs e conservadoras de Kirk. Pode não se apreciar a linguagem directa e assertiva, nada politicamente correcta. Pessoalmente, partilho uma visão diferente da dele em muitos temas. Mas isso não é relevante quando estou a exercer a minha profissão de jornalista e a cumprir o meu dever de informar com isenção e profissionalismo.

Um jornalista pode ser ideologicamente de extrema-esquerda e ser ateu ou agnóstico, e mesmo assim ser um bom jornalista, que faz uma cobertura noticiosa dos eventos de forma isenta e rigorosa. Ou um jornalista pode ser ideologicamente da ala conservadora e muçulmano e ser um excelente profissional.

black Corona typewriter on brown wood planks
Foto: D.R.

O preço a pagar sempre que jornalistas mentem é que toda a classe perde credibilidade. Isso voltou a acontecer, agora, com o homicídio de Kirk. Já tinha acontecido em muitas outras situações. O preço a pagar pelas mentiras é o desaparecimento do Jornalismo enquanto bússola e farol no mar sem fim de informação que temos hoje. E o mar está revolto, há ondas brutais e rochas afiadas que ameaçam a navegação.

A esperança está nos jornalistas, nos profissionais que recusarem seguir as “manadas” e as mentiras em direcção ao naufrágio. A esperança está nos jornalistas que seguirem as boas práticas de verificarem as fontes e as informações, que são as velas e o leme que podem levar a bom porto qualquer trabalho jornalístico. E aí, é lançada a âncora — a verdade.

Tendo começado a carreira de jornalista no tempo pré-Internet e smartphones — em que verificar dados e fontes dava mais trabalho e levava mais tempo — digo isto: nada mudou, no que toca ao básico em Jornalismo. Há mais ferramentas e meios, mas o básico mantém-se e há que procurar as fontes primárias, as fontes seguras e fiáveis para conseguir responder às questões simples que uma boa cobertura noticiosa exige. Quem? O quê? Onde? Quando? Como? Porquê?

Não basta serem fontes oficiais. Há que verificar se as fontes, mesmo as oficiais, têm interesses conhecidos ou escondidos, sejam económicos ou políticos, e deve ter-se isso em conta.

Hoje não é fácil um jornalista seguir estes princípios. Um jornalista que “se atreva” a “sair da linha” e a escrever “algo diferente” do que está a ser dito pelo The Guardian e similares, arrisca ser insultado, envergonhado publicamente. Arrisca ser catalogado de “nazi” e “fascista”.

tea light on brown surface
Foto: D.R.

Porque acredito que os tempos são de desafio moral e espiritual, e não apenas sobre os factos ou as boas práticas, concluo este texto com uma sugestão a todos os jornalistas: não tenham medo. Nunca tenham medo. Porque o que conta é estarmos em paz com a nossa consciência, enquanto profissionais e seres humanos.

Se um jornalista tem medo de escrever com base nos factos e se receia investigar, é porque vive num regime de ditadura. E isso sente-se hoje, esse peso da censura e dos “linchamentos” na praça pública perpetrados por aqueles que chamam outros de … “fascistas” e “nazis”. São esses os verdadeiros antidemocratas do nosso tempo.

O Jornalismo é um eterno aliado da democracia. O “jornalismo de manada”, usado para desumanizar e difamar, é uma arma poderosa que ameaça destruir a democracia e favorecer os que querem censura, pensamento único e opressão. Cabe aos leitores ver a diferença.