Que absoluta maravilha foi o encontro de Madrid, onde se reuniu a fina flor do fascismo europeu. Ou, como diria um qualquer colunista do Observador, da direita mais conservadora.
Desde a página de internet (“Patriots”) até ao lema “hacer Europa grande outra vez“, todo um nacionalismo de bater no peito, sem um invasor mais escuro que se aproximasse do palco (a não ser que estivesse a servir os canapés). Nota máxima para a cópia do slogan trumpista, adaptado ao nosso continente e dito em espanhol. Sim, porque a conferência pode reunir líderes racistas de vários países mas, convenhamos, se o cidadão espanhol comum já se vê aflito a entender-se com o inglês, quanto mais os nacionalistas.

Cada um dos aspirantes a ditador discursou na sua língua ou em inglês. O nosso Ventura foi a excepção, tecendo loas à caça aos imigrantes ou sugerindo a prisão de Pedro Sánchez, em castelhano. Ou vá, em portunhol daqueles que fariam o Jorge Jesus corar de vergonha.
Falou-se pouco de hambúrgueres, e foi uma pena, mas não faltaram referências aos cidadãos europeus que apoiam esta malta. E é justo que se diga que são muitos ou, como disse Geert Wilders, o lunático que manda nos nacionalistas da Holanda, “estamos a ganhar eleições por toda a Europa”. É um facto. Há milhões de pessoas da minha geração que dormiram nas aulas de História do 8.º ano e agora todos pagamos com a repetição dos factos ocorridos na década de 30 do século passado. Repetição, para alguns, claro. Para quem vota nesta gente, fazendo fé na sua ignorância, tudo isto é novidade.
Escusado será dizer que ouvi os discursos e, portanto, não vou ficar a sofrer sozinho com eles. Tenho que estragar o dia a mais alguém. Em princípio, não será a uma apoiante do Chega, porque isto já vai com mais do que um parágrafo.

O meu favorito foi o concorrente da Estónia. Vou tratá-los como participantes do Festival da Canção, está bem? Vocês depois logo vão ao Google ver os nomes. Dizia ele que não bastava parar com a imigração, era necessário mandá-los de volta para as suas terras. Ora… isto no sul de França, Andaluzia, Portimão, ainda tem algum impacto. Ainda se consegue um “preto vai para a tua terra” ou algo do género.
Agora, na Estónia? Um país com 1,3 milhões de habitantes, onde 96% da população é formada por estónios (70%), russos (20%) e ucranianos (6%)? Vão mandar quem para casa? Espero que arranjem por lá uns ciganos ou dez nepaleses, porque, se a ideia for deportar russos, é natural que os estónios acabem por ganhar um passaporte novo, feito na loja do cidadão de Moscovo. Acho pouco eficaz ser-se nacionalista num país cheio de neve e gente branca. É esquisito.
Também gostei bastante do concorrente da Polónia. Não deve ser fácil tentar formar uma oposição nacionalista quando o governo já é formado por nacionalistas. É como tomar banho de mangueira em dia de chuva. Uma pessoa pensaria que, de todos os países europeus, os polacos seriam aqueles que teriam mais asco a pessoas desta laia, mas não. É vê-los crescer quais cogumelos. Estes movimentos que rejeitam as alterações climáticas, casamentos entre pessoas do mesmo sexo, imigração ou tolerância religiosa.

O nosso Ventura foi o primeiro a chamar por Milei (Mariana, nem a motosserra vão deixar para ti). Abriu o esgoto e parecia que estava no nosso Parlamento. O homem tem carisma, é um facto. E ali, entre os seus, não se fez rogado, pedindo a prisão do actual primeiro-ministro de Espanha. Tudo bem que foi dito dentro de um pavilhão onde ninguém acredita na democracia, mas, assim de repente, a frase tinha tudo para criar um incidente diplomático. Pelo menos enquanto Portugal e Espanha ainda tiverem governos democráticos.
Falando em governos democráticos, a estrela da companhia foi, sem dúvida, Orbán, que fez um discurso emotivo sobre os seus quase 20 anos como primeiro-ministro. Santiago Abascal, o Ventura espanhol, elogiou o ancião húngaro e disse como era um exemplo para todos os outros. Esperei pela parte em que Orbán explicava as mudanças da Constituição no seu primeiro mandato para transformar a Hungria numa autocracia, mas… não aconteceu. Foi uma pena. O melhor da história fica sempre para a temporada seguinte.
O senhor da Áustria esteve muito bem também. Os austríacos deviam ter presença permanente nestes arraiais de fachos. Ouvir alemão e uma voz anasalada, em discursos contra imigrantes, é sempre refrescante.

Entre elogios a Trump, apareceu também a senhora venezuelana que faz sombra ao governo de Maduro, para justificar os recentes ataques da marinha norte-americana. Excelente cabelo para o rapaz da Holanda, que jurou que o seu bom amigo, “Santaigo Escabal”, seria o próximo primeiro-ministro de Espanha. Avisou que o multiculturalismo tinha acabado na Europa. Não sei se inclui a Holanda, um país com 17 milhões de habitantes, entre os quais 5 milhões de origens de outras paragens. Não é fácil andar a caçar ilhas nas Caraíbas ou na costa da América do Sul e depois querer um país cheio de louros.
Le Pen e Salvini participaram na questão: “Quem expulsa mais africanos?”. Ambos arrancaram palmas eufóricas aos congressistas delirantes. Foram os mais estatistas entre os alucinados, com críticas constantes às políticas da UE. Bruxelas foi um dos alvos, curiosamente o mesmo alvo que Le Pen usou para desviar fundos europeus. Mas quem é que quer saber disso? É preciso repetir que os senegaleses roubam, seja lá o que for, aos franceses.
Quando cheguei ao discurso do espanhol do Vox já estava farto de ouvir estes gajos todos. A palavra mais repetida foi “reconquista”, porque, como se percebe, a Europa está a ser invadida. Não se sabe bem por quem, mas, uma vez mais, não nos percamos nos detalhes. Entre os oradores passava uma música ao estilo Vangelis, para puxar pelo heroísmo da situação, a coragem do movimento e a epopeia em curso.

Não tenho a menor dúvida de que boa parte dos que ali estavam serão líderes nos respectivos países, desde logo o nosso mente-sempre-que-respira Ventura. Salvini e Orbán já o são. Putin, que não estando presente é o fundador do movimento, e Le Pen, entre tribunais e Bardellas, cedo ou tarde terão os nacionalistas a governar França.
Avizinham-se tempos negros para a Europa. Aproxima-se a terceira década do século e, tal como há 100 anos, os nacionalismos crescem e a corrida às armas é real. Contar-vos-ia o fim, uma vez que já vi este filme, mas não quero ser um desmancha-prazeres. Aproveitem bem o vosso voto. Ainda é coisa para dar uma chatice ou duas.
Tiago Franco é engenheiro de desenvolvimento