Ser funcionário público ou trabalhar para uma entidade pública em Portugal não tem de ser sinónimo de frugalidade ou austeridade. Pelo contrário, em alguns casos, há tratamento VIP. Num país que ainda ostenta mais de 1,6 milhões de habitantes sem médico de família, o PÁGINA UM detectou entidades públicas que contratam serviços de massagens para garantir a saúde física e mental dos seus funcionários.
Ainda este mês, o Banco de Portugal contratou, por ajuste directo, os serviços de uma empresa de massagens pelo valor de 12.240 euros por dois meses. A empresa escolhida foi a BV Eventos – Animação Turística, com sede num apartamento em Odivelas. A empresa opera com a marca BeWell e, no seu site, publicita algumas das suas clientes, designadamente duas das maiores do país: Sonae e Galp Energia.

Mas, pelos vistos, também o Banco de Portugal tem bolsos fundos. No mais recente contrato, adjudicado à BV Eventos no passado dia 7 de Agosto ficaram garantidos 58 dias de massagens a decorrer nas 14 instalações detidas pela instituição financeira, incluindo a sua sede, segundo o caderno de encargos do procedimento consultado pelo PÁGINA UM. A ausência de concurso foi justificada com o facto de se tratar de um contrato de valor inferior a 20 mil euros.
Este contrato iniciar-se-á no próximo dia 1 de Outubro, fazendo parte do “Programa de Bem-Estar 2025 do Banco de Portugal”, cujo objectivo é proporcionar aos trabalhadores “um conjunto de benefícios e actividades com o objetivo de promover o seu bem-estar através da iniciativa Momentos Anti-Stress”.
A iniciativa Momentos Anti-Stress “tem como objetivo oferecer aos trabalhadores do Banco de Portugal, sessões individuais (com uma duração mínimo de 15 minutos por sessão) para combater o stress e a ansiedade e atenuar dores posturais localizadas”.

O preço máximo contratado, de 12.240 euros, contempla um valor a cobrar de 240 euros por cada dia completo, abrangendo 30 sessões, e 135 euros para meio dia, com 15 sessões de massagens.
Nas instalações temporárias arrendadas pelo Banco em Lisboa, no Edifício Marconi, irá haver massagens disponíveis dois dias por semana, num total de 24 dias. No Edifício Castilho irá haver dois dias de massagens por mês, num total de seis dias. Já na sede, situada na Baixa lisboeta, irá haver um dia de massagens por mês, num total de três dias, tal como no Complexo do Carregado, Edifício Filial e Edifício Avenida da República.
Nas restantes instalações do Banco, espalhadas pelo Continente e Regiões Autónomas da Madeira e Açores, os trabalhadores vão beneficiar de dois meios dias de massagens.

A empresa tem de levar “os equipamentos e meios necessários à realização das sessões (cadeiras, materiais de higiene)”, enquanto o Banco de Portugal “assegurará os locais apropriados e confortáveis que garantam a privacidade dos trabalhadores”.
Mas está não é a primeira vez que o Banco de Portugal contrata esta empresa de massagens. Já em 8 de Agosto de 2024 adjudicou um contrato no montante de 35 mil euros à mesma empresa para prestar serviços de massagens, mas ao longo de nove meses. Neste caso, o procedimento foi feito por consulta prévia.
Outro cliente regular da BV Eventos é a Agência Nacional de Inovação (ANI) que já adjudicou quatro contratos a esta empresa nos últimos dois anos e meio. Dos quatro contratos, três foram relativos à “aquisição de serviços de saúde e bem-estar” no valor global de 32.785 euros.

Outra entidade pública que é cliente habitual da BV Eventos é a MPH – DomusSocial – Empresa de Habitação e Manutenção do Município do Porto, que já adjudicou à empresa dois contratos, em Janeiro deste ano e no início de 2023, para a realização de massagens, num total de 5.260,8 euros.
Mais compreensível, dada a natureza por vezes difícil das funções desempenhadas pelos trabalhadores, é o serviço contratado à BV Eventos pelo Centro de Emprego e Formação Profissional de Vila Franca de Xira. Num contrato adjudicado no dia 29 de Julho deste ano, no valor de 24.598 euros, foi feita a aquisição de um “programa de saúde e bem-estar”. Este programa foi destinado aos trabalhadores do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP) a nível nacional, abrangendo os trabalhadores “nos Serviços Centrais e nas Delegações Regionais”.
Também o município de Braga recorreu aos serviços da empresa, num contrato assinado no final de Julho de 2023 para a “prestação de serviços para a realização de atividades no âmbito da saúde e bem estar do Programa Equilíbrio”, não existindo mais detalhes disponíveis, a não ser o custo para os contribuintes: 17.030 euros.

No total, em dois anos e meio, a BV Eventos facturou 145.523,80 euros em 10 contratos angariados junto de entidades públicas, dos quais sete por ajuste directo.
É certo que a saúde mental e o bem-estar dos trabalhadores públicos são importantes, sobretudo quando as tarefas desempenhadas são exigentes do ponto de vista psicológico e emocional. Contudo, com tantas despesas que saem do bolso do contribuinte, pouco ou nada sobra para massagens e, tanto o seu bem-estar como a sua saúde mental podem ficar comprometidos com os ‘mimos’ extravagantes que algumas entidades públicas distribuem pelos seus quadros.