Rogério Colaço, o presidente do Instituto Superior Técnico (IST), não cumpriu o acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul (TCAS), que determinou a obrigatoriedade de disponibilizar os 51 relatórios relacionados com a pandemia da covid-19 que aquela instituição universitária terá elaborado em 2021 e 2022 para continuar a alimentar o alarmismo numa fase em que o SARS-CoV-2 se encontrava em fase endémica.
O acórdão do TCAS é de 12 de Dezembro passado e já transitou em julgado, sem que Rogério Colaço, que desde o início do processo deu indicações de prepotência, tenha enviado os relatórios sobre Epidemiologia por si coordenados em articulação com uma suposta equipa científica credível constituída por Pedro Amaral, José Rui Figueira, Henrique Oliveira e Ana Serro. Os relatórios surgiram de uma parceria com a Ordem dos Médicos, então liderada por Miguel Guimarães, actual vice-presidente do Grupo Parlamentar do PSD,
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Um dos dois únicos relatórios científicos conhecidos, divulgado em Julho de 2022, chegava a afirmar que as festas populares e festivais de música em Lisboa estariam “na origem de 340 mil casos de covid-19” que teriam causado “a morte de 790 pessoas”. A credibilidade científica destes relatórios, ainda mais de uma instituição pública com pergaminhos, era muito questionável – e o IST fez de tudo para que o PÁGINA UM não tivesse acesso aos relatórios que foram ‘semeando’ pânico com ares de Ciência.
Após uma recusa por mensagem de smartphone do presidente do IST, o PÁGINA UM recorreu ao Tribunal Administrativo que, numa primeira decisão, em Janeiro de 2023, reconheceu o direito do PÁGINA UM ao acesso ao chamado “Relatório 52”, mas não se pronunciou sobre os restantes 51 relatórios e os ficheiros de dados utilizados nas análises. A decisão foi contestada por ambas as partes: o IST argumentava que não havia prova da existência dos relatórios anteriores – mesmo se numerara os dois únicos relatórios conhecidos com os números 51 e 52 –, enquanto o PÁGINA UM defendeu que todos teriam de ser divulgados.
A luta judicial chegou a ter contornos constrangedores – e também confrangedores, por se tratar do IST –, pois ao contrário de se seguir o espírito científico de tudo se mostra, fez-se ao contrário. Para evitar o acesso, a instituição liderada por Rogério Colaço ‘inovou’ pelo absurdo: considerou, em finais de Setembro de 2022, que aquilo que fora divulgado seria “um esboço embrionário, que consubstancia[va] um mero ensaio para um eventual relatório”. A intenção era clara: convencer o tribunal a não se aplicar a Lei do Acesso aos Documentos Administrativos. Pouco mais tarde, ainda em sede de processo de intimação, o IST diria que nunca negara “ter elaborado um ensaio, apenas afirm[ara] que não se tratava do produto final do estudo, mas uma mera abordagem embrionária, por isso era um esboço”. E acrescentava que o seu “esboço”, que associou mortes às festividades de Junho, “pode[ria] não conter informações exactas e precisas.”
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Nunca tendo feito mea culpa por ter andado a lançar desinformação científica com chancela universitária, o presidente do IST continuou a lutar com o recurso para não dar os restantes 51 relatórios, cuja existência formal está até em causa, o que acarretaria, além de falta de integridade académica, uma situação compaginável com manipulação de dados e mesmo fraude científica.
No acórdão de Dezembro passado do TCAS, mais de dois anos e cinco meses após o pedido inicial, os juízes desembargadores concluíram que a sequência numérica indicava logicamente a existência dos 51 relatórios anteriores. O tribunal rejeitou ainda a alegação do IST de que os documentos seriam “esboços embrionários”, afirmando que os relatórios, independentemente do seu carácter preliminar, são documentos administrativos sujeitos a divulgação.
No entanto, a decisão judicial isentou o IST da obrigação de fornecer os ficheiros de dados utilizados na elaboração dos relatórios, argumentando que o pedido formulado pelo PÁGINA UM não especificava suficientemente a origem e o formato dos ficheiros. Esta interpretação é, no mínimo, questionável, uma vez que qualquer estudo quantitativo requer necessariamente um conjunto de dados para sustentar as suas conclusões.
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Uma vez que o IST não cumpriu o prazo para entrega dos relatórios, nem recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo, o processo seguirá agora para uma execução de sentença com pedido para ser aplicada uma sanção pecuniária compulsória contra Rogério Colaço, ou seja, uma multa diária a pagar directamente pelo presidente do IST por cada dia de atraso.
Foi essa, aliás, a única forma legal que permitiu que, recentemente, o presidente do Conselho Superior da Magistratura disponibilizasse os relatórios da inspecção à distribuição da Operação Marquês. Sob os bolsos de João Cura Mariano, também presidente do Supremo Tribunal de Justiça, pendia uma multa diária de 50 euros. Caso Cura Mariano preferisse pagar, seriam cerca de 1.500 euros por mês a decontar do seu salário bruto de 7119, 50 euros.
N.D. Os processos de intimação do PÁGINA UM são financiados pelos leitores através de donativo dirigidos em exclusivo ao FUNDO JURÍDICO, usando a plataforma do MIGHTYCAUSE. Se preferir usar outros meios, agradecíamos um aviso para procedermos ao depósito na plataforma. Se necessitar de esclarecimentos, escreva-nos para geral@paginaum.pt.