Elevadores do Campus de Justiça de Lisboa estão ‘fora da lei’


Os elevadores do Campus de Justiça de Lisboa estão a funcionar em violação clara das normas de segurança, carecendo, pelo menos no edifício B, conforme constatou in loco o PÁGINA UM, da inspeção obrigatória que deveria ter sido realizada até Abril passado. Esta irregularidade numa norma crítica de segurança ocorre na generalidade dos diversos edifícios deste parque judiciário.

O certificado afixado no interior dos dois ascensores no edifício B, com oito pisos, usados por advogados, testemunhas e arguidos, é inequívoco: a última emissão da inspeção ocorreu em 22 de Junho de 2023, devendo a seguinte ter sido realizada até 22 de Abril de 2025. Porém, já passaram quase oito meses de incumprimento, sem que a autoridade competente tenha promovido qualquer selagem ou suspensão de funcionamento, como a lei impõe em situações de risco ou ausência de inspeção válida.

Confrontado pelo PÁGINA UM, o Ministério da Justiça começou por assegurar que “não existe qualquer incumprimento contratual”, garantindo que a manutenção está “totalmente assegurada” pela empresa KONE, que desde 2008 mantém um técnico residente no Campus da Justiça e realiza “protocolos equivalentes aos verificados numa inspeção periódica”.

A resposta inicial do Ministério da Justiça procurava dar a entender que a inspeção formal seria apenas um acto complementar, um ritual técnico sem impacto na segurança, já que o sistema de manutenção estaria — segundo a tutela — muito acima das exigências legais.

Porém, essa narrativa colapsa perante o que diz o próprio diploma que regula a matéria. Os diplomas legais de segurança de elevadores determinam não apenas que as inspeções periódicas são obrigatórias e devem ser requeridas nos prazos legais (dois meses antes do fim do prazo), mas também que, quando não realizadas, o elevador não pode permanecer em serviço, ficando sujeito a selagem pela Câmara Municipal e à aplicação de coimas.

Fotografia tirada pelo PÁGINA UM no dia 4 de Dezembro num dos dois elevadores de acesso às salas de audiência, que mostram que o certificado de segurança caducou em Abril deste ano.

A lei é explícita: um ascensor sem inspeção válida não oferece as necessárias condições de segurança, mesmo que alegadamente haja manutenção. Recorde-se que, no recente acidente do Elevador da Glória, também existia um contrato de manutenção, mas já se observou que não era cumprido. Na verdade, não existe legalmente qualquer figura jurídica chamada “protocolos equivalentes”, muito menos com valor para substituir uma inspeção formal realizada por entidade independente.

Depois de confrontado com fotografias dos certificados caducados, o Ministério da Justiça mudou radicalmente de tom, passando a declarar que “a responsabilidade pela manutenção dos elevadores do Campus da Justiça pertence ao condomínio e não ao IGFEJ [Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça] ou a qualquer organismo da Justiça”, citando uma norma do decreto-lei de 2002. E acrescentou ainda que o condomínio teria comunicado à Câmara Municipal de Lisboa, “dentro do prazo legal”, o pedido de agendamento da inspeção. Não explicou, contudo, por que motivo tal inspeção ainda não ocorreu ao longo de todos estes meses, nem por que razão os elevadores continuam a funcionar sem certificação válida.

A versão oficial, longe de clarificar, levanta ainda mais questões, sobretudo pelas implicações de segurança que acarreta. Desde Junho de 2023, o Campus da Justiça deixou de pertencer ao Estado, tendo sido integrado no Fundo OPE, um fundo imobiliário cuja propriedade está actualmente nas mãos de um investidor sediado em Singapura, sendo gerido pela South, empresa especializada na administração de activos imobiliários. São estes os actuais proprietários das dezenas de milhares de metros quadrados do complexo onde estão instalados tribunais, serviços do Ministério da Justiça, um parque de estacionamento e áreas comerciais ocupadas pelo El Corte Inglés.

Edifício B tem oito pisos acima da superfície.

Ou seja, o Estado português é hoje apenas inquilino no maior complexo judicial do país, mas é neste mesmo complexo que os seus serviços continuam a operar elevadores cujo funcionamento viola a legislação nacional. Independentemente de se saber a quem cabem as responsabilidades da inspeção, o simples conhecimento desta grave falha no Campus da Justiça — onde, ironicamente, serão julgadas eventuais responsabilidades criminais do acidente do Elevador da Glória — torna evidente que a ausência de inspeção dentro do prazo constitui uma contra-ordenação grave.

A legislação determina que a Câmara Municipal de Lisboa pode — e deve — selar o equipamento sempre que não estejam garantidas as condições de segurança, o que inclui precisamente a ausência de inspeção válida. O facto de a KONE ter um técnico residente ou um sistema de telemetria não substitui a obrigação legal de inspeção independente. A lei não prevê excepções, nem admite interpretações criativas.