Polémica continua: Centro de Estudos Judiciários ‘marimba-se’ para despacho da ministra da Justiça


A divulgação dos resultados das candidaturas para o curso de formação de juízes e magistrados do Ministério Público não travou a polémica — nem, tampouco, a estupefacção geral — quanto ao modus operandi de um processo que deveria ser, por natureza e exigência institucional, um exemplo de rigor, transparência e decência procedimental.

Na passada segunda-feira, já ao cair da noite, o Centro de Estudos Judiciários (CEJ) publicou finalmente duas listas. A primeira consistia num uma relação graduada com 202 números associados a candidatos identificáveis — todos com média final igual ou superior a 10 valores, variando entre 16,259 e 10,625 —, dando a entender que, cumprindo um despacho do Ministério da Justiça de Fevereiro, seriam preenchidas as prometidas 181 vagas.

Rita Alarcão Júdice, ministra da Justiça, prometeu 181 vagas; CEJ decidiu só homologar 149 candidatos, mesmo havendo 202 com notas suficientes.

Porém, em simultâneo, surgiu uma segunda lista que afinal apenas homologava a aceitação de apenas 149 candidatos para frequentar o curso. Ou seja, ficaram pelo caminho 32 candidatos, apesar de terem ultrapassado todas as fases do concurso e de haver vagas legalmente fixadas para os acolher. Uma parte dos alunos desse grupo de 32 tiveram notas finais superiores á da última entrada no curso de 2024, que até teve menos vagas, o que aumentou o clima de injustiça.

Nem o CEJ, que manteve uma postura de completo silêncio ao longo de todo o processo — um silêncio que roça o obscurantismo —, nem o Ministério da Justiça, tutelado por Rita Alarcão Júdice, prestaram qualquer esclarecimento ao PÁGINA UM sobre os motivos que levaram a este incumprimento de uma promessa pública e formal.

Recorde-se que, no início de Fevereiro, a ministra social-democrata prometeu com pompa e circunstância a abertura de 181 vagas para o curso de formação de magistrados, o que representava um aumento de 34% face ao concurso de 2024. O reforço seria viabilizado pela abertura de um novo pólo do CEJ em Vila do Conde, descentralizando a formação e, segundo o discurso político, respondendo à crónica escassez de juízes e procuradores num sistema judicial conhecido pela morosidade e pela falta de recursos humanos.

photo of person reach out above the water

Um outro diploma aprovado pela Assembleia da República permitia uma maior abertura de candidaturas porque passou a contemplar, entre outras medidas, a criação de reservas de recrutamento, a extensão de protecção social aos auditores de justiça — que até aqui se encontravam desprovidos de qualquer regime — e até uma nova estrutura directiva para o CEJ. Tudo parecia preparado para um ciclo de renovação e reforço do corpo magistral.

O despacho da ministra seria publicado no dia 21 de Fevereiro determinando 75 vagas para magistratura judicial, outras tantas para a magistratura do Ministério Público e 31 para a magistratura dos tribunais administrativos e fiscais.

Mas o que se seguiu foi um processo que os próprios candidatos descrevem como “kafkiano” (expressão mais justa do que “rocambolesco”), digno de uma sátira burocrática em três actos: primeiro, em Junho, o CEJ anulou um exame de Direito Penal e Processo Penal porque alguns candidatos fizeram batota e tiveram acesso prévio ao enunciado da prova.

Mauro Paulino, psicólogo e comentador da SIC: nove em cada 10 ‘chumbos’ que decretou foram depois revertidos numa segunda avaliação externa.

Mais recentemente, uma empresa privada de Psicologia — a Think About, dirigida por Mauro Paulino, conhecido pelos seus comentários matinais na SIC — foi contratada, sem sequer se conhecer os procedimentos nem o valor,  para aplicar testes psicológicos aos candidatos. E os resultados foram devastadores: mais de metade dos candidatos foram chumbados. Um verdadeiro extermínio psicológico. Entre os afectados, encontravam-se cerca de uma centena de candidatos que tinham superado as provas escritas e orais, exigentes e longas, sobre matérias de Direito e Cultura Geral.

Algumas das perguntas de um dos testes psicológicos, que o PÁGINA UM revelou em primeira mão, pareciam saídas de um manual de caricaturas comportamentais. Face às reclamações, o CEJ mandou proceder a uma nova avaliação psicológica, desta vez sob supervisão da Ordem dos Psicólogos Portugueses. E o resultado foi, no mínimo, revelador: das mais de 100 reprovações iniciais, apenas oito foram confirmadas. Em bom rigor, o “método científico” do ‘psicólogo da SIC’ falhara em nove de cada dez casos.

Este desfecho, contudo, não trouxe qualquer serenidade a uma parte dos candidatos que acabaram ‘salvo’ de um diagnóstico psicológico desfavorável.

A reavaliação atrasou o início das aulas em quase dois meses e deixou cicatrizes num processo já profundamente desacreditado. E, como se não bastasse, a lista final voltou a surpreender — desta vez pela exclusão inexplicável de mais de três dezenas de candidatos aprovados, o que contradiz o próprio despacho ministerial que fixara o número de vagas.

Sede do Centro de Estudos Judiciários, em Lisboa. / Foto: D.R.

Perante a ausência de esclarecimentos dos principais intervenientes – CEJ e Ministério da justiça –, em rigor, há três planos de responsabilidade a apurar.

Primeiro, o da direcção interina do CEJ, que geriu o processo de forma errática, escondendo informação e nunca prestando contas públicas. Segundo, o do Ministério da Justiça, que, tendo fixado as 181 vagas, não garantiu o cumprimento da sua própria decisão, nem veio explicar a razão de apenas 149 formandos terem sido admitidos. E terceiro, o da empresa privada Think About, cuja actuação — a par do silêncio cúmplice do CEJ e Governo — levanta sérias dúvidas sobre a seriedade dos critérios usados para avaliar a aptidão psicológica de quem pretende servir a Justiça.