No segundo aniversário da tentativa de assassínio de Alejo Vidal Quadras


O dia 9 de Novembro de 2023 começou como qualquer outro dia. A meio do dia [pouco depois da nossa teleconferência semanal] a minha vida mudou para sempre. Sobrevivi milagrosamente à tentativa de assassínio comandada pelo regime de Teerão. Esse deveria ter sido o ponto de viragem da política iraniana da Europa. Eu fui o primeiro político europeu pessoalmente alvo do terror iraniano. No entanto, uma mudança política significativa continua por fazer.

Tudo aconteceu perto de minha casa em Madrid. Um homem aproximou-se de mim pelas costas, cumprimentou-me delicadamente e levantou uma pistola à minha cabeça. Instintivamente virei-me e a bala que deveria ter atingido a minha garganta atravessou a minha mandíbula, deixando-me em agonia mas vivo.

(Alejo Vidal Quadras, tradução livre do texto em inglês que ele partilhou comigo antes de o publicar).

Conheci o Alejo há mais de duas décadas como colega no Parlamento Europeu e, apesar das nossas diferenças políticas – eu socialista, ele primeiro Vice-Presidente do Parlamento eleito pela principal agremiação do centro-direita, o Partido Popular -, sempre tivemos na oposição à ditadura clerical iraniana uma plena comunhão de pontos de vista.

Alejo Vidal Quadras

Como ele costumava dizer jocosamente, fui eu que o trouxe à causa, de que ele se tornou rapidamente o maior símbolo, tanto pelo facto de ser o mais proeminente dos políticos envolvidos na causa europeia dos amigos de um  ‘Irão Livre’ – grupo que fundei com o meu colega escocês Struan Stevenson – como pela frontalidade e energia que deu ao nosso combate comum.

Desde jovem que tomei a Europa Ocidental – que atravessei à boleia várias vezes de lés a lés – como a minha casa e, quando cheguei ao Parlamento Europeu em 1999, foi para o resto do mundo que olhei, começando pelo Irão, país de que muito tinha já aprendido com os seus refugiados políticos no continente e que não deixou até hoje de exercer o seu fascínio, tanto pela coragem e beleza dos que o querem ver livre como pela perfídia e monstruosidade dos que o gerem.

glass walled building during daytime

Quando recebi a notícia do atentado, preparei-me mentalmente para o adeus a um amigo e colaborador próximo, com a particularidade de ser o primeiro dos políticos europeus alvo pessoal do terror teocrático. Alguns dias depois, noite dentro, quando vi no mostrador do meu telemóvel uma chamada  do seu número, percorreu-me o calafrio de pensar que a sua esposa ou alguém próximo me anunciava o desfecho temido, e foi com incredulidade que distingui a sua voz, balbuciando apenas, esforçadamente, o apelo a que me protegesse, falasse com a polícia porque o regime iraniano iria certamente fazer comigo o que tinha feito com ele.

O Alejo, mesmo entre a vida e a morte, não tinha outra coisa em mente do que cuidar dos que com ele tinham feito o combate das suas vidas.

O terror do fanatismo islâmico iraniano tem uma dimensão enciclopédica, sendo o uso de grupos não iranianos usual há várias décadas. Reflectindo a cada vez maior fusão com o crime comum, e particularmente o narcotráfico, o regime iraniano tem usado em várias operações europeias os serviços da chamada ‘Mocromafia’ – um grupo nascido do tráfico de estupefacientes nos Países Baixos que diversificou a sua actividade para o assassínio contratual. Vários opositores iranianos exilados já foram eliminados dessa forma.

city skyline during sunset with city skyline

O Alejo ocupa o primeiro lugar de uma lista negra contendo os nomes de cidadãos não iranianos publicada pela teocracia, e o atentado representa por isso um passo importante na escalada da agressão islamo-fascista.

As autoridades  policiais espanholas atuaram de forma exemplar capturando a quase totalidade do grupo operacional da Mocromafia, com a excepção do responsável pela ligação aos comanditários iranianos que se pensa estar fugido no Irão, e as autoridades judiciais, a última vez no Verão deste ano, confirmaram a sua detenção preventiva sob a acusação de assassínio a mando do regime iraniano.

As autoridades políticas espanholas, no entanto, tal como o fizeram antes as belgas com o diplomata iraniano condenado por dirigir um atentado terrorista em Paris em 2018, e como tem sido timbre igualmente das autoridades europeias nas mais diversas circunstâncias, nada fizeram até hoje.

silhouette of bird flying

Se há algo de constante na lógica de actuação do regime iraniano é o tomar sempre como sinal de fraqueza todo o gesto de apaziguamento, e não tenho dúvidas por isso que esta tibieza dos responsáveis políticos europeus é uma ameaça grave à segurança europeia.

Como ele costuma dizer, a sua sobrevivência ao atentado é como um novo nascimento. E por isso, os meus votos de um feliz aniversário e de que o seu exemplo frutifique e anime os iranianos e os amigos da sua liberdade a virar a página do regime totalitário que agrilhoa o seu país.

Paulo Casaca é economista, académico, ex-diplomata e ex-deputado regional dos Açores, nacional e europeu. Foi co-fundador dos “Amigos de um Irão Livre” durante o mandato no Parlamento Europeu.